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Documento299 Jaime Airton Wünsch Elementos Conceituais para a Representação de Sistemas Agrícolas Embrapa Clima Temperado Pelotas, RS 2010 ISSN 1806-9193 Dezembro, 2010 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Clima Temperado Ministério da agricultura, Pecuária e abastecimento

Elementos Conceituais Para a Representação de Sistemas Agrícolas

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  • Documento299

    Jaime Airton Wnsch

    Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    Embrapa Clima TemperadoPelotas, RS2010

    ISSN 1806-9193 Dezembro, 2010

    Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuriaEmbrapa Clima TemperadoMinistrio da agricultura, Pecuria e abastecimento

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    Superviso editorial: Antnio Luiz Oliveira HeberlReviso de texto: Antnio Luiz Oliveira Heberl Normalizao bibliogrfi ca: Graciela Olivella OliveiraEditorao eletrnica e arte da capa: Manuela Doerr (estagiria)

    1 edio 1 impresso (2010): 50 exemplares

    Todos os direitos reservadosA reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em parte, constitui violao

    dos direitos autorais (Lei N 9.610).

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Embrapa Clima Temperado

    Wnsch, Jaime AirtonElementos conceituais para a representao de sistemas agrcolas / Jaime Airton Wnsch. -- Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2010. (Documentos / Embrapa Clima Temperado, ISSN 1806-9193 ; 299)

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    1. Sistema agrcola. 2. Recurso natural. Ttulo. II. Srie. CDD 631.47

    Embrapa 2010

  • Autores

    Jaime Airton WnschEng. Agrn., Dr.,Pesquisador da Embrapa Clima Temperado,Pelotas, RS,[email protected]

  • Apresentao

    O processo de gerao e de transferncia de tecnologias agropecurias praticado nas instituies de pesquisa, nos ltimos anos, tem se orientado para responder as demandas dos diferentes setores da produo agropecuria. De outra parte, as experincias de desenvolvimento agrcola realizadas nas dcadas de 70 a 80 mostraram suas limitaes ao no atingir os agricultores mais pobres e/ou gerar externalidades econmicas, sociais e ambientais indesejadas e no previstas. O desafi o de gerar tecnologias que atendam as demandas dos produtores em uma perspectiva de desenvolvimento sustentvel implica em conceitos e mtodos pertinentes. A anlise sistmica ou abordagem sistmica desenvolvida nos anos 50 tem sido fonte de inspirao para a elaborao de metodologias aplicadas com este propsito.Nos ltimos 25 anos a abordagem sistmica vem encontrando espao crescente, ainda que sujeita a controvrsias variadas. Esta abordagem busca essencialmente superar o vis tecnicista, setorial e disciplinar ainda muito presente na pesquisa agropecuria.O texto que segue contribui para caracterizar o paradigma sistmico e defi nir um conjunto de conceitos para apreender e analisar os diferentes problemas que a produo agropecuria coloca para a gerao de tecnologias capazes de serem apropriados pela diversidade de agricultores.

    Waldyr Stumpf JuniorChefe Geral

    Embrapa Clima Temperado

  • Sumrio

    Introduo ...................................................................8

    Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas .....................................................................8

    Abordagem sistmica e representao de objetos e fenme-nos complexos ...........................................................10

    O objetivo desta corrente terica/metodolgica o de re-sponder a trs preocupaes essenciais (WALLISER ,1977): ................................................................................11

    Aspectos do paradigma sistmico ................................13

    Conceitos centrais da abordagem sistmica aplicados a agropecuria ..............................................................19

    Desta maneira, distinguem-se : ...................................19

    Sistema agrrio ..........................................................20

    Sistema de produo e o sistema famlia-estabelecimento21

    Sistema de cultivo ......................................................25

    Sistema de criao .....................................................28

    Sistema forrageiro ......................................................30

    Consideraes Finais ..................................................33

    Referncias ...............................................................34

  • Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    Jaime Airton Wnsch

    Durante os anos 80, na esteira do exame crtico de propostas e experincias de desenvolvimento rural em vrias partes do mundo, trs grandes questes emergiram como bsicas para orientar a gerao e a socializao de tecnologias agropecuria:

    i) considerar mais profundamente as condies reais de produo agrcola, ou seja, observar e levar em conta a diversidade de condies e modalidades de explorao do meio pelas comunidades rurais na defi nio dos programas de pesquisa;

    ii) compreender que mudanas tcnicas esto em estreita interao com as mudanas sociais e econmicas, e que para a criao e a incorporao das inovaes tcnicas e organizacionais ao processo produtivo, devem ser consideradas as condies sociais e econmicas de sua apropriao pelos empreendedores;

    iii) reconhecer que todas as transformaes das condies e modalidades de explorao do meio rural necessitam da ativa participao dos agricultores na concepo, execuo e avaliao dos

    Introduo

  • 9Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    programas e projetos de desenvolvimento.

    A pesquisa e a extenso rural ao incorporar estas orientaes aceitam o desafi o de defrontar-se com a complexidade e a diversidade das prticas de produo e de gesto dos agricultores, bem como de confrontar seu conhecimento com o saber dos agricultores e de defi nir, em conjunto com estes, uma proposta de desenvolvimento, sua implantao e avaliao.

    Para dar conta desta nova maneira de ver a relao da cincia e da tecnologia com o desenvolvimento agrcola foi necessrio elaborar um conjunto coerente de conceitos, mtodos e conhecimentos e um dispositivo organizacional fl exvel que associasse a experimentao biotcnica, s observaes in situ, e comunicao rural.

