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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Helena Patrícia Freitas EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo Belo Horizonte 2018

EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

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Page 1: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

Helena Patrícia Freitas

EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO:

necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo

Belo Horizonte

2018

Page 2: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

Helena Patrícia Freitas

EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO:

necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Flaviane de Magalhães

Barros Bolzan de Morais.

Área de Concentração: Direito Processual.

Belo Horizonte

2018

Page 3: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Freitas, Helena Patrícia

F866e Eficiência da jurisdição: necessidade de sua (des)construção para efetivação

do modelo constitucional de processo / Helena Patrícia Freitas. Belo Horizonte,

2018.

228 f.

Orientadora: Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito

1. Jurisdição. 2. Eficiência (Direito). 3. Princípio da efetividade. 4. Direito

constitucional - Brasil. 5. Processo civil. I. Morais, Flaviane de Magalhães Barros

Bolzan de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de

Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342

Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/2999

Page 4: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

Helena Patrícia Freitas

EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO:

necessidade de sua (des)construção para efetivação do modelo constitucional de processo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Direito Processual.

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais – PUC Minas (Orientadora)

__________________________________________________________________________

Prof. Dr. Dierle José Coelho Nunes – PUC Minas (Banca Examinadora)

__________________________________________________________________________

Prof. Dr. José Luís Bolzan de Morais – Faculdade de Direito de Vitória (Banca Examinadora)

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. José Adércio Leite Sampaio – PUC Minas (Suplente)

Belo Horizonte, 07 de dezembro de 2018.

Page 5: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

Ao Andrezinho e à Olívia, que, em mim, causam

(R)EVOLUÇÃO por um amor

que transcende...

Page 6: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

AGRADECIMENTOS

Gratidão é reconhecer no outro toda a importância da luta. É saber que precisamos

estar juntos para valer a pena. É sentir que os laços são mais fortes que os nós.

Com humildade, reconheço as dificuldades de chegar até aqui. E não digo isso a

partir do meu ingresso no PPGD PUC Minas. Digo isso, pois tive uma infância dolorida.

Uma infância na qual perdi meu pai, quem eu amava demais, e, naquele momento, pensei que

não fosse mais conseguir estudar. A dor de perdê-lo e as incertezas que vieram dali tiveram

que fazer irromper em mim uma força que eu nunca soube que tinha. A caminhada foi

duríssima, foi preciso me desdobrar para seguir. E só consegui, de verdade, pois tive pessoas

especiais para me ajudar.

Assim, reconheço em Deus todo o poder de ter me guiado e feito de mim alguém capaz

de seguir com coragem e fé.

Ao meu pai, Israel Chaves de Freitas, homem íntegro e inteligente, em quem me

espelho para ser uma pessoa melhor. Ele me ensinou, entre tantas coisas, o amor pelos

estudos e a não desistir. É tão estranho e tão bom: mesmo que a presença física não se

perfaça, sinto de perto seu coração tocar o meu o tempo todo!

Agradeço à minha mãe, Lourdinha, que cuida de nós com tanto carinho. Ao mesmo

tempo em que expresso gratidão, peço desculpas pela minha ausência tão constante,

sobretudo, durante o período (tão importante) de desenvolvimento desta pesquisa.

Todas as palavras que eu tentar utilizar jamais serão capazes de expressar minha

gratidão aos meus irmãos, Israel e Letícia, que são incríveis (em tudo que fazem) e que

cuidaram (sempre) da mamãe muito melhor que eu. Agradeço ainda por terem me

presenteado com os sobrinhos mais lindos, Guilherme, Mariana e Pedro, além do que devo

agradecer aos meus cunhados, Léo e Cris.

Ao André, meu amor, que merece o mundo! Só agradecer ao André é pouco demais, já

que tem sido capaz de, carinhosamente, entender minha loucura e meus sonhos. É capaz de

manter meu coração tranquilo e de compreender minha mente sempre tão inquieta, que não

cessa de querer mudar o mundo.

Devo agradecer ao Andrezinho e à Olívia, meus filhos amadíssimos, que, com doçura,

inteligência e me dando os abraços mais gostosos do mundo, cobriram meus dias difíceis de

luz! Meus filhos, que têm poder transformador e que fazem de mim uma pessoa mais feliz.

São eles, a minha inspiração para a busca de um mundo melhor...

De todo o coração, agradeço à vovó Helena, que, em vida, deixou o maior exemplo de

Page 7: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

honestidade e de força que eu poderia ter, e que, mesmo após sua partida, continua sendo

referência para mim.

Agradeço ao Arnaldo, meu amigo-irmão e sócio, que desde a graduação acompanha

minha trajetória, sempre torcendo para que tudo dê certo para nós todos, além de ser um

exemplo inabalável de fé.

Ao Sérvio, que confiou em mim desde os tempos de estágio, meu reconhecimento,

carinho e gratidão eternos. O Grupo Barcelos é importante demais para mim.

Ao Dr. José Anchieta, grande amigo de nossa família, jamais serei capaz de externar

toda a minha gratidão, sobretudo, por ter me ajudado em momentos importantes da vida.

Agradeço à Patrícia, que me ajuda a cuidar do Andrezinho e da Olívia sempre com

tanto amor e carinho.

Serei eternamente grata a cada um de meus professores, desde aqueles que me

acompanharam no maternal até os mais recentes. Ensinar é ato de doação e, sem vocês, eu

jamais teria chegado até aqui. Eu gostaria de nomear todos, mas, diante da impossibilidade

de fazê-lo, agradeço a cada um, na pessoa de minha professora querida, que lecionou no

Instituto Maria Montessori, Ivone Gomes.

À minha orientadora, Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais, que me guiou

de maneira exemplar, prestando o auxílio necessário para o melhor desenvolvimento da

pesquisa. Todo o meu reconhecimento e admiração.

Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas,

que contribuíram para a minha formação e desenvolvimento, Ronaldo Brêtas de Carvalho

Dias, Rosemiro Pereira Leal, Dierle Nunes, Vicente de Paula Maciel Júnior, Alberico Alves

da Silva Filho e Lucas Gontijo.

Aos amigos que o PPGD PUC Minas trouxe para mim e que facilitaram a árdua

caminhada, Armando Ghedini Neto, Luciana Morato, Nathália Medeiros, Lorena Ribeiro,

Érica Aragão, Luís Gustavo Mundim, Felipe Vaz, Allan Milagres, Alexandre Varela,

Alexandre Rocha, Alisson Martins, Danúbia Paiva, Sílvio de Sá Batista, Lorena Rogedo

Bastianetto, Aline Nahas, Lidiane Reis, Reginaldo Gomes, André Bragança, Bruno Borges,

Francisco Dourado, Luís Henrique Vieira Rodrigues, Luís Sérgio Arcanjo, Flávia Penido,

Túlio Márcio Santos Trindade, Vinícius Monteiro de Barros, Gabriela Oliveira Freitas,

Rodrigo Fonte Boa.

Aos funcionários da secretaria do PPGD PUC Minas, Erinalda, Fernando, Breno,

Arthur, Bárbara e Léo, que sempre nos dão o suporte necessário.

Aos bibliotecários da PUC Minas, agradeço a todos na pessoa da Suelen, por terem

Page 8: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

auxiliado na busca dos livros e artigos importantes para o desenvolvimento da pesquisa.

E a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta construção.

Page 9: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

“E por isso ser contemporâneo é, antes de tudo, uma questão de coragem: porque

significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de

perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós.”

(AGAMBEN, 2010, p. 65).

O estado de rebelião significava um certo olhar, uma certa inflexão de voz; no

máximo uma ou outra palavra cochichada. Os proletas, porém, se de algum modo

acontecesse o milagre de que se conscientizassem da força que possuíam, não teriam

necessidade de conspirar. Bastava que se sublevassem e se sacudissem, como um

cavalo se sacode para expulsar as moscas. Se quisessem, podiam acabar com o

Partido na manhã seguinte. Mais cedo ou mais tarde eles teriam a ideia de acabar

com o Partido, não teriam? (ORWELL, 2009, p. 88-89).

Onde fica o homem dentro disto tudo? Qual a sua função dentro da natureza, do

universo? Ele rege ou é regido? E este esforço tremendo que o homem fez durante

séculos para ser o dominador, o que detém o poder? Teria o homem ido além,

ousando alterar a estrutura interna do universo? Modificá-la, antes sequer de

compreender, ou dominar, as pequenas estruturas que somadas formam o nosso

mundo? Quer dizer: ele ainda não estava preparado para a grande modificação e

cometeu um grande erro. Em algum ponto. (BRANDÃO, 1982, p. 80).

Page 10: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

RESUMO

O objetivo geral da presente pesquisa é analisar se a eficiência da jurisdição pode contribuir

para a efetivação do modelo constitucional de processo. Trata-se de tema significativo, vez

que a eficiência foi o mote que direcionou as reformas estruturais no Brasil, realizadas pela

Emenda Constitucional n. 19/98 (Reforma Administrativa) e pela Emenda Constitucional n.

45/04 (Reforma do Judiciário). Além disso, o Código de Processo Civil de 2015, em seu

artigo 8o, traz a eficiência como norma fundamental do processo civil, o que repercute na

diretriz de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes. Para tanto, haverá a

necessidade de averiguar o neoliberalismo, que acabou por orientar a introjeção da eficiência

e realização de ajustes estruturais nos Estados, além de ter incutido um discurso de crise,

como estratégia para justificar a desregulamentação e permear o Estado de Direito a partir de

reformas legislativas de cunho eficientista neoliberal. Analisar-se-á, ainda, a eficiência, desde

sua concepção econômica até a concepção adotada pela metodologia do Law and Economics,

permitindo que, por fim, averigue-se a forma pela qual a eficiência vem sendo interpretada e

aplicada em termos jurídicos. Para viabilizar esse desenvolvimento, adota-se como marco a

teoria do processo como procedimento realizado em contraditório, desenvolvida por Elio

Fazzalari, agregada à categoria teórica do modelo constitucional de processo de Ítalo

Andolina e Giuseppe Vignera. Para tratar da eficiência, parte-se da categorização feita por

Michele Taruffo. A hipótese aventada é no sentido de que a eficiência deve se vincular à

jurisdição e não ao processo. O processo deve ser efetivo, com observância de direitos e

garantias fundamentais. Assim, cogita-se que, para que se possa atingir a eficiência da

jurisdição, em uma perspectiva processual democrática, deve haver a sua efetivação a partir

do modelo constitucional de processo. Para isso, no entanto, propõe-se a desconstrução da

eficiência, em sua concepção neoliberal, para posterior reconstrução em termos democráticos,

com base no modelo constitucional de processo.

Palavras-chave: Eficiência. Efetividade. Modelo Constitucional de Processo.

Page 11: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

ABSTRACT

The general aim of this research is to analyze if the efficiency of the jurisdiction can

contribute to the effectiveness of the constitutional model of process. This is a relevant issue,

since efficiency was the motto that directed the structural reforms in Brazil, carried out by the

Constitutional Amendment n. 19/98 (Administrative Reform) and by the Constitutional

Amendment n. 45/04 (Reform of the Judiciary). In addition, the Code of Civil Procedure of

2015, in its Article 8, brings efficiency as a fundamental norm of civil procedure, which has

repercussions on the guideline of interpretation and application of the legal system by the

judges. In order to do so, there will be a need to investigate neoliberalism, which eventually

led to the insertion of efficiency and structural adjustments in the States, as well as to instill a

crisis discourse as a strategy to justify deregulation and to permeate the rule of law from

legislative reforms of neoliberal efficiency. The efficiency will also be analyzed, from its

economic conception to the one adopted by the Law and Economics methodology, allowing,

finally, to investigate the way in which the efficiency has been interpreted and applied in legal

terms. In order to facilitate this development, the theory of the process as a contradictory

procedure, developed by Elio Fazzalari, is adopted added to the theoretical category of the

constitutional model of process of Italo Andolina and Giuseppe Vignera. In order to deal with

efficiency, the beginning is the categorization made by Michele Taruffo. The hypothesis put

forward is that efficiency must be linked to jurisdiction rather than to process. The process

must be effective with observance of fundamental rights and guarantees. Thus, it is

considered that, in order to achieve the efficiency of the jurisdiction, in a democratic

procedural perspective, it must be carried out from the constitutional model of process. For

this, however, it is proposed the deconstruction of efficiency, in its neoliberal conception, for

later reconstruction in democratic terms, based on the constitutional model of process.

Keywords: Efficiency. Effectiveness. Constitutional Model of Process.

Page 12: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AED

Art.

Análise Econômica do Direito

Artigo

BSC Balanced Scorecard

CNJ

CPC

CRFB/88

DEC

DPJ

FMI

IBDP

IPC-Jus

LINDB

MARE

n.

OCDE

ONU

RDM

REsp

STF

STJ

UFMG

Conselho Nacional de Justiça

Código de Processo Civil

Constituição da República Federativa do Brasil

Development Economics Department

Departamento de Pesquisas Judiciárias

Fundo Monetário Internacional

Instituto Brasileiro de Direito Processual

Índice de Produtividade Comparada do Poder Judiciário

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Ministério da Administração e Reforma do Estado

número

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

Organização das Nações Unidas

Relatório de Desenvolvimento Mundial

Recurso Especial

Supremo Tribunal Federal

Superior Tribunal de Justiça

Universidade Federal de Minas Gerais

Page 13: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 25

2 NEOLIBERALISMO E SUA RELAÇÃO COM A EFICIÊNCIA ................................ 35

2.1 O colóquio de Walter Lippmann e o “novo liberalismo” ............................................. 36 2.2 Keynesianismo: um dos inimigos neoliberais ................................................................. 39 2.3 O neoliberalismo a partir de Mont Pèlerin .................................................................... 42 2.4 Bretton Woods: a origem do Banco Mundial e do FMI ................................................ 45 2.5 O percurso neoliberal para ajustes voltados aos interesses do mercado ..................... 48

2.6 A desregulamentação como estratégia do Banco Mundial ........................................... 53

3 A CRISE COMO ESTRATÉGIA NEOLIBERAL DE DETURPAÇÃO DO ESTADO

DE DIREITO .......................................................................................................................... 63 3.1 Da acepção e da concepção de crise como justificativa para realização de reformas 66 3.2 Direitos fundamentais e direitos “fundamentais” do mercado .................................... 75 3.2.1 Teorias processuais e modelo constitucional de processo .............................................. 79

3.2.2 A formulação das decisões jurisdicionais e a legitimidade no modelo constitucional de

processo .................................................................................................................................... 83

3.2.3 Da concepção de legitimidade que serve ao mercado .................................................... 88

3.3 Jurisdição: legitimadora do Estado de Direito ou do Estado de Exceção? ................. 91

4 OS FUNDAMENTOS DA EFICIÊNCIA NO BRASIL ................................................. 105

4.1 A introjeção da eficiência para fixação da matriz neoliberal: a Emenda

Constitucional n. 19/98 e a nova racionalidade da Administração Pública gerencial .... 105 4.2 A Emenda Constitucional n. 45/04 e a eficiência como meta da jurisdição .............. 110 4.2.1 Da celeridade e da razoável duração do processo ....................................................... 113 4.2.2 A eficiência para o Conselho Nacional de Justiça: a quantificação como estratégia

precípua .................................................................................................................................. 115

4.3 Eficiência e sistema judicial ........................................................................................... 121 4.3.1 Eficiência e gestão do Judiciário (ajuste macroestrutural) .......................................... 121 4.3.2 Eficiência e decisão jurisdicional (ajuste microestrutural) .......................................... 127

5 DA EFICIÊNCIA E SUAS PERSPECTIVAS PARA A CIÊNCIA ECONÔMICA,

PARA A ADMINISTRAÇÃO E PARA A METODOLOGIA DO LAW AND

ECONOMICS ........................................................................................................................ 133 5.1 Eficiência na Ciência Econômica .................................................................................. 133 5.1.1 O utilitarismo de Bentham ............................................................................................. 133 5.1.2 Eficiência de Pareto ...................................................................................................... 135 5.1.3 Eficiência em Kaldor-Hicks .......................................................................................... 137

5.2 Eficiência na Administração .......................................................................................... 138 5.3 A eficiência para a metodologia do Law and Economics ............................................. 140 5.3.1 Eficiência e Teorema dos custos da transação de Coase .............................................. 141 5.3.2 Posner e a maximização da riqueza .............................................................................. 144 5.3.3 A análise econômica da litigância de Kaplow e Shavell ............................................... 153

6 DA EFICIÊNCIA E SUA PERSPECTIVA JURÍDICA ................................................ 157

6.1 Eficiência para Taruffo .................................................................................................. 157 6.2 Eficiência na concepção doutrinária brasileira ........................................................... 160

Page 14: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

6.3 O cerne eficientista de viés quantitativo do CPC/15 ................................................... 164

6.4 A eficiência como norma fundamental do processo e como critério de aplicação do

ordenamento jurídico ........................................................................................................... 171

7 DA DESCONSTRUÇÃO DA EFICIÊNCIA E DA SUA NECESSÁRIA

RESSIGNIFICAÇÃO A PARTIR DO ALINHAMENTO À EFETIVIDADE DO

PROCESSO ........................................................................................................................... 175 7.1 Direito como violência e poder: a eficiência e a necessidade de sua desconstrução . 175 7.2 Eficiência da jurisdição e efetividade do processo: distinção fundamental .............. 180 7.2.1 Da efetividade do processo e da fiscalidade (accountability judicial decisional) ........ 189 7.2.2 Da proposta de reconstrução da eficiência pela conformação das decisões ao modelo

constitucional de processo ..................................................................................................... 195

8 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 199

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 209

Page 15: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

25

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa proposta apresenta como tema a eficiência da jurisdição, visando a analisar

de que forma a eficiência contribui (ou não) para a efetivação do modelo constitucional de

processo. Assim, conjectura-se que, em uma perspectiva processual democrática, a eficiência

da jurisdição poderá ser obtida a partir de sua desconstrução e posterior reconstrução pela

observância do modelo constitucional de processo.

Para isso, é preciso considerar que a eficiência foi incorporada à Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), a partir da Emenda Constitucional n.

19/98, que consagrou a eficiência como princípio e meta da Administração Pública. Com esse

alicerce, a eficiência veio a ser pautada pela Emenda Constitucional n. 45/04, que impôs a

celeridade e a razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII, da CR/88).

As mencionadas emendas constitucionais, ambas com orientação neoliberal, foram

impostas pelo Banco Mundial, que emitiu um relatório intitulado Documento Técnico n. 319,

em 1996, com o intuito de delinear o setor judiciário na América Latina e no Caribe,

definindo elementos para a reforma no seguinte sentido: “um poder judiciário eficaz e

funcional é relevante ao desenvolvimento econômico. [...] A reforma do judiciário tem como

alvo o aumento da eficiência e equidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso à

justiça e promovendo o desenvolvimento do setor privado” (DAKOLIAS, 1996, p. 19).

Nessa medida, as reformas processuais que se sucederam foram motivadas pela

convicção do Banco Mundial de que o exercício da atividade jurisdicional no Brasil

mostrava-se ineficiente, moroso e burocrático, de modo a obstaculizar o desenvolvimento.

Vincada no discurso de crise do Judiciário, a eficiência foi, assim, incutida no

ordenamento jurídico brasileiro de forma violenta, com o objetivo de atendimento do

mercado, sem se perquirir se o eficientismo proposto seria alicerçado na observância aos

direitos e garantias fundamentais. Ao contrário, a eficiência vislumbrada pela ideologia

neoliberal buscou celeridade e redução de custos para o mercado, de modo a lhe assegurar

segurança e mitigação de riscos negociais. Dessa forma, as reformas processuais acabaram

por inobservar direitos e garantias fundamentais, o que demonstrou desmazelo ao preconizado

pelo Estado Democrático de Direito.

Assim, cumpre questionar: a eficiência é compatível com o processo democrático? No

modelo constitucional de processo, de que forma se pode implementar eficiência no exercício

da atividade jurisdicional? São esses os problemas que se busca apontar na presente pesquisa.

A hipótese considerada é de que a eficiência trata-se de um conceito que deve se

Page 16: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

26

vincular à jurisdição, enquanto atividade estatal, e não ao processo. Isso porque a CRFB/88

preceitua, no art. 37, que a eficiência é princípio que deve ser observado pela Administração

Pública direta e indireta, nas esferas executiva, legislativa e jurisdicional. Ou seja, há

direcionamento constitucional que exige eficiência no exercício da atividade jurisdicional.

Além disso, com a reforma do Judiciário, empreendida pela Emenda Constitucional n.

45/04, houve a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos termos do art. 103-B da

CRFB/88, objetivando a realização de planejamento e aumento de controle do Judiciário, a

partir da fixação de metas e mensuração de resultados. As reformas implementadas buscavam

oficializar a busca por eficiência na atuação estatal, o que reforça a hipótese referenciada de

que a eficiência deva se atrelar à jurisdição. O processo, enquanto garantia de direitos

fundamentais, deve ser efetivo, com plena observância ao contraditório, ampla argumentação

e imparcialidade do julgador, corroborando, assim, para a fundamentação racional das

decisões jurisdicionais.

Portanto, a presente pesquisa aventa a hipótese de que a eficiência seja da jurisdição e

não do processo, devendo, o processo, ser efetivo, abarcando as garantias fundamentais que

lhe dão contornos democráticos. Ou seja, supõe-se que, a partir de uma fundamentação

constitucionalmente adequada das decisões jurisdicionais, possa haver ganho de qualidade e

eficiência no exercício da atividade jurisdicional, a partir da diretriz traçada pelo modelo

constitucional de processo.

A eficiência, inserida no art. 8o do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, é

colocada como diretriz para aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes e, sendo a

codificação uma unidade que exige uma interpretação alinhada com as normas fundamentais

do processo, considera-se que deva haver fiscalidade (accountability decisional jurisdicional)

capaz de gerar transparência no exercício da atividade jurisdicional, tendo como diretriz o

processo democrático.

Portanto, o objetivo desta pesquisa é averiguar de que modo o neoliberalismo serve

como orientação para introjeção da eficiência e realização de ajustes estruturais nos Estados.

Deve-se também verificar de que modo a ideologia neoliberal tem evidenciado o discurso de

crise da jurisdição, como forma de abrir espaço para que reformas nos ordenamentos jurídicos

sejam realizadas, viabilizando o exercício de medidas de exceção em detrimento do Estado de

Direito. Almeja-se, ainda, estudar a eficiência, desde sua concepção para a Ciência

Econômica e para a Administração, passando pela metodologia do Law and Economics – ou

Análise Econômica do Direito (AED) – e apresentando crítica à mesma, já que coloca a

eficiência em um patamar precipuamente quantitativo, desconsiderando que precisa ser

Page 17: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

27

correlacionada à garantia dos direitos fundamentais para que haja configuração democrática.

Além disso, objetiva-se analisar a perspectiva de eficiência dada por Michele Taruffo

e por alguns juristas brasileiros, para se elaborar a necessária distinção entre eficiência da

jurisdição e efetividade do processo. Por fim, busca-se avaliar a eficiência, enquanto critério

de aplicação do ordenamento jurídico (art. 8o do CPC/15), para aferir acerca da possibilidade

(ou não) de alinhamento ao modelo constitucional de processo.

Nesse ponto, foi preciso analisar o protagonismo judicial e a relação do exercício do

poder com a violência da lei, o que fez pressupor a necessidade da desconstrução do próprio

sentido da eficiência – na perspectiva desenvolvida por Jacques Derridá – e sua reconstrução,

a partir de uma visão processual democrática, a fim de viabilizar sua aderência ao modelo

constitucional de processo.

Para isso, adota-se, nesta pesquisa, a teoria do processo como procedimento realizado

em contraditório, a partir da qual deve, o juiz, construir a decisão com base nos argumentos e

provas produzidos pelos sujeitos processuais em simétrica paridade (FAZZALARI, 1975). A

noção de processo como procedimento em contraditório será agregada à categoria teórica do

modelo constitucional de processo, que reconhece na Constituição uma base principiológica

uníssona, de acordo com Andolina e Vignera (1997).

Para tratar da eficiência, parte-se da categorização feita por Taruffo, que entende que a

eficiência pode se vincular à busca de celeridade e redução de custos, assim como pode

buscar a formulação de decisões elaboradas a partir de uma dialogicidade que repercutirá na

construção do provimento (TARUFFO, 2008).

Para o desenvolvimento da investigação, foram realizadas pesquisas bibliográficas,

como análise de fontes primárias, incluindo documentos elaborados pelo Banco Mundial e

pelo CNJ, e pesquisa de documentos legislativos, fazendo-se, dessa forma, análise teórica e

interpretativa, viabilizando a crítica científica acerca do tema pesquisado.

Apresentadas, portanto, as premissas metodológicas utilizadas na presente pesquisa,

cumpre discorrer acerca do desenvolvimento realizado em cada capítulo, buscando-se o

enfrentamento do problema demarcado.

No capítulo 2, buscou-se demonstrar de que forma a eficiência ganhou proporções

mais evidentes dentro da estrutura do Estado e qual é o pano de fundo que traz a matriz

eficientista como discurso salvífico, que passa a permear a formulação das decisões

jurisdicionais. Assim, o capítulo trata da estruturação da ideologia neoliberal, que teve como

uma de suas principais diretrizes a introjeção da eficiência nos ordenamentos jurídicos dos

países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.

Page 18: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

28

Partiu-se da análise do Colóquio de Walter Lippman, que aconteceu em 1938, onde

foram delineadas, as premissas do que chamavam de “novo liberalismo”, preconizador do

livre mercado e mínimo intervencionismo estatal. Ao mesmo tempo, mas com uma

formulação diversa e antagônica, John Keynes idealizou uma política de desenvolvimento

social interna dos países, a partir da promoção de bem-estar, em que o discurso de eficiência

era voltado para a organização interna dos Estados.

A fim de fazer frente à expansão do Estado de Bem-Estar Social keynesiano, em 1944,

aconteceu o encontro de Mont Pèlerin, que cuidou de delinear orientações específicas para o

neoliberalismo a partir de estudos feitos por Friedrich Hayek. Nesse sentido, o neoliberalismo

que se impôs defendia o Estado mínimo, regido pela lógica do mercado e pela busca da

maximização da riqueza, por meio da análise do melhor custo-benefício. Portanto, para a

ideologia neoliberal era importante sua introjeção, sobretudo, nos países em desenvolvimento,

já que apresentavam maior vulnerabilidade financeira.

Com esse intuito, organizou-se a Convenção de Bretton Woods, ocasião em que houve

a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o objetivo de

promover regulamentações visando à reorganização, por meio de ajustes estruturais, dos

países em desenvolvimento. Esses ajustes, no entanto, conforme demonstrar-se-á, tiveram a

intenção de viabilizar o desenvolvimento do mercado, com a imposição de reformas estatais,

em que a busca por eficiência esteve em voga.

Assim, a análise das fontes documentais primárias formuladas pelo Banco Mundial, a

exemplo dos Relatórios de Desenvolvimento Mundial (RDM) e documentos técnicos, teve o

intuito de demonstrar o viés efetivamente neoliberal que direcionou os ajustes estruturais

realizados no Brasil, que acabaram por utilizar um discurso de crise da jurisdição como

estratégia para manipular o Estado de Direito, como máscara para o neoliberalismo.

Embora a CRFB/88 tenha apontado o Estado Democrático de Direito como diretriz

principiológica, considera-se que sua implementação é um projeto em construção. É

indubitável que se vive um estado de crise – crise esta de fato existente ou propositadamente

implantada –, no qual não houve a concretização efetiva dos preceitos democráticos, pelo que

se cogita uma dimensão de contemporaneidade, que, de acordo com Agamben (2010),

contempla as definições não cumpridas do passado.

O desvirtuamento do Estado de Direito e a dificuldade de se concretizar a democracia

podem ser atribuídos à virulência neoliberal, que coloca em voga interesses das minorias

hegemônicas, em detrimento da sociedade, dos direitos e das garantias fundamentais. Desse

modo, aventa-se que a jurisdição esteja servindo para a implementação de medidas de

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29

exceção, a fim de proteger os interesses do mercado e das elites, sob uma perspectiva

quantificadora da eficiência, em busca de celeridade, desburocratização e maximização de

lucros, que não se coaduna com a proteção de direitos fundamentais e observância de

garantias processuais.

Nesse sentido, no capítulo 3, houve a necessidade de aprofundamento na questão da

crise, que tem servido como estratégia para promover os ajustes estruturais em busca de

eficiência, o que deu ensejo, no Brasil, à realização da reforma da Administração Pública e da

reforma do Judiciário. Milton Friedman (2014) assume que a crise interessa ao neoliberalismo

e pode ser até mesmo propositadamente implantada, a fim de promover ajustes de perpectivas

eficientistas, que pugnam pela maximização da produtividade e dos lucros.

Além disso, visando a analisar o Estado de Direito, foi necessário realizar uma

incursão na temática dos direitos fundamentais, a fim de que, ao final, fosse possível

confrontá-los com os direitos que são prioritários para o neoliberalismo e que não se

compatibilizam com a perspectiva democrática.

Assim, fez-se imperioso discorrer acerca das teorias processuais, de modo a se

demarcar a matriz teórica adotada na presente pesquisa, qual seja, a teoria do processo como

procedimento em contraditório, de Fazzalari, aliada ao modelo constitucional de processo

desenvolvido por Andolina e Vignera. A partir dessa perspectiva, considera-se o processo

como garantia de direitos fundamentais (BARROS, 2009).

Feito isso, abriu-se espaço para o necessário tratamento das garantias processuais e de

como se promove a articulação entre a garantia do contraditório e a fundamentação racional

das decisões, capaz de gerar legitimidade ao processo de bases democráticas.

Delineada a concepção de legitimidade adotada, vincada nos marcos teóricos

indicados, avançou-se no sentido de analisar a concepção de legitimidade adotada pelo Banco

Mundial, que tem se prestado ao atendimento do mercado. Em seguida, houve necessidade de

analisar de que modo a jurisdição tem se comportado em face da ideologia neoliberal, e se o

exercício dessa função estatal tem servido para o fortalecimento do Estado de Direito, que

fixa os limites do poder estatal e busca a proteção de direitos fundamentais, ou se, ao

contrário, tem se prestado à formulação de decisões jurisdicionais submissas aos interesses

políticos e econômicos, em que a vontade da autoridade se impõe.

Considerou-se, então, que as decisões pautadas na vontade da autoridade, sem

formulação comparticipada dos sujeitos, são capazes de implementar medidas de exceção.

Para a respectiva averiguação, analisaram-se os desenvolvimentos feitos por Agamben, que

apontam que a exceção tem sido utilizada como técnica de governo, a partir da introjeção da

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30

vontade da autoridade nas lacunas estrategicamente deixadas no ordenamento jurídico

(AGAMBEN, 2004). Assim, nomeiam-se a crise e a ineficiência estatal como inimigas, com o

fito de justificar (como se possível fosse) uma atuação estatal fora das bases democráticas e

que segue interesses da autoridade e dos mercados.

Buscou-se analisar, portanto, se a jurisdição tem se prestado ao atendimento dos

anseios neoliberais. O processo democrático deve guiar a atuação jurisdicional, com a afetiva

observância ao contraditório, ampla argumentação dos sujeitos processuais e imparcialidade

do julgador, para que, ao final, sejam formuladas decisões racionalmente fundamentadas.

Colocadas a crise e a ineficiência da jurisdição como inimigas, a fim de justificar uma

remodelação da forma de atuação, buscou-se demonstrar, no capítulo 4, de que modo a

CRFB/88 reforça a conjectura aventada. Assim, deve-se demonstrar que a eficiência foi

incorporada pela Emenda Constitucional n. 19/98, que pautou a reforma da Administração

Pública, e pela Emenda Constitucional n. 45/04, que apontou a eficiência como meta da

jurisdição, tanto inserindo o atributo da celeridade e da razoável duração do processo, quanto

definindo a criação do CNJ.

Por meio da análise de documentos emitidos pelo Banco Mundial, intentou-se

demonstrar que as reformas apontadas tiveram um conteúdo orientado para implantação da

ideologia neoliberal para atendimento dos ditames do mercado. Cuidou-se, ainda, de

demonstrar que houve pouca (ou nenhuma) preocupação em enfatizar a proteção a direitos e

garantias fundamentais, o que ficou evidenciado pela análise dos regulamentos do CNJ, que

trazem as estratégias de sua atuação, voltadas, de modo relevante, à busca de eficiência

quantitativa. Surgiu, também, a necessidade de analisar a eficiência relacionada ao sistema

judiciário, no que diz respeito à gestão (perspectiva macroestrutural), bem como de averiguar

o sistema judiciário relacionado às decisões jurisdicionais (perspectiva microestrututal).

É importante que se promova essa incursão na análise conceitual, a fim de viabilizar a

investigação acerca da compatibilidade da eficiência com o processo democrático. Nesse

passo, no capítulo 5, observou-se que a eficiência é acepção polissêmica, oriunda da Ciência

Econômica, com tratamento pela Administração e aproveitamento oportuno (estratégico) pela

metodologia do Law and Economics.

Desse modo, primeiramente, houve a necessidade de se incursionar pela teoria

utilitarista desenvolvida por Jeremy Bentham, que defendeu reformas legislativas para

promover aumento de bem-estar e maximização da felicidade (BENTHAM, 1979). Essa

teoria foi criticada pela incapacidade de especificar critérios aferíveis para atingimento do

bem-estar. No entanto, foi uma teoria que serviu de ponto de partida para o desenvolvimento

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31

da metodologia do Law and Economics.

Assim, visando a suprimir o problema utilitarista, Vilfredo Pareto criou o critério

ótimo de Pareto, também conhecido como eficiência de Pareto, segundo o qual, os recursos,

considerados como benefícios ou renda, podem ser alocados para melhorar a situação de um

indivíduo, pelo menos, ainda que haja piora na situação de outros. Com isso, Pareto

considerou ter suprido o problema utilitarista, na medida em que, para se atingir a eficiência,

bastava a melhora da situação de pelo menos um indivíduo, admitindo-se que possa haver

piora na situação dos demais (PARETO, 1984).

Além da eficiência paretiana, houve a necessidade de se discorrer acerca da eficiência

tratada pelos economistas Nicholas Kaldor e John Hicks, vez que o critério por eles

desenvolvido serviu, mais tarde, para que Richard Posner elaborasse, dentro da metodologia

do Law and Enconomics, sua teoria da maximização da riqueza.

De acordo com esse critério de eficiência de Kaldor-Hicks, a alocação de recursos, que

admite a perda de alguns indivíduos em detrimento de outros, deve permitir a compensação

dessas eventuais perdas. Ou seja, partindo dessa concepção, deve-se buscar a maximização da

riqueza, com viabilidade de compensação das perdas, ainda que essa compensação não

ocorra. Posner (2007) acabou defendendo que, por essa perspectiva, o mercado é quem realiza

a distribuição da riqueza (alocação de recursos), visando a sua maximização.

Buscando a interação entre Direito e Economia, o que se mostrou bastante oportuno

para a ideologia neoliberal, houve o desenvolvimento da metodologia do Law and Economics,

que teve como expoentes Ronald Coase, Richard Posner, Steven Shavell e Louis Kaplow, e

que tem como objetivo orientar a interpretação e a aplicação do Direito, segundo critérios de

eficiência.

Coase (2017) desenvolveu o tema da eficiência, entendendo que as decisões

jurisdicionais geram repercussão na economia e que, por esse motivo, o Judiciário deve aferir

o impacto decisional, de modo a reduzir custos.

Posner, por sua vez, coloca a eficiência como critério para a formulação de decisões

jurisdicionais, indicando que os julgadores devem aferir critérios para aumento da riqueza,

aproximando o sistema jurídico dos critérios de mercado. Ou seja, Posner sustenta que a

interpretação e a aplicação do ordenamento jurídico devem ser orientadas pela busca de

eficiência, enquanto critério maximizador da riqueza, segundo interesses do mercado. Nesse

sentido, defendeu a discricionariedade dos atos praticados pelos juízes, que devem criar o

Direito por meio de decisões jurisdicionais que busquem a melhor alocação do custo-

benefício (POSNER, 2007).

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Visando a realizar uma análise econômica da litigância, Kaplow e Shavell (1999)

sustentam que os sujeitos processuais realizam uma avaliação racional de custo-benefício, de

forma a dimensionar a repercussão econômica que o pleito pode gerar. Referidos economistas

evitaram a utilização do termo eficiência, para se desprenderem de comparações com Coase e

Posner. No entanto, conforme analisar-se-á, a tentativa se mostrou inócua, na medida em que

toda a orientação de sua teoria segue, resguardadas algumas peculiaridades, teorização similar

àquelas realizadas pelos demais defensores do Law and Economics.

No capítulo 6, foi necessário aprofundar na análise de como a eficiência tem sido

entendida em uma perspectiva jurídica. Então, buscando apronfudar na hipótese considerada

nesta pesquisa, investigou-se a eficiência na perspectiva de Taruffo, que aponta uma

dimensão quantitativa, relacionada aos custos do processo e à celeridade na tramitação

processual, e o fato de que a eficiência pode decorrer da formulação de decisões jurisdicionais

fundamentadas adequadamente (TARUFFO, 2008).

Assim, foi necessário ainda averiguar qual é a perspectiva de eficiência adotada pelo

CPC/15. Desde a exposição de motivos da novel codificação, observou-se que celeridade,

redução de custos e previsibilidade foram as diretrizes. Buscou-se indicar algumas

modificações voltadas ao atingimento da eficiência, tendo esta sido alçada a norma

fundamental, como critério de aplicação e interpretação do ordenamento jurídico pelos juízes

(art. 8º, CPC/15). O art. 8º operou uma abertura capaz de dar azo à discricionariedade, que

viabiliza a introjeção de critérios subjetivos na formulação decisória, capazes de afastar a

efetivação das garantias fundamentais necessárias à configuração do processo democrático.

Conforme já se expôs, o problema apontado na presente pesquisa é saber de que

forma, em uma perspectiva de modelo constitucional de processo, poderia ser implementada a

eficiência no exercício da atividade jurisdicional. Assim, a hipótese aventada foi a de que a

eficiência da jurisdição deve se guiar pela efetividade do processo, com observância das

garantias fundamentais, a fim de viabilizar fiscalidade da decisão (accountability), capaz de

repercutir em uma conformação do processo, ensejadora de sua razoável duração.

Como proposta de ressignificação da eficiência, para sua adequação a uma perspectiva

democrática, a pesquisa realizada indicou a desconstrução, conforme desenvolvido por

Jacques Derridá. Em Derridá, a desconstrução visa a extirpar as camadas textuais, a fim de

que se busque o sentido, como um desvelamento, desmascarando o que corriqueiramente se

propõe. Derridá, assim como Walter Benjamin e Agamben, critica a violência da lei, que

detém uma autoridade em si mesma.

Nesse sentido, sustenta-se que se deve perseguir o desvelamento do conceito de

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33

eficiência, a fim de que fique evidente o esforço da ideologia neoliberal para mascarar sua

real intenção. A eficiência, enquanto conceito solto, passa uma percepção vincada em um

discurso sedutor, como se fosse capaz de salvar o Estado de suas mazelas. O que está por trás

disso, no entanto, é o interesse do mercado voltado ao atendimento de ditames neoliberais.

Por esse motivo, nesta pesquisa, sustenta-se a necessidade de uma desconstrução da eficiência

e sua posterior reconstrução, guiada, a partir daí, pela efetividade do processo, com

observância das garantias fundamentais.

Esse é um ponto de importância na presente pesquisa, na medida em que se partiu dos

conceitos de jurisdição e processo, este entendido como garantia de direitos fundamentais

(BARROS, 2009), para relacioná-los com a perspectiva de eficiência, que tem vinculação

quantificadora, fulcrada em um critério economicista, de análise de custo-benefício. O

processo como garantia de direitos fundamentais, por sua vez, não se adere à monetização de

direitos e garantias processuais, não pode ser relativizado, flexibilizado, nem deve se tornar

vulnerável frente a reclames econômicos e critérios de mercado de vestes neoliberais.

Desse modo, foi necessário analisar o conceito de efetividade do processo, que

compreende observância às garantias do contraditório, enquanto garantia de influência e não

surpresa (NUNES, 2008a), ampla argumentação, imparcialidade do julgador e fundamentação

racional das decisões, para que haja a configuração do que se entende por processo

democrático. Essa análise permitiu o desenvolvimento da hipótese aventada, no sentido de

que a eficiência deve ser vinculada à jurisdição, enquanto o processo deve ser efetivo, com

observância de direitos e garantias fundamentais. Assim, para atingimento da eficiência na

jurisdição, deve haverr balizamento pelo processo democrático.

Supõe-se, portanto, que a efetividade do processo é que dará ensejo à eficiência da

jurisdição. Para isso, a formulação das decisões jurisdicionais torna imprescindível uma

elaboração com transparência, em que haja fundamentação alinhada aos debates produzidos

pelos sujeitos processuais, viabilizando o exercício do direito à fiscalidade da decisão pelas

partes e pela sociedade, na medida em que há interesse na implementação do modelo

constitucional de processo. Cogita-se, portanto, a possibilidade de uma accountability

decisional, em que haja fiscalidade pelos sujeitos processuais e pela sociedade, de modo a

ensejar a configuração do processo democrático.

É necessário pontuar que não houve a pretensão de esgotamento da temática, mas a

intenção de colocar em evidência as matizes de eficiência que acabam por se acoplar ao

processo, de modo a contribuir (ou não) para a implementação efetiva do modelo

constitucional de processo. Ao final da pesquisa, busca-se apresentar uma proposta de

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possível compatibilização entre eficiência da jurisdição e efetividade do processo, a partir de

uma reconstrução da eficiência pela via processual democrática.

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2 NEOLIBERALISMO E SUA RELAÇÃO COM A EFICIÊNCIA

Quaisquer desenvolvimentos que se realizem acerca do conceito de eficiência, de sua

estruturação, implicações econômicas e interferências no mundo da Política e do Direito

devem perpassar necessariamente pela análise do neoliberalismo, que deve ser entendido

tanto como uma ideologia, quanto como técnica de governo ou direcionamento político, e,

nesse sentido, segundo Steger e Roy:

As ideologias são sistemas de ideias amplamente partilhadas e de convicções básicas

admitidas como verdadeiras por grupos significativos na sociedade. […] A segunda

dimensão do neoliberalismo tem a ver com aquilo que o pensador francês Michel

Foucault chamava ‘governamentalidades’ – certos modos de governação baseados

em premissas, lógicas e relações de poder específicas. Uma governamentalidade

neoliberal enraiza-se em valores empresariais, como a competitividade, o interesse

pessoal e a descentralização. […] Em terceiro lugar, o neoliberalismo manifesta-se

como um conjunto concreto de políticas públicas expressas naquilo a que gostamos

de chamar a ‘Fórmula D-L-P’: (1) desregulamentação (da economia); (2)

liberalização (do comércio e da indústria); e (3) privatização (das empresas detidas

pelo Estado). (STEGER; ROY, 2010, p. 31-35).

Assim, a ideologia político-econômica-neoliberal constroi-se a partir de um discurso

que assegura benefícios para o mercado, para a elite dominadora, a partir de uma

desregulamentação, que almeja implementação da liberdade mercadológica 1 . No viés

neoliberal, é o mercado, portanto, que dita as regras, em nome de um suposto

desenvolvimento político-econômico e, nesse sentido, Avelãs Nunes explica:

O Mercado, como o Estado, é uma instituição social, um produto da história, uma

criação histórica da humanidade […] que veio servir (e serve) os interesses de uns

(mas não os interesses de todos), uma instituição política destinada a regular e a

manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses

de certos grupos sociais sobre interesses de outros grupos sociais. (AVELÃS

NUNES, 2016, p. 101).

A eficiência mostra-se compatível com esse discurso, pois sua base conceitual é

econômica, com a busca da maximização da riqueza, a partir do maior aproveitamento da

relação custo-benefício (ROSA; MARCELLINO JÚNIOR, 2015). Dessa forma, há que se

1 Segundo George Soros, “a globalização dos mercados financeiros foi um projeto muito bem-sucedido dos

fundamentalistas de mercado. Se o capital financeiro estiver livre para se movimentar, se torna difícil para

movimentar, se torna difícil para qualquer Estado tributá-lo ou regulamentá-lo, porque ele pode se transferir

para outro Mercado. Isso coloca o capital financeiro em uma posição privilegiada. Os governos muitas vezes

se veem forçados a prestar mais atenção aos requerimentos do capital internacional do que às aspirações de

seus povos. É por isso que a globalização dos mercados financeiros serviu tão bem aos objetivos dos

fundamentalistas de Mercado. O processo começou com a reciclagem dos petrodólares, depois do choque do

petróleo de 1973, e se acelerou nos anos Reagan-Tatcher.” (SOROS, 2008, p. 120).

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36

percorrer o iter para a estruturação ideológica neoliberal, a fim de que se contextualize a

introjeção do princípio da eficiência no ordenamento jurídico brasileiro, partindo-se, portanto,

da origem do neoliberalismo no Colóquio de Walter Lippman e verificando ainda a

consolidação da discussão ocorrida na Sociedade de Mont Pèlerin, cumprindo, ainda, indagar

qual foi o mote que direcionou o desenvolvimento dessa ideologia, que acabou por se tornar a

nova razão do mundo (DARDOT; LAVAL, 2016).

2.1 O Colóquio de Walter Lippmann e o novo liberalismo

Dardot e Laval (2016) sustentam que a ideologia neoliberal surgiu no Colóquio de

Walter Lippmann, em Paris, no ano de 1938, e não com a criação da Sociedade de Mont

Pèlerin, em 1947. Explicam que o Colóquio de Lippmann aconteceu no Instituto Internacional

de Cooperação Intelectual, tendo reunido participantes como Friedrich Hayek, Jacques Rueff,

Raymond Aron e Wilhelm Röpke.

O evento culminou na criação do Centro de Estudos para a Renovação do Liberalismo,

tendo sido ainda definido que reuniões constantes para tratativa do assunto ocorreriam

regularmente. Pautou-se a discussão nos novos direcionamentos que deveriam ser dados ao

liberalismo fundado no laissez-faire, com uma visão ainda mais voltada à persecução da

maximização dos lucros, a fim de se obter maior eficiência possível, dentro de um contexto de

mercado livre, com mínima intervenção governamental, a não ser para garantir eficiência, a

partir da proteção aos fatores de produção e da concorrência (HUNT; SHERMAN, 1999).

Sucedeu, no entanto, que o advento da Segunda Guerra Mundial desarticulou e

impediu a continuidade dos estudos pretendidos pelos intelectuais componentes do Colóquio.

Houve, assim, uma correlação entre o que se pretendia discutir e articular, em um viés de

novo liberalismo, por meio do Colóquio de Walter Lippmann, e o que veio a ser articulado,

posteriormente, já em 1947, pela Sociedade de Mont Pèlerin, sendo esta considerada,

portanto, uma continuidade dos trabalhos iniciados em 1938 (DARDOT; LAVAL, 2016).

Por ocasião do Colóquio de Walter Lippmann, não havia ainda uma aferição precisa

daquilo que viria a se teorizar como neoliberalismo, ou seja, faltava precisão para definir as

linhas mestras do novo liberalismo que se estaria a construir. Nesse sentido, o objetivo basilar

do Colóquio era a discussão acerca do intervencionismo estatal, que foi abominado pelo

liberalismo na concepção do laissez-faire e que precisou, já naquela ocasião, ser reavaliado,

de modo a se evitar a ascensão dos totalitarismos (DARDOT; LAVAL, 2016).

Lippmann, em sua obra La Cité Libre, enfatizou a importância do Estado, por ser o

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37

instituinte de uma ordem jurídica regulatória da economia, reforçando, portanto, o

intervencionismo jurídico estatal, na medida em que este, por meio de normas, vai regrar a

propriedade privada, os contratos, patentes e regular as instituições financeiras, o que

repercute, portanto, no funcionamento do mercado e na geração de resultados. Dessa maneira,

afirma que o liberalismo não advém de jusnaturalismo, sendo criação obstinada e consciente

de uma ordem jurídica oriunda do intervencionismo estatal. Segundo Dardot e Laval:

O grande defeito do liberalismo econômico [...] derivava da impossibilidade de se

construir uma ordem social viável a partir de uma teoria essencialmente negativa. A

novidade do neoliberalismo “reinventado” reside no fato de se poder pensar a ordem

de mercado como uma ordem construída, portanto, ter condições de estabelecer um

verdadeiro programa político (uma “agenda”) visando a seu estabelecimento e sua

conservação permanente. [...]

Enquanto liberais discutiam sentenciosamente a extensão do laissez-faire e

a lista dos direitos naturais, a realidade política era a invenção das leis, instituições e

normas de todos os tipos, indispensáveis para a vida econômica moderna.[...] Porque

esse direito é mais o produto da jurisprudência que sanciona os usos do que uma

codificação feita conforme as regras que eles puderam vê-lo erroneamente como

expressão de uma “espécie de direito natural fundado na natureza das coisas e com

um valor, por assim dizer, supra-humano”. [...] Não reconhecer o trabalho da criação

jurídica é o erro inaugural que se encontra no princípio da retórica de denúncia da

intervenção do Estado. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 82-84).

A partir disso, o que se sustenta é que não se pode desprezar que o Estado atuou,

mesmo em uma concepção liberal fulcrada no laissez-faire, por meio de um intervencionismo

jurídico baseado na criação e aplicação de normas que regulam a economia, a política e a

sociedade, e que, de acordo com Lippmann, os liberais erraram por “não ver que a

propriedade, os contratos, as sociedades, assim como os governos, os parlamentos e os

tribunais, são criaturas da lei e existem apenas enquanto uma pilha de direitos e deveres cuja

aplicação pode ser exigida” (LIPPMANN, 2005, p. 230).

Portanto, Lippmann inferiu que o Estado intervinha, mesmo no liberalismo, por meio

das normas regulatórias da política econômica2, e é exatamente nesse ponto, que lançou o

neoliberalismo como uma contraposição ao ideal jusnaturalista do liberalismo, já entendendo

que esse novo liberalismo é alicerçado em normas destinadas ao atendimento de interesses

privados (propriedade privada e contratos), de modo a atender aos negócios jurídicos

2 Acerca da expressão política econômica, lançou-se mão de Coelho para explicar o motivo de sua utilização:

“Aqui, a separação entre Economia e Política, em campos diferentes, perde sentido. Há uma intercessão entre

os campos que exige do pesquisador uma análise integrada. Tomando o campo econômico como espaço da

produção material e o político como o das relações de poder, ambos se condicionam. Por um lado, um Estado

terá sua soberania aumentada à medida que dispuser de instrumentos de persuasão e dissuasão maiores que os

outros. Na mesma direção, sua capacidade de criação de riqueza estará condicionada aos instrumentos de

poder de que disponha. Entretanto, o econômico e o político não podem ser reduzidos um ao outro: há, de fato,

uma distinção entre ambos, posto que o político compreende outras dimensões que não só as relações de

produção em si.” (COELHO, 2012, p. 8).

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38

patrimonialísticos. Assim, os tribunais, instados a atuarem para definição de casos específicos

levados à sua apreciação, atuam de modo a aplicar a lei para atendimento do sistema

normativo vinculado à política econômica e, nessa toada, Dardot e Laval explicitam:

Para Lippmann, a nova governamentalidade é essencialmente judiciária: mais do

que curvar-se à forma de administração da justiça em toda a sua extensão e todos os

seus procedimentos, ela cumpre uma operação integralmente judiciária em seu

conteúdo e seu alcance. A oposição simplista entre a intervenção e não intervenção

do Estado, tão pregnante na tradição liberal, impediu a compreensão do papel

efetivo do Estado na criação jurídica e inibiu as possibilidades de adaptação. O

conjunto de normas produzidas pelos costumes, pela interpretação dos juízes e pela

legislação, com a garantia do Estado, evolui para um trabalho constante de

adaptação, por uma reforma permanente que faz da política liberal uma função

essencialmente judiciária. [...] O ponto essencial em Lippmann é, sem dúvida, que

não se podem pensar independentemente a economia e o sistema normativo.

(DARDOT; LAVAL, 2016, p. 96-97).

Evidencia-se, dessa maneira, que o neoliberalismo possui uma vinculação estrita com

a normatividade estatal e com a aplicação dessa normatividade por meio da atividade

jurisdicional. Portanto, no Colóquio de Walter Lippmann, antes mesmo da Segunda Guerra

Mundial, houve discussão acerca da percepção já existente de que as normas, ao mesmo

tempo em que limitam os poderes do Estado, são criadas para orientar a política econômica e

legitimar a atuação direcionada dos tribunais, que devem se adaptar aos interesses da elite

econômica. Naquela ocasião, no entanto, não se nomeou a nova ideologia e nem houve a

preocupação em se definir os contornos e características precisas. Assim, Dardot e Laval

sustentam:

Rougier, no discurso que abriu os trabalhos do colóquio, assinala que esse esforço

de refundação ainda não tem um nome oficial: deve-se falar em “liberalismo

construtor”, “neocapitalismo” ou “neoliberalismo”, termo que, segundo ele, parece

prevalecer no uso corrente. Refundar o liberalismo para melhor combater a grande

ascensão do totalitarismo é a meta que Rougier pretendia dar à reunião da qual fora

o promotor, sublinhando que a ambição do colóquio era condensar um movimento

intelectual difuso. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 74-75).

Assim, o Colóquio de Walter Lippmann precisa ser avaliado quando se trata do

neoliberalismo, na medida em que se apresenta como evento que buscou discutir as novas

bases sobre as quais a ideologia novel deveria se pautar, sobretudo, por ser nesse colóquio que

houve a observância de que o Judiciário, por meio de suas decisões, teria função medular na

implantação da nova ideologia.

Nessa ocasião, no entanto, ecoava a formulação teórica construída por Keynes, voltada

ao desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social, que não se compatibilizava com o

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39

desenvolvimento da ideologia neoliberal, sendo necessário, portanto, averiguar em que

medida houve o antagonismo entre as concepções keynesianas e neoliberais.

2.2 Keynesianismo: um dos inimigos neoliberais

Após a Segunda Guerra Mundial, houve extrema necessidade de soerguimento dos

Estados envolvidos na empreitada bélica e das relações internacionais que ruíram, os quais

buscavam se reestruturar, além de buscar uma forma de evitar que novos conflitos se

instalassem. Nesse sentido, almejou-se conjugar capital e trabalho, visando à reestruturação,

com busca de pleno emprego e bem-estar, ocasião em que o Estado precisou interferir para a

realização de ajustes econômicos e de política-social, colimando com o que se denominou

Estado de Bem-Estar Social.

Nesse sentido, Mattei e Nader (2013) explicam que, após o padecimento oriundo do

pós-guerra, as teorias sociais foram reformuladas e incutiu-se uma dimensão de vanguarda

voltada ao desenvolvimento de uma sociedade progressista dentro do contexto capitalista, e,

ainda, conforme Harvey (2014), houve intervenção ativa do Estado na fixação de salários,

atuação no âmbito de saúde, bem-estar e educação, implicando, por óbvio, em

regulamentação estatal e em sua atuação em setores estratégicos da economia e da indústria.

Esse Estado de Bem-Estar Social veio pautado pelo que defendeu o economista

britânico John Maynard Keynes, autor da obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da

Moeda (1937). Dessa forma, já em 1941, planejava um sistema do qual os Estados Unidos

fizessem parte, para se buscar equilíbrio da balança de pagamento entre todos os países, de

forma igualitária e sem discriminação comercial, evitando-se o desemprego e a dependência

financeira dos países em débito (DAVIDSON, 2010)3.

Assim, Keynes defendia que uma economia fechada seria aquela em que um Estado

não realiza operações mercantis com algum outro Estado, enquanto a economia aberta

3 Segundo Davidson: “Keynes concebeu um sistema que incluía um mecanismo que induzia as nações

internacionais credoras a aceitarem a responsabilidade principal da resolução de desequilíbrios comerciais

persistentes entre as nações do mundo. Como se antecipava que os Estados Unidos viessem a ser uma nação

credora depois da guerra, o plano de Keynes requeria que os Estados Unidos aceitassem a responsabilidade da

resolução dos problemas financeiros internacionais que surgissem na era imediatamente a seguir à Guerra. Era

óbvio para todos que as nações da Europa e da Ásia devastadas pela Guerra iriam necessitar de importações

significativas dos Estados Unidos para poderem reconstruir suas economias destruídas enquanto não tivessem

capacidade de produzir exportações para os Estados Unidos, de forma a ganharem os dólares necessários para

comprarem bens produzidos na nação americana. O plano de Keynes requeria que a nação credora aceitasse o

ônus da correcção do desequilíbrio comercial, implicando, portanto, a possibilidade de os Estados Unidos

terem de assumir uma responsabilidade financeira não especificada, mas substancialmente grande, para ajudar

o resto do mundo a reeguer-se depois da devastação da Segunda Guerra Mundial.” (DAVIDSON, 2010, p.

192-193).

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40

pressupõe a abertura comercial para mercados externos. No entanto, explicita que a economia

aberta pode gerar percalços econômicos aos Estados, defendendo, assim, o fortalecimento das

economias internas como forma de garantir o pleno emprego, bem-estar e desenvolvimento e,

assim, dispõe:

Se as nações podem aprender a manter o pleno emprego apenas por meio de sua

política interna (e também, devemos acrescentar, se logram alcançar o equilíbrio na

tendência de crescimento de suas populações), não deveria mais haver a necessidade

de forças econômicas importantes destinadas a predispor um país contra os seus

vizinhos. Haveria o lugar para a divisão internacional do trabalho e para o crédito

internacional em condições adequadas, mas deixaria de existir motivo premente para

que um país necessitasse impor suas mercadorias a outro ou recusar as ofertas de

seus vizinhos, não porque isto seja indispensável para capacitá-lo a pagar o que

deseja adquirir no estrangeiro, mas por causa do objetivo expresso de alterar o

equilíbrio de pagamentos, a fim de criar uma balança comercial que lhe seja

favorável. O comércio internacional deixaria de ser o que é, um expediente

desesperado para manter o emprego interno, forçando as vendas nos mercados

externos e restringindo as compras, o que, se tivesse êxito, simplesmente deslocaria

o problema do desemprego para o vizinho que levasse desvantagem na luta, e se

converteria num livre e desimpedido intercâmbio de mercadorias e serviços em

condições de vantagens mútuas. (KEYNES, 1996, p. 348).

Keynes sustentou, ainda, que se houvesse desvencilhamento entre política econômica

internacional e política interna de fixação de taxas de juros autônomas, além de planejamento

de investimentos internos para busca do nível máximo de emprego, poder-se-ia chegar a uma

pretendida estabilidade e fortalecimento da economia interna. Lecionou que o Estado, por

meio da política econômica, deveria intervir para a garantia do Estado de Bem-Estar,

defendendo, portanto, uma atuação estatal ativa e firme para regulação do mercado e busca do

nível máximo de emprego visando a coletividade (KEYNES, 1996).

Assim, em absoluta contraposição à ideologia neoliberal, Keynes sustentou que o

pleno emprego deveria ser priorizado pelo Estado4, para garantir melhoria na qualidade de

vida do trabalhador, e que isso deveria se sobrepor aos objetivos de lucros empresariais

exacerbados. Nesse sentido: “o desemprego, a vida precária do trabalhador, o fracasso das

previsões, a súbita perda de economias, os lucros exagerados de alguns, do especulador, do

aproveitador — tudo tem origem, em grande parte, na instabilidade do padrão de valor”5

(KEYNES, 1924, prefácio, tradução nossa).

4 No prefácio da obra Teoria do Emprego, do Juro e da Moeda, Adroaldo Moura da Silva expõe que “Keynes

nos ensinou que a ação do Estado, através da política econômica, é um ingrediente básico do bom

funcionamento do sistema capitalista. Ou seja, o ativismo do Estado é um complemento indispensável ao

funcionamento dos mercados para se obter o máximo nível de emprego possível e, portanto, maximizar o nível

de bem-estar da coletividade. Esta é a mais duradoura contribuição de Keynes.” (KEYNES, 1996, prefácio). 5 Unemployment, the precarious life of the worker, the disappointment of expectation, the sudden loss of

savings, the excessive windfalls to individuals, the speculator, the profiteer – all proceed, in large measure,

from the instability of standard of value.

Page 31: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

41

O keynesianismo, portanto, teve como cerne o bem-estar social, que garantisse aos

trabalhadores empregabilidade, salários compatíveis que pudessem lhes proporcionar acesso a

bens de consumo necessários, devendo o Estado garantir ainda acesso a saúde, educação e

seguridade social. Além disso, do ponto de vista estatal, Keynes defendia que se realizassem

investimentos públicos nacionais desvencilhados das repercussões econômicas internacionais,

incentivando a formulação estratégica de uma taxa de juros nacional autônoma, a fim de

viabilizar eventual imposição de barreiras aos fundos de capital internacionais. Baseado

nessas proposições, portanto, o autor delineou a forma de estruturação e funcionamento do

setor público, acerca da qual, Aragão expõe:

Devemos reconhecer que a eficiência do setor público e a capacidade do Estado de

formular e implementar políticas públicas dependem de sua estrutura administrativa

e da estrutura social na qual está inserida. Com o Estado keynesiano, o setor público

moderno se formou. Entretanto, como vimos, as recentes reformas administrativas

apontam para um movimento de “desconstrução” deste Estado. Chegamos a uma

situação que configura o paradoxo do neoliberalismo, qual seja: para reduzir o

tamanho do Estado (para ter o Estado mínimo) é preciso ter uma Estado forte.

(ARAGÃO, 1997, p. 126).

O que Aragão busca explicitar é que Keynes almejou alicerçar o Estado em uma

política econômica fulcrada no desenvolvimento social interno, com a promoção do bem-

estar, a partir de uma eficiência vinculada às políticas públicas que, obviamente, pela noção

de Estado regulador que promove, pautam-se na boa operacionalização da estrutura

administrativa existente. O Estado keynesiano, portanto, vincula-se à noção de estrutura

estatal voltada ao atendimento da organização interna para o desenvolvimento social e, nessa

medida, reformas administrativas se sucederam para fins de implementação do objetivo

proposto.

