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Em Busca de um Significado para o Significado: uma crítica saussuriana às indagações de Ogden e Richards. Giselle Lopes Souza 1 Resumo A problemática colocada por Ogden e Richards é apresentada como fundamental quando se deseja questionar a questão do significado em relação a própria complexidade e completude do termo, e ao criticar as propostas anteriores a eles, os autores agrupam-nas em um perfil de incompletude, pois incapazes desenvolver um funcionamento sustentador para a questão do significado os antecessores são taxados de falaciosos. Assim, este artigo objetiva possibilitar uma resposta saussuriana às indagações e soluções colocadas pelo The meaning of the meaning e mostrar a verdadeira questão da teoria saussuriana. Abstract The question proposed by Ogden & Richards has been indicated as fundamental when the term meaning is inquired in his complexity and completed to the criticize the comprehension until them. They regroup them in a incomplete profile,. in that way as insufficient theoreticals they can't sustain the operation involved with meaning thus they became a lieness. Analyzing The meaning of the meaning, this article wants to brings up the Saussure's answers about the book's questions and shows up the main questions in Saussure. 1 Mestranda – PPGEL, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e aluna de intercâmbio de mestrado do IEL- Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em Busca de um Significado para o Significado: uma crítica Saussuriana às indagações de Ogden e Richards

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Uma visão diferenciada das leituras elaboradas por Ogden e Richards sobre Saussure, incluindo o conteúdo dos Escritos de Linguística Geral.

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Em Busca de um Significado para o Significado: uma crítica

saussuriana às indagações de Ogden e Richards.

Giselle Lopes Souza1

Resumo

A problemática colocada por Ogden e Richards é apresentada como fundamental

quando se deseja questionar a questão do significado em relação a própria

complexidade e completude do termo, e ao criticar as propostas anteriores a eles,

os autores agrupam-nas em um perfil de incompletude, pois incapazes

desenvolver um funcionamento sustentador para a questão do significado os

antecessores são taxados de falaciosos. Assim, este artigo objetiva possibilitar

uma resposta saussuriana às indagações e soluções colocadas pelo The meaning

of the meaning e mostrar a verdadeira questão da teoria saussuriana.

Abstract

The question proposed by Ogden & Richards has been indicated as fundamental

when the term meaning is inquired in his complexity and completed to the criticize

the comprehension until them. They regroup them in a incomplete profile,. in that

way as insufficient theoreticals they can't sustain the operation involved with

meaning thus they became a lieness. Analyzing The meaning of the meaning, this

article wants to brings up the Saussure's answers about the book's questions and

shows up the main questions in Saussure.

1 Mestranda – PPGEL, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e aluna de intercâmbio de mestrado do

IEL- Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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INTRODUÇÃO

“O equívoco, parece-me, está na suposição de que a questão „O que é o significado ?‟ pode ser respondida de um modo direto e conclusivo. A questão é geralmente tratada como se fosse do tipo de uma questão como „Qual é a capital da França ?‟, para a qual uma resposta direta e conclusiva „Paris‟, pode ser dada. Supõe-se que pode ser obtida uma resposta da forma „Significado é isto ou aquilo‟. Mas a questão „O que é significado ?‟ não admite uma resposta direta, „isto ou aquilo‟; sua resposta é , ao contrário, uma teoria toda.” ( KATZ,p. 46.)

As reflexões sobre a relação entre signo, significado, significação, sentido estão a

muito tempo a permear a ideais da Linguística e suas ramificações. Indagações

que vão da linguagem ao discurso, procuram estabelecer diferenças e

dependência entre esses termos, semanticistas intencionam ser os desbravadores

desta grande questão para as relações de sentido.

Mas por onde começar? O que a Linguística em seu momento de configuração

teria a nos acrescentar sobre estas questões? E se pudéssemos obter um olhar

póstumo saussuriano a esta questão em nossos dias, como seriam as respostas

de Saussure?

Assim, o ponto de partida para a escolha do objeto deste artigo encontra-se em

duas observações inerentes a nosso tempo: o fato de muitos desses conceitos já

se apresentarem engessados e considerados, em muitos casos, totalmente

revistos dentro da teoria saussuriana – o que não constitui uma verdade, ainda

mais após as crescentes publicações incluindo os Escritos de Linguística Geral2-

e, ainda, pela necessidade de problematizar as questões colocadas por Ogden e

Richards sobre a necessidade de revisitar o próprio significado do significado e

como isto projeta uma luz às problemáticas contemporâneas.