    Para analisar as condies e modalidades de explorao agrcola do meio pelas comunidades rurais em toda a sua diversidade e complexidade e adaptar as inovaes a esta diversidade de situaes, considerando as diferentes contribuies disciplinares, fez-se necessrio um conjunto de instrumentos e mtodos construdos para esta fi nalidade. precisamente a abordagem do meio e da produo rural fundamentada na anlise de sistemas que fornecer uma parte importante destes instrumentos e mtodos.

    As refl exes e defi nies conceituais que apresentamos neste texto fi zeram parte da dissertao de mestrado do autor, defendida junto ao programa de ps-graduao da ESALQ/USP (WNSCH 1995). A abordagem que apresentamos tem como origem as elaboraes realizadas no perodo de 75 a 95, no mbito do departamento Systmes Agraires et Devloppement (SAD) do Institut National de la Recherche Agrcola (INRA) e do ento Institut National dAgronomie de Paris-Grignon (INA-PG) e largamente utilizada no Curso de Agronomia

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    da UNIJUI, do qual o autor foi docente.

    Abordagem sistmica e representao de objetos e fenmenos complexos

    O progresso alcanado em vrios campos cientfi cos, a partir dos anos 50, fez emergir uma nova maneira de observar e compreender a atividade humana, que recebeu as mais diversas denominaes: anlise sistmica, anlise de sistemas, abordagem sistmica, tambm denominada de anlise estrutural e anlise funcional.

    A abordagem sistmica, segundo Bonneviale et al. (1989) o produto de quatro correntes cientfi cas: a ciberntica, a teoria dos sistemas desenvolvida por Bertallanfy, a teoria da informao e as cincias da modelagem, em especial da modelagem da deciso.

    Walliser (1977) destaca que o ponto de vista da teoria dos sistemas foi impulsionado pela constatao de que o mtodo mecanicista, fundado na mecnica racional e estatstica, era inadequado como modelo universal e, pela tendncia a contrabalanar o fracionamento das cincias em especialidades isoladas uma das outras.

    O procedimento analtico, derivado dos princpios da fsica clssica, enunciados por Galileu e Descartes teve grande sucesso em um amplo domnio de fenmenos. Propem o estudo das partes separadamente supondo que a reunio destas constitui ou reconstitui o todo. A aplicao de tal procedimento de estudo depende de duas condies fundamentais: as interaes entre as partes constituintes da entidade ou fenmeno ou no existem ou so to fracas que podem ser desprezadas e, em segundo lugar, que as relaes que descrevem o comportamento das partes sejam lineares (BERTALANFFY, 1975). A primeira condio permite que as partes possam ser esgotadas real, lgica e matematicamente, sendo em seguida reunidas. A segunda condio suporta a propriedade de aditividade, ou seja, o todo resulta

  • 11Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    da soma das partes ou os processos parciais podem ser sobrepostos para obter-se o processo total.

    As condies de no interao ou de interaes triviais e da similitude do comportamento das partes e do todo, no so satisfeitas por fenmenos denominados de complexidades organizadas ou sistemas (BERTALANFFY, 1975). Um sistema constitudo de partes em interao e a sua descrio comporta um conjunto de equaes diferenciais simultneas, no lineares no caso geral (BERTALANFFY, 1975).

    A abordagem dos fenmenos em termos de sistema busca essencialmente enfrentar o problema das limitaes dos procedimentos analticos na cincia e tem a inteno de estudar problemas que comparados aos problemas analticos e somatrios da cincia clssica so de natureza mais geral (BERTALANFFY, 1975). Constituiu-se em um novo paradigma, na acepo dada por Kuhn (1987), pois pe em evidncia aspectos que no eram anteriormente vistos nem percebidos, ou eram suprimidos na cincia normal e prope um novo mtodo para a compreenso do real.

    O objetivo desta corrente terica/metodolgica o de responder a trs preocupaes essenciais (WALLISER, 1977):

    restaurar uma abordagem mais sinttica que reconhea as proprie-dades de interao dinmica entre elementos de um conjunto, que conferem a este um carter de totalidade; a necessidade de um mtodo que permita mobilizar e organizar os conhecimentos, para conceber e formalizar conjuntos amplos e com-plexos de objetos; promover uma linguagem unitria que possa servir de suporte a articulao e a integrao de modelos tericos e de preceitos met-odolgicos dispersos em diversas disciplinas.

  • 12 Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    Conceituao de sistema

    Vrias defi nies simples de sistema so propostas por diferentes autores. De incio, todos esto de acordo em designar como sistema, uma inter-relao de elementos/componentes que constituem uma entidade ou unidade global. As diferentes defi nies acentuam um ou outro aspecto: Hart (1979) defi ne sistema como um arranjo de componentes fsicos, um conjunto ou coleo de coisas, unidas ou relacionadas de tal maneira que forma um todo; Bertalan y (1975), considera que o sistema um conjunto de unidades em interao mtua; para Landrire (1984), um sistema um objeto complexo, formado por componentes distintos, ligados entre si por certo nmero de relaes.

    Morin (1987) nota que um sistema no necessariamente composto por partes, alguns deles podem ser considerados conjuntos de estados, ou conjunto de acontecimentos, ou de reaes.

