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ENTRE A PRÁTICA E A EXPERIENCIA: O LUGAR DA AÇÃO NOS PROCESSOS TRANSFORMADORES A partir do reconhecimento da centralidade da noção de pratica no campo educacional, esse painel coloca em discussão as relações entre a pratica e a experiência formativa em diferentes contextos problematizando seus sentidos e os seus limites e possibilidades ligados a eles. Articula três trabalhos de diferentes pesquisadores e instituições do sul do Brasil. Professores e pesquisadores da área da educação com fortes interlocuções e repertório no campo da inclusão social, formação de licenciandos e bacharéis na educação superior. Serão apresentados e discutidos tres trabalhos oriundos de pesquisas já desenvolvidas. O primeiros deles versa sobre a formação de licenciados no âmbito do PIBID e o valor do conceito de experiência em John Dewey e Walter Benjamin para pensa lo como pratica formativa. O segundo versa sobre a possível transformação da prática em experiência na formação de trabalhadores sociais em serviço. E o terceiro discute as práticas de ensino e o valor da experiência na formação de pedagogos. De modo geral as abordagens partilham a compreensão de que a prática por si só não garante a experiência em serviço. Palavras-chave: Prática. Formação. Experiência. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 1660 ISSN 2177-336X

ENTRE A PRÁTICA E A EXPERIENCIA: O LUGAR DA AÇÃO … · Em ambas as experiências investigadas, a formação dos educadores fica restrita às questões administrativas e à organização

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ENTRE A PRÁTICA E A EXPERIENCIA: O LUGAR DA AÇÃO NOS

PROCESSOS TRANSFORMADORES

A partir do reconhecimento da centralidade da noção de pratica no campo educacional,

esse painel coloca em discussão as relações entre a pratica e a experiência formativa em

diferentes contextos problematizando seus sentidos e os seus limites e possibilidades

ligados a eles. Articula três trabalhos de diferentes pesquisadores e instituições do sul

do Brasil. Professores e pesquisadores da área da educação com fortes interlocuções e

repertório no campo da inclusão social, formação de licenciandos e bacharéis na

educação superior. Serão apresentados e discutidos tres trabalhos oriundos de pesquisas

já desenvolvidas. O primeiros deles versa sobre a formação de licenciados no âmbito do

PIBID e o valor do conceito de experiência em John Dewey e Walter Benjamin para

pensa lo como pratica formativa. O segundo versa sobre a possível transformação da

prática em experiência na formação de trabalhadores sociais em serviço. E o terceiro

discute as práticas de ensino e o valor da experiência na formação de pedagogos. De

modo geral as abordagens partilham a compreensão de que a prática por si só não

garante a experiência em serviço.

Palavras-chave: Prática. Formação. Experiência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1660ISSN 2177-336X

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EDUCADORES NO CAMPO SOCIAL: UMA PRÁTICA QUE SE CONSTRÓI

PELA EXPERIÊNCIA DE (TRANS)FORMAÇÃO?

Dinora Tereza Zucchetti

Universidade Feevale

Eliana Perez Gonçalves de Moura

Universidade Feevale

RESUMO:

Este trabalho pretende contribuir para o debate dessa mesa coordenada propondo uma

discussão sobre a possibilidade da transformação da prática em experiência no campo

da (trans)formação de trabalhadores sociais. Tendo como locus de analise práticas de

educação não escolar parte-se da identificação da produção "artesanal" de um

conhecimento suficiente, consistente e adequado que, ao permitir aos educadores

superar os desafios impostos pela prática por meio de arranjos locais e situacionais,

mais do que uma formação em serviço, configura a efetiva experiência de

(trans)formação de si e do coletivo dos trabalhadores.

PALAVRAS-CHAVE: Prática; formação; experiência; trabalhadores sociais

INTRODUÇÃO

Atualmente, a educação não escolar vem sendo um lócus de inserção de

educadores leigos e/ou de estagiários de cursos de Licenciaturas, de educadores sociais

e de professores que têm realizado sua formação acadêmica centrada no processo de

aprendizagem escolar. Em geral, esses profissionais se vêem frente aos desafios de uma

área complexa e contraditória que exige conhecimentos pertinentes e a apropriação de

conceitos que extrapolam ou evidenciam as falhas da formação acadêmica oferecida.

