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Uma visão diferenciada das leituras elaboradas por Ogden e Richards sobre Saussure, incluindo o conteúdo dos Escritos de Linguística Geral.
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Em Busca de um Significado para o Significado: uma crítica
saussuriana às indagações de Ogden e Richards.
Giselle Lopes Souza1
Resumo
A problemática colocada por Ogden e Richards é apresentada como fundamental
quando se deseja questionar a questão do significado em relação a própria
complexidade e completude do termo, e ao criticar as propostas anteriores a eles,
os autores agrupam-nas em um perfil de incompletude, pois incapazes
desenvolver um funcionamento sustentador para a questão do significado os
antecessores são taxados de falaciosos. Assim, este artigo objetiva possibilitar
uma resposta saussuriana às indagações e soluções colocadas pelo The meaning
of the meaning e mostrar a verdadeira questão da teoria saussuriana.
Abstract
The question proposed by Ogden & Richards has been indicated as fundamental
when the term meaning is inquired in his complexity and completed to the criticize
the comprehension until them. They regroup them in a incomplete profile,. in that
way as insufficient theoreticals they can't sustain the operation involved with
meaning thus they became a lieness. Analyzing The meaning of the meaning, this
article wants to brings up the Saussure's answers about the book's questions and
shows up the main questions in Saussure.
1 Mestranda – PPGEL, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e aluna de intercâmbio de mestrado do
IEL- Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
INTRODUÇÃO
“O equívoco, parece-me, está na suposição de que a questão „O que é o significado ?‟ pode ser respondida de um modo direto e conclusivo. A questão é geralmente tratada como se fosse do tipo de uma questão como „Qual é a capital da França ?‟, para a qual uma resposta direta e conclusiva „Paris‟, pode ser dada. Supõe-se que pode ser obtida uma resposta da forma „Significado é isto ou aquilo‟. Mas a questão „O que é significado ?‟ não admite uma resposta direta, „isto ou aquilo‟; sua resposta é , ao contrário, uma teoria toda.” ( KATZ,p. 46.)
As reflexões sobre a relação entre signo, significado, significação, sentido estão a
muito tempo a permear a ideais da Linguística e suas ramificações. Indagações
que vão da linguagem ao discurso, procuram estabelecer diferenças e
dependência entre esses termos, semanticistas intencionam ser os desbravadores
desta grande questão para as relações de sentido.
Mas por onde começar? O que a Linguística em seu momento de configuração
teria a nos acrescentar sobre estas questões? E se pudéssemos obter um olhar
póstumo saussuriano a esta questão em nossos dias, como seriam as respostas
de Saussure?
Assim, o ponto de partida para a escolha do objeto deste artigo encontra-se em
duas observações inerentes a nosso tempo: o fato de muitos desses conceitos já
se apresentarem engessados e considerados, em muitos casos, totalmente
revistos dentro da teoria saussuriana – o que não constitui uma verdade, ainda
mais após as crescentes publicações incluindo os Escritos de Linguística Geral2-
e, ainda, pela necessidade de problematizar as questões colocadas por Ogden e
Richards sobre a necessidade de revisitar o próprio significado do significado e
como isto projeta uma luz às problemáticas contemporâneas.
2 Publicação de 2002, dos achados de 1996.
2. Indagações em torno Ogden e Richards e Saussure: seria o significado a
questão?
Em The meaning of the meaning 3 de Ogden & Richards (1923) lança-se,
novamente aos horizontes da linguística a questão do referente que era abordada
de maneira diferenciada na relação significante e significado da teoria
saussuriana. Desejosos por atender a questão e encontrar uma abertura para
compreender uma relação tríade de significação, a obra fora considerada como o
ovo de Colombo da semântica, procurando justamente definir o significado de
significado (Blikstein, 2003).
Chama-nos, com isto, uma atenção especial para a questão da flutuação
terminológica e da imprecisão com a qual, muitas vezes, utilizamos um termo.