Para o keynesianismo, o Estado deve ser interventor, regulamentador, com o fim de

estimular a geração de pleno emprego, bem-estar e seguridade social. Aragão (1997) ressalta,

no entanto, que há uma contradição do estado keynesiano com o neoliberal, que busca o

estado mínimo, não interventor e não regulador, já que a regulação6 deve ter espeque no

6 “Suas ácidas e bem fundamentadas críticas à doutrina e à política do laissez-faire mostram que Keynes as

considera absolutamente inadequadas para o equacionamento e para a solução dos problemas econômicos e

sociais, especialmente o desemprego. Daí as suas próprias proposições de políticas ativas a serem encampadas

e implementadas por meio da ação do Estado. A advocacia favorável às intervenções governamentais resulta

não apenas do caráter alternativo e revolucionário da sua construção teórica, mas porque dela se desdobram

políticas econômicas capazes de contra-arrestar a tendência intrínseca ao próprio modo de operação do

capitalismo: gerar desemprego e injusta distribuição da renda e da riqueza. Observamos que a preocupação

maior de Keynes a esse respeito deriva de seu ceticismo em relação à capacidade de auto-regulação do

mercado, e por isso refere-se à necessidade de o Estado assumir maior responsabilidade na organização dos

investimentos, por meio de uma política de regulação que vise minimizar a instabilidade. A ação do Estado

Page 32: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

42

atendimento aos interesses do mercado.

Na ideologia keynesiana, o Estado deveria se caracterizar pela centralização de suas

decisões, orientado por uma Administração Pública voltada para a construção do bem-estar

social. Já a ideologia neoliberal pressupõe o Estado mínimo, regido pela lógica do mercado, e,

portanto, com a Administração Pública direcionada à finalidade de atendimento dos interesses

do mercado, proteção à propriedade privada e aumento dos lucros7.

Assim, para que o Estado atue de forma a garantir os anseios neoliberais, deve assumir

a redução de sua atuação, sobretudo, por meio de privatizações, descentralização,

desregulamentação8 e busca da maximização da riqueza por meio da análise do melhor custo-

benefício, que passa a ser o critério orientador das decisões do Estado neoliberal.

Nesse sentido, Dardot e Laval explicam que, no neoliberalismo, há “o combate ao

crescimento da administração pública e dos gastos públicos [...]”. Sustentam, ainda, que “no

setor público, a burocracia deve diminuir em todos os níveis; metas de resultados concretos

devem ser formuladas; a qualidade dos serviços públicos deve ser permanentemente avaliada,

e os desempenhos ruins erradicados” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 236). Dessa maneira, o

que o neoliberalismo busca é uma Administração voltada para o crescimento do mercado,

aumento de seus lucros e desburocratização estatal para atingimento de resultados que

garantam a produtividade voltada aos interesses concorrenciais mercadológicos.

2.3 O neoliberalismo a partir de Mont Pèlerin

Enquanto política com delineamento mais específico, o neoliberalismo surge em 1944,

ao fim da Segunda Guerra Mundial, a partir da publicação da obra de Friedrich Hayek, O

Caminho da Servidão, tendo sido difundido, precipuamente, na Europa e nos Estados Unidos.

defendida por Keynes deriva da identificação que ele faz acerca da natureza intrinsecamente instável da

economia capitalista, cujo modo de operação é marcado pela contradição entre racionalidade individual e

social, antes que pela harmonia social advogada pelos adeptos do laissez-faire. A ação do Estado, um

justificado meio de a sociedade exercer o controle consciente sobre a economia, é a resposta de Keynes à

incapacidade de auto-regulação da economia capitalista, posto que a operação da ‘mão invisível’ não produz a

harmonia apregoada entre o enriquecimento privado e a criação de riqueza nova para a sociedade.”

(GARLIPP, 2001, p. 15). 7 Acerca do Estado Mínimo, Friedman defende que “a existência de um mercado livre não suprime,

evidentemente, a necessidade do Estado. Pelo contrário, o Estado é essencial como fórum para estabelecer as

‘regras do jogo’ e como árbitro para interpretar e fazer cumprir as regras estabelecidas. O que o Mercado faz é

reduzir sensivelmente o número de questões que devem ser decididas por meios políticos, minimizando assim

a dimensão da participação direta do Estado no jogo.” (FRIEDMAN, 2014, p. 42). 8 Acerca da desregulação estatal e regulação pelo mercado, Avelãs Nunes se manifesta no seguinte sentido: “a

ideologia dominante se tenha apressado a decretar a ‘morte de Keynes’, ‘sacrificado’ no altar dos deuses do

neoliberalismo. Desmantelada a regulamentação da atividade bancaria e financeira, o capital financeiro ficou

inteiramente livre para estabelecer o seu império, com a cumplicidade ativa de uma ‘regulação amiga do

mercado’.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 154).

Page 33: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

43

Hayek defendia a liberdade do mercado, por meio da limitação de atuação do Estado,

repudiando, dessa maneira, o intervencionismo e o Estado de Bem-Estar (keynesianismo).

Assim, acerca do socialismo, Hayek afirmou que “significa a abolição da empresa privada, da

propriedade privada dos meios de produção e a criação de um sistema de economia

planificada em que o empresário que trabalha visando o lucro é substituído por um organismo

de planeamento central” (HAYEK, 2016, p. 59-60).

A planificação a que Hayek se opõe é aquela em que o Estado regularia o mercado

concorrencial, colocando em risco a liberdade por ele preconizada (liberdade negativa), que se

relaciona à permissividade de atuação do mercado, desde que não haja norma contrária, ou

seja, “ausência de coerção por terceiros” (HAYEK, 2016, p. 14). Ainda argumentou que a

planificação é defendida, sobretudo, em uma concepção de coletivismo, na qual a produção

com intuito de lucro é subjugada a uma produção para uso (HAYEK, 2016).

Assim, Hayek coloca o intervencionismo estatal como problema e, visando a

solucionar a questão, aponta como foco a descentralização, de modo a induzir a um Estado

mínimo, que não tolha liberdades, sobretudo, do mercado e que não vá minar a concorrência

(HAYEK, 2016). A oposição hayekiana, portanto, dirige-se ao planeamento e direção central

da política econômica, que articule o fluxo dos recursos da sociedade de forma consciente e

alinhada a fins específicos. Acerca, portanto, da liberdade de mercado que é amplamente

defendida, o autor se manifesta no seguinte sentido:

Antes de mais, é necessário que as partes que agem no mercado sejam livres de

vender e comprar a qualquer preço, para o qual encontrem um parceiro para

transação, e que toda a gente seja livre de produzir, vender e comprar tudo o que

seja produzido ou vendido. E é essencial [...] que a lei não tolere quaisquer

tentativas, seja por indivíduos ou por grupos, de restringir este acesso [...]. Qualquer

tentativa de controlar os preços ou as quantidades de determinado bem econômico

retira à concorrência o seu poder de ser um meio eficaz de coordenar esforços

individuais [...]. (HAYEK, 2016, p. 64-65).

Assim, evidencia-se a defesa que Hayek faz da liberdade individual a significar

liberdade para atuação do mercado em nível concorrencial. Há, portanto, repulsa à

intervenção do Estado e a normas jurídicas que tenham condão de limitar preços ou controlar

condições que tangenciem interesses a nível mercadológico. As leis, portanto, segundo

Hayek, devem seguir a orientação que melhor acolha os anseios do mercado, não havendo que

se considerar a sobreposição de aspectos vinculados à coletividade. Nessa medida, a visão que

Hayek tem do sistema jurídico está acoplada ao atendimento e funcionamento da

concorrência, para que haja garantia da liberdade por ele aclamada, e assim sustenta:

Page 34: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

44

O funcionamento da concorrência não só requer a organização adequada de algumas

instituições, como a moeda, os mercados e os canais de informação [...], mas

depende, essencialmente, da existência de um sistema jurídico apropriado, um

sistema jurídico concebido para preservar a concorrência e para zelar para que esta

funcione de forma tão benéfica quanto possível. [...] Há muito que o estudo

sistemático das formas das instituições jurídicas que farão com que o sistema da

concorrência funcione eficientemente tem sido negligenciado [...]. Um sistema de

concorrência competitivo, como qualquer outro, precisa de um quadro legal

concebido de forma inteligente e em contínuo ajustamento. (HAYEK, 2016, p. 66-

67).

Hayek vai sustentar, assim, que o sistema jurídico deve atender àquilo que vá garantir

uma ampla concorrência no mercado, defendendo ainda que, para dar azo à competitividade

necessária à liberdade que aclama, faz-se fundamental a oportunização de ajustes contínuos

(HAYEK, 2016). Adiante, ver-se-á que esses ajustes foram incorporados às normas de gestão

impostas pelo Banco Mundial, sendo denominados ajustes estruturais, que vieram a

repercutir na gama de reformas processuais implementadas na América Latina, visando a

eficiência da jurisdição, de forma a atender aos interesses do mercado nesse viés neoliberal9.

Ao mesmo tempo, portanto, que o pós-guerra trouxe alargamento na implantação do

Estado de Bem-Estar Social, houve a explicitação do propósito de irromper com o

keynesianismo, que maculava os ideais capitalistas. Assim, em 1947, Hayek convocou um

grupo de economistas, filósofos, historiadores e estudantes da Europa e dos Estados Unidos,

apoiadores de sua concepção ideológica e contrários ao Estado de Bem-Estar, para reunião na

Suíça, na estação de Mont Pèlerin, onde compareceram, Milton Friedman, Ludwig Von

Mises, Michael Polanyi e outros. Segundo explica Anderson, para Hayek, a desigualdade

social mostrava-se como algo inerente à realidade e imprescindível à lógica do mercado,

havendo necessidade, portanto, de buscar fortes alicerces para a efetiva implantação do

capitalismo (ANDERSON, 1995, p. 10).

Durante o encontro em Mont Pèlerin, discutiram-se os questionamentos formulados

acerca da conveniência do Estado de Direito, bem como da propriedade privada e do mercado

concorrencial, sustentando que, para se assegurarem esses direitos, há necessidade de uma

sociedade livre, na qual o Estado tenha mínima atuação. Assim, um dos objetivos do encontro

foi a discussão da redefinição das funções estatais. Além disso, os economistas buscaram

analisar formas de se resgatar o Estado de Direito, para garantir liberdade e proteção aos

9 Cumpre esclarecer o que vem a ser entendido como interesse na esfera do Direito Econômico, e, nesse sentido,

Washington Albino explica: “o interesse, tal como a necessidade, é elemento portador de alta carga de

natureza econômica. O vocábulo traduz a ideia de ‘estar entre’ (inter-est), prendendo-se ao sentido do impulso

do ‘sujeito’ para a ‘coisa’, em virtude da ‘necessidade’ a ser satisfeita. […] O sujeito do ato econômico sempre

atua por ‘interesse’. […] Esse sentido de ação motivada por determinado resultado coincide com o próprio

sentido do ‘econômico’, quando compreendido em toda a sua extensão, para atingir até mesmo o campo

processual, no legítimo interesse pelas ações nos tribunais.” (SOUZA, 2003, p. 158).

Page 35: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

45

direitos privados, escoltando-lhes de eventuais desmantelamentos advindos da atuação estatal,

permitindo, nessa medida, o funcionamento do mercado conforme seus interesses. A

Sociedade de Mont Pèlerin mantém-se ativa e atualmente coloca-se com o seguinte

alinhamento:

A sociedade é composta por pessoas que continuam a ver os perigos para a

sociedade civilizada delineados na declaração de objetivos. Eles viram o liberalismo

econômico e político em ascensão por um tempo desde a Segunda Guerra Mundial

em alguns países, mas também seu aparente declínio nos tempos mais recentes.

Embora não compartilhem necessariamente uma interpretação comum, seja de

causas ou consequências, eles veem o perigo na expansão do governo, no Estado de

bem-estar, no poder dos sindicatos e do monopólio comercial, em ameaça contínua,

assim como a realidade da inflação. Sem acordos detalhados, os membros veem a

Sociedade como um esforço para interpretar em termos modernos os princípios

fundamentais da sociedade econômica expressados pelos economistas clássicos,

cientistas políticos e filósofos que inspiraram muitos na Europa América e todo o

mundo ocidental.10 (THE MONT PÈLERIN SOCIETY, 19--, tradução nossa).

A Sociedade de Mont Pèlerin trouxe o claro objetivo de abafar o avanço do Estado de

Bem-Estar Social e de obstaculizar a centralização da regulamentação econômica nas mãos do

Estado, colocando o desenvolvimento do setor privado como foco, a partir de um argumento

de liberdade e defesa da propriedade privada.

2.4 Bretton Woods: a origem do Banco Mundial e do FMI

Ainda visando à rearticulação de uma nova ordem econômica para o pós-guerra,

Estados Unidos e Inglaterra iniciaram negociações, direcionadas, respectivamente, por Harry

Dexter White e John Maynard Keynes, que convidaram outros países aliados e se reuniram

em julho de 1944, em Bretton Woods, New Hampshire, para uma conferência na qual se

formulou um acordo para essa nova ordem mundial idealizada. Nas discussões preliminares

entre Estados Unidos e Inglaterra, houve a proposição da utilização do Plano Keynes. No

entanto, os Estados Unidos tiveram ascendência decisória e, assim, a Inglaterra precisou se

10 The society is composed of persons who continue to see the dangers to civilized society outlined in the

statement of aims. They have seen economic and political liberalism in the ascendant for a time since World

War II in some countries but also its apparent decline in more recent times. Though not necessarily sharing a

common interpretation, either of causes or consequences, they see danger in the expansion of government, not

least in state welfare, in the power of trade unions and business monopoly, and in the continuing threat and

reality of inflation. Again without detailed agreements, the members see the Society as an effort to interpret in

modern terms the fundamental principles of economic society as expressed by those classical economists,

political scientists, and philosophers who have inspired many in Europe, America and throughout the Western

World.

Page 36: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

46

conformar com os alinhamentos previstos no Plano White11. Nesse sentido, Lichtensztejn e

Baer explicam que:

Este fato, por um lado, deixou manifesta a clara hegemonia norte-americana no

bloco dos países centrais, que se traduzia na conseguinte definição do

reordenamento financeiro internacional; e, por outro lado, gerou um código de

conduta para as políticas econômicas dos países com problemas de balanço de

pagamento e institucionalizou diversas modalidades de empréstimo e mediação

financeira entre os organismos criados, os governos nacionais e o sistema de bancos

privados internacionais. (LICHTENSZTEJN; BAER, 1987, p. 25).

A convenção de Bretton Woods articulou a criação de importantes instituições

econômicas internacionais, tais como o Banco Mundial e o FMI, que trouxeram regulações

para os países em desenvolvimento. Portanto, o acordo de Bretton Woods reorganizou a

estrutura financeira e política internacional, alçando os Estados Unidos a uma posição

hegemônica, ante o entabulamento de regulações a partir do Banco Mundial e do FMI, que

tiveram inserção internacional, direcionando a sua atuação de acordo com os desígnios norte-

americanos12, visando à realização de reformas estruturais naqueles Estados em que havia

interesse de neutralização da atuação governamental interna para implementação de políticas

voltadas ao atendimento do mercado concorrencial. Assim, Lichtensztejn e Baer afirmam:

No plano das políticas tendentes a reforçar uma mobilização mais eficaz dos

recursos, o Banco promove reformas “institucionais”. Compreende sob esse

conceito, por um lado, as políticas de melhoria dos níveis de rentabilidade e de

eficiência das empresas públicas, bem como uma definição de prioridades de seus

investimentos, baseada nos requerimentos da demanda externa e da concorrência no

mercado. (LICHTENSZTEJN; BAER, 1987, p. 198).

A convenção de Bretton Woods foi decisiva para a atuação hegemônica dos Estados

Unidos nos países em desenvolvimento, na medida em que a Administração Pública desses

países era considerada ineficiente, e, a partir de um discurso de modernização da máquina

estatal, houve a defesa de ajustes estruturais nos Estados, atendendo ao preconizado pelo

Banco Mundial. Conforme relata, Harvey:

11 Segundo John Williamson (1996), o Plano Keynes previa a obrigação de que os países superavitários no pós-

guerra deveriam assumir a responsabilidade de auxiliar os países deficitários por meio de uma ajustamento

estrutural. Já o Plano White, por sua vez, colocava o FMI em posição de fornecedor de empréstimos aos países

deficitários. 12 Guimarães explica: “em Bretton Woods se decidiu que os votos dos países-membros no Banco Mundial e no

FMI não seriam igualitários […], mas sim de acordo com o peso relativo a participação financeira de cada país

na organização (voto com peso). […] Os Estados Unidos são os únicos que podem vetar isoladamente as

decisões, uma vez que possuem cota acima do limite estabelecido.” (GUIMARÃES, 2012, p. 84).

Page 37: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

47

O FMI e o Banco Mundial se tornaram a partir de então centros de propagação e

implantação do fundamentalismo do livre mercado e da ortodoxia neoliberal. Em

troca do reescalonamento da dívida, os países endividados tiveram de implementar

reformas institucionais como cortes nos gastos sociais, leis de mercado de trabalho

mais flexíveis e privatização. Foi inventado assim o “ajuste estrutural”. (HARVEY,

2014, p. 38).

Os ajustes estruturais, portanto, foram idealizados para atendimento dos interesses das

instituições financeiras e do mercado, significando imposição de uma regulação que desse

suporte à introjeção de vias de acesso mais eficientes à obtenção de lucro e manejamento do

mercado interno para expansão das possibilidades concorrenciais. Nessa toada, Mattei e

Nader sustentam que as instituições financeiras de Bretton Woods, Banco Mundial e FMI, em

um viés autoritário e hegemônico, impõem sua concepção:

As políticas econômicas que se encontram na base do ajuste estrutural são, portanto,

implementadas como resposta a necessidades e padrões universais mais elevados,

aqueles da eficiência e do desenvolvimento econômico oligárquicos, definidos como

instâncias constitucionalmente superiores àquelas dos interesses locais, que o

processo político (local) em geral tenta atender. (MATTEI; NADER, 2013, p. 84).

Assim, no viés neoliberal, evidencia-se que os ajustes estruturais visam à eficiência,

no sentido de redução de custos e aumento de lucros, no menor espaço de tempo, dando

ensejo a que as elites financeiras se postem em um patamar de superioridade, que suplanta a

política econômica interna dos países não hegemônicos. Os objetivos dos ajustes estruturais

eram escusos, e Klein explica:

O FMI publicou seu primeiro programa de “ajuste estrutural” em 1983. [...] Davison

Budhoo, um economista sênior da instituição que redigiu programas de ajuste

estrutural para a América Latina e para a África, nos anos 1980, admitiu mais tarde

que “tudo que fizemos a partir de 1983 foi baseado em nossa nova missão de levar a

‘privatização’ ao sul ou morrer; ao final, e de modo vergonhoso, entre 1983 e 1988,

tínhamos provocado confusão econômica na América Latina e na África. [...].

(KLEIN, 2008, p. 198).

Os ajustes estruturais determinados pelo Banco Mundial irromperam violentamente a

política, a economia e o ordenamento jurídico dos países em desenvolvimento, fixando as

bases sobre as quais essas esferas deveriam se pautar para atendimento aos interesses dos

países centrais, dando continuidade à exploração que vem se perpetuando desde a

colonização. Os países da América Latina, por meio dos ajustes exigidos pelo Banco Mundial,

permanecem subjugados, dependentes, e a democracia serve, assim, apenas como simulacro

para uma atuação neoliberal, na qual os interesses dos sujeitos sociais são suplantados pelos

interesses do mercado.

Page 38: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

48

2.5 O percurso neoliberal para ajustes voltados aos interesses do mercado

Após a reconstrução da Europa no pós-guerra, o Estado de Bem-Estar prevaleceu, e

houve crescimento econômico, com baixas taxas de desemprego13. Contudo, com a Crise do

Petróleo14, em 1973, houve abalo às bases capitalistas mundiais, que se viram imersas em

recessão, ante a superinflação e o baixo crescimento. Essa ocasião, portanto, foi propícia à

difusão da ideologia neoliberal, e, nesse sentido, os teóricos dessa nova ordem sustentaram

que a crise adveio do amplo poder dos sindicatos e dos trabalhadores, que minavam a

necessária acumulação do capital (ANDERSON, 1995).

Pairava, assim, o argumento neoliberal de que o aporte social dado pelo Estado aos

trabalhadores corroeu as necessárias margens de lucro das empresas e deu ensejo à alta

inflacionária, que corroborou para o desencadeamento da crise. A sugestão, portanto, levada a

cabo pelos neoliberais era de que o Estado deveria se desvincular do paternalismo, a partir da

efetiva redução dos gastos sociais, em uma postura contra o keynesianismo.

Assim, portando-se como ideologia capitalista defensora do Estado mínimo e da

desregulamentação, defenderam que as regras fossem ditadas pelos interesses concorrenciais

mercadológicos, com ampla liberdade para a circulação de capitais, de mercadorias, sempre

seguindo as ordens impostas pelo capital financeiro, que almeja lucro, sem vislumbrar

quaisquer medidas de proteção social, sobretudo, em relação aos trabalhadores, que deixam

de ter significação como sujeitos e passam a uma situação de vulnerabilidade.

Ao formular sua teorização, Keynes, de fato, buscava uma política econômica, na qual

o Estado pudesse ter controle para atuação da Administração Pública (centralização-

regulamentação), de forma a perseguir objetivos específicos: garantia de pleno emprego,

salários compatíveis, aumento do bem-estar social e crescimento econômico interno. Keynes

conviveu com as duas grandes guerras mundiais e com regimes autoritários, que, obviamente,

não se compatibilizavam com o que preconizava.

A eficiência, na visão keynesiana, estava relacionada ao funcionamento do Estado

13 Conforme Avelãs Nunes, “no início da década de 1970, porém, começaram a verificar-se situações

caracterizadas por um ritmo acentuado de subida dos preços (inflação crescente), a par de (e apesar de) uma

taxa de desemprego relativamente elevada e crescente e de taxas decrescentes (por vezes nulas) de crescimento

do PNB. Começava a era da estagflação.” (AVELÃS NUNES, 2003, p. 9). 14 Acerca da Crise do Petróleo, Harvey explica: “a elevação de preços pela OPEP que veio com o embargo do

petróleo de 1973, colocou vastas parcelas de poder financeiro à disposição de países produtores de petróleo

como a Arábia Saudita, o Kuwait e Abu Dhabi. Sabemos hoje, a partir de relatórios das agências de

informação britânicas, que os Estados Unidos estavam se preparando para invadir esses países em 1973 para

restaurar o fluxo de petróleo e baixar os preços. Também sabemos que os sauditas concordaram na época,

presumivelmente sob pressão militar, se não ameaça aberta, dos Estados Unidos, em reciclar todos os seus

petrodólares por meio dos bancos de investimento de Nova York.” (HARVEY, 2014, p. 35-36).

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49

dirigido à persecução do emprego, salário, sem preterir a liberdade individual. O que Keynes

evidencia, portanto, é que a eficiência buscada pelos regimes totalitários se compactua com o

desemprego, na medida em que se baseia no capitalismo individualista, que almeja lucro de

uma minoria, em detrimento de um ideal de coletivização. Sustenta, assim, que a eficiência

deve ser perseguida, assim como a liberdade, sem preterir, no entanto, a busca do bem-estar

social que deve ser promovida pelo Estado.

Em 1979, na Inglaterra, Margareth Thatcher, que manifestamente defendia o

neoliberalismo, venceu as eleições. Nos Estados Unidos, em 1980, Ronald Reagan elegeu-se

Presidente, igualmente com um discurso neoliberal. Avelãs Nunes (2016) explica que, a partir

de 1979, com Thatcher e Reagan, o neoliberalismo se posta como nova ordem, na qual o setor

financeiro torna-se dominante.

Esse movimento de ascensão e difusão da ideologia neoliberal buscava a derrocada do

Estado de Bem-Estar. Segundo Mattei e Nader (2013), essa ordem atribuía toda a ineficiência

do Estado ao seu intuito assistencialista, e, assim, Thatcher e Reagan sustentaram, com

veemência, que os recursos públicos do sistema de bem-estar deveriam ser transferidos para o

aparato repressivo estatal, com foco em desregulamentação, terceirização e privatização.

Thatcher adotou medidas que acentuaram a rejeição ao keynesianismo, objetivando

uma reforma econômica para combater a estagflação, por meio da oposição aos sindicatos e a

todas as formas de coletivização de direitos e garantias, buscando, em um viés neoliberal,

uma individualização vincada na defesa da liberdade e da propriedade privada. Reagan, por

sua vez, abandonou a política de pleno emprego preconizada pelos keynesianos e buscou a

implementação de políticas de contenção inflacionária (HARVEY, 2014).

A década de 1990 foi marcada pelo Consenso de Washington, que reuniu técnicos do

Banco Mundial e do FMI, assim como do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, com

o objetivo central de fixar regras para implementação dos ajustes macroestruturais nos países

devedores dessas instituições financeiras, a fim de garantir o efetivo pagamento da dívida

externa15 e assegurar a ampliação do mercado concorrencial. Conforme explicam, Mattei e

Nader:

A mesma política de “corporativização” e de mercados abertos, atualmente imposta

no mundo todo pelo chamado consenso de Washington, foi usada por banqueiros e

pelo meio empresarial na América Latina como o principal instrumento para “abrir

as veias” do continente, usando a metáfora criada por Eduardo Galeano, sem

15 Conforme Bacha e Feinberg, “a América Latina e o Caribe receberam mais empréstimos do Banco Mundial do

que qualquer outra área geográfica. O Banco forneceu a essa região mais de U$32 bilhões, ou um quarto de

todos os empréstimos concedidos desde a sua criação” (BACHA; FEINBERG, 1986, p. 71).

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50

nenhuma distinção entre os períodos colonial e pós-colonial. (MATTEI; NADER,

2013, p. 7).

O Consenso de Washington serviu para estipulação de medidas de atendimento aos

interesses das instituições financeiras dos países hegemônicos, que, dessa forma,

assegurariam uma abertura do mercado para fins de exploração dos países em

desenvolvimento, em uma relação de continuidade à exploração instaurada desde a

colonização, passando pelo imperialismo até chegar à globalização neoliberal16.

Avelãs Nunes sustenta que o Consenso de Washington foi “recomendado” aos países

em desenvolvimento, não para que estes se desenvolvessem, mas para que permanecessem

subdesenvolvidos e colonizados (AVELÃS NUNES, 2016, p. 267). Ainda, segundo Mattei e

Nader, o Consenso de Washington viu-se com a missão de criar mercados eficientes, a partir

do Estado de Direito, que admitia a atuação de uma regulação que partia do FMI e do Banco

Mundial, com um malfadado discurso de única via para o desenvolvimento e, nesse sentido,

“a criação de um esquema neocolonial é bastante simples: em vez de um navio de guerra e de

um sistema jurídico abertamente discriminatório, o que permite a pilhagem legal é a miragem

de eficiência e um simulacro do Estado de Direito” (MATTEI; NADER, 2013, p. 59).

Assim, o Consenso de Washington marcou fundamentalmente uma nova estruturação

dos sistemas político, econômico e jurídico, com a introjeção da política neoliberal:

A teoria econômica neoclássica ortodoxa (inclusive seu entendimento do Estado de

Direito) é a aliada mais poderosa a legitimar o Consenso de Washington e é

apresentada como “prova” indefectível do quanto são corretos e judiciosos os

programas de ajuste estrutural impostos sob severas condições ou os planos de

desenvolvimento abrangente elaborados com a “participação” dos países alvo. Esses

programas e planos, impostos e fortemente apoiados pelo Consenso de Washington,

baseiam-se, na verdade, no conceito essencial de equilíbrio entre oferta e demanda.

O mercado livre e o livre comércio empresariais (que não são livres, mas sim

administrados pelas empresas) são vistos como os melhores métodos para a

obtenção do equilíbrio ideal. (MATTEI; NADER, 2013, p. 101-102).

O Consenso de Washington acabou por impor uma normatividade aos países em

desenvolvimento, já que estes eram detentores de uma dívida externa que lhes colocava em

vulnerabilidade.

Conforme Avelãs Nunes:

Os mandamentos fundamentais deste plano americano para impor ao mundo o

16 Acerca da globalização neoliberal Avelãs Nunes explica que “ela é a política, prosseguida de forma

sistemática, que serve os interesses do grande capital financeiro, inspirada na ideologia neoliberal e no

discurso totalitário que ela veicula.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 268).

Page 41: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

51

catecismo monetarista e neoliberal são, em síntese, os seguintes: a liberdade

absoluta de circulação de capitais à escala mundial; a plena liberdade do comércio

(sem barreiras alfandegárias ou quaisquer outros obstáculos à livre circulação de

bens e serviços). (AVELÃS NUNES, 2016, p. 267).

Assim, a liberdade invocada pelos teóricos do neoliberalismo, em realidade, tangencia

unicamente a liberdade para o mercado.

Depreende-se, portanto, que a Política e a Economia guiam as diretrizes mundiais, e a

ideologia neoliberal busca apontar para um modelo de agir alicerçado em um discurso de

liberdade individual e liberdade do mercado, assim como pela defesa da propriedade privada,

de modo que o Estado, que tem um preceito interventor e regulamentador, não se mostra

como um aliado, mas como empecilho para que o mercado possa agir de acordo com seus

interesses e necessidades.

Há que se perquirir, dessa forma, acerca do objetivo do neoliberalismo, chegando-se à

empreitada direcionada à acumulação de riqueza, ao capitalismo, uma globalização que veio

como decorrência da colonização e do imperialismo, em que os países desenvolvidos

buscaram explorar e pilhar países subdesenvolvidos, a partir de uma suposta superioridade.

Segundo Harvey:

O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas

que propõe que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as

liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura

institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres

mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura

institucional apropriada a essas práticas. [...] As intervenções do Estado nos

mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo, [...] porque

poderosos grupos de interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções

do Estado (particularmente nas democracias) em seu próprio benefício. (HARVEY,

2014, p. 12).

O neoliberalismo não elimina de forma completa a intervenção estatal, mas busca

assegurar a concorrência entre interesses privados, sobretudo, interesses do mercado, e do

Estado, para a busca de “desenvolver e purificar o mercado concorrencial por um

enquadramento jurídico cuidadosamente ajustado.” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 69). Dardot

e Laval afirmam, ainda, que o neoliberalismo coloca a concorrência como “princípio central

da vida social e individual [...], reconhece que a ordem de mercado não é um dado da

natureza, mas um produto artificial de uma história e de uma construção política” (DARDOT;

LAVAL, 2016, p. 70).

Page 42: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

52

Assim, rompe-se com o mito liberal da mão invisível do mercado17, que pressupõe

uma autorregulação e um autoajustamento, natural e autopoiético, passando para uma

concepção neoliberal, na qual há um Estado de Direito que funciona a favor do mercado,

dando-lhe guarida, legitimando a atuação do mercado em nome de uma suposta liberdade e da

proteção à propriedade privada, em uma visão individualista.

Essa construção política a que se referem, Dardot e Laval vincula-se a um ideário

privatístico, sem foco em uma coletividade, sustentando que o neoliberalismo repousa “sobre

o princípio geral da primazia da empresa privada na economia e sobre a importância dos

valores que ela é capaz de difundir na sociedade.” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 236). Ou

seja, a primazia é da empresa privada, que dita as normas que guiam todo o sistema

neoliberal. O mercado, portanto, sobrepõe-se à própria sociedade, tendo privilégio e

superioridade.

Acerca da concepção de mercado como construção política, como criação humana

voltada à proteção de interesses individuais, perfazendo-se, portanto, em instituição de poder,

Avelãs Nunes assevera:

O mercado não é, pois, um mecanismo natural (inerente à natureza das coisas, ou à

natureza do homem), o único instrumento capaz de afetação eficiente e neutra de

recursos escassos e de regulação automática da economia. O mercado deve antes

considerar-se, como o estado, uma instituição social, um produto da história, uma

criação histórica da humanidade, correspondente a determinadas circunstâncias

econômicas, sociais, políticas e ideológicas; uma instituição social, destinada a

regular e manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos

interesses de certos grupos sociais sobre os interesses de outros grupos sociais; uma

instituição política, que veio servir (e serve) os interesses de uns, mas não os

interesses de todos. (AVELÃS NUNES, 2012, p. 21-22).

Não há ingenuidade na criação do mercado. Mercado é uma resultante da necessidade

de poder político, lucro e acumulação de capital, visando à regulação direcionada à obtenção

de vantagens e garantia de liberdade e de proteção da propriedade, que não almeja o

atendimento de interesses coletivos. As regras estatais, portanto, em um viés neoliberal, são

feitas pelo Estado e para o mercado, sendo o Estado de Direito voltado ao atendimento de

17 Segundo Adam Smith, há uma mão invisível no mercado: “ao preferir fomentar a atividade do país e não de

outros países ele tem em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua atividade de tal maneira que sua

produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é

levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções.” (SMITH,

1996, p. 438). Copetti Neto e Fischer explicam que: “um dos teóricos clássicos desse período foi Adam Smith,

cujas teorias apontavam para a existência de uma ‘mão invisível’ capaz de regular o mercado, bem como

indicavam que a riqueza individual conduziria à maximização do bem-estar coletivo.” (COPETTI NETO;

FISCHER, 2015, p. 255).

Page 43: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

53

anseios concorrenciais mercadológicos, patrimonialísticos e privatísticos18.

2.6 A desregulamentação como estratégia do Banco Mundial

O neoliberalismo veio preconizar a desregulamentação, segundo a qual, o Direito

deveria ser visto como “conjunto de normas jurídicas técnicas e neutras, a serem avaliadas em

termos de eficiência econômica, e não de justiça como princípios substantivos” (MATTEI;

NADER, 2013, p. 81). O mote do discurso da desregulamentação é vincado na eficiência em

termos econômicos, ficando relegadas, a um plano inferior, questões atinentes à efetividade

dos direitos e garantias fundamentais. Trata-se, portanto, de uma desregulamentação, já que as

regras seriam ditadas pelo mercado, a partir de uma máscara de Estado regulador, segundo a

qual, atribui-se ao Estado o papel de dar suporte à liberdade e às determinações do capital

especulativo19.

O Banco Mundial surgiu objetivando elaborar uma nova ordem econômica que

obstaculizasse outras crises e guerras, assegurar o livre comércio, abrindo os mercados para a

entrada dos produtos norte-americanos e dando-lhes “acesso irrestrito a matérias-primas

necessárias àquela que se tornara a maior potência econômica e militar do planeta”

(PEREIRA, 2010, p. 97). Assim, Klein explica:

O Banco Mundial iria fazer investimentos de longo prazo nos países em

desenvolvimento, a fim de tirá-los da pobreza, enquanto o FMI iria atuar como uma

espécie de amortecedor global de impactos, promovendo políticas econômicas

destinadas a reduzir a especulação financeira e a volatilidade dos mercados. Quando

um determinado país mostrasse sinais de que estava entrando em crise, o FMI o

socorreria com empréstimos e verbas para estabilização, evitando os desequilíbrios

antes mesmo que eles acontecessem. As duas instituições, localizadas uma em frente

18 A visão política, que em uma democracia deveria ser voltada ao atendimento da coletividade, não se perfaz no

neoliberalismo, mostrando-se, ao contrário, uma individualização. Assim, Beck explica: “mediante la

tendencia secular a la individualización, se dice luego, se torna poroso el conglomerado social, la sociedad

pierde conciencia colectiva y, por ende, su capacidad de negociación política. La búsqueda de respuestas

políticas a las grandes cuestiones, del futuro se ha queda ya sin sujeito y sin lugar.” (BECK, 2008, p. 25). 19 De acordo com Avelãs Nunes, “assim começa a ganhar corpo a noção de ‘economia de mercado regulador’

(ou ‘economia social de mercado’), sobre a qual se construiu o conceito de estado regulador, a nova máscara

preferida pela social-democracia neoliberal na sua cruzada, não já contra o socialismo, mas contra o estado

keynesiano, contra a presença do estado na economia e contra o estado social. Em nome das virtudes da

concorrência e do primado da concorrência, ‘liberta-se’ o estado de suas competências e de suas

responsabilidades enquanto estado econômico (empenhado em subordinar o poder econômico ao poder

político democrático) e esvazia-se o estado social, o estado responsável pela prestação de serviços públicos e

promotor de direitos sociais, em nome do princípio da responsabilidade social coletiva. Como compensação,

oferece-se a regulação do Mercado.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 99). Avelãs Nunes conclui: “por isso

defendo que este estado regulador se apresenta, fundamentalmente como estado liberal, visando, em última

instância, assegurar o funcionamento de uma economia de mercado em que a concorrência seja livre e não

falseada e em que – afastada a intervenção do Estado – o Mercado regule tudo, incluindo a vida das pessoas.”

(AVELÃS NUNES, 2016, p. 103).

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54

à outra, na mesma rua de Washington, iriam coordenador essas ações. (KLEIN,

2008, p. 196-197).

A redução da pobreza almejada pelo Banco Mundial tinha como fundo de cena a

realização de empréstimos aos países em desenvolvimento, colocando-os em situação de

vulnerabilidade, submetendo-os à desregulamentação, de modo a que ajustes estruturais

fossem realizados nesses países, viabilizando a abertura do mercado para que houvesse

expansão comercial concorrencial e, em consequência, aumento dos lucros.

Ou seja, a redução da pobreza preconizada pelo Banco Mundial, é, em realidade, uma

máscara que esconde o seu anseio, que é, ao contrário, criar uma dependência desses países

que recebem empréstimo do Banco Mundial, postando-se, a partir daí, como colonizados, em

vista da exigência de ajustes estruturais, que implicam em reformas institucionais, legislativas

e jurídicas nos países, para abertura econômica aos interesses das instituições financeiras

internacionais20.

Na estrutura organizacional do Banco Mundial, foi criado um departamento de

pesquisa chamado Development Economics Department (DEC), ao qual se atribuiu a

responsabilidade pela elaboração de pesquisas em temas econômicos e desenvolvimento,

sendo-lhe destinado um orçamento altíssimo, superior à dotação orçamentária direcionada a

qualquer universidade do mundo (GUIMARÃES, 2012). Esse departamento, portanto,

tornou-se um importante think tank e tem direcionado, dessa maneira, a atuação do Banco

Mundial nos países21.

São produzidos, a partir daí, relatórios que geram diretrizes para imposição de

medidas a serem adotadas pelos países dependentes dos empréstimos do Banco Mundial.

Houve, desde então, uma produção científica e de dados voltada aos interesses institucionais

do banco, cujos relatórios e projetos foram desenvolvidos com direcionamento específico ao

atendimento do mercado e, conforme explica Pereira, esses estudos voltaram-se à

Imposição e legitimação de um novo vocabulário (centrado em termos de eficiência,

mercado, renda, ativos, vulnerabilidade, pobre etc.), em detrimento de outro (como

igualdade, exploração, dominação, classe, luta de classe, trabalhador, etc.), forjado

nas lutas sociais e caro à tradição socialista. (PEREIRA, 2010, p. 207).

20 Acerca dos povos colonizados, Avelãs Nunes explica que estes “foram as grandes vítimas destas duas ondas

de mundialização e globalização, pagando, com a sua dependência, com o seu desenvolvimento impedido,

uma parte importante dos custos do desenvolvimento das potências capitalistas e da sua ‘sociedade da

abundância’.” (AVELÃS NUNES, 2016, p. 66). 21 De acordo com Naomi Klein, “think tanks são um modelo de instituição tipicamente estadunidense e

constituem ‘reservatórios de pensamento’ projetados para manter a hegemonia dos Estados Unidos no plano

internacional.” (KLEIN, 2008, p. 33).

Page 45: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

55

Ou seja, todos os estudos do Banco Mundial voltaram-se para o desenvolvimento

capitalista, sob um discurso mascarado de combate à pobreza, desenvolvimento, liberdade e

defesa da propriedade privada, que ludibriam e, na realidade, implantam a ideologia

neoliberal22.

Seguindo, então, essa diretriz, o RDM emitido pelo Banco Mundial, em 1983, tratou

especificamente das perspectivas de gestão dos Estados para gerenciamento e recuperação do

desenvolvimento, no qual a questão da eficiência foi colocada em destaque.

De acordo com o RDM 1983, a eficiência vincula-se a um desempenho econômico,

apresentando um aspecto que diz respeito à alocação otimizada de recursos por meio de

preços, mercados e pela atuação estatal, assim como uma eficiência operacional que visa à

gestão empresarial, focada na maximização do uso de mão de obra e no direcionamento do

capital.

Assim, o objetivo do Banco Mundial em relação à atuação da Administração Pública

dos países em desenvolvimento vem sendo delineado para minimização dos custos e

maximização dos lucros, por meio de ajustes estruturais para implementação de políticas

macroeconômicas, a fim de gerar eficiência. Nesse sentido, Pereira explica:

Os ambientes podem ser mais ou menos “eficientes”, conforme sua funcionalidade

para a “economia de mercado” (diminuição dos custos de transação, livre

concorrência, segurança dos contratos e da propriedade privada etc.). Conclui-se

então que a definição e o manejo das regras do jogo e do arranjo institucional são

fatores decisivos para a eficiência econômica. [...] Desse modo, o institucional é

instrumentalizado e subordinado à liberação econômica, construída a partir de

relações de poder aceitas como algo dado, naturalizado. (PEREIRA, 2010, p. 382).

Assim, o Banco Mundial se portou como estimulador de reformas institucionais, entre

as quais, inclui-se a reforma do sistema jurídico, buscando uma eficiência que se vincula à

noção de redução de custos e aumento de benefícios (lucros), servindo, as instituições estatais,

apenas como instrumento para implementação das bases neoliberais de favorecimento do

mercado23.

22 De acordo com Claus Offe, “como problema estrutural do Estado capitalista, que ele precisa simultaneamente

praticar e tornar invisível o seu caráter de classe. As operações de seleção e direcionamento de caráter

coordenador e repressor que constituem conteúdo de seu caráter classista, precisam ser desmentidas por uma

terceira categoria de operações seletivas de caráter ocultador: as operações divergentes, isto é, as que seguem

direções opostas. Somente a preservação da aparência de neutralidade de classe permite o exercício da

dominação de classe.” (OFFE, 1984, p. 163). 23 Clark, Corrêa e Nascimento expicam: “entre nós, as marcas das políticas econômicas neoliberais reguladoras

podem ser identificadas com a edição das Emendas Constitucionais ns. 06/1995, 07/1995, 09/2005 e 40/2003,

todas elas mutiladoras de uma série de conquistas sociais, econômicas e nacionalistas, tais como: o fim do

monopólio do petróleo pela Petrobrás; a eliminação dos juros remuneratórios de 12% ao ano; a extinção da

diferença entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional; a possibilidade da exploração dos

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56

Buscando esse mesmo alinhamento, o RDM 1991 do Banco Mundial, cujo interesse

foi o estudo acerca dos desafios para o efetivo desenvolvimento fulcrado, obviamente, nos

vieses neoliberais, foi divulgado com a seguinte premissa:

Uma das questões centrais do desenvolvimento – e o tema central deste relatório – é

a interação de governos e mercados. Não é uma questão de intervenção versus

laissez-faire [...]. Os mercados competitivos constituem o melhor meio encontrado

até hoje de organizar eficientemente a produção e a distribuição de bens e serviços.

A competitividade interna e externa proporciona os incentivos que desencadeiam o

espírito empresarial e o progresso tecnológico. Mas os mercados não podem

funcionar no vácuo – necessitam da estrutura jurídica e normativa que somente os

governos podem oferecer. (BANCO MUNDIAL, 1991, p. 1).

Por meio desse relatório, fica evidenciada a intenção voltada ao capitalismo neoliberal

defendido pelo Banco Mundial, que vincula governo e mercado, para obtenção de uma

eficiência voltada a maximização dos lucros, redução de custos e abertura mercadológica, a

partir de um discurso de incentivo à competitividade e progresso tecnológico.

No entanto, como se trata de uma necessidade de livre mercado, com acesso aos países

em desenvolvimento em um nível de reestruturação político-administrativa e com viés

econômico, seria imprescindível que o Banco Mundial defendesse a desregulamentação

estatal e a formulação de uma estrutura jurídica e normativa que lhe desse guarida para

implementação das estratégias neoliberais.

Ou seja, o Estado de Direito deveria ser moldado como um aparato para a intervenção

do mercado internacional, sobretudo, nos países em desenvolvimento, corroborando para a

perpetuação da exploração. Além disso, o RDM 1991 orienta que “a reforma deve visar as

instituições. O estabelecimento de um sistema jurídico e judiciário eficaz e um firme sistema

de direitos de propriedade24 é um complemento essencial às reformas econômicas” (BANCO

recursos naturais e energéticos nacionais pelo capital internacional, bastando somente que as empresas sejam

constituídas conforme as leis brasileiras. Abriu-se a economia brasileira de forma indiscriminada, devido às

pressões de uma elite econômica (nacionais e estrangeiras), violando assim os comandos constitucionais

originários e sua ideologia constitucionalmente adotada. Podemos incluir ainda, no rol exemplificativo acima,

a recente da Emenda Constitucional no 95/2016, de cunho neoliberal regulador de austeridade, destinada ao

aumento do superávit primário da união e redução dos investimentos estatais (serviços públicos,

funcionalismo, setores estratégicos e de infraestrutura), impondo assim o teto de gasto público e objetivando

pagamento da dívida pública nacional sem qualquer auditoria da mesma (questionando juros e amortizações

por exemplo) ou de fixação limites quantitativos orçamentários de pagamento.” (CLARK; CORRÊA;

NASCIMENTO, 2017, p. 689-690). 24 De acordo com Saldanha, “a proteção à propriedade privada e aos contratos são duas exigências significativas

do Banco Mundial. Para esse, os contratos podem ser revistos apenas ‘eventualmente’ para corrigir distorções

do mercado. Facilmente compreensível, uma vez que o mercado é o melhor “ambiente” para a satisfação das

necessidades individuais, o que deriva seguramente da concepção da liberdade individual como valor supremo

da vida em sociedade. Daí o juiz ter de respeitar os contratos e a propriedade privada, valores fundantes da

modernidade, lapidados nas teorizações de Hayek em seu ‘O caminho da servidão’ e Milton Friedman.”

(SALDANHA, 2010, p. 13).

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57

MUNDIAL, 1991, p. 11).

Um dos pontos basilares do ajuste estrutural a que o Banco Mundial se reporta é a

reforma do Judiciário, vez que irrefutável a importância dessa esfera de atuação estatal para a

garantia de direitos e interesses, sobretudo, das instituições financeiras e empresas, que

alegam necessidade de previsibilidade das decisões, a fim de gerar credibilidade e minimizar

seus riscos financeiros e operacionais. Assim, o RDM 1997 coloca o Judiciário em um

pedestal:

A prosperidade das economias requer disposições institucionais para resolver

disputas entre empresas, cidadãos e governos, esclarecer ambiguidades das leis e

regulamentos e impor a sua observância. De toda a imensa série de mecanismos

formais e informais que as sociedades conceberam para esse fim, nenhum é mais

importante do que o judiciário formal. Somente esse poder tem acesso à autoridade

coerciva do Estado para impor a execução dos seus ditames. E somente ele está

investido de autoridade formal para decidir sobre a legalidade dos atos dos poderes

legislativo e executivo. Essa relação especial com o restante do Estado coloca o

judiciário em posição privilegiada para apoiar o desenvolvimento sustentável, ao

chamar os outros dois ramos de governo à responsabilidade por suas decisões e ao

sustentar a credibilidade do ambiente empresarial e político geral. Contudo, o

judiciário só pode desempenhar esse papel se forem satisfeitas três condições

essenciais, a saber: independência, poder de execução de decisões e organização

eficiente. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 105).

O Banco Mundial, portanto, em sua empreitada neoliberal, passa a exigir um

Judiciário eficiente, que seja o detentor da última palavra. Ou seja, se o Executivo e o

Legislativo falharem (na perspectiva de defesa dos interesses neoliberais), o Judiciário, como

mecanismo formal, deveria servir de tábua de salvação às conveniências do mercado

concorrencial.

O foco do Banco Mundial, no tocante à atuação do Judiciário, se pauta em

independência funcional, gestão eficiente, certeza e previsibilidade das decisões, garantindo

confiança no planejamento e na execução das estratégias de atuação do mercado. Ainda, nesse

sentido, o RDM 1997 dispôs:

Um Judiciário que funcione bem é um ativo importante, cuja edificação beneficiaria

os países em desenvolvimento. [...] a criação de um sistema judiciário formal viável

a partir do nada pode ser um processo lento e difícil. Mas não deve haver

antagonismo entre o bom e o melhor. Um sistema judiciário, mesmo imperfeito,

complicado e oneroso, pode ajudar a manter a credibilidade. O que importa não é

tanto que as decisões judiciais sejam rápidas, mas que sejam justas e previsíveis.

Para que isso aconteça, os juízes devem ser razoavelmente competentes, o sistema

judiciário deve impedir que os juízes decidam arbitrariamente e tanto o legislativo

quanto o executivo devem respeitar a independência e a capacidade coerciva do

judiciário. Sem um sistema judiciário bem desenvolvido, as empresas e os

indivíduos tendem a buscar outros meios de fazer valer os contratos e resolver

controvérsias. Graças a esses meios, tornam-se possíveis transações privadas

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58

bastante complexas. (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 47).

O Banco Mundial acentua a importância da previsibilidade das decisões jurisdicionais,

ainda que haja morosidade e onerosidade para obtenção da atividade satisfativa. Isso se

justifica na medida em que as instituições financeiras e empresas internacionais precisam

estar cientes dos efetivos riscos advindos de suas operações, a fim de gerar credibilidade nas

negociações.

Sob esse discurso da previsibilidade, foram sendo moldadas reformas na legislação,

sobretudo, na esfera dos processos jurisdicionais. Embora a previsibilidade seja a matriz sob a

qual se amparam as discussões acerca das reformas, não prescinde discorrer acerca da

celeridade e da redução de custos na tramitação processual, que passou a ser foco do Banco

Mundial e das empresas. Conforme expõe, Nunes:

Far-se-ia necessária a criação de um modelo processual que não oferecesse perigos

para o mercado, com o delineamento de um protagonismo judicial muito peculiar,

em que se defenderia o reforço do papel da jurisdição e o ativismo judicial, mas não

se assegurariam as condições institucionais para um exercício ativo de uma

perspectiva socializante, ou, quando o fizesse, tal não representasse um risco aos

interesses econômicos e políticos do mercado e de quem o controla. (NUNES,

2008a, p. 159).

Nesse sentido, o Banco Mundial divulgou o Documento Técnico n. 319, em 1996, que

dispõe acerca do Judiciário na América Latina e no Caribe e dos elementos necessários para

se implementar uma reforma estrutural nesse setor, a partir do discurso de remodelação do

Estado, que já vinha sendo entoado pelo Banco Mundial por meio dos RDMs. Saldanha

explica:

Desde o ano de 1996, o Banco Mundial fornece orientações paranormativas ao

Brasil, sinalizando a necessidade de que houvesse uma reforma do Judiciário e do

processo no país. Assim, pretende- se demonstrar à partida a estreita relação entre as

reformas processuais ocorridas no sistema processual brasileiro nos últimos anos e a

atividade paranormativa de agências transnacionais de fomento junto aos países

periféricos, como o Banco Mundial. (SALDANHA, 2010, p. 10-11).

De acordo com o Documento Técnico n. 319/96, havendo atuação do Estado no

sentido de viabilizar as atividades do setor privado, haverá credibilidade por parte do

mercado. Assegura, referido documento, que a América Latina e o Caribe apresentam quadro

de ineficiência nos serviços públicos prestados e, assim, com relação ao Judiciário, enaltece

que as reformas devem perseguir qualidade e eficiência, com o fito de favorecimento do

mercado financeiro e das empresas, dispondo:

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59

O Poder Judiciário é uma instituição pública e necessária que deve proporcionar

resoluções de conflitos transparentes e igualitária aos cidadãos, aos agentes

econômicos e ao estado. Não obstante, em muitos países da região, existe uma

necessidade de reformas para aprimorar a qualidade e eficiência da Justiça,

fomentando um ambiente propício ao comércio, financiamentos e investimentos.

(DAKOLIAS, 1996, p. 5).

O Documento Técnico n. 319/96 pontua incisivamente os percalços enfrentados no

Judiciário, como morosidade da tramitação processual, volume de processos pendentes de

julgamento, dificuldade de acesso e imprevisibilidade das decisões jurisdicionais. No que diz

respeito à macroestrutura judiciária, o documento pontua que há ineficiência na gestão, ante a

desproporcionalidade entre número de juízes e servidores em relação ao numero de processos,

além da inexistência de controles de gerenciamento dos processos.

Foi apontado pelo Banco Mundial como um indicador, uma sugestão quando, em

verdade, significou efetiva imposição e direcionamento, sem o qual, os países da América

Latina e o Caribe deixariam de contar com apoio para investimentos advindos das instituições

financeiras internacionais. A partir disso, o Documento Técnico n. 319/96 explicita:

Este relatório discute os elementos necessários para assegurar um poder justo e

eficiente. Estes elementos tomados como um todo foram desenvolvidos para

aumentar a eficiência e eficácia do judiciário - isto é, sua habilidade em solver

conflitos de uma maneira previsível, justa e rápida. Um governo eficiente requer o

devido funcionamento de suas instituições jurídicas e legais para atingir os objetivos

interrelacionais de promover o desenvolvimento do setor privado, estimulando o

aperfeiçoamento de todas as instituições societárias e aliviando as injustiças sociais.

(DAKOLIAS, 1996, p. 10).

A reforma do Judiciário prenunciada pelo Documento Técnico n. 319/96 busca,

portanto, eficiência, justiça25, previsibilidade e celeridade. Além disso, coloca a eficiência

como base da Administração Pública, significando funcionamento adequado dos fluxos

operacionais, de modo a gerar prosperidade para o setor privado. O aventado alívio das

injustiças sociais serve apenas como simulacro para as empreitadas neoliberais, que buscam a

introjeção do capitalismo, com lucros exacerbados para o setor privado, deixando os sujeitos

às margens do processo de desenvolvimento efetivo.

Vale notar que o discurso do Banco Mundial acerca da reforma do Judiciário se

vincula à proteção da propriedade privada, ao aumento da eficiência (que se relaciona a custo-

benefício) e à promoção do setor privado, alavancando os interesses das instituições

25 É indubitável que o conceito de “justiça” apresenta extrema fluidez, amoldando-se a cada contexto de

conveniência sócio-política-econômica, como se fez nos Estados Liberal e Social, nos quais a justiça se

delineou, de acordo com a concepção mais adequada, a cada um desses modelos de dominação, de acordo com

o preconizado pelas autoridades.

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60

financeiras e das empresas estrangeiras. Assim, clarifica, o Documento Técnico:

A reforma do Judiciário faz parte de um processo de redefinição do estado e suas

relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode

continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias

sobre a propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o

aumento da eficiência e equidade em solver disputas, aprimorando o acesso a justiça

que atualmente não tem promovido o desenvolvimento do setor privado.

(DAKOLIAS, 1996, p. 10).

Nota-se que há exacerbada preocupação com a formação de bases jurídicas sólidas

para assegurar a proteção e o desenvolvimento das empresas e das instituições financeiras,

enfatizando-se, com veemência, a proteção à propriedade. Não por acaso, as reformas

sugeridas pelo Banco Mundial, por meio do Documento Técnico n. 319/96, demonstram um

viés essencialmente patrimonialista e privatístico, expondo que “as agências multilaterais,

incluindo o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, concentram seus

esforços nas reformas relacionadas às áreas civil e comercial” (DAKOLIAS, 1996, p. 57).

É exatamente nessas searas que há maior concentração das demandas jurídicas

relacionadas ao setor privado, e, por isso, as reformas priorizadas se deram nesse sentido.

Assim, as reformas no sistema jurídico, que foram objeto de recomendação do Banco

Mundial, buscaram ajustar o funcionamento do Judiciário para que as decisões se perfizessem

com previsibilidade e eficiência, a fim de comportar as exigências advindas da abertura dos

mercados.

A partir do discurso publicizado pelo Banco Mundial, em seus RDMs e no Documento

Técnico n. 319/96, fica, de fato, evidenciada a sua intenção de promover alterações dos

sistemas jurídicos locais, indicando, para isso, os rumos a serem seguidos pelos países em

desenvolvimento, sendo, assim, o legislador global hegemônico, pelo que se fala, portanto,

em desregulamentação.

No Brasil, essa necessidade de alteração dos sistemas jurídicos almejada pelo Banco

Mundial fica ainda mais latente, a partir da publicação do Relatório n. 32789-BR, em 30 de

dezembro de 2004, intitulado Fazendo com que a Justiça Conte: medindo e aprimorando o

desempenho do Judiciário no Brasil, realizada a partir de amostra de processos civis para fins

de verificação da forma de comportamento do Judiciário nas demandas de natureza

econômica.

Ou seja, a amostra coletada revela aquilo que efetivamente interessa ao Banco

Mundial: o setor privado. Corroborando com um acentuado discurso de crise para fins de

justificação dos aspirados ajustes estruturais no Judiciário, invocou-se morosidade,

Page 51: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

61

congestionamento, altos custos, dificuldade de acesso e corrupção (BANCO MUNDIAL,

2004), que, apesar de serem uma realidade (dificuldade) que macula e compromete o processo

jurisdicional, vieram a ser atacados, não com objetivo de proteção a direitos e garantias

fundamentais, mas com um apelo eficientista neoliberal.

Esse relatório priorizou a análise de três esferas relacionadas ao desempenho do

Judiciário, quais sejam: a) administração dos processos e da carga processual, b) estatísticas

de produtividade individual e c) estatísticas de desempenho da organização. Toda a análise foi

voltada, portanto, a um critério quantificador, notadamente para fins de aumento de celeridade

e redução de custos, não tendo sido feita análise relacionada a quaisquer critérios qualitativos

de formulação de decisões jurisdicionais (BANCO MUNDIAL, 2004).

Em meio a um discurso pautado na crise do Judiciário, o Banco Mundial buscou

relativizar garantias processuais, colocando-as como óbice, como desarticuladoras da busca

pela proteção dos direitos, entendendo o devido processo como excesso, como um disparate

ensejador de ineficiência, que fulmina a proteção aos interesses do mercado, gerando

incerteza, instabilidade e morosidade. Assim, segundo a perspectiva neoliberal, deve haver

relativização de princípios e garantias constitucionais, ao passo que a eficiência deve ser

colocada como a principal via para o desenvolvimento, o que mostra o antagonismo entre a

perspectiva democrática e o neoliberalismo.

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63

3 A CRISE COMO ESTRATÉGIA NEOLIBERAL DE DETURPAÇÃO DO ESTADO

DE DIREITO

Há diversas crises que permeiam o Estado contemporâneo e que vêm servindo de

suporte para a implementação da ideologia neoliberal, a partir de um discurso de liberdade e

defesa da propriedade privada, que acabou por vincar uma acirrada desigualdade social e uma

série de desarranjos (de ordem política, econômica, social e jurídica), a colocar em xeque o

processo democrático no Brasil. Ao discorrer acerca da crise das instituições, Nunes explica:

Uma democracia representativa em crise, que conta com um Parlamento sem

agenda. Um Executivo que não promove as políticas públicas necessárias para

garantia dos direitos fundamentais; em verdade, as políticas públicas deste último se

preocupam apenas com a tentativa de redivisão de renda, mas não com a consecução

do projeto constitucional de 1988 e de políticas de consolidação de direitos

fundamentais. A Constituição em nosso país muitas vezes se amolda ao 'detentor' do

governo, quando, obviamente, deveria ocorrer o contrário. (NUNES, 2011, p. 34).

Essa crise deve ser relacionada com o Estado de Direito, a fim de que se verifique se

este tem servido para garantir direitos e limitar o poder do Estado. Assim, cumpre destacar

que o Estado de Direito (rechtsstaat) surgiu no século XVII, a partir de um ideário de

limitação do poder do Estado, contrapondo-se, portanto, ao absolutismo monárquico26.

Robert von Mohl foi quem primeiramente utilizou o conceito de Estado de Direito,

tendo defendido que “nenhum direito deve ficar sem proteção, porque demasiado

insignificante para o Estado” (VON MOHL, 1987, p. 143). Assim, o Estado de Direito deve

se prestar à garantia dos direitos dos cidadãos, além de fixar limites ao poder do Estado e

organizar a divisão de suas funções a partir de critérios de legalidade. Nesse sentido, Carré de

Malberg explicou:

O sistema Rechtsstaat pressupõe a possibilidade de uma limitação do Estado, mas

vai muito além da simples ideia de limitação. Tendo chegado ao seu pleno

desenvolvimento, isso implica que o Estado só pode agir sobre seus súditos de

acordo com uma regra pré-existente, e particularmente que não pode exigir nada

deles, exceto em virtude de regras pré-estabelecidas. O conceito de limitar o Estado

tem um alcance mais curto: é meramente a expressão do fato de que, no sistema de

direito público moderno, qualquer organização estatal, em relação ao poder do

Estado, produz um efeito de positivo novamente e negativa, porque, a Constituição

26 Segundo Pablo Lucas Verdú, “durante os séculos XVI e XVII, produz-se uma contraposição entre os teóricos

absolutistas, que consideravam a legislação livre atividade criadora do monarca, e os partidários da limitação

do poder real, que julgavam a atividade legislativa como desenvolvimento do direito natural, adaptado às

condições de tempo e lugar. O fenômeno da formalização do Direito tem início com a escola naturalista

protestante, que vai de Grócio a Kant. Com ele, o Estado se inscreve na juridicidade. Concebe-se a lei como

esquema geral, formal e obrigatório, que se apóia na força do aparato estatal.” (VERDÚ, 2007, p. 4)

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64

determina as formas e condições de exercício do poder estatal, que exclui qualquer

poder que poderia ser exercido fora destas condições ou formas, portanto,

conferindo aos órgãos estatais poderes que enumera, nega-lhes aqueles outros

poderes que não estão incluídos na referida enumeração.27 (MALBERG, 1948, p.

223-224, tradução nossa).

Deve haver uma estrutura normativa, portanto, que demarque o nível de atuação

estatal e que seja capaz de garantir direitos dos sujeitos, pelo que Basilien-Gainche afirma: “o

Estado de Direito, uma meta política no horizonte do Estado, exige separação de poderes e

garantia de direitos”28 (BASILIEN-GAINCHE, 2013, p. 9, tradução nossa).

Apesar disso, o Estado de Direito tem se mostrado como o lugar em que a regulação

pelas instituições financeiras internacionais tem se sentido à vontade para alocar o

atendimento aos interesses mercadológicos, e a “concepção de Estado de Direito como

garantia de retorno de investimentos” (MATTEI; NADER, 2013, p. 83) passa a ser diretriz

normativa nos países em desenvolvimento.

Mattei e Nader explicam que o Estado de Direito tem sido usado para fortalecimento

econômico dos países desenvolvidos, em detrimento dos países em desenvolvimento, sob o

argumento da necessária abertura da economia aos mercados, o que viabiliza a pilhagem,

assim entendida como ato de roubar, saquear, a partir da utilização de fraude ou uso da força.