Tal constatação provém da investigação desenvolvida1 em duas instituições

reconhecidas pela tradição no atendimento em projetos socioeducativos, voltados às

populações socialmente mais vulnerabilizadas, especialmente, crianças e jovens. Nesta

atividade constatamos que alguns educadores realizam cursos na área de formação de

professores, no Ensino Superior, especialmente, Pedagogia, sendo que outros sequer

concluíram o Ensino Médio, evidenciando que esses educadores, efetivamente, se

formam mais em serviço.

1 “Formação de Educadores em Práticas Sócio Educativas” (CNPq) ocupou-se em compreender como se

constrói o educador a partir das concepções de jovem, trabalho e educação presentes em sua formação

pedagógica em serviço. O empírico desta pesquisa se debruçou-se sobre a descrição de reuniões de

formação pedagógica de grupos de trabalho em duas instituições de uma cidade de região metropolitana

de Porto Alegre/RS.

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Em um dos projetos investigados - que executa política pública governamental -

a preocupação com a formação acadêmica de educadores sociais parece-nos ser menos

um item de qualificação para o trabalho e mais uma inserção precarizada de alunos em

estágio não curricular. São jovens educadores atuando com jovens socialmente

vulnerabilizados, ambos sem direito ao emprego e aos direitos sociais, sem remuneração

adequada. Na outra instituição investigada – de terceiro setor – a formação acadêmica

fica relativizada em detrimento da experiência profissional. São costureiras,

marceneiros, operadores de micro computador realizando atividades docentes.

No enfrentamento da demanda por qualificação, ambos projetos, têm a formação

em serviço como prática preferencial. No entanto, quando voltamos nosso olhar mais

atento sobre o cotidiano dessas práticas observamos algumas características comuns que

merecem detalhamento. No âmbito do presente trabalho, pretendemos fomentar aqui,

em especial, a reflexão em torno da experiência no campo da (trans)formação de

trabalhadores (educadores) sociais. Para tanto, partimos da concepção de prática

pedagógica como as formas pelas quais os/as educadores/as conduzem suas atividades

(desde a seleção de técnicas e procedimentos de ensino até a forma como se relacionam

com os conteúdos e com os/as educandos/as) as quais expressam o conjunto dos

elementos de referência (saberes e fazeres) que dão sentido e significação às suas ações

e que instituem o seu modo (singular) de ser educador/a. A esse modo singular de ser

educador/a chamamos experiência.

A prática dos/as educadores/as e a produção de demandas por formação.

Ambos os grupos de trabalho são coordenados por pedagogas, contam com a

presença das diretoras dos referidos projetos nos grupos de formação e os encontros têm

uma periodicidade mensal. Nas reuniões ditas pedagógicas, de acompanhamento e

avaliação, os educadores expõem suas experiências e têm ressaltada a importância das

trocas entre eles, para o bem do trabalho. Os grupos também se assemelham quanto à

forma dos educadores auto nomearem-se, independente da origem profissional, seja ela

na formação de professores ou não, todos se apresentam como educadores.

Contudo, a forma de referirem-se aos jovens com as quais trabalham difere. São

reconhecidos e nomeados como alunos, aqueles que estão vinculados ao projeto onde a

formação profissional está desenhada na forma de cursos na instituição de terceiro setor,

e são chamados de jovens, os que participam do projeto governamental que se assenta

numa proposta de promoção da cidadania. Neste caso, sem um foco tão marcado na

formação para uma profissão tende-se a operar com um vocabulário que remete menos à

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educação escolar. Sala de aula, conteúdos, cursos são expressões utilizadas pelos

educadores que atuam no terceiro setor.

Nas reuniões, o vínculo dos educadores com os jovens é trabalhado e estimulado

como um recurso para a boa convivência. Dar-se bem com o jovem aparece como um

atributo natural e/ou necessário a ser desenvolvido para que o trabalho flua e para que

os objetivos sejam atingidos. Talvez na base dessa boa convivência esteja, ao menos

discursivamente, uma relação educador/educando pretensamente horizontalizada,

conforme enunciado por J.: “(....) a gente se trata de igual para igual. Eu aprendo com

eles assim como eles aprendem comigo”.