2 Publicação de 2002, dos achados de 1996.

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2. Indagações em torno Ogden e Richards e Saussure: seria o significado a

questão?

Em The meaning of the meaning 3 de Ogden & Richards (1923) lança-se,

novamente aos horizontes da linguística a questão do referente que era abordada

de maneira diferenciada na relação significante e significado da teoria

saussuriana. Desejosos por atender a questão e encontrar uma abertura para

compreender uma relação tríade de significação, a obra fora considerada como o

ovo de Colombo da semântica, procurando justamente definir o significado de

significado (Blikstein, 2003).

Chama-nos, com isto, uma atenção especial para a questão da flutuação

terminológica e da imprecisão com a qual, muitas vezes, utilizamos um termo.

Esta preocupação não se encontra apenas em Ogden e Richards, mas também a

que devera ter passado Saussure ao buscar os mais adequados termos para

constituir uma teoria, sempre refletindo grandes ansiedades, frustrações e,

certamente, preocupações didáticas.

Vejo-me diante de um dilema: ou expor o assunto em

toda a sua complexidade e confessar todas as minhas

dúvidas, o que não pode convir para um curso que

dever ser matéria de exame, ou fazer algo

simplificado, melhor adaptado a um auditório de

estudantes que não são linguistas. Mas a cada passo

vejo-me retido por escrúpulos. (Saussure; apud Salum

em prefácio à Edição Brasileira, op.cit:XVIII)

3 Usamos, juntamente à publicação original a tradução portuguesa para referências no presente

texto. OGDEN, C. K. & RICHARDS, I.A. Osignificado de significado. Um estudo da influência da linguagem sobre o pensamento e sobre aciência do simbolismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. A tradução portuguesa foi elaborada a partir da décima edição do livro (sétima impressão), publicada em 1969.

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Assim, também Ogden e Richards apresentam uma preocupação terminológica e

a revelam sobre o próprio termo significado.

“Com efeito, alguma concepção de „significado‟ é pressuposta por toda e qualquer opinião sobre qualquer coisa e uma mudança real de concepção, nesse ponto, envolverá numa mudança em todos os pontos de vista de um pensador coerente. As definições de significado podem ser tratadas sobre três epígrafes. A primeira compreende os Fantasmas linguisticamente gerados; a segunda, e une e distingue os usos ocasionais e erráticos; a terceira abrange, de modo geral, as situações Sinal e Símbolo.” (p. 250)

É possível, portanto, distinguirmos dentre os três momentos indicados por eles,

que um terceiro fora definido pela maneira geral de envolver as relações entre

Sinal e Símbolo: seria neste momento uma crítica, também, a Saussure? Não

apenas, a crítica seria a todos que não se preocuparam com a dificuldade de se

trabalhar com um conceito prévio de significado.

Ainda, Ogden e Richards:

“Um interessante é feito de tal exposição é que nos força a abandonar, por ora, o próprio termo „significado‟ e substituí-lo ou por outros termos tais como „intenção‟, „valor‟, „referente‟ „emoção‟, dos quais ele tem sido usado como sinônimo, ou então pelo símbolo expandido, que contrariamente às expectativas, surge após a algumas dificuldades de somenos.” (p. 250).

Problematização coerente com as buscas das pesquisas atuais, pois muitos

pesquisadores ainda acreditam encontrar a chave mestra para muitas das

problemáticas da semântica na possibilidade de encontrar, na questão do

significado, um suposto elo perdido, pois aqui se se faz presente também os

fantasmas engendrados pela própria linguística na concepção do significado, com

certeza, a sua incapacidade de suplantar o domínio de uma abordagem histórica

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em favor de uma abordagem que fosse capaz de justificar o significado como um

instrumento dinâmico das práticas de linguagem (Mari,1998).

Ainda que interessante a indagação, a proposta dos autores não parece resultar

em uma solução para o problema, o que parece claro é que segundo eles deva

existir uma relação de simbiose natural entre intenção, valor e referente e não

consta que a substituição de significado por alguns destes termos constitua uma

solução . O que parece acontecer é um grande embaraço proeminentes de muita

intuição e poucas respostas.