    Ferdinand Saussure (1931), citado por Morin (1987), associa aos caracteres comuns das defi nies precedentes, inter-relaes e totalidade, uma terceira idia, a de organizao. Saussure defi ne como sistema uma totalidade organizada, feita de elementos solidrios que s podem defi nir-se uns em relao aos outros em funo do lugar que ocupam nesta totalidade.

    Na defi nio de sistema dada por Saussure a idia de organizao liga a idia de totalidade a de inter-relao, tornando os trs termos indissociveis. As inter-relaes entre componentes (elementos, acontecimentos, indivduos...) desde que tenham um carter regular e estvel tornam-se organizacionais e produzem o sistema (MORIN, 1987).

    Entretanto, resta uma ltima noo a incorporar em nossas diferentes defi nies, a de fi nalidade. Rosnay (1975) defi ne um sistema como um conjunto de elementos em interao dinmica, organizado em funo de um objetivo. O objetivo atribudo pelo homem seu construtor e na

  • 13Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    natureza o objetivo constatado a posteriori. Walliser (1977), distingue a fi nalidade, propriedade revelada pelo comportamento do sistema (tudo se passaria como se...) de intencionalidade, propriedade atribuda ou imposta a um determinado sistema por um centro de deciso.

    Finalmente, podemos afi rmar que em um sistema, o conjunto de elementos ligados entre si por relaes dinmicas confere a este uma organizao com vistas a cumprir certos objetivos. Deste modo, um sistema tanto um conjunto de elementos organizados como uma estrutura e esta resulta das relaes que asseguram o funcionamento do sistema. Simplifi cadamente, um sistema uma estrutura fi nalizada (JOUVE, 1986).

    Aspectos do paradigma sistmico

    O procedimento sistmico um mtodo de bem conduzir a razo, que se diferencia do Discurso do mtodo de Descartes, que fundamenta o procedimento analtico.

    Le Moigne (1994) prope substituir o discurso sobre o mtodo de Descartes, pelo discurso que defi ne o paradigma sistmico. Para este autor os quatro preceitos do mtodo analtico - da evidncia, da reduo, da causalidade e da exausto - devem ser substitudos no discurso sistmico pelos preceitos da pertinncia, do globalismo, da teleologia e da agregao.

    O preceito de pertinncia consiste na concordncia de que todo objeto ou fenmeno, defi nido em relao as intenes implcitas ou explcitas do modelizador. Considerar sempre o objeto a ser conhecido como uma parte ativa imersa dentro de um todo maior, constitui o preceito de globalismo. Interpretar o objeto no por ele mesmo, mas por seu comportamento, sem procurar explicar a priori este comportamento por alguma lei implicada em uma eventual estrutura, defi ne o preceito teleolgico. O preceito de agregao, de certa forma redundante em relao ao preceito de pertinncia, diz que devemos concordar que toda representao do real simplifi cadora, por isto necessrio

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    buscar regras suscetveis de guiar a seleo de agregados tidos como pertinentes (LE MOIGNE, 1994).

    Estes preceitos que fundamentam o procedimento sistmico provocam modifi caes bastante radicais na atitude cientfi ca, em particular nas cincias empricas. Passa-se de uma postura na qual a realidade evidente e se impe pela experincia ao experimentador ou modelador, para uma posio que afi rma que a evidncia e o real no tm existncia independente do esprito humano que os percebe e constri (PIAGET, 1979).

    No h verdade preexistente a qual o conhecimento sucessivamente iria descobrindo. O conhecimento o resultado de um processo de construo ativa do sujeito/modelador, portador de um projeto, em suas interaes permanentes com os fenmenos que ele percebe e constri (MORIN, 1987).

    A modelagem consiste em construir um modelo a partir dos dados da anlise de sistemas. Para Le Moigne (1994) a modelagem sistmica a ao de elaborao e de construo intencional, por composio de smbolos, de modelos suscetveis de tornar inteligvel um fenmeno complexo, e de amplifi car o raciocnio do sujeito projetando uma interveno deliberada no seio do fenmeno, visando, principalmente, antecipar as conseqncias dos projetos de aes possveis.

    A ao de modelagem confi gura-se igualmente como um sistema - o sistema de modelagem. Este sistema composto pelo modelador concebendo e interpretando o modelo de um sistema complexo, que prope a este sua fi nalidade (preceito de teleologia), ou seja, a modelagem sistmica projetiva, no sentido que inclui em seu prprio ato o(s) projeto(s) do modelador. Para Morin (1987), no possvel separar a observao do observador, o objeto de estudo se metamorfoseia segundo o tipo de ponto de vista que lhe aplicado. nesta perspectiva que a modelagem sistmica exige no s que o

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    observador observe a si mesmo ao observar os sistemas, mas tambm se esforce por conhecer o seu prprio conhecimento (MORIN, 1987).

    Conhecer um sistema complexo , sobretudo, conceber o modelo que o representa, que o descreve. Compreende-se o modelo de um fenmeno ou processo, como um modo de representao tal que ele permita, de um lado, prestar conta de todas as observaes feitas e, por outro lado, prever o comportamento do sistema considerado nas condies mais variadas, distintas das que deu nascimento as observaes (LE MOIGNE, 1994). A validade de um modelo advm, portanto, de sua capacidade de resistir ao confronto entre as conseqncias por ele antecipadas e as efetivamente observadas na realidade objetiva (BROSSIER et al., 1990).