Porém M., ao mesmo tempo em que adere ao discurso positivo do vínculo deixa

subjacente a ideia de que nem sempre se está disponível a essa abertura:

“(...) o que mais influencia o meu trabalho aqui é o vínculo, que aumenta

a cada dia. Eu procuro ser um pouco diferente e não deveria (....) eu

consigo trabalhar através da alegria, do entender, consigo trabalhar

tranquilamente o meu conteúdo. Ter esse vínculo é entrar na sala de aula

e dar um sorriso, dar um bom dia antes de entrar na matéria, mas você

não está sempre sorridente e com essa ideia de estar sempre disposto a

acolher(...)”

Em ambas as experiências investigadas, a formação dos educadores fica restrita

às questões administrativas e à organização sucessiva de eventos – que pouco tem de

continuidade entre si, mas que são trabalhadas como se houvesse interlocução – onde as

trocas em geral se dão pelo relato de experiências/vivências onde, geralmente, o senso

comum naturaliza o fazer pedagógico: o ambiente ensina, o encontro ensina. A pouca

crítica que se faz presente se enuncia no sentido da importância da qualificação: “o

trabalho de forma mais estruturada, mais formalizada, nos remete a uma coisa mais

profissional”, afirma a pedagoga A.

Mas, qual o sentido atribuído aqui, a palavra profissional? Parece-nos que há

dois sentidos: quando as falas remetem à metodologia preferencial na formação do

profissional, sobressaem-se as expressões: palestras, capacitações, oficinas e leituras.

No entanto, a ênfase maior, está no exercício da manualidade - “colocar a mão na

massa” - e não na produção do conhecimento intelectual que reflexiona a prática para a

construção da teoria, numa relação dialógica.

Assim, a “formação” implementada incorpora um sentido ligado ao plano

mecânico, sem nenhuma reflexão, e a intervenção do educador passa pelas imagens de

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suas experiências de trabalho, o que também reproduz a precarização dessas

intervenções.

Nesse sentido, a diretora M. expressa sua preocupação com a “mesmice” das

práticas ao afirmar que: “fica difícil exigir do nosso aluno qualificação se a gente não

se qualifica, se a gente não busca melhoria”. No entanto, parece que a propalada

qualificação não ultrapassa a experiência do doméstico.

Contudo, para os educadores, as estratégias pedagógicas parecem constituir o

eixo estruturante de sua experiência. Temos observado que as estratégias pedagógicas

adotadas são desde atividades que, a primeira vista, engajam e envolvem os jovens

como assembléias (para tratar de algum assunto polêmico, ou de interesse) até as

viagens (de lazer, de novas experiências, etc.). No entanto, é surpreendente o quanto

essas atividades fundamentam-se e fomentam a lógica da produtividade, estabelecendo

metas, atribuindo prazos, numa lógica às avessas ao objetivo proposto.

Também observamos que, de forma explicita, o lugar dos jovens na discussão

dos educadores tem pouco destaque. Pouco se fala deles e quando são citados,

normalmente, é para tratar de algum “caso” no sentido de problema: a evasão da escola,

o desaparecimento do grupo, questões familiares, etc., reduzindo o educador a um mero

escutador, um contador de histórias onde os jovens e seus familiares são sempre

concebidos como sujeitos de falta.

Evidencia-se, nas falas dos educadores, que o jovem é um sujeito rústico,

conforme o comentário de J.: “aí eles começam a se tocar, (...) tem esse negócio dos

apelidos, (...) eles querem incomodar”. Esta compreensão parece contribuir para

produzir o educador como alguém que deve interditar os ímpetos dos jovens em favor

da sua civilidade, numa relação que é, por vezes, autoritária e nem sempre respeitosa.

Configura-se, assim, uma relação repleta de frustração por parte dos educadores porque

os jovens produzem outros sentidos para a experiência de estar participando nos espaços

socioeducativos. Conforme alguns estudos já demonstraram, nos projetos

socioeducativos, o trabalho e/ou a formação para o mundo do trabalho não constituem,

em si, uma centralidade, mas, sim, a própria experiência de estar aí (ZUCCHETTI,

2003).

Cria-se, deste modo, um abismo entre os sentidos da experiência que são

produzidos pelos/as educadores/as e as vivências dos/as jovens nesses mesmos espaços.