Observemos a correspondência analisada por Blikstein a respeito da terminologia

que seria finalmente resumida ou simplificada pela inserção do referente na

relação de significante/significado e como esta se corresponderia com a

terminologia adotada por Saussure.

Procurando justamente definir o “significado de

significado”, C. K. Ogden e I. A. Richards lançaram a

figura do referente, isto é, a coisa extralinguística, que

distinguiam nitidamente de referência, ou significado

linguístico; ficavam assim superadas, aparentemente,

as relações dicotômicas entre significante e

significado, ou entre signo e realidade, ou ainda entre

signo e pensamento, na medida em que símbolo

(signo, ou melhor significante para Saussure),

referência ou pensamento (significado para Saussure)

e referente (coisa ou objeto extralinguístico).

(BLIKSTEIN, p. 33)

Quão grande desentendimento percebe-se nesta aproximação! Mesmo em

demorada análise não poderíamos saber o que havia de inovador em tal

raciocínio, porém, poder-se-ia supor que o a substituição da terminologia

saussuriana apresentada por Ogden e Richards como uma possível solução para

a questão do significado – trocando assim significado por referência ou

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pensamento e símbolo por signo, ou melhor, significante, foi apenas um resultado

de uma má compreensão da teoria de signo. Mas se fosse possível dar a

Saussure a palavra para este caso, acreditamos que obteríamos algo muito

semelhante a isto:

Essa definição suscita uma importante questão de

terminologia. Chamamos signo a combinação do

conceito com a imagem acústica, mas no uso

corrente, esse termo designa geralmente a imagem

acústica apenas, por exemplo, uma palavra (arbor

etc). Esquece-se que se chamamos “árvore”, de tal

maneira que a ideia da parte sensorial implica a do

total.

A ambiguidade desapareceria se designássemos as

três noções aqui presentes por nomes que se

relacionam entre si, ao mesmo tempo em que se

opõem. Propomo-nos a conservar o termo signo para

designar o total, e a substituir conceito e imagem

acústica por significado e significante; estes dois

termos tem a vantagem de assinalar a oposição, que

os separa entre si, quer do total de que fazem parte. (

SAUSSURE, pág. 81)

Assim, se continuarmos a análise confirmaremos ainda mais a tentativa frustrada

de releitura do termo significado, da relação deste com o referente quando

observamos por completo a proposta do triângulo da referência.

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A princípio, a essencial diferenciação entre signo, significado e significante fora

feita por Saussure nas palavras do CLG, e o que nos cabe é entendermos,

novamente nas palavras do genebrino, a diferença fundamental entre signo e

símbolo. Pois para Saussure é pela arbitrariedade que o signo se distingue do

símbolo: "O símbolo nunca é completamente arbitrário; ele não é vazio; há sempre

um rudimento de ligação natural entre o significante e o significado. Mas que quer

dizer arbitrário? Quando dizemos que o signo é arbitrário isso "não deve dar a

ideia de que o significante depende da livre escolha do sujeito falante; queremos

dizer que ele é imotivado, isto é arbitrário em relação ao significado, com o qual

não apresenta, na realidade, qualquer ligação natural. (SAUSSURE, 2009

[1916]:126)

Portanto, ao substituir o termo signo ou mesmo significante por símbolo os autores

fazem uma retomada do conceito clássico de referência, propondo apenas uma

releitura e não uma inovação. O símbolo estaria ligado a seu referente, de maneira

indireta, pelo pensamento ou referência. Deste modo a proposta de desvendar o

significado do significado não encontrou grandes respostas no The meaning of the

meaning.

Se não foi, todavia, esta uma possível solução e no contraste com a explicação de

Saussure, também não haveria uma solução em simplesmente substituir a

terminologia, qual seria o problema enfim? Estariam as respostas incorretas ou

seriam as indagações equivocadas? Vejamos um comentário de Lacan4 sobre a

problemática proposta pelos autores, a qual o levara a outra inquisição.