Segundo os autores, constroi-se uma ideia de falta, e, assim, “como instrumento universal, o

Direito invoca esse princípio fundamental de controle – a noção de falta – para justificar

legalmente a pilhagem” (MATTEI; NADER, 2013, p. 121).

Continuam, os autores, explicando que “essa teoria da falta é explicada como falta de

eficiência ou de instituições ‘profissionais’ [...] pela eficiência econômica como um novo,

prestigioso e legitimador instrumento ideológico da pilhagem.” (MATTEI; NADER, 2013, p.

123). A eficiência, portanto, passa a legitimar um discurso que propugna por ajustes

estrututais no Estado como um todo, passando pela Administração Pública e repercutindo no

Judiciário, que deve garantir o proferimento de decisões que garantam o bom funcionamento

do setor privado e a maximização da riqueza.

27 El sistema del Rechtsstaat presupone la posibilidad de una limitación del Estado, pero sobrepasa en mucho la

simple idea de limitación. Llegado a su completo desarrollo, implica que el Estado sólo puede actuar sobre sus

súbditos conforme a una regla preexistente, y particularmente que nada puede exigir de ellos sino en virtud de

reglas preestablecidas. El concepto de limitación del Estado tiene un alcance menor: es tan sólo la expresión

del hecho de que, en el sistema del derecho público moderno, toda organización estatal, en lo que concierne en

la potestad del Estado, produce un efecto a la vez positivo y negativo, pues por lo mismo que la Constitución

determina las formas o condiciones de ejercicio de la potestad estatal, excluye toda potestad que pudiera

ejercerse fuera de esas condiciones o formas, o también, por lo mismo que confiere a los órganos del Estado

los poderes que enumera, les niega aquellas otras facultades de potestad que no estás comprendidas en dicha

enumeración.. 28 L’État de droit, finalité politique à ´l’horizon de l’État, requiert séparation des pouvoirs et garantie des droits.

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65

Há necessidade de verificação daquilo que o Banco Mundial entende por Estado de

Direito. Nesse sentido, por meio do RDM 2017, o Banco Mundial explica que, em uma

abordagem tradicional (já não mais adotada pelo banco), o foco seria a busca pelo

fortalecimento do Estado de Direito, e que, de acordo com a abordagem atual, o foco deve ser

a lei elaborada para atendimento a um suposto desenvolvimento de países como o Brasil, de

forma que essas leis fomentem a obtenção de resultados eficientes. Afirma, desse modo, que

“a fim de atingir o estado de direito, os países devem primeiro fortalecer os diferentes papéis

da lei para aumentar a contestabilidade, mudar os incentivos e reconfigurar as preferências –

ou seja, considerar não somente o estado de direito, mas também o papel da lei” (BANCO

MUNDIAL, 2017, p. 18-19).

Desse modo, o Banco Mundial busca subjugar (ou, no mínimo, relativizar) o conceito

de Estado de Direito, enquanto princípio assegurador de uma formação decisória, que serve

de contenção do poder do Estado e proteção de direitos fundamentais. Para o Banco Mundial,

a lei se sobrepõe ao Estado de Direito, devendo ser formulada para atendimento dos interesses

do mercado. A partir da imposição de elaboração de leis que busquem reconfigurar

preferências, o Banco Mundial tem forçado uma desregulamentação para atendimento dos

interesses neoliberais mercadológicos.

Infere-se, desse modo, que o discurso pautado na temática da crise tem permitido a

realização de ajustes nos países em desenvolvimento, que acabam por se sujeitar, em face da

dependência financeira, às orientações emanadas pelo Banco Mundial e pelo FMI, tendo que

suportar a desregulação estatal. Nesse sentido, Avelãs Nunes explica:

Creio que o estado (regulador ou desregulador) cumpriu o seu papel de deixar o

campo aberto à livre circulação de capitais, à livre criação de produtos financeiros

derivados, inventados com todo o carinho dos seus criadores para alimentar as

apostas no casino em que se transformaram o mundo. Sob a proteção do estado

garantidor, os banqueiros e os especuladores que provocaram a crise receberam

milhões e milhões para continuarem a fazer o que sempre fizeram. O grande capital

financeiro, que esteve na origem da crise, manteve as suas posições de comando.

(AVELÃS NUNES, 2016, p. 147).

Assim, o discurso pautado na eficiência e na observância ao Estado de Direito vão

servir de guarida para a implantação violenta e virulenta do neoliberalismo. O forte

argumento dos Estados hegemônicos e das elites econômicas é de que a Administração

Pública estatal não é capaz de gerir todo o aparato econômico e jurídico, sobretudo, se

vincado em paternalismo advindo de uma busca pelo atendimento da coletividade, em um

Page 56: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

66

contexto social29.

Nesse sentido, a ineficiência vem justificada pelo alto custo da máquina estatal e pela

não persecução do atendimento dos interesses do mercado concorrencial, que visa a redução

de custos, alta margem de lucro e celeridade. Esse ponto é fulcral na caracterização do

neoliberalismo: a utilização do aparato jurídico para o desenvolvimento de sua política

econômica. Ou seja, o neoliberalismo utiliza o Estado de Direito em seu favor, para lhe

garantir entrada nos ordenamentos jurídicos estatais, de forma que os anseios do mercado

sejam legalizados, ainda que em detrimento do que se denominam direitos e garantias

fundamentais. Assim, a crise vem sendo utilizada como justificativa, como simulacro, para

que o Estado de Direito seja corrompido e sejam deturpadas as suas originais finalidades.

3.1 Da acepção e da concepção de crise como justificativa para realização de reformas

Cabe verificar, a priori, a origem da palavra crise e o que efetivamente significa. De

acordo com Nicola Abbagnano, o termo teve origem médica e “indicava transformação

decisiva que ocorre no ponto culminante de uma doença e orienta o seu curso em sentido

favorável ou não. [...] Em época recente, esse termo foi estendido, passando a significar

transformações decisivas em qualquer aspecto da vida social” (ABBAGNANO, 2000, p. 222).

Ou seja, para que haja crise, pressupõe-se doença, anomalia, um estado anterior que indique

anormalidade.

O economista francês Saint-Simon trabalhou com o conceito de crise em um viés

historicista e dogmático, condicionado a crenças existentes em determinadas épocas. Assim,

entendia que havia épocas orgânicas e épocas críticas que se sucediam, e que essas mudanças

faziam com que se alterasse a ideia central de normalidade, levando, então, à concepção de

crise (ABBAGNANO, 2000). Acerca da crise, Rosemiro Leal ressalta:

Não é mais possível entender a “crise” como lugar histórico da crítica para corrigir

os desacertos da modernidade iluminista que avança insistentemente como técnica

que se aperfeiçoa por uma ciência que não investiga os fundamentos da técnica,

ocupando-se apenas de seus efeitos economicistas (mercantilistas) imediatos. Fazer

e desfazer litígios de modo fecundo e abundantemente é uma ambição enfermiça

que vai muito além do princípio do prazer que tanto empolga a comunidade jurídica

29 Acerca do paternalismo estatal, Friedman o explica da seguinte forma: “a justificação paternalista para a

atividade estatal é de certo modo a mais problemática para um liberal; pois ela implica a aceitação de um

princípio – o de que alguns decidirão por outros – que ele considera repreensível na maior das suas aplicações

e que reconhece como característica dos seus principais opositores intelectuais: os defensores do coletivismo

em qualquer das suas formas , quer seja o comunismo, o socialismo ou o Estado-providência.” (FRIEDMAN,

2014, p. 64).

Page 57: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

67

de nossos dias. [...]

O Estado, nessa conjuntura, identifica-se com o mercado de troca de

vantagens pessoais, funcionais e institucionais. [...] A democracia é um emblema

pelo simulacro de uma constitucionalidade jurídica suscetível a flexibilidades em

seus conteúdos pelos juízos de livre convencimento de seus intérpretes engastados

em tribunais de excelsos saberes já pré-compreendidos no empirismo lógico, no

convencionalismo e no realismo mecanicista. Direitos fundamentais confundem-se

com direitos individuais com prevalência da retórica dos direitos humanos

implementáveis pela via de ações afirmativas de cunho político-judicialista. (LEAL,

2016, p. 375-376).

Portanto, a crise favorece a proteção de interesses do mercado, de modo que a

democracia tem servido de âncora para uma gama de vantagens na atuação da livre

concorrência, para o fluxo ilimitado de capital financeiro sem barreiras, para a ampliação de

mercados ensejadores de lucro para multinacionais e instituições financeiras, para a pilhagem

de matéria-prima e para a exploração de mão-de-obra dos países (vulneraráveis) em

desenvolvimento30.

Sob o invólucro de democracia, atua uma ordem dogmática neoliberal despreocupada

com a proteção de direitos fundamentais e ocupada, essencialmente, com a proteção de

direitos patrimoniais individuais. O Estado de Direito tem servido para dar guarida a essa

atuação mercadológica descomedida, sobretudo, por meio do Judiciário, a partir do

proferimento de decisões elaboradas para atendimento da lógica neoliberal. Assim, o processo

jurisdicional passa a ser o foco, já que útil à garantia de decisões previsíveis, que signifiquem

decisões eficientes, em uma performance de maximização de riqueza, pelo melhor custo-

benefício para o setor privado.

Conforme explicam, Rosa e Marcellino Junior, “o Poder Judiciário pátrio (leia-se: seus

membros) tem sido fortemente assediado [...] para abandonar a condição de garante da

democracia e dos compromissos constitucionais e passar a definitivamente pertencer ao clube

corporativista” (ROSA; MARCELLINO JÚNIOR, 2015, p. 89). Ou seja, pela ótica

neoliberal, há um Estado que atua finalisticamente para atendimento do setor empresarial, em

detrimento da atuação em nome dos sujeitos sociais, que é o que se esperaria na democracia.

Assim, há o desencadeamento de uma série de crises, que vêm sendo invocadas para

sustentar o discurso de necessidade de realização de reformas institucionais no Estado31. O

30 George Soros explica que “o capital financeiro desfruta de uma posição privilegiada: tem mais mobilidade do

que os outros fatores de produção e é ainda mais volátil do que o investimento direto. O capital financeiro se

desloca para onde for melhor remunerado. Na condição de arauto da prosperidade, compete a cada país atraí-

lo. Em face dessas vantagens, o capital se acumula cada vez mais nas instituições financeiras e nas companhias

abertas multinacionais. O processo é intermediado pelos merc ados financeiros.” (SOROS, 1998, p. 21). 31 Armínio Fraga, apresentando a edição brasileira da obra de George Soros, explica que “crises financeiras e

econômicas são hoje e continuarão a ser parte da realidade da globalização. […] A evidência histórica mostra

inequivocadamente que países que se financiam tomando recursos de curto prazo, especialmente para cobrir

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68

Judiciário foi alvo do ideário reformista, na medida em que as respostas às demandas

jurisdicionais não geraram satisfação do mercado, que busca previsibilidade e celeridade, nem

mesmo satisfação dos sujeitos sociais, dando ensejo à ruptura da democratização pretendida,

sobretudo, a partir da CRFB/88. Nesse sentido, Bolzan de Morais elucida:

O processo de globalização tem como um dos resultados a falência do sistema de

prestação jurisdicional estatal, comprometendo sua capacidade de apresentar

respostas eficazes no tratamento da conflitualidade social, o que se tem traduzido

numa crise envolvendo a própria democratização do acesso à justiça.

Nesse cenário de corrosão do Estado e da Jurisdição, surge um conjunto de

transformações que encontram vinculo àquilo que podemos denominar de resposta

neoliberal e eficientista. Demandas que visam à estruturação de um modelo judicial

a serviço dos interesses do mercado, que faz da Jurisdição um espaço de afirmação

da estratégia de quantificação e da solução rápida dos litígios. (BOLZAN DE

MORAIS, 2017, p. 192).

A ideologia neoliberal propugna por um Estado mínimo, mas que seja suficientemente

forte para garantir a ação do mercado de forma segura e, nesse sentido, faz-se necessária uma

estrutura estatal eficiente (célere) e que dê retorno eficaz para aquelas demandas prioritárias

do setor privado. Assim, o Judiciário sofreu os influxos do discurso neoliberal preconizador

do eficientismo, que coloca luz na quantificação, nas metas e na busca de resultados rápidos e

que atenda aos anseios das empresas e instituições financeiras internacionais.

Os teóricos do neoliberalismo, sobretudo, Friedman, colocam a crise em um reputado

patamar que lhes oportuniza a propositura de mudanças e ajustes convenientes com a

necessidade de implantação dos ditames da globalização, seguindo as razões de mercado

concorrencial. Ou seja, as crises são avocadas para dar suporte à defesa dos ajustes

institucionais viabilizadores do neoliberalismo e da abertura do mercado ao capital financeiro

sem barreiras, sendo, portanto, necessárias. Nesse sentido, Friedman formula que:

Apenas uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a

crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à

disposição. Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver alternativas

às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente

impossível se torne o politicamente inevitável. (FRIEDMAN, 2014, p. 18).

Quando publicou a obra Capitalismo e Liberdade, em 1982, Friedman buscava

implementar a ideologia neoliberal a qualquer custo. As crises eram vistas pelo autor como

oportunidade ímpar para convencimento das pessoas e do próprio Estado de que o

neoliberalismo se perfazia como única alternativa para solução dos problemas estruturais

déficit público, são mais vulneráveis aos ciclotímicos movimentos do capital internacional.” (FRAGA, 1998,

p. 9).

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69

estatais, já que o livre mercado, de acordo com os ideais dos teóricos de Mont Pèlerin, era a

via exclusiva ao desenvolvimento. Klein acentua a estratégia de doutrina do choque,

defendida por Friedman:

Os ideólogos do livre mercado são apegados a crises e desastres. Uma realidade

não-apocalíptica simplesmente não abarca suas ambições. O que animou a contra-

revolução de Friedman [...] foi sua atração por uma espécie de liberdade e de

oportunidade que só se apresenta em situações de mudanças calamitosas [...],

momentos em que a democracia parece praticamente impossível. (KLEIN, 2008, p.

30).

Ou seja, a crise interessa e pode ser, inclusive, uma crise implantada, forjada com o

objetivo de facilitar a realização de mudanças imperiosas para o atendimento da ambição do

mercado. Assim, Rosa e Marcellino Junior explicam que, “se a crise não acontecesse

naturalmente, segundo os neoliberais, ela deveria ser deliberadamente criada” (ROSA;

MARCELLINO JÚNIOR, 2015, p. 77).

Conforme já se expôs, o condicionamento do Brasil aos empréstimos realizados pelo

Banco Mundial colocou o país em situação de vulnerabilidade, ante as exigências fixadas pela

instituição financeira, por meio de seus RDMs e Documentos Técnicos, que reiteradamente

invocavam a crise para submeter o país às mudanças que lhe convinham. Ou seja, a crise é

argumento benéfico para o Banco Mundial, a fim de implantar a ideologia neoliberal.

Especificamente, no que diz repeito à chamada crise do Judiciário, é preciso avaliar o

que está por detrás dessa pauta e o que vem corroborar para este discurso.

Há complexidade nas relações jurídicas, diante da diversidade de formas de interações

sociais, culturais, econômicas e políticas. Além disso, há expressiva velocidade no trânsito de

informações em um contexto globalizado, o que vem corroborando para o surgimento de

demandas jurisdicionais diferenciadas, que não conseguiram ser abarcadas a tempo e modo

pelas estruturas processuais existentes e pelo Judiciário, culminando naquilo que se chama

crise do processo e da jurisdição32 (SALDANHA, 2010).

Esse fato respaldou o desenvolvimento de um discurso sob o invólucro de crise, que

vem permeando as estruturas e instituições estatais. O Judiciário vem se mostrando como um

atravanco para a sociedade que não vê atendidas as suas demandas, sobretudo, diante da

32 É sabido que hoje a jurisdição não é monopólio estatal, havendo os meios alternativos de solução de conflitos.

No entanto, quando há menção à jurisdição neste tópico, o objetivo é tratar tão somente da atividade

jurisdicional estatal, nos termos expostos por Baracho, segundo o qual “a jurisdição é a função de declarar o

direito aplicável aos fatos, bem como é a causa final e específica da atividade do judiciário. Incumbido de

garantir à sociedade um ordenamento jurídico, ao exercer a atividade jurisdicional está o Estado manifestando

a soberania que lhe é inerente”. (BARACHO, 1984, p. 75).

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70

complexidade das novéis questões que têm sido colocadas em voga. Segundo Nunes e

Teixeira:

O diagnóstico sobre a existência de uma crise parece pacífico. Os impulsos

reformistas partem não só do Judiciário, sobrecarregado de trabalho, nem da

sociedade, movida pelo sentimento de impunidade, corrupção ou desigualdade no

acesso à justiça. Com efeito, as repercussões da crise se espraiam para além dos

limites institucionais do Judiciário, sendo hoje comum a percepção da morosidade e

da inoperância do sistema como obstáculos, por exemplo, à inserção da economia

nacional na ordem internacional e à implantação de projetos de desenvolvimento

pelo Executivo. (NUNES; TEIXEIRA, 2013, p. 70).

O Estado, no exercício de cada uma de suas funções, deveria formular suas decisões

administrativas, legislativas e jurisdicionais. Ocorre, no entanto, que, com recorrência, o

Judiciário tem sido demandado para decidir questões afetas ao Executivo e ao Legislativo, de

modo a suprir os déficits de funcionalidade que decorrem da inoperância do Executivo e do

Legislativo (BAHIA, 2009), e, conforme explica, Nunes, "no quadro de tripartição das

funções quando qualquer deles não cumpre, com eficiência, seu papel institucional, ocorre

uma compensação sistêmica que em nosso país costuma se atribuir ao Judiciário" (NUNES,

2011, p. 35).

Dessa forma, gera-se a judicialização da política, e Saldanha infere que "a

judicialização da política internalizou essa complexidade e pode ser considerada resultado de

dois fatores importantes: primeiro, da fragilidade dos sistemas políticos e, segundo, do quadro

de declínio da reação dos governos às demanda da cidadania" (SALDANHA, 2010, p. 6). A

judicialização da política impõe ao Judiciário uma atuação para além das competências

constitucionais que lhe foram atribuídas, gerando, obviamente, esfacelamento democrático,

que Avritzer (2016) aponta como um dos impasses da democracia. Cattoni, Bacha e Bahia

(2016) ressaltam ainda que a judicialização da política enseja o favorecimento das elites

políticas e das elites econômicas, para proteção de seu direito de propriedade, liberdade e

ampliação concorrencial mercadológica.

Além disso, a crise da jurisdição se relaciona a problemas estruturais no exercício da

atividade pelo Estado. Uma das questões que causa impacto diz respeito à falta de

infraestrutura física ou de pessoal qualificado ao atendimento das demandas em trâmite no

Judiciário. Nesse contexto:

As crises que afetam a jurisdição também podem ser entendidas numa

multidimensional perspectiva [...]. Uma crise da dimensão estrutural (1) que diz

respeito ao seu financiamento, a seus recursos materiais, tais como instalações,

funcionários, infraestrutura, bem como, ao custo despendido em razão do

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71

alongamento das demandas no contexto de afogamento do Judiciário, o chamado

custo diferido. A dimensão objetiva ou pragmática (2) que se refere à lentidão dos

procedimentos, à burocratização e à linguagem técnico-formal utilizada, que

também culmina no acúmulo de demandas. A subjetiva (3) associada à incapacidade

tecnológica de construção de novos instrumentos legais e de reformulação de

mentalidades, para que os operadores do direito possam adaptar-se à nova realidade

fática, pois o modelo atual não atinge as soluções buscadas para resolver os conflitos

contemporâneos. A crise paradigmática (4), por fim, que diz respeito ao direito

aplicável para o tratamento pacífico dos conflitos. (BOLZAN DE MORAIS;

MOURA, 2017, p. 182).

Há uma dimensão funcional da crise, na medida em que o Judiciário não tem sido

capaz de dar vazão ao volume de ações propostas, além de não conseguir dar respostas céleres

aos jurisdicionados, havendo carência de uma estruturação tecnológica. Hoje, há o processo

eletrônico, que apresenta uma imensidão de problemas operacionais, sem contar que os

próprios tribunais não conseguiram se adaptar a essa realidade, já que muitos convivem ainda

com um misto de antigos processos físicos e a realidade atual dos processos eletrônicos, todos

tramitando em uma mesma estrutura. Assim:

O Poder Judiciário necessitou, também, estabelecer novos parâmetros, culminando

com a criação do processo judicial eletrônico. Assim, esse sistema se apresenta não

somente como uma aplicação do princípio da eficiência, mas também como uma

transformação do processo judicial à vida em rede. Contudo, ainda que tenha

apresentado, inicialmente, muitas vantagens frente ao processo judicial “físico”,

tem-se demonstrado ineficiente diante da evolução tecnológica, apresentando falta

de interoperabilidade entre os sistemas, por exemplo. (SANTANNA; LIMBERGER,

2018, p. 130).

Assim, os métodos alternativos de solução de conflitos foram colocados como uma via

extrajudicial de acesso à justiça, rompendo com o monopólio estatal da jurisdição e, nesse

sentido, Garapon explica:

A globalização está colocando os sistemas de justiça em competição, pois os

litigantes agora têm a opção de trazer sua disputa para onde quiserem. É até

permissível perguntar o que um mercado global para os serviços judiciais não

induzirá ‘através da oferta de arbitragem internacional e do regime liberal de

circulação de sentenças que a acompanha, a transferência da função justiça ao setor

privado’. A globalização corre o risco de mudar a natureza da justiça: se permanece

um bem público dentro das fronteiras de um verdadeiro mercado competitivo para a

resolução de disputas comerciais privadas. O monopólio legal do Estado, assim

como o de dizer o direito - sua jurisdição - de recorrer à força pública para fazê-lo

funcionar - seu imperium - é relativizado, já que os atores econômicos se tornam

senhores de suas fronteiras normativas. Essa mobilidade elimina todo o crédito a

qualquer reivindicação do Estado de exercer o monopólio da lei.33 (GARAPON,

33 La mondialisation met les systèmes de justice en compétition dans la mesure où les plaideurs ont désormais le

choix de porter leur litige où ils le veulent. il est même permis de se demander sin un marché global des

services judiciaires ne va pas induire, "par le biais de l'ofree de l'arbitrage internacional et le régime libéral de

circulation des sentences qui l'accompagne , le transfert de la fonction de justice au secteur privé". La

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72

2010, p. 189, tradução nossa).

Invoca-se a crise da jurisdição para pautar o avanço dos métodos alternativos de

solução de conflitos. Nessa medida, houve estímulo do Banco Mundial para que os países em

desenvolvimento alterassem seus sistemas de justiça, de modo a implementar e incentivar a

utilização, sobretudo, de arbitragem, mediação e conciliação. O Documento Técnico n.

319/96 fez recomendação de ampliação dos métodos alternativos de solução de conflitos, de

forma que sejam incentivados tanto em nível judicial, quanto extrajudicial:

Visando proporcionar competição na resolução de conflitos, os programas de

reforma devem considerar a implantação de MARC vinculados as Cortes e MARC

privados. Os programas devem se direcionar aos MARC vinculados as Cortes, bem

como MARC privados, uma vez que a maioria dos códigos de processo já incluem

os institutos da conciliação, mediação e arbitragem. (DAKOLIAS, 1996, p. 47).

Assim, no Brasil, essa orientação foi incorporada ao ordenamento jurídico, tendo sido

promulgada a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96) e, mais tarde, em 2015, a Lei de Mediação

(Lei n. 13.140/15). Além disso, o CPC/15 enfatiza sobremaneira a necessidade de se

buscarem soluções consensuais, incentivando a conciliação e a mediação, além da arbitragem,

alocando a menção a esses métodos consensuais no art. 3o, §§2o e 3o, dentro da capitulação

das normas fundamentais do processo. A previsão legal e o incentivo aos métodos alternativos

de solução de conflitos alinharam-se, portanto, aos anseios do mercado e do Banco Mundial.

Como já exposto, o mercado e as instituições financeiras internacionais precisavam de

um ambiente seguro para negócios, no qual houvesse cumprimento escorreito dos contratos e

garantia de proteção às propriedades privadas, assim como, em caso de demandas judiciais,

buscavam o máximo de previsibilidade das decisões, com foco na melhor alocação do custo-

benefício.

Sen aponta que o capitalismo não visa tão somente ao aferimento de lucros, mas visa,

sobretudo, ao funcionamento bem sucedido dos mecanismos de mercado e, ainda, ao

desenvolvimento de instituições fortes o suficiente para que os contratos e os negócios sejam

efetivamente cumpridos. É nesse sentido, que o capitalismo se importa com o funcionamento

eficiente do Judiciário, para que haja confiança para o desenvolvimento do mercado. Nessa

mondialisation risque en effet de changer la nature de la justice: si celle-ci demeure un bien public à l íntérieur

des frontières d'un véritable marché compétitif pour la règlement des différends commerciaux privés. Le

monopole juridique de l'État, aussi bien celui de dire le droit - sa jurisdictio - que celui de recourir à la force

publique pour le fairre exécuter - son imperium - est relativisé puisque les acteurs économiques deviennent

maîtres de leurs frontières normatives. Une telle mobilité enléve tout credit à une quelconque prétention de

l'État d'exercer le monopole du droit.

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73

medida, explica:

Embora o capitalismo com frequência seja isto como um sistema que só funciona

com base na ganância de todos, o funcionamento eficiente da economia capitalista

depende, na verdade, de poderosos sistemas de valores e normas. [...] O

funcionamento de mercados bem sucedidos deve não só ao fato de as trocas serem

“permitidas”, mas também ao sólido alicerce das instituições (como, por exemplo,

estruturas legais eficazes que defendem os direitos resultantes dos contratos) e da

ética de comportamento (que viabiliza os contratos negociados sem a necessidade de

litígios constantes para obter o cumprimento do que foi contratado). [...] O êxito do

capitalismo na transformação do nível geral de prosperidade econômica no mundo

tem se baseado em princípios e códigos de comportamento que tornaram as

econômicas e eficazes as transações de mercado. (SEN, 2010, p. 334-339).

Assim, o Judiciário mostrava-se como um setor com o qual se deveria preocupar, no

sentido de promover mudanças com vista à persecução de segurança para atuação do mercado

nos moldes neoliberais. Nesse sentido, o Banco Mundial, em sua firme empreitada de

realização de ajustes estrututais para implementação da ideologia neoliberal, coloca o

Judiciário como algoz e enfatiza:

O propósito do judiciário, em qualquer sociedade é de ordenar as relações sociais

(entre entes públicos e privados e indivíduos) e solucionar os conflitos entre estes

atores sociais. O setor judiciário na América Latina efetivamente não assegura essas

funções, estado de crise que é atualmente percebido por todos os seus usurários -

indivíduos e empresários - e seus atores - juízes e advogados. (DAKOLIAS, 1996, p.

17).

O Banco Mundial usava o discurso de fortalecimento democrático e de

desenvolvimento econômico para mascarar o que em verdade almejava: aumento da

eficiência (maximização da riqueza) e promoção do desenvolvimento do setor privado. Nesse

sentido, o Documento Técnico n. 319/96 manifesta:

Devido ao atual estado de crise do Judiciário na América Latina, os objetivos e

benefícios da reforma podem ser amplamente agrupados em duas estruturas globais:

fortalecer e reforçar a democracia e promover o desenvolvimento econômico. A

reforma do Judiciário é necessária para o funcionamento democrático da sociedade,

sendo parte de um processo de redefinição do estado em suas relações com a

sociedade. Ademais, o desenvolvimento econômico não pode seguir em frente sem

uma efetiva definição, interpretação e garantia dos direitos de propriedade. Mais

especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e

eqüidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso a justiça e promovendo o

desenvolvimento do setor privado. (DAKOLIAS, 1996, p. 19).

A crise do Judiciário, portanto, traz em si uma multiplicidade de fatores que, juntos,

serviram de justificativa para a defesa de reformas. Assim, destacaram-se aqui: a) a atual

diversidade de relações complexas; b) a judicialização da política; c) a carência de estrutura

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74

nos mais diversos níveis; e d) a falta de aparato tecnológico adequado. Tudo isso corroborou

para que o mercado e o Banco Mundial defendessem a implementação dos métodos

alternativos de solução de conflitos, como forma de estruturar o sistema de justiça, de modo

que não haja monopólio da jurisdição. Cumpre, ainda, ressaltar que toda a discussão apontada

orbita em torno da busca por eficiência, premissa tão cara às perspectivas do mercado e do

Banco Mundial.

José Eduardo Faria ratifica a existência de complexidade do sistema de justiça e

afirma ainda que esse imblóglio, fatalmente, compromete a efetividade dos direitos

fundamentais. Assim:

A ineficiência do “sistema de Justiça” no exercício dessas funções decorre, em

grande parte, da incompatibilidade estrutural entre sua arquitetura e a realidade

socioeconômica sobre a qual tem de atuar. Em termos históricos, desde seus

primórdios no Brasil colonial, como instituição de feições inquisitórias forjada pelo

Estado português a partir das raízes culturais da Contra-Reforma, com seus prazos,

instâncias e recursos, o Judiciário sempre foi organizado como um burocratizado

sistema de procedimentos escritos. Em termos funcionais, foi concebido para

exercer as funções instrumentais, políticas e simbólicas no âmbito de uma sociedade

postulada como sendo estável, com níveis eqüitativos de distribuição de renda e um

sistema legal integrado por normas padronizadoras e unívocas. [...]

Contudo, a realidade brasileira é incompatível com esse modelo de

“Justiça”. Iníqua e conflitiva, ela se caracteriza por situações de miséria que negam

o princípio da igualdade formal perante a lei, impedem o acesso de parcelas

significativas da população aos tribunais e comprometem a efetividade dos direitos

fundamentais. (FARIA, 2004, p. 104-105).

Dessa forma, diante de tantos entraves à eficiência no exercício das atividades estatais,

houve a formulação da reforma administativa e da reforma do Judiciário, que repercutiram,

respectivamente, nas Emendas Constitucionais n. 19/98 e 45/2004, tendo ali sido cravada a

eficiência como meta do Estado e da função jurisdicional, conforme far-se-á análise em tópico

adiante34.

No entanto, as reformas realizadas não preservaram, em alguns pontos, a diretriz

democrática de observância dos direitos e garantias fundamentais, tendo ocorrido a

desvirtuação destes para atendimento aos ditames neoliberais. Nesse sentido, cumpre analisar

de que modo os direitos fundamentais se configuram em uma ótica democrática e a forma

com que se confrontam em uma perspectiva neoliberal.

34 Cumpre esclarecer o sentido da utilização da expressão função, enquanto atividade estatal, e, nesse sentido,

Miranda esclarece: “a função no sentido de atividade pode definir-se como um complexo ordenado de atos

[…] destinados à prossecução de um fim ou de vários fins conexos, por forma própria. Consiste na atividade

que o Estado desenvolve, mediante seus órgãos e agentes, com vista à realização das tarefas e incumbências

que, constitucional ou legalmente, lhe cabem.” (MIRANDA, 2015, p. 357).

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75

3.2 Direitos fundamentais e direitos “fundamentais” do mercado

Cunhou-se a expressão direitos fundamentais (droits fondamentaux), em 1789, por

ocasião da instalação da nova ordem jurídica burguesa na Revolução Francesa, que fez

emergir um Estado de classes (AVELÃS NUNES, 2017). Foi nesse contexto, que houve a

formulação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, colocando esses direitos

como sendo supostamente naturais e imprescritíveis, assegurando "a liberdade, a propriedade,

a segurança e a resistência à opressão" (art. 2o) (FRANÇA, 1789).

Nesse quadro, a proteção e a garantia à liberdade e à propriedade colocam-se em um

mesmo patamar, ao passo em que a igualdade é tratada no art. 1o, ao proclamar que "os

homens nascem e são livres e iguais em direitos" (FRANÇA, 1789). Ou seja, invoca-se uma

igualdade de direitos e não uma igualdade entre os sujeitos, o que vem a ser corroborado pelo

estabelecimento de um sufrágio censitário, que chancela a ascensão da burguesia em

detrimento de todo o restante da sociedade. Assim, Avelãs Nunes verifica que:

A Assembleia Constituinte abria uma contradição que a manutenção da escravatura

e a organização censitária do sufrágio vieram a pôr a claro: todos eram iguais, mas

alguns eram menos iguais do que outros, nomeadamente as mulheres, os

economicamente dependentes, os pobres, os escravos, os judeus e os povos

colonizados. (AVELÃS NUNES, 2017, p. 122).

Houve, portanto, uma divisão dos cidadãos em ativos, com direito de votar e ser

votado, e cidadãos passivos, que não possuiam o mesmo direito, em razão de seu baixo poder

econômico ou de sua condição de gênero, raça ou origem, o que repercutiu em um eixo

absolutamente discriminatório, que colocou a burguesia como apta aos direitos advindos da

Revolução Francesa, ao passo que houve ainda uma parcela considerável da população que

continuou marginalizada, inapta a ser protegida pela Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão.

A situação é, portanto, paradoxal, já que o discurso se pautava na defesa dos direitos

fundamentais, que deveriam, em tese, açambarcar a totalidade dos homens, quando, em

verdade, alcançava a proteção somente da burguesia, e, segundo, Avelãs Nunes, "os direitos

do homem e do cidadão que a burguesia consagrou nos textos saídos da Revolução foram

apenas os direitos do homem burguês. Para a grande massa dos cidadãos passivos, esses

direitos não passaram de abstrações" (AVELÃS NUNES, 2017, p. 123).

Ou seja, a Declaração de Direitos de 1789, que forjou precipuamente a expressão

direitos fundamentais, teve como alicerce a defesa de direitos da burguesia, segregando

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homens e cidadãos que não fizessem parte daquela casta, sendo, assim, um simulacro de

garantia de direitos totalizantes do homem enquanto tal.

A discussão acerca dos direitos humanos veio permeando a discussão entre os

publicistas, até que, em 1948, com o advento do segundo pós-guerra, em que se vivenciaram

as iras do totalitarismo e uma afronta brutal aos direitos humanos 35 , proclamou-se a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações Unidas (ONU),

entidade idealizada na Convenção de Bretton Woods, a mesma que criou o Banco Mundial e

o FMI. O que se buscou em Bretton Woods foi a firme fixação dos Estados Unidos como

potência hegemônica a guiar as diretrizes da política econômica em nível mundial, sobretudo,

com relação aos países em desenvolvimento, de modo a lhes impelir a ideologia neoliberal

como asseguradora do domínio e da exploração capitalista.

Nessa medida, a ONU se constituiu como máscara para atendimento dos interesses

neoliberais, com discurso forjado de suposta proteção aos direitos humanos, quando, na

realidade, buscou a compatibilização de sua atuação com os ditames neoliberais e não

propriamente humanísticos, sendo, a instituição, um "importante instrumental propagandístico

a respaldar o projeto de via única hegemônica-global e encobridora da alteridade do

capitalismo neoliberal" (ROSA; MARCELLINO JUNIOR, 2009, p. 9).

Apesar disso, em uma concepção de Direito Internacional, os direitos humanos são

tidos como pressupostos para a implementação do Estado Democrático de Direito, sendo sua

base fundante, pela sistematização dos direitos humanos em nível constitucional (direitos

fundamentais), bem como pela necessária limitação do poder estatal em face da importância

da defesa da liberdade e dos direitos individuais.

Segundo Piovesan, "não há direitos humanos sem democracia, tampouco democracia

sem direitos humanos" (PIOVESAN, 2011, p. 42). Nesse mesmo sentido, Sarmento (2004)

afirma que o constitucionalismo contemporâneo tem como diretrizes tanto os direitos

fundamentais, quanto a democracia, mas que, em um viés neoliberal, há a castração dos

direitos fundamentais, vistos como óbices ao desenvolvimento econômico, o que significa,

portanto, um refluxo para o constitucionalismo.

Os direitos humanos, dessa forma, comportam uma dimensão, acolhida em nível

35 O totalitarismo, Segundo Arendt, possuía um viés de legalidade, que partia de uma imposição da vontade da

autoridade, e isso, por si, gerava uma suposta legitimação. Nesse sentido, explica: “a afirmação monstruosa e,

no entanto, aparentemente irrespondível do governo totalitário é que, longe de ser ‘ilegal’, recorre à fonte de

autoridade da qual as leis positivas recebem a sua legitimidade final; que, longe de ser arbitrário, é mais

obediente a essas forças sobre-humanas que qualquer governo jamais o foi; e que, longe de exercer o seu poder

no interesse de um só homem, está perfeitamente disposto a sacrificar os interesses vitais e imediatos de todos

à execução do que supõe ser a lei da História ou da Natureza.” (ARENDT, 2012, p. 613).

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77

mundial, de universalidade e indivisibilidade36. Segundo Piovesan, essa normatividade se

projeta em um "constitucionalismo global, vocacionado a proteger direitos fundamentais e a

limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de

direitos" (PIOVESAN, 2011, p. 39). Esses direitos não são um dado autopoiético, mas uma

invenção humana construída e reconstruída, sendo usados como slogan para a defesa dos

subprivilegiados, como uma exceção para aqueles a quem não se direcionou, em princípio, a

proteção por esses direitos humanos (ARENDT, 2012). Por sua vez, os direitos fundamentais

advêm da pré-compreensão de direitos humanos, a partir de sua constitucionalização pelos

ordenamentos jurídicos estatais, com objetivo de proteção das pessoas (SAMPAIO, 2004).

Apesar da concepção de direitos humanos ser oriunda de interesses burgueses

criadores de uma profunda distinção entre classes sociais e que visavam, precipuamente, à

proteção da elite, à introjeção do ideal de proteção de direitos de vida, liberdade, igualdade e

dignidade da pessoa humana nas Constituições dos Estados, sobretudo, depois do segundo

pós-guerra37, constitui-se como eixo para a formulação dos princípios que guindaram a noção

de Estado Democrático de Direito.

A partir desse ponto e em uma concepção de modelo constitucional de processo,

portanto, as garantias fundamentais processuais de contraditório, ampla argumentação,

imparcialidade e fundamentação das decisões jurisdicionais constituem-se como "formadoras

de um essencial sistema de proteção aos direitos fundamentais, tecnicamente apto a lhes

assegurar plena efetividade" (BRÊTAS, 2018, p. 90).

Verificada, portanto, a compreensão acerca de direitos humanos e direitos

fundamentais, cumpre analisar de que modo os direitos fundamentais têm se apresentado na

ordem neoliberal.

Holmes e Sunstein, na obra The Cost of Rights, publicada em 1999, alocam os direitos

36 Segundo Bolzan de Morais, Saldanha e Vieira, "os direitos humanos, como dimensão própria do processo de

mundialização, referem/repercutem a institucionalização e promoção de um mínimo ético universal, pela

garantia de conteúdos mínimos e inafastáveis, sejam estes civis, políticos, sociais, econômicos, culturais,

ambientais, etc., a serem considerados e realizados de forma integrada e indivisível (indivisibilidade), a todos

os seres humanos do planeta Terra, indistintamente (universalidade), ou seja, de todos, em todos os lugares."

(BOLZAN DE MORAIS; SALDANHA; VIERA, 2013, p. 21-22). 37 Numa ordem global, "a Constituição assume um papel absolutamente fundamental nas complexas,

heterogêneas e plurais sociedades contemporâneas, dado que a diversidade de interesses em conflito ultrapassa

a ordem jurídica em si, e com ele a lei como a principal fonte de produção legal no Estado de Direito. Seu

lugar é agora ocupado pela Constituição, como um paradigma de uma produção jurídica flexível e plural, cuja

convergência só pode ser possível por meio dos princípios e valores consagrados na norma fundamental. A

Constituição como elemento que permite uma unidade precária e plural, mas imprescindível para salvar o

ordenamento do turbilhão juridificador no qual está mergulhado: o império da lei já não é garantia de

racionalidade e de ordem, de unidade e de paz. O trono vazio do monarca despejado só pode ser ocupado pela

Constituição." (CAMPUZANO, 2013, p. 59).

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fundamentais em discussão envolta em uma análise econômica. Sustentam que o exercício de

direitos tem custos que dependem de dotação orçamentária para que possam ser efetivamente

protegidos e, assim, sem recursos financeiros que possam garantir direitos, estes não se

implementam (HOLMES; SUNSTEIN, 1999).

Ainda segundo referidos autores, para que o Direito exista, há necessariamente que

existir governo, colocando uma vinculação entre Direito e Política, de modo a exigir que a

gestão operacional e financeira da proteção dos direitos seja definida em nível governamental

(HOLMES; SUNSTEIN, 1999). Dessa maneira, para Holmes e Sunstein, todos os direitos

fundamentais são dotados de uma esfera negativa e outra necessariamente positiva, ante a

necessidade de uma estrutura burocrática estatal voltada para a sua proteção, dependendo da

alocação de recursos financeiros para que sejam efetivados (CRUZ, 2009).

Partindo-se dessa ótica, portanto, os direitos fundamentais passaram a ser analisados

sob o aspecto econômico, em uma relação de custo-benefício, a avaliar, sob o ponto de vista

político, a viabilidade da efetivação desses direitos. Ou seja, os direitos fundamentais foram

monetizados, passando a focar no atendimento dos preceitos do mercado, que persegue lucro,

eficiência, proteção à propriedade privada e garantia da liberdade de contratar. De acordo com

Rosa e Marcellino Júnior, "há uma contratualização/privatização neoliberal da esfera

pública", desvirtuando a natureza dos direitos fundamentais que se tornam "direitos

fundamentais do mercado" (ROSA; MARCELLINO JÚNIOR, 2015, p. 47).

Há, portanto, um esvaziamento da pretensão programática constitucional de

implementação de direitos fundamentais, que deveriam proteger as pessoas em seus direitos

individuais, sociais e políticos, ante os influxos neoliberais, que colocam o mercado como

centro, ao redor do qual, divagam direitos fundamentais, que passam a ser vistos como custos,

como entraves à livre concorrência. Assim, esses direitos fundamentais são marginalizados,

constituindo-se, a defesa das regras mercadológicas, como via de implementação de uma

liberdade que não se coaduna com a proteção da pessoa, mas tão somente com a proteção dos

direitos fundamentais do mercado, já que o mercado se coloca como eixo orientador

neoliberal, e, nesse sentido:

Os bens, as pessoas, os princípios e as regras passaram a ser valorizados apenas pela

condição de mercadorias, isto é, passaram a receber o tratamento conferido às

mercadorias a partir de seu valor de uso e de troca. Deu-se a máxima desumanização

inerente à lógica do capital [...]. Os direitos e gantias fundamentais também são

vistos como mercadorias que alguns consumidores estão autorizados a usar. [...]

Direitos, garantias e tudo aquilo que antes era considerado inegociável foram

transformados em mercadoria ("mercadorias-novas") em nome do neoliberalismo.

(CASARA, 2017, 39-41).

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79

A concepção, portanto, de direitos fundamentais nasceu no século XVIII, fruto de

interesse burguês discriminatório e articulador de uma suposta ideia de liberdade, igualdade e

fraternidade, que não se sustentava na realidade. Esses direitos, no entanto, a partir do

segundo pós-guerra, com a constitucionalização dos Estados, passaram por uma mudança de

concepção, devendo servir de diretriz para a democratização, significando, portanto,

observância aos direitos e garantias das pessoas em sua esfera individual, social e política.

Assim, em uma concepção democrática, direitos e garantias fundamentais são a base

orientadora de toda a construção processual. Brêtas (2018) explica que os direitos

fundamentais são os direitos humanos previstos constitucionalmente, ao passo que as

garantias constitucionais são garantias processuais compreendidas no ordenamento jurídico,

componentes, portanto, do modelo constitucional de processo.

Na medida em que analisados os direitos fundamentais e os direitos fundamentais do

mercado obedientes à lógica neoliberal, cumpre analisar o que vem a ser o modelo

constitucional de processo, que parte de uma base principiológica integrada, que objetiva a

proteção dos direitos fundamentais.

3.2.1 Teorias processuais e modelo constitucional de processo

Analisada, portanto, a perspectiva de direitos fundamentais, passando por uma breve

compreensão das garantias fundamentais, é importante que haja averiguação de algumas

teorias processuais38, a fim de que, por derradeiro, seja possível discorrer acerca do modelo

constitucional de processo, que se adota como marco teórico da presente pesquisa.

A teoria do processo como relação jurídica foi criada por Oscar Von Bülow, na

Alemanha, em 1868, tendo definido a autonomia do processo em relação ao direito material.

Embora seja relevante essa autonomização do processo, Bülow analisa o processo como

relação entre o juiz e as partes, de modo que o juiz assume posição de superioridade em

relação aos demais sujeitos processuais. Assim, de acordo com essa perspectiva teórica, o juiz

é instado a decidir com irrefutável submissão das partes ao julgamento. Nesse sentido, Barros

38 Por critérios metodológicos, na presente pesquisa, far-se-á a análise de algumas teorias do processo. No

entanto, cumpre mencionar as teorias existentes, conforme explicam, Leal e Brêtas, quais sejam: a) teoria do

processo como contrato, desenvolvida por Pothier; b) teoria do processo como quase-contrato, criada por

Savigny e Guényvau; c) teoria do processo como relação jurídica, alavancada por Bülow; d) teoria do processo

como situação jurídica, criada por Goldschmidt; e) teoria do processo como instituição, desenvolvida por

Guasp; f) teoria do processo como procedimento em contraditório, de Fazzalari; g) teoria constitucionalista do

processo (sistematizada por Hector Fix-Zamudio, no México, com divulgação por Baracho, no Brasil e, na

Itália, retomada por Andolina e Vignera); e h) teoria neoinstitucionalista do processo, desenvolvida por Leal.

(LEAL, 2018; BRÊTAS, 2018).

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80

afirma:

É desde Bülow (1868) que se compreende o processo como uma relação jurídica

entre o juiz e as partes, entendida esta como o vínculo subjetivo que faz com que

aquele que tem direitos (sujeito ativo), possa exigir daquele que tem dever (sujeito

passivo) o cumprimento de uma determinada conduta. (BARROS, 2013, p. 47).

Chiovenda seguia a mesma teoria processual da relação jurídica, assim como

Carnelutti, Calamandrei e Liebman. Liebman veio para o Brasil, em 1940, foi professor de

Alfredo Buzaid e José Frederico Marques, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco,

em São Paulo. Formou-se ali a Escola Paulista de Processo, defensora do processo como mero

instrumento da jurisdição, além de alinhar o processo a escopos metajurídicos

(DINAMARCO, 1993).

Ou seja, para essa Escola, denominada instrumentalista, não importa discernir

processo de procedimento, nem mesmo processo de jurisdição, ao passo que a jurisdição é

colocada em voga, em detrimento do processo (LEAL, 2018). De acordo com referida teoria

da relação jurídica, importa que as decisões sejam proferidas pelos julgadores, que devem

observar valores e anseios sociais, de modo a introjetar subjetivismo (NUNES, 2008a), o que

coloca o juiz como “super-parte”, dando azo ao solipsismo judicial (BARROS, 2013, p. 48).

O revogado CPC de 1973, elaborado por Alfredo Buzaid, seguia exatamente essa

perspectiva teórico-processual da relação jurídica (BRÊTAS, 2018), com viés de socialização

processual, preconizadora de um dever de pacificação (NUNES, 2008a).

Gonçalves (1992) apresentou críticas veementes ao instrumentalismo processual, no

sentido de que a teoria da relação jurídica dava ensejo ao posicionamento desproporcional dos

sujeitos processuais, que não atuavam em simétrica paridade. Havia, portanto,

comprometimento da própria concepção de contraditório, ante uma relação de hierarquização

e submissão dos sujeitos processuais (BARROS, 2013). Assim, Gonçalves (1975) adotou a

perspectiva teórica de Elio Fazzalari, segundo o qual, o processo é procedimento realizado em

contraditório entre as partes, em simétrica paridade, almejando o provimento final39. Nesse

sentido, Barros esclarece:

39 Segundo Fazzalari, “se, poi, il procedimento è regolato in modo che vi possano partecipare - in una o più fasi -

anche coloro nella cui sfera giuridica l'atto finale è destinato a svolgere effetti (talché l'autore di esso debba

tener conto della loro attivitá), e se tale partecipazione è congegnata in modo che i contrapposti "interessati"

(quelli che aspirano alla emanzione del provvedimento e quelli che vogliono evitarla) siano sul piede di

simmetric parità; allora, come ripetuto, il procedimento comprende il "contradittorio", si fa quindipiù articolato

e compleso, e dal genus "procedimento" è consentito enucleare la specie "processo".” (FAZZALARI, 1975, p.

28-29).

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81

A necessidade de uma base procedimental para garantir igual participação nos

espaços democráticos de tomada de decisão exige que ela seja compreendida como

um processo nos moldes definidos por Fazzalari. Isto implica uma atividade

preparatória do provimento com a participação dos afetados em simétrica paridade,

permitindo assim que todos, inclusive a minoria, tenham seus argumentos levados

em consideração e seus direitos fundamentais respeitados. (BARROS, 2006, p. 231).

O que Fazzalari pretendeu, a partir de sua teorização de estruturação normativa do

processo em contraditório, foi alocar os sujeitos processuais em posição de simetria, de modo

a dar as mesmas condições no exercício do contraditório e, assim, viabilizar uma construção

decisória obediente a critérios lógicos de inclusão das partes nessa formulação. Buscou-se

ainda, diante disso, extirpar o protagonismo do julgador, que era decorrência lógica da teoria

do processo como relação jurídica. Desse modo, Gonçalves explica:

Nos sistemas jurídicos que alcançaram certo grau de racionalidade, a aplicação do

Direito é referida a critérios objetivamente definidos e delimitados pelas normas

integrantes do próprio sistema.

O mais alto grau de racionalidade atingido pelos ordenamentos jurídicos

contemporâneos, que se seguiu à conquista das garantias constitucionais, importa na

superação do critério de aplicação da justiça do tipo salomônico, inspirada apenas na

sabedoria, no equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador, ou na sensibilidade

extremada do juiz, simbolizada pelo “Fenômeno Magnaud”. Esse critério é

substituído por uma técnica de aplicação do direito que se vincula a elementos não

subjetivos, a uma estrutura normativa [...]. (GONÇALVES, 1992, p. 45-46).

O que Gonçalves enfatiza, portanto, é a necessidade de uma estrutura técnico-

normativa a afastar a introjeção de subjetivismo do julgador, a fim de que as decisões sejam

racionalmente formuladas por critérios objetivos e em atenção às garantias processuais. O

complexo de Magnaud diz respeito àquelas decisões imbuídas de critérios axiológicos, nas

quais o juiz se porta como bem entende, criando suas próprias diretrizes de atuação, de acordo

com seus interesses, valores e preconceitos.

Assim, o processo deve ser tido como garantia de direitos fundamentais, de acordo

com Barros, que afirma que “o que sustenta a noção de processo como garantia são os

princípios constitucionais do processo definidos no texto constitucional” (BARROS, 2013, p.

49). Logo, importa desenvolver o que vem a ser o modelo constitucional de processo.

Trata-se de expressão cunhada por Andolina e Vignera, representando um alicerce

principiológico fundamental para o exercício da função jurisdicional e para que se assegure

uma hermenêutica constitucional que efetivamente vá condicionar a construção de

provimentos decisórios como resultantes lógico-constitucional (discursivo) do processo, este

entendido como metodologia de garantia de direitos fundamentais (ANDOLINA; VIGNERA,

1997).

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82

Há evidente e inegável vinculação entre Constituição e Processo e, dessa maneira,

após a Segunda Guerra Mundial, o jurista mexicano Hector Fix Zamudio realizou necessário

estudo a respeito, o que foi sistematizado e aperfeiçoado pelo jurista mineiro José Alfredo de

Oliveira Baracho, por meio da Teoria Constitucionalista do Processo. Seguindo a linha

conectiva entre Processo e Constituição, Andolina e Vignera publicaram a obra I fondamenti

costituzionali dela giustizia civile: il modelo constituzionale del processo civile italiano, na

qual desenvolveram modelo teórico constituído por um fundamento constitucional vincado

nas principiologias processuais.

De acordo com Baracho, “o modelo constitucional de processo civil assenta-se no

entendimento de que as normas e os princípios constitucionais resguardam o exercício da

função jurisdicional” (BARACHO, 2006, p. 15). A jurisdição, portanto, se concretiza pelo

processo regido por normas e princípios constitucionais (contraditório, ampla argumentação,

imparcialidade e fundamentação racional das decisões), com o fito de promover a tutela de

direitos realizada pela aplicação imperativa do ordenamento jurídico (ROSEMBERG, 2005).

Barros afirma que:

O modelo constitucional do processo é uma base principiológica uníssona, na qual

os princípios que o integram são vistos de maneira co-dependente. [...] Em outras

palavras, tais princípios são vistos como co-dependentes no sentido que, apesar de

cada um possuir seu espectro de atuação visto isoladamente, os referidos princípios

formam uma base uníssona indissociável, na qual a observância a um princípio é

condição para o respeito dos demais. (BARROS, 2009, p. 17).

São características do modelo constitucional de processo, de acordo com Andolina e

Vignera, a expansividade, a variabilidade e a perfectibilidade. A expansividade busca garantir

que a norma constitucional processual se expanda para os microssistemas processuais,

mantendo sua conformação ao esquema geral de processo. Já a variabilidade, por sua vez,

possibilita que a norma processual se ajuste a um microssistema, desde que mantenha sua

base constitucional. Por fim, a perfectibilidade induz que o próprio modelo constitucional se

aperfeiçoe e defina novos institutos por meio do processo legislativo, mantendo, no entanto, o

esquema geral de acordo com a Constituição (ANDOLINA; VIGNERA, 1997).

Nesse contexto, há demarcação de uma perspectiva processual constitucional, que

serve como diretriz hermenêutica e de aplicação do ordenamento jurídico, devendo-se

observar, portanto, os critérios característicos do modelo constitucional de processo. Entre as

garantias fundamentais do modelo constitucional de processo, está o contraditório, que é um

de seus pilares (BRÊTAS, 2018).

Page 73: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

83

Em razão do exposto, infere-se que o exercício da atividade jurisdicional é guiado pelo

processo como garantia de direitos fundamentais (BARROS, 2009), devendo essa atividade se

sujeitar às normas constitucionais, de modo que haja efetiva participação dos sujeitos

processuais na formulação decisória.

Partindo-se da proposta teórica de modelo constitucional de processo (ANDOLINA;

VIGNERA, 1997), compatibizando-a com a teoria do processo como procedimento em

contraditório (FAZZALARI, 1975), Nunes avançou para a formulação de um modelo

comparticipativo, em que o processo seja capaz de “transformar o espaço onde todos os temas

e contribuições devam ser intersubjetivamente discutidos, de modo preventivo ou sucessivo a

todos os provimentos, assegurando técnicas de fomento ao debate que não descurem o fator

tempo-espacial de seu desenvolvimento” (NUNES, 2008b, p. 26).

Demarcada a categoria teórica de processo adotada na presente pesquisa, qual seja, a

do modelo constitucional de processo, é importante que se analise a legitimidade do Estado

para formulação das decisões, dentro de uma perspectiva processual democrática.

3.2.2 A formulação das decisões jurisdicionais e a legitimidade no modelo constitucional de

processo

O processo pressupõe estruturação formal para construção de provimentos, fulcrada na

observância aos princípios processuais constitucionais, a fim de que as decisões sejam

legítimas, ante a participação dos interessados, o que enseja eficiência técnica (NUNES,

2008a). Assim, as garantias fundamentais devem ser respeitadas, para que haja a formação de

decisão jurisdicional, devendo, o contraditório, incidir de forma irrestrita em todas as fases

lógicas processuais, repercutindo amplamente na fundamentação decisória, de modo a

conferir a necessária legitimidade.

Ou seja, a titularidade da produção argumentativa e probatória é dos sujeitos

processuais, que devem atuar em contraditório, sem o que, em uma concepção fazzalariana, o

processo tornar-se-ia mero procedimento, como sequência de atos. Portanto, o diálogo em

contraditório é o que conforma o processo, que deve também observar as garantias

fundamentais da ampla argumentação e da imparcialidade, a fim de que sejam proferidas

decisões racionalmente fundamentadas. Acerca da ampla argumentação, Barros explicita:

Na perspectiva do processo jurisdicional, da ampla argumentação decorre o direito à

prova, a assistência de um advogado, à necessidade de se garantir que as partes

possam ter o tempo processual para reconstruir o caso concreto, e quais as normas

Page 74: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

84

prima facie aplicáveis são mais adequadas ao caso concreto. (BARROS, 2009, p.

20).

A ampla argumentação comporta uma dimensão dialógica, que envolve

umbilicalmente o contraditório, na medida em que, dessas garantias, decorrem o direito dos

sujeitos processuais de colocar seus argumentos de fato e de direito em evidência, utilizando

os meios de prova pertinentes para a defesa de suas cogitações, além de envolver o direito à

defesa técnica.

Por sua vez, o contraditório é princípio que garante a participação dos sujeitos

processuais, de modo a influenciar o julgador, que deve elaborar a decisão vinculada a

argumentos e provas produzidos. De acordo com Brêtas:

Na atualidade, o contraditório não significa apenas ciência bilateral e contrariedade

dos atos e termos do processo e possibilidade que as partes têm de contrariá-los, mas

é compreendido técnica e cientificamente como garantia de participação efetiva das

partes no desenvolvimento do processo em suas fases lógicas e atos, a fim de que,

em igualdade de condições, possam influenciar em todos os elementos e discussões

sobre quaisquer questões de fato e de direito que surjam nas diversas etapas do

itinerário procedimental, e que despontem como potencialmente importantes para a

solução decisória jurisdicional a ser obtida ao seu final. (BRÊTAS, 2016, p. 51).

Relevante é a observação feita no sentido de que o contraditório deve ser garantido nas

fases postulatória, de saneamento e organização, de instrução probatória e decisória. É

imprescindível, dentro da estrutura processual constitucional, que seja garantida a

participação de todos os sujeitos processuais, a fim de viabilizar a discursividade, que vai

influenciar a formulação decisória.Além disso, garantindo-se o contraditório em todas as fases

procedimentais, dá-se ensejo à transparência e fiscalidade necessárias.

Importante também considerar que o contraditório que se almeja, na perspectiva

constitucional, ultrapassa o sentido de bilateralidade, de confronto, de alegar e rebater. Assim,

André Leal explica que “o contraditório deixa de ser mero atributo do processo e passa à

condição de princípio (norma) determinativo de sua própria inserção na estruturação de todos

os procedimentos preparatórios dos atos jurisdicionais” (LEAL, 2002, p. 88).

O contraditório que se pretende é dotado de dinamicidade, apto a influenciar, por meio

de alegações e provas, a tomada de decisão pelo julgador, que, consequentemente, deve se

vincular à produção argumentativa dos sujeitos processuais, para que, efetivamente, haja

participação democrática.

A racionalidade das decisões decorre exatamente do fato de que sua elaboração deve

se respaldar na produção argumentativa e probatória produzida pelos sujeitos processuais em

Page 75: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

85

contraditório. Assim, deve haver necessária imbricação entre contraditório e fundamentação

das decisões (LEAL, 2002).

Brêtas (2018) sustenta que a dinâmica do contraditório se perfaz pelo que se denomina

quadrinômio estrutural do contraditório, sendo informação-reação-diálogo-influência, de

modo que os sujeitos processuais elaborem sua argumentação de forma dialógica, que vá

repercutir na formulação de decisão. As decisões jurisdicionais, portanto, somente se

legitimam a partir da sua elaboração em contraditório, de maneira que os sujeitos processuais

sejam os formadores de toda a gama argumentativa que vai subsidiar o julgamento.

Ou seja, juízes e tribunais devem, necessariamente, vincular-se aos apontamentos

elaborados pelos sujeitos processuais, que informam o processo, reagem de modo a refutar os

argumentos contrários às suas alegações, dialogam acerca dos pontos controvertidos e, por

fim, exercem influência para que o julgador profira decisão nos limites das provas e das

alegações dos sujeitos processuais.

Dessa forma, partindo de Fazzalari e ampliando a concepção de contraditório, Nunes

defende que a legitimidade se funda na necessária comparticipação dos sujeitos processuais

para a formação das decisões, na medida em que “o processo estrutura, mediante o debate

endoprocessual, a forma e o conteúdo das decisões e, por conseguinte, seu controle, mediante

a implementação técnica de direitos fundamentais em perspectiva dinâmica” (NUNES, 2008a,

p. 211).

Então, Nunes desenvolveu o entendimento de que o contraditório se configura em

garantia de influência e não surpresa, indo além da concepção simplista de bilateralidade da

audiência e, assim, com base em Comoglio e Trocker, sustenta:

O contraditório é guindado a elemento normativo estrutural da comparticipação [...],

assegurando, constitucionalmente, o policentrismo processual. Permite-se, assim, a

todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência do julgado

(“potencialidade ofensiva”) a garantia de contribuir de forma crítica a construtiva

para sua formação [...]. (NUNES, 2008a, p. 227).

O policentrismo processual, enquanto técnica, viabiliza aos sujeitos processuais a

atuação que vá contribuir para a construção do provimento, afastando o protagonismo

judicial, na medida em que o juiz não terá atuação central e privilegiada. Desse modo, em

razão do pluralismo democrático (MARQUES, 2016), caberá a todos os sujeitos que serão

afetados pela decisão contribuir com argumentos e provas, que servirão de baliza para a

elaboração do pronunciamento jurisdicional. Essa perspectiva técnica corrobora para a

implementação das garantias fundamentais previstas para configuração do modelo

Page 76: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

86

constitucional de processo. E, assim, Nunes acentua que “um dos principais pilares da

democratização processual seria o abandono de perspectivas de protagonismo e a assunção de

um perfil comparticipativo e democrático da estrutura processual” (NUNES, 2008a, p. 224).

Antes mesmo da entrada em vigor do CPC/15, Barros e Nunes já anunciavam a

necessidade do aumento da eficiência e, com vistas a atribuir efetividade ao processo,

reforçaram a primordialidade de ampliação do debate entre os sujeitos processuais, dentro de

uma perspectiva normativa de comparticipação. Essa técnica comparticipativa serve, segundo

Barros e Nunes (2010), para conferir qualidade às decisões jurisdicionais, o que dá ensejo,

consequentemente, à diminuição do volume de recursos interpostos e redução do volume de

reformas dos provimentos).

Ou seja, a partir da implementação de efetividade, vista como observância das

garantias fundamentais, há repercussão no ganho de eficiência no exercício da função

jurisdicional. Essa perspectiva reflete uma técnica processual arrojada, que se coaduna com a

formulação do processo democrático.