O abismo torna-se ainda maior quando constatamos que, no cotidiano, estas práticas se

materializam baseadas num caráter mecânico, desprovido de um necessário

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acompanhamento reflexivo. Isto contribui para intensificar a ideia de que o/a educador/a

do campo social, quando sem formação acadêmica, desenvolve uma prática de segunda

linha. Por outro lado, quando existe a formação acadêmica, geralmente, ela é

descontextualizada da experiência da educação social.

A formação de educadores para as práticas de educação não escolar

Nas duas últimas décadas, as práticas de educação não escolar passaram a atrair

jovens educadores que, recém-saídos das universidades se viram compelidos a trabalhar

no campo social por falta de alternativa mais atraente. Sendo, em geral, atividades de

tempo parcial, muitos educadores acabam considerando uma vantagem trabalharem sob

tais condições posto que conseguem coadunar trabalho com estudos e/ou outras

atividades remuneradas.

Ainda que desenvolvido em condições desfavoráveis - porque sem garantias

legais, às vezes, até na modalidade de estágio voluntário - para esses educadores,

trabalhar no âmbito das práticas de educação não escolar, representa permanecerem

vinculados ao universo de referência para o qual receberam, ou estão recebendo,

formação acadêmica: a educação.

De acordo com Sá (2000), independentemente de a prática educativa ocorrer no

espaço escolar ou não escolar, esta não chega a bom termo sem a ação docente que lhe é

intrínseca. Para o referido autor, a prática educativa refere-se a "uma postura

intencionalizada que possui suas nuances em função das especificidades das naturezas

dos locus de formação humana, porém, a atividade docente é basilar" (SÁ, 2000, p.179).

Contudo, ao inserirem-se nos espaços de educação não escolar, frequentemente,

esses jovens educadores constatam a impossibilidade de aplicação do conhecimento que

receberam em sua formação acadêmica. Muitos ainda tentam utilizar algumas

referências formativas, adaptando-as ao contexto. A posse de um diploma universitário

não parece ser suficiente para subsidiar sua prática educativa, porque, em geral, esses

educadores demandam um conhecimento que consideram imprescindível e que,

segundo eles, não receberam no processo de formação acadêmica de sua profissão

original.

Mais cedo ou mais tarde, esses profissionais acabam concluindo que sua

formação acadêmica não os preparou para uma ação docente no espaço não escolar. É

nesse momento que - geralmente, por meio de estratégias coletivas - os educadores se

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engajam em processos de discussão e reflexão de seu fazer que acabam assumindo

características de uma formação em serviço. No que se refere ao grupo que

investigamos, todos introduziram e incorporaram a sua rotina semanal e/ou mensal

atividades de reuniões de discussão; grupo de estudos; seminários teóricos, etc, para

além das reuniões institucionais mencionadas.

Nesse sentido, podemos supor que a instauração espontânea de práticas desse

tipo que visam criar um espaço coletivo de discussão e troca de experiências em torno

de problemas/dificuldades comum a todos, configura uma explícita vontade de

formação. Uma vontade de formação que enfrenta os obstáculos do ofício com

tenacidade e persistência para construir um saber adequado e compatível as "nuances"

da prática, capaz de subsidiar teórica e metodologicamente seu fazer. Estas estratégias

evidenciam a produção "artesanal" de um conhecimento suficiente, consistente e

adequado às especificidades desse locus: a educação não escolar. A essa produção

"artesanal" de um conhecimento que nasce colado ao fazer, que permite aos educadores

superar os desafios impostos pela prática, por meio de arranjos locais e situacionais, de

mais do que uma formação em serviço, configura a efetiva experiência de

(trans)formação.

Contudo, convém não desconsiderar que esse esforço para produção artesanal de

conhecimento não escapa da cooptação das forças e interesses do capital que se

beneficiam desse fenômeno. Reconhecemos que, por um lado, essas iniciativas são fruto

da paixão criativa e do compromisso desses educadores; mas, por outro, também são

expressões de um processo de maquinação social que, na esteira das atuais tendências

de precarização do trabalho, propositalmente, colocam sobre os próprios educadores a

responsabilidade de suprir suas defasagens formativas. Ou seja, como estes educadores

não encontram respaldo teórico e metodológico para sua prática pedagógica, através dos

conhecimentos tradicionais que estão sendo oferecidos nos cursos de graduação; diante

das peculiaridades das práticas de educação não escolar, ao lançarem mão da formação

em serviço ao mesmo tempo que constroem ações alternativas às dificuldades

encontradas, também operam sobre si uma ação de diferenciar-se, isso é (trans)formar-

se.