“Y la pregunta que se plantea en este término - qué es

el sentido del sentido? -, es esa una pregunta? En

todo caso, ellos se la plantearon, porque son

neopositivistas. Por mi parte, yo apunto que, se

alguien plantea una pregunta, es que tiene la

4 LACAN, J. Uno por uno. Revista Mundial de Psicoanálisis. n. 43, 1996. p.9-20.

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respuesta. Jamás fue planteada una pregunta sin

tener ya respuesta para ella. Ellos quizá ya la tenían,

pero seguro que yo no.” (p.12)5

De maneira análoga a Ogden e Richards, Lacan elabora a questão “En qué se

señala que un signo es signo?” ,entretanto não se pode pensar o signo e ignorar

suas partes, pois nesta segunda pergunta não estaria contida também a primeira?

Voltemos, pois, a Saussure que não se preocupou em questionar o significado do

significado, e nem o signo do signo. Segundo Milner (2003)

El concepto primitivo del Curso es el signo. Se lo puede decir de outra manera: a la inversa de lo que sostiene uma leyenda tenaz, em Saussure no hay, estrictamente hablando, ninguna teoria del signo. Em efecto ¿ em qué podría consistir uma teoria como esa? Sería uma teoria que pregunta: “¿ Qué es um signo?” responderia dando uma definición y confeccionando uma tipología; em general, supondría que hay vários tipos de signos y ofrecería el médio de distinguilos.(MILNER,p. 27)

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Por isso, Saussure não se preocupou em questionar e definir em longas páginas

do Curso o que seria signo, ou qual seria o termo mais apropriado para as partes

que o compõem, pois mesmo com a substituição de conceito e imagem acústica

por significado e significante não ouve mudança na proposta de continuar com a

adoção de um conceito primitivo de signo, assim: quanto a signo, se nos

5 Eis a pergunta que se coloca ao fim – o que é significado de significado? Seria esta uma pergunta? Em todo

caso se eles a fizeram é porque são neopositivistas. De minha parte, eu pontuo que, se alguém faz uma

pergunta é porque possui a resposta. Jamais se colocou uma pergunta sem apresentar a resposta. Eles,

possivelmente, a teriam, mas asseguro que eu não. ( Trad. Nossa)

6 O conceito primitivo do Curso é o de signo. Se o podemos dizer de outra maneira, ao contrário do que

sustenta na crítica algoz, em Saussure não há, falando estritamente, nenhuma teoria do signo. De fato, em

que consistiria uma teoria como essa? Seria, assim, uma teoria que se indaga: o que é um signo? E então,

responderia dando uma definição e confeccionando uma tipologia, geralmente suporia que haveria vários

tipos de signos e disponibilizaria um meio de diferenciá-los. ( Trad. Nossa)

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contentamos com ele, é porque não sabemos por que substituí-lo, visto não nos

sugerir a língua usual nenhum outro (SAUSSURE, 2009 [1916]: 81)

Em relação a teoria de signo apenas uma questão, chamara a atenção de

Saussure de fato a atenção em suas leituras das propostas anteriores que

refletiam a visão clássica de signo: a questão da realidade e o signo.

Onde esta “O SIGNO” na realidade das coisas? Ele esta dentro da nossa cabeça e sua natureza (material ou imaterial, pouco importa) é COMPLEXA; ela não se compõe nem de A, nem mesmo de a, mas, doravante, da associação a/b com eliminação de A e também com a impossibilidade de encontrar o signo em b ou em a tomados separadamente. (SAUSSURE, 2004 [2002] p. 117)

Isto posto, estaria explicitamente colocada a única questão que ele acreditou

importante discriminar sobre signo, mas qual seria, então, a pergunta que

realmente interessaria a Saussure? Vejamos nas palavras de Milner (2003):

...muy lejos de plantearse uma pregunta a su respecto, él permite responder a esta otra: ¿Qué es um elemento linguístico?”. Por esta razón no hay tipologia de signos, por eso mismo Saussure habla sistematicamente no del signo em general sino del signo linguístico, por eso mismo presenta como definición algo que no lo es sino que es más bien uma descripción, cuando no uma convención terminológica.(MILNER, p. 27)

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Nos parágrafos seguintes iremos adentrar à essência deste elemento linguístico e

suas partes de natureza distinta, com ênfase no significado e suas relações.