    Desta maneira, o estudo de sistemas complexos pilotados pelo homem, como no caso dos sistemas agrcolas, a experimentao em meio social, econmico e cultural real (experimentao em escala real) com a participao dos atores (agricultores, extensionistas e pesquisadores) torna-se um meio efetivo de conhecer (BROSSIER et al., 1990).

    O sistema refl ete as caractersticas reais dos objetos empricos e ao mesmo tempo um modelo heurstico, isto , instrumento metodolgico e conceitual, que se aplica aos fenmenos sem prejuzo de sua realidade. Assim, todos os sistemas, mesmo aqueles que so isolados abstratamente dos conjuntos de que fazem parte, so necessariamente enraizados na fsica, isto , no real natural ou a natureza real (MORIN, 1987). Pode-se falar de sistema objeto (LE MOIGNE, 1994) ou ainda de sistema natural (BERTALANFFY, 1975).

    Todo o sistema, porm, mesmo o mais material, o mais fenomenicamente evidente, para existir tem necessidade do esprito humano que o isola da agitao polissistmica da realidade. Podemos, portanto, pensar o sistema do ponto de vista do sujeito como abstrao do esprito (MORIN, 1987). A extrao, o isolamento de um sistema,

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    depende do ponto de vista do que o observador/modelador considera necessrio em termos de autonomia e emergncias para confi gurar um sistema.

    Sistemas complexos, como os sistemas agrcolas, caracterizam-se por apresentar uma grande variedade de componentes, que possuem funes especializadas, constituindo-se elas mesmas em sistemas dentro de um sistema englobante, que esto organizados em nveis hierrquicos, mantendo numerosas e diversifi cas interrelaes ou ligaes, que no so lineares.

    A noo de caixa-preta introduzida por Ashby (1956) na linguagem cientfi ca (BOURGEOIS, 1983), a ferramenta metodolgica que permite organizar a apreenso e representao de um sistema complexo.

    A caixa-preta defi nida como um conjunto de elementos coordenados entre si para assegurar certa funo, na qual h entradas (insumos) e sadas (produtos). O interesse pelo fl uxo de entrada/sada, no o processo que transforma o que entra e o que sai.

    O exame de um sistema inicia por precisar os conjuntos que podem ser considerados como caixa-preta. Isto s possvel se previamente defi nido uma escala de observao, o que supe que se defi na claramente porque se pretende estudar o sistema (BOURGEOIS, 1983).

    No interior de um sistema podem ser defi nidos os conjuntos de elementos que numa certa escala so considerados como caixas-pretas. Caso for necessrio mudar de escala de observao, poder-se- abrir a caixa-preta e examinar sua estrutura e seu funcionamento. A esta nova escala, podero corresponder outras caixas-pretas.

    As fronteiras do sistema so defi nidas pelo modelador em funo da lgica do funcionamento que ele procura evidenciar. H sempre nisto

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    algo de incerto e de arbitrrio, h sempre deciso e escolha (MORIN, 1987).

    Os constituintes de um sistema complexo podem ser apreendidos atravs de dois aspectos complementares: os aspectos estruturais e os funcionais (ROSNAY, 1975).

    Os aspectos estruturais dizem respeito a identifi cao da estrutura, isto , o conjunto de regras de associao, de ligao, de interdependncia, de transformao, que tendem a se identifi car com a invariante formal do sistema (MORIN, 1987), ou seja, trata-se da organizao no espao dos componentes do sistema.

    Aos aspectos funcionais est associado o termo sistema , e o estudo destes aspectos que permite a abordagem sistmica ser compreensiva (JOUVE, 1986). O estudo do funcionamento de um sistema consiste em apreender as interrelaes que se estabelecem entre seus componentes e deste com seu ambiente, que so dependentes basicamente do tempo.

    Os aspectos estruturais de todo sistema so (BOURGEOIS, 1983; ROSNAY, 1975) :

    a) limite ou fronteira, que so fi xados pelo observador em funo das razes pelas quais ele ir estudar o sistema;

    b) elementos ou componentes, eles mesmo sistemas que podem ser agrupados em categorias, grupos, etc;

    c) reservatrios, nos quais os elementos podem ser reunidos e onde podem ser estocados, energia, informaes, materiais;

    d) rede de comunicao, que permite as trocas de informaes,

  • 18 Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    de energia, de matria, entre os elementos do sistema e entre os diferentes reservatrios.

    Os aspectos funcionais de um sistema so (BOURGEOIS, 1983; ROSNAY, 1975):

    a) os fl uxos de energia, de informao e de matria, expressos em quantidades por unidade de tempo. Os fl uxos de energia e de materiais fazem variar os nveis dos reservatrios e, os fl uxos de informaes servem de base s decises para agir sobre os fl uxos de matria e energia;

    b) as comportas ou torneiras so as que controlam a vazo dos diferentes fl uxos. Cada comporta na realidade um mini centro de deciso, recebendo informaes e as transformando em ao (aumentar ou diminuir a vazo dos fl uxos);

    c) os tempos de resposta que resultam das diferenas de velocidade de circulao dos fl uxos de diferentes tipos, dos tempos de estocagem e de esvaziamento dos reservatrios, etc;

    d) os ciclos de informao, ditos ciclos de retroao (feedback) que desempenham um papel determinante no funcionamento dos sistemas, podendo-se distinguir dois tipos de ciclos de retroao: positivos ou diretos responsveis por toda a dinmica de mudanas de um sistema (crescimento e evoluo) e negativos ou inversos responsveis pela regulao e pela estabilidade do sistema (restabelecimento de equilbrio e auto-regulao).