Contudo, preocupa-nos supor que essas "iniciativas" fazem parte de um

maquinismo social; um processo social que conduz esses sujeitos inserirem-se em um

campo de trabalho - o terceiro setor tanto quanto o estado - que, sequer, reconhece ou

admite sua condição de trabalhadores precarizados. É muito comum que estes

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educadores dediquem uma grande parte de sua carga horária semanal, além das horas

trabalhadas diretamente nos projetos, aos encontros de discussão e grupos de estudo

com seus pares. Ora, estamos falando de horas de trabalho não remuneradas.

Evidentemente, não desconhecemos que os educadores constroem um

conhecimento sólido que passa a subsidiar suas práticas e balizar seu campo de

problematização e intervenção o que possibilita essa prática vir a transformar-se em

experiência posto que, desse modo, os educadores atribuem sentido àquilo que realizam

porque se trata de um saber construído no coletivo e que possui, portanto, a legitimação

e autorização de outros educadores. Este é um dos pontos positivos do fenômeno, mas,

não podemos perder de vista a outra face que se oculta sob as engrenagens e

mecanismos de funcionamento do capital.

Na criação de estratégias de formação, a experiência pela dimensão do coletivo

O grupo investigado operacionaliza sua formação por meio de diversos recursos

desde os tradicionais grupos de estudo, passando por oficinas, seminários, conferências,

até o uso de técnicas de filmagem de depoimentos e posterior discussão. Todos

constituem ferramentas que privilegiam a dimensão coletiva da prática demonstrando a

intencionalidade do grupo em construir uma forma específica e singular de inserção à

esfera do trabalho; apontando uma oportunidade de ali gestar-se um movimento

semelhante aos protagonizados pelos educadores do Ceará e de São Paulo que se

mobilizaram em torno da proposição do PL 5346/09. Nesse sentido, cabe lembrar que,

em cada período histórico se desenvolveu uma forma de inclusão à esfera do trabalho

por meio de grupos, redes sociais ou espaços de pertencimento, que garantiam o

reconhecimento social do conhecimento e dos serviços a serem prestados por seus

membros. (FRANZOI, 2006, p.30)

Esses movimentos seguem uma trajetória que, geralmente, resultam num

processo de institucionalização fundando uma nova categoria profissional, uma nova

profissão. Entretanto, enquanto isto, imersos na crescente precarização do trabalho que

se instala, os educadores pesquisados buscam formas de atribuir significado social para

sua atividade. Diante das inúmeras e, muitas vezes, devastadoras dificuldades ali

colocadas, em geral, recorrem a velhos modelos explicativos para seus fracassos, os

quais na maioria das vezes é um modelo individualista. O diálogo abaixo demonstra

esta forma de leitura:

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Educador A: - Por exemplo, tem uma formação e tudo e depois chega na

realidade... Que nem, por exemplo, não sei se entra em debate, mas aconteceu

isso na realidade onde eu trabalho, né, as professoras as vezes super formadas

e chega lá e em 2 ou 3 meses tá tomando remédio pros nervos, de não

aguentar por causa da agitação[...]

Educador B - É porque pra trabalhar num lugar desses não basta ter

formação, tem que gostar e querer.

Este vem sendo o modo dominante de significar a prática: personaliza-se,

individualiza-se a experiência coletiva, acreditando que tudo se resume em falta de

“vocação”. No entanto, as contingências que envolvem o trabalho desses educadores

demonstram que um “fracasso” é muito mais do que dificuldade pessoal.

Outro modo é comparar-se sua prática com o trabalho escolar, considerando o

trabalho desenvolvido no campo social muitíssimo mais desafiador (o que é), porque

não possui “prescrições”, porque, simplesmente, nenhuma prescrição consegue

antecipar esse fazer.