7 Muito longe de se plantar um pergunta a esse respeito, ele permite responder a esta outra: o que é um

elemento linguístico? Por essa razão não há tipologia de signo, por isso mesmo que Saussure fala

sistematicamente de signo no geral assumido como signo Linguístico e é , também, por isso que apresenta

como definição algo que não é bem uma teorização e sim descrição, quando não uma convenção

terminológica. (Trad. Nossa)

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3. . .pensamento e significado, um lugar para a imaginação.

Mas convém nos determos mais sobre essa própria linguagem. Sobre os signos de que é formada. Sobre a maneira como esses signos remetem ao que indicam. (FOUCAULT, 2007,p. 37)

Ao refletirmos sobre alguns conceitos que chegam para nós uma maneira singular

e que são reconfigurados de acordo com as necessidades das mais diversas

áreas que se propõe tratar do significado e suas relações de sentido, acreditamos

ter que, necessariamente, retornar aos termos pensamento, significado,

significação e valor na configuração da Linguística como tal, e é claro à Saussure

e o Curso de Linguística Geral.

É, também, interessante observarmos a que caminho as questões proposta por

Ogden e Richards nos leva: será interessante pensarmos não apenas o

significado do significado, mas também o princípio que governa o seu uso e quem

sabe a técnica para evitar a confusão. Dever-se-ia, pois, começar pela questão do

pensamento ou referência em substituição da palavra significado, proposta dos

autores, analisaremos o que a teoria saussuriana tem a acrescentar a respeito.

Tomado em si, o pensamento é como uma nebulosa onde nada esta necessariamente delimitado. Não existem idéias preestabelecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da língua.

Perante esse reino flutuante, ofereceriam os sons, por si sós, entidades circunscritas de antemão? Tampouco. A substância fônica não é mais fixa, nem mais rígida; não é um molde a cujas formas o pensamento deve necessariamente acomodar-se, mas uma matéria plástica que se divide, por sua vez, em partes distintas, para fornecer os significantes dos quais o pensamento tem necessidade. (SAUSSURE 2009 [1916], p. 130)

Assim o pensamento não poderia ser confundido com o significado, pois é com a

língua que essa matéria amorfa encontra um intermédio possível para se

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discretizar, ou de acordo com o que comenta Parret que a língua seria uma

mediação semiológica, portanto se há algo no campo das ideais este já foi

recortado pela língua.

De acordo com Milner (2003), uma das questões mais notáveis é que o significado

saussuriano é esquivo, inapreensível. Na pequena apresentação realizada pelo

Curso, ele esta determinado pelo significante, mas sem deixar de determina-lo e

ao mesmo tempo ser radicalmente distinto dele. (p. 31. Trad. Nossa).

Definitivamente delongar sobre a questão do significado não parece ter sido a

grande sensibilidade saussuriana, ele se limitaria ao posicionamento tautológico,

mas haveria algo no significado além do próprio conceito, não um objeto, mas algo

além do material: imaginação, como observa com grande sensibilidade o próprio

Milner.

Hay sin embargo outro caminho, intrinsecamente escéptico: el concepto saussuriano no se desejaria explicitar. Solo podría captárselo por alusión, dando um rodeo por las cosas designadas: el significado no es ni la cosa ni el concepto de la cosa, es a lo sumo aquello que permite imaginarse que se há nombrado la cosa. Dicho de outra manera, el significado no respresenta nada, pero permite imaginarse que hay representaciones.(p. 33, grifos do autor)

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Não havendo, assim, representações no significado e sim uma permissão para se

imaginar que haja. Quem seria o agente dessa imaginação? Seria uma

imaginação livre e individual, na qual cada indivíduo poderia fazê-la? Não o

acreditamos, pois da mesma forma que um indivíduo sozinho não é capaz de

mudar a língua, de intervir em seu funcionamento fora da massa falante, pois é ela

que atua significativamente sobre a língua, que de maneira fortuita institucionaliza

8 Existe, contudo, outro caminho intrinsecamente indiferente. O conceito (significado) saussuriano não

desejaria se fazer explícito. Só poder ser capturado por alusão, permeando a coisa designada: o significado

não é nem a coisa nem o conceito da coisa, mas seria no máximo aquilo que se permite imaginar que há

designado a coisa. Dito de outra maneira, o significado não representa nada, mas permite que se imagine

que haja representações. ( Trad. Nossa)

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certos significados e outras não, certas mudanças e não outras. Esse imaginar

também devera ser regrado por algo que é externo ao indivíduo, que esta no

âmbito do social, pois somente as vinculações consagradas pela língua nos

parecem conforme a realidade e assim o individuo abandona qualquer outra que

se possa imaginar (Saussure, 2009 [1916] p.80).