    Para completar a descrio dos componentes de um sistema preciso acrescentar as entradas e sadas que materializam as relaes do sistema com o ambiente, que so mais ou menos numerosas e intensas de acordo com o tipo de sistema, mais aberto ou mais fechado.

  • 19Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    O sistema em atividade transforma os dados de entrada em resultados de sada, o que caracteriza um processo, que tem um tempo de durao. O tempo, como visto, comanda todos os fenmenos ligados aos aspectos funcionais do sistema. Assim, para compreender o comportamento de todo sistema, qualquer que seja a complexidade, necessrio caracterizar duas variveis essenciais: as variveis de fl uxo que se expressam entre dois momentos e, as variveis de estado que indicam acumulao ao longo do tempo de uma quantidade dada de informaes, energia ou matria (ROSNAY, 1975).

    Conceitos centrais da abordagem sistmica aplicados a agropecuria

    A agricultura um processo de artifi cializao do ecossistema realizada pelo trabalho humano por meio de espcies domesticadas e selecionadas, de ferramentas e de tcnicas para obter produtos agropecurios necessrios principalmente para a subsistncia humana (MAZOYER, 1986). Como processo, a agricultura uma combinao fi nalizada de material biolgico, de tcnicas e prticas e de ferramentas de trabalho que modifi cam as condies biofsicas e qumicas do ecossistema, que ocorre em um contexto econmico e ambiental determinado e que evolui constantemente.

    O termo genrico sistemas agrcolas usado para designar o conjunto de noes e conceitos correspondentes aos nveis de organizao da atividade de produo agrcola. A cada nvel organizacional possvel designar um termo que igualmente o conceito de funcionamento deste nvel e que corresponde, em primeira aproximao, a unidades territoriais particulares (JOUVE, 1986), ou centros de deciso (BOURGEOIS, 1983).

    Desta maneira, distinguem-se:

    a) o nvel dos processos produtivos - onde se observam e se deduzem

  • 20 Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    os mecanismos biolgicos, de interveno dos equipamentos e das tcnicas, ou seja, as parcelas cultivadas e os rebanhos;

    b) o nvel do estabelecimento agrcola e a famlia - que diz respeito a combinao de processos produtivos, que devem ser compreendidos em relao ao trabalho disponvel e mobilizado, ao capital, aos resultados quantitativos e qualitativos do conjunto da atividade das pessoas envolvidas;

    c) o nvel da regio englobante - que comporta a atividade econmica jusante e a montante dos nveis precedentes.

    A unidade de produo apreendida pelos conceitos de sistema de produo ou de sistema famlia-estabelecimento. No seio da unidade de produo encontram-se as parcelas e as criaes animais, a que correspondem os conceitos de sistema de cultivo e o de sistema de criao. O conceito de sistema forrageiro associa a parcela cultivada s criaes. O estabelecimento agrcola encontra-se imerso em uma regio que apreendida atravs do conceito de sistema agrrio (JOUVE, 1986; MAZOYER, 1986; PILLOT, 1987).

    Sistema agrrio

    O sistema agrrio muitas vezes defi nido, na escala regional, como a associao de atividades produtivas e de tcnicas utilizadas por uma sociedade visando satisfazer suas necessidades. Expressa em particular a interao entre um sistema bioecolgico representado pelo meio natural e um sistema scio cultural atravs de prticas resultantes do progresso tcnico (VISSAC, 1989).

    Esta defi nio esta bastante centrada sobre a idia de sociedade rural e o territrio que esta explora em um determinado momento. O Departamento Sistemas Agrrios e Desenvolvimento do INRA utiliza um conceito semelhante, restringindo sua aplicao at no mximo a

  • 21Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    pequena regio. Assim, o sistema agrrio defi nido como um territrio rural restrito, onde uma populao exerce grande parte de sua atividade e as relaes que se estabelecem no seio desta populao ao explorar o meio em um determinado contexto scio econmico (INRA-SAD, 1985).

    Mazoyer (1986), por outro lado, amplia o conceito. Para este autor o conceito de sistema agrrio deve ser empregado para caracterizar e avaliar as transformaes que afetam, a longo prazo, o conjunto ou um conjunto dominante de estabelecimentos agrcolas de uma regio ou pais e para compreender as condies e conseqncias econmicas e culturais implicadas em suas evolues e em suas diferenciaes. Deste modo, Mazoyer (1986) defi ne o sistema agrrio como um modo de explorao do meio historicamente constitudo e durvel, um sistema de foras de produo adaptado s condies bioclimticas de um espao determinado e respondendo s condies e s necessidades do momento. As variveis essenciais que conformam o sistema agrrio so: o meio cultivado, os instrumentos de produo, o modo de artifi cializao do meio, a diviso social do trabalho entre agricultura e os outros setores econmicos, o excedente agrcola, as relaes de troca, enfi m o conjunto de idias e instituies que permitem garantir a reproduo social.

    Sistema de produo e o sistema famlia-estabelecimento

    Os economistas agrcolas passaram a utilizar o conceito de sistema de produo para fi ns de pesquisa operacional e programao linear no inicio da dcada de 60. A idia de interrelao entre elementos se expressa na defi nio dada por Chombart de Lauwe et al. (1963), citado por Mazoyer (1986). O sistema de produo a combinao das produes e dos fatores de produo no estabelecimento agrcola.