Educador C: -Exatamente. Eu já me deparei também com muita gente que

chega lá, acha que é uma coisa, quando se dá conta daquilo ali, não quer

mais, né. É bem diferente de uma escola, que vem o planejamento pronto, tu só

administra as tuas aulas, mas tu ganha né, até o final do ano tudo o quanto tu

vai ter que dar de conteúdo, e lá não, lá tu tem que fazer.

Por outro lado, também emergem nas falas dos educadores aspectos singulares e

complexos da prática.

Educador D: - A realidade presente no local. Que as vezes a pessoa tá de fora

e acha assim ah mas que bonito ali tu trabalhando, mas quando vai pra dentro

da unidade se depara com coisas que, as vezes, não estava preparado... Eu

acho que tem que ter um preparo assim, um convívio mais presente[...] Não sei

se eu teria as palavras certas pra falar, mas no meu ver é assim, né. Mais

experiências assim antes[...].

Com efeito, trata-se de um contexto de trabalho que acolhe uma ampla

diversidade de aspectos o que, por um lado, é positivo. Mas, por outro, essas

vicissitudes são responsáveis por escamotear a precarização do trabalho. Talvez, seja

por conta desse contexto que os educadores, por vezes, desejem sua profissionalização,

conforme demonstra o comentário abaixo:

Educador E: Tem professor de história dando informática, tem professor de

educação física dando dança, então cada um deles tá lá fazendo a sua função,

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mas desempenha outras funções, né, que é a pedagógica. Então, nenhum de

nós tem uma formação exata, né, de educador.

Como forma de aplacar as contingências que advêm da diversidade de áreas de

formação, os educadores se articulam para realizarem sua formação em serviço de

forma coletiva. Conforme excertos abaixo:

Educador F: É, no início ela tinha pensado em criar esse espaço dentro das

próprias oficinas, de pegar a oficina de dança e ter um momento para se

debater assuntos do cotidiano das crianças, só que daí ela viu que isso era

impossível, que não tinha como dá a formação de dança e ainda trabalhar com

as questões voltadas para o social. Então a oficina da [educadora G] veio para

ser um elo de ligação entre todas as oficinas. Então eu acho que, nesse caso

aqui, nos objetivos de formação poderia ser isso também: esse elo que juntasse

todas essa formações que nós temos com um objetivo mais comum, mais

voltado pra prática social.

Nesse movimento, buscam construir pontos de contato entre a diversidade

teórica e técnica que emerge da pluralidade formativa, forjando convergências tácitas a

fim de reunirem-se em torno de uma identidade necessária ao exercício de uma prática

que se forja na precariedade da própria formação.

Educadora H: [...] pensar o nosso trabalho, poder estar num espaço pensando

a forma como a gente tá fazendo a partir do que a gente tem de formação

dentro desse espaço que não exige essa formação, pode ser diversificada,

haver a formação da educação física ou do teatro... Eu acho que é essa

reflexão sim, e aonde que há um ponto em comum aí. [...] esse ponto que

muitas vezes fica meio disperso e que não se sabe, né, um vai por um caminho,

outro vai pelo outro[...] e devem seguir um caminho parecido.

Este percurso pode resultar num esforço criativo e constitutivo do sentido do

trabalho para esses educadores na medida em que se torna o palco para que ocorram os

embates, as confrontações e negociações dos macetes do ofício. Com efeito, se na

dimensão formal existe uma grande diversidade formativa, ela acaba por se constituir

condição necessária para que, na dimensão da “gestão da atividade”, ocorra um uso de

si por si mesmo que parece estar represado num oceano de palavras não autorizadas.

Caberia indagar se seria esta a autorização que os educadores buscam quando

demandam uma suposta formação específica e até mesmo a profissionalização? Talvez

uma sistematização que apontasse e, rapidamente, localizasse pontos em comum

naquilo que efetivam em suas práticas. Ao mesmo tempo, devemos acoplar a esta

indagação, uma importante consideração que se refere a aspectos objetivos de cada

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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contexto, porque as experiências são bastante diversas. Por exemplo: uma organização

não governamental impõe uma prática que resulta de políticas públicas de governo e

uma experiência de uma entidade do terceiro setor que define com certa autonomia o

que vai fazer. Ou seja, trata-se de circunstâncias bastante diferentes, nas quais, embora

existam pontos em comum, impõe-se a necessidade de localizar-se claramente onde

estão as convergências. A distância que separa divergências e convergências configura o

espaço de uma prática que se oferece como oportunidade para a experimentação.