Esta preocupação não se encontra apenas em Ogden e Richards, mas também a
que devera ter passado Saussure ao buscar os mais adequados termos para
constituir uma teoria, sempre refletindo grandes ansiedades, frustrações e,
certamente, preocupações didáticas.
Vejo-me diante de um dilema: ou expor o assunto em
toda a sua complexidade e confessar todas as minhas
dúvidas, o que não pode convir para um curso que
dever ser matéria de exame, ou fazer algo
simplificado, melhor adaptado a um auditório de
estudantes que não são linguistas. Mas a cada passo
vejo-me retido por escrúpulos. (Saussure; apud Salum
em prefácio à Edição Brasileira, op.cit:XVIII)
3 Usamos, juntamente à publicação original a tradução portuguesa para referências no presente
texto. OGDEN, C. K. & RICHARDS, I.A. Osignificado de significado. Um estudo da influência da linguagem sobre o pensamento e sobre aciência do simbolismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. A tradução portuguesa foi elaborada a partir da décima edição do livro (sétima impressão), publicada em 1969.
Assim, também Ogden e Richards apresentam uma preocupação terminológica e
a revelam sobre o próprio termo significado.
“Com efeito, alguma concepção de „significado‟ é pressuposta por toda e qualquer opinião sobre qualquer coisa e uma mudança real de concepção, nesse ponto, envolverá numa mudança em todos os pontos de vista de um pensador coerente. As definições de significado podem ser tratadas sobre três epígrafes. A primeira compreende os Fantasmas linguisticamente gerados; a segunda, e une e distingue os usos ocasionais e erráticos; a terceira abrange, de modo geral, as situações Sinal e Símbolo.” (p. 250)
É possível, portanto, distinguirmos dentre os três momentos indicados por eles,
que um terceiro fora definido pela maneira geral de envolver as relações entre
Sinal e Símbolo: seria neste momento uma crítica, também, a Saussure? Não
apenas, a crítica seria a todos que não se preocuparam com a dificuldade de se
trabalhar com um conceito prévio de significado.
Ainda, Ogden e Richards:
“Um interessante é feito de tal exposição é que nos força a abandonar, por ora, o próprio termo „significado‟ e substituí-lo ou por outros termos tais como „intenção‟, „valor‟, „referente‟ „emoção‟, dos quais ele tem sido usado como sinônimo, ou então pelo símbolo expandido, que contrariamente às expectativas, surge após a algumas dificuldades de somenos.” (p. 250).
Problematização coerente com as buscas das pesquisas atuais, pois muitos
pesquisadores ainda acreditam encontrar a chave mestra para muitas das
problemáticas da semântica na possibilidade de encontrar, na questão do
significado, um suposto elo perdido, pois aqui se se faz presente também os
fantasmas engendrados pela própria linguística na concepção do significado, com
certeza, a sua incapacidade de suplantar o domínio de uma abordagem histórica
em favor de uma abordagem que fosse capaz de justificar o significado como um
instrumento dinâmico das práticas de linguagem (Mari,1998).
Ainda que interessante a indagação, a proposta dos autores não parece resultar
em uma solução para o problema, o que parece claro é que segundo eles deva
existir uma relação de simbiose natural entre intenção, valor e referente e não
consta que a substituição de significado por alguns destes termos constitua uma
solução . O que parece acontecer é um grande embaraço proeminentes de muita
intuição e poucas respostas.
Observemos a correspondência analisada por Blikstein a respeito da terminologia
que seria finalmente resumida ou simplificada pela inserção do referente na
relação de significante/significado e como esta se corresponderia com a
terminologia adotada por Saussure.
Procurando justamente definir o “significado de
significado”, C. K. Ogden e I. A. Richards lançaram a
figura do referente, isto é, a coisa extralinguística, que
distinguiam nitidamente de referência, ou significado
linguístico; ficavam assim superadas, aparentemente,
as relações dicotômicas entre significante e
significado, ou entre signo e realidade, ou ainda entre
signo e pensamento, na medida em que símbolo
(signo, ou melhor significante para Saussure),
referência ou pensamento (significado para Saussure)
e referente (coisa ou objeto extralinguístico).