    Os componentes do sistema so eles mesmo sistema. Assim, Mazoyer

  • 22 Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    (1986) defi ne sistema de produo como sendo a combinao de sistemas de cultivo e de sistemas de criao simples, conduzidos nos limites permitidos pelo aparelho de produo.

    Ao fi nal dos anos 60 a defi nio de sistema de produo passa a ser associada muito mais a de funcionamento do estabelecimento rural. Sebillotte, em 1968, considerou que o estabelecimento uma estrutura na qual o que importa so os mecanismos que permitem sua autorregulao (BOURGEOIS, 1983).

    As combinaes de fatores e de produes esto organizadas com vistas a alcanar um objetivo. Trebuil e Dufumier (1983) consideram o sistema de produo como o conjunto de produes vegetais e animais, e de fatores de produo, terra, trabalho e capital, gerido pelo agricultor com vistas a satisfazer seus objetivos scio-econmicos e culturais ao nvel do estabelecimento agrcola.

    O estabelecimento agrcola composto de dois subsistemas em interao: um que comportaria a racionalidade do agricultor (objetivos, decises, organizaes) e outro que comportaria as caractersticas do meio de produo e os fatores externos que condicionam a produo. A interao destes dois subsistemas constitui o sistema de produo (SEBILLOTTE, 1982).

    O funcionamento do sistema de produo o resultado de um encadeamento de decises. Quando referida a unidade familiar de produo signifi ca dizer que as decises so tomadas no seio de uma famlia, vivendo ao menos em parte, da produo agrcola, e que em termos de orientao do fi nanciamento, do emprego do tempo, a famlia e o sistema de produo no so independentes (BOURGEOIS, 1983).

    Para Damais (1987) o sistema de produo constitudo pelo par estabelecimento mais a famlia. O estabelecimento o conjunto de

  • 23Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    meios de produo sobre os quais o produtor pode atuar por meio de suas decises.

    Esta distino entre famlia e estabelecimento pode ser interessante para estudos regionais. O conceito de sistema estabelecimento se refere a combinao das atividades produtivas de bens e servios agrcolas e no agrcolas, operacionalizadas no seio do estabelecimento, bem como a natureza das relaes com o ambiente que da resultam (BONNEVIALLE et al., 1989).

    O sistema de produo, no entanto, no est isolado, pelo contrrio est imerso em um contexto social econmico e ecolgico, com o qual mantm inter-relaes que condicionam as escolhas e o seu funcionamento.

    Capillon e Sebillotte (1980) consideram o estabelecimento agrcola, ou melhor, o par famlia-estabelecimento, como um sistema fi nalizado pelos objetivos da famlia ( necessidades, nvel de renda visado, modo de vida desejado), confrontado a um conjunto de condicionantes internos e externos. A Figura 1 ilustra o conceito formulado por estes autores. Note-se que a histria, seja da mquina produtiva (sistema operacional) como da famlia e de seus projetos determinante na confi gurao da combinao de produes e modalidades de conduo destas no presente.

    Bonnevialle et al. (1989), notam que a utilizao do conceito de sistema de produo est associada, seja considerao de que o estabelecimento agrcola se confunde com a unidade de produo, seja por privilegiar no seio do estabelecimento o estudo da mquina produtiva, quer dizer, o processo produtivo e de suas combinaes. corrente ainda associar este conceito aos termos de performances, de produtividade, de intensifi cao ou de extensifi cao, e de distinguir no seio do sistema de produo os subsistemas relacionados entre si: sistema de cultivo, sistema forrageiro e sistema de criao. Estes

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    autores propem, integrando a evoluo conceitual havida, que o sistema estabelecimento agrcola pode ser decomposto em vrios sistemas, tomando por base o modelo da forma cannica do sistema-organizao proposto por Le Moigne (1994). Estes subsistemas so: o sistema de operao ou sistema de produo, o sistema de deciso e o sistema de informao.

    O sistema de operaes ou de produo tem a funo de por em prtica o conjunto de operaes necessrias gesto dos processos produtivos: gesto dos fl uxos de matria, de trabalho, de equipamentos, de moeda, e de informaes, que o estabelecimento importa ou retm, estoca, transforma, ou transporta e que ele exporta ou restitui ao meio ambiente. Ao sistema de deciso cabe a funo de gerar as decises que iro orientar e assegurar o comando do sistema de operao em funo das fi nalidades e objetivos de conduo.

    O sistema de informao tem por funo assegurar a ligao do sistema de deciso com o sistema de operao, ele que produz as informaes em benefcio do sistema de operao e que permite ao sistema de deciso controlar os processos produtivos e suas combinaes no seio do sistema de operao. Como a famlia o plo unifi cador e sustentador do projeto, a denominao Sistema famlia-estabelecimento parece ser a mais indicada (BONNEVIALLE et al., 1989).

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    Sistema de cultivo

    No sculo XVII a idia de sistema de cultivo confundia-se com o cdigo ou princpios que regiam a conduo de uma cultura. Tinha sentido em uma poca em que os conhecimentos agronmicos eram escassos e os progressos tcnicos lentos (SEBILLOTTE, 1984).