REFERÊNCIAS:

COSTA, Marisa C. Vorraber. Trabalho Docente e Profissionalismo. Porto Alegre,

Sulina. 1995.

FRANZOI, Naira Lisboa. Entre a Formação e o Trabalho: trajetórias e

identidadesprofissionais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.

SÁ, Ricardo Antunes de. Pedagogia: identidade e formação. O trabalho pedagógico nos

processos educativos não-escolares. Educar, Curitiba, N 16, pp. 171-180, 2000.

ZUCCHETTI, Dinora T. Jovens: a educação, o trabalho e o cuidado como éticas de ser

e estar no mundo. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2003.

ZUCCHETTI, Dinora T.; MENESES, Magali M.; MOURA, Eliana. Experiências

Sociais: o que é possível ver de onde estamos? Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 9,

p. 37-46, 2010.

ZUCCHETTI, Dinora T.; MOURA, Eliana. Práticas socioeducativas e formação de

educadores: novos desafios no campo social. Ensaio (Fundação Cesgranrio. Impresso),

v. 18, p. 9-28, 2010 a.

ZUCCHETTI, Dinora T.; MOURA, Eliana. Educação além da escola: acolhida a outros

saberes. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso), v. 40, p. 338, 2010

b.

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PENSAR O PIBID (PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE

INICIAÇÃO À DOCÊNCIA): DA PRÁTICA À EXPERIÊNCIA

Cleber Gibbon Ratto

Programa de Pós-Graduação em Educação – UNILASALLE

Pesquisador do CNPq. Bolsista de Produtividade

Fabiane Franciscone

Programa de Pós-Graduação em Educação – UNILASALLE

RESUMO

Este trabalho está na fronteira da filosofia da educação com o campo da didática e das

práticas de ensino. São colocadas em discussão as potencialidades do Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) como prática de formação que

pode, ou não, caminhar na direção da experiência formativa. Para examinar tais

conceitos e demarcar o problema a ser discutido no painel, são tomadas noções de

experiência a partir de duas tradições distintas, mas confluentes, a saber: o pensamento

pragmatista de John Dewey e a noção crítica de experiência em Walter Benjamin. Com

o exame conceitual se levantam os limites e possibilidades culturais da experiência

formativa na atualidade, às quais o PIBID pode e deve fazer frente, dados seus

objetivos.

PALAVRAS-CHAVE: formação; experiência; prática; PIBID

Este texto se dá ao leitor na forma de um ensaio teórico, decorrente das reflexões

desenvolvidas por nós no âmbito do PIBID. É um estudo que se produz na intersecção

da filosofia da educação com a didática e as práticas de ensino, especialmente no campo

da formação de professores. O desafio de pensar o PIBID entre a prática e a

experiência requer uma breve contextualização situando-o no conjunto das ações que

visam aproximar a Universidade e a Educação Básica, dando sentido à experiência de

formação docente como formação humana, que atinge e ultrapassa o treinamento

técnico.

De modo especial, na circunstância em que o PIBID esteve sob risco de

apagamento, frente aos desafios pelos quais passa o país, este trabalho soma-se aos

esforços de consolidação e reconhecimento do Programa como uma estratégia

fundamental ao enfrentamento da crise das licenciaturas e da própria profissão docente.

Nosso argumento se constrói em torno da ideia de que não basta estar na prática

para formar-se professor. É necessário trabalhar na construção de espaços de prática que

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possibilitem a “experiência”, sob pena da prática se ver esvaziada de sentido, tanto

quanto uma formação meramente teórico-técnica.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, executado

no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,

tem por finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o

aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de

qualidade da educação básica pública brasileira (BRASIL, DECRETO n. 7.219, 2010).