E ainda, se pensarmos na metáfora do jogo de xadrez, dentre as muitas outras

utilizadas por Saussure, veremos as semelhanças dos princípios que regem a

língua com as regras deste jogo tão particular, mas há apenas uma ressalva para

os que desejam compreender este mecanismo. Nas palavras do Curso:

Existe apenas um ponto em que a comparação falha: o jogador de xadrez tem uma intenção de executar o deslocamento e de exercer uma ação sobre o sistema, enquanto a língua não premedita nada; é espontânea e fortuitamente que suas peça se deslocam... para que a partida de xadrez se parecesse em tudo com a língua, seria mister maginar um jogador inconsciente ou falto de inteligência. (SAUSSURE,p. 105)

Em outras palavras não haveria um sujeito agente, intencional que a todo tempo

estaria a questionar sua relação com a língua. Seria neste caso que o falante seria

passivo e estaria satisfeito com a língua e manteria muito mais seu esforço em

apreendê-la e coloca-la em êxito no discurso e este êxito, por sua vez, deve ser

regido por um funcionamento que o sustente e o permita. A seguir colocaremos a

questão do funcionamento em voga e como a teoria saussuriana responderia e

ela.

4. Significação e Valor: funcionamento e a sustentação de uma teoria

inovadora.

“De fato, um estudo cuidadoso da prática de autores proeminentes de todas as escolas leva-nos à conclusão de que, apesar de uma suposição tácita de que o termo é suficientemente entendido, nenhum

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princípio governa o seu uso nem existe qualquer técnica pela qual a confusão possa ser evitada.” ( OGDEN E RICHARDS,p.149)

A necessidade de buscar um sentido para o funcionamento desse significado tão

particular unido a um significante sendo estes de natureza diferente e de explicar

como ele se sustentaria sem a necessidade de um referente numa relação triadica

como a de Ogden e Richards levou Saussure a construir uma teoria e, também, a

interrogações como esta.

Subsiste, empero, um enigma. Como puede el signo sostenerse unido em ausencia de toda relación interior. Em ausencia de um mítico amo de las palavras, em ausencia de todo punto fijo externo? Aqui interviene uma de las innovaciones más importantes de la doctrina. Podemos resumirla así: si um signo dado se sostiene, es por los otros signos.(MILNER,p. 36)

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Uma relação entre signos, na qual um signo se sustém pelo outro e assim aos

demais. Preciso resumo da inovadora e complexa teoria de Valor apresentada

pelo Curso. Mas, antes de nos envolvermos com esta peculiar teoria, acha-se, a

importância de examinar os termos significação e valor e chegarmos a noção

adotada neste trabalho.

Se buscarmos respostas a partir de Saussure e contemplarmos alguns autores

como Barthes, que em sua tentativa de ampliar alguns conceitos no autor

apresenta uma relação distintiva entre significação e valor. O primeiro seria uma

relação vertical entre as partes que compõem o signo e seria responsável pela

união projetiva de um ao outro, a segundo, por sua vez, seria a relação entre

9 Persiste, todavia, um enigma. Como poderia o signo se suster ligado a ausência de toda relação anterior a

ele. Em ausência de uma propriedade mítica das palavras, em ausência de um ponto fixo externo? Aqui

interviria uma das inovações mais importantes da teoria ( de Saussure). Que podemos resumir desta

maneira: se um dado signo se sustém e pelos outros signos. ( Trad. Nossa)

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signos, ou seja, a função de projetar horizontalmente um signo ao outro, assim

estaria fora do domínio dos signos individuais (BARTHES apud. Mari, 1999).

Acredita-se ser esta uma extensão deste fragmento do CLG.