(BLIKSTEIN, p. 33)
Quão grande desentendimento percebe-se nesta aproximação! Mesmo em
demorada análise não poderíamos saber o que havia de inovador em tal
raciocínio, porém, poder-se-ia supor que o a substituição da terminologia
saussuriana apresentada por Ogden e Richards como uma possível solução para
a questão do significado – trocando assim significado por referência ou
pensamento e símbolo por signo, ou melhor, significante, foi apenas um resultado
de uma má compreensão da teoria de signo. Mas se fosse possível dar a
Saussure a palavra para este caso, acreditamos que obteríamos algo muito
semelhante a isto:
Essa definição suscita uma importante questão de
terminologia. Chamamos signo a combinação do
conceito com a imagem acústica, mas no uso
corrente, esse termo designa geralmente a imagem
acústica apenas, por exemplo, uma palavra (arbor
etc). Esquece-se que se chamamos “árvore”, de tal
maneira que a ideia da parte sensorial implica a do
total.
A ambiguidade desapareceria se designássemos as
três noções aqui presentes por nomes que se
relacionam entre si, ao mesmo tempo em que se
opõem. Propomo-nos a conservar o termo signo para
designar o total, e a substituir conceito e imagem
acústica por significado e significante; estes dois
termos tem a vantagem de assinalar a oposição, que
os separa entre si, quer do total de que fazem parte. (
SAUSSURE, pág. 81)
Assim, se continuarmos a análise confirmaremos ainda mais a tentativa frustrada
de releitura do termo significado, da relação deste com o referente quando
observamos por completo a proposta do triângulo da referência.
A princípio, a essencial diferenciação entre signo, significado e significante fora
feita por Saussure nas palavras do CLG, e o que nos cabe é entendermos,
novamente nas palavras do genebrino, a diferença fundamental entre signo e
símbolo. Pois para Saussure é pela arbitrariedade que o signo se distingue do
símbolo: "O símbolo nunca é completamente arbitrário; ele não é vazio; há sempre
um rudimento de ligação natural entre o significante e o significado. Mas que quer
dizer arbitrário? Quando dizemos que o signo é arbitrário isso "não deve dar a
ideia de que o significante depende da livre escolha do sujeito falante; queremos
dizer que ele é imotivado, isto é arbitrário em relação ao significado, com o qual
não apresenta, na realidade, qualquer ligação natural. (SAUSSURE, 2009
[1916]:126)
Portanto, ao substituir o termo signo ou mesmo significante por símbolo os autores
fazem uma retomada do conceito clássico de referência, propondo apenas uma
releitura e não uma inovação. O símbolo estaria ligado a seu referente, de maneira
indireta, pelo pensamento ou referência. Deste modo a proposta de desvendar o
significado do significado não encontrou grandes respostas no The meaning of the
meaning.
Se não foi, todavia, esta uma possível solução e no contraste com a explicação de
Saussure, também não haveria uma solução em simplesmente substituir a
terminologia, qual seria o problema enfim? Estariam as respostas incorretas ou
seriam as indagações equivocadas? Vejamos um comentário de Lacan4 sobre a
problemática proposta pelos autores, a qual o levara a outra inquisição.
“Y la pregunta que se plantea en este término - qué es
el sentido del sentido? -, es esa una pregunta? En
todo caso, ellos se la plantearon, porque son
neopositivistas. Por mi parte, yo apunto que, se
alguien plantea una pregunta, es que tiene la
4 LACAN, J. Uno por uno. Revista Mundial de Psicoanálisis. n. 43, 1996. p.9-20.
respuesta. Jamás fue planteada una pregunta sin
tener ya respuesta para ella. Ellos quizá ya la tenían,
pero seguro que yo no.” (p.12)5
De maneira análoga a Ogden e Richards, Lacan elabora a questão “En qué se
señala que un signo es signo?” ,entretanto não se pode pensar o signo e ignorar
suas partes, pois nesta segunda pergunta não estaria contida também a primeira?