    A partir do sculo XIX, tanto a evoluo tcnica quanto dos

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    conhecimentos cientfi cos, permitiu aos agrnomos precisar o conceito de sistema de cultivo. O conde de Gasparin em seu Curso de Agricultura defi niu o sistema de cultivo como o conjunto de operaes agrcolas que constituem uma explorao e a natureza dos meios fsicos e mecnicos que so utilizados, seja para fazer crescer, colher e utilizar os vegetais (SEBILLOTTE, 1984).

    A defi nio proposta por de Gasparin ultrapassa a agronomia no sentido estrito, pois inclui aspectos relacionados a economia e se aproxima da noo de sistema de produo. Para classifi car os sistemas de cultivo ele utilizou, no entanto, essencialmente critrios baseados na manuteno da fertilidade do solo e por esta razo o conceito estaria no mbito da agronomia (SEBILLOTTE, 1984).

    A nfase da defi nio de Gasparin est na gesto do espao agrcola explorado por uma unidade de produo, o estabelecimento agrcola, excluindo assim o campo de aplicao do conceito os espaos mais amplos como a regio.

    Ao longo do sculo XX, as tcnicas agronmicas evoluram muito, assim como as condies econmicas. Os meios que se dispem, sobretudo a partir da segunda grande guerra, permitem que se possa dizer que no s h vrias tcnicas para alcanar um resultado determinado, seno que os objetivos dos agricultores so muito mais variados e as condies scio-econmicas da produo tambm so mais variadas que no passado (SEBILLOTTE, 1978)

    A defi nio proposta em 1975, por um grupo de trabalho do INRA e INA-PG sintetiza esta evoluo: o sistema de cultivo o subconjunto do sistema de produo, defi nido para uma superfcie de terreno tratado de maneira homognea, pelas culturas com sua ordem de sucesso e os itinerrios tcnicos praticados (SEBILLOTTE, 1982).

    O itinerrio tcnico constitudo pela combinao lgica e ordenado

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    de tcnicas culturais que um agricultor aplica sobre uma determinada parcela com a fi nalidade de atingir seus objetivos (SEBILLOTTE, 1974).

    No que se refere as sucesses de culturas necessrio distinguir as noes de efeito precedente, efeito acumulativo e sensibilidade da cultura seguinte.

    O efeito precedente, se defi ne, para uma parcela, como a variao dos estados do meio (biolgicos, fsicos e qumicos) entre o incio e o fi m do cultivo considerado, sob a infl uncia conjunta da populao vegetal e das tcnicas aplicadas, ambos submetidos as infl uncias climticas (BOURGEOIS, 1983; SEBILLOTTE, 1990)

    O efeito acumulativo o efeito resultante, em um perodo de vrios anos, dos efeitos das culturas que se sucedem em uma mesma parcela cultivada (BOURGEOIS, 1983; SEBILLOTTE, 1990).

    Sensibilidade da cultura que se sucede defi nida pela amplitude das reaes da cultura a diversidade dos estados do meio criado pela cultura que a precedeu, sob a ao de um clima determinado e tomando em conta o itinerrio tcnico utilizado para seu cultivo.

    A defi nio de sistema de cultivo precedentemente enunciada permite diferenciar o contedo recoberto por outras acepes do termo. Os economistas utilizam a denominao sistema de cultivo para caracterizar a combinao de cultivos e o grau de utilizao dos meios de produo em um conjunto de estabelecimentos. Os gegrafos, igualmente, utilizam o termo para descrever e classifi car a utilizao do territrio regional e analisar a paisagem. Esta defi nio insiste no enfoque no nvel do estabelecimento agrcola, como j propunha de Gasparin.

    Supe-se que em um mesmo estabelecimento possam existir mais que um sistema de cultivo e que esta variabilidade um ponto central de

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    interesse para o agrnomo. Aos economistas interessa a comparao entre unidades de produo e/ou das regies agrcolas em relao a disponibilidade de fatores de produo, quer dizer colocam a questo em termos de sistema de produo. Ao agrnomo, interessa entender as interrelaes entre populaes vegetais, meio e tcnicas, de tal maneira que permita considerar as evolues e infl uncias que atuam sobre a elaborao do rendimento de cada cultivo e a evoluo do meio (SEBILLOTTE, 1982).

    Ainda que a defi nio dada em 1975 tenha conseguido precisar o enfoque estritamente agronmico do conceito, a defi nio adotada foi em geral utilizada em um sentido de descrio dos ecossistemas, especialmente no que se refere a utilizao do solo e a formao da paisagem.

    Sebillotte (1990) salienta que a defi nio deveria enfocar as maneiras de cultivar as parcelas e suas repercusses sobre a elaborao do rendimento e a evoluo das caractersticas do meio. Por isto, props a seguinte defi nio: um sistema de cultivo o conjunto das modalidades tcnicas utilizadas sobre parcelas tratadas de maneira homognea. Cada sistema de cultivo se defi ne pela natureza das culturas e sua ordem de sucesso, pelos itinerrios tcnicos aplicados a estas diferentes culturas, o que inclui a escolha das variedades para as culturas em considerao.

    Esta defi nio apresenta as seguintes caractersticas: diz o que o sistema de cultivo, no apenas o que o defi ne, preocupa-se diretamente com o manejo tcnico em relao a elaborao dos rendimentos e as evolues do meio e enfatiza que h itinerrios tcnicos para cada um dos cultivos.

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    Sistema de criao

    O conceito de sistema de criao pode referir-se tanto ao projeto como ao nvel ao qual o projeto se aplica.