“ Quando se fala do valor de uma palavra, pensa-se geralmente, e antes de tudo, na propriedade que tem de representar uma ideia, e nisso está, com efeito, um dos aspectos do valor linguístico. Mas se assim é, em que difere o valor do que se chama significação? Essas duas palavras serão sinônimas? Não o acreditamos, se bem que a confusão seja fácil, visto ser provocada menos pela analogia dos termos do que pela delicadeza da distinção que eles assinalam. ( Saussure, 2009 [1916], pag. 132, 133)

No andamento da página o Curso continua a propor uma separação e

diferenciação entre os termos e ainda acrescenta à significação a definição de ser

a contraparte da imagem auditiva (p. 133). Se refletirmos a este modo não seria a

contraparte da imagem auditiva, o conceito? Assim ela não seria uma função

como emprega Barthes, mas o próprio significado.

Contudo, vale ressaltar a seguinte afirmação de Saussure extraída da recente

publicação dos Escritos de Linguística Geral.

Nós não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos valor, sentido, significação, função ou emprego de uma forma, nem mesmo com a ideia e como conteúdo de uma forma; esses termos são sinônimos. Entretanto é preciso reconhecer que valor exprime, melhor do que qualquer outra palavra, a essência do fato, que é também a essência da língua, a saber que uma forma não significa, mas ela vale: esse é o ponto cardeal. Ela vale, por conseguinte, ela implica a existência de outros valores. ( SAUSSURE,

2004[2002]p. 30)

Em virtude das considerações estarem um tanto diversas entre as duas obras –

que acreditamos compor a obra de Saussure em sua completude – e que a

postura encontrada nos Escritos parece um tanto menos categórica, adotaremos

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uma postura em consonância com os achados de 2002 sobre esta questão. Isto

posto, o que mais vale ressaltar é a explicação do autor sobre o funcionamento da

teoria.

Assim, não haveria uma forma e uma ideia correspondente ou uma significação e

um signo correspondente, mas diferenças segundo esta explanação: há, apenas,

em realidade, diferenças de formas e diferenças de significações; por outro lado,

cada uma dessas ordens de diferenças (por conseguinte, de coisas negativas em

si mesmas) só existe como diferenças graças a união com a outra.( SAUSSURE

2004 [2002 p. 42)

De maneira sucinta, pode-se entender o valor como essa relação entre signos em

que prevalece a diferença, na medida em que um signo é o que o outro não é,

tomada como um sistema em que as relações se estabelecem a todo momento, a

língua seria apenas diferenças. Entretanto, haveria todo um funcionamento próprio

para esta relação de valor, acrescentaremos resumidamente uma visão sobre ela,

nas palavras de Bouquet (2004[1997)

Denominado indiferentemente por Saussure sentido ou significação, é concebido como unitário. Complexa,essa teoria do valor o é na medida em que coordena dois fatos, eles mesmos complexos. O primeiro fato (que se pode denominar, num estenograma, o do valor in absentia) faz corresponder termo a termo a teoria do valor e a teoria do arbitrário. O segundo fato ( que se pode etiquetar como o valor in praesentia) associa a este valor proveniente do arbitrário da língua, um valor proveniente do fato sintagmático. (BOUQUET,p. 255)

Haveria, neste sentido, uma maior complexidade de amplitude da teoria que um

simples jogo de diferenças entre os termos, haveria uma regulação que é interna

ao signo e outra que seria externa a ele, que já estaria no âmbito do sistema e

acreditamos que, também, estivesse no âmbito do DISCURSO, que Saussure

aponta em algumas notas dos Escritos.

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“ Os vários conceitos estão ali, prontos na língua (ou seja, revestidos de uma forma linguística) como boeuf, lac, ciel, fort, rouge, triste, cinq, fendre, voir. Em que momento, ou em virtude de que operação, de que jogo que se estabelece entre eles, de que condições, esses conceitos formarão o DISCURSO? (SAUSSURE, 2004 [2002] p. 237, grifos do autor.)