Voltemos, pois, a Saussure que não se preocupou em questionar o significado do
significado, e nem o signo do signo. Segundo Milner (2003)
El concepto primitivo del Curso es el signo. Se lo puede decir de outra manera: a la inversa de lo que sostiene uma leyenda tenaz, em Saussure no hay, estrictamente hablando, ninguna teoria del signo. Em efecto ¿ em qué podría consistir uma teoria como esa? Sería uma teoria que pregunta: “¿ Qué es um signo?” responderia dando uma definición y confeccionando uma tipología; em general, supondría que hay vários tipos de signos y ofrecería el médio de distinguilos.(MILNER,p. 27)
6
Por isso, Saussure não se preocupou em questionar e definir em longas páginas
do Curso o que seria signo, ou qual seria o termo mais apropriado para as partes
que o compõem, pois mesmo com a substituição de conceito e imagem acústica
por significado e significante não ouve mudança na proposta de continuar com a
adoção de um conceito primitivo de signo, assim: quanto a signo, se nos
5 Eis a pergunta que se coloca ao fim – o que é significado de significado? Seria esta uma pergunta? Em todo
caso se eles a fizeram é porque são neopositivistas. De minha parte, eu pontuo que, se alguém faz uma
pergunta é porque possui a resposta. Jamais se colocou uma pergunta sem apresentar a resposta. Eles,
possivelmente, a teriam, mas asseguro que eu não. ( Trad. Nossa)
6 O conceito primitivo do Curso é o de signo. Se o podemos dizer de outra maneira, ao contrário do que
sustenta na crítica algoz, em Saussure não há, falando estritamente, nenhuma teoria do signo. De fato, em
que consistiria uma teoria como essa? Seria, assim, uma teoria que se indaga: o que é um signo? E então,
responderia dando uma definição e confeccionando uma tipologia, geralmente suporia que haveria vários
tipos de signos e disponibilizaria um meio de diferenciá-los. ( Trad. Nossa)
contentamos com ele, é porque não sabemos por que substituí-lo, visto não nos
sugerir a língua usual nenhum outro (SAUSSURE, 2009 [1916]: 81)
Em relação a teoria de signo apenas uma questão, chamara a atenção de
Saussure de fato a atenção em suas leituras das propostas anteriores que
refletiam a visão clássica de signo: a questão da realidade e o signo.
Onde esta “O SIGNO” na realidade das coisas? Ele esta dentro da nossa cabeça e sua natureza (material ou imaterial, pouco importa) é COMPLEXA; ela não se compõe nem de A, nem mesmo de a, mas, doravante, da associação a/b com eliminação de A e também com a impossibilidade de encontrar o signo em b ou em a tomados separadamente. (SAUSSURE, 2004 [2002] p. 117)
Isto posto, estaria explicitamente colocada a única questão que ele acreditou
importante discriminar sobre signo, mas qual seria, então, a pergunta que
realmente interessaria a Saussure? Vejamos nas palavras de Milner (2003):
...muy lejos de plantearse uma pregunta a su respecto, él permite responder a esta otra: ¿Qué es um elemento linguístico?”. Por esta razón no hay tipologia de signos, por eso mismo Saussure habla sistematicamente no del signo em general sino del signo linguístico, por eso mismo presenta como definición algo que no lo es sino que es más bien uma descripción, cuando no uma convención terminológica.(MILNER, p. 27)
7
Nos parágrafos seguintes iremos adentrar à essência deste elemento linguístico e
suas partes de natureza distinta, com ênfase no significado e suas relações.
7 Muito longe de se plantar um pergunta a esse respeito, ele permite responder a esta outra: o que é um
elemento linguístico? Por essa razão não há tipologia de signo, por isso mesmo que Saussure fala
sistematicamente de signo no geral assumido como signo Linguístico e é , também, por isso que apresenta
como definição algo que não é bem uma teorização e sim descrição, quando não uma convenção
terminológica. (Trad. Nossa)
3. . .pensamento e significado, um lugar para a imaginação.