    Enquanto projeto, o sistema de criao defi nido por Landais et al. (1989) como um conjunto de elementos em interao dinmica organizados pelo homem com a fi nalidade de transformar, por intermdio dos animais domsticos, determinados recursos em produtos (leite, ovos, couro, dejees, etc) ou para responder a determinadas necessidades (trao, lazer, etc). Os componentes deste sistema so: o agropecuarista e suas prticas; os animais domsticos agrupados em lotes, ou tropas, ou ainda populaes; e os recursos (alimentos, espao, trabalho ou dinheiro) consumidos e transformados por estes animais.

    O sistema de criao defi nido tambm em funo do nvel de organizao da produo a que est referido. Ao nvel interno da unidade de produo, o sistema de criao defi nido como o conjunto de setores produtivos e de tcnicas que permitem produzir animais ou produtos animais em conformidade aos objetivos do agropecuarista e submetidos aos condicionantes do estabelecimento (MENJON; DORGEVAL, 1983). Seu emprego em espao mais amplo, a regio, o sistema de criao um dos dois componentes de um sistema de produo (o outro o sistema de cultivo), defi nido como um modo de combinao de terra, foras e meios de trabalho visando a produo animal, comum a um conjunto de estabelecimentos (JOUVE, 1986).

    Em um estabelecimento, o sistema de criao constitudo muitas vezes de mais de um setor. Por exemplo, maternidade e recria no caso de sunos; engorda de novilhas e vacas em lactao na bovinocultura leiteira. Estes setores esto ligados um ao outro pelos fl uxos de animais e cuja avaliao deve levar em conta o conjunto da atividade de explorao pecuria.

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    Sistema forrageiro

    Para Attonaty (1980) o sistema forrageiro pode ser defi nido como o conjunto de meios de produo, de tcnicas e de processos de transformao, em um determinado territrio, tendo por funo assegurar a correspondncia entre o(s) sistema(s) de criao (es) e o(s) sistema(s) de cultivo.

    H autores como Duru et al. (1988) que consideram que o sistema forrageiro no um conjunto produtivo, mas um conjunto regulador controlado pelo agricultor. O sistema forrageiro essencialmente um sistema de informao e de deciso cuja tarefa na atividade pecuria, assegurar a correspondncia entre as produes e necessidades de dois sistemas, o sistema de cultivo e o sistema de criao, de acordo com os objetivos e as condies de funcionamento da atividade pecuria. (DURU et al., 1988), conforme ilustrado na Figura 2.

    A gesto da equilibrao da oferta de forragem e da demanda animal passa por uma srie de regulaes ou de ajustamentos entre o sistema de cultivo e o sistema de criao e o ambiente. De uma maneira geral, no estabelecimento agrcola, as disponibilidades e necessidades em recursos forrageiros num determinado momento, dependem das estruturas e meios de produo, dos ritmos biolgicos de produo de recursos e das demandas dos animais. Os ritmos biolgicos determinam as variaes anuais de recursos e de necessidades. Para os recursos forrageiros, as variaes de crescimento dependem das caractersticas climticas e das populaes vegetais cultivadas ou espontneas. por meio das escolhas das operaes tcnicas que possvel modifi car, regularizar ou neutralizar os ritmos biolgicos. Estas prticas determinam as modalidades e o nvel de utilizao do potencial de produo e esto na base do processo produtivo.

    Assim, o sistema forrageiro pode ser descrito como um programa,

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    isto , uma sucesso lgica e ordenada no tempo de: i) objetivos intermedirios a alcanar em termos de produo de forragens e de lotes de animais, para atingir um objetivo mais geral defi nido para o rebanho; ii) meios a mobilizar, na unidade de produo, como fora desta; iii) regras de deciso pertinentes para a gama de situaes reconhecidas como possveis de ocorrer ao longo do ano (DURU et al., 1988).

    Fazer um diagnstico de um sistema forrageiro signifi ca avaliar como feita a regulao (maneira com que o sistema reage s perturbaes de seu ambiente) entre produo, compra, venda, estocagem de forragens e necessidades dos animais e como esta pode ser melhorada.

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  • 33Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

    Consideraes Finais

    A abordagem sistmica um procedimento metodolgico e uma postura frente ao real, que procura abranger ao mesmo tempo as partes constituintes do objeto complexo (o sistema estudado) e as interrelaes que se estabelecem dentro dele e com o exterior, reconciliando as abordagens sincrnicas (estrutura e funcionamento) com as abordagens diacrnicas (evoluo histrica).

    A representao de uma realidade opera uma reduo de sua complexidade. Esta representao conformada nos modelos/esquemas. Um primeiro risco tomar os modelos como uma realidade e no como uma ferramenta para pensar a realidade. Um segundo risco do reducionismo as avessas, quer dizer, explicar o todo sem estudar suas partes constituintes, ou pior, deduzir as partes da observao do todo.

    Finalmente, podemos dizer que a abordagem sistmica uma ferramenta til e necessria em uma ao de desenvolvimento, constituindo-se, sobretudo uma maneira de descobrir problemas que no podiam ser percebidos de outro modo. Entretanto, no tem em si mesma a fora para encontrar uma soluo para os problemas identifi cados, mas permite mobilizar as diferentes reas do conhecimento na formulao de proposies coerentes e apropriadas as diversas situaes problema identifi cadas.

  • 34 Elementos Conceituais para a Representao de Sistemas Agrcolas

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