Novamente entendemos o caráter fortuito da língua, mesmo quando esta se

apresenta em funcionamento – consideramos discurso em Saussure como a

língua em prática, tomada pela massa falante ou mesmo a língua mais a fala –

pois nada garante a aceitação de uma sequência de palavras e não outra, pois

uma sequência de palavras, por mais rica que seja, pelas ideias que evoca não

indicará jamais para um indivíduo humano, que outro indivíduo ao pronunciá-las,

quer lhe comunicar alguma coisa (Saussure, 2004 [2002).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao buscarmos um significado para o significado em Ogden e Richards

encontramos uma problematização de um termo, que para eles, era a chave para

a questão semântica entre o signo e seu sentido. Para isto eles buscaram

encontrar nos modelos anteriores as questões mal resolvidas que, segunde os

autores, apresentavam desde, o ponto de partida, questões errôneas, como o

próprio emprego do termo significado.

Entretanto, a tentativa de solucionar a questão não obtivera êxito, pois de acordo

com nossa análise baseada na teoria saussuriana a quem também se direciona,

indiretamente, os olhares críticos desses autores não seria o termo significado a

questão e sim ele em funcionamento tanto em relação a sua contraparte como em

relação ao sistema da língua e, por fim, sua configuração no discurso. Assim,

acrescentar um terceiro termo a relação só trouxe a tona modelos antigos, os

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próprios criticados por Ogden e Richards, eles não conseguiram perceber que

para Saussure o rompimento com o extralinguístico garantiria ao significado o seu

lugar, digamos em si mesmo e em relação com os demais.

Assim, incluir as considerações dos Escritos de Linguística Geral em cotejo com o

Curso nos revela um tom de complexidade ainda maior da teoria saussuriana e

nos dá uma possibilidade de revisitar certas questões propostas pelo GLG.

Podemos, então, resumir a ideia que nos desvirtua da solução proposta pelo The

meaning of the meaning como a não necessidade de inserir o referente para

resolver o problema do significado, pois o referente estaria muito mais envolvido

com a questão de construção de realidade na problemática da linguagem e não da

língua. Observemos as palavras de Saussure:

De maneira que, na realidade, todas essas

denominações são igualmente negativas, significam

apenas com relação às ideias inseridas em outros

termos (igualmente negativos), não têm, em nenhum

momento, a pretensão de se aplicar a um objeto

definido em si e só abordam, na realidade, esse

objeto, quando ele existe, obliquamente ,através e em

nome de tal ou tal ideia particular, do que vai resultar

(exprimindo a coisa grosseiramente), porque nós

tomamos momentaneamente, aqui, esse fator exterior

como base da palavra.(SAUSSURE, 2004 [2002 P.

69, grifos do autor)

Pois aqui esta novamente a imaginação e seu funcionamento também regido pela

massa falante. Nisto certas representações se configuram porque o significado faz

a abertura para a o externo, mas isso não quer dizer que esse externo esteja

realmente presente e nem que seja qualquer objeto. Este tocar oblíquo, quando

ele existe, do real com a língua é em função de um momento do discurso.

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Entendemos, enfim, que os conceitos não seriam a grande questão em Saussure,

não por negligência deste, mas pelo seu pleno conhecimento de que um termo

substituído terá a necessidade de outro que lhe seja mais adequado e não

conhecendo ele outro que melhor se apresentasse o que havia de fundamental

era explicar-lhe o funcionamento e sustentar a língua como um sistema de

diferenças.

REFERÊNCIAS

BOUQUET, Simon. . Introdução à Leitura de Saussure. Trad. Carlos A. L. Salum

e Ana Lúcia Franco. 5ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2004 [1997]. 317 p.

BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou A Fabricação da Realidade. 9 Ed. São

Paulo: Cultrix 2003 [1938] 98 p.

CARDOSO, Silvia Helena Barbi. A Questão da Referência: das teorias

clássicas à dispersão de discursos. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

MILNER, Jean-Claude. El Periplo Esstructural: Figuras e Paradigmas. Amorrortu

Editores, Buenos Aires, 2003 [ 2002], 254 p.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. C. Bally e A. Sechehaye

(Org.) com colaboração de A. Riendlinger, Trad. A. Chelini, J. P. Paes e I.

Blikstein 5ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006 [1916]. 279 p.

_________________ . Escritos de Linguística Geral. S. Bouquet e R. Engler.

Trad. Carlos Augusto L. Salum e Ana L. Franco. São Paulo: Cultrix, 2004 [2002].

296 p.