Mas convém nos determos mais sobre essa própria linguagem. Sobre os signos de que é formada. Sobre a maneira como esses signos remetem ao que indicam. (FOUCAULT, 2007,p. 37)
Ao refletirmos sobre alguns conceitos que chegam para nós uma maneira singular
e que são reconfigurados de acordo com as necessidades das mais diversas
áreas que se propõe tratar do significado e suas relações de sentido, acreditamos
ter que, necessariamente, retornar aos termos pensamento, significado,
significação e valor na configuração da Linguística como tal, e é claro à Saussure
e o Curso de Linguística Geral.
É, também, interessante observarmos a que caminho as questões proposta por
Ogden e Richards nos leva: será interessante pensarmos não apenas o
significado do significado, mas também o princípio que governa o seu uso e quem
sabe a técnica para evitar a confusão. Dever-se-ia, pois, começar pela questão do
pensamento ou referência em substituição da palavra significado, proposta dos
autores, analisaremos o que a teoria saussuriana tem a acrescentar a respeito.
Tomado em si, o pensamento é como uma nebulosa onde nada esta necessariamente delimitado. Não existem idéias preestabelecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da língua.
Perante esse reino flutuante, ofereceriam os sons, por si sós, entidades circunscritas de antemão? Tampouco. A substância fônica não é mais fixa, nem mais rígida; não é um molde a cujas formas o pensamento deve necessariamente acomodar-se, mas uma matéria plástica que se divide, por sua vez, em partes distintas, para fornecer os significantes dos quais o pensamento tem necessidade. (SAUSSURE 2009 [1916], p. 130)
Assim o pensamento não poderia ser confundido com o significado, pois é com a
língua que essa matéria amorfa encontra um intermédio possível para se
discretizar, ou de acordo com o que comenta Parret que a língua seria uma
mediação semiológica, portanto se há algo no campo das ideais este já foi
recortado pela língua.
De acordo com Milner (2003), uma das questões mais notáveis é que o significado
saussuriano é esquivo, inapreensível. Na pequena apresentação realizada pelo
Curso, ele esta determinado pelo significante, mas sem deixar de determina-lo e
ao mesmo tempo ser radicalmente distinto dele. (p. 31. Trad. Nossa).
Definitivamente delongar sobre a questão do significado não parece ter sido a
grande sensibilidade saussuriana, ele se limitaria ao posicionamento tautológico,
mas haveria algo no significado além do próprio conceito, não um objeto, mas algo
além do material: imaginação, como observa com grande sensibilidade o próprio
Milner.
Hay sin embargo outro caminho, intrinsecamente escéptico: el concepto saussuriano no se desejaria explicitar. Solo podría captárselo por alusión, dando um rodeo por las cosas designadas: el significado no es ni la cosa ni el concepto de la cosa, es a lo sumo aquello que permite imaginarse que se há nombrado la cosa. Dicho de outra manera, el significado no respresenta nada, pero permite imaginarse que hay representaciones.(p. 33, grifos do autor)
8
Não havendo, assim, representações no significado e sim uma permissão para se
imaginar que haja. Quem seria o agente dessa imaginação? Seria uma
imaginação livre e individual, na qual cada indivíduo poderia fazê-la? Não o
acreditamos, pois da mesma forma que um indivíduo sozinho não é capaz de
mudar a língua, de intervir em seu funcionamento fora da massa falante, pois é ela
que atua significativamente sobre a língua, que de maneira fortuita institucionaliza
8 Existe, contudo, outro caminho intrinsecamente indiferente. O conceito (significado) saussuriano não
desejaria se fazer explícito. Só poder ser capturado por alusão, permeando a coisa designada: o significado
não é nem a coisa nem o conceito da coisa, mas seria no máximo aquilo que se permite imaginar que há
designado a coisa. Dito de outra maneira, o significado não representa nada, mas permite que se imagine
que haja representações. ( Trad. Nossa)
certos significados e outras não, certas mudanças e não outras. Esse imaginar
também devera ser regrado por algo que é externo ao indivíduo, que esta no
âmbito do social, pois somente as vinculações consagradas pela língua nos
parecem conforme a realidade e assim o individuo abandona qualquer outra que
se possa imaginar (Saussure, 2009 [1916] p.80).