A teoria normativa da comparticipação, refletida no art. 6o do CPC/15, que prevê que

todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que se obtenha a decisão, estrutura-

se na garantia do contraditório como influência, devendo haver estreita correlação com a boa-

fé processual (art. 5o, CPC/15), em que os sujeitos processuais, inclusive o juiz, estejam

imbuídos do dever de atuar de modo alinhado a se obter efetividade processual, conforme

preconiza, o modelo constitucional de processo (FONSECA, 2017).

Dessa forma, o contraditório, dentro da perspectiva dinâmica de garantia de influência

e não surpresa, foi inserido como norma fundamental do processo civil, nos arts. 9o e 10 do

CPC/15, confirmando, mais uma vez, a imprescindibilidade de constitucionalização do

processo. Assim, todos os sujeitos processuais deverão ser previamente ouvidos, sendo-lhes

oportunizado o debate e devendo-se levar em consideração os argumentos e provas

produzidos.

A partir da perspectiva teórico-normativa da comparticipação, prevista no art. 6o do

CPC/15, bem como da norma fundamental do contraditório (arts. 7o e 9o do CPC/15), que tem

como um dos objetivos garantir a elaboração de decisões racionalmente fundamentadas (art.

489, CPC/15), o art. 357 do CPC/15 dispõe acerca do saneamento e da organização do

processo. Trata-se de decisão a ser proferida pelo juiz, com o objetivo de resolver questões

processuais pendentes, delimitar questões de fato, definir os meios e a distribuição do ônus da

prova, assim como delimitar questões de direito relevantes para a decisão de mérito.

O saneamento e a organização do processo devem ser lidos em uma perspectiva

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87

comparticipativa, na medida em que os sujeitos processuais, por meio dos debates

endoprocessuais, farão com que seus argumentos repercutam na decisão de saneamento e

organização. Ou seja, todas as causas, sejam simples ou de maior complexidade, requerem

uma atuação comparticipativa dos sujeitos processuais. A fase de organização e saneamento é

fundamental para que haja balizamento preciso que dará ensejo à formulação de decisões em

conformidade com o art. 489, §1o, IV, CPC/15, já que se considera fundamentada a decisão

que analisar todos os argumentos expostos pelos sujeitos processuais, que reflitam na decisão

final adotada pelo julgador.

Por óbvio, organização e saneamento do processo realizados de forma comparticipada

ofertará aos sujeitos processuais uma decisão com maior probabilidade de conformação com

os debates formulados pelas partes, tendendo, desse modo, a contribuir para uma decisão de

mérito com maior qualidade e menor chance de reforma. Nesse sentido, Theodoro Júnior e

outros se manifestam:

Com decisões mais bem fundamentadas, após uma cognição mais bem preparada

(art. 357), inclusive com a possibilidade de acordo processual típico com a fixação

de limitação cognitiva e efeitos preclusivos (Saneador negociado e comparticipado –

art. 357, §§2o e 3o), confia-se na diminuição das enormes taxas de reforma, fruto do

atual debate superficial. Conforme se pode verificar por meio dos dados

disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça quando da edição do Relatório

Justiça em Números 2013 (ano-base 2012), a taxa de reforma das sentenças em sede

de apelação, considerada a totalidade dos Estados, apesar de não ser representativa

de metade ou mais dos processos que chegam aos Tribunais nessa mesma fase

processual, é expressiva. (THEODORO JÚNIOR et al, 2016, p. 22).

Portanto, as decisões jurisdicionais formuladas pelos juízes e pelos tribunais devem

guardar absoluta pertinência com os debates produzidos. As decisões não podem surpreender

os sujeitos processuais, no sentido de não contemplar os argumentos e provas, que servirão de

baliza para os julgamentos, além do que não podem buscar fundamento em questões de fato e

de direito não suscitadas durante a tramitação processual.

Infere-se, portanto, que, no âmbito da jurisdição, a legitimidade decorre da

observância ao modelo constitucional de processo, garantidor de contraditório, ampla

argumentação e imparcialidade, visando à tutela de direitos e proferimento de decisões

construídas de forma racionalmente fundamentada.

Realizada a verificação da legitimidade no processo democrático e visando a continuar

o desenvolvimento da problematização proposta na presente pesquisa, cumpre investigar

acerca da legitimidade adotada na concepção neoliberal. Essa análise busca confrontar as

perspectivas de legitimidade apontadas, a fim de que, ao final, seja possível aferir acerca da

Page 78: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

88

contribuição (ou não) de cada uma para o fortalecimento do Estado de Direito.

3.2.3 Da concepção de legitimidade que serve ao mercado

No início do século XX, Max Weber desenvolveu estudos acerca do capitalismo e das

leis enquanto forma de dominação, relacionando a legitimidade com a dominação enquanto

crença. Essa crença foi analisada por Bourdier, que a considerou como um poder simbólico,

invisível, construído para fins de dominação, em que o dominado se submete e obedece em

razão de estruturas cognitivas que se reproduzem. Bourdier ainda afirma que se forma um

consenso, uma doxa, uma suposta realidade social, de modo que esses “sistemas simbólicos

exercem um poder estruturante porque são estruturados, e um poder de imposição simbólica,

de extorsão da crença porque não são constituídos por acaso” (BOURDIER, 2014, p. 234).

Essa construção, então, é direcionada para a formação de uma doxa de repercussão universal,

mas que, em realidade, guarda a expressão de interesses particulares incutidos enquanto força

simbólica.

Portanto, partindo dessa crença (doxa), Weber enfatiza que “nenhuma dominação

contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos ou racionais

referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e

cultivar a crença em sua legitimidade” (WEBER, 2015, p. 139).

Desse modo, a legitimidade, para Weber, representa uma crença por parte dos

dominados, de que a conduta de dominação mostra-se natural. Uma das formas de dominação

legítima colocada pelo autor é a de caráter racional, chamada dominação legal, que se

fundamenta na crença de legitimidade daqueles nomeados a exercerem o poder a partir de

uma normatividade.

Segundo Weber (2015), estabeleceu-se uma administração burocrática, com o objetivo

de se obter alta produtividade, precisão e disciplina, viabilizando-se a aferição do rendimento.

Essa postura foi decorrente do capitalismo, que impôs uma administração de massa40 como

forma racional de dominação, o que corroborou para a implantação da administração

burocrática foi a busca por previsibilidade e precisão na organização da gestão pública. A

40 A massificação dos sujeitos sugere uma possibilidade de manipulação total, uma indistinção, que coloca os

indivíduos em um contexto de indiferença e, dessa forma, segundo Arendt: “as massas não se unem pela

consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em

objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que,

simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar

numa organização […]. As massas politicamente neutras e indiferentes podiam facilmente constituir a maioria

num país de governo democrático e que, portanto, uma democracia podia funcionar de acordo com normas

que, na verdade, eram aceitas apenas por uma minoria.” (ARENDT, 2012, p. 438-440).

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89

dominação racional (legal) colocada por Weber para explicar a legitimação acabou por

refletir, em alguma medida, em uma busca por eficiência, e, nesse sentido, Aragão explica:

Max Weber tomou como objeto de estudo a burocracia, forma superior de

organização social e de dominação (racional-legal), sendo, por muitos, considerado

o principal porta-voz da ideia de a burocracia ser capaz de levar as organizações a

atingirem maiores graus de eficiência. [...]

Todavia, essas características, na tradição weberiana, apenas tornam as

burocracias capazes de alto grau de eficiência, cumprindo destacar, [...], que Weber

parte de pressupostos diferentes dos da tradição neoliberal, vale dizer, enfatiza

estruturas, regras, procedimentos, papéis, etc. (ARAGÃO, 1997, p. 108).

Assim, em Weber, temos o desenvolvimento das formas de dominação, sendo a

dominação racional legitimada por um caráter de crença nas ordens emanadas da autoridade.

Essa doxa, portanto, tem conteúdo apriorístico e baseado em uma obediência que não se

fundamenta, a não ser na probabilidade de reconhecimento da própria dominação.

Para o Banco Mundial, a concepção de legitimidade no exercício das funções estatais

segue a tendência de um discurso neoliberal. Nesse sentido, o Banco Mundial aponta como

inevitável a integração dos mercados internacionais, como condição absoluta para o

desenvolvimento dos países, sustentando, ainda, que a autorregulação desses mercados é

condição sine qua non para que a democracia seja implementada (BANCO MUNDIAL,

2017).

De acordo com Steger e Roy, “os neoliberais insistem no primado dos mercados sobre

a política, afirmando que o estabelecimento da democracia depende da economia do mercado

livre e não o contrário” (STEGER; ROY, 2010, p. 83). No entanto, a democracia não se

compatibiliza com os preceitos da ideologia neoliberal (AVELÃS NUNES, 2016).

O RDM 2017, emitido pelo Banco Mundial, traz um conceito de legitimidade que se

compatibiliza com o defendido por Weber, no sentido de crença na autoridade, configurando-

se em uma dominação eivada de democraticidade. Para o Banco Mundial, a legitimidade

decorre da prática de atos por grupos de poder. Esse poder, então, é destacado como

habilidade de grupos - e não de uma totalidade ou de uma maioria -, que agem para assegurar

interesses próprios e resultados previamente fixados.

Assim, o Banco Mundial afirma utilizar um comportamento estratégico, que abarca

Legislativo, Executivo e Judiciário, para a administração de um sistema de leis contratuais, de

modo a ensejar estabilidade e previsibilidade, tornando as leis mais eficientes. Dessa forma,

defende que “o direito contratual é o sistema de regras formais que melhora a eficiência do

jogo de resultados” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 18). Assim, o RDM 2017 destaca a

Page 80: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

90

importância de contratos direcionados ao atendimento do mercado para se buscar o

desenvolvimento.

O entendimento do Banco Mundial acerca da legitimidade fica evidenciado no RDM

2017, quando indica que devem ser implementadas reformas para se atingir eficiência, e,

nesse sentido, sustenta:

Legitimidade é a aceitação voluntária das regras e seu cumprimento. Os cidadãos de

uma nação podem estar dispostos a delegar poder suficiente a seu governo para que

ele se torne um ator dominante no jogo de regras da nação, mas somente se eles

sentirem que o governo usa esse poder de maneira legítima. [..] A legitimidade de

um governo pode derivar de três fontes. O comprometimento repetido constrói

legitimidade em termos de resultados. Quando um governo repetidamente cumpre

seus comprometimentos, ele se legitima, como, por exemplo, no caso da prestação

confiável de serviços públicos. A legitimidade também pode derivar de uma

percepção de justiça na maneira em que as políticas e regras são elaboradas e

implementadas – ou seja, a legitimidade do processo. Por fim, a legitimidade

também pode ser relacional, em que o com- partilhamento de um conjunto de

valores e normas encoraja os indivíduos a reconhecerem a autoridade. Os três tipos

de legitimidade identificados neste Relatório são: legitimidade de resultados, de

processos e de relações. A legitimidade é importante para a cooperação e a

coordenação porque implica o cumprimento voluntário de atos de autoridade.

Mesmo se o governo mantiver seus comprometimentos e for capaz de coagir as

pessoas a cumprir as regras, pode haver “deficit de legitimidade” se o processo for

percebido como injusto e as pessoas não estiverem dispostas a cooperar e preferirem

ficar fora do contrato social. (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 31).

Para o Banco Mundial, a legitimidade vincula-se à atuação de um Estado detentor da

dominação e que tenha protagonismo na formulação de suas decisões, de modo a restar aos

cidadãos unicamente confiar na busca de uma justiça à qual não se dá sentido. A legitimidade

preconizada pelo Banco Mundial, desse modo, está relacionada à confiança dos cidadãos na

prestação dos serviços públicos pelo Estado, como uma política de resultados, alinhando-se à

lógica de mercado neoliberal.

Cumpre ressaltar que o Banco Mundial, por meio do RDM 2017, tratou da

legitimidade da atuação estatal, compreendendo a esfera administrativa, legislativa e

jurisdicional. Relacionando a compreensão de legitimidade exposta no RDM 2017 e aquela

pautada por Weber, é possível inferir que ambas as compreensões se tangenciam em alguns

pontos, na medida em que o Banco Mundial defende uma legitimidade pautada na crença do

poder pela autoridade que a exerce. Ou seja, trata-se da mesma concepção de dominação

racional defendida por Weber, segundo a qual, a autoridade pratica atos que são legítimos

pelo fato, simplesmente, de haver uma suposta confiança dos dominados.

Analisada, portanto, a concepção de legitimidade coerente com o modelo

constitucional de processo (subcapítulo 3.2.2) e a perspectiva de legitimidade desenvolvida

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91

pelo Banco Mundial (que tem atendido à ideologia neoliberal), cumpre avançar para a análise

da atuação do Estado no exercício da função jurisdicional. O Judiciário, que exerce uma das

funções do Estado, deve se pautar na defesa dos direitos, a partir da observância às garantias

fundamentais, o que se faz pela única via do processo democrático. É importante que se

verifique, diante disso, se a jurisdição tem se prestado a garantir direitos fundamentais ou se,

ao contrário, tem servido de suporte para a implementação de medidas de exceção.

3.3 Jurisdição: legitimadora do Estado de Direito ou do Estado de Exceção?

Conforme já exposto no subcapítulo 3.1, há um contexto de crise, que vem sendo

declamado, sobretudo, pelos defensores da ordem neoliberal, a fim de promover reformas

estatais. Assim, o neoliberalismo vem pautando um nova forma de governar, em que o Estado

tem servido de arcabouço para implementação de medidas articuladoras dos interesses do

mercado. Diante disso, faz-se necessário verificar de que modo o exercício da jurisdição tem

se pronunciado em vista da ideologia neoliberal, que vem ditando seus próprios direitos

fundamentais segundo a lógica do capital. Essa articulação entre jurisdição e mercado tem

sido introjetada, sobretudo, na formação das decisões jurisdicionais. Assim, faz-se imperioso

averiguar de que modo a jurisdição tem contribuído para o fortalecimento (ou não) do Estado

de Direito.

É relevante considerar que o exercício da jurisdição pode se dar pelo Estado, a quem é

atribuída essa função. No entanto, a jurisdição não é exclusiva do Estado, já que existem

formas extrajudiciais de resolução de controvérsias (a exemplo da arbitragem, da conciliação

e da mediação), bem como abriu-se necessário espaço para pautar o avanço dos diálogos

interinstitucionais41, como forma de redução da judicialização e da litigância. Não bastassem

essas alternativas de desjudicialização, ainda existem novos modelos de regulação, que fogem

da apreciação da jurisdição estatal42. Assim, considerando que não há mais o monopólio

estatal da jurisdição, Bolzan de Morais e Moura explicam:

A perda da centralidade do ente estatal para produzir e aplicar o direito, em

41 De acordo com Godoy, os diálogos interinstitucionais devem servir como um modelo democrático de debate

entre instituições, de modo a promover políticas públicas ou visando a solucionar conflitos, observando-se as

previsões normativas. Sustenta-se ainda que os diálogos interinstitucionais devem promover uma

dinamicidade e não estancar o exercício das funções estatais, a fim de se obter a necessária dialogicidade entre

as instituições e os sujeitos interessados. Busca-se, assim, promover uma interação colaborativa entre as

partes, que venha corroborar para uma perspectiva de legitimidade pela participação de todos os interessados,

que influenciarão na formação da decisão final (GODOY, 2015). 42 Para aprofundamento, verificar obra O Fim do Estado de Direito, de Benoit Frydman.

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92

decorrência da globalização […] abre o espaço para procedimentos jurisdicionais

alternativos como um meio de alcançar maior celeridade na solução dos litígios.

Concomitantemente, surgem novas categorias de direitos e de sujeitos jurídicos,

coletivos, individuais, homogêneos e difusos que complexizam ainda mais o quadro.

(BOLZAN DE MORAIS; MOURA, 2017, p. 180).

Importante destacar que, na presente pesquisa, optou-se pela análise da jurisdição

enquanto função estatal, a fim de que se possa averiguar o contexto eficientista pautado no

CPC/15, que inseriu a eficiência como norma fundamental do processo e critério

hermenêutico para aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes (art. 8o, CPC/15), o que

será munidenciado no subcapítulo 6.3. Por essa razão, a análise da jurisdição limitar-se-á à

perspectiva de exercício da função jurisdicional pelo Estado, a fim de que haja uma

delimitação da temática em termos metodológicos.

Partindo da análise fulcrada na Teoria do Estado, tem-se que o Estado exerce a

soberania que lhe é outorgada pelo povo, a partir do exercício das funções executiva,

legislativa e judisicional (GONÇALVES, 1992). A partir desse pressuposto, Baracho afima

que a jurisdição é atividade estatal, por meio da qual há aplicação do direito aos fatos

(BARACHO, 1984). Essa função é impositiva de emissão de um provimento pelos órgãos

jurisdicionais, pela atuação em contraditório dos sujeitos processuais. Há, portanto, uma

relação entre o estudo da jurisdição e do processo, já que este se mostra como única via de

estruturação do exercício da atividade jurisdicional (FAZZALARI, 1992)43.

Andolina e Vignera colocam a jurisdição como função do Estado para a realização do

processo, nos moldes estatuídos pelos princípios e normas previstos na Constituição, para

proteção dos direitos subjetivos, a partir de um modelo unitário de garantias constitucionais.

Assim, afirmam que "as normas e princípios constitucionais relativos ao exercício da função

jurisdicional, se considerados em sua inteireza, permitem ao intérprete traçar um verdadeiro

esquema geral de julgamento, capaz de formar o objeto de uma exposição unitária" 44

(ANDOLINA; VIGNERA, 1997, p. 7, tradução nossa). Portanto, no exercício da atividade

43 Elio Fazzalari aborda suscintamente a jurisdição, reconhecendo-a como função do Estado e, nesse sentido,

aduz: "esta atividade de conhecimento dos pressupostos do provimento jurisdicional, isto é, a atividade por

meio da qual o juiz verifica que ocorrem, no caso concreto, as circunstâncias em presença das quais deve ser

acionada a norma que lhe impõe o dever de emanar aquele provimento, é longa, fatigosa e custosa; dela

participam não somente o juiz, mas também seus auxiliares, e, sobretudo, os sujeitos em cuja esfera jurídica a

medida jurisdicional emanada é destinada a incidir em contradição entre eles." (FAZZALARI, 2006, p. 138).

O autor faz uma relação entre a jurisdição e o processo e, assim, pontua: "o estudo da jurisdição (e da

jurisdição civil) deve basear-se sobre o processo. O processo é a única estrutura na qual, e em virtude da qual,

os vários aspectos daquela atividade fundamental podem ser ordenados de modo coerente." (FAZZALARI,

2006, p. 139). 44 Le norme ed o principi costituzionali riguardanti l'eesercizio della funzione giurisdicionale, se considerati

nella loro completassità, consentono all'interprete di disegnare un vero e proprio schame generale do processo,

suscettibili di formare l'oggeto di una esposizione unitaria.

Page 83: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

93

jurisdicional, o modelo constitucional de processo, como base principiológica, serve de

diretriz estrutural para a formação dos provimentos jurisdicionais.

A CRFB/88, em seu Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, estatui o

amplo acesso à jurisdição às pessoas físicas e jurídicas, para a persecução de seus direitos (art.

5º, XXXV, CRFB/88). Infere-se, portanto, que "a jurisdição é direito fundamental de qualquer

pessoa, por força de declaração normativa expressa no texto da Constituição [...]. Mas, a

fruição deste direito se dá pela garantia fundamental do processo constitucional" (BRÊTAS,

2018, p. 90).

A jurisdição, além de função do Estado, apresenta-se como direito fundamental. O

acesso à jurisdição se dá pela garantia fundamental do processo, enquanto metodologia de

salvaguarda de direitos fundamentais (BARACHO, 2006).

Observando as características do modelo constitucional de processo, preceituado por

Andolina e Vignera, o art. 3º do CPC/15 igualmente abarcou a previsão de inafastabilidade do

acesso à jurisdição, colocando ainda a arbitragem, a mediação e a conciliação como métodos

alternativos de solução de controvérsias, que podem ser efetivadas tanto na esfera judicial,

quanto extrajudicial. Assim, não há monopólio da jurisdição pelo Judiciário, já que ampliadas

as formas de resolução de conflitos.

Em uma concepção de processo democrático, o exercício da função jurisdicional tem

sua legitimidade vincada no proferimento de decisões formuladas a partir do processo

enquanto garantia fundamental. Corroborando a esse entendimento, Nunes enfatiza que a

legitimação do processo se vincula à implementação de dialogicidade em debate

comparticipativo. Dessa forma, “nos regimes democráticos, o processo estrutura, mediante o

debate endoprocessual, a forma e o conteúdo das decisões e, por conseguinte, seu controle,

mediante a implementação técnica de direitos fundamentais em perspectiva dinâmica”

(NUNES, 2008a, p. 211). Ou seja, o processo é diretriz fundamental para que o exercício da

atividade jurisdicional se dê em conformidade com o modelo constitucional de processo.

A eficiência, enquanto princípio constitucional (art. 37, caput, da CRFB/88) e norma

fundamental do processo (art. 8o, CPC/15), foi introjetada no ordenamento jurídico brasileiro,

e as decisões jurisdicionais alicerçadas nessa base principiológica têm sido proferidas sem

perscrutar o acatamento aos direitos e às garantias fundamentais. Em um viés eficientista

voltado à jurisdição, busca-se mormente celeridade, redução de custos e maximização da

riqueza para atendimento dos ditames mercadológicos amparados pela ideologia neoliberal,

que se utiliza de um discurso de observância ao Estado de Direito, para, em verdade, deixá-lo

suspenso, como exceção.

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94

E, assim, quando a esfera jurídica é colocada em situação de submissão à esfera

política, na qual a vontade da autoridade se desprende daquilo que foi esculpido pelo Estado

de Direito, produzindo decisões não com base em lei, mas apesar da lei, ou utilizando-se de

fissuras deixadas (estrategicamente) no ordenamento jurídico, tem-se a hipótese de exceção.

Importa analisar o Estado de Exceção nas perspectivas tratadas por Carl Schmitt e

Giorgio Agamben. Segundo Barros, “Schmitt foi o filósofo do século XX que anteviu a nova

ordem global, que relativiza inclusive as noções de soberania estatal” (BARROS, 2011, p.

99). Em sua obra Teologia Política (1922), aponta que “soberano é aquele que decide sobre o

estado de exceção”45 (SCHMITT, 2000, p. 23, tradução nossa), ou seja, a exceção é uma

decisão que resulta da vontade do detentor do poder político, a partir de uma alegação de

estado de necessidade.

Esse estado de necessidade, segundo Schmitt (2000), não pode ser precisamente

identificado e nem previsível, não comportando limitação dentro do Estado de Direito).

Segundo Marramao (2012), a soberania propugnada por Schmitt é ilimitada por um sistema

normativo, e, por decisão do próprio soberano, este pode extrapolar o limite da norma.

Schmitt (1992) defendeu que o conceito de Estado se vincula ao conceito de político,

sendo uma unidade normativa e soberana, a quem caberá sempre decidir acerca da

excepcionalidade. O Estado, nessa perspectiva, é alçado a uma concepção totalitária, na qual

há imbricação entre poder e vontade do decisor, com a politização das esferas econômica,

social, cultural e religiosa (BERCOVICI, 2004).

Schmitt defendia uma atuação incisiva, mas não intervencionista, do Estado na

economia, desde que para garantir um planejamento direcionado ao atendimento dos

interesses da classe dominante, incentivando um decisionismo fundamentado na política

econômica. Esse Estado total schmittiano, por óbvio, não se compatibiliza com a democracia

e, em alguma medida, tangencia os ideais neoliberais, o que foi observado por Bercovici:

A incompatibilidade entre democracia e liberalismo e o repúdio ao Estado

Intervencionista mostra, ainda, uma certa convergência entre Schmitt e os

neoliberais radicais, como Friedrich Hayek. Apesar de seus pressupostos

epistemológicos distintos (os neoliberais se orientam para o indivíduo, enquanto

Schmitt é voltado para a exceção), as suas críticas ao Estado Social e ao pluralismo

político são muito parecidas. (BERCOVICI, 2004, p. 105).

Schmitt criticou duramente a democracia, sobretudo, a democracia representativa, ao

argumento de que a eleição, enquanto forma de legitimar essa representação, seria mero

45 Soberano es aquel que decide sobre el estado de excepción.

Page 85: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

95

formalismo mascarador de uma realidade. Afirmou, ainda, que o processo de escolha se faz

por uma manipulação autoritária, sendo os escolhidos aqueles detentores do poder econômico,

que agem de acordo com a própria vontade, e não de acordo com a vontade de quem os

elegeu (SERRANO, 2016). Assim, aponta que o Estado deve ser total, de forma que o

soberano decida efetivamente quem é amigo ou inimigo que deve ser combatido. Acerca

dessa concepção, Marramao explica:

A específica distinção política consiste para Schmitt na distinção entre amigo

(Freund) e inimigo (Feind). Essa distinção representa autônomo e irredutível critério

com base no qual “é possível remeter as ações e os motivos políticos. Os dois

correlatos indispensáveis dessa distinção específica são a existencialidade e a

publicidade. Isso implica duas consequências iniludíveis. Em primeiro lugar, os

conceitos de amigo ou inimigo devem assumir-se não como metáforas ou símbolos,

mas em seu significado concreto, existencial. (MARRAMAO, 2012, p. 170).

Schmitt afirma que a soberania somente se implementa no Estado de Exceção, já que,

nesse contexto, a autoridade decide o que for de interesse do Estado, defendendo ainda que a

defesa de direitos individuais e a defesa de cidadania, assim como o Estado de Direito,

limitam a atuação estatal, o que é inadmissível do ponto de vista da defesa de sua soberania

ampla.

Enquanto, no Estado Democrático de Direito, a noção de legitimidade se vincula à

formulação decisória pautada na atuação comparticipada dos sujeitos, que, por meio das

normas (legalidade), limita a atuação do Estado, em Schmitt, a soberania transcende a

concepção política, de modo a imbricar legitimidade e legalidade, que se vinculam à pessoa

do próprio soberano, que é quem decide na posição de Estado. Ou seja, o Estado está acima

da norma, e, conforme Salgado, na apresentação da obra Legalidade e Legitimidade, de

Schmitt:

A existência do Estado está em superioridade com relação a qualquer norma [...], a

decisão o torna desvinculado de qualquer norma e, nesse sentido, é absoluto, pois o

soberano estabelece as condições pelas quais o direito é posto, ou seja, todo

ordenamento, inclusive o direito, funda-se em uma decisão e não em uma norma.

(SALGADO, 2007, p. XXIII).

Há aderência do entendimento exposto por Weber e Schmitt, já que, para ambos, a

legitimidade não está vincada na legalidade e no ordenamento jurídico, mas no decisionismo

do soberano, detentor da dominação e do poder (MARRAMAO, 2012). O soberano, assim,

suspende o ordenamento jurídico do Estado, conforme sua vontade ou conveniência, a partir

de uma decisão política com fundamento em suposta defesa da segurança e da ordem para

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96

combate a um eventual inimigo.

Assim, para Schmitt, tanto o Estado, quanto o direito fundamentam-se em uma decisão

política e não em norma, sendo, portanto, oriunda da vontade do detentor do poder. Nesse

sentido, a Constituição seria uma decisão direcionada à formação da unidade política, isto é,

ato de vontade do titular do poder (BERCOVICI, 2004), de modo que a decisão do soberano é

que implementa o próprio direito.

Acerca da formulação proposta por Schmitt, evidencia propositadamente a distinção

entre decisão (que parte da vontade do soberano) e norma (que se subjuga à vontade do

soberano) e, nesse liame, o Estado de Exceção se perfaz com a suspensão da norma por uma

decisão do soberano, que vai eleger um “inimigo” para justificar a medida excepcional e

suspensiva da norma.

O decisionismo, em Schmitt, portanto, traz um procedimento envolto de perigo, na

medida em que não se cogita em fundamento para a formulação decisória, incidindo

fatalmente em uma postura autoritária do Estado. Segundo Machado, “a questão que se coloca

é que a decisão permanece oculta, em um lugar no qual ela não é visível aos olhos humanos”

(MACHADO, 2013, p. 50).

Agamben critica a teoria schmittiana, por entender que a soberania afirmada por

Schmitt é paradoxal, vez que aloca o soberano, concomitantemente, dentro e fora do

ordenamento jurídico. Além disso, afirma:

O caso de exceção torna evidente do modo mais claro a essência da autoridade

estatal. Aqui a decisão se distingue da norma jurídica e (para formular um paradoxo)

a autoridade demonstra que não necessita do direito para criar o direito. A exceção é

mais interessante que o caso normal. (AGAMBEN, 2014, p. 23).

Agamben desenvolve sua teoria da exceção, partindo do iustitium do Direito Romano,

segundo o qual, o Senado se servia do senatus consultum ultimum para pleitear medida de

salvaguarda do Estado, em situação de emergência (tumultus). Assim, proclamava-se o

iustitium, sinônimo de suspensão do direito, a dar azo a uma supressão do ordenamento

jurídico como um esvaziamento, uma zona de anomia, ou seja, um espaço de ausência de

norma. Assim, a norma se afasta para dar lugar à aplicação da exceção, que é prevista no

ordenamento (TELES, 2015, p. 73).

Acerca desse espaço de anomia, Agamben aponta que a exceção se opera em virtude

de força de lei, com o afastamento da própria lei, e assim explicita:

O estado de exceção é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força de

Page 87: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

97

lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita: força de lei). Tal força de lei, em que

potência e ato estão separados de modo radical, é certamente algo como um

elemento místico, ou melhor, uma fictio por meio da qual o direito busca se atribuir

sua própria anomia. (AGAMBEN, 2004, p. 60).

Agamben alinha-se ao pensamento de Benjamim, que defende que “a tradição dos

oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é, na verdade, a regra geral”

(BENJAMIN, 1987, p. 226). Dessa forma, Agamben formula o entendimento de que há um

Estado de Exceção permanente e, não por acaso, busca explicar o conceito de contemporâneo,

que tem uma significação para além do sentido cronológico. Assim, o contemporâneo

vincula-se ao presente, com olhar no passado, sendo “um olhar para o não-vivido no que é

vivido” (AGAMBEN, 2010, p. 19), sendo, portanto, uma avaliação das promessas não

cumpridas do passado. Desse modo, Agamben coloca a contemporaneidade no seguinte

aspecto:

A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio tempo, que

adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a

relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo.

Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a

esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso,

não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2010,

p. 59).

Logo, quando se fala em democracia contemporânea, está-se a invocar uma promessa

de construção de Estado Democrático que se formulou no pós-segunda guerra, a partir do

neoconstitucionalismo 46 , e que não se concretizou, sendo essa exatamente a visão

contemporânea daquilo que ainda não se implementou, mas que se projetou. Há uma falsa

compreensão, que gera a busca por esclarecimento, que Theodor Adorno e Max Horkheimer

inferem como um conscientizar-se sobre si mesmo, estando no presente, mas como um

prolongamento do passado, que se desconstroi (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).

A não implementação democrática é uma realidade, e, na visão de Agamben, o

capitalismo se serve de dispositivos, assim entendidos como “conjunto de práxis, de saberes,

de medidas, de instituições cujo objetivo é gerir, governar, controlar e orientar, num sentido

que se supõe útil, os gestos e os pensamentos dos homens” (AGAMBEN, 2010, p. 39).

Assim, Agamben aponta que o dispositivo é um mecanismo que direciona a atuação

46 De acordo com Cambi, “o neoconstitucionalismo está voltado à realização do Estado Democrático de Direito,

por intermédio da efetivação de direitos fundamentais” (CAMBI, 2016, p. 28). O autor esclarece ainda que “o

neoconstitucionalismo se propõe a supercar o paradigma da validade meramente formal do direito, no qual

bastava ao Estado cumprir o processo legislativo para que a lei viesse a ser expressão juridica. Com isso, o

direito deve ser entendido dentro das respectivas relações de poder, sendo intolerável que, em nome da

vontade do legislador, tudo o que o Estado faça seja considerado legítimo.” (CAMBI, 2016, p. 37).

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98

política contemporânea, sendo que orienta, modela e captura os discursos, gerando um

processo de subjetivação, segundo o qual, os sujeitos supostamente livres passam a ser

sujeitados ao poder vigente, havendo, assim, uma sujeição dos indivíduos à política apontada

pelos poderes hegemônicos. O dispositivo é utilizado de forma propositada pela ideologia

capitalista, sobretudo, para a implantação do neoliberalismo como linha mestra para a política

econômica (AGAMBEN, 2010).

Acerca do capitalismo, Agamben afirma que “não seria provavelmente errado definir a

fase extrema do desenvolvimento capitalista que estamos vivendo como uma gigantesca

acumulação e proliferação de dispositivos” (AGAMBEN, 2010, p. 42). O dispositivo,

portanto, sendo mecanismo estratégico formado para conter uma situação de suposta

urgência, manipula os indivíduos de acordo com os jogos de poder e, dessa maneira, enseja a

derrocada de um planejamento anterior, a fim de que se implante um projeto político a atender

interesses econômicos específicos. Essa é a relação que se estabeleceu entre o projeto

democrático formulado no pós-guerra e que não se implementou, em razão da implantação da

ideologia capitalista neoliberal, que fez ruir o ideal democrático, em virtude dos ditames

mercadológicos.

Evidencia-se, nesse sentido, uma situação de contemporaneidade, na qual as

pretensões do passado são vistas no presente como não cumpridas, sendo contemporâneo

“aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o

escuro” (AGAMBEN, 2010, p. 62), significando, essa escuridão, as aporias, as lacunas e as

faltas a que se propôs suprir no passado e que, no presente, ainda permanecem em

obscuridade.

Ao falar-se, portanto, em uma contemporaneidade, na qual não houve a plena

implementação do Estado Democrático de Direito, ante a estratégia capitalista de criar

mecanismo (dispositivo) para contenção de uma suposta emergência, estar-se-ia diante de um

não Estado Democrático de Direito. E, assim, segundo Corval:

A democracia, nessas circunstâncias, se vê desacreditada. É dominada por

mecanismos de exceção invocados para, supostamente ‘salvá-la’. Mas não se trata

de salvamento; antes de sua própria destruição. A democracia se vê operacionalizada

por mecanismos jurídico-constitucionais de exceção, e, por mais estranho que

pareça, é não-democrática: dominadora, racista, excludente dos pobres. (CORVAL,

2009, p. 76).

Mostra-se, o Estado de Exceção, em posição diamentralmente oposta ao Estado de

Direito, sendo uma resposta àquilo que seria uma crise, um inimigo ou um conflito, que

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99

justifica a instauração dessa exceção, ainda que esse contexto adverso seja propositadamente

instaurado. Nesse sentido, Agamben explica que “a criação voluntária de um estado de

emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-

se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados

democráticos” (AGAMBEN, 2004, p. 13).

Desse modo, entende-se que as democracias contemporâneas têm servido de máscara

para uma política de exceção como técnica de governo, gerando uma indeterminação da

própria democracia, na medida em que ficam também indiscerníveis as funções estatais

executiva, legislativa e jurisdicional, que passam a se enlear de forma diversa dos limites

previstos na Constituição, dando azo ao voluntarismo, que é o arcabouço (genealogia) do

Estado de Exceção (GOUPY, 2016). Sob um discurso de crise (muitas vezes,

propositadamente implantada), em que esta se apresenta como inimiga a ser combatida,

dentro de uma escolha política, Goupy explica:

Longe de ser um mero correlato dos fatos, partimos da ideia de que o conceito de

um estado de exceção foi construído em um dado momento em resposta a situações

de crise, mas onde o pensamento de que a crise em si já é uma maneira de pensar

sobre certos fenômenos políticos.47 (GOUPY, 2016, p. 299, tradução nossa).

Agamben explica que há utilização também proposital das lacunas deixadas no

ordenamento jurídico, para que, nessas fissuras, sejam alocadas vontades e interesses dos

detentores do poder, instalando-se ali uma exceção. Nesse sentido:

O estado de exceção apresenta-se como a abertura de uma lacuna fictícia no

ordenamento, com o objetivo de salvaguardar a existência da norma e sua

aplicabilidade à situação normal. A lacuna não é interna à lei, mas diz respeito à sua

relação com a realidade, à possibilidade mesma de sua aplicação. É como se o

direito contivesse uma fratura essencial entre o estabelecimento da norma e sua

aplicação e que, em caso extremo, só pudesse ser preenchida pelo estado de exceção,

ou seja, criando-se uma área onde essa aplicação é suspensa, mas onde a lei,

enquanto tal, permanece em vigor. (AGAMBEN, 2004, p. 48-49).

Assim, o Estado de Exceção apresenta-se como uma técnica de governo, sobretudo,

nas democracias contemporâneas, em que se age por meio da utilização das lacunas

intencionalmente deixadas no ordenamento, buscando o atendimento dos interesses da

autoridade em detrimento dos interesses dos sujeitos sociais. Ao não se observar o processo

democrático para a formulação decisória, os atos estatais emanados do exercício de suas

47 Bien loin d'y voir le simple corrélat des faits, nous sommes plutôt partis de l'idée que le concept d'etat

d'exception a été construit à un moment donné en réponse sans doute aux situations de crise, mais où la pensée

de la crise est déjà elle-même une manière de penser certains phénomènes politiques.

Page 90: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

100

funções executiva, legislativa ou jurisdicional perdem legitimidade.

No contexto político econômico contemporâneo, as regras têm sido ditadas pelo

capital financeiro, que se utiliza de mecanismos legais para permear o ordenamento jurídico e

direcionar as decisões para o atendimento de seus anseios, ainda que sejam diametralmente

opostos aos anseios da sociedade, o que acaba por deslegitimar o processo democrático. Há,

portanto, uma ruptura, o que se dá por meio de uma violência do Estado, que se utiliza de

mecanismos (dispositivos) estratégicos para atender à lógica capitalista neoliberal. Nessa

medida, Valim explicita:

O neoliberalismo transforma a democracia liberal em uma retórica vazia, sem

correspondência com a realidade social. E é exatamente neste antagonismo, cada vez

mais claro, entre ordem democrática e o neoliberalismo que irrompem os estados de

exceção. [...]

A esta alura já é possível entrever quem é o verdadeiro soberano. Quem

decide sobre a exceção atualmente é o chamado “mercado”, em nome de uma elite

invisível e ilocalizável; é dizer, o soberano na contemporaneidade é o mercado.

(VALIM, 2017, p. 33).

Evidencia-se, portanto, que há atualmente uma soberania do mercado, essencial para a

política econômica neoliberal que se implantou, de forma que o Estado de Exceção tornou-se

regra, afastando o Estado de Direito e implantando a ditadura da vontade do mercado. O

direcionamento decisório estatal, sobretudo, a formulação de decisões jurisdicionais, tem sido

posto a serviço do capital financeiro.

A escolha de um inimigo faz-se premissa para justificar a instauração da exceção. Esse

inimigo pode ser virtual, implantado, criado propositalmente e serve como máscara para um

suposto estado de necessidade. Ou seja, articula-se estrategicamente um inimigo, e, segundo

Valim, “o mercado define os inimigos e o Estado os combate” (VALIM, 2017, p. 36).

No Brasil, um dos inimigos criados pelo Estado, com suporte nos relatórios emitidos

pelo Banco Mundial e pelo FMI, a fim de promover reformas na Administração Pública e no

Judiciário, foi exatamente um discurso de ineficiência, segundo o qual, o Estado não estaria

sendo capaz de decidir com celeridade ensejadora de maximização da riqueza, redução de

custos e aumento dos lucros. Assim, a eficiência foi alçada a princípio constitucional condutor

de uma atuação estatal que veio, desde então, relativizando direitos fundamentais, já que estes

são postos como óbices para o mercado. Nesse sentido, Casara expõe:

O Poder Judiciário [...] deixa de ser o garantidor de direitos fundamentais [...] para

assumir a função política de regulador das expectativas dos consumidores. O direito

deixa de ser um regulador social, transformando em mais um instrumento do

mercado, o cidadão torna-se mero consumidor [...].

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101

A pós-democracia induz a produção massificada de decisões judiciais, a

partir do uso de modelos padronizados, chavões argumentativos e discursos de

fundamentação prévia (fundamentações que já existem antes mesmo da tomada de

decisão e que se revelam distanciadas da facticidade inerente ao caso concreto), tudo

como forma de aumentar a produtividade, agradar parcela dos consumidores,

estabilizar o mercado – leia-se: proteger os lucros dos detentores do poder político -,

exercer o controle social da população e facilitar a acumulação. Essa lógica

gerencial e eficientista, que atende a critérios “científicos” (ciência, mais uma vez

como ideologia), contábeis e financeiros, na qual a busca de efeitos adequados à

razão neoliberal afasta qualquer pretensão de a atividade jurídica voltar-se à

realização dos direitos e garantias fundamentais [...]. (CASARA, 2017, p. 42-43).

Assim, a atividade jurisdicional passa a ser avaliada segundo critérios pragmáticos das

decisões formuladas, que devem ser aferidas em razão da repercussão dos custos em que

incidirá. Ou seja, o Judiciário é alvo na ideologia neoliberal, ante a necessidade de que

produza decisões voltadas à lógica do custo-benefício, para atendimento dos interesses do

capital financeiro, afastando-se a observância aos direitos e garantias fundamentais, em

contraposição ao que preconizam as Constituições democráticas. Afasta-se, portanto, dos

preceitos constitucionais para, sob um discurso de crise (inimiga), implantarem-se medidas de

exceção.

Acerca do desvirtuamento do Estado no exercício da função jurisdicional, em uma

perspectiva democrática, Mattei e Nader apontam que “o Poder Judiciário pode tornar-se

instrumento de opressão quando se submete ao poder político a tal ponto que renuncia a sua

função de proteger direitos” (MATTEI; NADER, 2013, p. 247), e, havendo renúncia estatal à

função assecuratória de direitos e garantias fundamentais, sob o pretexto de busca de

eficiência para atendimento do mercado e busca de (pseudo) desenvolvimento, burla-se o

Estado de Direito.

Há, portanto, um contexto contemporâneo de exceção permanente, que invoca um

decisionismo emergencial, de modo a adaptar o ordenamento jurídico às exigências do capital

financeiro, flexibilizando (e até extirpando) a soberania popular (BERCOVICI, 2004). O

discurso do Banco Mundial e do FMI aponta para inimigos escolhidos de forma estratégica, a

exemplo da ineficiência estatal, vista como óbice ao desenvolvimento e que vem introjetar

alterações no ordenamento jurídico com afastamento de direitos e garantias fundamentais.

Bercovici explica:

Os poderes discricionários do Executivo são mais plausíveis, especialmente, para os

países dependentes de decisões do Fundo Monetário Internacional e da Organização

Mundial do Comércio, que constituem poderes de exceção sem qualquer

contrapartida. As pressões internas e externas para a execução de políticas

neoliberais só fazem perpetuar a dependência dos poderes econômicos de

emergência. [...]

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102

O estado de exceção está se espalhando por toda a parte, tendendo a

coincidir com o ordenamento normal, no qual, novamente, torna tudo possível. [...]

O estado de exceção está se tornando uma estrutura jurídico-política permanente e o

paradigma dominante de governo na política contemporânea, com a ameaça de

dissolução do Estado. Para Agamben, é o anúncio do novo nomos da Terra, que

tenderá a se espalhar por todo o planeta. (BERCOVICI, 2004, p. 179-180).

O Estado Democrático de Direito, embora venha a ser colocado como diretriz, no art.

1o da CRFB/88, não tem sido efetivamente implementado, na medida em que há um

direcionamento estatal voltado ao cumprimento de alinhamentos neoliberais. A jurisdição, por

sua vez, tem sido utilizada para o atendimento dos anseios mercadológicos, sobretudo,

quando, a partir do processo, são proferidas decisões massificadas, com pleito eminentemente

eficientista, nas quais a fundamentação não se alinha à comparticipação dos sujeitos

processuais na construção decisória.

Nesse sentido, as decisões são voltadas à maximização da riqueza e à previsibilidade,

com aplicação dos precedentes e súmulas vinculantes, sem efetivamente perquirir acerca do

caso concreto. Julgam-se teses, e não casos, o que esfacela a participação dos sujeitos

processuais na formação da decisão, em absoluta contraposição aos princípios constitucionais

fundamentais. Nesse sentido, Nunes e Viana explicam:

O papel que os precedentes dos tribunais desempenham, especialmente quando se

percebe, de um lado, decisões que flexibilizam as normas com fins utilitários, e, de

outro, a formação e o uso generalizante das decisões (despregada dos casos)

mediante formação de modelos decisórios com pretensão de fechamentos

argumentativos, como se o pronunciamento judicial colocasse uma pedra sobre o

assunto”. (NUNES; VIANA, 2018, p. 9).

Ao se criar uma esfera de inobservância das garantias fundamentais para a formulação

decisória, cria-se uma jurisdição que atua em regime de exceção, com suspensão dos

princípios caros ao modelo constitucional de processo: contraditório dinâmico, ampla

argumentação, imparcialidade e fundamentação racional das decisões. Esse contexto leva,

portanto, a um Estado de Exceção, e Ramiro explica que, para Agamben, “a configuração da

exceção se dá, por meio da exclusão, em especial, dos direitos e garantias fundamentais e,

também, por meio da suspensão total do ordenamento jurídico” (RAMIRO, 2016, p. 30).

Desse modo, o Estado de Direito tem servido de simulacro para uma estrutura de

exceção, que dá contornos de normalidade à própria concepção democrática, sendo, portanto,

uma exclusão includente, segundo Agamben (2004). A exceção gera uma imbricação entre o

político e o jurídico, sobretudo, quando se invoca a existência de crise, a fim de se instalar

alguma orientação neoliberal. Essa atuação se dá por meio da violência da exceção,

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103

amoldando-se, paradoxalmente, à estrutura do próprio Estado Democrático de Direito.

Desse modo, cumpre analisar de que forma a eficiência foi introduzida no

ordenamento jurídico brasileiro, a partir da CRFB/88, o que implicou em sua disseminação

por meio de ajustes estruturais pautados pela ordem neoliberal.

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105

4 OS FUNDAMENTOS DA EFICIÊNCIA NO BRASIL

Considerando-se que a Constituição é a base sobre a qual se funda o modelo

constitucional de processo, adotado na presente pesquisa como marco teórico, não se pode

olvidar a análise da eficiência e sua configuração dentro CRFB/88.

Elaborou-se a CRFB/88 voltada ao atendimento dos anseios de uma sociedade que

acabava de se desvincular de um regime ditatorial e que, por isso, alicerçava-se no ideário de

desenvolvimento social, assim como propugnava por uma construção democrática 48 . No

entanto, sincronicamente, o cenário mundial já irrompia para a implantação do neoliberalismo

eficientista, enquanto ideologia direcionada a privilegiar a liberdade mercadológica, a

desregulamentação, bem como visava a colocar o Estado como coadjuvante, o que veio

demandar reformas estruturais na Administração Pública, enquanto núcleo estratégico, para

oportunizar um gerenciamento (management) de resultados.

4.1 A introjeção da eficiência para fixação da matriz neoliberal: a EC n. 19/98 e a nova

racionalidade da Administração Pública gerencial

Conforme já exposto no subcapítulo 2.5 desta pesquisa, a década de 1980 foi marcada

pelo avanço da ideologia neoliberal, sobretudo, ante a hegemonia dos Estados Unidos e da

Inglaterra49. Nesse sentido, a Administração Pública dos Estados passou a ser vista como

ineficiente, burocrática e desalinhada dos preceitos do mercado, o que corroborou para o

desenvolvimento da new public management (nova Administração Pública). Nesse sentido,

analisando como essa configuração se deu no Brasil:

48 De acordo com Clark, “a Constituição da República de 1988 foi construída diante de uma realidade histórica

peculiar, quando saímos de um processo autoritário – vale dizer, da ditadura civil/militar de 1964 – para a

construção democrática de um projeto constitucional centrado na dignidade humana e na afirmação dos

direitos socioeconômicos. A normatividade da Constituição de 1988 é fruto de um complexo e rico processo

de acontecimentos políticos, sociais e econômicos” (CLARK, 2017, p. 679). Em nota explicativa (nota n. 1),

Clark ainda acentua que “a ditadura de 1964 foi um dos regimes mais autoritários e violentos da América

Latina, talvez por essa razão, historicamente, vários setores impedem e resistem que sejam abertos os arquivos

da época e apurados todos os fatos. Por isso, sobretudo, temos um processo de reconstrução democrática

limitado pelas forças conservadoras e apoiadoras da ditadura (grupos econômicos e políticos).” (CLARK,

2017, p. 679). 49 Segundo Abrucio, “a Grã-Bretanha foi o laboratório das técnicas gerenciais aplicadas ao setor público. Mesmo

assim, apesar de começar seu período hegemônico no governo Thatcher, o managerialism tem seu ponto de

partida do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos do século XIX [...]. Ali fundava-se o debate entre a

Public Service orientation e a Public Management orientation que norteou grande parte da discussão da

administração pública norte-americana neste século [...]. Isto é, de tempos em tempos, propunham-se as mais

diversas técnicas gerenciais como solução para os problemas do setor público, em contraposição às soluções

de cunho mais weberiano ou segundo uma expressão mais utilizada nos EUA, de medidas ligadas à

progressivism public administration.” (ABRUCIO, 1998, p. 179-180).

Page 96: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

106

Entre nós, o equivalente ao New Public Management ou à Nova Gestão Pública é a

AP Gerencial, a qual se caracteriza pela utilização intensa das práticas gerenciais

com ênfase na eficácia, sem, contudo, perder de vista a função eminentemente

pública do aparelho estatal. A AP Gerencial tem como característica central agilizar

as funções de planejar, organizar, liderar, controlar e coordenar. Não se trata,

portanto, de criar (mais) um (novo) monstro burocrático e depois ter que alimentá-

lo.

Os pontos fortes da AP gerencial são: a descentralização, a delegação de

autoridade, um rígido controle sobre o desempenho, aferido mediante indicadores

acordados e definidos antecipadamente, considerando o indivíduo, em termos

econômicos, como consumidor ou usuário, e em termos políticos, como cidadão. A

AP gerencial contribui para implementar mudanças que explicitem melhor os

mecanismos de responsabilização (accountability) por parte dos agentes estatais, a

fim de assegurar o atendimento às necessidades dos cidadãos e mais escrúpulo no

trato da res publica. (GIACOMO, 2005, p. 161).

Esse fenômeno organizacional da new public management tinha o condão de

reorganizar o setor público tanto em nível estrutural, quanto realizar uma revisão dos fluxos

procedimentais e da forma de atuação dos servidores. Com isso, buscou-se uma gestão

orientada à inovação tecnológica e à redução de custos, de maneira que o setor público se

tornasse gerencialmente similar às empresas do setor privado, com fito no aumento da

eficiência.

A visão, portanto, voltou-se ao aumento de controles financeiros, monitoramento do

desempenho, fixação de metas e avaliação de resultados, ênfase na celeridade, adoção de uma

relação prestador de serviço/consumidor direcionada para o mercado e orientada para o

cliente (FERLIE et al, 1999). Nesse sentido, o papel do Estado desloca-se de uma base

provedora e assistencialista para um nível empreendedor, no qual os recursos disponíveis

deveriam servir para maximizar a produtividade e a eficiência, assim como para definir os

riscos e limitá-los (OSBORNE; GAEBLER, 1994), na medida em que o mercado exige

previsibilidade e efetiva redução de riscos, visando a aumentar a credibilidade e,

consequentemente, as margens de lucro pretendidas.

As reformas dos Estados, assim, devem pretender um empreendedorismo compatível

com a liberalização do comércio para ganho abrangente de eficiência (HAGGARD;

KAUFMAN, 1993). Portanto, sob a ótica do gerencialismo proposto pelo new public

management, a busca pela eficiência é o ponto central, assim como a evidente ruptura com o

modelo burocrático weberiano, pautado em organização e estruturas rígidas, centralizadas,

com estrito cumprimento de procedimentos previstos em normativos (ABRUCIO, 1998).

Nesse sentido:

A busca, no plano da macro-gestão pública, de eficiência, qualificada, singelamente,

como o pleno atingimento das metas definidas para a realização de sua missão

Page 97: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

107

social, ao menor custo possível, insere-se dentro de qualquer discurso “oficial”,

independentemente da ideologia (ou ideologias) dominante(s).

O aspecto fundacional, no plano ideológico NPM, de que a prestação de

serviços públicos deve se submeter, no limite máximo possível, à lógica de mercado,

ou seja, da livre-iniciativa, encerra e consagra, dogmaticamente, a tese de que o

mercado é o local ótimo [maximizador de resultados] para a alocação do conjunto de

recursos públicos, ou seja, é o meio mais eficiente para se atingir os fins públicos

desejados. (BUGARIN, 2001, p. 44).

No Brasil, a empreitada neoliberal de reforma do Estado com fito eficientista iniciou-

se na década de 1990, a partir do governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), que

implementou algumas privatizações, o qual foi interrompido, assumindo, o vice, Itamar

Franco (1992-1994)50. A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a

reforma do Estado tornou-se pauta prioritária, e houve a criação do Ministério da

Administração e Reforma do Estado (MARE), assumido por Bresser Pereira, com o firme

intuito de implementar eficiência à gestão estatal.

Conforme enfatizou, Bresser Pereira, o novo papel do Estado, após a globalização, é o

de “facilitar que a economia nacional se torne internacionalmente competitiva” (BRESSER

PEREIRA, 1998, p. 237). Nesse sentido, o Projeto de Emenda Constitucional n. 173/95,

apresentado para fins de operacionalização de uma reforma da Administração Pública, foi

aprovado e deu ensejo à Emenda Constitucional n. 19/98, que incluiu normas a serem

observadas pelos gestores estatais.

Assim, a eficiência foi erigida a princípio constitucional da Administração Pública,

nos termos do art. 37, caput, da CRFB/8851. É relevante a inclusão da eficiência no artigo

50 Conforme explica Carinhato, “malogrado seu plano econômico Brasil Novo (Plano Collor), a viragem

econômica estava embasada no pensamento neoliberal e consistia na reorientação do desenvolvimento

brasileiro e na redefinição do papel do Estado. Seu discurso, que mais tarde seria apropriado pelos seus

sucessores, dizia promover a passagem de um capitalismo tutelado pelo Estado para um capitalismo moderno,

baseado na eficiência e competitividade. Numa frase, tratava-se de idéias apregoadas por parte dos políticos e

da burguesia, acerca da necessidade do país de um ‘choque de capitalismo’. Vendo seu plano econômico não

apresentar o desempenho imaginado, o regime de alta inflação ser mantido, Collor ainda teve seu nome ligado

à corrupção, fato este que o levou a ser retirado da presidência e assim ter postergado por algum tempo a

entrada definitiva do Neoliberalismo no Brasil. Concluído o processo de impeachment, o vice-presidente

Itamar Franco assumiu o posto para completar os dois últimos anos restantes daquele mandato. Suas principais

orientações eram resgatar a ética na política e preparar o país para implantação de um novo plano de

estabilização. Esta nova tentativa foi idealizada por um grupo de economistas comandados pelo então Ministro

da Fazendo, Fernando Henrique Cardoso. Sua tese era baseada na necessidade de uma ‘liberalização’ das

travas corporativas, que bloqueavam o surgimento de um empresariado dinâmico. O sucesso de sua estratégia,

o Plano Real, o levou a vencer as eleições em 1994 e dar prosseguimento em seu projeto. Este plano faz parte

de uma série de medidas que visavam a estabilização monetária e o fim de um duradouro regime de

hiperinflação. Como é sabido, todos os planos de estabilização adotados nos últimos anos no continente latino-

americano são da mesma ordem do Consenso de Washington. Este na realidade organizou um plano único de

ajustamento das economias periferias, chanceladas por órgãos supranacionais como FMI E Banco Mundial.”

(CARINHATO, 2008, p. 39-40). 51 Cumpre especificar o iter percorrido pela PEC 173/95, na medida em que faz-se relevante observar que o

próposito inicial era a inclusão do princípio denominado qualidade do serviço prestado e que, ao final, foi

Page 98: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

108

mencionado, na medida em que isso representa uma nova forma de gestão esperada para a

Administração Pública, pautada em uma racionalidade vincada em economicidade52, na qual

há a necessidade de aferição dos recursos econômicos e a melhor relação que se pode

determinar dos processos produtivos. Nesse sentido:

O gestor público deve, por meio de um comportamento ativo, criativo e

desburocratizante, “tornar possível, de um lado, a eficiência por parte do servidor, e

a economicidade como resultado das atividades”, impondo-se “o exame das relações

custo/benefício nos processos administrativos que levam a decisões, especialmente

as de maior amplitude, a fim de se aquilatar a economicidade da escolha entre os

diversos caminhos propostos para a solução do problema, para a implementação da

decisão”.

[…]

Princípio da eficiência no plano da recente “reforma administrativa

federal”, exsurge que a nova configuração da Administração Pública leva-a a passar

dos modelos burocráticos aos gerenciais. (BUGARIN, 2001, p. 45-47).

A eficiência, alçada a princípio da Administração Pública, passa a impor um modelo

de gestão arrojado, no sentido da desburocratização voltada à abertura decisional, também em

termos de gestão estratégica dirigida a metas, resultados e aferição do melhor custo-benefício.

Além disso, a eficiência foi colocada no patamar de princípio superior, direcionador dos

demais princípios, a fim de se perseguir uma estrutura de Estado gerencial:

O Princípio da Eficiência Administrativa, que foi inserido no art. 37 da Constituição

da República por meio do poder constituinte derivado, e que foi decorrência de uma

reforma administrativa de caráter eminentemente ‘gerencial’, tornou-se não apenas

alterado para princípio da eficiência, sem que houvesse submissão do novo texto à análise da Câmara Federal.

Nesse sentido, Egon Bockmann Moreira vem explicar: “a intenção da Reforma Administrativa inicialmente

tomou substância na Proposta de Emenda Constitucional/PEC 173/1995, encaminhada pelo Poder Executivo

ao Congresso Nacional. A PEC 173 foi rejeitada quase que integralmente pela Comissão de Constituição e

Justiça da Câmara dos Deputados. Desse fato derivou a instalação da Comissão Especial, cujo relator lavrou

nova redação à PEC, em certos aspectos ampliativa das teses do Poder Executivo. A nova redação do Projeto

de Emenda inseriu no caput do art. 37 um princípio denominado de qualidade do serviço prestado. […] Esse

princípio não sobreviveu, pois a redação final da Emenda Constitucional 19/1998 suprimiu-o e o substituiu

pelo mais genérico princípio da eficiência. Este princípio foi inserido apenas quando do debate no Senado

Federal, através da Emenda de Plenário 8 (em momento algum o princípio foi submetido à apreciação da

Câmara Federal). Assim, deu-se a inserção do princípio da eficiência no caput do art. 37 da CF, como diretriz

da Administração Pública (EC 19/98, art. 3o) – tal como se fosse possível alterar instantaneamente os

parâmetros da ação administrativa […]. A Emenda Constitucional 19/1998 pretendeu imputar normativamente

à Administração Pública o cumprimento de uma máxima não jurídica, típica da Administração e da Economia,

que se refere basicamente ao desempenho de entes privados. Para tais ciências o conceito do termo

“eficiência” pertence à relação entre trabalho, tempo, investimento e resultado lucrativo obtido em

determinada ação empresarial; é o vinculo entre custos e produto final.” (MOREIRA, 2017, p. 214-215). 52 Para Washington Albino (2003), a economicidade deve servir de diretriz para implementação dos preceitos

constitucionais, de modo a se implemetar justiça social, a partir da valorização do trabalho e da livre

concorrência, direcionadas à defesa da soberania nacional, busca de pleno emprego e estímulo ao crescimento

das empresas nacionais, dentro outros princípios liberais e socializantes. E, assim, Washington Albino formula

que “o termo economicidade […] significa a medida do ‘econômico’ segundo a ‘linha de maior vantagem’ na

busca da justiça. Essa medida é determinada pela ‘valoração jurídica’ atribuída, pela Constituição, ao fato de

política econômica, objeto do Direito Econômico.’’ (SOUZA, 2003, p. 30).

Page 99: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

109

mais um princípio da administração pública, mas sim, o principal e paradigmático

princípio que acabou por vincular todos os demais, constituindo praticamente uma

perigosa metanorma. O Estado brasileiro passou, a partir de então, a se legitimar em

tal princípio, de sorte que todas as práticas no âmbito da administração pública

passaram a ser pautadas pela lógica da relação custo-benefício eficiente, também

propugnada pela ‘Análise Econômica do Direito. (MARCELINO JUNIOR, 2007, p.

188).

Há que se considerar que a CRFB/88 buscava uma construção democrática, de forma

compromissária, vincada em um ideal de Estado de Bem-Estar Social, preocupado com

dignidade da pessoa humana, redução da pobreza, desenvolvimento social, função social da

propriedade e observância a direitos e garantias fundamentais, enquanto fins previstos

constitucionalmente.

A introjeção da eficiência como princípio constitucional promoveu uma nova

racionalidade, de modo que os fins passaram a permear a esfera econômica, em uma lógica

mercadológica detentora de um discurso em torno de desenvolvimento, que, em verdade, não

se trata de desenvolvimento social, mas de desenvolvimento do mercado, no viés neoliberal

eficientista. Conforme explica, Ferreira, “por detrás do discurso da reforma administrativa,

com foco no modelo gerencial, há uma tentativa de mitigação do apelo às questões

distributivas e às missões sociais do Estado democrático” (FERREIRA, 2017, p. 139-140).

Por uma concepção de Estado Democático de Direito, não se mostra pertinente a

alocação da eficiência em um nível de sobreposição aos direitos fundamentais, enfatizando,

Gabardo, que “não existe eficiência quando não há respeito aos direitos fundamentais

consagrados constitucionalmente, pois ela se descaracteriza separada do seu locus de

determinação” (GABARDO, 2002, p. 20). Infere-se, portanto, que ao se exigir a eficiência,

devem-se preservar direitos e garantias fundamentais, sem os quais a eficiência, por si só,

macula a lógica democrática sobre a qual se pautam os preceitos constitucionais.