E ainda, se pensarmos na metáfora do jogo de xadrez, dentre as muitas outras
utilizadas por Saussure, veremos as semelhanças dos princípios que regem a
língua com as regras deste jogo tão particular, mas há apenas uma ressalva para
os que desejam compreender este mecanismo. Nas palavras do Curso:
Existe apenas um ponto em que a comparação falha: o jogador de xadrez tem uma intenção de executar o deslocamento e de exercer uma ação sobre o sistema, enquanto a língua não premedita nada; é espontânea e fortuitamente que suas peça se deslocam... para que a partida de xadrez se parecesse em tudo com a língua, seria mister maginar um jogador inconsciente ou falto de inteligência. (SAUSSURE,p. 105)
Em outras palavras não haveria um sujeito agente, intencional que a todo tempo
estaria a questionar sua relação com a língua. Seria neste caso que o falante seria
passivo e estaria satisfeito com a língua e manteria muito mais seu esforço em
apreendê-la e coloca-la em êxito no discurso e este êxito, por sua vez, deve ser
regido por um funcionamento que o sustente e o permita. A seguir colocaremos a
questão do funcionamento em voga e como a teoria saussuriana responderia e
ela.
4. Significação e Valor: funcionamento e a sustentação de uma teoria
inovadora.
“De fato, um estudo cuidadoso da prática de autores proeminentes de todas as escolas leva-nos à conclusão de que, apesar de uma suposição tácita de que o termo é suficientemente entendido, nenhum
princípio governa o seu uso nem existe qualquer técnica pela qual a confusão possa ser evitada.” ( OGDEN E RICHARDS,p.149)
A necessidade de buscar um sentido para o funcionamento desse significado tão
particular unido a um significante sendo estes de natureza diferente e de explicar
como ele se sustentaria sem a necessidade de um referente numa relação triadica
como a de Ogden e Richards levou Saussure a construir uma teoria e, também, a
interrogações como esta.
Subsiste, empero, um enigma. Como puede el signo sostenerse unido em ausencia de toda relación interior. Em ausencia de um mítico amo de las palavras, em ausencia de todo punto fijo externo? Aqui interviene uma de las innovaciones más importantes de la doctrina. Podemos resumirla así: si um signo dado se sostiene, es por los otros signos.(MILNER,p. 36)
9
Uma relação entre signos, na qual um signo se sustém pelo outro e assim aos
demais. Preciso resumo da inovadora e complexa teoria de Valor apresentada
pelo Curso. Mas, antes de nos envolvermos com esta peculiar teoria, acha-se, a
importância de examinar os termos significação e valor e chegarmos a noção
adotada neste trabalho.
Se buscarmos respostas a partir de Saussure e contemplarmos alguns autores
como Barthes, que em sua tentativa de ampliar alguns conceitos no autor
apresenta uma relação distintiva entre significação e valor. O primeiro seria uma
relação vertical entre as partes que compõem o signo e seria responsável pela
união projetiva de um ao outro, a segundo, por sua vez, seria a relação entre
9 Persiste, todavia, um enigma. Como poderia o signo se suster ligado a ausência de toda relação anterior a
ele. Em ausência de uma propriedade mítica das palavras, em ausência de um ponto fixo externo? Aqui
interviria uma das inovações mais importantes da teoria ( de Saussure). Que podemos resumir desta
maneira: se um dado signo se sustém e pelos outros signos. ( Trad. Nossa)
signos, ou seja, a função de projetar horizontalmente um signo ao outro, assim
estaria fora do domínio dos signos individuais (BARTHES apud. Mari, 1999).