Ao contrário disso, Bresser Pereira apontou que a CRFB/88 representou um retrocesso

em termos de Administração Pública, considerando-a, nesse sentido, irrealista, já que não

buscava uma aproximação com o mercado e, por isso, sustentou a necessidade de reforma

(BRESSER PEREIRA, 1998). O que Bresser Pereira buscava, enquanto ministro da fazenda

de um governo voltado à implementação da ideologia neoliberal, era o atendimento aos

ditames do Banco Mundial e do FMI, o que fica evidenciado pelo alinhamento entre o

defendido pelo então ministro e o que determinou o RDM 1991, do Banco Mundial, que

assume claramente essa orientação:

O apoio ao desenvolvimento institucional requer um Estado cujas estruturas e

Page 100: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

110

órgãos administrativos sejam bem desenvolvidos e sensíveis às necessidades dos

mercados. Não raro porém, a debilidade política dos países em desenvolvimento se

manifesta na eficiência de suas burocracias. Por si, uma burocracia eficiente não

garante o êxito do desenvolvimento nem pode substituir as forças do mercado.

(BANCO MUNDIAL, 1991, p. 154).

O governo do Brasil, portanto, obediente às determinações do Banco Mundial e do

FMI, tratou de adotar a orientação eficientista, buscando promover ajustes estruturais. Essa

determinação deu ensejo à Emenda Constitucional n. 19/98, que introjetou a eficiência, a qual

passou a servir de base epistemológica e orientação hermenêutica. Gerou-se, portanto, uma

lógica tendente à fixação de critérios discricionários voltados ao atendimento de interesses

específicos, traduzindo-se a reforma administrativa nos seguintes termos:

Define-se como reforma administrativa as mudanças estimuladas pelas elites

políticas nos mecanismos de tomada de decisão do aparelho do Estado que alteram

os critérios tradicionais de formação da burocracia e que introduzem novos

mecanismos contratuais nas organizações públicas.

A questão da tomada de decisão é destacada por considerer-se que as elites

políticas têm como horizonte estratégico a criação de ambiente institucional que

facilite a implementação de escolhas e ofereça sustentabilidade às orientações que

tais elites definem para a economia e para as funções do Estado. (COSTA, 1999, p.

223).

A Administração Pública abarca a gestão do Judiciário, considerado núcleo estratégico

da reforma, na medida em que profere decisões jurisdicionais que impactam em suas

diretrizes negociais, aumentando ou diminuindo os riscos, de modo a repercutir na

credibilidade de suas operações e, assim, na aferição de seus resultados.

Dessa forma, cumpre verificar ainda a reforma do Judiciário, implementada pela

Emenda Constitucional n. 45/04, que coloca a eficiência como meta da jurisdição, o que

corrobora para a fixação da matriz neoliberal.

4.2 A Emenda Constitucional n. 45/04 e a eficiência como meta da jurisdição

O Judiciário veio sofrendo críticas ao longo do anos, sobretudo, no sentido de lentidão

na tramitação processual, falta de transparência na gestão, obsolescência administrativa

voltada à burocratização, dificuldade de acesso dos cidadãos, concentração de litigiosidade de

grandes demandantes (Estado e grandes empresas) e desarticulação institucional, já que o

Judiciário estava às margens das modernizações direcionadas às demais funções estatais.

Essa visão negativa acerca do Judiciário foi compartilhada pelo Banco Mundial, pelo

FMI, pela sociedade e pelo próprio Estado, já que, efetivamente, referida função estatal

Page 101: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

111

mostra-se morosa, dispendiosa, havendo necessidade de ajustes e, conforme afirmou, Renault,

secretário da reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, “a verdade é que há um certo

consenso, entre os que se ocupam a refletir sobre o tema, de que o Poder Judiciário precisa

passar por uma reforma” (RENAULT, 2005, p. 135).

Assim, em 1992, foi apresentado projeto de emenda constitucional, que deu ensejo à

Emenda Constitucional n. 45, de 2004, trazendo como principais inovações: a) a inclusão do

do inciso LXXVIII ao art. 5o da CRFB/88, que colocou a razoável duração do processo como

direito fundamental; b) criação do CNJ, por meio do art. 103-B da CRFB/88, com o fito de

aumentar o planejamento e o controle do Judiciário, de modo a dar-lhe maior transparência, a

partir da fixação de metas e apresentação de resultados; c) a instituição da súmula vinculante

e da repercussão geral, objetivando gerar eficiência e celeridade ao Judiciário.

A reforma do Judiciário pautou-se não somente no aspecto de ganho de eficiência

econômica, mas também se observou o papel político que o Judiciário passou a exercer, ao

confrontar decisões emanadas pelo Executivo e pelo Legislativo, que buscavam viabilizar a

capilarização da ideologia neoliberal, de modo a alinhar o modelo estatal e processual. A

respeito desse papel político do Judiciário, explicam, Sadek e Arantes:

Desde que foi incorporado à agenda de reformas, o poder Judiciário vem sendo

objeto de intenso debate, não só em função dos aspectos materiais de seu

funcionamento, mas principalmente em função do papel político que tem exercido

na democracia brasileira, em especial o de confrontar decisões dos demais Poderes

de Estado. Esse papel político se viu realçado pelo confronto de dois princípios: de

um lado, o processo de modernização econômica, fortemente marcado pelo

intervencionismo do governo no ordenamento jurídico (notadamente por intermédio

das tão criticadas medidas provisórias); de outro lado, a vigência de uma nova

Constituição, repleta de novos direitos substantivos e garantias processuais

individuais e de ordem coletiva. Nesse contexto, o Judiciário tornou-se palco de

conflitos de grande intensidade, envolvendo setores sociais ou grandes

agrupamentos de indivíduos descontentes ou prejudicados pelas ações do governo.

Junte-se a isso o fato de a Constituição de 1988 ter ampliado sensivelmente as

formas individuais e coletivas de acesso ao Judiciário, entregando-lhe ao mesmo

tempo a difícil missão de zelar pelos direitos constitucionais do cidadão. (SADEK;

ARANTES, 2010, p. 2).

A CRFB/88 trouxe conquistas democráticas, com uma gama de direitos individuais e

sociais, que impuseram ao Judiciário um papel garantidor de efetivação desses direitos, ao

mesmo tempo em que o Executivo e o Legislativo voltavam-se ao atendimento dos interesses

econômicos neoliberais. Assim, se de um lado, buscava-se a proteção dos direitos

fundamentais, de outro, existia pressão para implementação de medidas de desenvolvimento

econômico, por vezes, incompatíveis com a orientação democrática.

Foi a partir dessa divergência, que o Judiciário passou a se colocar dentro de uma

Page 102: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

112

esfera de atuação política, ensejando risco aos interesses do mercado e das instituições

financeiras, de modo que houve, então, enorme interesse em buscar formas de controle e

fiscalização do Judiciário, o que corroborou para a criação do CNJ. De acordo com Sinhoretto

e Almeida:

Isto impactou o rumo dos debates e o resultado final da reforma, que se distanciou

da preocupação com os direitos civis e se aproximou de discussões sobre a

eficiência econômica do Judiciário, como a centralização da gestão judicial, a

criação de órgão de controle externo e a ampliação do controle concentrado de

constitucionalidade. […]

O discurso dominante sobre Judiciário e economia sustenta que a ausência

de segurança jurídica e previsibilidade do ordenamento jurídico no Brasil afeta o

desenvolvimento econômico do País. De acordo com esse diagnóstico, a ausência de

coordenação administrativa e jurisprudencial do Judiciário representa obstáculos

para a ampliação do mercado de crédito e atração de investimentos estrangeiros no

Brasil. (SINHORETTO; ALMEIDA, 2013, p. 203).

Logo, a reforma do Judiciário, que vinha agregada a um discurso de democratização,

acesso à justiça, celeridade, implantação de gestão empreendedora e modernização

administrativa, foi permeada pelo viés eficientista, a fim de gerar confiança para abertura e

ampliação do mercado e dos investimentos internacionais. Essa orientação ficou evidenciada

como alinhamento indiscutível do Estado, tanto no Executivo, quanto no Legislativo e no

Judiciário, conforme se verifica pelo discurso proferido pelo ministro do Supremo Tribunal

Federal (STF) Gilmar Mendes, na conferência da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), quando tratou da reforma do Judiciário no Brasil:

O mercado é uma instituição jurídica. Apesar das discussões existentes sobre o nível

adequado de regulação jurídica do mercado para que seja mais eficiente, é inegável a

necessidade, mesmo no mais simples dos mercados, de regras que regulem, no

mínimo, a propriedade e a transferência dos bens e as formas de resolução de

conflitos. O tema do desenho institucional e legal é de grande importância para o

adequado funcionamento do mercado. […] A concretização de um Judiciário célere

e eficiente é não apenas um imperativo reclamado pelo preceito constitucional de

efetividade da justiça, mas também um pressuposto para o próprio desenvolvimento

econômico do Brasil. A segurança da resolução célere de conflitos é requisito

necessário para o processo de desenvolvimento e estímulo inegável para

investimentos externos no País. (MENDES, 2009, p. 9-10).

A reforma do Judiciário, assim, serviu de suporte para o desenvolvimento da ideologia

neoliberal, direcionada ao atendimento dos ditames do mercado, ao passo que a celeridade e a

razoável duração do processo, alçadas a direito fundamental, nos termos do art. 5o, LXXVIII,

da CRFB/88, foram maculadas de modo a servir como discurso voltado à eficiência

quantitativa, quando, por coerência, deveriam alocar-se em um plano de efetividade na

Page 103: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

113

garantia de direitos fundamentais.

4.2.1 Da celeridade e da razoável duração do processo

A reforma do Judiciário voltou-se, portanto, a ajustes para celeridade e aumento de

produtividade, buscando implementar eficiência quantitativa. Nesse sentido, houve a inserção

do inciso LXXVIII ao art. 5o da CRFB/88, que dispõe: “a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).

Assim, a razoável duração do processo foi erigida a direito fundamental, o que se

compatibiliza com a democraticidade e o acesso à justiça preconizados pelo Estado

Democrático de Direito. A razoável duração do processo, antes mesmo de ser evidenciada no

art. 5o, LXXVIII, da CRFB/88, já era prevista no Pacto de São José da Costa Rica (art. 8o,

1)53.

Tavares (2006) explica que o tempo vincula as concepções de celeridade e razoável

duração, exigindo uma racionalidade da movimentação processual capaz de conjugar o tempo

e o espaço procedimental. Há, no entanto, que se fazer uma distinção entre razoável duração

do processo e celeridade, na medida em que são usadas, muitas vezes, como sinônimas,

quando não o são.

Assim, Nunes esclarece que processo célere é aquele sem dilações indevidas e “que

termina o mais rápido possível na ótica dos números” (NUNES, 2008a, p. 165), sendo a

celeridade, portanto, vinculada diretamente à ótica do tempo cronológico e que se relaciona

com os resultados quantitativos a serem alcançados em termos de eficiência, em uma relação

entre tempo e produtividade.

Assim, para se atingir a celeridade, em uma perspectiva de neoliberalismo processual,

defendeu-se a uniformização decisional e a máxima sumarização da cognição. A razoável

duração do processo, por sua vez, não desprestigia a celeridade, mas impõe observância às

garantias processuais inerentes ao modelo constitucional de processo. Dessa forma, Nunes

acentua:

53 “Artigo 8, item 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo

razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na

apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou

obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” (COMISSÃO

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).

Page 104: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

114

Processo democrático não é aquele instrumento formal que aplica o direito com

rapidez máxima, mas, sim, aquela estrutura normativa constitucionalizada que é

dimensionada por todos os princípios constitucionais dinâmicos, como o

contraditório, a ampla defesa, o devido processo constitucional, a celeridade, o

direito ao recurso, a fundamentação racional das decisões, o juízo natural e a

inafastabilidade do controle jurisdicional. (NUNES, 2008a, p. 250).

Barros ressalta ainda a importância entre o tempo do processo (tempo cronológico) e o

tempo no processo (tempo kairológico), na medida em que o processo requer uma sequência

de atos procedimentais praticados em contraditório, que demandam lapso de tempo

cronológico. No entanto, há que se observar o tempo no processo, que é o que se vincula ao

tempo demandado com observância da base principiológica constitucional de garantias

fundamentais (BARROS, 2013). E, desse modo, Barros ainda enfatiza:

A tentativa de redução de complexidade do processo por meio de um discurso de

efetividade neoliberal [...] passa a exigir das partes e do juiz uma rapidez e fluidez

que segue a flecha do tempo em um sentido único, desconsiderando a relatividade

do tempo de reflexão, necessário para que se volte ao passado que se discute e se

reconstrói no processo.

Não são apenas as partes que são contaminadas pelo discurso da eficiência,

celeridade, de uma sequencia temporal que não leva em conta o tempo devido, mas

também a decisão deve se pautar por um tempo kairológico. (BARROS, 2013, p.

53).

Seguindo ainda essa orientação de tempo kairológico, segundo a qual, a duração

razoável do processo deve se alinhar ao tempo do devido processo constitucional, Coutinho

explica:

A correta discussão a respeito da razoabilidade da duração não está ligada à busca de

artifícios que permitam um julgamento em um menor espaço de tempo, mas sim à

busca de processos que sejam configurados de forma a permitir que os direitos

fundamentais processuais sejam exercidos de maneira harmônica e uníssona, nos

termos previstos pelo modelo constitucional. (COUTINHO, 2014, p. 17).

Assim, mostra-se, de fato, relevante diferenciar a dimensão de tempo que se quer

referir, ao tratar celeridade e razoável duração do processo, na medida em que o processo não

se limita a dar repostas aos jurisdicionados, a fim de que haja uma demanda a menos, mas

deve se preocupar em obter uma construção decisória comparticipada, em que sejam

observadas as garantias de contraditório dinâmico, ampla argumentação, imparcialidade e

fundamentação racional das decisões, para que haja, de fato, observância ao preceituado pelo

Estado Democrático de Direito.

Brêtas afirma que o direito fundamental à jurisdição exige que o Estado exerça a

atividade dentro de um prazo razoável e destaca a importância de se eliminarem os tempos de

Page 105: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

115

inatividade procedimental, os quais chama de etapas mortas, exigindo, portanto, que os atos

sejam praticados pelo Estado dentro dos prazos fixados, sem dilações descabidas, devendo

haver a eliminação do tempo em que o processo permanece sem tramitação, aguardando a

prática de atos a serem exercidos pelo órgão jurisdicional (BRÊTAS, 2018).

Nesse mesmo sentido, Soares elucida que o Estado também é responsável pelo

cumprimento dos prazos processuais, assim como todos os sujeitos processuais, e que, por

isso, o CPC/15 estabeleceu multas e medidas coercitivas para atitudes contrárias à

tempestividade, sobretudo, em atenção à norma fundamental do processo, disposta no art. 6o,

que prevê o dever de cooperação dos sujeitos processuais, para que a decisão de mérito seja

proferida em tempo razoável (SOARES, 2016).

A redução dos atos processuais em caráter espaço-temporal cronológico para obtenção

de celeridade pode ensejar o proferimento de decisões em que a participação dos sujeitos

processuais não seja efetiva. Nesse caso, a construção decisória excludente aloca, nesse

espaço, “ato judicial-judicante, prolatado por autoridade (autorictas) que guarda o vazio [...]

da lei, vocalizando, de modo solipsista, o conteúdo normativo (potestas) que a própria

consciência lhe ditar, algo bastante diverso da jurisdição comparticipada, regida pelo devido

processo” (MONTEIRO DE BARROS, 2016, p. 262).

Assim, ao se pretender celeridade na tramitação processual, deve-se levar em conta

uma razoável duração, que observe as garantias fundamentais do processo, considerando-se

que o tempo deve obedecer ao modelo constitucional de processo. Ou seja, é o devido

processo que deve reger o tempo, não podendo, o tempo, em seu caráter cronológico,

relativizar o devido processo.

Analisado, portanto, esse ponto de alteração eficientista promovido pela Emenda

Constitucional n. 45/04, cumpre avançar e verificar os objetivos estratégicos que motivaram a

criação do CNJ.

4.2.2 A eficiência para o Conselho Nacional de Justiça: a quantificação como estratégia

precípua

A reforma do Judiciário, implementada por meio da Emenda Constitucional n. 45/04,

criou o CNJ, em 31 de desembro de 2004. Um dos objetivos era a criação de um órgão capaz

de realizar planejamentos estratégicos, fixar metas pretendidas e aferir resultados, a fim de

que, ao final, pudesse se atingir eficiência, com aumento de produtividade, redução de custos

operacionais, dando transparência tanto à gestão administrativa, quanto processual, e, assim,

Page 106: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

116

gerando credibilidade a ensejar melhora nas relações negociais mercadológicas. Evidencia-se,

portanto, que a criação do CNJ tem viés estratégico, já que, até então, não havia órgão

responsável pelo controle do Judiciário, e teve apoio do Banco Mundial, que disponibilizou

para tanto, o desenvolvimento de estudos, assessoria e financiamento (SAMPAIO, 2007).

Ou seja, a intenção da criação de um órgão de controle é fator estratégico para ganho

de confiança do mercado, que precisa saber da existência de rédeas e catalisadores (a serem

usados a tempo e modo) para o exercício da atividade jurisdicional, que será avaliada,

fiscalizada, terá sua produtividade medida e sua atuação planejada em conformidade com os

ditames eficientistas.

O CNJ é órgão administrativo do Judiciário, tendo atribuições previstas no art. 103-B,

§4o, da CRFB/88 54 , gozando de autonomia relativa, na medida em que não detém

autossuficiência orçamentária e financeira, vinculando-se, nesse sentido, ao STF. Conforme

explica, Sampaio, “controla-se para dentro o Judiciário por órgão judiciário atípico,

administrativo-político; defende-se para fora a independência orgânica e funcional judiciária”

(SAMPAIO, 2007, p. 264). Ou seja, o CNJ, enquanto órgão de fiscalização, controle e

planejamento, projeta-se para uma atuação interna na própria estrutura do Judiciário, ao

54 “Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois)

anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

[…]

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do

cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem

conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo

expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos

administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou

fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da

competência do Tribunal de Contas da União;

III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus

serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação

do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais,

podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria

com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,

assegurada ampla defesa;

IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de

autoridade;

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais

julgados há menos de um ano;

VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da

Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder

Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo

Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.”

(BRASIL, 1988).

Page 107: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

117

mesmo tempo em que possui discurso voltado à preservação da independência do Judiciário

em sua plenitude.

Em sua composição, trata-se de um órgão de composição híbrida de quinze membros,

entre os quais, nove são magistrados, dois membros de Ministério Público, dois advogados e

dois cidadãos. A heterogeneidade da composição gerou questionamentos acerca da

preservação ou não da independência do Judiciário55, de modo que se argumentava que a

presença do Ministério Público, de advogados e cidadãos poderia ensejar deturpação dos

objetivos do Judiciário, assim como intervenção em suas diretrizes institucionais, com

possibilidade de introjeção de orientações político-partidárias, a comprometerem a

imparcialidade e a independência dos órgãos jurisdicionais.

Houve também argumento em contrário, favorável, portanto, à atuação do CNJ. Nesse

sentido, Sampaio afirma:

A composição heterogênea do colegiado tampouco infringe a independência

judiciária. Em primeiro lugar, porque conta com a maioria oriunda da magistratura.

Depois, porque os demais integrantes ou são originários das funções essenciais à

justiça ou de membros selecionados pelo Congresso. (SAMPAIO, 2007, p. 252).

A competência do CNJ para controle administrativo e financeiro legitima sua atuação

para fins de realizar planejamento estratégico direcionado à estipulação de metas e programas

de avaliação institucional. O aumento da eficiência foi a diretriz que criou essa racionalização

do uso de recursos, com fito de aumento de produtividade, sendo esse o ponto central de

atuação do referido órgão, na medida em que a gestão empreendedora de metas e resultados

foi o que ensejou a sua criação pela Emenda Constitucional n. 45/04.

Então, formulou-se a Resolução n. 70/2009, dispondo sobre o Planejamento

Estratégico do Poder Judiciário Nacional, sendo que, em seu art. 1o, IV, houve o

estabelecimento de objetivos estratégicos, cujo primeiro foi a eficiência operacional56. Dentro

55 Foi proposta a ADI n. 3.367-DF, visando a declarar a inconstitucionalidade do art. 7º da Emenda

Constitucional n. 45/04, que criou o CNJ, em razão do estabelecimento de uma composição heterogênea,

formada por magistrados, membros do Ministério Público, advogados e cidadãos. A ADI n. 3.367-DF foi

julgada improcedente, sob o fundamento de que a composição não relativiza a independência do Judiciário, na

medida em que democratiza a atuação do órgão, eliminando o corporativismo. 56 Cumpre transcrever o art. 1º, da Resolução n. 70/2009:

“Art. 1° Fica instituído o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, consolidado no Plano

EstratégicoNacional consoante do Anexo.

I - desta Resolução, sintetizado nos seguintes componentes:

I - Missão: realizar justiça.

II - Visão: ser reconhecido pela Sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e paz social.

III - Atributos de Valor Judiciário para a Sociedade: a) credibilidade;b) acessibilidade;c) celeridade;

d) ética;

e) imparcialidade;

Page 108: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

118

desse objetivo, estão compreendidas a celeridade da tramitação dos processos administrativos

e judiciais, assim como a gestão otimizada dos custos.

Ou seja, busca-se o atingimento da eficiência, assim entendida como rápida solução

das contendas e redução de custos. Outros pontos foram destacados para compor o

planejamento estratégico, mas, em razão da necessária demarcação metodológica, a presente

pesquisa ater-se-á somente à análise da eficiência.

Conforme previsão contida no art. 6o da Resolução n. 70/09, “o Conselho Nacional de

Justiça coordenará a instituição de indicadores de resultados, metas, projetos e ações de

âmbito nacional” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009). Para isso, o CNJ optou

por adotar uma metodologia denominada Balanced Scorecard (BSC), criada por Robert

Kaplan e David Norton, que desenvolve indicadores balanceados de desempenho57.

Sustentam que a metodologia BSC é capaz de se ajustar tanto às instituições privadas,

quanto públicas, de modo a permitir o estabelecimento de estratégias voltadas à limitação de

gastos e atendimento satisfatório dos clientes (KAPLAN; NORTON, 1997). Ou seja, a

metodologia direciona-se a uma visão de gestão estratégica clientelística, não adaptável, em

sua inteireza, à realidade de uma atuação estatal em nível jurisdicional, na qual o exercício da

atividade deve atender a um fator administrativo e, assim, voltado à gestão, mas que tem o

exercício da atividade jurisdicional como principal orientação.

Segundo o entendimento que se defende na presente pesquisa, essa atividade precisa

ser guiada pela concepção de processo como garantia, e, nesse sentido, deve observar os

princípios constitucionais do contraditório, ampla argumentação, imparcialidade e

fundamentação racional das decisões, que não se compatibilizam com metas, mensurações,

indicadores e resultados. As garantias processuais fundamentais devem ser observadas, e não

f) modernidade;

g) probidade:

h) responsabilidade Social e Ambiental;

i) transparência.

IV - 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas:

a) Eficiência Operacional:

Objetivo 1. Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos;

Objetivo 2. Buscar a excelência na gestão de custos operacionais;” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,

2009). 57 De acordo com Soares, “a metodologia Balanced Scorecard surgiu pela primeira vez em 1990 num estudo

intitulado ‘Measuring Performance in the Organization of the future’, patrocinado pela empresa suíça KPMG

Internacional junto ao Instituto Nolan Norton. O trabalho foi realizado pelos professores Robert Kaplan, da

Harvard Business School, e David Norton, presidente da Balanced Socorecard Collaborative Inc. […] O

modelo de gestão criado por Kaplan e Norton não é mais do que o conjunto de indicadores (medidas) e

mostradores (gráficos) de um painel de controle de uma instituição. […] Por sua apresentação gráfica de fácil

análise, o conjunto de medidas do BSC permite aos administradores uma rápida e abrangente visualização da

situação do negócio, o que facilita a propositura de medidas para combater os pontos críticos da organização.”

(SOARES, 2017, p. 140-141).

Page 109: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

119

há como se fixarem metas e aferirem resultados para processo, entendido como garantia de

direitos fundamentais.

A criação do CNJ deveria se compatibilizar com a orientação contida na CRFB/88,

qual seja, a instituição do Estado Democrático de Direito, com observância a direitos e

garantias fundamentais. Ao contrário disso, o órgão vinculou-se aos ditames mercadológicos

e, assim, cuidou de adotar a metodologia do BSC, sem que houvesse dialogicidade

procedimental na escolha da melhor forma de se realizar um planejamento estratégico

alinhado à necessidade de uma atuação jurisdicional, voltada ao cumprimento de direitos e

garantias fundamentais, que é o preconizado pelo modelo constitucional de processo58.

Em sua estratégia nacional para os anos de 2016 e 2017, foram estipuladas oito metas

nacionais59, voltadas ao foco da produtividade e da celeridade. Entre as metas estipuladas, não

houve menção alguma à busca da qualidade das decisões jurisdicionais e à exigência ao

cumprimento do dever de observância das garantias fundamentais dos jurisdicionados.

Além das Resoluções n. 70/09 e 198/14, que trouxeram o planejamento estratégico do

Judiciário, evidentemente voltado à busca de eficiência quantitativa, conforme demonstrado,

o CNJ realiza pesquisas anuais para aferição dos indicadores e indica a proposta dos

relatórios.

Cumprindo, portanto, sua proposta de quantificação para o estabelecimento de

diretrizes voltadas à persecução dos macrodesafios estipulados em seu planejamento

estratégico, entre os quais, a eficiência operacional se coloca como objetivo precípuo, o CNJ

divulga anualmente os relatórios intitulados Justiça em Números, elaborados pelo

Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), a quem se atribui a função de receber e

58 Soares explicita que “almejando executar o Planejamento Estratégico do Judiciário no sentido de um poder,

sobretudo, ‘eficiente’, o CNJ escolheu como metodologia de gestão o BSC. Não houve um aprofundamento

pelo CNJ quanto a ser essa a metodologia mais apta ao Judiciário, bem como não houve treinamento, nem

capacitação dos gestores, dos desembargadores na compreensão da metodologia que seria implementada. Isso

demonstra mais uma sujeição a influxo externo e, em certa medida, constitui um argumento de poder. Segundo

a empresa de consultoria norte-americana Hackett Group, o BSC tem se tornado uma tendência na área de

gestão, de tal forma que as instituições têm se sentido compelidas a utilizar essa metodologia.” (SOARES,

2017, p. 154-155). 59 Relatório Metas Nacionais do Poder Judiciário 2016, CNJ: “1) julgar quantidade maior de processos de

conhecimento do que os distribuídos no ano corrente; 2) identificar e julgar, até 31/12/2016, determinado

percentual de processos antigos, de diversos períodos de tramitação; 3) aumentar o percentual de casos

solucionados por conciliação em relação ao ano anterior e impulsionar os trabalhos dos CEJUSCs; 4)

identificar e julgar determinado percentual de ações de improbidade administrativa e de ações penais

relacionadas a crimes contra a Administração Pública. 5) Baixar em 2016 quantidade maior de processos de

execução do que o total de casos novos de execução no ano corrente. 6) identificar e julgar, até 31/12/2016,

determinado percentual de ações coletivas e recursos oriundos de ações coletivas e recursos oriundos de ações

coletivas distribuídas em diversos períodos de tramitação. 7) priorizar o julgamento dos processos dos maiores

litigantes e dos recursos repetitivos; 8) implementar projeto com equipe capacitada para oferecer práticas de

Justiça Restaurativa, implantando ou qualificando pelo menos uma unidade para esse fim, até 31/12/2016.”

(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).

Page 110: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

120

sistematizar os dados utilizados para a realização das estatísticas judiciárias nacionais.

Tomando-se como referência o relatório Justiça em Números, divulgado em 2017,

com ano-base 201660, foram apontados os seguintes indicadores estatísticos: 1. Insumos,

dotações e graus de utilização (receitas e despesas, assim como estrutura); 2. Litigiosidade

(carga de trabalho, taxa de congestionamento, produtividade e recorribilidade); 3. Acesso à

justiça e 4. Tempo de processo (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017).

Para a aferição da eficiência, que é o objetivo central da gestão do Judiciário,

estipulou-se o Índice de Produtividade Comparada do Poder Judiciário (IPC-Jus), sendo:

O Sistema de Estatística do Poder Judiciário (SIESPJ) conta com 810 variáveis

encaminhadas pelos tribunais e posteriormente transformadas em indicadores pelo

CNJ. São muitos os indicadores que podem mensurar a eficiência de um tribunal, e

o grande desafio da ciência estatística consiste em transformar dados em

informações sintéticas, que sejam capazes de explicar o conteúdo dos dados que se

deseja analisar. Para alcançar tal objetivo, optou-se por construir o IPC-Jus, uma

medida de eficiência relativa dos tribunais, utilizando-se uma técnica de análise

denominada DEA (do inglês, Data Envelopment Analysis) ou Análise Envoltória de

Dados.

O método estabelece comparações entre o que foi produzido (denominado

output, ou produto) considerando-se os recursos (ou insumos) de cada tribunal

(denominados inputs). Trata-se de metodologia de análise de eficiência que compara

o resultado otimizado com a eficiência de cada unidade judiciária em questão. Dessa

forma, é possível estimar dados quantitativos sobre o quanto cada tribunal deve

aumentar sua produtividade para alcançar a fronteira de produção, observando-se os

recursos que cada um dispõe, além de estabelecer um indicador de avaliação para

cada unidade. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2017, p. 17).

Ou seja, o IPC-Jus é medida de eficiência e torna-se, portanto, um referencial

categórico para a tomada de decisões relativas à gestão dos órgãos jurisdicionais, a fim de se

aumentar a celeridade e reduzir custos, a partir de uma metodologia que relaciona recursos e

produção, o que se mostra uma avaliação quantitativa, que tangencia o conceito de eficiência

apontado pela Ciência Econômica e pela Administração. Nesse sentido, Rosa e Aroso

Linhares afirmam:

No campo específico da administração do Poder Judiciário verifica-se uma enorme

“taxa de congestão” (relação entre o número de processos pendentes de julgamento

no início do ano e o número decidido no mesmo ano), “taxa de clearence” (relação

entre os processos findos num ano sobre os processos entrados no mesmo ano),

“taxa de backlog” (relação entre os números de processos findos num ano sobre o

número de processos entrados mais os pendentes, vindos neste mesmo ano). Esses

elementos podem aumentar a “good governance”. (ROSA; AROSO LINHARES,

2011, p. 78).

60 Utilizou-se, na presente pesquisa, o relatório mais recente até a data da realização do estudo, sendo essa uma

opção metodológica, a fim de se demarcar a análise. O Justiça em Números 2017, com ano-base 2016, é o

mais atual até o momento.

Page 111: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

121

A atuação do CNJ, dentro de sua vertente de controle da gestão da atividade judiciária,

volta-se a quantificação, análise de dados, resultados, fixação de metas e formulação de

indicadores, a fim de se atingirem, dessa forma, índices de eficiência voltados à redução de

despesas e aumento da celeridade. A partir de uma aferição de produtividade, desempenho e

informatização, houve preocupação com o tempo médio de tramitação dos processos, já que

isso ocupa e envolve toda a estrutura de recursos humanos, físicos e operacionais do

Judiciário.

Assim, quanto mais rápida for a tramitação processual, e quanto menos gastos

envolver para a mobilização da estrutura do Judiciário, mais alto é o índice IPC-Jus. E,

atendendo a um viés eficientista neoliberal, segundo o qual os interesses do mercado se

sobrepõem, ao IPC-Jus não importa, por conseguinte, se o processo é garantia de direitos

fundamentais, bastando que seja célere e econômico.

4.3 Eficiência e sistema judicial

A reforma no sistema judicial, decorrente dos ajustes estruturais impostos pelo Banco

Mundial, repercutiu em duas dimensões de atuação, quais sejam: a) ajustes macroestruturais

(gestão jurisdicional); e b) ajustes microestruturais (decisões jurisdicionais). Essas dimensões

de ajustes partem de uma perspectiva constitucional, mas repercutiram em todo o

ordenamento jurídico, tendo sido adotadas, a partir disso, medidas para implementação da

eficiência.

A gestão jurisdicional diz respeito à organização do Juízo, alinhada ao planejamento

estratégico fixado pelo CNJ. Lado outro, a atribuição de proferir decisões jurisdicionais deve

ser orientada pelos princípios constitucionais do contraditório, enquanto garantia de influência

e não surpresa, ampla argumentação e imparcialidade, de modo que sejam emanadas decisões

racionalmente fundamentadas.

Dessa forma, cumpre analisar a maneira pela qual a eficiência se relaciona a essas

duas dimensões do sistema judiciário, tanto no que diz respeito à gestão, quanto em sua

perspectiva processual de formulação de decisões jurisdicionais.

4.3.1 Eficiência e gestão do judiciário (ajuste macroestrutural)

A introjeção da eficiência no ordenamento jurídico brasileiro, conforme já exposto,

alinha-se aos ditames neoliberais impostos pelo Banco Mundial e pelo FMI aos países em

Page 112: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

122

desenvolvimento, sobretudo, diante das determinações constantes dos RDMs e do Documento

Técnico n. 319/96, que orientaram, então, a formulação das resoluções do CNJ relativas ao

planejamento estratégico para o Judiciário, sendo um dos principais macrodesafios a busca de

eficiência operacional.

A partir dessa perspectiva, portanto, a eficiência passa a ser uma diretriz necessária e

estratégica, de modo a que se realizem ajustes na gestão do Judiciário, que, de acordo com

Rosa e Aroso Linhares, dizem respeito à organização e à administração do sistema judiciário,

a partir de um manejamento tanto no plano legislativo, quanto organizacional, na medida em

que há exigência de uma internacionalização do que chamam de mercado sem fronteiras, que

vá uniformizar as práticas judiciais entre os países, tornando-os mais competitivos (ROSA;

AROSO LINHARES, 2011, p. 63).

Os ajustes estruturais que repercutiram na reforma do Judiciário correspondem a uma

busca por nova governança, alicerçada na busca por eficiência, redução de custos e aumento

de credibilidade junto ao mercado e instituições financeiras, de modo a atrair investimentos e

negócios que gerem um suposto desenvolvimento. Com esse viés, o Judiciário deve se guiar

por uma gestão desburocratizada e empreendedora, na qual seja visto como prestador de

serviço, e o jurisdicionado, como consumidor, em nome de uma boa governança. Nesse

sentido, Rosa afirma:

Essa busca, ou melhor, compulsão por ‘eficiência’, faz com que existe a pretensão

de melhoria na qualidade (total) dos processos em nome do consumidor,

transformando os Tribunais em objeto de ‘ISO”, ‘5S’ e outros mecanismos

articulados para dar rapidez às demandas. Anote-se que a ‘Reforma do Judiciário’

foi perigosamente na linha consumidor-eficiência, manipulando-se a good

governance. (ROSA, 2008, p. 226).

A busca por qualidade na prestação de serviços pelo Judiciário, com razoável duração

dos processos e redução de custos tanto para os jurisdicionados, quanto para a Administração

Pública são diretrizes legítimas e alinhadas ao Estado Democrático de Direito. O nó górdio da

questão é que a razoável duração do processo tem se convolado em busca por celeridade,

eximindo-se da observância a direitos e garantias fundamentais, e a redução de custos não tem

repercutido em economia para os cidadãos, mas tem se voltado à privação de direitos, a

exemplo do direito ao advogado, essencial para que haja defesa técnica efetiva. O argumento

exposto no Documento Técnico n. 319/96 é de que a exigência de advogado obsta o acesso à

justiça:

Page 113: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

123

Os gastos incidentais criam barreiras para todos os setores da população, mas

especialmente limitam o acesso à justiça para as populações de baixa renda. Os

gastos incidentais da litigância incluem honorários advocatícios e taxas notariais,

morosidade do Judiciário e custas processuais. Primeiro, a simples exigência de um

advogado para representar as partes obsta o acesso à justiça, ainda que em algumas

instâncias não possa ser evitada. (DAKOLIAS, 1996, p. 42).

A CRFB/88, em seu art. 133, declara que “o advogado é indispensável à administração

da justiça” (BRASIL, 1988). Ou seja, quando a Constituição determina que o advogado é

indispensável à administração da justiça, na realidade, isso significa que a presença e a

participação do advogado, enquanto representante dos sujeitos processuais, são indispensáveis

à defesa dos direitos dessas partes nos processos jurisdicionais. Nesse mesmo sentido, Leal

ensina:

Por imperativo constitucional, o pressuposto subjetivo de admissibilidade

concernente à capacidade postulatória, para a existência legítima de processo, ação e

jurisdição, não pode sofrer, no direito brasileiro ou em outro qualquer direito

democrático, restrição, dispensabilidade, flexibilização ou adoção facultativa,

porque os procedimentos jurisdicionais estão sob regime de normas fundamentais

que implicam o controle da jurisdição pelo advogado (art. 133 da CF/88) e que

somente se faz pela presença indeclinável do advogado na construção estrutural dos

procedimentos jurisdicionais (litigiosos ou não, pouco importando o valor da causa).

(LEAL, 2016, p. 285-286).

Por força normativa constitucional, a presença do advogado é obrigatória para o

desenvolvimento do processo jurisdicional, na medida em que o controle da jurisdição é feito

pelo advogado, assim como o direito de ampla argumentação dos sujeitos processuais é, da

mesma forma, assegurado e garantido pela presença do advogado. O Estatuto da Advocacia e

da Ordem dos Advogados do Brasil, em seus arts. 1o e 2o, em consonância com o disposto no

art. 133 da Constituição, entende que o advogado assegura defesa técnica às partes,

garantindo, dessa forma, a observância ao direito da ampla defesa61 (BRASIL, 1994). Soares

61 Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994:

“Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou

tribunal.

§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a

registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.

§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao

convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.”

(BRASIL, 1994).

Page 114: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

124

reforça o entendimento e explica que o advogado:

É agente garantidor da legitimidade da decisão judicial, uma vez que é o mesmo

juridicamente capaz de estabelecer um diálogo técnico-jurídico que permite a

construção do provimento em simétrica paridade, garantindo o contraditório e a

ampla defesa, bem como um controle da jurisdição. (SOARES, 2004, p. 74).

A legitimidade da decisão jurisdicional é garantida pela presença do advogado nos

processos jurisdicionais, na medida em que lhe é garantida a capacidade postulatória, na

qualidade de representante dos sujeitos processuais, que exercem o direito ao contraditório e a

argumentação ampla, com a exposição de seus argumentos, a influenciarem, dessa forma, na

formação do pronunciamento decisório.

No entanto, a Lei n. 9.099, de 1995, que dispõe acerca dos Juizados Especiais Cíveis e

Criminais, estabelece, em seu art. 9o, que, nas causas de valor até 20 salários mínimos, as

partes poderão ou não ser assistidas por advogados62 (BRASIL, 1995). Ou seja, trata-se de

faculdade, a representação processual por advogado. O Banco Mundial aquiesceu essa

orientação, estimulando a criação de juizados especiais para supostamente dar vazão ao

volume de demandas e reduzir os custos, em razão da dispensabilidade da representação por

advogado nas causas de até vinte salários mínimos. Assim, o Documento Técnico n. 319/96

enunciou:

Os juizados de pequenas causas, com competência para julgar casos até

determinados valores, são uma opção de reduzir os acúmulos processuais nas Cortes

Superiores e ampliar o acesso à justiça, podendo ajudar na diminuição da

morosidade, especialmente em áreas urbanas onde os atrasos parecem ser mais

graves. (DAKOLIAS, 1996, p. 44).

No entanto, após a experiência de alguns anos de atuação dos juizados especiais, o

próprio Banco Mundial foi capaz de reconhecer que não houve melhoria na gestão do

Judiciário a partir dos juizados, que hipoteticamente deveriam ter reduzido o volume de

demandas judiciais, ante a implementação de celeridade na tramitação, por se tratar de uma

procedimentalização dotada de informalidade. Além disso, supunha-se que a não

obrigatoriedade da representação dos sujeitos processuais por advogado (o que se constitui

inobservância a garantia fundamental) geraria redução de custos. Assim, por meio do

Relatório n. 32789-BR, de 2004, o Banco Mundial constata que os juizados especiais não

62 Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995:

“Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser

assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.” (BRASIL, 1995).

Page 115: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

125

foram capazes de solucionar o problema do congestionamento no julgamento dos processos:

Juizados especiais federais e estaduais vêm acumulando uma participação cada vez

maior da carga de trabalho [...]. Há dúvidas de que os juizados especiais estejam

aliviando a pressão colocada sobre os juízos federais e estaduais. [...] O fato decisivo

que influência a demanda pelos serviços desses juizados é menos a identidade do

reclamante do que os valores em jogo, além da possibilidade de reduzir custos,

considerando que o processo pode correr sem a participação de um advogado [...].

Existem sinais de que alguns juizados estejam sofrendo do seu próprio

congestionamento, o que acarreta longas demoras antes da realização do julgamento

oral. (BANCO MUNDIAL, 2004, p. 51).

A partir de um discurso pautado em melhoria da gestão do Judiciário, em que se

buscou a implementação de eficiência a partir da celeridade da tramitação processual e da

redução de custos, os juizados especiais foram vistos como opção nesse novo modelo de

gestão. No entanto, há precariedade na efetiva observância das garantias fundamentais, a

comprometer o processo democrático. Nesse sentido:

Os JEFs não ficaram imunes ao processo de eficientização dos Sistemas de Justiça e,

no caso brasileiro, sobremodo, ao modelo e cultura processuais pátrios. Esse modelo

processual constituído, em especial após a EC.45/2004, coaduna-se com as vontades

do mercado rumo á práticas privatístico-gerenciais de controle e eliminação dos

processos no caminho de uma “justiça ponta de estoque”, que deve promover a

queima de estoques – processuais – oferecendo produtos sempre novos e baratos

para o mercado, mas muito caros ao – aos direitos do – cidadão.

Impõe-se à administração judicial – judiciária – encorpar-se com um novo

paradigma que atenda aos ideais de velocidade, flexibilidade, segurança e

previsibilidade exigidos pelo mercado. É nesse caminho que a administração

gerencial da justiça aparece como meio de instrumentalização de um aparato

técnico-pragmático – e não mais técnico-burocrático – que consubstancie uma

mudança de perspectiva na administração do(s) processo(s). A administração

gerencial da justiça esta adstrita á critérios de eficiência, que ganham

substancialidade com a positivação constitucional da eficiência como princípio da

administração pública, levando o judiciário a operar como uma empresa, primando o

agir em processo pela lógica do custo-benefício. (BOLZAN DE MORAIS;

HOFFMAM, 2005, p. 9-10).

Essa pauta de reformulação da gestão do Judiciário voltada à busca da eficiência

operacional, portanto, fez-se pelo ideário da chamada nova governança, que guia suas ações

por escolhas racionais e previsibilidade das decisões, a fim de se obterem os resultados

previamente definidos, o que ficou evidenciado no Documento Técnico n. 319/96:

A economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e o setor

privado, visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os

mercados se tornam mais abertos e abrangentes, e as transações mais complexas as

instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem

estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor

público não será completo. Similarmente, estas instituições contribuem com a

Page 116: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

126

eficiência econômica e promovem o crescimento econômico, que por sua vez

diminui a pobreza. A reforma do judiciário deve especialmente ser considerada em

conjunto quando contemplada qualquer reforma legal, uma vez que sem um

judiciário funcional, as leis não podem ser garantidas de forma eficaz. Como

resultado, uma reforma racional do Judiciário pode ter um tremendo impacto no

processo de modernização do Estado dando uma importante contribuição ao

desenvolvimento global. (DAKOLIAS, 1996, p. 61).

A nova governança traz consigo o conceito de accountability, que decorre da

necessidade de atribuição de uma ação ou de resultado ao Estado, a fim de gerar

transparência, viabilizando a fiscalidade. O desempenho, com a aferição dos resultados, é o

que importa para a accountability proposta pela nova governança, na qual os cidadãos

assumem a posição de consumidores dos serviços públicos, em termos de mercado, e exige-

se, dessa maneira, a fixação de metas e a averiguação de indicadores de produtividade

(BEVIR, 2011).

Foi nesse sentido, que o CNJ estabeleceu o planejamento estratégico para o Judiciário,

apontando a eficiência operacional como macrodesafio, assim como vem realizando

anualmente a divulgação dos relatórios Justiça em Números, o que se mostra alinhado à

concepção de nova governança e de accountability de resultados. Essa é a gestão, portanto,

que vem desafiando o Judiciário e a busca pela criação de um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, Antônio do Passo Cabral ressalta a relação entre a concepção da nova

governança e a accountability, que se alinham de modo a perseguirem a eficiência

operacional:

Essa nova governança exige parâmetros de eficiência, que envolvem não somente

efetividade da gestão, mas também transparência (abertura, diálogo, comunicação) e

responsividade (accountability). O gestor deve trabalhar com diagnósticos dos

problemas e fixação de planos e metas, buscando-se atingir padrões de qualidade

definidos a partir de indicadores previamente estudados. (CABRAL, 2017a, p. 266).

Essa nova governança buscou a desburocratização, a fim de viabilizar a ampliação dos

mercados e das redes de informação, impondo, assim, uma escolha racional para obtenção de

melhores resultados, orientados pela accountability de desempenho, a partir do qual, insere-se

uma premissa de fiscalidade e aferição de índices de eficiência.

Não bastasse a eficiência ter sido introjetada em nível macroestrutural, de modo a

permear a gestão jurisdicional, atingiu ainda, por óbvio, a formulação das decisões

jurisdicionais (ajuste microestrutural), o que será analisado a seguir.

Page 117: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

127

4.3.2 Eficiência e decisão jurisdicional (ajuste microestrutural)

O sistema judiciário sofreu os influxos neoliberais em sua gestão e em nível de

formação das decisões jurisdicionais, de modo que, em ambos os aspectos, a eficiência foi

apontada como meta de estruturação, sobretudo, em nome da celeridade e da redução de

custos. Rosa e Aroso Linhares explicam que a eficiência serve como diretriz para que o

sistema jurídico se ajuste no âmbito micro, que diz respeito à análise eficientista para o

proferimento de decisões jurisdicionais, de modo a ensejar uma “rearticulação interna do

Direito pela intervenção externa (e decisiva) da Economia” (ROSA; AROSO LINHARES,

2011, p. 63-64).

Essa orientação de alinhamento entre Direito e Economia, para fins de elaboração de

decisões jurisdicionais pautadas em eficiência, tem cunho pragmático-consequencialista

vincado no entendimento de Posner, segundo o qual, as decisões precisam ser formuladas de

modo a se averiguarem as consequências advindas em termos de custo. O que Posner faz,

portanto, é cunhar o pragmatismo, que viabilize aos julgadores elegerem, segundo critérios

específicos, a decisão mais adequada para maximização da riqueza, segundo uma

racionalidade econômica de análise de custos, que deixa de considerar critérios sociais de

distribuição de riqueza.

Para o pragmatismo posneriano, a decisão jurisdicional é adequada, ainda que haja

distribuição de riqueza para os mais ricos, caso isso, em alguma medida e segundo seus

critérios, possa gerar maximização global da riqueza (DERZI; BUSTAMANTE, 2013). A

hermenêutica jurídica de Posner guia-se por uma análise de efeitos e consequências da

decisão, com espeque na busca de eficiência alocativa de recursos, segundo o que Marcellino

Júnior chama de “novo ethos para a atuação do Judiciário”:

O processo deve ser submetido a um novo princípio vinculador, o Economic Due

Process, que redimensiona o papel da função processual, passando a ser vista como

instrumental procedimental pautado pela lógica custo-benefício, independentemente

de garantias processuais constitucionais. (MARCELLINO JÚNIOR, 2014, p. 86-

87).

Haveria, portanto, a partir do critério posneriano, uma procedimentalidade de cunho

econômico, voltada para maximização de riqueza, a dar suporte às construções decisórias,

desassociadas, portanto, do modelo constitucional de processo, que preconiza a observância a

direitos e garantias fundamentais. A análise de Posner volta-se aos custos e definitivamente

não comporta os custos do processo democrático.

Page 118: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

128

Dworkin critica o pragmatismo, já que a visão pragmática volta-se para a

instrumentalização de decisões pautadas em estratégias para o futuro, sem perquirir as razões

advindas da tomada de decisões anteriores, a fim de se criarem coerência e integridade63. A

crítica de Dworkin ao pragmatismo se faz ainda em razão deste desconsiderar as normas e,

dessa forma, sustenta:

O pragmatismo […] nega que as pessoas tenham quaisquer direitos; adota o ponto

de vista de que elas nunca terão direito àquilo que seria pior para a comunidade

apenas porque alguma legislação assim o estabeleceu, ou porque uma longa fileira

de juízes decidiu que outras pessoas tinham tal direito. (DWORKIN, 2014, p. 186).

As decisões jurisdicionais, atendendo a essa orientação pragmática posneriana, que

serve de forma precisa aos ditames mercadológicos neoliberais eficientistas, deve ser

previsível a partir de estandartização, ou seja, devem haver modelos decisionais padronizados,

que se encaixem a situações jurídicas pré-fixadas, contribuindo, assim, para que haja

julgamento massificado de demandas. Aposta-se, desse modo, em uma construção de decisões

prontas, aptas a se enquadrarem como resposta jurisdicional, sem que tenha ocorrido a

necessária dialogicidade ensejadora da formação decisional. Assim, Bolzan de Morais e

Hoffmam explicam:

Instaura-se uma racionalidade autonômica em relação ao Direito e ao caso concreto

que aposta na construção de respostas antes mesmo de ouvir as perguntas, ou seja,

em respostas totalmente descontextualizadas e vazias de sentido. Há um frenesi por

ementas e súmulas que trazem em si um sentido pronto para ser acoplado aos casos.

As súmulas sejam elas vinculantes ou não, — pelo menos no Brasil —, surgem para

responder a todas as perguntas futuras, mas nem sabem quais serão as perguntas

formuladas pelo caso — mas sabem quais são as perguntas formuladas pelo

mercado e as respostas que o mesmo quer. (BOLZAN DE MORAIS; HOFFMAM,

2016, p. 211-212).

Essa padronização decisória, por meio de precedentes e enunciados de súmula, sejam

vinculantes ou não, vem como alternativa lapidar para que se dê vazão à tramitação de

processos, a partir de julgamento de casos idênticos, valendo-se, portanto, de uma suposta

massificação e necessidade de celeridade, para utilizar dos padrões decisórios e julgar em

atacado. A padronização decisória tem sido defendida sob o argumento de necessidade de

segurança jurídica e previsibilidade, o que corroborou para a formação de modelos decisórios

63 De acordo com Ommati, Dworkin segue a linha do pragmatismo filosófico de Ludwig Wittgenstein, segundo a

qual o sentido da linguagem somente pode ser aferível através de seu uso (2011). Gadamer também exerce

influência sobre o pensamento de Dworkin, que adota giro linguística ou círculo hemenêutico como razão

interpretativa, de modo que há uma integrada e constante releitura e reinterpretação dos sentidos, que vai se

alterando na história (DWORKIN, 2014).

Page 119: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

129

que não pretendem dar abertura à dialogicidade argumentativa e, além disso, inobservam e

elastecem as normas, para que se ajustem ao sentido pretendido. Assim, a respeito do sistema

de precedentes, Nunes e Viana asseveram:

Todos esses aspectos colocam em discussão o papel que os precedentes dos

tribunais desempenham, especialmente quando se percebe, de um lado, decisões que

flexibilizam as normas com fins utilitários, e, de outro, a formação e o uso

generalizante das decisões (despregada dos casos) mediante formação de modelos

decisórios com pretensão de fechamentos argumentativos, como se o

pronunciamento judicial colocasse uma pedra sobre o assunto. (NUNES; VIANA,

2018, p. 9).

Há um caráter prospectivo das decisões jurisdicionais, que já se formam com a

intenção de formulação de precedentes (art. 985, II, CPC/15), de maneira a se moldarem a

casos pósteros e supostamente idênticos (NUNES; VIANA, 2018). Para que se deem

contornos de democraticidade ao processo, há necessidade de observância das garantias

processuais constitucionais, com a formulação de decisões devidamente fundamentadas, a

partir do debate em modelo comparticipativo e provas produzidas pelos sujeitos processuais,

havendo necessária concatenação entre contraditório e fundamentação racional das decisões,

nos termos do art. 489, §1o, IV, do CPC/15.

O problema é que, sob um discurso voltado à eficiência, busca-se a formação de

decisões orientadas por uma racionalidade pragmática, na qual haja aferição do caráter

econômico (melhor custo-benefício), a fim de operacionalizar aumento na produtividade, a

partir de julgamentos massificados. As garantias processuais constitucionais são vistas, nesse

sentido, como entrave, já que o exercício do contraditório e da ampla argumentação

demandam um tempo no processo, que não se compatibiliza com a celeridade pretendida.

Além disso, a fundamentação das decisões é vista como embaraço para a vazão na tramitação

processual. Assim:

O processo jurisdicional passa a ser orientado por uma racionalidade jurídica de

manutenção da ordem mercadológico-neoliberal, alimentada por uma racionalidade

prático-processual pragmático-econômico-tecnicista voltada a decidir de acordo com

os ideais do mercado, quais sejam, eficiência, produtividade — produtivismo — e

padronização, operando no horizonte de um sistema de justiça de fluxo. (BOLZAN

DE MORAIS; HOFFMAM, 2016, p. 219).

No espaço processual democrático, as decisões devem se construir pela dialogicidade

discursiva em uma atuação comparticipativa dos sujeitos processuais, em que a vontade do

julgador e suas crenças, enquanto critérios discricionários, não devem permear a formulação

Page 120: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

130

decisória 64 . A legitimidade das decisões exige uma relação estreita entre contraditório

dinâmico e fundamentação racional, de modo que as ideologias e pré-conceitos do julgador,

assim como fatores políticos e econômicos, não devem compor a formação decisional. E, ao

contrário disso, o que se critica é que, na visão do Law and Economics, a eficiência acaba por

incutir critérios político-econômicos na formação decisória, transpondo a dialogicidade

argumentativa dos sujeitos processuais, a fim de que haja aferição positiva de benefícios para

o mercado repercutindo nas relações negociais.

A fundamentação das decisões jurisdicionais mostra-se em situação de risco, na

medida em que há uma judicialização em massa, que coloca os julgadores na iminência de

não analisarem o caso concreto e partirem para o julgamento de teses, mediante padronização

decisória, a fim de que sejam cumpridas as metas fixadas pelo CNJ, com repercussão nos

indicadores de desempenho, a projetarem um suposto ganho de eficiência. Assim, gera-se

uma crise de fundamentação das decisões (SCHMITZ, 2015), e, dessa forma:

O fato de que todas as decisões devem ser obrigatoriamente fundamentadas sob

64 Na tomada de decisões jurisdicionais, os julgadores podem sofrer os influxos dos vieses de cognição, segundo

explica, Kahneman, há dois sistemas de tomada de decisões, sendo “o sistema 1 opera automática e

rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário”. Ou seja, o sistema

1 é aquele em que se formulam padrões, impressões e sensações. Acerca do sistema 2, explica que “aloca

atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam, incluindo cálculos complexos” (KAHNEMAN,

2012, p. 29). A partir desses sistemas, portanto, os automatismos mentais (heurística) acabam por criar vieses

coginitivos, que são distorções do entendimento. Silva explica que: “os vieses de cognição são fenômenos da

(ir)racionalidade humana, estudados pelos psicólogos cognitivos e comportamentais, e representam os desvios

cognitivos decorrentes de equívocos em simplificações (heurísticas) realizadas pela mente humana diante de

questões que necessitariam de um raciocínio complexo para serem respondidas. Tais simplificações

(heurísticas do pensamento) são um atalho cognitivo de que se vale a mente para facilitar uma série de

atividades do dia-a-dia, inclusive no tocante à tomada de decisão. [...] Os vieses de cognição observáveis na

atividade jurisdicional, que, quando presentes, geram erros sistemáticos de tomada de decisão, levando a

pronunciamentos judiciais maculados pela subjetividade (impressões, preconcepções, preconceitos) do

julgador ou pela análise viciada da argumentação jurídica e dos elementos de prova (por força dos vieses de

confirmação, trancamento, status quo, ancoragem e ajustamento, ou aversão à perda), potencializados por um

comportamento solipsista dos magistrados, ao passo que, de acordo com a teoria normativa da

comparticipação e da perspectiva processual democrática, o processo deve servir como garantidor de direitos

fundamentais” (SILVA, 2018, p. 13-14). Após explicar de que forma os vieses de cogniçãoo maculam a

tomada de decisão jurisdicional, Silva aponta para mecanismos que tendem a corrigir esses desvios e, assim,

depreende: “com base na concepção democrática de processo, nas premissas do princípio da imparcialidade do

julgador e na teoria normativa da comparticipação, sugeriu-se o correto delineamento e aplicação dos institutos

processuais da fase preparatória de saneamento e organização do processo e do princípio da colegialidade

recursal, auxiliados pelo princípio da oralidade, como forma de debiasing, seja preventivo ou corretivo, a fim

de mitigar os efeitos deletérios dos vieses de cognição. [...] Concluiu-se também que a atuação ativa dos

advogados, valendo- se sempre que possível das prerrogativas do princípio da oralidade, é fundamental para a

almejada accountability, seja por meio de despachos com os magistrados, apresentação de memoriais, ou

realização de sustentação oral, no sentido de se criar uma identificação da demanda e chamar a atenção para os

contornos da controvérsia e para detalhes probatórios, estabelecendo-se uma incansável tentativa de quebra do

enviesamento a que possam estar acometidos os julgadores. [...] Por fim, o que se observa é que cabe aos

operadores do direito – tanto aos advogados, quanto aos juízes, pensadores e demais - buscar uma atuação

contrafática, de modo a realizar a identificação e a quebra dos enviesamentos cognitivos”. (SILVA, 2018, p.

127-128).

Page 121: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

131

pena de nulidade (art. 93, X, da CF/1988) constitui expressão do Estado

Constitucional, mas há uma gama de possibilidade manipulativas do discurso

jurídico que, se não forem bem tratadas, darão azo a decisões ilegítimas blindadas

por fundamentações falaciosas. (SCHMITZ, 2015, p. 33).

Essa manipulação do discurso jurídico se faz mediante a interpretação das normas

pelos julgadores, com caráter discricionário, permeado de subjetividade, permitindo uma

alocação de sentido normativo de acordo com interesses obscuros, já que ausente uma

construção processual democrática. No entanto, em um contexto democrático, que deve

observar o modelo constitucional de processo, as decisões jurisdicionais, para serem

legítimas, devem ser construídas a partir de uma atuação dos sujeitos processuais em

contraditório, em todas as fases lógicas do processo, com pleno exercício da ampla

argumentação, além de necessitar de uma atuação imparcial do julgador, que fundamente

racionalmente as decisões, analisando os argumentos e provas produzidos pelos sujeitos

processuais, conforme tratado no subcapítulo 3.2.2.

Faz-se necessário averiguar como o conceito de eficiência foi construído, a partir da

Ciência Econômica e da Administração, e, por fim, cabe analisar a configuração da eficiência

dentro da metodologia do Law and Economics, na medida em que foi capaz de chancelar a

leitura da eficiência voltada a uma projeção de interesses neoliberais.

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133

5 DA EFICIÊNCIA E SUAS PERSPECTIVAS PARA A CIÊNCIA ECONÔMICA,

PARA A ADMINISTRAÇÃO E PARA A METODOLOGIA DO LAW AND

ECONOMICS

A eficiência é dotada de plurissignificação, o que faz com que haja imprecisão

conceitual apta a alocar o sentido que se quer adequar, de acordo com o interesse a ser

atendido. É um conceito, portanto, conveniente à ideologia neoliberal, já que oriundo da

Ciência Econômica, assim como tem aporte na Administração, ganhando dimensão relevante

a partir do Law and Economics (AED). A eficiência, nesse sentido, precisa ser analisada em

suas várias facetas, para que haja possibilidade de se aferir de que modo a dimensão

eficientista se relaciona com a função jurisdicional e com o processo, repercutindo na

construção (ou não) do processo democrático.

5.1 Eficiência na Ciência Econômica

A Ciência Econômica cunhou o conceito de eficiência, tendo esta diversas

perspectivas teóricas. Cumpre analisar, na presente pesquisa, a matriz utilitarista,

desenvolvida por Jeremy Bentham, a concepção teórica de Vilfredo Pareto e, por derradeiro, a

formulação elaborada por Kaldor e Hicks.

5.1.1 O utilitarismo de Bentham

No século XVIII, Bentham avançou nos estudos da Ciência Econômica,

desenvolvendo a teoria das escolhas racionais, segundo a qual os indivíduos agem

conscientemente a partir de incentivos, bem como prospectando restrições ou punições em

que podem incorrer, havendo, portanto, uma ponderação acerca da utilidade de seu

comportamento. A abordagem acerca do utilitarismo formulado por Bentham faz-se

importante, na medida em que a teoria das escolhas racionais por ele desenvolvida, mais

tarde, veio culminar na formulação do Law and Economics pelos economistas da Escola de

Chicago, a exemplo de Ronald Coase e Steven Shavell, o que será visto no subcapítulo 5.3.

Bentham (1979) é o fundador do utilitarismo, também conhecido por Princípio da

Utilidade, segundo o qual, o comportamento (ou interesse) tende à busca da felicidade, do

prazer, sendo esse o fundamento da moralidade. Ou seja, a felicidade é tida como padrão de

moralidade, que deve ser perseguido para promoção de bem-estar de todos os indivíduos,

Page 124: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

134

devendo-se entender a felicidade como ausência de dor.

Bentham (1979) explica que os atos praticados pelos governantes estarão em

conformidade com o princípio da utilidade se tender ao aumento da felicidade da comunidade.

De acordo com Stuart Mill, o utilitarismo baseia-se no empirismo, sendo a formulação do

conhecimento baseada na experiência. Além disso, Mill (2014) entende que o

associacionismo também serve de base para o utilitarismo, sendo uma teoria relativa ao

estudo do comportamento humano e das relações associativas oriundas da experiência.

A crítica dirigida ao utilitarismo diz respeito, sobretudo, à impossibilidade de aferição

racional da felicidade, que pode ser, inclusive, inalcançável. Além disso, critica-se o fato de

que o critério de felicidade difere para cada indivíduo, não sendo, portanto, um padrão moral,

ao contrário do defendido pelos utilitaristas. Além disso, os utilitaristas conceituam justiça a

partir de um critério negativo, ou seja, partindo da análise do que se considera injusto,

havendo, assim, imprecisão e ausência de demarcação conceitual.

Mill afirma que justiça pode significar tanto uma “regra de conduta e um sentimento

que sancione a regra” (MILL, 2014, p. 173), quanto pode ser um sentimento, “o desejo de que

aqueles que infringiram a regra sofram castigo” (MILL, 2014, p. 174). Dessa forma, o

utilitarismo criado por Bentham e desenvolvido por Mill vincula-se ao entendimento de que o

comportamento humano é direcionado à busca da felicidade, entendida como bem-estar para

os indivíduos como um todo, o que faz com que se avoque a felicidade como preceito de

ordem moral.

Bentham sustentou que o Estado poderia intervir na política econômica, sobretudo,

para fins de controle das atividades mercadológicas (regidas naquela ocasião por leis naturais

e com supedâneo no exercício das liberdades), acaso essas visessem a promover

desigualdades, em detrimento do interesse público. Dessa forma, Bentham (1979) defendeu a

criação de uma teoria da legislação, visando à alteração do sistema jurídico da Inglaterra, a

fim de se irromper com a aplicação das leis naturais, que davam azo a abusos praticados por

determinados seguimentos elitistas.

Bentham foi ativo opositor de William Blackstone, professor catedrático de Direito

inglês em Oxford, na medida em que este defendia a desnecessidade de reformas

constitucionais no sistema britânico, já que alicerçava-se em uma concepção sacral vincada

em um contrato social ensejador de uma obediência das pessoas ao governo (COPETTI

NETO, 2011). Diferentemente, Bentham (1979) era defensor das reformas legislativas e da

codificação, de modo a adaptá-las para alcance da maximização da felicidade, em um viés

utilitarista, enquanto sinônimo de bem-estar.

Page 125: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

135

Posner explicou que, para Bentham, “codificação significava a ampla promulgação de

leis escritas baseadas no princípio da maior felicidade, em substituição a qualquer

combinação de leis e common law ou princípios consuetudinários” (POSNER, 2010, p. 44).

Ainda acerca do utilitarismo benthamiano, Posner afirmou que “atinge-se o máximo de

felicidade, ou utilidade, quando as pessoas [...] são capazes de satisfazer suas preferências,

quaisquer que sejam estas, na máxima medida possível” (POSNER, 2010, p. 63).

No tocante ao contexto ético de busca do interesse individual para satisfação pessoal,

Posner concorda com Bentham, mas afasta a aplicação do utilitarismo por entender que

inexiste técnica que viabilize aferir os efeitos de uma decisão pautada no critério de

felicidade.

5.1.2 Eficiência de Pareto

O utilitarismo de Bentham recebeu críticas por não ser capaz de mensurar a felicidade

preconizada para atingimento do bem-estar, e, avançando nesse sentido, Pareto passou a

defender a necessidade de aferição da utilidade, levando em conta alocação de recursos

(benefício ou renda).

Desse modo, Pareto formulou alguns critérios. Uma mudança é Pareto-Superior

quando favorece pelo menos uma pessoa, sem que haja prejuízo a alguém. Ou, em outras

palavras, uma alocação de recursos é Pareto-Superior, caso não haja pessoa em desvantagem

e haja a melhora de pelo menos uma pessoa (PARETO, 1984; COLEMAN, 1980).

Esse critério Pareto-Superior coloca o consentimento como necessário, pois os sujeitos

deveriam estar em conformidade com o ganho aferido por uma parte e não por outra,

excluindo-se a existência de prejuízo. Esse critério acentua a ausência de efeitos distributivos

da riqueza. Assim, Posner explica que “o critério da superioridade de Pareto é a unanimidade

de todas as pessoas afetadas”65 (POSNER, 2007, p. 39, tradução nossa).

Ou seja, pelo critério de superioridade paretiano, todos os afetados pela escolha de

alocação de recursos realizada necessitariam estar em concordância, o que, na prática,

contraria uma posição que defenda a liberdade de escolha. A ideia de consenso, nesse caso, é

chamado de ética de Pareto. Posner (2007) critica o critério da Pareto-Superior, afirmando

que a aplicação é diversa do que se vê na prática, já que dificilmente haverá consenso,

sobretudo, se considerarem-se os efeitos da alocação de recursos sobre terceiros.

65 El critério de la superioridad de Pareto es la unanimidad de todas las personas afectadas.

Page 126: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

136

Há ainda o critério ótimo de Pareto, no qual se coloca a noção de eficiência, sendo

ainda o critério conhecido como Eficiência de Pareto (ou ótimo de Pareto), segundo o qual,

uma alteração na alocação de recursos pode melhorar a situação de ao menos um indivíduo,

admitindo que haja piora da situação de outro indivíduo. Ou seja, “considera-se que um

determinado estado social atingiu um ótimo de Pareto se, e somente se, for impossível

aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa” (SEN,

1999, p. 47).

Nesse mesmo sentido, Coleman (1980) explica que há alocação ótima de Pareto se a

realocação de recursos beneficiar uma pessoa à custa de outra. Assim, o critério de eficiência

paretiano busca extirpar o problema existente no utilitarismo, qual seja, o da impossibilidade

de aferição de felicidade, na medida em que o eficientismo de Pareto admite que haja piora na

situação de uma parcela de indivíduos, desde que haja melhora de uma outra cota de

indivíduos.

Dworkin (2005) explica que, a partir desse critério de eficiência de Pareto, uma

decisão jurisdicional é eficiente se ensejar melhora da situação de uma massa expressiva de

indivíduos e considerar a existência de uma parcela de pessoas em situação pior, levando-se

em conta, nesse caso, a quantificação do bem-estar que se ganhou e perdeu, partindo-se de

uma análise voltada para o futuro e não para o passado.

Sen afirma que o critério da eficiência de Pareto apresenta perversidades, e “um estado

pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria extrema e outras nadando

em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos

ricos” (SEN, 1999, p. 48).

A eficiência de Pareto é oportuna para justificar uma parcela perdedora ou prejudicada

pelas decisões judiciais, desde que uma parcela maior seja beneficiada, o que justifica que

alguns lucrem, enquanto outros logrem efetivos prejuízos, independentemente do número de

indivíduos prejudicados, desde que, em tese, a parte beneficiada seja mais expressiva. No

entanto, a noção de benefício, melhora e prejuízo vai depender de uma série de fatores,

sobretudo, de ordem pessoal, de preferências, sendo permeadas por profundo subjetivismo, o

que gera imprecisão dessa mensuração, da mesma forma que o utilitarismo.

Há, portanto, impossibilidade de consenso, e os interesses podem ser divergentes, o

que faz ruir a ética paretiana, que preconiza mudanças a partir de um consenso que, na

prática, é impossível, sendo o conceito ficto. O critério Pareto-Superior pressupõe melhorias

sem perdedores, e o critério da Eficiência de Pareto pressupõe que haja necessariamente

perdedores, mas não dispõe de precisão para mensurar ganho e perda, na medida em que o

Page 127: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

137

atributo da melhora é subjetivo.

Bolzan de Morais e Copetti Neto elaboram uma crítica à eficiência paretiana, na

medida em que essa eficiência parte de uma obrigatoriedade de consenso e unanimidade, que

exclui ou nega o direito individual ao veto, o que se constitui no que denominam falácia

normativa, que visa a suplantar o direito individual por um suposto consenso (BOLZAN DE

MORAIS; COPETTI NETO, 2011, p. 62).

Dada ainda a dificuldade na aferição do que poderia ser considerado ganho ou prejuízo

na alocação de recursos e benefícios, Posner deixou de adotar o critério de Eficiência de

Pareto em sua análise econômica do Direito, para fins de proferimento de decisões

jurisdicionais, tendo adotado o critério de eficiência desenvolvido por Kaldor e Hicks.

5.1.3 Eficiência em Kaldor-Hicks

Nicholas Kaldor e John Hicks, na década de 1930, desenvolveram um critério que

dispõe que, em uma alocação de recursos, o valor aumentado deve ser suficiente para

compensar os efetivamente prejudicados. Ou seja, esse critério considera a eventualidade de

prejuízo, mas coloca a compensação como condição supressiva deste. Definem, portanto, que

aqueles que auferem vantagens ou ganhos em determinada situação devem lucrar mais que

alguns outros tenham perdido, ensejando-se condição de compensar os perdedores e, mesmo

assim, permanecer em situação melhor do que a situação em que anteriormente se

encontravam (BOLZAN DE MORAIS; COPETTI NETO, 2011).

Posner, na análise econômica do Direito, adota o conceito de eficiência oriundo do

critério de Kaldor-Hicks, também chamado de critério de maximização da riqueza, e assim

dispõe:

Quando um economista diz que o livre comércio, a concorrência, o controle da

poluição ou qualquer outra política ou estado do mundo é eficiente, nove entre dez

vezes se referirão à eficiência da Kaldor-Hicks. [...]

E na medida em que a distribuição da riqueza é determinada pelo próprio

mercado, a justiça de mercado não pode derivar de qualquer noção independente de

distribuição justa.66 (POSNER, 2007, p. 40-41, tradução nossa).

Nesse sentido, Posner (2007) defende o critério de eficiência em Kaldor-Hicks,

66 Cuando un economista dice que el libre comercio o la competencia o el control de la contaminación o

cualquier otra política o Estado del mundo es eficiente, nueve veces de cada diez se estará refiriendo a la

eficiencia de Kaldor-Hicks. [...] Y en la medida en que la distribución de la riqueza se determine ella misma

por el mercado, la justicia del mercado no puede derivar de alguna noción independiente de la distribución

justa.

Page 128: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

138

avocando o mercado como determinante para que se opere a distribuição da riqueza. Seria o

mercado, portanto, o responsável pela alocação de recursos, de modo a compensar eventuais

perdas. A livre concorrência seria usada para distribuir a riqueza, a partir de sua maximização.

Desde qua haja, portanto, possibilidade de compensação das perdas sofridas, há

implementação da eficiência, que propõe a maximização da riqueza, ainda que essa

compensação não se opere efetivamente.

Pelo critério de Kaldor-Hicks, basta a possibilidade de compensação dos perdedores,

ainda que estes não sejam, de fato, compensados pelas perdas sofridas, o que se mostra como

uma contradição do próprio critério, na medida em que, extirpando-se a efetiva compensação,

poder-se-ia cair, novamente, no critério de eficiência de Pareto, no qual se admite a perda de

uma parcela de indivíduos, mas sem compensação correspondente.

5.2 Eficiência na Administração

A Administração, enquanto ciência social aplicada, tem como objeto o estudo da

gestão, no sentido de gerenciamento de atividades (manage ou management), bem como das

funções administrativas (administration), sendo estas distintas das funções comercial,

financeira e de produção (LACOMBE; HEILBORN, 2008). Na Administração, é recorrente a

relação feita entre eficiência, eficácia e produtividade, apontando, Chiavenato, que

“Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar a aplicação de recursos

organizacionais para alcançar determinados objetivos de maneira eficiente e eficaz”

(CHIAVENATO, 2010, p. 5).

Dessa forma, a eficiência é colocada como a correção da forma de se executar uma

tarefa, enquanto a eficácia diz respeito ao atingimento de resultados esperados. Por sua vez, a

produtividade impõe a relação entre fatores de produção utilizados e produtos obtidos

(LACOMBE; HEILBORN, 2008). A eficiência, portanto, relaciona-se aos meios, sendo

aferida pela relação entre recursos utilizados e resultado atingido, de modo que é considerado

um administrador eficiente, aquele que opera com custo mínimo para alcance do objetivo.

Na administração, há imbricação entre eficiência e eficácia, sendo esta “a medida do

resultado da tarefa ou alcance do objetivo estabelecido”, relacionando-se aos fins

(CHIAVENATO, 2010, p. 6). Logo, pode-se inferir que a relação entre eficiência e eficácia,

para a Administração é essencial para o alcance da excelência, o que ocorre quando os

recursos colocados à disposição são bem utilizados (eficiência), e, concomitantemente, há alta

produtividade e elevado desempenho (eficácia) para atingimento dos resultados

Page 129: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

139

(CHIAVENATO, 2010).

Evidencia-se, dessa forma, que, para a Administração, a eficiência seria a relação entre

recursos efetivamente utilizados e recursos planejados para execução, sendo eficiente, a

operação que utiliza o mínimo de recursos. Esses recursos seriam, por exemplo, mão-de-obra,

matéria-prima e equipamentos. Maximiano coloca a produtividade como medida fundamental

para a obtenção da eficiência e, assim, assevera:

Eficiência é a palavra usada para indicar que a organização utiliza produtivamente,

ou de maneira econômica, seus recursos. Quanto mais alto o grau de produtividade

ou economia na utilização dos recursos, mais eficiente a organização e, em muitos

casos, isso significa usar menos quantidade de recursos para produzir mais.

(MAXIMIANO, 2010, p. 5).

Há, dessa maneira, vinculação entre eficiência, produtividade, redução de custos e

escassez de recursos. A partir da noção de escassez (que advém da Ciência Econômica),

busca-se alocar os recursos existentes em um procedimento produtivo, que vá repercutir em

resultados. A eficiência evoca a utilização do mínimo de recursos, ocupando-se, portanto, dos

meios, não perquirindo os fins, que são objetivo da noção de eficácia, enquanto persecutora de

uma meta declarada (DAFT, 2010, p. 853).

A eficiência almeja a busca de meios menos onerosos para se atingir alta

produtividade. Assim, Oliveira aponta que a eficiência “é a otimização dos recursos utilizados

para obtenção dos resultados”, e a eficácia seria, então, “a contribuição dos resultados obtidos

para alcance dos objetivos da empresa” (OLIVEIRA, 2006, p. 273). Ou seja, na

Administração, eficiência (meios) e eficácia (fins) são acepções conexas, de modo que

precisam se interrelacionar, para que resultados satisfatórios sejam atingidos, sendo

consideradas, portanto, objetivos organizacionais (BATEMAN; SNELL, 1998, p. 59).

Ao tratar da Administração da Produção, Ritzman e Krajewski vinculam a eficiência

ao tempo, de modo que “eficiência é a relação entre tempo produtivo e tempo total”

(RITZMAN; KRAJEWSKI, 2004, p. 211), e, assim, eficiente é uma operação que gaste o

mínimo de tempo possível para execução, o que, obviamente, vai repercutir em redução de

custos e melhora na medida da produtividade, ou seja, seria a realização de tarefa de forma

rápida, com utilização mínima de recursos, para garantia de alta performance.

Assim, infere-se que, na Administração, há distinção entre as acepções de eficiência,

eficácia e produtividade, ao mesmo tempo em que são todas consideradas objetivos do

administrador e devem se imbricar para que haja uma gestão de excelência.

A significação de eficiência, portanto, veio tomada da Administração e da Ciência

Page 130: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

140

Econômica, repercutindo no Direito, com todo o viés mercadológico peculiar àquelas duas

áreas. A eficiência introjetada à área jurídica vem como justificativa para que se busque

crescimento econômico, a partir de uma visão gerencial, com estreita ligação com os estudos

do Law and Economics.

5.3 A eficiência para a metodologia do Law and Economics

Cumpre avaliar a eficiência na perspectiva do Law and Economics (ou AED),

considerando-se o desenvolvimento de custos da transação formulado por Coase. Em seguida,

faz-se imperiosa a verificação da teoria de Posner, que verticaliza a discussão acerca da

necessidade de maximização da riqueza, sobretudo, no que tangencia o proferimento de

decisões jurisdicionais. E, finalmente, analisar-se-á o Law and Economics, sob o aspecto da

litigância judicial, na perspectiva desenvolvida por Kaplow e Shavell.

A ED é uma metodologia, portanto, que busca a interação entre Direito e Economia,

de modo que a eficiência econômica seja o critério orientador da interpretação e aplicação do

Direito, partindo das seguintes compreensões: eficiência alocativa, Superioridade de Pareto,

Ótimo de Pareto (ou Eficiência de Pareto) e Eficiência de Kaldor-Hicks.

Segundo Copetti Neto, “a atual análise econômica do direito pretende, com base no

princípio da maximização da riqueza, propor um pacto reformador para o direito, que garanta

tanto o esvaziamento da autonomia jurídica como a possibilidade de se repensar unitária e

economicamente o sistema legal” (COPETTI NETO, 2011, p. 85). O movimento Law and

Economics surgiu na Universidade de Chicago, com influência marcante do liberalismo

econômico e tendo como precursores Ronald Coase e Posner, além de Guido Calabresi, da

Universidade de Yale. Rosa e Aroso Linhares explicam:

A Análise Econômica do Direito ganhou fôlego na segunda metade do século

passado a partir, fundamentalmente, de três fatores: a) a construção de um estatuto

teórico específico (Coase, Becker, Calabresi e Posner, dentre outros); b)

proeminência do discurso neoliberal; c) imbricamento entre as tradições do common

law e do civil law. (ROSA; AROSO LINHARES, 2011, p. 60).

Caberá, portanto, avaliar de que modo a metodologia da AEDireito se relaciona com

os pressupostos do Estado Democrático de Direito, contribuindo (ou não) para a sua

construção.

Page 131: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

141

5.3.1 Eficiência e Teorema dos custos da transação de Coase

Ronald Coase, economista inglês, foi um dos precursores da AED. Mudou-se para os

Estados Unidos e, em 1960, publicou o artigo The Problem of Social Cost, no qual

desenvolveu a concepção de custos de transação, buscando analisar de que forma as leis e a

atuação das instituições repercutiam no desenvolvimento do mercado (COASE, 2017). Foi

diretor do programa de estudos de teoria econômica do Direito na Universidade de Chicago,

orientador de Posner.

Coase (2017) defendeu que as normas jurídicas e as decisões jurisdicionais causam

impactos nos resultados da Economia, sustentando ainda que o Direito, assim como a

Economia, enfrenta o problema da escassez de recursos, e, desse modo, enfatiza que há

paralelismo entre Direito e Economia, na medida em que ambos se dirigem a alocar recursos

escassos.

Coase assume uma postura que busca afastar a atuação estatal, admitindo que o Estado

possa atuar, no entanto, para viabilizar a negociação entre as partes, de modo a reduzir os

custos da transação e, nesse caso, o Judiciário deveria aferir em que medida as decisões

proferidas afetariam a Economia, de modo a gerar eficiência (redução de custos). Nesse

sentido, verificou:

Os tribunais influenciam a atividade econômica de modo direto. Por conseguinte,

pareceria ser benéfico que os tribunais tivessem uma boa compreensão das

consequências econômicas de suas decisões, bem como que, na medida do possível,

sem criar demasiada incerteza sobre a situação jurídica em si, levassem em conta

essas consequências ao tomar suas decisões. (COASE, 2017, p. 119).

Assim, o Teorema de Coase significa que, caso os custos de transação sejam iguais a

zero, a alocação de recursos repercutirá na eficiência. Ou seja, quanto menor for o custo da

transação, mais eficiente será a alocação de recursos (eficiência alocativa). Posner (2009) vai

explicar que o Teorema de Coase colocou em voga os custos da transação no funcionamento

do mercado, e que os contratos são métodos para adaptação das empresas aos custos de

transação.

Esse teorema pressupõe que as partes tenham consciência de seus direitos e que haja

possibilidade de negociação (bargaining) para redução dos custos e para se alcançar solução

eficiente. Cumpre ressaltar que, à vista da possibilidade de transação, a solução busca uma

independência do direito originalmente aplicável, podendo-se, nesse sentido, negociar

independentemente da prescrição normativa. Assim, Coase afirmou:

Page 132: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

142

O que demonstrei em “O Problema do Custo Social” foi que, na ausência de custos

de transação, não importa qual é a legislação, pois é sempre possível negociar sem

custos a fim de adquirir, subdividir e combinar direitos sempre que isto aumentasse

o valor da produção. (COASE, 2017, p. 15).

O Teorema de Coase, portanto, a pretexto da redução de custos de transação, admite

que haja negociação apesar da lei, sendo as normas jurídicas secundárias, bastando a vontade

das partes de transigir para alocar recursos de modo a que se atinja eficiência, com redução

dos custos da transação. A negociação defendida por Coase visa ainda a reduzir os atritos das

externalidades, assim entendidas como condições externas ao mercado e que impactam no seu

desenvolvimento. Assim, defende que as transações podem suprir os efeitos das

externalidades, gerando mitigação dos custos para anulá-los (MACKAAY; ROUSSEAU,

2015).

A existência das externalidades poderia servir de justificativa, segundo Coase, para a

intervenção do Estado no mercado e, assim, visando a evitar a atuação estatal, defende que as

negociações devem compensar as fissuras advindas das externalidades. A esse respeito,

Posner concorda com Coase e afirma que o Estado somente deve intervir quando houver

justificativa plausível (POSNER, 2009).

Coase (2017) aponta ainda para a importância das instituições, afirmando que os

custos das transações estão diretamente vinculados ao funcionamento daquelas. Dando o

exemplo dos tribunais, alega que devem funcionar de forma a reduzir custos e gerar

segurança, a fim de atuar com eficiência. Cumpre avaliar, portanto, o que seriam esses custos

de transação a que Coase se refere para dar suporte ao seu teorema. Nesse sentido, Klein e

Ribeiro explicam:

Os custos de transação podem ser definidos como os custos para estabelecer, manter

e utilizar os direitos de propriedades, ou seja, para transacionar; por exemplo, custos

de redação de contratos, de monitoramento e imposição de contratos, de acesso a

informação, etc. [...] Percebe-se que o mundo de custos de transação zero é

basicamente o mundo retratado pela teoria econômica nos seus modelos abstratos

(KLEIN; RIBEIRO, 2016, p. 68).

Assim, com base no Teorema de Coase, as negociações seriam um ponto de partida

para aproximação do custo zero da transação, na medida em que exclui o custo operacional da

defesa dos direitos existentes, que podem ser colocados à margem da negociação, já que há

pressuposto de disponibilidade dos direitos avocados primordialmente, que podem sucumbir à

razão de eliminação de custos. Há portanto, uma busca pela eficiência, a significar

possibilidade de celebração de acordo para redução de custos da demanda e uma busca pela

Page 133: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

143

hipótese da invariância, a preconizar que a via negocial independe das normas aplicáveis ao

caso concreto, já que as partes podem acertar novas cláusulas a que devam observar, a

despeito das normas jurídicas existentes (KLEIN, 2016).

A eficiência alocativa sustentada por Coase busca um regime de custos de transação

zero, o que se mostra hipotético e de refutação facilitada, na medida em que há um mínimo de

custos em quaisquer operações nas quais se busque alocação de recursos. O autor não

apresentou nenhuma solução matemática ou geométrica para justificar o seu teorema, o que

explica por que suas conjecturas foram consagradas no Direito e não bem aceitas na

Economia.

Wolkart explica que a alocação eficiente de recursos é o ponto crucial do teorema:

Eis o insight fundamental do teorema de Coase: a alocação inicial de recursos e

direitos sempre pode ser modificada pelas transações de mercado. Se essas

transações não tiverem custo, essa realocação será sempre a mais eficiente possível,

ou seja, será aquela capaz de conferir o maior valor possível a esses direitos e

recursos. Se as transações de mercado vão sempre acontecer de modo a alocar os

recursos de forma mais eficiente, então pouco importa sua alocação inicial (desde

que não haja custos de transação para essas negociações). (WOLKART, 2018, p.

103).

Portanto, segundo Wolkart (2018), há uma análise de custo-benefício que deve ser

feita para se buscar uma realocação de recursos, de modo a se perseguir a eficiência

preconizada por Coase, no sentido de reduzir os custos da transação até o ponto em que a

alocação inicial não importe mais, dada a negociação de custo zero, que aloque recursos de

maneira eficiente.

Ainda de acordo com referido autor, o mérito maior de Coase foi o de apontar a

autocomposição como uma alternativa viável em relação à via judicial para solução de

demandas, e, assim, defende que a cooperação deve ser colocada em voga para que acordos

sejam realizados de forma a se obter eficiência. Nesse sentido, defende que Coase estimulou o

pensamento em torno das formas alternativas de solução de conflitos, que devem ser feitas de

forma cooperativa (WOLKART, 2018, p. 106).

De acordo com o entendimento de Coase, portanto, deve haver cooperação entre as

partes, de modo a estarem disponíveis para negociar no sentido de alocar os recursos de forma

eficiente, reduzindo os custos da transação (ULEN; COOTER, 2016). Assim, podem abrir

mão da jurisdição e buscarem, as próprias partes, pela via negocial, construirem decisão em

conformidade com a melhor alocação de recursos, desde que os direitos sejam disponíveis.

Nesse caso, as normas jurídicas podem ser desconsideradas pelas partes, que vinculam-se

Page 134: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

144

precipuamente à sua vontade e à busca pela eficiência por meio da redução de custos da

transação.

5.3.2 Posner e a maximização da riqueza

Posner é um dos economistas referenciados no desenvolvimento da disciplina

denominada Direito e Economia (Law and Economics) ou AED. Publicou sua obra Economic

Analysis of Law, em 1973, cujo estudo é baseado em uma concepção de common law, o que é

importante ressaltar, a fim de que se possa contextualizar a lógica do desenvolvimento das

pesquisas realizadas naquela ocasião, em que a eficiência deveria ser o critério orientador para

elaboração, interpretação e aplicação do Direito.

Posner buscou relacionar justiça e eficiência, o que culminou na criação de sua teoria

da maximização da riqueza, melhor desenvolvida na obra The Economics of Justice

(Economia da Justiça), publicada em 1981. No entanto, após receber exacerbadas críticas, em

1990, Posner publica The Problems of Jurisprudence (Problemas de Filosofia do Direito), em

que propõe uma revisão de entendimento, passando a sustentar, a partir de então, o

pragmatismo jurídico.

Feitas essas considerações iniciais, cumpre analisar de que modo se desenvolveu a

teoria posneriana, analisando cada uma das obras referenciadas.

Ao escrever Economic Analysis of Law, em 1973, o autor não acatou o utilitarismo em

sua inteireza, mas concordou com Bentham, no sentido de que os indivíduos buscam o

máximo de satisfação em todas as esferas da vida, comportando-se de forma racional nas

tomadas de decisão individuais, de modo a perseguir seus interesses. Acerca da racionalidade

humana na busca de seus interesses, explicou que “o conceito de homem como ser racional

que tentará maximizar seu próprio interesse implica que as pessoas reajam aos incentivos; que

as circunstâncias de uma pessoa mudam de uma maneira que poderia aumentar suas

satisfações alterando seu comportamento”67 (POSNER, 2007, p. 26, tradução nossa).

Assim, segundo aduziu, há uma eleição racional de alocação dos interesses, de modo a

que se persiga o melhor custo-benefício, dentro de uma aferição individual. Acerca dessa

racionalidade defendida por Posner, Salama explica:

67 El concepto del hombre como un ser racional que tratará de aumentar al máximo su interés propio implica que

la gente responde a los incentivos; que si cambian las circunstancias de una persona en forma tal que podría

aumentar sus satisfacciones alterando su comportamento. (2007, p. 26).

Page 135: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

145

A utilização da premissa de racionalidade não significa que necessariamente haja

um cálculo consciente de custos de benefícios; o ponto é simplesmente o de que a

premissa metodológica de maximização racional pode ser útil porque o

comportamento racional é geralmente previsível, enquanto que o comportamento

irracional é geralmente aleatório (ou seja, é randômico). (SALAMA, 2012, p. 5).

O que Posner defendeu, portanto, foi uma formulação que buscou avaliar de que

maneira as decisões jurisdicionais poderiam ser proferidas para se atingir eficiência

econômica, no sentido de aferiação e aumento da riqueza em termos monetários, aproximando

o sistema jurídico dos critérios de mercado. Evidencia-se, portanto, que o critério assumido

por pelo citado autor foi o da maximização da riqueza, a significar uma imbricação entre

justiça e riqueza, por meio da qual esta deve ser perseguida.

As preferências demonstradas pelos indivíduos devem ser traduzidas economicamente,

havendo relevância dessas escolhas quando há repercussão no mercado. A maximização da

riqueza, nesse sentido, atrela-se ao valor monetário que se atribui aos bens, relacionando os

custos de transação aos benefícios auferidos, sendo estes, no entanto, advindos de uma ideia

de consentimento dos indivíduos.

Ou seja, parte-se de uma premissa de que há consenso e consentimento a respeito

desses benefícios por toda a sociedade. Assim, Salama explica que “a riqueza da sociedade é

função do valor monetário subjetivamente atribuído aos bens e serviços de maneira ampla”

(SALAMA, 2012, p. 22). Até esse momento, Posner adotava uma perspectiva descritiva do

Law and Economics.

A partir da obra Antitrust Law: an Economic Perspective, publicada em 1976, o autor

assume um posicionamento normativista, preocupado com a elaboração de leis e sua

interpretação, a partir da efetiva verificação de custos-benefícios, afirmando que as empresas

agem racionalmente para obtenção de lucros, repercutindo no desenvolvimento da sociedade,

razão pela qual deve haver previsão legal que dê guarida às relações concorrenciais.

No prefácio da obra Economia da Justiça, Posner explica que, nos sistemas de civil

law, as normas legisladas devem necessariamente guiar as decisões jurisdicionais, cumprindo

ao juiz, portanto, o papel de identificar e aplicar as normas ao caso concreto levado à sua

apreciação. Explica, no entanto, que, após o advento do segundo pós-guerra, os tribunais dos

países de civil law, a exemplo do Brasil, começaram a se guiar pelas orientações advindas do

commom law, deixando a concepção positivista estrita e seguindo uma tendência de

interpretação constitucional, a partir da ponderação de valores e interesses, o que repercutiu

na assunção de critério discricionário de julgamento, pautada nas lacunas dos textos

legislativos.

Page 136: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

146

Nesse sentido, Posner defende que “os juízes exercem e devem exercer a

discricionariedade. Esta, porém, deve seguir os ditames de uma teoria econômica aplicada ao

direito: a chamada ‘análise econômica do direito’ ou ‘direito e economia’ (law and

economics)” (POSNER, 2010, p. XII). A discricionariedade serve como justificativa para que

os juízes aloquem o seu entendimento, orientado pelo viés economicista, de modo a

proferirem decisões jurisdicionais que atendam aos interesses de determinado grupo, para que

se obtenha a maximização da riqueza, que nada mais é que a eferição do custo-benefício para

direcionar a decisão.

Essa avaliação do custo-benefício não se limita apenas àquilo que pode ser

efetivamente precificado, na medida em que os economistas valem-se de técnicas específicas

com o intuito de monetizar, inclusive, despesas e benefícios não pecuniários. Essa aferição

monetária, portanto, presta-se a orientar a tomada de uma decisão de modo eficiente, podendo

ser fundamentada em normas ou tomada apesar da norma, desde que atenda ao critério da

maximização da riqueza.

A teoria de Posner acerca da maximização da riqueza parte da diferenciação entre

valor e riqueza. Valor não é sinônimo de preço. Este é considerado o quantum que o

consumidor marginal pagará por determinada mercadoria. Segundo o autor, “a coisa mais

importante que devemos ter em mente sobre o conceito de valor é que este se funda naquilo

que as pessoas estão dispostas a pagar por uma mercadoria e não na felicidade que extrairão

de sua aquisição” (POSNER, 2010, p. 73).

Assim, o valor vincula-se à disposição para pagar por algo, ao quanto se quer algo e se

está-se propenso a pagar por ele. Por sua vez, “a riqueza da sociedade é a totalidade da

satisfação das preferências [...] financeiramente sustentadas, isto é, que se manifestam em um

mercado” (POSNER, 2010, p. 73). Posner, portanto, vincula riqueza à repercussão da

satisfação das preferências em nível de mercado, ou seja, há riqueza quando há satisfação do

mercado que repercuta financeiramente.

Dessa forma, na visão posneriana, a liberdade econômica é critério fundamental para

que haja a maximização da riqueza, pois quanto maior for o mercado, maior será a satisfação

das preferências a gerar aferição financeira. E, para que esse mecanismo de ganho seja

eficiente, na visão de Posner, o sistema judicial deve atuar de modo a garantir a liberdade do

mercado, oferencendo segurança e garantia à proteção dos contratos e da propriedade privada,

gerando confiança, o que, por si só, aumenta a disposição do mercado a fazer circularem bens

e riquezas, gerando, por fim, lucros.

Nessa medida, Posner desenvolve um conceito de justiça fundado na maximização de

Page 137: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

147

riqueza, que é diverso da maximização da utilidade proposta por Bentham. Ainda aponta o

risco como um fenômeno universal a que se tem aversão (POSNER, 2007), razão pela qual há

que se buscarem respostas institucionais para mitigação dos riscos, de modo a criar um

ambiente favorável à melhor alocação de recursos (melhor custo-benefício). Acerca do

eficientismo como critério ético defendido por Posner, Salama explica:

O que Posner propôs, portanto, é que as instituições jurídico-políticas, inclusive as

regras jurídicas individualmente tomadas, devam ser avaliadas em função do

paradigma de maximização da riqueza. Em síntese, a teoria é a seguinte: regras

jurídicas e interpretação do direito que promovam a maximização da riqueza (i. e.

eficiência) são justas; regras e interpretações que não a promovam são injustas. Isto

leva à noção de que a maximização da riqueza (ou a “eficiência”, já que Posner

utiliza as duas expressões indistintamente) seja fundacional ao direito, no sentido de

que preveja um critério ético decisivo. (SALAMA, 2012, p. 8).

A eficiência, em Posner, é vista como critério direcionador da teoria da justiça, a partir

da maximização da riqueza preconizada, sendo justas as interpretações que tenham esse

condão, o que torna, de fato, imbricada a conceituação de eficiência e maximização da

riqueza. Deve-se ter em mente que o conceito de justiça adotado pelo autor parte do marco

teórico de John Rawls, segundo o qual, “o objeto primário da justiça é a estrutura básica da

sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes

distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes

da cooperação social” (RAWLS, 2000, p. 7-8).

Assim, em Rawls, direitos fundamentais são vistos como critérios distributivos e de

auferição de vantagem, partindo, essa noção, de um viés pautado em política econômica, na

qual os indivíduos escolhem o que lhes é mais vantajoso para maximização da utilidade.

Posner, por sua vez, aponta que a eficiência deve denotar a alocação de recursos nos

quais o valor é maximizado, sendo o sistema jurídico um ambiente propício para que esse

ajuste alocativo de recursos se opere de modo a criar o melhor custo-benefício. Vai expor,

ainda, a compreensão de que a eficiência seria a riqueza de uma nação, invocando, para isso, a

noção de riqueza defendida por Adam Smith68, indicando que a eficiência mostra-se como um

valor social importante, que deve, portanto, ser incluído nas decisões judiciais (POSNER,

2007). Reafirmando a eficiência como critério de maximização de riqueza, enfatiza:

É provável que o principal problema ético colocado pela abordagem da eficiência ao

68 Adam Smith foi feroz defensor da livre concorrência e do liberalismo econômico, combatendo intervenções

estatais na economia, defendendo que a riqueza de uma nação é parametrizada pela riqueza do povo (SMITH,

1996).

Page 138: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

148

direito comum seja a discrepância entre a maximização da eficiência e as noções de

distribuição justa da riqueza. Em uma economia de mercado em que o papel da lei e

do governo em geral é precisamente o controle das externalidades e a redução dos

custos de transação - que é basicamente tudo o que a eficiência econômica da lei e

do governo exige -, as diferenças existentes nos custos, capacidades e sorte dos

indivíduos poderiam gerar desigualdades substanciais na distribuição de renda e

riqueza.69 (POSNER, 2007, p. 419, tradução nossa).

Desse modo, Posner reconhece que a eficiência pode estar envolta em um problema de

distribuição da riqueza (equidade ou justiça distributiva), que pode dar ensejo a

desigualdades. Contudo, defende que o mercado e o governo devem buscar a redução dos

custos em suas diversas operações, seguindo fielmente, nesse ponto, o entendimento de seu

orientador, Coase.

De forma estratégica, já que a metodologia do Law and Economics visa à

maximização da riqueza, sobretudo, quando da atuação dos órgãos jurisdicionais, as aporias

legislativas acabam por servir de justificativa para alocação da discricionariedade dos juízes e

dos tribunais quando do proferimento das decisões. Assim, Posner explica:

Sugeri que a análise econômica seja usada para orientar a decisão judicial – para

instruir os juízes quanto ao melhor modo de decidir causas cujo resultado não é

determinado diretamente pelos textos da Constituição ou da legislação

infraconstitucional, ou seja, causas situadas naquele campo aberto em que os juízes

podem exercer sua discricionariedade. [...] A maioria das áreas de direito público é

regida por um texto constitucional ou infra-constitucional ao qual os juízes estão

vinculados; muitas vezes, porém, esse texto é vago e deve ser interpretado

criativamente, o que exige, por sua vez, o exercício da discricionariedade judicial.

(POSNER, 2010, p. XV).

A discricionariedade apontada por Posner é aquela na qual os juízes e os tribunais

devem, efetivamente, criar um direito para o caso concreto, sobretudo, quando há lacuna

normativa, de modo a associar a eficiência à análise econômica, a fim de que as decisões

jurisdicionais sejam proferidas após avaliação da repercussão que se poderá aferir pelo

critério de maximização da riqueza, ou seja, melhor alocação dos recursos (avaliação custo-

benefício).

Essa orientação, no entanto, foge da orientação democrática, na qual tanto a lei, quanto

as decisões jurisdicionais e administrativas devem ser legitimadas pela participação dos

69 Es probable que el principal problema ético planteado por el enfoque de la eficiência al derecho común se ala

discrepancia existente entre la maximización de la eficiencia y las nociones de la distribuición justa de la

riqueza. En una economía de mercado donde el papela del derecho, y del gobierno en general, es justamente el

control de las externalidades y la reducción de los costos de transacción – que es basicamente todo lo que

requiere la eficiência económica del derecho y el gobierno -, las diferencias existentes en los gustos, las

capacidades y la suerte de los indivíduos podrían generar desigualdades substanciales en la distribución del

ingresso y la riqueza.

Page 139: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

149

sujeitos, já que as normas devem ser elaboradas sob a perspectiva democrática, assim como as

decisões devem ser construídas a partir dos argumentos apresentados pelos sujeitos

processuais.

Ao contrário, Posner defende uma atuação jurisdicional deliberada, criativa, com a

melhor aferição custo-benefício, em um viés estritamente econômico, que deixa de perquirir,

portanto, se o processo está sendo visto como garantia de direitos fundamentais ou como mera

garantia dos interesses de um grupo de poder específico. O autor vai defender, portanto, que o

Law and Economics exerce influência na tomada de decisões no âmbito jurisdicional tanto em

uma dimensão positiva (atuação discricionária e supletiva de lacunas por teorias econômicas),

quanto normativa (POSNER, 2010).

Dessa forma, aponta a eficiência como meta do Estado para promoção dos objetivos

sociais de consenso geral, devendo sua promoção se dar por meio de um sistema jurídico apto

a corrigir eventuais falhas do mercado decorrentes de externalidades70 (POSNER, 2010).

No entanto, Posner foi duramente criticado por Dworkin, um de seus maiores algozes,

que publicou o texto Is Wealth a Value?, em 1980, com o claro objetivo de expressar rejeição

à AED proposta por Posner. Dworkin aponta que o problema basilar do Law and Economics

seria, em seu aspecto normativo, considerar que a maximização da riqueza social é um

objetivo digno e, questiona, assim, por qual motivo a riqueza deve ser considerada um

objetivo digno e quais seriam os critérios para tanto. Questiona ainda se a maximização de

riqueza se vincula ao aumento do valor e afirma que essa resposta não poderia ser dada pela

Economia, por se tratar de uma questão de filosofia moral.

Para Dworkin, a riqueza social não é alvo central das preocupações individuais, já que

cada indivíduo preocupa-se mais consigo mesmo, para fazer escolhas que vão lhe beneficiar.

Assim, entende que o cálculo para se aferir a riqueza social estaria prejudicado. Critica a

AED, na medida em que, para essa disciplina, a resposta correta a uma questão judicial seria

aquela que promovesse a riqueza social, e defende que essa mesma verificação deve ser

promovida a fim de se escolher quais são os “direitos humanos mais fundamentais dos

cidadãos” (DWORKIN, 2005, p. 375).

Posner defende que a maximização da riqueza é benéfica, pois há uma melhoria

global, de modo que aqueles que produzem bens e serviços tenham um mercado apto a

consumir, gerando, assim, justiça distributiva. Dworkin (2005), ao contrário, sustenta que a

70 Externalidades seriam comportamentos não mercadológicos (POSNER, 2010). De acordo com Rosa e Aroso

Linhares, “as externalidades são consequencias positivas ou negativas decorrentes das ações dos sujeitos em

face de terceiros não intervenientes nas transações originárias.” (ROSA; AROSO LINHARES, 2011, p. 74).

Page 140: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

150

maximização da riqueza não leva à justiça distributiva, já que os bens se alocam no

patrimônio de quem paga mais para tê-los e que, para isso, Posner se ambasa no critério de

meritocracia, segundo o qual, há recompensa destinada às pessoas de acordo com seus

méritos.

Dworkin discorda com veemência de que a riqueza social seja um componente do

valor social e, dessa forma, afirma que “é bizarro atribuir aos juízes o motivo de maximizar a

riqueza por si mesma ou de perseguir a riqueza social como um alvo falso para algum outro

valor” (DWORKIN, 2005, p. 393-394). Ou seja, denuncia que, sob o fundamento de

maximização de riqueza, os decisores estejam, em verdade, buscando atender a interesses

diversos.

As críticas do referido autor à AED não cessaram, e houve ainda a publicação de outro

artigo de sua autoria, em 1980, denominado Why Efficiency?, no qual afima que “Posner

acredita que os órgãos do governo, particularmente os tribunais, deveriam tomar decisões

políticas de modo a maximizar a riqueza social” (DWORKIN, 2005, p. 411). Assim, Dworkin

critica, afirmando que Posner parte do pressuposto de que há interesse e consentimento de

todos nos critérios adotados para maximização de riqueza, inclusive daqueles sucumbentes

nas ações judiciais. No entanto, defende que consentimento e interesse são conceitos distintos:

O fato de haver interesse próprio não constitui de maneira nenhuma um

consentimento efetivo. Em algumas circunstâncias, porém, o fato de haver interesse

próprio é uma boa prova para o que poderíamos chamar de consentimento

contrafactual: isto é, a proposição com a qual eu consentiria se me pedissem.

(DWORKIN, 2005, p. 413).

Evidencia-se, portanto, que o consentimento contrafactual, que é o adotado por

Posner, na medida em que não se pode afirmar que exista consentimento da totalidade dos

indivíduos, é um consentimento ficto (contrafactual) e, desse modo, partindo-se de uma

aferição imprecisa, pode ali se alocar o consentimento direcionado ao atendimento dos

interesses mais diversos, que podem não corresponder, necessariamente, àquilo que

efetivamente seria de interesse de cada um dos indivíduos formando uma unanimidade.

Assim, Dworkin infere que Posner adota unicamente o consentimento contrafactual, que não

pode servir de justificativa plausível para se apontar a riqueza social como objetivo:

Como Posner tem em mente uma escolha contrafactual e não uma escolha efetiva,

qualquer seleção de grau ou data de ignorância deve ser inteiramente arbitrária, e

seleções diferentes ditariam regras muito diferentes. [...] Posner não pode afirmar

que mesmo o consentimento contrafactual seria unânime. [...] Posner claramente

quer produzir o consentimento sob condições que se revelam não de ignorância

Page 141: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

151

natural, mas de ignorância forjada [...]. Posner parece ser capaz de definir suas

condições de escolha contrafactual apenas para chegar aos resultados que quer.

(DWORKIN, 2005, p. 418-419).

Há, portanto, insurgência de Dworkin à arbitrariedade ou falta de critério para escolha

das condições que realmente seriam feitas em nível social, para fins de determinação dos

aspectos maximizadores da riqueza.

A partir das críticas apontadas, Posner buscou se defender e, em 1985, quando então já

exercia o cargo de juiz por nomeação do Presidente Reagan, publicou artigo intitulado Wealth

Maximization Revisited (Maximização da Riqueza Revisitada), ocasião em que alterou pouco

seu posicionamento. Afirmou que a eficiência seria vinculada ao conceito de justiça, e que a

maximização da riqueza deveria se vincular à proteção dos direitos individuais previstos nas

Constituições. Assumindo um caráter de aplicação do Direito mais pragmático, Posner vai

defender a aplicação imediata da regras e a ponderação dos valores.

Já na década de 1990, ao publicar a obra Problemas de Filosofia do Direito, Posner

rejeita a tão criticada maximização da riqueza como fundamento de aplicação do Direito e a

coloca envolta de outros valores, de modo a defender um pragmatismo jurídico peculiar, que

preceitua a aplicação do Direito de forma prática, sem perquirição de bases filosóficas.

Salama, então, explica:

A missão do juiz pragmático é a de decidir de maneira razoável. Isso quer dizer que

o juiz deve sopesar as prováveis consequências das diversas interpretações que o

texto permite, mas a elas não se deve fiar cegamente. O Juiz deve igualmente

defender os valores democráticos, a Constituição, a linguagem jurídica como um

meio de comunicação efetiva e a separação de poderes. A eficiência é então uma

consideração; uma, dentre várias outras. (SALAMA, 2012, p. 25).

Esse chamado giro pragmático de Posner acontece quando o critério de maximização

da riqueza passa a ser uma justificativa para que as decisões sejam direcionadas à busca por

alocação de bens, de modo a se persegir riqueza social, sem se perquirir uma justificativa

ética, voltada à unidade e ao consenso (BOLZAN DE MORAIS; COPETTI NETO, 2011).

Nessa toada, a análise econômica do Direito de Posner busca a formulação de decisões

jurisdicionais em que as consequências possam ser aferidas pela eficiência, que deve ser

considerada, assim como outros valores, a fim de se obter uma decisão que se diga justa.

Nesse sentido, Posner afirma:

Quando surge um caso efetivamente novo, as regras do jogo judicial exigem que o

juiz atue como legislador e, portanto, decida segundo seus valores [...]. A eficiência

[...] representa um valor social importante. É, portanto, interiorizada pela maioria

Page 142: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

152

dos juízes e talvez seja o único valor social que estes podem promover eficazmente,

dada a limitação de seus poderes corretivos e o pluralismo de valores de nossa

sociedade. (POSNER, 2009, p. 141).

Assim, o autor coloca a eficiência como valor social pressuposto e apriorístico, já

introjetado na sociedade e nos julgadores, de modo a ser um critério de validação das decisões

proferidas e um critério orientador apto a promover uma suposta eficácia do próprio sistema.

Ou seja, a eficiência, na visão posneriana, deve ser capaz de suprir aporias legislativas –

oportunas para o ajuste eficientista -, de modo que o Judiciário atue ainda no exercício da

função legislativa, de acordo com seus próprios valores. Ou seja, abre-se um patamar de

discricionariedade orientado por valores pessoais do julgador:

Quando os juízes são chamados a desempenhar uma função legislativa, a eficiência

deve influenciar sua decisão. A decisão de um caso realmente novo abre um

precedente que orientará o julgamento dos casos futuros, e as regras do jogo judicial

exigem que os juízes sigam a jurisprudência (embora não devam deixar-se

escravizar por esta) em vez de decidir do zero cada caso futuro. (POSNER, 2009, p.

141).

Evidencia-se, portanto, que a orientação da AED levada a cabo por Posner coloca o

Judiciário em posição de interferência direta na função legislativa, em um viés absolutamente

diverso do preconizado pelo modelo constitucional de processo, havendo, portanto, uma

declarada posição de judicialização da política71, sob o pretexto de supressão de lacunas no

ordenamento, bem como buscando uma falaciosa segurança jurídica, pois aponta a orientação

jurisprudencial como modelo de julgamento de casos futuros, ao mesmo tempo em que

relativiza essa importância, viabilizando ao julgador a mudança de entendimento e o

afastamento da jurisprudência a partir da análise ética eficientista. Assim, acentua:

Mesmo que os casos subsequentes não tragam nenhuma marca do raciocínio

econômico, sua decisão será eficiente se, nos casos precedentes que a influenciaram,

os juízes, desempenhando a função de legisladores, tiverem baseado sua decisão em

um desejo de aumentar a eficiência. Logo, o direito pode ser eficiente, ainda que a

preocupação com a eficiência apresente-se em apenas uma pequena fração de casos.

(POSNER, 2009, p. 141).

A partir da averiguação da teoria posneriana, cumpre avançar e verificar, ainda dentro

da metodologia do Law and Economics, uma outra vertente que se vincula à análise da

litigância, o que foi abordado por Kaplow e Shavell.

71 De acordo com Nunes, a judicialização da política decorre da “tendência de transferir poder decisório do

Poder Executivo e do Poder Legislativo para o Poder Judiciário.” (NUNES, 2008a, p. 179).

Page 143: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

153

5.3.3 A Análise Econômica da Litigância de Shavell e Kaplow

Steven Shavell é economista e professor de Law and Economics da Universidade de

Harvard, sendo um dos precursores dessa metodologia, sobretudo, no estudo dos reflexos

econômicos das normas processuais civis, tendo desenvolvido uma teoria econômica da

litigância. Assim, em 2004, publicou artigo denominado Foundations of Economics Analysis

of Law, no qual avaliou os efeitos das normas jurídicas sobre o comportamento das partes, e

se esses efeitos seriam socialmente desejáveis. Ou seja, Shavell partiu do pressuposto de que

há uma racionalidade na escolha do modo de agir dos indivíduos que buscam satisfação

pessoal (KAPLOW; SHAVELL, 1999).

Shavell aponta como sendo estágios da litigância: eventual ajuizamento da ação,

eventual acordo e eventual julgamento, definindo processo judicial como conjunto de regras

que direcionam o exercício dos direitos dos sujeitos processuais e a técnica pela qual a parte

adversa apresenta sua defesa (SHAVELL, 2004, p. 445).

Juntamente com Louis Kaplow, também da Universidade de Harvard, Shavell

desenvolveu uma concepção de litígio civil, que seria a demanda judicial cujos sujeitos

processuais são atores privados, analisando questões atinentes aos custos envolvidos para

tramitação do processo judicial, bem como analisou a repercussão econômica da manutenção

do litígio e da opção pela via consensual. Além disso, Kaplow e Shavell (1999) buscaram

verificar o modo pelo qual as normas jurídicas repercutem na decisão das partes de irem ou

não a juízo e os impactos econômicos advindos da decisão jurisdicional.

Kaplow e Shavell (1999) defendem que a opção dos sujeitos processuais por

ajuizarem ou não uma ação parte de uma análise racional de custo-benefício, e, assim,

afirmam que o autor ajuizará uma ação quando o custo da demanda for menor do que os

benefícios a serem supostamente auferidos. Concluem, portanto, que o demandante

processará somente se o custo da contenda for menor que a repercussão econômica advinda.

Após o ajuizamento, no entanto, a análise passa a ser acerca da viabilidade econômica de

celebração de um acordo ou de se valerá aguardar o julgamento.

Kaplow e Shavell desenvolveram o estudo da social welfare function, que corresponde

a uma metodologia econômica para elaboração e análise das normas, bem como para o

proferimento das decisões jurisdicionais. Ou seja, a principal orientação para a

implementação da metodologia dos referidos autores era a fixação do bem-estar social como

parâmetro para a formulação e aplicação das normas jurídicas (WOLKART, 2018).

Cumpre observar, portanto, que deixam de utilizar o termo eficiência, a fim de afastar

Page 144: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

154

uma confusão com a teoria de maximização da riqueza defendida por Posner, mas, na prática,

essa busca por bem-estar pode se vincular, ao final, a uma busca por maximizar a riqueza da

mesma forma. Além disso, a eficiência econômica é finalidade precípua da metodologia do

Law and Economics, não havendo como se desvincular desse objetivo.

Ao se considerar que o welfare economics abarca uma gama de valores dos

indivíduos, que lhes dão prazer e satisfação, tanto no aspecto sentimental quanto material,

pode-se inferir que a teoria de Kaplow e Shavell possui matriz eminentemente utilitarista, e,

lado outro, não há precisão e objetividade no conceito de bem-estar, razão pela qual se pode

considerá-lo conceito jurídico indeterminado, cabendo a alocação do sentido que quer lhe

outorgar a autoridade.

Nessa medida, as normas jurídicas elaboradas e a aplicação voltada ao bem-estar

social, que, em verdade, busca o bem-estar econômico, com vistas à aferição do melhor custo-

benefício para a tomada de decisões, tanto com relação ao ajuizamento de ações judiciais,

quanto no que tange à celebração de acordo ou opção pelo julgamento, dizem respeito a uma

análise de cunho econômico, utilitarista. Assim, o discurso de Kaplow e Shavell tangencia

pontos fulcrais da teoria posneriana, muito embora queiram se desvencilhar do termo

eficiência, mas que, no fundo, tem o mesmo condão.

Um exemplo de como é aplicada a teoria econômica da litigância de Kaplow e Shavell

ao Direito Processual Civil é aquele em que se analisa o congestionamento de recursos

pendentes de julgamento nos Tribunais Superiores, o que serve de pretexto para o

comprometimento da qualidade das decisões e corrobora para o desenvolvimento da

jurisprudência defensiva. De acordo com Wolkart, que adota a teoria de Shavell e Kaplow,

dever-se-ia pensar em normas de restrição de acesso aos tribunais como medida de bem-estar,

o que, em verdade, é medida de eficiência. Assim, sustenta:

Essas normas restritivas, submetidas a uma análise econômica normativa fundada no

critério de bem-estar, certamente receberiam avaliação positiva. De nada adianta

proporcionar livre acesso às cortes superiores e ao mesmo tempo inviabilizar seu

funcionamento, externalizando efeitos negativos da utilização exagerada desse

acesso para toda a sociedade. (WOLKART, 2018, p. 145).

Assim, evidencia-se que a teoria econômica da litigância de Kaplow e Shavell segue o

mesmo viés eficientista das teorias de Coase e Posner, todas vincadas na AED, que

desprestigia a matriz de democraticidade processual preconizada. A análise feita pelos

economistas visa, precipuamente, uma aferição econômica de custo-benefício, sem perquirir a

proteção e a observância às garantias fundamentais. O acesso à jurisdição e as demais

Page 145: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

155

garantias são vistas como óbice à celeridade e à redução de custos, ficando, portanto, sujeitas

à busca de uma normatividade que esteja alinhada a uma suposta busca de bem-estar, que,

verdadeiramente, significa bem-estar para atendimento de interesses econômicos, em total

despreocupação com o processo democrático.

Kaplow e Shavell buscam o deterrence, segundo o qual, as normas jurídicas devem ser

formuladas de modo a gerar desestímulo das partes ao litígio, e, além disso, as decisões

jurisdicionais proferidas devem desincentivar a propositura de ações ou interposição de

recursos, de modo que o deterrence deve ser uma das finalidades do processo.

A CRFB/88, em seu art. 5o, XXXV, promove valorização do acesso à justiça, e, nesse

sentido, há desalinhamento entre a teoria econômica da litigância de Kaplow e Shavell e o

preconizado constitucionalmente, muito embora isso não queira significar que, no Brasil, haja

estímulo à litigância. Ao contrário, os custos da ação são altos, e a tramitação, morosa, o que,

por si só, gera desestímulo à litigância, ainda que a parte saiba que possui direitos a serem

assegurados.

Realizada a análise da eficiência para a Ciência Econômica, para a Administração e

para a metodologia da Law and Economics, é imprescendível que seja verificado como a

eficiência se articula em termos jurídicos.

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157

6 DA EFICIÊNCIA E SUA PERSPECTIVA JURÍDICA

É importante perquirir como a eficiência se perfaz em uma perspectiva jurídica, tanto

em nível doutrinário, quanto em projeção no CPC/15. Para esse desenvolvimento, analisar-se-

á a concepção de eficiência traçada por Taruffo, e, posteriormente, será oportuna a

averiguação da eficiência a partir do entendimento formulado por juristas brasileiros. Feita

essa aferição, caberá analisar como a eficiência se delineia no CPC/15.

6.1 Eficiência para Michele Taruffo

Taruffo escreveu a obra La motivazione della sentenza civile, tendo sustentado, em

síntese, que a fundamentação das decisões é uma garantia constitucional do processo,

conectando-se, dessa forma, ao “caráter democrático do sistema político e do sistema

jurisdicional” (TARUFFO, 2015, p. 23). Explica ainda que a fundamentação das decisões

viabiliza o controle endoprocessual pelos sujeitos processuais, assim como o controle externo,

que deve ser realizado em razão do direito que a sociedade tem de ver proferidas decisões

racionalmente formuladas, já que repercutem no âmbito da administração da justiça

(TARUFFO, 2015).

Essa perspectiva de controle endoprocessual da decisão e controle externo

compatibiliza-se com a análise da accountability judicial decisional, enquanto possibilidade

de fiscalidade, que será minudenciada no subcapítulo 7.2.1. Assim, Taruffo aponta para o

dever de fundamentação racional como garantia do processo, de modo que se pode inferir

pela compatibilidade teórica entre essa perspectiva, a perspectiva desenvolvida por Fazzalari

(teoria do processo como procedimento em contraditório) e o modelo constitucional de

processo de Andolina e Vignera, já explicados no subcapítulo 3.2.1 da presente pesquisa.

Taruffo explicitou seu entendimento de que a eficiência dos sistemas jurídicos está

adquirindo importância ímpar e, dessa forma, buscou analisar o que seria a eficiência e para

que serviria a eficiência no processo civil. Além disso, referido autor buscou avaliar de que

modo as técnicas processuais da oralidade e da escritura poderiam repercutir em ganho de

eficiência (TARUFFO, 2008).

Para a busca das respostas aos questionamentos apontados, Taruffo parte do que

deveriam ser considerados os objetivos do processo civil: a) a eficiência deveria se pautar na

busca de celeridade e redução de custos; b) a eficiência estaria relacionada com a qualidade

da fundamentação das decisões jurisdicionais. E, dessa forma, aponta que a qualidade das

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158

decisões adquire uma grande relevância, na medida em que legitima os propósitos do

processo (TARUFFO, 2008). Nunes e Bahia (2009) nomeiam a primeira hipótese aventada

por Taruffo de eficiência quantitativa e a segunda hipótese de eficiência qualitativa.

A eficiência quantitativa pauta-se na busca de celeridade e redução de custo, sendo

exatamente nessa perspectiva, que o Documento Técnico n. 319 do Banco Mundial induziu as

reformas processuais no Brasil, em busca de alta produtividade judicial. Nesse sentido, Nunes

avalia:

Os movimentos de reforma processual brasileira, apesar de se estruturarem sob um

discurso ideológico socializador, sofreram uma degeneração sob o viés neoliberal,

que estruturou uma perspectiva interpretativa funcional (neoliberalismo processual),

preocupada tão-somente com a máxima rapidez procedimental e produtividade dos

juízes, em quase inexistente espaço público processual, esvaziando a visão dinâmica

dos princípios processuais constitucionais e a importância técnica e institucional do

processo. (NUNES, 2008a, p. 53).

Essa concepção de eficiência quantitativa é a que se empreende no art. 93, II, c, da

CR/8872, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/98, e que vem sendo mostrada

nos relatórios Justiça em Números do CNJ, desde o ano de 2009. Demonstrando essa

tendência à busca prioritária da eficiência quantitativa, a Resolução n. 198/14 do CNJ traz o

que intitula de Estratégia Judiciário 2020, na qual traça metas para o período de 2015 a 2020.

Nesse documento, há um glossário dos macrodesafios do Judiciário, no qual consta a

seguinte descrição de efetividade: “trata-se de indicador sintético de resultado, denominado

índice de Efetividade da Justiça – IEJus, que permitirá ao Poder Judiciário aferir sua

efetividade a partir dos dados relativos às dimensões: acesso à justiça, duração do processo e

custo” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).

Há, dessa maneira, evidente confusão entre efetividade e eficiência. Não se cogitou

acerca da busca do que Nunes e Bahia (2009) denominam eficiência qualitativa, que tem foco

na fundamentação racional das decisões jurisdicionais. Para o CNJ, a efetividade será obtida

por meio do aumento da quantidade de julgados e da intensificação do uso da tecnologia da

informação (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).

Taruffo (2008) entende que a qualidade das decisões jurisdicionais deve se pautar pela

72 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios: […]

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as

seguintes normas:

[…]

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no

exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de

aperfeiçoamento;” (BRASIL, 1988).

Page 149: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

159

sua fundamentação e, assim, esta deve ser adequada a contemplar os argumentos suscitados

pelos sujeitos processuais, assim como deve analisar todos os pontos de fato, de direito e as

provas produzidas. Entende, dessa maneira, que um sistema jurisdicional eficiente se faz por

procedimentos céleres e econômicos, mas também quando se orienta estruturalmente de

forma a construir decisões que contemplem os argumentos das partes, com fundamentos

jurídicos pertinentes (TARUFFO, 2008).

Uma decisão jurisdicional construída com base no modelo constitucional de processo,

em que o contraditório, enquanto garantia de influência e não surpresa, seja observado em

todas as fases lógicas do processo, e a fundamentação decisória se faça em congruência com

os argumentos de fato e de direito suscitados pelos sujeitos processuais, analisando todos os

pontos controvertidos e as provas produzidas, gera legitimidade decisória, absolutamente

pertinente com o preconizado por Taruffo. Essa decisão repercutirá na efetiva entrega da

atividade satisfativa aos sujeitos processuais, o que poderá reduzir sobremaneira o número de

recursos interpostos, implicando, assim, em razoável duração do processo.

Para Taruffo (2008), a eficiência decorrente da tramitação célere do processo e com

baixo custo não se antagoniza à eficiência obtida pela fundamentação racional das decisões.

Ambas as perspectivas de eficiência do sistema jurídico (quantitativa e qualitativa) devem ser

compatibilizadas, desde que haja observância das garantias processuais. O que Taruffo

sustenta é que podem haver técnicas que otimizem o fluxo processual de modo a repercutirem

em resultados satisfatórios que agregem razoável duração do processo e custos reduzidos, nos

quais haja a formulação de decisões jurisdicionais racionalmente fundamentadas (TARUFFO,

2008).

A articulação feita por Taruffo acerca da eficiência é, então, adotada como marco

teórico na presente pesquisa, sendo ponto de partida para a construção daquilo que será aqui

defendido como eficiência da jurisdição e efetividade do processo, a partir do alinhamento

com a concepção de processo de Fazzalari e com o modelo constitucional de processo de

Andolina e Vignera.

Antes, porém, cabe analisar o entendimento de eficiência adotado por alguns

processualistas civis brasileiros, que, em sua maioria, sustentam uma eficiência do processo,

mas que deixa de distinguir processo e jurisdição, o que faz com que, por vezes, tratem como

eficiência do processo o que na realidade dizem sobre eficiência da jurisdição.

Page 150: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

160

6.2 Eficiência na concepção doutrinária brasileira

Há processualistas que defendem a eficiência do processo, ou seja, vincula-se o

processo à noção de eficiência, e o que se verifica é confusão entre aquilo que pode ser

considerado eficiência do processo e eficiência da jurisdição, que são concepções distintas.