Acredita-se ser esta uma extensão deste fragmento do CLG.
“ Quando se fala do valor de uma palavra, pensa-se geralmente, e antes de tudo, na propriedade que tem de representar uma ideia, e nisso está, com efeito, um dos aspectos do valor linguístico. Mas se assim é, em que difere o valor do que se chama significação? Essas duas palavras serão sinônimas? Não o acreditamos, se bem que a confusão seja fácil, visto ser provocada menos pela analogia dos termos do que pela delicadeza da distinção que eles assinalam. ( Saussure, 2009 [1916], pag. 132, 133)
No andamento da página o Curso continua a propor uma separação e
diferenciação entre os termos e ainda acrescenta à significação a definição de ser
a contraparte da imagem auditiva (p. 133). Se refletirmos a este modo não seria a
contraparte da imagem auditiva, o conceito? Assim ela não seria uma função
como emprega Barthes, mas o próprio significado.
Contudo, vale ressaltar a seguinte afirmação de Saussure extraída da recente
publicação dos Escritos de Linguística Geral.
Nós não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos valor, sentido, significação, função ou emprego de uma forma, nem mesmo com a ideia e como conteúdo de uma forma; esses termos são sinônimos. Entretanto é preciso reconhecer que valor exprime, melhor do que qualquer outra palavra, a essência do fato, que é também a essência da língua, a saber que uma forma não significa, mas ela vale: esse é o ponto cardeal. Ela vale, por conseguinte, ela implica a existência de outros valores. ( SAUSSURE,
2004[2002]p. 30)
Em virtude das considerações estarem um tanto diversas entre as duas obras –
que acreditamos compor a obra de Saussure em sua completude – e que a
postura encontrada nos Escritos parece um tanto menos categórica, adotaremos
uma postura em consonância com os achados de 2002 sobre esta questão. Isto
posto, o que mais vale ressaltar é a explicação do autor sobre o funcionamento da
teoria.
Assim, não haveria uma forma e uma ideia correspondente ou uma significação e
um signo correspondente, mas diferenças segundo esta explanação: há, apenas,
em realidade, diferenças de formas e diferenças de significações; por outro lado,
cada uma dessas ordens de diferenças (por conseguinte, de coisas negativas em
si mesmas) só existe como diferenças graças a união com a outra.( SAUSSURE
2004 [2002 p. 42)
De maneira sucinta, pode-se entender o valor como essa relação entre signos em
que prevalece a diferença, na medida em que um signo é o que o outro não é,
tomada como um sistema em que as relações se estabelecem a todo momento, a
língua seria apenas diferenças. Entretanto, haveria todo um funcionamento próprio
para esta relação de valor, acrescentaremos resumidamente uma visão sobre ela,
nas palavras de Bouquet (2004[1997)
Denominado indiferentemente por Saussure sentido ou significação, é concebido como unitário. Complexa,essa teoria do valor o é na medida em que coordena dois fatos, eles mesmos complexos. O primeiro fato (que se pode denominar, num estenograma, o do valor in absentia) faz corresponder termo a termo a teoria do valor e a teoria do arbitrário. O segundo fato ( que se pode etiquetar como o valor in praesentia) associa a este valor proveniente do arbitrário da língua, um valor proveniente do fato sintagmático. (BOUQUET,p. 255)
Haveria, neste sentido, uma maior complexidade de amplitude da teoria que um
simples jogo de diferenças entre os termos, haveria uma regulação que é interna
ao signo e outra que seria externa a ele, que já estaria no âmbito do sistema e
acreditamos que, também, estivesse no âmbito do DISCURSO, que Saussure
aponta em algumas notas dos Escritos.
“ Os vários conceitos estão ali, prontos na língua (ou seja, revestidos de uma forma linguística) como boeuf, lac, ciel, fort, rouge, triste, cinq, fendre, voir. Em que momento, ou em virtude de que operação, de que jogo que se estabelece entre eles, de que condições, esses conceitos formarão o DISCURSO? (SAUSSURE, 2004 [2002] p. 237, grifos do autor.)
Novamente entendemos o caráter fortuito da língua, mesmo quando esta se
apresenta em funcionamento – consideramos discurso em Saussure como a
língua em prática, tomada pela massa falante ou mesmo a língua mais a fala –
pois nada garante a aceitação de uma sequência de palavras e não outra, pois
uma sequência de palavras, por mais rica que seja, pelas ideias que evoca não
indicará jamais para um indivíduo humano, que outro indivíduo ao pronunciá-las,
quer lhe comunicar alguma coisa (Saussure, 2004 [2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscarmos um significado para o significado em Ogden e Richards
encontramos uma problematização de um termo, que para eles, era a chave para
a questão semântica entre o signo e seu sentido. Para isto eles buscaram
encontrar nos modelos anteriores as questões mal resolvidas que, segunde os
autores, apresentavam desde, o ponto de partida, questões errôneas, como o
próprio emprego do termo significado.
Entretanto, a tentativa de solucionar a questão não obtivera êxito, pois de acordo
com nossa análise baseada na teoria saussuriana a quem também se direciona,
indiretamente, os olhares críticos desses autores não seria o termo significado a
questão e sim ele em funcionamento tanto em relação a sua contraparte como em
relação ao sistema da língua e, por fim, sua configuração no discurso. Assim,
acrescentar um terceiro termo a relação só trouxe a tona modelos antigos, os
próprios criticados por Ogden e Richards, eles não conseguiram perceber que
para Saussure o rompimento com o extralinguístico garantiria ao significado o seu
lugar, digamos em si mesmo e em relação com os demais.
Assim, incluir as considerações dos Escritos de Linguística Geral em cotejo com o
Curso nos revela um tom de complexidade ainda maior da teoria saussuriana e
nos dá uma possibilidade de revisitar certas questões propostas pelo GLG.
Podemos, então, resumir a ideia que nos desvirtua da solução proposta pelo The
meaning of the meaning como a não necessidade de inserir o referente para
resolver o problema do significado, pois o referente estaria muito mais envolvido
com a questão de construção de realidade na problemática da linguagem e não da
língua. Observemos as palavras de Saussure:
De maneira que, na realidade, todas essas
denominações são igualmente negativas, significam
apenas com relação às ideias inseridas em outros
termos (igualmente negativos), não têm, em nenhum
momento, a pretensão de se aplicar a um objeto
definido em si e só abordam, na realidade, esse
objeto, quando ele existe, obliquamente ,através e em
nome de tal ou tal ideia particular, do que vai resultar
(exprimindo a coisa grosseiramente), porque nós
tomamos momentaneamente, aqui, esse fator exterior
como base da palavra.(SAUSSURE, 2004 [2002 P.
69, grifos do autor)
Pois aqui esta novamente a imaginação e seu funcionamento também regido pela
massa falante. Nisto certas representações se configuram porque o significado faz
a abertura para a o externo, mas isso não quer dizer que esse externo esteja
realmente presente e nem que seja qualquer objeto. Este tocar oblíquo, quando
ele existe, do real com a língua é em função de um momento do discurso.
Entendemos, enfim, que os conceitos não seriam a grande questão em Saussure,
não por negligência deste, mas pelo seu pleno conhecimento de que um termo
substituído terá a necessidade de outro que lhe seja mais adequado e não
conhecendo ele outro que melhor se apresentasse o que havia de fundamental
era explicar-lhe o funcionamento e sustentar a língua como um sistema de
diferenças.
REFERÊNCIAS
BOUQUET, Simon. . Introdução à Leitura de Saussure. Trad. Carlos A. L. Salum
e Ana Lúcia Franco. 5ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2004 [1997]. 317 p.
BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou A Fabricação da Realidade. 9 Ed. São
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