Leonardo Carneiro da Cunha defende que a eficiência é princípio que direciona

“balizamento, construção e reconstrução de regras pelo juiz”, sustentando que os juízes e

tribunais devem estabelecer meios eficientes para solução da demanda jurisdicional

(CUNHA, 2014, p. 75), e, assim, vincula a eficiência processual à gestão do processo pelo

juiz. Há, nesse sentido, alocação do juiz a uma posição de centralidade no processo, como

gestor, de modo a conduzir a demanda da forma como melhor lhe convier, dentro de um

critério de suposta eficiência, que é amplo e indeterminado, dando azo à discricionariedade.

Eduardo Luiz Cavalcanti Campos (2018) entende que a eficiência é princípio do

processo, capaz de promover a ressignificação de outros princípios, e, assim, conduzir o

intérprete a se posicionar para o alinhamento do processo a uma gestão não aleatória, mas

direcionada à obtenção da tutela jurisdicional pelo meio mais econômico e sem dilações

indevidas. A esse respeito, Eduardo José da Fonseca Costa posiciona-se contrariamente:

Inúmeras garantias individuais têm sido ultimamente "ressignificadas" [rectius:

mutiladas] à luz do princípio da eficiência. É preciso barrar essa onda neo-

autoritária, porém. Cânones de eficiência estatal não restringem garantias

individuais; decididamente, são garantias individuais que restringem cânones de

eficiência estatal. São as instituições de garantia que "ressignificam" as instituições

de poder, não o contrário. É o procedimento que limita os arroubos da eficiência

jurisdicional, não a eficiência jurisdicional que otimiza o procedimento como se

fosse ele um lego desmontável no formato A e remontável no formato B. (COSTA,

2018, p. 3).

A ressignificação principiológica proposta por Campos induz a perigos consideráveis,

ante a abertura interpretativa dada ao decisor. A decisão será formulada segundo critérios de

eficiência, eivados de precisão e carregados de subjetivismo, de modo a repercutir na

alocação de sentido com carga valorativa, a partir da ressignificação aleatória dos princípios

constitucionais.

Ainda segundo Campos, o princípio da eficiência deve permitir “o preenchimento de

lacunas, mediante criação de mecanismos que contribuam para a eficiência processual, além

de exercer uma função bloqueadora em relação às regras que, no caso concreto, não

contribuem para a eficiência” (CAMPOS, 2018, p. 64). Assim, o autor coloca a eficiência, em

verdade, como um princípio capaz de afastar toda e qualquer norma que, dentro do

Page 151: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

161

entendimento do intérprete (juiz ou tribunal), venha afetar o resultado do processo, o que

enseja a utilização da eficiência como meio de adequação à obtenção da tutela pretendida.

Ao mesmo tempo, Campos, define a eficiência como subprincípio do princípio

democrático, sustentando que, em nome da eficiência, haja preenchimento de lacunas

normativas, com criação pelo juiz de mecanismos permeados de plasticidade, capazes de se

ajustarem e ensejarem afastamento daquilo que denomina formalismo excessivo. Além disso,

defende que a eficiência é direito fundamental e, dessa forma, capaz de afastar a aplicação de

normas que pareçam limitar a fluidez procedimental e estancar a celeridade (CAMPOS,

2018).

Ou seja, defende uma relativização na aplicação das normas processuais, em nome da

eficiência, ao mesmo tempo em que afirma que a eficiência deve cumprir seu papel

direcionador em um nível de comparticipação do juiz e dos sujeitos processuais (CAMPOS,

2018). Esse posicionamento acaba por colocar o juiz em posição de centralidade. Desse

modo, Campos afirma:

Por se tratar de norma constitucional, o princípio da eficiência processual é dirigido

não somente ao juiz, mas também ao próprio legislador, que tem o dever de criar

mecanismos processuais de gestão e de adequação do procedimento, para que o juiz

tenha o instrumental necessário para conduzir o processo com qualidade, menos

custos e em menor tempo, de modo a atingir suas finalidades da melhor forma.

(CAMPOS, 2018, p. 39).

O autor assume uma postura crítica contra o decisionismo do juiz, ao mesmo tempo

em que coloca o juiz em um pedestal, como gestor do processo e criador de mecanismos

procedimentais, mesmo apesar da lei, para atendimento de um eficientismo voltado à

eficiência quantitativa. A ênfase dada por Campos é na redução de custos e celeridade, apesar

da tentativa de vincular a eficiência ao devido processo (CAMPOS, 2018) e sustentar a

necessidade de eficiência da atividade jurisdicional, em evidente confusão entre jurisdição e

processo.

Campos, por vezes, trata da eficiência do processo e, em outras passagens, menciona a

eficiência como sendo da atividade jurisdicional. Invoca as regulações propostas pelo Banco

Mundial como fundamento econômico da eficiência e defende, nessa medida, que a eficiência

seria recomendável em virtude da democracia participativa, e também porque o sistema

jurídico deve se adaptar às diretrizes traçadas pelo Banco Mundial (CAMPOS, 2018).

Quando assume esse posicionamento, filia-se ao entendimento da adoção da eficiência

econômica como diretriz aplicativa das normas processuais, sem se dar conta da matriz

Page 152: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

162

neoliberal que está por trás desse alinhamento e que, conforme já demonstrado, é

absolutamente incompatível com a lógica processual democrática.

Bruno Redondo sustenta que a eficiência pode ser princípio ou postulado normativo, a

depender do contexto de aplicação, considerando-se postulado quando imputa ao juiz o dever

de criar normas procedimentais individuais e concretas, com o objetivo de dar efetividade a

outro princípio vinculado à situação de fato. Lado outro, seria a eficiência considerada

princípio quando impusesse ao Judiciário dever de gestão processual eficiente Assim, para

Redondo, a eficiência seria instrumento para assegurar o cumprimento da lei, sendo, portanto,

dever do Estado, sustentando que deve haver a flexibilização procedimental para que haja

gestão processual adequada às particularidades do caso concreto (REDONDO, 2013).

Cabral entende que a eficiência é postulado normativo 73 , na medida em que “a

eficiência não é um valor em si, mas um instrumento de estruturação das ações

concretizadoras de valores” (CABRAL, 2017a, p. 244, nota). A defesa da eficiência enquanto

postulado normativo coloca carga discricionária na atuação dos julgadores, já que aponta os

valores como condicionantes de uma interpretação e aplicação eficiente das normas, dando

abertura a decisões subjetivas, pautadas em escolhas pessoais.

Assim, para Cabral, eficiência é vinculada ao processo, significando “alocação ótima

de recursos e técnicas processuais, para que se atinjam os escopos do processo, tanto quanto

possível, com a maior qualidade e os menores custos. Deve-se praticar um processo civil de

resultados” (CABRAL, 2017a, p. 247). A noção de eficiência processual defendida pelo autor

mostra-se espraiada na eficiência econômica (alocação ótima de recursos), com vistas à

redução de custos e busca por resultados, e, segundo aponta, “a eficiência processual procura

emprestar racionalidade decisória a partir de critérios de custo-benefício” (CABRAL, 2017a,

p. 250).

Ainda assim, Cabral (2017a) busca compatibilizar a eficiência econômica que defende

à observância das garantias processuais fundamentais e, além disso, coloca a eficiência

processual como “fim a ser buscado também na definição, planejamento, estruturação e

incremento da administração e organização judiciárias” (CABRAL, 2017a, p. 264). Ou seja, o

autor, a partir de um hibridismo peculiar, imbrica eficiência econômica, com necessidade de

flexibilização procedimental para resultados, necessária observância a garantias fundamentais

73 Segundo Humberto Ávila, “a eficiência e a razoabilidade, embora comumente denominadas de princípios pela

doutrina, são examinadas como postulados, na medida em que não impõem a realização de fins, mas, em vez

disso, estruturam a realização dos fins cuja realização é imposta pelos princípios” (2005, p. 3). De acordo com

Redondo, o postulado normativo é “norma que serve de fundamento e para o modo de aplicação de outra

norma (essa, por sua vez, um princípio ou uma regra).” (ÁVILA, 2013, p. 103).

Page 153: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

163

e busca por organização da gestão jurisdicional, em clara indistinção entre jurisdição e

processo.

A maior parte dos juristas considera a eficiência como princípio, embora não haja

posicionamento uniforme acerca da concepção de eficiência, que, conforme já se demonstrou,

é conceito polissêmico, com base na Administração e nas ciências econômicas, tendo sido

introjetada no Direito, sobretudo, pela metodologia do Law and Economics74.

Independentemente de se adotar o entendimento da eficiência como regra, princípio ou

postulado normativo, parece haver uniformidade no entendimento de que o conceito de

eficiência tem vinculação econômica de custo-benefício, bem como coloca o juiz como

criador de uma normatividade que se volta a uma nova racionalidade vincada nos

pressupostos neoliberais de metas e resultados.

Faz-se, portanto, uma ode à eficiência, que se introjeta no ordenamento jurídico com

um discurso baseado na promessa de celeridade, redução de custo, flexibilização

procedimental, a fim de corrigir uma crise fundada na morosidade, a partir de argumentos

simplistas voltados ao lapso temporal. Acusa-se o formalismo do processo de travamento da

tramitação processual, deixando, muitas vezes, de se perquirir acerca do tempo em que o

processo permanece sem andamento em juízo.

O dito formalismo não é capricho ou exagero processual, mas advém da busca de se

assegurar que o processo seja garantia de direitos fundamentais, com a observância ao

contraditório dinâmico, ampla argumentação, imparcialidade e fundamentação racional das

decisões. A eficiência, no entanto, não traz em sua concepção a solicitude de garantir um

processo vincado em garantias constitucionais fundamentais, voltando-se, em viés de Estado

neoliberal, à formulação de decisões obedientes à racionalidade do mercado, que tem base

econômica não aderente aos preceitos democráticos, que preconiza uma construção decisória

comparticipada dos sujeitos processuais.

Realizada a análise da eficiência, a partir do desenvolvimento empreendido por alguns

juristas brasileiros, é importante discorrer acerca de sua incorporação ao CPC/15.

74 Mesmo com diferentes considerações acerca da eficiência, sobretudo, considerando-se a adoção de bases

teóricas distintas, processualistas como Humberto Theodoro Júnior (2015, p. 92), Fredie Didier (2016, p. 100)

e Alexandre Câmara (2016, p. 8), sustentam a eficiência como princípio. A pesquisa aqui desenvolvida não

pretende, por opção metodológica, verticalizar a análise acerca das diversas vertentes adotadas para

conceituação de regras, princípios e postulados normativos, o que necessitaria de uma averiguação

aprofundada do desenvolvimento feito por Humberto Ávila, Ronald Dworkin e Robert Alexy, e não há aqui

essa pretensão, ante a necessidade de delimitação da temática.

Page 154: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

164

6.3 O cerne eficientista de viés quantitativo do CPC/15

O propósito de elaboração de um novo CPC veio da necessidade de se promover uma

nova sistematização que incorporasse os princípios constitucionais de forma íntegra,

viabilizando uma compreensão adequada e em conformidade com o modelo constitucional de

processo.

O CPC de 1973 já havia passado por reformas parciais, sobretudo, após a

promulgação da CRFB/8875, mas lhe faltava sistematização principiológica coerente, capaz de

conferir uma unidade ensejadora de interpretação e aplicação das normas, de modo a garantir

adequação democrática, alinhada a uma compreensão de modelo constitucional de processo.

Essas reformas parciais ensejavam uma “perda de consistência e coesão dos textos

processuais” (BARROS; NUNES, 2010, p. 15), e, desse modo, houve a necessidade de se

formular uma reforma processual global, com a elaboração de uma nova codificação, a que se

denominou reforma macroestrutural (BARROS; NUNES, 2010, p. 21).

Com esse objetivo, portanto, o Senado Federal, por meio do Ato n. 379, de 30 de

setembro de 2009, nomeou uma comissão de juristas para elaboração do anteprojeto de

CPC76. Assim, em 08 de junho de 2010, foi apresentado o anteprojeto ao Senado, o qual foi

convertido no Projeto de Lei do Senado n. 166/10 e que, após aprovação de seu relatório, foi

enviado à Câmara dos Deputados, onde tramitou como Projeto de Lei n. 8.046/10.

Na exposição de motivos do CPC/15, evocou-se a não ruptura com a codificação de

1973, de modo que as reformas processuais pontuais feitas a partir da década de 1990, foram,

algumas delas, mantidas no CPC/15, a despeito da nova sistematização operada. Assim,

reforçou-se, na exposição de motivos: “criou-se um código novo, que não significa, todavia,

uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. Assim, além de conservados os institutos

cujos resultados foram positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam atribuir-lhe

alto grau de eficiência” (BRÊTAS; SOARES, 2016, p. 31).

Ou seja, a eficiência quantitativa foi o mote direcionador da elaboração do CPC/15,

75 Algumas reformas esparsas foram implementadas, por exemplo, a inclusão da antecipação da tutela (Lei n.

8.952/94), a alteração do regime de agravo (Lei n. 9.139/95) e a alteração da execução, operando-se

modificações diversas por meio das Leis ns. 10.352/2001, 10.359/2001 e 10.444/2002. Segundo Dinamarco,

essas reformas pontuais tiveram como objetivo “remover óbices técnico-processuais que se antepõem à boa

fluência do exercício da jurisdição. Proporcionar meios mais ágeis e eficientes para obtenção do acesso à

justiça” (DINAMARCO, 2003, p. 38). 76 A comissão foi composta pelos seguintes juristas: Adroaldo Furtado Fabrício, Bruno Dantas, Benedito

Cerezzo Pereira Filho, Elpídio Donizetti, Teresa Arruda Alvim Wambier, Humberto Theodoro Júnior, Paulo

Cezar Pinheiro Carneiro, Luiz Fux, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos

Santos Bedaque e Marcus Vinícius Furtado Coelho.

Page 155: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

165

tanto pela busca de celeridade, como pela compulsão pela máxima produtividade, pela busca

de resultados e atingimento de metas. No entanto, Barros e Nunes já haviam anunciado,

quando ainda tramitava o Projeto de Lei do Senado n. 166/10, que a proposta de elaboração

do novo CPC deveria comportar a eficiência, tanto em sua concepção quantitativa, quanto

qualitativa, a fim de que, efetivamente, houvesse uma orientação pautada no modelo

constitucional de processo:

A primeira premissa, portanto, é a necessidade de amoldar uma proposta de novo

Código ao sistema processual constitucional e que viabilize uma adaptação

concomitante da busca da eficiência, tanto quantitativa quanto qualitativa –

objetivos diretivos das reformas – com o respeito à legitimidade (pela aplicação dos

princípios processuais constitucionais em perspectiva dinâmica. (BARROS;

NUNES, 2010, p. 29).

Além da necessidade de alinhamento da sistematização processual às premissas

constitucionais, há que se analisarem outros fatores que motivaram a formulação da novel

codificação, já que havia forte apelo eficientista difundido pela orientação neoliberal

recomendada, sobretudo, pelo Banco Mundial. Essa orientação ficou evidenciada a partir do

discurso proferido pelo ministro do STF Luiz Fux, por ocasião da realização de audiência

pública em abril de 2010, na qual a celeridade é colocada como diretriz para a realização da

reforma processual. Assim:

Criada a Comissão, a nossa primeira perspectiva foi exatamente essa: verificar o que

é que conduzia a esse grande obstáculo de prestação de uma Justiça célere e rápida,

como promete a Constituição Federal. E, de certa forma, utilizando os métodos já

usados por Cappeletti para distinguir os seus obstáculos, de Vincenzo Vigoriti, sobre

o custo e a duração dos processos, nós procuramos criar o ideário da Comissão, qual

o de fazer com que a celeridade fosse a nossa mola propulsora, a nossa grande

inspiração, não sem antes verificarmos o que é que representava ou quais as

barreiras com consubstanciavam o verdadeiro acesso a uma Justiça tempestiva.

Chegamos à conclusão de que a Justiça é morosa – e o presidente tem razão

– e não os juízes, porque nós não podemos criar um procedimento da nossa

imaginação, temos que cumprir, nos países de tripartição como o nosso, temos que

cumprir a lei posta, e chegamos à conclusão de que, inegavelmente, o volume de

demandas, o excesso de liturgias e o volume de recursos são, atualmente, os

responsáveis pela demora da prestação judicial. E chegamos à essa conclusão depois

de verificarmos um panorama mundial, onde a maioria dos países de matiz romano-

germânica, como é o nosso, realizaram intensas modificações no seu Código de

Processo Civil.

[…] Para alcançarmos esse escopo de reduzirmos esse volume à própria

duração razoável dos processos, nós procuramos regular os recursos, de tal sorte que

as decisões também sejam... As decisões dos recursos repetitivos, assim como as

decisões da repercussão geral, sejam decisões obedecidas pelas instâncias inferiores,

inclusive pelos juízes de 1o grau. Porque não é razoável que a parte ciente de como

é que o processo vai terminar em relação àquela definição jurídica, ela tenha que

percorrer, anos a fio, para obter a solução judicial que já se antevê pela

jurisprudência predominante, que é aplicável em todo o território nacional.

Mas, por outro lado, nós também consideramos uma série de características

Page 156: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

166

da jurisprudência e demos à jurisprudência a força que ela merece. (SENADO

FEDERAL, 2017).

Há evidente ênfase na busca por celeridade. Desse modo, o ministro Fux indicou

alternativas que a comissão de juristas entendeu como viáveis ao atingimento do objetivo:

informalização dos procedimentos, redução das possibilidades de interposição de recursos e

prestígio das decisões emandas pelos Tribunais Superiores, de modo a vincular as decisões

dos juízes e desembargadores. Assim, tornou-se indubitável a busca por valorização da

jurisprudência, a fim de orientar a formulação de decisões ditas eficientes.

Essa tendência foi reforçada mais uma vez pelo ministro Fux, durante palestra

conferida na XII Jornada Brasileira de Direito Processual, organizada pelo Instituto Brasileiro

de Direito Processual (IBDP), que ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 24 de

agosto de 2018, na qual tratou dos aspectos econômicos do processo77. Na ocasião, o ministro

declarou que há diálogo constante entre os ministros dos Tribunais Superiores e os

economistas da Universidade de Harvard, e que o CPC adotou premissas do Law and

Economics, sobretudo, no tocante à análise econômica da litigância, que foi desenvolvida por

Steven Shavell. Enfatizou, ainda, que se deve extrair do processo a maior eficiência possível,

de modo a se atrair investimentos, já que essa é a orientação do Banco Mundial.

As premissas para formulação do CPC/15 foram vincadas na implementação de

eficiência embasada na metodologia do Law and Economics, sobretudo, aquelas

desenvolvidas por Coase, Posner, Kaplow e Shavell conforme exposto no subcapítulo 5.3, de

modo que essa eficiência tem se prestado à análise de custo-benefício para proteção do

próprio direito que se pretende.

Na análise econômica da litigância, Kaplow e Shavell sustentam que as normas

processuais civis trazem reflexos econômicos em sua aplicação, na medida em que podem

estimular ou desestimular a propositura de ações, assim como as normas interferem na

avaliação das partes com relação à opção de celebrar (ou não) um acordo. Além disso,

Kaplow e Shavell afirmam que é imprescindível que haja uma política corretiva, que se preste

a desincentivar a litigiosidade excessiva, seja por meio da imposição de custos mais onerosos,

seja por meio da formulação de padrões decisórios que possam orientar as partes, de modo a

possibilitar a aferição do custo-benefício do ajuizamento, do acordo ou da interposição de

eventual recurso (KAPLOW; SHAVELL, 1999).

77 Palestra proferida durante a XII Jornada Brasileiras de Direito Processual, organizada pelo Instituto Brasileiro

de Direito Processual (IBDP), que ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em dia 24 de agosto de 2018.

Trata-se de apresentação oral assistida pela autora do presente trabalho, acerca da qual não há registro.

Page 157: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

167

Não foi por acaso que o CPC/15 deu extrema ênfase aos métodos alternativos de

solução de controvérsias (conciliação, mediação e arbitragem), conforme art. 3o, de forma que

todos os envolvidos no procedimento, partes, advogados, juiz, Ministério Público ou

Defensoria Pública, sejam incentivados à busca da composição em quaisquer das fases

procedimentais. Dessa forma, os arts. 319, VII, e 334 do CPC/15 incentivam, desde a

propositura da ação, a manifestação das partes com relação ao interesse pela mediação ou pela

conciliação (BRASIL, 2015).

Aos juízes, é atribuído o dever de promover a tentativa de autocomposição a qualquer

tempo, nos termos do art. 139, V, do CPC/15. Além disso, o CPC/15 cria critérios de

majoração da verba honorária em sede recursal (art. 85, §11), bem como estimula a

uniformização da jurisprudência, a fim de que haja padronização que vá colocar as partes a

optar, de modo racional, por ajuizar (ou não) uma ação ou celebrar acordo, levando em

consideração o entendimento dos tribunais (BRASIL 2015).

A eficiência prevista no art. 8o do CPC/15 é um dos critérios de que dispõem os juízes

e os tribunais para interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. A exposição de motivos

do CPC/15 vincula a eficiência à necessidade de persecução de celeridade e, para isso, opta

pela criação de técnicas que visam otimizar a tramitação processual e o julgamento das ações

propostas.

Assim, o Código prevê o julgamento de demandas por repercussão geral, assim como

a padronização decisória por súmulas e precedentes, além de criar o incidente de resolução de

demandas repetitivas. Ainda com viés eficientista, o CPC/15 buscou enfatizar e fortalecer o

tratamento das convenções processuais (art. 190) e da calendarização (art. 191). Não se pode

olvidar ainda das medidas executivas atípicas (art. 139, IV e VI), que vieram imprimir a

marca da eficiência, inobservando direitos e garantias fundamentais (BRASIL, 2015).

Nunes e Viana explicam que as reformas processuais foram pautadas pelos interesses

de instituições financeiras fortes e também pelo Estado, já que este é um dos maiores

litigantes, a fim de que a eficiência quantitativa, baseada na máxima produtividade, seja o

critério orientador da atividade jurisdicional. A preocupação precípua tem sido com a gestão

do passivo de demandas e não com a adoção de uma perspectiva teórica adequada à formação

das decisões (NUNES; VIANA, 2018).

Dar vazão aos julgamentos das demandas tornou-se imperativo para o atingimento dos

índices de eficiência fixados pelo CNJ. Assim, o CPC, desde o seu anteprojeto, incorporou o

viés eficientista, optando pelo fortalecimento do chamado direito jurisprudencial, a partir da

formação de padrões decisórios, a exemplo dos precedentes e súmulas vinculantes (arts. 926 e

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168

927, CPC/15), tendo-se prestigiado o julgamento de recursos repetitivos (art. 928, II,

CPC/15), além da criação do incidente de julgamento de demandas repetitivas (arts. 976 a

987, CPC/15), de modo a estimular a uniformização da jurisprudência. Nesse sentido, a

padronização decisória tem se prestado a um efeito propagandístico, como se pudesse, de fato,

alavancar os melhores resultados em termos produtivos, por meio do proferimento de

decisões em atacado. Assim:

Cria-se, então, um sistema voltado apenas e tão somente à simplificação do sistema

processual pela criação de padrões decisórios que serão de fácil replicação em lides

análogas, com vistas à aceleração de processos e gerenciamento de causas a

qualquer custo. Nessa perspectiva, a busca desenfreada pela eficiência quantitativa

proposta pela Comissão de Juristas acaba por impor que a jurisprudência,

precedentes e demais decisões vinculantes se tornem a atividade salvífica do Estado-

Juiz como a autoridade adequada a prescrever o que é melhor ou pior para todo o

povo (aqui icônico) em um espaço desprocessualizado e infiscalizável. (MUNDIM,

2017, p. 80).

A padronização decisória macula a qualidade da formulação das decisões

jurisdicionais, na medida em que há redução do campo dialógico discursivo, com

comprometimento do contraditório, que se perfaz já desde o momento da elaboração das

súmulas. A escolha de uma causa-piloto que vá repercutir na decisão sobre determinados

temas, constitui-se em teses abstratas, que podem não se amoldar aos demais casos levados à

apreciação do Judiciário.

Ou seja, os debates prévios, que contribuem para a elaboração das súmulas,

normalmente não são publicizados, o que fragiliza a ratio decidendi, já que inexistente um

esclarecimento consistente acerca da súmula que vá levar a uma acomodação precisa ao caso

concreto. Essa afirmação se faz com base no resultado da pesquisa elaborada por

pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com subsídios do CNJ,

intitulado A força normativa do Direito Judicial: uma análise da aplicação prática do

precedente no Direito brasileiro e de seus desafios para a legitimação da autonomia do

Poder Judiciário, que, ao analisar a formação das súmulas, assim concluiu:

A pesquisa constatou […] que tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o

Supremo Tribunal Federal não disponibilizam os debates sobre a instituição das

súmulas sem efeitos vinculantes, mesmo eles existindo e tendo previsão no

Regimento Interno de ambas as Cortes. A ausência de publicação dos debates

também tornou impossível a identificação do leading case, o que de certa forma

prejudica o intérprete em sua tarefa de aplicar as técnicas do distinguish e do

overruling. […] É possível afirmar, por meio da análise realizada pela pesquisa, que

as súmulas podem ser importante instrumento para a busca da segurança jurídica, da

previsibilidade, da proteção à confiança e o respeito à igualdade. Entretanto, elas

podem comprometer o processo de individualização do direito, a partir do momento

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169

em que as instâncias ordinárias do Poder Judiciário passam a aplicá‐las sem uma

justicativa plausível, que vise não apenas à celeridade processual, mas também à

efetividade do processo. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015, p. 51-52).

Em nome da eficiência, fixa-se a clara intenção de julgamento massificado, a partir da

utilização de padrões decisórios, de modo a se atingirem as metas de julgamento estipuladas

pelo CNJ e recomendadas pelo Banco Mundial, o que refletiu de maneira clara na elaboração

do CPC/15. No entanto, essa perspectiva eficientista, que priva os sujeitos processuais de

verem publicizadas as razões de formação dos padrões decisórios, compromete a necessária

transparência do processo, além de comprometer o contraditório, o que não se compatibiliza

com a matriz teórica do modelo constitucional de processo.

Para a implementação da eficiência, em termos quantitativos, além da utilização de

técnica de aceleração de julgamentos, por meio dos padrões decisórios, o CPC/15 buscou a

simplificação do sistema recursal, ao qual se impingiu a pecha de ser causador de parte da

morosidade e ineficiência na tramitação processual. Assim, com relação à sistemática do

agravo, extinguiu-se o agravo retido previsto no CPC/73, permanecendo o agravo de

instrumento, que conta com um rol taxativo de hipóteses de interposição, reduzindo-se, assim,

as possibilidades de impugnação das decisões interlocutórias de forma imediata (art. 1.015,

CPC/15).

Essa sistemática de um rol casuístico para interposição do agravo de instrumento foi

desenvolvida com o fito de obtenção de celeridade, sem observar, no entanto, que essa

limitação, ao contrário, poderia gerar comprometimento da efetividade e da razoável duração

do processo:

Verificou-se que o artigo 1.015, do CPC […] não está em consonância com o

processo constitucional democrático, na medida em que pode ser fonte para o

desrespeito de alguns direitos e garantias fundamentais. Nesse aspecto, constatou-se

[…] que a opção por um rol taxativo e a modificação do regime de preclusão, sob a

justificativa de gerar um processo mais célere e mais democrático, simplificando o

sistema recursal, pode, na verdade, causar um efeito reverso ao pretendido, em clara

ofensa à garantia da duração razoável do processo. Isso porque, determinadas

nulidades, não agraváveis de instrumento, somente poderão ser arguidas em

preliminar de apelação ou contrarrazões e, se acolhidas, podem promover a

invalidação de todos os atos processuais depois de encerrada a sua tramitação,

gerando idas e vindas procedimentais. Ademais, verificou-se que o fato de haver a

postergação da recorribilidade das decisões interlocutórias para o momento da

apelação pode ensejar um considerável aumento da complexidade deste recurso,

sendo necessária, então, uma análise individualizada dos processos, tornando-se um

obstáculo à padronização dos julgamentos. (ARAGÃO, 2018, p. 154).

A questão da taxatividade do rol do art. 1.015 do CPC/15 tem sido questionada junto

aos tribunais, de forma que houve a afetação do tema, que está em discussão no Superior

Page 160: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

170

Tribunal de Justiça (STJ), por meio do REsp n. 1.704.520/MT), a fim de que se avalie a

possibilidade de interpretação extensiva do rol veiculado no art. 1.015, com ampliação das

hipóteses de cabimento do agravo de instrumento.

Com relação aos recursos especial e extraordinário, a redação original do art. 1.030 do

CPC/15 previa a remessa dos mesmos ao STJ e STF, respectivamente, independentemente do

prévio juízo de admissibilidade nos tribunais a quo. No entanto, antes mesmo da entrada em

vigor do CPC/15, a Lei n. 13.256/16 procedeu à alteração do artigo, de modo que, a partir de

então, atribuiu-se a análise da admissibilidade dos mencionados recursos ao Presidente ou

Vice-Presidente do juízo recorrido.

Ou seja, a admissibilidade, a ser avaliada pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais

Regionais Federais, acaba por impedir a possibilidade de superação dos precedentes, o que se

mostra um contrassenso diante da perspectiva processual democrática, que propugna pela

ampla possibilidade discursiva que, nesse caso, sofreu esvaziamento. A esse respeito,

Theodoro Júnior e outros se manifestaram:

Tal restrição pode promover um engessamento da interpretação jurídica e se mostra

completamente contrária à garantia do devido processo constitucional. Trata-se

inclusive de hipótese na qual o Vice-Presidente poderá, por inconstitucionalidade

material da regra, promover a declaração de sua ilegitimidade inconstitucional in

concreto. E se o tribunal que forma o precedente é o único que pode superá-lo,

tecnicamente a reforma da Lei n. 13.256/2016 seria inconstitucional caso inviabilize

o acesso aos Tribunais de sobreposição. (THEODORO JÚNIOR et al, 2016, p. 387).

O intuito dessa alteração promovida pela Lei n. 13.256/16 foi o de incutir eficiência, a

partir de um juízo de admissibilidade que decota a possibilidade de análise recursal pelo STF

e STJ, de modo a inviabilizar qualquer possibilidade de debate capaz de repercutir na

superação dos precedentes formulados. As hipóteses para negativa de seguimento dos

recursos especiais e extraordinários, elencadas no inciso I, do art. 1.030 do CPC/15, tornam os

padrões decisórios insuperáveis e intransponíveis, amordaçando o processo democrático78.

Logo, fica evidente que o CPC/15 possui discurso pautado em celeridade, redução de

custos e previsibilidade, sendo algumas modificações voltadas ao atingimento da eficiência

quantitativa, tão cara aos preceitos do Banco Mundial e estreitamente mensuradas pelo CNJ.

Cumpre, então, analisar qual é o impacto decorrente da inserção do critério da

78 Não se compreende, na presente pesquisa, por demarcação metodológica, a intenção de aprofundamento nos

temas de precedentes, incidentes de resolução de demandas repetitivas e tampouco do sistema recursal.

Buscou-se aqui tão somente demonstrar de que modo o critério da eficiência permeou a formulação do

CPC/15, buscando a massificação de julgamentos e a simplificação recursal, a fim de se dar vazão aos

julgamentos.

Page 161: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

171

eficiência na capitulação que trata das normas fundamentais do processo.

6.4 A eficiência como norma fundamental do processo e como critério de aplicação do

ordenamento jurídico

Conforme amplamente demonstrado, a busca por eficiência serviu de baliza para a

formulação do CPC/15, tendo-se fomentado a elaboração normativa voltada à persecução,

sobretudo, de celeridade.

Desse modo, na parte geral do CPC/15, Capítulo I, que dispõe acerca das normas

fundamentais do processo civil, insere-se o art. 8o, que estatui que “ao aplicar o ordenamento

jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e

promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a

razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (BRASIL, 2015).

Não parece sem razão que a eficiência tenha sido alocada dentro da capitulação que

trata das normas fundamentais do processo civil, em um artigo que aponta os critérios de

aplicação do ordenamento jurídico pelos julgadores. O artigo em comento traz critérios

maculados de indeterminação (bem comum e fins sociais, por exemplo), viabilizando

inúmeras formas de se interpretar e aplicar o ordenamento jurídico, de modo a permitir o

protagonismo judicial.

Essa abertura semântica aquiescida pelo art. 8o do CPC/15 permite que haja a

formulação de decisões em que se aloca o subjetivismo do julgador, já que a fundamentação

vai se pautar nesse indeterminismo permissivo de interpretações variadas, dificultando o

balizamento discursivo previsto pelo modelo comparticipativo de processo. A indeterminação

dos conceitos jurídicos trazidos no art. 8o do CPC/15 mostra-se viável aos anseios neoliberais,

na medida em que comporta sentidos que podem ser direcionados à proteção de interesses do

mercado.

A eficiência pautada no art. 8o do CPC/15 tem seu eixo de formulação no art. 5o da Lei

de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)79, que dispõe: “na aplicação da lei, o

juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (BRASIL,

1942). Nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno explica que, de fato, esse artigo tem

supedâneo no artigo da LINDB, estabelecendo “as diretrizes que devem guiar o magistrado na

79 Sob a égide da Constituição brasileira de 1937, criadora do Estado Novo de caráter autoritário, que extirpou a

liberdade, a independência entre as três funções do Estado e o próprio federalismo, assim como desmantelou o

Congresso Nacional, foi outorgado o Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB).

Page 162: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

172

aplicação (interpretação) do ordenamento jurídico” (BUENO, 2014, p. 43).

A LINDB traz em si um caráter autoritário, desvinculado da concepção democrática,

tendo sido formulada antes da CRFB/1988, em ocasião em que, segundo a teoria do processo

como relação jurídica, o processo se colocava como instrumento da jurisdição, e o juiz era

alçado à posição de superioridade em detrimento das partes, para atendimento de escopos

metajurídicos, entre os quais, inseriam-se o fim social e o bem comum (DINAMARCO,

1993).

Assim, o juiz era visto como cumpridor de uma atividade salvífica, a quem competia

conduzir o processo, interpretando e aplicando o ordenamento jurídico, com base em critérios

axiológicos, desvinculados, portanto, de uma construção decisória processualizada e de bases

democráticas. Ou seja, mostra-se paradoxal incluir entre as normas fundamentais do processo

civil, no CPC/15, um artigo que guarda estreita vinculação com o Decreto-Lei n. 4.657 de

1942 (LINDB), maculado pela ausência de caráter democrático. Nesse sentido:

O artigo 8o ainda é problemático, pois traz em seu conteúdo as mesmas ideias

típicas do Estado Social, que foram absorvidas por Cândido Rangel Dinamarco, de

que a autoridade judicante (juiz) deve se ater aos fins sociais e às exigências do bem

comum, não passando o processo como mero instrumento estatal para a garantia de

tais escopos advindos do senso de justiça do juiz. Tal ideia vai de encontro ao que

dispõe a Constituição e não se coaduna com a democracia. (MUNDIM, 2016, p. 66).

Desse modo, o art. 8o do CPC/15, que introjeta a eficiência como norma fundamental

do processo civil, traz em si fortes resquícios da instrumentalidade de vestes bülowianas e

assimetria dos sujeitos processuais, em desacordo com a necessidade de constitucionalização

da codificação civil vincada no modelo constitucional de processo, que preconiza uma

construção decisória comparticipada.

Esse aporte instrumentalista decorreu da socialização processual, surgida no final do

século XIX, a partir da sistematização operada por Menger, Klein e Bülow, tendo corroborado

para o fortalecimento dos juízes e dos tribunais em detrimento das partes, que se viram, nessa

medida, em subalternidade (NUNES, 2008a).

Essa postura dos juízes e dos tribunais, portanto, colocava o Estado em posição

paternalista (e sacral), como se imbuído de potencialidade para dirimir a totalidade das

demandas sociais. Esse estatalismo, no entanto, foi ensejador do protagonismo judicial, cujas

raízes deverão ser averiguadas.

O protagonismo vem a ser uma atuação do Judiciário em nível solipsista, de modo que

as decisões sejam formuladas de acordo com convicções, preferências, valores pautados na

Page 163: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

173

sensibilidade e subjetividade do julgador, preterindo os argumentos e provas produzidos pelos

demais sujeitos processuais. Ou seja, a decisão jurisdicional solipsista é permeada de

discricionariedade e do senso de justiça do julgador, que deixa de expurgar de seu

pronunciamento os fundamentos axiológicos que maculam a formulação decisória

procedimentalizada e, portanto, democrática. Cumpre esclarecer que esse protoganismo traz

em si a vertente da judicialização da política, segundo a qual, o Judiciário é instado a proferir

decisões jurisdicionais, com conteúdo político, que competiriam ao Executivo ou ao

Legislativo (STRECK, 2017).

Trata-se de atuação circunstancial decorrente de demandas normalmente complexas,

que acabam por desaguar no Judiciário, como se este fosse uma válvula de escape capaz de,

prodigiosamente, decidir aquilo que as demais esferas estatais não lograram êxito em

deliberar. Por sua vez, o ativismo judicial diz respeito a uma atuação do Judiciário para além

de suas efetivas atribuições constitucionais (TASSINARI, 2012).

O art. 8o do CPC/15 opera uma possibilidade de abertura interpretativa e de aplicação

do ordenamento jurídico, na medida em que coloca conceitos jurídicos indeterminados

capazes de subsumir inúmeros entendimentos, permeados de subjetivismo e vieses

valorativos, o que dificulta sobremaneira a construção decisória racional pelos sujeitos

processuais.

Com relação, especificamente, à eficiência, esta é apontada como critério de

otimização de resultados e metas fixadas, que corrobora para a celeridade e maximização da

riqueza. Já se demonstrou que a eficiência preconizada pelo Banco Mundial e introjetada no

CPC/15 é preponderantemente aquela de cunho quantitativo, o que fica evidenciado também

na exposição de motivos dessa codificação.

Posner, ao defender uma análise econômica para o proferimento de decisões

jurisdicionais (o que foi minudenciado no subcapítulo 4.3.2), acaba por sustentar uma atuação

dos juízes de modo discricionário, a partir da formulação de decisões que venham a

maximizar as riquezas ou que visem alcançar os resultados pretendidos. Essa atuação, a partir

de lacunas normativas ou de uma abertura interpretativa, conforme defendido por Posner, se

compatibiliza com a permissividade semântica colocada pelo art. 8º do CPC/2015, de modo a

atender aos ditames neoliberais.

Ao tratar das intenções e determinações colocadas pelo Banco Mundial, Mattei e

Nader já haviam indicado que “a eficiência devia tornar-se o princípio condutor da

interpretação jurídica” (MATTEI; NADER, 2013, p. 168). Desse modo, o CPC/15 não havia

como se desvencilhar dessa orientação e chancelou, por meio do art. 8o, a indicação da

Page 164: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

174

eficiência como critério decisório. Essa eficiência, porém, vem permeada de todas as máculas

de cunho neoliberal, que busca quantificação, números e resultados, em uma análise de custo-

benefício de orientação mercadológica.

É necessário que os sujeitos processuais saibam onde pisam, a fim de afastar a

aplicação do ordenamento jurídico de modo conflitante com a construção democrática.

Portanto, cumpre desvelar a eficiência, de modo a que se desconstrua essa mitificação em

torno da expressão, como se fosse um critério ou orientação coadunável com o processo

democrático, enquanto, em verdade, serve de máscara para a implementação violenta das

políticas econômicas neoliberais.

Page 165: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

175

7 DA DESCONSTRUÇÃO DA EFICIÊNCIA E DA SUA NECESSÁRIA

RESSIGNIFICAÇÃO A PARTIR DO ALINHAMENTO À EFETIVIDADE DO

PROCESSO

A hipótese aventada na presente pesquisa é de que a eficiência é conceito que deve se

vincular à jurisdição, ou seja, deve-se falar em eficiência da jurisdição e efetividade do

processo, esta última entendida como observância de direitos e garantias fundamentais. Para

que haja eficiência da jurisdição, antes, deve haver efetividade do processo, a fim de que se

implemente o modelo constitucional de processo.

Além disso, importante enfatizar que o conceito de eficiência tem origem econômica

de matriz neoliberal, e, por isso, deve haver a desconstrução do conceito e sua posterior

reconstrução para alinhamento ao modelo constitucional de processo.

7.1 Direito como violência e poder: a eficiência e a necessidade de sua desconstrução

A eficiência é expressão provida de mascaramento e maniqueísmo, sendo seu discurso

pautado em uma relação de contraposição com expressões como ineficiência e morosidade,

que são dotadas de apelo negativo. Guarnecida, portanto, de um discurso estrategicamente

sedutor, a eficiência traz em si um conteúdo de ordem utilitarista, neoliberal, não aprazível

com a defesa de direitos e garantias fundamentais, tratando-se de uma palavra perigosa,

obscura, que camufla uma política econômica neoliberal incompatível com a democracia

(AVELÃS NUNES, 2016) e com a implementação de um modelo constitucional de processo.

Essa incompatibilidade decorre do fato de que a eficiência possui matriz econômica,

voltada para a relação de produtividade e resultados de rigor matemático. O Direito, ao

contrário, não é aferido por critérios matemáticos, e o processo requer preceitos voltados à

proteção de direitos e garantias fundamentais constitucionais. Fica evidente, portanto, que a

eficiência traz finalidade quantificadora, enquanto o processo democrático tem espeque na

construção decisória comparticipada.

Compatibilizar a interpretação e a aplicação eficiente do ordenamento jurídico (art. 8o,

CPC/15) com o processo democrático vai depender de uma desconstrução (no sentido

apontado por Derridá) da eficiência, para, a partir daí, viabilizar-se a sua reconstrução, por

uma perspectiva alinhada à efetividade do processo, enquanto garantia de direitos

fundamentais.

Necessário, assim, avaliar o poder como violência, sobretudo, quando esse poder vem

Page 166: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

176

da lei, que deve ser cumprida, observada pelos sujeitos, que, normalmente, não buscam

perquirir os fundamentos dessa obediência, quem dirá questionar a própria norma e os vieses

de sua formulação, que podem estar destituídos de democraticidade. Há uma obediência e

uma aplicação do ordenamento jurídico, muitas vezes, de forma autômata, o que acaba por

objetificar os sujeitos, que se tornam massa de manobra para atendimento dos anseios de uma

política econômica mercadológica voltada à maximização da riqueza.

Benjamin sustentou que o exercício do poder vincula-se, historicamente, à violência,

além de ter defendido que essa violência foi implementada pela linguagem, na medida em que

a mesma consolida entendimentos e se propaga, reproduzindo o conteúdo construído pela

autoridade, pelos detentores do poder. Assim, em seu artigo intitulado Sobre a crítica do

poder como violência, Benjamin utilizou o termo Gewalt para designar tanto o poder, quanto

a violência, já que a expressão alemã é dotada de intercambialidade entre as acepções

mencionadas, podendo ainda se traduzir na negação do Estado de Direito (OLIVEIRA, 2016).

Partindo desse ponto, Benjamin afirma que a relação entre Direito e justiça viabiliza a

formulação de críticas à Gewalt, a partir de uma reflexão moral, em que a violência pode ser

tida como legítima ou ilegítima, além do que a violência é usada como meio e não como fim,

não possuindo sentido próprio, sendo mais precisa quando relacionada com o poder

(BENJAMIN, 2012). Assim, entende que o Direito se funda a partir da violência e se mantém

pela mesma forma, sendo a garantia do exercício do poder.

Derridá dialoga com Benjamin, em termos teóricos, e formula um entendimento

acerca da desconstrução, que foi por ele desenvolvido, primeiramente, em sua obra

Gramatologia, de 1973. Explica que a linguagem é capaz de construir uma imagem, assim

como a própria consciência dos homens. Defende que, nesse sentido, é preciso que se

investigue essa ideia de representação do real, o que se faz pela linguagem, como se a fala

fosse o atributo de constituição do homem.

Em 1994, Derridá publicou a obra Força de Lei: fundamento místico da autoridade,

na qual escreveu sobre a desconstrução e a possibilidade de justiça, além de destacar que há

uma imbricação insuperável entre lei e força, sustentando, nesse sentido, que “as leis não são

justas como leis. Não obedecemos a elas porque são justas, mas porque têm autoridade”

(DERRIDÁ, 2007, p. 21).

Explica, ainda, que a autoridade da lei advém de um ato de fé, de uma crença, não

sendo racional, o que o leva a inferir que há um “fundamento místico da autoridade”

(DERRIDÁ, 2007, p. 21). Decorre desse entendimento, a afirmação de que a lei é permeada

de violência, na medida em que a autoridade que dela advém é fundada na própria lei. Assim,

Page 167: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

177

Derridá vai sustentar que o Direito deve ser descontruído, de modo que haja o desvelamento

do texto, que é sempre interpretado e vai sendo reinventado, ressignificado, a fim de que, a

partir dessa desconstrução, seja possível chegar-se a um ideal de justiça. Nesse sentido:

O direito é essencialmente desconstruível, ou porque ele é fundado, isto é,

construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis [...], ou porque

seu fundamento último, por definição, não é fundado. Que o direito seja

desconstruível, não é uma infelicidade. Pode-se mesmo encontrar nisso a chance

política de todo progresso histórico. [...] A desconstrução é a justiça. (DERRIDÁ,

2007, p. 26-27).

Para Derridá (2007), a justiça está fora do Direito e, por esse motivo, não é

desconstruível. O Direito, por sua vez, seria uma possibilidade de realização da justiça, no

entanto, pode ser desconstruído, por envolver interpretação de uma textualidade.

Agamben (2010), por sua vez, retoma as teses de Benjamin, também entendendo o

Direito como violência, questionando a relação entre poder constituinte e poder constituído, já

que o poder constituinte seria fundado em violência que acaba por ser chancelada e

conservada pelo poder constituído. Assim, a partir de uma força dita soberana, a lei vigora,

mas fica esvaziada de um significado, sendo o conteúdo vazio preenchido pela vontade do

próprio soberano. Desse modo, Agamben sustenta que “a vida sob uma lei que vigora sem

significar assemelha-se à vida no estado de exceção” (AGAMBEN, 2010, p. 58).

Ou seja, o significado da lei, com toda a sua violência, é dado pelo soberano, e, assim,

Agamben (2010) cogita a desconstrução, pois os textos foram sendo formulados sem uma

significação compatível com a própria vigência. Além disso, afirma que, em razão disso, o ser

é a-bando-nado, no sentido de ser submetido à lei, ainda que essa lei não tenha sido

formulada para uma significação alinhada com aquele que se submete a essa mesma lei. O

significado é dado pelo soberano, que utiliza a violência como meio e pensa o Direito como

fim. Esse nexo entre violência e Direito é nomeado vida nua e, por sua vez, imbrica-se ao

poder soberano (AGAMBEN, 2010).

Considerando, assim, que os textos são construídos e interpretados a partir de crenças,

dogmas, preconceitos, sendo neles incutidas distorções que se amoldam, propositadamente, a

interesses daqueles detentores de poder, Derridá propõe que haja uma desconstrução do

sentido do texto, a fim de que haja desvelamento, bem como para que se verifique o iter de

formulação dos sentidos e o que esse sentido dado, de fato, vem propor. Acerca da

desconstrução proposta por Derridá, Borradori explica:

Page 168: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

178

A desconstrução procura desmontar qualquer discurso que se apresente como

“construção”. Levando em conta que a filosofia trata de ideias, crenças e valores

construídos dentro de um esquema conceitual, o que se descontrói é a maneira como

eles se mantêm unidos em um determinado esquema. (BORRADORI, 2004, p. 147).

Acerca da expressão desconstrução, cumpre esclarecer que a escolha de Derridá pela

utilização do termo decorre dos diálogos que promoveu com Martin Heidegger, nos quais

utilizou a palavra Destruktion ou Abbau, buscando investigar o sentido do ser no tempo (DE

MENESES, 2008). Assim, a Destruktion buscava atuar sobre a estrutura dos conceitos

fundamentais, de modo a, efetivamente, desconstruir o sentido.

A desconstrução derridiana não se trata de método analítico, mas de uma intervenção

para desestabilizar a estruturação do sentido. Dessa forma:

A desconstruçao é a abertura do texto e da linguagem. […] Derridá entendeu que a

significação de um texto dado […] era o resultado da diferença entre as palavras

usadas, mais do que a referência às coisas que elas representam. A desconstrução

age a partir de uma diferença activa, que trabalha no vazio o sentido de cada uma

das palavras, que se lhe opõem de forma análoga à significação diferencial. (DE

MENESES, 2013, p. 180).

Segundo essa perspectiva derridiana, há que se desnudar a estrutura de formulação

textual, a fim de que sejam aclarados os sentidos da própria textualidade, assim como podem

ser expostas as expectativas que circundaram a alocação do sentido dado. De acordo com

Gomes, “a desconstrução é uma ideia não de destruição, mas de desconstruir, desmontar um

texto para recuperar a memória das coisas e das camadas heterogêneas que compõem um

conceito” (GOMES, 2017, p. 131).

Essa desestabilização do texto proposta por Derridá se faz pela necessidade também

de aferição do sentido, a partir da averiguação das oposições e dos pares conceituais

irredutíveis, já que é corriqueiro que o sentido seja dado exatamente pela oposição, pelo não

ser, a exemplo do que ocorre com as antinomias masculino e feminino, universal e particular

(BORRADORI, 2004).

Da mesma forma, a eficiência se opõe às concepções de ineficiência, morosidade,

lentidão e burocracia. E, estrategicamente, utilizando-se dessa antinomia, os discursos vão se

construindo a partir do sentido daquilo que o seu oposto vem traduzir. No caso da eficiência,

por exemplo, a busca por ela vem da fuga da lentidão e da burocracia, dando ensejo, então, à

persecução de celeridade e de uma gestão desburocratizada, sem perquirir, no entanto, se

esses objetivos fixados são compatíveis com o próprio sentido da eficiência que se pretende

no modelo constitucional de processo. Segundo Borradori (2004), essa inversão tem o condão

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179

de refletir escolhas estratégicas e ideológicas, mais do que revelam uma descrição das

caraterísticas específicas dos pares.

Essa estratégia de alocação do sentido é utilizada no Direito, pela força da lei como

violência, já que o Direito traz uma textualidade performativa. Isso significa que o texto traz a

linguagem e o sentido conforme a autoridade quer que se entendam, não trazendo, o texto,

uma narrativa da realidade. Ou seja, a realidade é criada pela fala performativa da lei, sendo

essa uma utilização estratégica do Direito e que, por isso, precisa ser desconstruída

(DERRIDÁ, 2007). A criação normativa camufla os fundamentos de sua gênese, pelo que se

impõe como ato performativo, passível, portanto, de uma intervenção para desconstruir e

elucidar os sentidos e fundamentos construtivos dessa normatividade.

Assim, Derridá propõe o estabelecimento de uma differránce, que é um termo por ele

criado a partir de differénce, a fim de demonstrar a performatividade dos atos de fala e escrita,

na medida em que, embora haja a mesma pronúncia das palavras, a escrita em si se diferencia.

Isso quer dizer que um texto precisa ser desconstruído, decomposto em sua estrutura, para que

as diferenças de significação sejam evidenciadas, assim como expostas as estratégias que

incentivaram a sua formulação.

Gomes explica que Derridá “aponta que a força […] discutida é força diferida, é força

como différance, uma relação entre força e forma, força e significação, é a força do

performativo ou força performativa” (GOMES, 2017, p. 130).

A partir do exposto, infere-se que a desconstrução derridiana é capaz de se

compatibilizar com a formulação decisória, dentro de uma perspectiva processual

democrática, permitindo a perquirição e o desvelamento do texto normativo, para, a partir

dessa desconstrução, permitir aos sujeitos processuais que promovam a diferença, a partir dos

argumentos e das provas produzidas, a fim de que haja a construção decisória

processualizada, dentro de uma perspectiva comparticipada e no eixo estrutural do modelo

constitucional de processo.

O que se pode propor, portanto, é que se desvele o sentido normativo, a fim de extirpar

a violência imposta pela lei e, sobretudo, da violência que se emprega ao impor o sentido da

lei. A partir disso, é necessário que haja cooperação entre os sujeitos processuais, de modo

que tragam os argumentos de fato e de direito que corroborem para a formulação de uma

decisão comparticipada, envolvendo uma discursividade capaz de ensejar a configuração de

processo que se pretende no Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, a eficiência apontada como critério de interpretação e aplicação do

ordenamento jurídico (art. 8º do CPC/15) somente pode ser entendida, enquanto norma

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180

fundamental do processo civil, se despida do viés neoliberal que a macula, ao mesmo tempo

em que se compatibilizar com a principiologia constitucional, conforme preconiza o modelo

constitucional de processo, de modo que haja integração fundamental entre eficiência da

jurisdição e efetividade do processo.

Caso não haja essa desconstrução apontada, a fim de desvelar o caráter neoliberal da

eficiência, ressignificando-a de modo a compatibilizá-la com a efetividade do processo –

enquanto garantia de direitos fundamentais -, a eficiência será traduzida a mero critério de

interpretação e aplicação do ordenamento, com vistas a, simplesmente, servir de suporte para

manutenção dos interesses neoliberais.

Desse modo, cumpre avaliar o sentido que se pretende conferir à eficiência, a partir de

uma reconstrução pela categoria teórica do modelo constitucional de processo. Essa

reconstrução almeja uma adequação que vá extirpar a violência da lei e que, a partir da

demarcação da eficiência da jurisdição e da efetividade do processo, vá repercutir em uma

configuração processual democrática.

7.2 Eficiência da jurisdição e efetividade do processo: distinção fundamental

Embora haja alguma tentativa de se demarcar o sentido de eficiência e efetividade, os

conceitos se diferem de acordo com a área de estudo a que se vinculam (por exemplo,

Administração, Ciências Econômicas e Direito), e o que se infere é que, por derradeiro, as

expressões mantêm-se com alto nível de indeterminação. Mais que isso, acabam por imiscuir-

se, de modo a se cogitar a hipótese estratégica desse obscurantismo que se impõe como um

phármakon, já que a eficiência e a ineficiência têm servido como rigoroso fundamento para

que a ideologia neoliberal seja implantada nos países em desenvolvimento, vez que imersos

em uma crise de diversificadas matizes e dimensões. Explicando o que seria esse phármakon,

Derridá, em sua obra A Farmácia de Platão, reforçou a hipótese da violência estratégica

contida nos textos, sobretudo, normativos, e, dessa maneira, formulou:

Um texto só é um texto se ele oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei

de sua composição e a regra de seu jogo. Um texto permanece, aliás, sempre

imperceptível. A lei e a regra não se abrigam no inacessível de um segredo,

simplesmente elas nunca se entregam, no presente, a nada que se possa nomear

rigorosamente uma percepção (DERRIDÁ, 2005, p. 7).

[E, assim, Derridá explica:] Esse phármakon, essa “medicina”, esse filtro, ao

mesmo tempo remédio e veneno, já se introduz no corpo do discurso com toda sua

ambivalência. Esse encanto, essa virtude de fascinação, essa potência de feitiço

podem ser — alternada ou simultaneamente — benéficas e maléficas. O phármakon

seria uma substância, com tudo o que esta palavra possa conotar, no que diz

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181

respeito a sua matéria, de virtudes ocultas, de profundidade críptica recusando sua

ambivalência à análise, preparando, desde então, o espaço da alquimia, caso não

devamos seguir mais longe reconhecendo-a como a própria anti-substância: o que

resiste a todo filosofema, excedendo-o indefinidamente como não-identidade, não-

essência, não-substância, e fornecendo-lhe, por isso mesmo, a inesgotável

adversidade de seu fundo e de sua ausência de fundo. (DERRIDÁ, 2005, p. 14).

Desse modo, há que se buscarem os vieses ocultos existentes dentro dos textos, para

que, ao final, seja possível extirpar a violência que dele advém. No caso, cumpre avaliar a

eficiência e como esse conceito estratégico se articula com a efetividade e com a eficácia.

Buscando aporte filosófico em Nicolai Hartmann, filósofo alemão, este expôs que

efetividade (Wírklíchkeít) é a possibilidade real (HARTMANN, 1938, p. 266). E, ainda, de

acordo com Lalande, efetivo é o “que existe realmente, em oposição ao que só é possível”

(LALANDE, 1993, p. 289). Ou seja, a efetividade vincula-se a uma noção de real e

necessário. Por sua vez, a eficiência não é um termo de origem filosófica (ABBAGNANO,

2000) e se mostra rotineiramente vinculado ao termo eficácia, que é tudo o “que produz o

efeito para o qual se tende (em oposição a ineficaz)” (LALANDE, 1993, p. 289).

Portanto, a configuração conceitual de eficiência, efetividade e eficácia mostra-se com

algum grau de maleabilidade, tendo sido transplantada para o Direito, assumindo uma

modelagem variativa, sobretudo, no processo. Nesse sentido, Cabral, Eduardo Costa e Cunha

adotam semelhante concepção de que a eficácia é qualidade, aptidão ou capacidade da norma

ou do fato jurídico para produzir efeitos, ainda que esses efeitos esperados não sejam

produzidos, sendo, portanto, uma noção lógico-normativa vinculada à consequência do fato

jurídico (CABRAL, 2017a; COSTA, 2005; CUNHA, 2014).

Há entendimento de que a efetividade esteja relacionada ao cumprimento das normas

jurídicas (CUNHA, 2014) e à concretização de uma eficácia social, enquanto introjeção

concreta da norma no mundo dos fatos em um nível empírico, relacionando-se ao resultado

preestabelecido (CABRAL, 2017a). E a eficiência, por sua vez, vincula-se à medida entre

meios empregados e resultados alcançados (CUNHA, 2014; CABRAL, 2017a).

Cunha defende que “o princípio da eficiência identifica-se com a chamada eficiência

qualitativa” (CUNHA, 2014, p. 76). Afirma, ainda – e, nesse sentido, está correto –, que

eficiência e efetividade não se confundem. No entanto, traz concepção de efetividade voltada,

simplesmente, à mera resolução de demandas jurisdicionais e, dessa forma, dimensiona a

efetividade a uma posição minimalista e utilitarista, voltada à técnica procedimental que vá

gerar resultado mais eficiente ao processo, e, quando faz essa afirmação, parece imiscuir

eficiência quantitativa, eficiência qualitativa e efetividade.

Page 172: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

182

A eficiência qualitativa, enquanto se volta à formulação de decisões cunhadas segundo

critérios voltados ao modelo constitucional de processo, coloca-se vinculada à efetividade,

enquanto observância de direitos e garantias fundamentais. Ao contrário, Cunha afirma que “o

devido processo legal [...] há de ser capaz de flexibilizar-se, adaptar-se ou adequar-se às

peculiaridades de cada situação concreta, prestando tutela jurisdicional diferenciada e sendo,

enfim, eficiente” (CUNHA, 2014, p.76).

Sendo o processo garantia de direitos fundamentais, este não se flexibiliza para

atendimento dos ditames da eficiência. O que pode se adaptar é a técnica processual, mas as

garantias não são flexíveis e precisam ser rigorosamente observadas. Não se pode admitir

flexibilização das garantias do contraditório, ampla argumentação, imparcialidade e

fundamentação racional das decisões. Aroldo Plínio Gonçalves (1992), ao discorrer acerca da

instrumentalidade técnica do processo, explica que esta decorre da elaboração de uma

estrutura adequada e ágil para a finalidade de formar um provimento final e conclui:

A instrumentalidade técnica do processo requer mais do que a participação das

partes. Requer que essa participação se dê em contraditório, com igualdade de

oportunidades, e que dela resulte essa consequência cujo alcance necessita ser

apreendido em toda a sua extensão, que é a participação dos destinatários da

sentença em sua própria formação. (GONÇALVES, 1992, p. 174).

Ou seja, toda a formulação de uma estrutura técnica, em uma perspectiva democrática,

exige a observância das garantias fundamentais do processo. A técnica, enquanto estruturação

de meios para obtenção de resultado, quando vinculada à concepção de processo, exige

atuação em contraditório, com ampla argumentação dos sujeitos processuais e imparcialidade

do julgador, a fim de que sejam proferidas decisões racionalmente fundamentadas. O processo

enquanto garantia de direitos fundamentais, portanto, não há como ser flexibilizado, embora

possa, de fato, haver uma adequação técnica procedimental a gerar meios para a obtenção de

resultados úteis em conformidade com o modelo constitucional de processo.

Ao relacionar a eficiência à gestão do processo, Cunha afirma que “o juiz deve livrar-

se da rigidez procedimental e para ajustar o processo às particularidades do caso” (CUNHA,

2014, p. 77). Ou seja, para Cunha é o juiz que regencia a flexibilização procedimental. Ao se

entender o processo como procedimento em contraditório, segundo a concepção de Fazzalari,

a afirmação feita por Cunha há de ser criticada, por colocar o processo como flexível, quando,

em verdade, a técnica procedimental pode ser ajustada, mas o processo como garantia não

deve sofrer rupturas ou ajustes, sob pena de comprometimento do modelo constitucional de

processo.

Page 173: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

183

Além disso, o juiz não deve ser colocado em um patamar sobrelevado às partes na

condução do processo, o que, fatalmente, afrontaria a norma fundamental da cooperação

prevista no art. 6o do CPC/15. É evidente, portanto, que, ao se admitir a possibilidade de

flexibilização da técnica procedimental, a exemplo do que ocorre na negociação processual

(art. 190, CPC/15), os sujeitos processuais devem estar atentos às garantias fundamentais, de

modo que, assim, haja efetiva implementação do modelo constitucional de processo. O que

não se pode admitir é uma flexibilização procedimental que prescinda do formalismo

democrático, que, de acordo com Theodoro Júnior e outros, “significa que a autonomia

privada das partes estará embasada e limitada pelos direitos fundamentais processuais”

(THEODORO JÚNIOR et al, 2016, p. 295).

João Carlos Loureiro (1995) relaciona a eficiência com conceitos como

economicidade, produtividade, bom andamento, boa administração, eficácia, racionalidade e

rendibilidade. Vai inferir, no entanto, pela dificuldade que se coloca em alocar a eficiência ao

nível dos fins ou ao nível dos meios, na medida em que se apresenta como um conceito

polifacetado, pluridimensional ou como um superconceito (oberbegriff), tendo matriz

economicista, que veio permear os sistemas jurídicos.

Loureiro vai, nessa medida, destacar algumas acepções de eficiência, sendo: a)

eficiência como realização eficaz de finalidades, b) eficiência como realizadora dos fins

estipulados pela Administração e, nesse sentido, seria tanto meio, quanto fim, c) eficiência

com finalidade de celeridade e redução de custos, d) eficiência como princípio da economia.

Parte da análise da eficiência no âmbito de atuação da Administração Pública, explicando que

há relevância da eficiência enquanto princípio constitucional, ao mesmo tempo em que o

vincula à celeridade, reforçando que se exige, para tanto, observância aos direitos

fundamentais (LOUREIRO, 1995).

Atento ao desenvolvimento da eficiência na Alemanha, Loureiro (1995) destaca que,

no plano procedimental, a eficiência foi entendida, naquele contexto, no sentido de redução de

custos e celeridade, com simplificação dos procedimentos relativos a demandas massificadas.

No entanto, destaca que a eficiência precisa estar vinculada à observância de direitos e

garantias fundamentais e, nesse sentido, acentua que “podemos afirmar que a eficiência e a

garantia jurídica dos particulares, enquanto princípios ordenadores do moderno Estado de

Direito, não podem, em termos globais, encontrar-se numa relação disjuntiva (ou/ou)”

(LOUREIRO, 1995, p. 144).

Cumpre, então, avaliar as perspectivas adotadas acerca da efetividade. Segundo

Barbosa Moreira (1997), a efetividade deve se explicar pelo emprego da melhor técnica,

Page 174: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

184

dispondo de instrumentos de tutela adequados para a busca de resultado útil, com o mínimo

de dispêndio de tempo e energia. Por sua vez, Bedaque (2010) entende que o processo efetivo

é o que se pauta em valores de segurança e celeridade, proporcionando às partes o resultado

desejado pelo direito material. Defende, ainda, que técnica procedimental é o mesmo que

formalismo, sendo necessário o abrandamento das garantias inerentes à segurança jurídica,

para que o tempo não deteriore a utilidade prática do processo, sendo, o juiz, o responsável

por amenizar a rigidez da técnica para o alcance da celeridade.

Calmon de Passos (1999) relaciona a efetividade do processo à cidadania. Explica que

a efetividade é a produção concreta de efeitos, decorrendo daquilo que foi decidido e do que

que foi concretamente obtido, a partir de um juízo prescritivo, de uma ordem jurídica

preestabelecida e observada. Já Ovídio Baptista (2007) pondera que a efetividade se perfaz

com a implementação (facere) do próprio direito já reconhecido materialmente (ações

materialmente sumárias e ações executivas).

Saldanha (2010) explica que a crise do Judiciário parte da tensão entre a busca da

eficiência da jurisdição e a sua efetividade. Sustenta que a jurisdição visa a atender

primordialmente ao postulado da eficiência, deixando a efetividade em segundo plano. Assim,

questiona se a rapidez da justiça em nome da eficiência deve ser um fim em si mesma ou se

deve haver preocupação com a efetividade, antes da eficiência.

Expostas, as concepções, urge demarcar, na presente pesquisa, o entendimento

formulado acerca de eficiência e efetividade, dentro da perspectiva de processo e jurisdição

adotadas. Logo, conforme já exposto no subcapítulo 3.2.1, partindo do entendimento de

processo como procedimento em contraditório, no qual os sujeitos processuais atuam em

igualdade de condições, de modo a se chegar a um provimento final (FAZZALARI, 1975), e

aliando-se esse entendimento ao modelo constitucional de processo, desenvolvido por

Andolina e Vignera (1997), que avoca a principiologia constitucional como base integrada e

codependente para todo e qualquer processo, tem-se o processo como garantia de direitos

fundamentais (BARROS, 2009).

Por sua vez, entende-se jurisdição como uma das funções do Estado, por meio da qual,

o órgão jurisdicional emite provimento, a partir de uma atuação comparticipada de todos os

sujeitos processuais, observando-se as garantias fundamentais. A jurisdição afigura-se,

portanto, como atividade do Estado e direito fundamental, nos termos do art. 5o, XXXV, da

CRFB/88, e, em atenção ao modelo constitucional de processo, o art. 3o do CPC/15

igualmente prevê a inafastabilidade do acesso à jurisdição, ao mesmo tempo em que inclui os

métodos alternativos de solução de conflitos como componentes da jurisdição, não havendo

Page 175: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

185

mais monopólio estatal dessa jurisdição.

Partindo, portanto, dessa perspectiva, tem-se que o Estado Democrático de Direito

mostra-se como projeto em construção, devendo se estruturar pelo processo como garantia de

direitos fundamentais. Assim, cumpre aos sujeitos processuais observarem o contraditório

dinâmico, a ampla argumentação, a imparcialidade e a fundamentação racional das decisões, a

fim de que o exercício democrático seja legitimado pelo processo.

Fixadas essas premissas acerca de processo e jurisdição, cumpre analisar a eficiência,

a fim de se aferir se a mesma possui aderência (ou não) aos conceitos de processo e jurisdição

e de que modo se relacionam.

Conforme exposto no capítulo 5, a eficiência tem cunho neoliberal e base econômica.

Essa eficiência busca a maximização da riqueza, a ser atingida por meio do proferimento de

decisões que avaliem a melhor alocação de recursos. Além disso, é possível inferir que a

eficiência tem apreço pelos critérios de mercado, razão pela qual repercute em uma atuação

discricionária de juízes para que se atinja essa finalidade (POSNER, 2010). Não há cogitação

acerca de proteção a direitos e garantias fundamentais, sendo evidente e pulsante a

preocupação com a adequação de critérios econômicos e mercadológicos para direcionamento

das decisões jurisdicionais.

Dessa forma, em uma perspectiva democrática, não há compatibilidade entre a

concepção de eficiência e a perspectiva de modelo constitucional de processo adotada na

presente pesquisa, de modo que o processo, enquanto garantia de direitos fundamentais, não

tem aderência com o viés eficientista imposto pela ideologia neoliberal. Infere-se, assim, que

a eficiência não pode ser predicativa do processo, vez que não podem se imiscuir na

perspectiva do modelo constitucional de processo, que orienta a necessária observância a

direitos e garantias fundamentais. A eficiência econômica é estruturada em individualismo e

chancela da desigualdade e, por certo, destoa daquilo que se busca construir a partir do

processo de bases democráticas, no qual os sujeitos processuais devem ter postura

comparticipativa na formulação decisória.

Por outro lado, a eficiência poderia se vincular à jurisdição, enquanto função, na

medida em que o Estado pode buscar, para o exercício de suas atividades, redução de custos,

celeridade no proferimento de decisões, em uma atuação desburocratizada, tecnocrática, na

qual haja persecução de objetivos preestabelecidos, com aferição de melhor custo-benefício,

dentro de uma perspectiva voltada a resultados, o que se alinha, sobretudo, com o proposto

pelo art. 37 da CRFB/88.

Infere-se, dessa forma, que a eficiência afiniza-se com a jurisdição e não com o

Page 176: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

186

processo, pelo que há que se falar em eficiência da jurisdição e não do processo.

A efetividade, por sua vez, merece uma compreensão compatível com o modelo

constitucional de processo, que visa garantia de direitos fundamentais. A efetividade do

processo, portanto, deve compreender uma formulação decisória fulcrada em contraditório

dinâmico, ampla argumentação, imparcialidade e fundamentação racional, a fim de que haja

legitimidade em uma perspectiva democrática. Nessa medida, entende-se efetividade como

observância ao modelo constitucional de processo, com as garantias processuais que lhes são

inerentes, para defesa de direitos.

Logo, na presente pesquisa, defende-se que a eficiência vincula-se à jurisdição,

enquanto a efetividade é vinculada ao processo, refutando-se a concepção de eficiência do

processo.

Os órgãos jurisdicionais devem atuar com eficiência, já que vinculados à

Administração Pública, em observância ao preconizado pelos arts. 37 e 93 da CRFB/88,

sendo, portanto, a eficiência, uma meta da jurisdição, conforme tratado no subcapítulo 4.2 do

presente trabalho. A eficiência da jurisdição, nesse sentido, almeja o atingimento de

resultados vinculados à boa prestação de serviços, com modus operandi mais simples,

desburocratizado, célere, colocando em voga a análise da relação custo-benefício.

Portanto, a eficiência é vinculada à atuação da organização jurisdicional, que deve

atender a padrões técnicos para atingimento de metas e resultados, pelo que é correto falar-se

em eficiência da jurisdição. O processo, por sua vez, enquanto garantia de direitos

fundamentais, não tem como ser eficiente, mas efetivo, por exigir observância aos princípios

constitucionais fundamentais alinhados aos ditames do Estado Democrático de Direito, pelo

que se pode sustentar a efetividade do processo.

Acerca da efetividade e de sua necessária vinculação com o processo e a observância

dos direitos e garantias fundamentais, Saldanha e Pereira explicam que deve haver

“efetividade do conteúdo que o processo carrega, isto é, os direitos fundamentais das partes”

e, dessa forma, sustentam que, em uma concepção democrática, deve haver harmonização

entre eficiência e efetividade (SALDANHA; PEREIRA, 2011, p. 118). Saldanha enfatiza a

existência de tensão entre eficiência da jurisdição e efetividade, explicando que a jurisdição

tem sido reduzida a facilitadora para implementação de interesses estratégicos do mercado,

reduzindo-se a uma atuação em busca de resultados, quantificação e solução rápida de litígios.

Dessa forma, afirma que a jurisdição encontra-se em um desafio paradoxal, qual seja,

“assumir seu compromisso com os valores constitucionais e aproximar-se do que é

essencialmente humano por meio da ética ou, apenas cumprir tarefas ditadas pelos interesses

Page 177: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

187

do mercado” (SALDANHA, 2010, p. 82).

Infere-se, portanto, que a jurisdição, em países que adotam modelos neoliberais, atua

guiada pela eficiência, em uma perspectiva que coloca a quantificação e os resultados acima

da qualidade e da observância aos preceitos democráticos, o que fica evidenciado pelos

documentos e relatórios emitidos pelo Banco Mundial, a exemplo do Documento Técnico n.

319/96 e do Relatório 32789-BR/04, intitulado Fazendo com que a Justiça Conte, já

mencionado no subcapítulo 2.6 da presente pesquisa.

Saldanha (2010) explica, ainda, que acesso à justiça, enquanto direito fundamental,

tem significação diversa para o Banco Mundial, implicando em tempo para sentenciar e

custos diretos e indiretos das partes, o que corrobora com a assertiva de que, para o

eficientismo neoliberal que repercute na atuação jurisdicional, o que importa é a aferição de

custo-benefício, sem perquirição acerca da observância a direitos e garantias fundamentais,

que se vinculam ao processo e sua efetividade, a partir da democratização e da participação

dos sujeitos processuais em toda e qualquer construção decisória.

Acerca da já mencionada confusão entre eficiência e efetividade, de modo a

sinonimizá-las, cumpre elucidar que a eficiência neoliberal se refere aos meios utilizados, e a

efetividade deve se vincular aos fins (COUTINHO, 2015)80. A se cogitar uma aplicação

meramente eficientista, sem o fito de efetividade, destoa-se do objetivo preconizado, que deve

se pautar na busca e na construção do modelo constitucional de processo. Em outras palavras,

eficiência sem efetividade é como se utilizar um meio sem um fim que se justifique81.

80 Acerca da tratativa da eficiência como meio e da efetividade como fim, essa noção veio destacada no Direito

anglo-saxão, e, assim: “o tema da eficiência não é novo no Direito anglo-saxão, onde são diferenciadas duas

exigências: o dever de atingir o máximo do fim com o mínimo de recursos (efficiency); o dever de, com um

meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness).” (GALLIGAN, 1986, p. 129). 81 Agamben, na obra Meios sem Fim: notas sobre política, inicia explicando que a concepção de povo já traz em

si uma fratura biopolítica fundamental, na medida em que, em vez de um povo como sujeito unitário, há, em

verdade, o Povo como corpo político integral e outro subconjunto de povo como corpos de necessitados e

excluídos (AGAMBEN, 2015). Agamben (2015) vai ainda expor que a política se traduz em puros meios,

havendo uma estratégia voltada à formação de uma sociedade do espetáculo, na qual situações são

deliberadamente construídas, em um viés capitalista, que mascara e gera uma metamorfose da mercadoria,

obscurecendo o seu valor de uso e tudo o que vem por trás da produção social. Assim, reconstroe-se uma

imagem (estética) daquilo que deliberadamente se quer mostrar, criar espetáculo, e, assim, “a política

contemporânea é esse experimento devastador, que desarticula e esvazia em todo o planeta instituições e

crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, para voltar depois a repropor a sua forma definitiva

nulificada” (AGAMBEN, 2015, p. 102). Ao se esvaziar o conteúdo da identidade dos Estados, aloca-se, nesse

vácuo, um outro esvaziamento também de soberania, e, assim, “o declínio do Estado deixa […] seu invólucro

vazio […], a sociedade em seu conjunto é, por sua vez, entregue irrevogavelmente à forma da sociedade de

consumo e de produção orientada ao único fim do bem-estar. Os teóricos da soberania política, como Schmitt,

vêm nisso o sinal mais seguro do fim da política” (AGAMBEN, 2015, p. 104-105). Ou seja, a política é meio

pelo qual se promove um esvaziamento da própria soberania (estado de exceção), de modo que o fim seja um

simulacro de bem-estar, justificado pelo capitalismo, pela sociedade de consumo, pela espetacularização.

Agamben sustenta, portanto, que “política é a exibição de uma medialidade, o tornar visível um meio como tal.

Ela é a esfera não de um fim em si, mas de uma medialidade pura e sem fim como espaço de agir e do

Page 178: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

188

A eficiência tem sido utilizada como meio, com o fito de otimização dos resultados

fixados: maximização de riqueza com redução dos custos e celeridade da tramitação

processual. A atividade jurisdicional vem sendo moldada pelo modelo de justiça neoliberal,

de modo que a eficiência seja colocada a justificar uma onda de reformas processuais, com o

condão de barrar a explosão de demandas, a massificação dos litigios e a lentidão. Assim,

busca-se ajustar a técnica, embasada em uma racionalidade consumerista, não se voltando à

qualidade dos julgamentos, mas a uma metodologia eficientista para se dar vazão ao fluxo de

litígios (GARAPON, 2008).

A concepção de eficiência econômica neoliberal acaba por se entranhar na efetividade,

em sua inteireza, de modo a contaminar o seu ideário democrático e fazendo irromper uma

virulência, de modo que o processo passa a ser visto como um mero instrumento a serviço da

jurisdição, sendo os jurisdicionados apenas consumidores, e, assim, todas as cogitações

pautam-se em averiguações de racionalidade econômica, tecnicista e vinculadas a resultados

matemático-financeiros. Perquirições voltadas à observância de um processo democrático

fulcrado em princípios constitucionais servem, para essa ideologia neoliberal eficientista, de

mero discurso retrógrado, diante de um discurso econômico que preza por uma velocidade

incompatível com a garantia de direitos fundamentais.

A imbricação (confusão conceitual) entre eficiência e efetividade pode ser

propositada, como forma de viabilizar um alinhamento do discurso neoliberal, que se utiliza

da metodologia do Law and Economics, pois entende que as decisões judiciais devem ter

espeque em juízos de eficiência que reflitam os interesses do mercado. Nesse sentido:

A confusão – proposital e consciente – entre eficiência e efetividade vem pautada

pela acepção neoliberal de que em produzindo-se eficiência – quantitativa – gera-se

efetividade – qualitativa –, numa relação dialética que se completa não mais com a

busca por decisões constitucionalmente corretas, mas sim com a baixa do número de

processos fazendo surgir um sistema de justiça “modelo ponta de estoque” – como

já referido. (BOLZAN DE MORAIS; HOFFMAM, 2005, p. 10).

Quando Taruffo expõe o entendimento de que o objetivo do processo civil deve ser a

resolução de conflitos mediante decisão que tenha qualidade, ou seja, mediante decisão

devidamente fundamentada, afigura-se, em verdade, a efetividade do processo, na medida em

que sustenta que as decisões jurisdicionais se efetivam a partir de sua fundamentação

completa, que vá levar em conta os debates e as provas produzidas pelas partes (TARUFFO,

pensamento humano” (AGAMBEN, 2015, p. 106). Ou seja, a política volta-se a um interesse mediador, em

que o fim não se dirige a uma construção da vontade do povo, o que vai ensejar a violência do consumo,

levando ainda a uma espetacularização falseadora.

Page 179: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

189

2008).

Assim, tem-se que os princípios constitucionais do contraditório, ampla argumentação,

imparcialidade e fundamentação racional das decisões precisam compor a concepção de

processo, que, nesse sentido, mostra-se efetivo e alinhado aos preceitos do modelo

constitucional de processo. O aspecto qualitativo apontado por Taruffo, portanto, traduz-se

em efetividade e não em eficiência, já que coerente com a estruturação proposta pelo modelo

constitucional de processo. Por sua vez, a eficiência vinculada à velocidade e à redução de

custos só pode se vincular à organização da jurisdição.

Diante do exposto, infere-se, partindo-se do entendimento de Taruffo, que a eficiência

quantitativa vincula-se à jurisdição, enquanto a qualidade das decisões jurisdicionais é

vinculada à efetividade, enquanto fim, já que, em uma concepção processual democrática, as

garantias fundamentais são base para a construção decisória processualizada. O fim (e

efetividade), portanto, deve ser a observância das garantias constitucionais enquanto

fundamento do próprio processo.

Cumpre aprofundar nesta análise de modo a avaliar uma proposta de formação das

decisões em que seja possível, por meio da efetividade do processo, promover-se uma

fiscalidade (accountability) capaz de promover eficiência da jurisdição.

7.2.1 Da efetividade do processo e da fiscalidade (accountability judicial decisional)

Acerca da formação das decisões jurisdicionais racionalmente fundamentadas,

Taruffo, como já demonstrado no subcapítulo 6.1, realizou importantes incursões nessa

temática, tendo sustentado que há necessidade de que os juízes e tribunais apontem

detidamente as razões da decisão, sempre vinculados aos argumentos e às provas produzidos

pelas partes processuais. Além disso, sustenta que a atuação jurisdicional, seguindo essa

orientação, viabiliza o controle externo da decisão. Nesse sentido:

Evidenciar o significado específico da garantia constitucional da motivação não tem

simplesmente um valor conceitual ou abstratamente teórico. A atuação dessa

garantia tem, pelo contrário, algumas implicações muito importantes que é oportuno

sublinhar.

Uma primeira implicação é de que o legislador ordinário, ao disciplinar as

modalidades de forma e conteúdo com as quais deve ser redigida a sentença, não

pode deixar de prever um dever geral de motivação. Isso significa que a motivação

deve ser redigida sempre, e em qualquer caso, por todos os juízes do ordenamento.

[...]

Uma segunda ordem de implicações é que se [...] a motivação da sentença

deve assegurar a possibilidade de um controle externo das razões que justificam a

decisão, então é necessário que a motivação inclua argumentos justificativos

Page 180: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

190

referentes a todos os aspectos relevantes da decisão. Pode-se, ainda, falar de um

princípio de completude da motivação, segundo o qual a motivação deve incluir

argumentações justificativas que digam respeito à decisão como um todo, em todos

os seus elementos determinantes. Somente se a justificação da decisão é completa,

de fato, há possibilidade de um adequado controle externo sobre o fundamento da

própria decisão. (TARUFFO, 2015, p. 24).

Essa perspectiva de controle das decisões jurisdicionais também foi abordada por

Andolina e Vignera, que, ao discorrerem acerca do modelo constitucional de processo,

destacaram a importância da fundamentação das decisões jurisdicionais, de modo a conferir

controle democrático do exercício da jurisdição. Explicitaram que a fundamentação deve

trazer todos os elementos, a fim de que as razões da decisão sejam compreensíveis pelos

sujeitos processuais e por aqueles que estão fora do processo (ANDOLINA; VIGNERA,

1997).

Infere-se, dessa forma, que Andolina e Vignera também previram a necessidade e a

importância da fundamentação racional das decisões jurisdicionais, assim como das demais

garantias fundamentais, evidenciando a necessidade de controle e fiscalidade a serem

exercidos tanto pelos sujeitos processuais, quanto pela sociedade.

Portanto, sendo o processo garantia de direitos fundamentais, há repercussão dessa

concepção na forma como a atividade jurisdicional deve ser exercida. Ou seja, a jurisdição é

função estatal, que deve ser desempenhada a partir da observância aos princípios processuais,

o que exige a atuação dos sujeitos processuais em contraditório, com pleno exercício da

argumentação e em igualdade de condições, a fim de influenciarem na produção decisória.

Seguindo esse direcionamento, Brêtas afirma:

No processo, as razões de justificação (argumentos) das partes, envolvendo as

razões da discussão (questões), produzidas em contraditório, constituirão base para

as razões da decisão, e aí encontramos a essência do dever de fundamentação,

permitindo a geração de um pronunciamento decisório participado e democrático.

(BRÊTAS, 2018, p. 183).

A partir dessa formulação, abre-se a possibilidade factível de que haja a elaboração de

decisões jurisdicionais adequadas à estrutura proposta para a implementação de um processo

de bases democráticas. Além disso, Brêtas explica que uma decisão com fundamentação

alinhada ao preconizado constitucionalmente enseja: a) controle de constitucionalidade da

função jurisdicional; b) obstaculização da incidência de critérios ideológicos e subjetivos do

julgador; c) possibilidade de aferição da racionalidade da decisão; d) possibilidade de

impugnação técnica e jurídica pelos sujeitos processuais, que poderão recorrer das decisões de

maneira precisa e específica (BRÊTAS, 2018).

Page 181: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

191

A fundamentação adequada das decisões jurisdicionais viabiliza o aumento de

controle do exercício da função jurisdicional, além de garantir efetividade ao processo, com a

observância das garantias fundamentais. Esse controle da atividade jurisdicional vincula-se

logicamente ao direito que as partes e a sociedade têm de fiscalizar o exercício da função,

decorrendo daí o dever de prestar contas do Estado.

Imperioso observar que a decisão jurisdicional torna imprescindível a necessidade de

uma elaboração com transparência, em que haja fundamentação alinhada aos argumentos de

fato e de direito produzidos pelas partes, viabilizando o exercício do direito à fiscalidade da

decisão pelos sujeitos processuais e pela sociedade, na medida em que há interesse na

implementação do modelo constitucional de processo.

Esse dever do julgador de prestar contas acerca da formulação da decisão pode ser

chamado de accountability, que, segundo Anna Maria Campos, trata-se de uma palavra que

não possui tradução precisa e específica para a língua portuguesa. Partindo de uma análise

mais ampla, ao tratar da Administração Pública, explica que, nos Estados democráticos, há a

expectativa lógica de que o serviço público seja prestado de forma responsável (CAMPOS,

1987). E, desse modo, explica:

A accountability começou a ser entendida como questão de democracia. Quanto

mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela accountability. E a

accountability governamental tende a acompanhar o avanço de valores

democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação,

representatividade. (CAMPOS, 1987, p. 33).

Seguindo essa orientação, tem-se que a accountability vincula-se à possibilidade de

exigirem dos agentes públicos informação e justificação pelos atos praticados ou pelas

omissões incorridas (ROBL FILHO, 2013). Vale analisar a perspectiva macro da

accountability, que diz respeito à atuação do Estado por meio de seus agentes, mas que

necessariamente serve para a avaliação da accountability na formulação das decisões

jurisdicionais, na medida em que essas decisões são tomadas por juízes e tribunais, que agem

em nome do Estado.

A accountability tem necessária vinculação com a democracia, pois esta exige que os

agentes públicos prestem contas de sua atuação, em decorrência da limitação do exercício do

poder preconizada pelo Estado de Direito. Em todos os níveis de exercício da atividade

estatal, seja executiva, legislativa ou jurisdicional, deve haver fiscalização dos atos praticados,

Page 182: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

192

o que impõe atuação responsiva dos agentes estatais 82 . Filgueiras (2011) explica que a

accountability vincula-se à democracia, decorrendo da existência de um ordenamento jurídico

que assegura direitos fundamentais e participação na formação da vontade, exigindo que haja

transparência no processo de tomada de decisões.

Segundo explica, Robert Behn (1998), a accountability democrática não é uma opção

daqueles que exercem o poder em nome do Estado, mas é uma característica da própria

estruturação do poder, na medida em que a gestão pública exige uma conformação da atuação

dos agentes, que devem prestar contas por seus atos e omissões. É indubitável, portanto, a

relação estreita entre democracia e accountability, já que existe a necessidade de controle do

poder exercido pelo Estado, a exigir conduta escorreita dos dirigentes (ARAGÃO, 1997).

Assim, em síntese, a accountability corresponde tanto a um dever de atuação

responsiva daqueles que execem o poder, quanto a um dever de prestar contas acerca dos atos

praticados (CAMPOS, 1987). Seguindo essa premissa, Robl Filho assevera que “a

compreensão do termo accountability pressupõe a apreensão da categoria principal

(mandante) e agent (agente ou mandatário), assim como da estrutura analítica da

accountability: answerability (necessidade de dar respostas) e enforcement (coação)” (ROBL

FILHO, 2013, p. 101). Evidencia-se, portanto, que a accountability pressupõe uma estrutura

de poder, de que decorre o dever de prestar contas pela atuação.

A discussão acerca da accountability tem assumido importância quando se trata do

controle do poder estatal e, desse modo, Malleson aprofundou no estudo do tema e definiu as

formas pelas quais as contas podem ser prestadas. Destacou que há a hard political

accountability, que diz respeito à prestação de contas no âmbito da política, havendo ainda a

soft accountability, que se refere ao dever de prestar contas dos juízes e tribunais, em virtude

do dever de transparência procedimental tanto para os sujeitos processuais, quanto para a

sociedade como um todo (MALLESON, 1990).

Interessa analisar, desse modo, a perspectiva de accountability que se vincula à

atuação dos juízes e tribunais, a fim de que se possa relacionar com a eficiência da jurisdição,

bem como para que se viabilize a análise do processo democrático relacionado ao dever de

prestar contas acerca das decisões jurisdicionais proferidas. A gestão pública atual requer uma

atuação eficiente, em termos de transparência, a significar maior abertura ao diálogo e

82 Marques Neto, explica que “o conceito de responsividade […] não se refere apenas à responsabilidade no

tocante à decisão (no sentido de o agente ser passível de por ela ser responsabilizado). A responsividade

implica em que o agente se preocupe com os efeitos e implicações da decisão e sinta-se comprometido em

adotar a melhor medida possível para atingir a finalidade a que ela se presta buscando os efeitos menos

traumáticos para aqueles que serão por ela atingidos. (MARQUES NETO, 2007, p. 271).

Page 183: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

193

comunicação, assim como significa dever de prestar contas, que abarca também a atuação dos

juízes (CABRAL, 2017b).

Por meio da accountability judicial decisional, abre-se a possibilidade aos interessados

de requererem informações e justificações dos juízes e tribunais acerca das decisões

jurisdicionais proferidas. Nesse sentido, Robl Filho afirma que:

A accountability judicial decisional impõe ao magistrado que, na sentença,

apresente as principais informações sobre o caso e justifique por meio dos fatos, das

leis e da Constituição a sua decisão judicial. Essa forma de accountability também

estabelece o sistema de recursos judiciais. (ROBL FILHO, 2013, p. 132).

Logo, para o exercício do direito à fiscalidade, há que se considerarem duas dimensões

de controle das decisões jurisidicionais, quais sejam: a) controle endoprocessual: realizado

pelos sujeitos processuais; b) controle externo: realizado pela sociedade. Essa perspectiva de

fiscalidade e controle das decisões jurisdicionais foi apontada por Taruffo, conforme já

mencionado no subcapítulo 6.1.

Considerando o controle endoprocessual, os sujeitos processuais, que atuaram

ativamente expondo argumentos e provas, corroborando para a formação da decisão, têm o

direito de exercer a fiscalidade, o controle dessa decisão, aferindo se houve concatenação

entre contraditório e fundamentação, de modo a ensejar a necessária legitimidade. Taruffo

(2015) explica que essa função endoprocessual da fundamentação serve para que as partes

valorem acerca da viabilidade de recorrer ou não da decisão, exercendo controle sobre ela.

A fundamentação da decisão seria a própria prestação de contas do juiz acerca da

correição da sua formulação. Por esse motivo, exige-se que os juízes e tribunais analisem

todos os argumentos e provas expostos pelas partes (art. 489, CPC/15), tendo o dever de

informar sobre quais bases foram tomadas as decisões, sob pena de nulidade das mesmas, nos

termos do art. 93, IX, da CRFB/88 (CATTONI DE OLIVEIRA, 2016). Robl Filho (2013)

nomeia esse controle endoprocessual de accountability judicial decisional interna, explicando

que, por essa via, os sujeitos processuais podem apresentar recursos, havendo garantia de que

os pontos controvertidos serão revisitados por outros julgadores, em razão da relevância

política e social das decisões.

No que diz respeito ao controle externo das decisões jurisdicionais, também o art. 93,

IX, da CRFB/88 estatui que todos os julgamentos emanados pelo Judiciário serão públicos.

Essa publicidade decorre da necessidade de se viabilizar o exercício da fiscalidade a toda a

sociedade, a fim de que avalie a correção dos atos praticados pelos juízes, de modo a conferir

Page 184: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

194

se houve (ou não) a racional fundamentação das decisões jurisdicionais. Pressupõe-se que

haja interesse de toda a sociedade na fiscalização dos atos jurisdicionais, na medida em que

esse ato corrobora para a conformação da estrutura capaz de implementar o Estado

Democrático de Direito. A esse respeito, Tarrufo sustenta:

Essa [...] função é estreitamente conexa com o conceito democrático do exercício do

poder, segundo o qual quem exercita um poder deve justificar o modo pelo qual o

faz, submetendo-se, portanto, a um controle externo difuso das razões pelas quais o

exercitou daquele determinado modo. Nesse sentido, o dever de motivação

constitucionalmente garantido assume um valor político fundamental: é o

instrumento por meio do qual a sociedade se coloca em condições de conhecer e

analisar as razões pelas quais o poder jurisdicional é exercitado, de modo

determinado, no caso concreto. (TARUFFO, 2015, p. 21).

Taruffo relaciona o controle externo da decisão jurisdicional ao próprio exercício

democrático, na medida em que a sociedade é instada a fiscalizar e controlar o exercício do

poder atribuído ao Judiciário. Adotando esse mesmo entendimento, Robl Filho afirma que “os

litigantes de maneira direta e a população de maneira indireta têm interesse em obter

informações sobre as decisões judiciais e em analisar as justificações da decisão” (ROBL

FILHO, 2013, p. 201).

Desse modo, fica evidente um interesse abrangente tanto dos sujeitos processuais,

quanto da sociedade, de que haja a possibilidade de fiscalizar e exigir uma prestação de contas

acerca das bases decisórias. Leonard Schmitz trata da função da accountability decisional, em

sua perspectiva de controle externo, afirmando:

A ideia de controle externo é uma construção decorrente das exigências

constitucionais feitas ao Judiciário. Em outras palavras, o controle da

fundamentação pela sociedade, embora seja uma ficção, é ficção da qual depende a

legitimidade das decisões jurisdicionais. (SCHMITZ, 2015, p. 214).

A accountability judicial decisional exige, portanto, que haja a formulação de decisões

devidamente fundamentadas, de acordo com as premissas fixadas pelo art. 93, IX, da

CRFB/88 e pelas normas fundamentais do processo civil, a exemplo daquelas constantes dos

arts. 7o, 9o, 10 e 11, assim como do art. 489 do CPC/15, que, de acordo com a perspectiva

fixada pelo modelo constitucional de processo, exige fundamentação esclarecedora de toda a

dialogicidade perpetrada no iter processual.

Havendo, portanto, uma fundamentação racional das decisões jurisdicionais, confere-

se plena potencialidade de aferição da base decisória, na medida em que estruturada pela

comparticipação dos sujeitos processuais, em uma perspectiva policêntrica (NUNES, 2008a),

Page 185: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

195

em que todos os afetados pela decisão contribuirão em um nível de dialogicidade

contemplado pelo modelo constitucional de processo. Nesse nível de atuação dos sujeitos

processuais, a prestação de contas se faz pela própria fundamentação da decisão jurisdicional,

que deverá ser composta a partir da apreciação de todos os argumentos e questões suscitados

pelas partes, conforme preconiza o art. 489 do CPC/15.

Essa atuação em conformidade com o modelo constitucional de processo dá ensejo à

plena implementação de efetividade do processo, por observar direitos e garantias

fundamentais. Ou seja, a accountability judicial decisional relaciona-se de forma estreita com

a efetividade do processo, já que essa accountability possibilita exatamente a fiscalidade, o

dever de prestar contas e a transparência na atuação dos sujeitos processuais, que pressupõe,

inclusive, a boa-fé objetiva (art. 5o do CPC/15).

Realizada a análise da efetividade do processo vinculada à fiscalidade, para que sejam

formuladas decisões jurisdicionais racionalmente fundamentadas, é preciso, então, avaliar

uma proposta de reconstrução da eficiência da jurisdição, a partir do modelo constitucional de

processo.

7.2.2 Da proposta de reconstrução da eficiência pela conformação das decisões ao modelo

constitucional de processo

A eficiência prevista no art. 8o do CPC/15 é pautada como critério de aplicação do

ordenamento jurídico pelo juiz. A interpretação desse artigo deve ser feita em conjunto com

as demais normas fundamentais do processo (contraditório dinâmico, ampla argumentação,

imparcialidade e fundamentação racional das decisões), a fim de que seja observada a diretriz

traçada pelo modelo constitucional de processo, segundo o qual as normas constitucionais

devem orientar o intérprete segundo um esquema geral de processo (ANDOLINA;

VIGNERA, 1997, p. 13).

Reforçando esse entendimento, Brêtas (2016) explica que o CPC/15 ordena, desde o

seu art. 1o, que haja interpretação sempre pautada na concepção de Estado Democrático de

Direito, com observância das normas fundamentais constitucionais. Desse modo, a eficiência

como critério hermenêutico precisa ter diretriz alinhada com as garantias fundamentais, a

exemplo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento do mérito (art. 4o,

CPC/15), da boa-fé dos sujeitos processuais (art. 5o, CPC/15), da cooperação (art. 6o,

CPC/15), do contraditório como garantia de influência e não surpresa (art. 10, CPC/15) e da

garantia de fundamentação das decisões (art. 489, §1o, CPC/15).

Page 186: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

196

Todas essas garantias precisam servir de eixo interpretativo e de aplicação do

ordenamento, em conjunto com os critérios previstos no art. 8o do CPC/15, entre os quais,

inclui-se a eficiência. Essa eficiência, por sua vez, dentro do alinhamento previsto para

interpretação e aplicação do ordenamento jurídico, só faz sentido se observadas as garantias

processuais fundamentais. Ou seja, a eficiência deve estar imbricada com a efetividade do

processo.

É importante salientar que o CPC/15 deve ser interpretado a partir de uma

metodologia que busque a sua unidade principiológica, de modo que as normas fundamentais

sejam interdependentes. Dentro da sistematização proposta pelo CPC/15, que buscou

compatibilizar-se com os preceitos constitucionais, não é possível que se realize uma

interpretação isolada de dispositivos legais, sem considerar a unidade principiológica que

serve de eixo, de viga mestra hermenêutica. Nesse sentido:

O Novo CPC somente pode ser interpretado a partir de suas premissas, de sua

unidade, e especialmente de suas normas fundamentais, de modo que não será mais

possível interpretar/aplicar dispositivos ao longo de seu bojo sem levar em

consideração seus princípios e sua aplicação dinâmica (substancial). Ademais, não

será possível analisar dispositivos de modo isolado, toda compreensão deve se dar

mediante o entendimento pleno de seus sistema, sob pena de se impor leituras

apressadas e desprovidas de embasamento consistente. Leitura isoladas de

dispositivos e institutos, alheias às premissas fundamentais, tendem a ser

equivocadas e conduzir a resultados práticos inaceitáveis.” (THEODORO JÚNIOR

et al, 2016, p. 20).

A diretriz interpretativa do CPC/15 deve se pautar na observância da unidade

principiológica prevista na Constituição, não comportando uma hermenêutica a partir de

critérios pontuais, mas a partir da conjugação de toda a base de normas fundamentais do

processo civil previstas. Infere-se, desse modo, que a eficiência somente pode ser interpretada

e aplicada com base na efetividade do processo, sem o que esta se reduz a mero atributo para

obtenção de resultados vinculados à quantificação, o que se conforma com o viés

mercadológico neoliberal, não contribuindo para que se implemente o modelo constitucional

de processo.

O CPC/15 deve viabilizar uma operacionalização em perspectiva contrafática, que

obste a atuação dos sujeitos processuais que não contribua para o processo de bases

democráticas. Assim, Nunes explica que o CPC/15 “tenta, contra-faticamente, implementar

comportamentos mais consentâneos com as finalidades de implementação de efetividade e

garantia de nosso modelo processual constitucional” (NUNES, 2015, p. 1).

Por exemplo, a atuação dentro do modelo normativo da comparticipação, previsto no

Page 187: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

197

art. 6o do CPC/15, é um mecanismo processual que gera fiscalidade na atuação de todos os

sujeitos processuais, corroborando, portanto, para que a decisão seja uma resultante lógica do

diálogo entre as partes, que influenciaram o julgamento. Assim, a fundamentação acaba por se

tornar uma efetiva prestação de contas da atuação comparticipada dos sujeitos processuais.

Faz-se necessário, portanto, que a eficiência, alçada a norma fundamental do processo, seja

compatibilizada com a cooperação processual (art. 6o, CPC/15), contraditório como garantia

de influência e não surpresa (arts. 7o, 9o e 10, CPC/15), dever de fundamentação das decisões

(art. 489, CPC/15), além das demais normas fundamentais do processo.

Nada obsta que haja persecução da eficiência da jurisdição em termos quantitativos,

vincada em metas e resultados. Aliás, espera-se que haja a implementação de eficiência que

vá repercutir em uma razoável duração do processo. Ou seja, no Estado Democrático de

Direito que se busca implementar, a eficiência da jurisdição precisa, necessariamente, estar ao

lado da efetividade do processo. Essa efetividade, enquanto arcabouço de princípios

constitucionais fundamentais, irá repercutir na configuração do modelo constitucional de

processo.

Desse modo, demonstra-se que, havendo, inelutavelmente, observância aos direitos e

às garantias fundamentais, implementa-se a efetividade do processo, que oportunizará a

concretização da eficiência da jurisdição, dando vazão à tramitação processual, além do que,

viabiliza-se a conformação ao modelo constitucional de processo.

Page 188: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des
Page 189: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

199

8 CONCLUSÃO

O desenvolvimento realizado acerca da eficiência da jurisdição visou elucidar as bases

sobre as quais o discurso eficientista se apoia, tendo havido a necessidade de se verificar qual

o propósito singular que fez com que essa busca por eficiência se evidenciasse. Além disso,

considerou-se importante investigar qual é o viés conceitual viabilizador da propagação do

pleito de eficiência.

Assim, em vista da necessidade de compatibilização do processo civil com a

Constituição, houve a incorporação da eficiência como norma fundamental do processo. O

que se buscou, na presente pesquisa, foi perquirir acerca da compatibilidade da eficiência da

jurisdição com o processo democrático e, ainda, avaliar, a partir da categoria teórica do

modelo constitucional de processo, de que forma a eficiência pode ser implementada no

exercício da atividade jurisdicional.

Retomando-se a hipótese, considerou-se a eficiência como conceito vinculado à

jurisdição (e não ao processo), devendo haver, para sua implementação, a efetividade do

processo como diretriz estrutural, assim entendida como obediência às garantias fundamentais

do contraditório, da ampla argumentação, da imparcialidade do julgador e da fundamentação

racional das decisões.

Visando a testar a hipótese aventada, para confirmá-la ou refutá-la, houve a

necessidade de analisar o neoliberalismo, que impôs a realização de ajustes estruturais nos

países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, a fim de atender aos interesses dos países

hegemônicos, detentores das rédeas do Banco Mundial e do FMI. Para justificar essa atuação

reformista, colocaram-se em voga, a crise e a ineficiência da jurisdição, de modo a incutir

mecanismos, dentro do Estado de Direito, que oportunizassem a adoção de medidas de

exceção.

Nesse sentido, foi necessário analisar a eficiência, desde sua concepção econômica até

sua utilização pela metodologia do Law and Economics, o que tornou possível avançar para a

análise da eficiência realizada pelos processualistas civis. Realizadas essas demarcações, foi

possível adentrar-se na averiguação da hipótese articulada acerca da eficiência da jurisdição e

da efetividade do processo. E, visando a demonstrar as considerações hipotéticas suscitadas,

empreendeu-se à necessária incursão na CRFB/88 e no CPC/15, para analisar se a eficiência

da jurisdição contribui (ou não) para a construção do modelo constitucional de processo.

Feitas essas considerações, cumpre minudenciar acerca dos resultados obtidos a partir

da análise crítica realizada.

Page 190: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

200

A eficiência, segundo a perspectiva de Pareto, ocorre quando, em uma alocação de

recursos, há melhoria da situação de um indivíduo em detrimento de outros. Ou seja, Pareto

coloca que benefícios ou rendas possam ser direcionados a uma minoria, assumindo a

possibilidade de piora na situação de outros e, desse modo, considera a eficiência como um

critério em que recursos são direcionados para aumento de bem-estar de poucos.

Desse modo, há afinidade da perspectiva paretiana, com aquela defendida

anteriormente por Bentham, para quem deveria haver persecução da maximização de bem-

estar e felicidade, em um viés utilitarista. Já a eficiência preconizada por Kaldor e Hicks

admitiu que houvesse uma alocação de recursos díspare, assim como considerava Pareto,

desde que houvesse possibilidade de compensação dos prejuízos sofridos. Ou seja, exigia-se

possibilidade de compensação e não a compensação efetiva, o que aproximava essa

perspectiva de eficiência àquela eficiência defendida por Pareto.

De todo modo, o que se infere é que a eficiência cogitada pela ciência econômica parte

de uma base de desigualdade na distribuição de recursos e não se preocupa em contribuir para

a melhor distribuição da riqueza. Ao contrário, a eficiência defendida busca chancelar a

desigualdade, na medida em que o foco é uma maximização, seja da felicidade ou da utilidade

(Bentham), seja da riqueza para uma minoria (Pareto), seja com o dissimulado discurso de

possibilidade de compensação, que se esvazia ante a prescindibilidade da própria

compensação (Kaldor e Hicks). Ou seja, a eficiência, nessa perspectiva econômica, tem como

foco recursos – assim considerados bens e riqueza -, destinados para beneficiar poucos e para,

em um discurso ensimesmado, justificar a distribuição desigual.

Não foi por acaso, que a eficiência econômica bem serviu ao neoliberalismo, cujas

premissas foram premeditadamente traçadas, desde o Colóquio de Walter Lippmann até Mont

Pèlerin, para defender valores empresariais, oportunizadores de ampliação mercadológica.

Assim, o neoliberalismo se concebeu como ideologia apta a gerar um modelo de governar por

meio de políticas econômicas competitivas e açambarcadoras de interesses elitistas. Esse viés

foi consolidado na Convenção de Bretton Woods, ocasião em que se projetou a criação do

Banco Mundial e do FMI, para operacionalizar a introjeção da ideologia neoliberal voltada

aos interesses do mercado.

A estratégia utilizada pelo neoliberalismo foi, preponderantemente, a da liberalização

do comércio e da indústria, bem como a da desregulamentação, com a imposição de

orientações aos países em desenvolvimento, com o fito de alterar os ordenamentos jurídicos

para atendimentos dos interesses veiculados nos documentos técnicos e relatórios emitidos

pelo Banco Mundial.

Page 191: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

201

Ao mesmo tempo em que o neoliberalismo avançava, a metodologia do Law and

Economics, de modo estratégico, cuidava de interligar Direito e Economia, a fim de aplicar os

modelos teóricos das ciências econômicas na interpretação e aplicação do Direito,

mensurando o impacto das normas jurídicas e das decisões jurisdicionais para a maximização

da riqueza. Ou seja, essa metodologia almejou incutir critérios de quantificação e monetização

dos direitos e das garantias, que acabaram por serem relegados em face da busca pela melhor

alocação do custo-benefício. O critério para a defesa de direitos, a partir da metodologia do

Law and Economics, tem predominância econômica. Portanto, é latente a aderência entre

neoliberalismo e a metodologia do Law and Economics.

Com o advento do segundo pós-guerra, irrompeu a busca pela constitucionalização e

democratização dos Estados, com a ampliação de direitos fundamentais e garantias

processuais. Assim, embora a democratização tenha sido uma aspiração constante das

Constituições dos Estados, esse projeto de efetiva implementação de direitos e garantias

fundamentais acabou por ser comprometido, diante da suplantação do projeto democrático

pela ideologia neoliberal. O discurso da eficiência era preponderantemente aventado pelos

teóricos do neoliberalismo, assim como pelos documentos exarados pelo Banco Mundial, para

justificar a necessidade de expansão dessa política.

Não se propõe colocar a eficiência como critério sórdido, mas há que se compreender

que a sua introjeção nos ordenamentos jurídicos teve o objetivo de mascarar suas reais

intenções, articuladas pelo discurso de desenvolvimento. Ou seja, em um contexto

democrático, a eficiência foi utilizada como simulacro para introjeção da ideologia neoliberal,

que se mostra inconciliável com a democracia. Isso porque a democracia propugna pela

participação dos sujeitos nos processos decisórios, dentro de uma esfera dialógica, em que

direitos e garantias fundamentais sejam as diretrizes.

O neoliberalismo, ao contrário, tem as formulações decisórias voltadas à aferição de

critérios de mercado, com avaliação de custo-benefício e objetivando maximização da

riqueza. Ou seja, democracia e neoliberalismo possuem objetivos díspares, pelo que a

eficiência, de vestes neoliberais, não tem como ser compatibilizada com a persecução de um

processo de bases democráticas.

Conforme se demonstrou no desenvolvimento da pesquisa, a crise do Judiciário,

sobretudo, diante da morosidade na tramitação processual, foi aventada pelo Documento

Técnico n. 319/96 e pelos relatórios emitidos pelo Banco Mundial. Essa crise, portanto, serviu

como estratégia justificadora para que o Banco Mundial impusesse reformas estruturais aos

países em desenvolvimento, fustigados pela dívida externa.

Page 192: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

202

Desse modo, firma-se o entendimento de que, no Brasil, tanto a reforma

administrativa, quanto a reforma do Judiciário foram direcionadas para atendimento aos

ditames neoliberais impostos pelo Banco Mundial. O objetivo das reformas era a

incorporação da eficiência econômica ao ordenamento jurídico, de modo a possibilitar que as

decisões fossem deliberadas, a partir de uma análise prospectiva do melhor custo-benefício,

com racionalidade econômica, além de possibilitar a criação de controles quantitativos para

mensurar a produtividade.

Há que se observar que a reforma do Judiciário colocou a eficiência como meta,

incluindo a busca por celeridade e a razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII,

CRFB/88), bem como criou o CNJ, que tem como objetivo estratégico a produtividade,

captação de dados, fixação de metas e mensuração de resultados, todos voltados à persecução

da eficiência (art. 103-B, CRFB/88).

Por essa análise, é possível estabelecer o entendimento no sentido de que o Judiciário

passou a ser visto a partir de uma visão gerencial, que lhe exigiu desburocratização, ao

mesmo tempo em que se ampliou a busca por fiscalidade e controle (accountability), voltados

ao desempenho, com métricas e quantificações. O objetivo apontado para o Judiciário é

produzir mais e produzir com celeridade.

Para que esse controle fosse operado, o CNJ desenvolveu relatórios, a exemplo do

Justiça em Números, a fim de mensurar os insumos (receitas e despesas), a taxa de

congestionamento e a produtividade, além do tempo do processo. A partir das análises

realizadas na presente pesquisa, não se detectou, nos relatórios elaborados pelo CNJ, qualquer

avaliação acerca da qualidade das decisões jurisdicionais ou acerca de sua adequada

fundamentação.

Por óbvio, esse panorama quantificador em busca de eficiência permeou o CPC/15,

que, visando à aceleração dos julgamentos, incentivou de forma incisiva a ampliação do

direito jurisprudencial, vincado na utilização de padrões decisórios, a exemplo das súmulas

(vinculantes ou não), dos precedentes e do julgamento de casos repetitivos, com o fito de

uniformização do entendimento. Além disso, houve a simplificação do sistema recursal, com

a extinção do agravo retido, além de impingir um rol taxativo de hipóteses para interposição

do agravo de instrumento. Como se isso não bastasse, houve, antes mesmo da entrada em

vigor do CPC/15, alteração do art. 1.030, ocasionando a inclusão do inciso I, que traz

hipóteses de inadmissibilidade dos recursos especial e extraordinário, o que tolhe a

possibilidade efetiva de superação dos precedentes formulados.

O que se infere, portanto, é que a utilização de padrões decisórios foi incentivada pelo

Page 193: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

203

CPC/15, com o intuito de acelerar os julgamentos e gerar a esperada eficiência quantitativa.

No entanto, a partir disso, houve atenuação da garantia do contraditório, ante a limitação da

discursividade, que vem desde a elaboração dos padrões, já que não há publicidade e

transparência acerca da ratio decidendi.

Assim, as teses formuladas são encaixadas de forma violenta aos casos concretos, não

sendo possível aferir a plausibilidade da vinculação realizada. Indubitável, portanto, que haja

comprometimento da qualidade das decisões jurisdicionais formuladas. Se os padrões

decisórios implicam em restrição ao contraditório, na mesma medida, a simplificação do

sistema recursal operada pelo CPC/15 acaba por restringir o exercício da ampla

argumentação.

As garantias processuais acabaram sendo colocadas em xeque, em nome da eficiência

quantitativa, que visa a produtividade e celeridade, relegando a necessidade de garantir a

configuração pretendida pelo modelo constitucional de processo, pautada na observância

irrestrita ao contraditório, à ampla argumentação, à imparcialidade do julgador e à

fundamentação racional das decisões.

Nessa linha de raciocício, cumpre retomar o art. 8o do CPC/15, que coloca a eficiência

como critério de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes. Esse artigo

vem alocado na capitulação que dispõe acerca das normas fundamentais do processo civil, o

que não parece ter sido projetado ao acaso.

Já se enfatizou que as reformas estruturais realizadas no Brasil têm cunho neoliberal

eficientista. Assim, essa alocação da eficiência parece se traduzir naquilo que, de fato, a

metodologia do Law and Economics pretendia: direcionar a formulação de decisões

jurisdicionais para um locus de atendimento aos ditames do mercado, a partir de uma abertura

no ordenamento jurídico (fissura, nos dizeres de Agamben), que comporte os interesses das

instituições financeiras e mercadológicas que se deve atender. Ou seja, trata-se da utilização

inescusável do Estado de Direito para adoção de medidas de exceção, aos moldes do que

denunciam Mattei e Nader, a fim de articular estrategicamente a implantação virulenta da

ordem neoliberal.

O mencionado art. 8o do CPC/15 traz, além da eficiência, conceitos jurídicos

indeterminados, a exemplo de fins sociais e bem comum, que permitem uma abertura

hermenêutica apta a alocar o sentido que o julgador queira sugerir (voluntarismo autoritário),

de modo a permitir, portanto, a introjeção de subjetivismo e discricionariedade no julgamento,

que são incompatíveis com o processo democrático.

Esse art. 8o do CPC/15 tem origem bem definida, qual seja, o art. 5o da LINDB, de

Page 194: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

204

advento autoritário pelo Decreto-Lei n. 4.657, de 1942. É paradoxal, portanto, que o CPC/15,

que buscou a constitucionalização, venha comportar um artigo com carga autoritária, como é

o caso. O CPC/15 foi formulado para se compatibilizar com a CRFB/88, de alicerces

democráticos. No entanto, a novel codificação abarcou um dispositivo 83 com vinculação

estrutural ditatorial, de modo a abrir uma permissividade para que os julgadores se coloquem

em posição de centralidade, dando azo ao virulento protagonismo judicial, que serve como

luva à ideologia neoliberal. O protagonismo judicial permite a formulação decisória de modo

solipsista, a partir de preferências, preconceitos e valores do julgador, viabilizando a

desconsideração dos argumentos e das provas produzidos pelos sujeitos processuais.

A propósito, avaliando-se o desenvolvimento feito por Schmitt acerca da exceção,

sustenta que poder e vontade do decisor se imiscuem, de modo que a exceção é decisão

resultante da vontade do detentor do poder político. Ou seja, há uma concepção de poder total

do soberano, sem limites normativos que possam barrar sua atuação, o que permite que

Schmitt faça a defesa de um decisionismo voltado ao atendimento dos interesses da classe

econômica dominante, e, nesse sentido, há aderência de seu entendimento com a ótica

neoliberal, embora sejam concepções que não se misturem, o que precisa ficar claro.

Não foi por acaso, que Schmitt criticou enfaticamente a democracia e a acusou de

mascaradora da realidade, por entender que, em verdade, quem dita as regras são os que

detêm poder econômico. Em Schmitt, legalidade e legitimidade agregam-se, na medida em

que a decisão parte da vontade do soberano, enquanto a norma se subjuga à vontade do

soberano. Ou seja, legalidade e legitimidade são indistinguíveis, a partir da concepção

schmittiana. Nesse caso, portanto, a exceção se perfaz a partir da suspensão da norma pela

simples vontade do soberano.

Schmitt é criticado por Agamben, que sustenta que o autor coloca o soberano, ao

mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico, o que geraria uma configuração

paradoxal. Agamben, por sua vez, entende que a exceção se perfaz pelo afastamento do

ordenamento jurídico, o que vem a gerar o que chama de zona de anomia, a qual seria um

espaço vazio, diante do expurgo que se fez da normatividade existente, para que ali, naquele

vácuo, se instalasse a exceção. Melhor dizendo, para Agamben, a exceção se opera por força

de lei, em que há o afastamento da lei, de modo que essa anomia é criada pelo próprio Direito.

Relacionando a exceção apontada por Agambem e o protagonismo judicial viabilizado

pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro, que dá margem a uma atuação discricionária e

83 Aqui, está sendo usado o termo dispositivo no sentido tratado por Agamben.

Page 195: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

205

decisionista dos juízes, por exemplo, a partir da indeterminação conceitual dos critérios

prescritos no art. 8o do CPC/15, a exemplo do bem comum, dos fins sociais e da própria

eficiência, é possível que esteja a se viabilizar aos juízes que atuem a partir de medidas de

exceção.

Se a exceção pode ser considerada como poder para decidir a partir da vontade, a se

deixar espaço para o subjetivismo e o voluntarismo do decisor, abre-se espaço ainda maior

para que sejam proferidas decisões sem lastro de legitimação democrática, que exige

participação dos sujeitos, mas decisões pautadas na soma de poder e vontade, que olvidam a

dialogicidade.

O Estado de Direito deve se prestar a limitar o poder do Estado e, por isso, contrapõe-

se à concepção de exceção, que pressupõe poderes ilimitados e imbricação com a política.

Agamben sustenta que o capitalismo se vale de dispositivos, que são mecanismos por

meio dos quais, direciona-se a atuação política-econômica contemporânea, a partir da

sujeição, sobretudo, dos países em desenvolvimento, aos poderes hegemônicos. Assim, é

possível concluir que os documentos e relatórios técnicos emitidos pelo Banco Mundial têm

servido de dispositivos, na medida em que têm intuito de manipulação, a partir da imposição

de ajustes estruturais para atendimento dos interesses do capital financeiro. São usados como

estratégia para uma intervenção que impõe um jogo de poder, uma relação de força. Ou seja,

utilizam-se de dispositivos para direcionar as decisões jurisdicionais, inclusive, para atender

aos ditames eficientistas do mercado.

Pode-se fazer aqui uma analogia entre o dispositivo citado por Agamben e o

dispositivo das decisões jurisdicionais, pois as decisões elaboradas sob o manto neoliberal,

com viés de eficiência, voltadas para uma análise econômica, têm um dispositivo de sentença,

que, em verdade, atende a uma política, como poder, força e violência. Portanto, esse

dispositivo de sentença seria um mecanismo de atuação da vontade do mercado, que assim se

apresenta como soberano.

Ou seja, segundo a lógica (ou falta de lógica) do Law and Economics, deve haver uma

avaliação prospectiva da repercussão econômica da decisão. Dessa forma, ao se elaborar a

decisão, em seu dispositivo, virá refletida uma política orientada para a melhor alocação do

custo-benefício e da maximização da riqueza. Observe-se que não há, nesse sentido neoliberal

vincado em Law and Economics, orientação para que haja observância a direitos e garantias

fundamentais, que, aliás, nesse caso, são vistos como entraves.

Nesse diapasão, tem-se que o Judiciário acaba por assumir uma função política, sendo

direcionado a decidir conforme critérios de eficiência mascaradamente ditados pelo mercado.

Page 196: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

206

Essa eficiência da jurisdição é chancelada pelo art. 37 da CRFB/88, servindo o art. 8o do

CPC/15 como diretriz para interpretação e aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes, em

que a eficiência é colocada como norma fundamental.

O risco no qual o processo democrático está inserido contempla medidas de exceção,

que são viabilizadas pelo protagonismo judicial, pela abertura a uma interpretação e aplicação

discricionária do ordenamento jurídico, bem como pela ruptura do necessário vínculo entre

contraditório e fundamentação das decisões. Isso se opera, por exemplo, a partir dos padrões

decisórios formulados pelos Tribunais Superiores, sem publicidade e transparência. Toda essa

atuação controversa, em termos de processo democrático, se perfaz sob a justificativa

(estratégica e violenta) de busca de implementação da eficiência.

O contexto de violência da lei foi tratado por Agamben, Derridá e Benjamim,

conforme se demonstrou. Derridá apontou para a ocultação estratégica dos propósitos do

texto, e, no caso da eficiência, pode-se concluir que, pelo seu cunho originalmente

econômico, a expressão traz em si uma carga que se torna obscura pela imagem de redenção

que carrega, como se a implementação da eficiência fosse fazer cair por terra toda a

morosidade na tramitação processual. O que se quer explicitar é o fato de que a eficiência tem

servido de máscara, de simulacro, para que medidas de exceção acabem por ser facilitadas,

por meio da manipulação escusa do Estado de Direito, a partir da inserção de dispositivos que

geram abertura na atuação dos juízes.

Com a finalidade, portanto, de extirpar a carga de violência da lei, desvelando o seu

texto, Derridá propôs a desconstrução, a fim de que seja viabilizada a verificação do iter

percorrido para a formulação do sentido dado. É sabido que textos são interpretados,

reinterpretados e direcionados aos interesses, sobretudo, dos detentores do poder. É possível

considerar, portanto, que a desconstrução proposta por Derridá possa contribuir para que haja

desvelamento da eficiência e sua vinculação à jurisdição, que vá ser guiada pelo processo de

bases democráticas, a fim de que sejam formuladas decisões comparticipadas, em atenção ao

modelo constitucional de processo.

Essa desconstrução se faz necessária, na medida em que a eficiência da jurisdição

deve ser despida de seu caráter neoliberal e deve compor um alinhamento com a efetividade

do processo, assim entendida como observância a direitos e garantias fundamentais. A

eficiência da jurisdição, para que se amolde a uma conformação democrática, exige

encaminhamento pela efetividade do processo, e, sem observar a efetividade do processo, vai

se configurar em mero discurso neoliberal, incapaz de se delinear de acordo com os

pressupostos do modelo constitucional de processo.

Page 197: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

207

Há que se extirparem da concepção de eficiência, as mazelas e a violência trazidas

pela visão utilitarista (desde Bentham), que permeou tanto as concepções econômicas, quanto

a metodologia do Law and Economics. A todo tempo, houve uma busca por quantificar,

aferir, monetizar direitos e garantias fundamentais, em nome de uma eficiência violenta,

mascaradora de uma ideologia neoliberal, que, conforme demonstrado, não permite a

concretização do Estado Democrático de Direito e do modelo constitucional de processo.

O processo democrático exige que as decisões, em todos os níveis de formulação,

sejam orientadas pela comparticipação dos sujeitos que serão atingidos pela decisão,

viabilizando ainda a ampla argumentação e a imparcialidade, de modo que sejam proferidas

decisões racionalmente fundamentadas.

Há mesmo que se atingir um nível de eficiência da jurisdição, capaz de otimizar os

resultados, nessa incessante busca por uma tramitação processual célere, que vá dar condições

para que juízes e tribunais sejam capazes de observar e assegurarem, sem restrições, os

direitos e as garantias fundamentais.

Faz-se necessária a implementação da eficiência da jurisdição, com vistas à

efetividade do processo, sem as ingerências e incoerências articuladas por metodologias

econômicas, que apenas quantifiquem, mas desqualifiquem a busca pela formulação decisória

racionalmente fundamentada. Conclui-se que deve haver dialogicidade necessária a uma

atuação comparticipada dos sujeitos processuais, que dê azo à fiscalidade (accountability),

que deve ser operacionalizada como mecanismo com função contrafática apta a gerar

transparência.

Ou seja, deve haver accountability decisional e efetividade do processo para fins de

ganho de eficiência no exercício da atividade jurisdicional. Toda essa conformação é capaz de

gerar compatibilidade da eficiência da jurisdição com as normas fundamentais do processo

previstas no ordenamento jurídico, repercutindo no modelo constitucional de processo.

Assim, as incursões e os desenvolvimentos realizados na presente pesquisa

demonstraram que a hipótese considerada, qual seja, a de que a eficiência deve se vincular à

jurisdição e ter em vista a efetividade do processo, é pertinente. Ou seja, a hipótese se presta a

indicar que é possível que haja eficiência no exercício da atividade jurisdicional, dentro de

uma configuração de modelo constitucional de processo, desde que seja observada a

efetividade do processo, como garantia de direitos fundamentais. Desse modo, o

desenvolvimento realizado cumpriu o papel de responder ao tema-problema da pesquisa.

Para efeito de delimitação do tema pesquisado, não houve a pretensão de avançar no

tratamento da eficiência da jurisdição, indicando técnicas de gestão específicas para a sua

Page 198: EFICIÊNCIA DA JURISDIÇÃO: necessidade de sua (des

208

implementação. O objetivo foi, de fato, tratar a eficiência da jurisdição, indicando como pode

haver a sua compatibilização com a estrutura apontada pelo modelo constitucional de

processo.

Seria proveitoso, no entanto, em outra oportunidade, que houvesse aprofundamento

das pesquisas acerca de temática, visando a desenvolver mecanismos de gestão que possam

contribuir para a eficiência da jurisdição, tendo como diretriz o processo democrático. Caberia

avançar nos estudos de como a gestão administrativa e a gestão jurisdicional podem, juntas,

corroborar para que haja razoável duração dos processos e redução dos custos, tudo isso sem

perder de vista a efetividade do processo, enquanto garantia de direitos fundamentais.

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