O PIBID tem por objetivos, basicamente:

I) incentivar a formação de professores para a educação básica, apoiando

os estudantes que optam pela carreira docente e valorizar o magistério, contribuindo

para a elevação da qualidade da escola pública;

II) elevar a qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de

professores nos cursos de licenciatura das instituições de educação superior;

III) inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação,

promovendo a integração entre educação superior e educação básica;

IV) proporcionar aos futuros professores participação em

experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e

interdisciplinar e que busquem a superação de problemas identificados no processo de

ensino-aprendizagem, levando em consideração o desempenho da escola em

avaliações nacionais, como Provinha Brasil, Prova Brasil, SAEB, ENEM, entre outras;

V) incentivar escolas públicas de educação básica, tornando-as protagonistas

nos processos formativos dos estudantes das licenciaturas, mobilizando seus

professores como co-formadores dos futuros docentes. (BRASIL, Portaria n. 72/2010)

Antes disso, entretanto, no seu lançamento em 2007, a prioridade de

atendimento eram as áreas de Física, Química, Biologia e Matemática para o ensino

médio, levando em conta a carência de professores nessas áreas. A partir dos resultados

dos resultados positivos, as políticas de valorização do magistério e o crescimento da

demanda, “a partir de 2009, o programa passou a atender a toda a Educação Básica,

incluindo educação de jovens e adultos, indígenas, campo e quilombolas.” (SEB,

CAPES, 2012, p.29)

Em 2009, o programa toma força, com o Decreto 6755/2009, que institui a

Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, com

o objetivo de fomentar e organizar, em regime de colaboração entre a União, os

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Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a formação dos profissionais do magistério

para as redes públicas da educação básica, tanto inicial como continuada.

Tal perspectiva vem atrelada a um entendimento da área, de que

A formação de professores deve: a) assumir uma forte

componente prática, centrada na aprendizagem dos alunos e no

estudo de casos concretos; b) passar para „dentro‟ da profissão,

isto é, basear-se na aquisição de uma cultura profissional,

concedendo aos professores mais experientes um papel central

na formação dos mais jovens; c) dedicar uma atenção especial

às dimensões pessoais, trabalhando a capacidade de relação e

de comunicação que define o tato pedagógico; d) valorizar o

trabalho em equipe e o exercício coletivo da profissão; e) estar

marcada por um princípio de responsabilidade social,

favorecendo a comunicação pública e a participação dos

professores no espaço público da educação (NÓVOA, 2010,

s/p)

Vale ressaltar que é também nesta década que tomam força os movimentos de

construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para diferentes áreas de formação na

Educação Superior, com notável importância dada às práticas profissionais ao longo da

formação universitária com o propósito de fomentar a indissociabilidade teoria-prática e

o compromisso social da Universidade com as demandas sociais do país.

Entretanto, formar na/pela prática não pode reduzir-se à inserção progressiva dos

estudantes – e dos professores em formação especialmente – no campo de atuação

profissional. É mais do que isso! Trata-se de constituir nas e com as práticas um campo

de efetiva aprendizagem e diálogo, de modo que “estar na prática” implique ser tocado

por ela, implicar-se, ressignificá-la, viver efetivamente uma “experiência”.

Só nesse caso, a prática se torna a base da construção teórica, dando sentido ao

aprofundamento de seus pressupostos. Do mesmo modo, a teoria também se afasta das

metanarrativas generalistas e homogeneizadoras, permitindo uma efetiva imbricação

teoria-prática-vida. “Antes, [a teoria] se constitui em construtos que podem orientar a

compreensão da prática, num processo intermediado por interpretações subjetivas e

culturais, que ressignifiquem a teoria para contextos específicos.” (CUNHA, 2011,

p.100-101)

Mas o que é viver uma experiência? Eis a questão. Numa tentativa de

compreender os saberes da experiência, Larrosa Bondía aponta:

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o

que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas

coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin,

em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza

o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada

vez mais rara.” (LARROSA BONDÍA, 2002, p.21)

Assim, podemos afirmar que prática não garante experiência, apesar de ser uma

condição importante para ela. A experiência requer condições de abertura sensível ao

que está sendo vivido, de modo que nossos esquemas convencionais de compreensão e

sensibilidade sejam abalados e venhamos a nos transformar. Viver uma experiência

implica expor-se ao não-sabido, tolerar a incerteza da experimentação, a boa angústia de

um ensaio, um esboço, um rascunho... e tudo isso não como “obra incompleta ou

defeituosa”, mas como reconhecimento mesmo da processualidade da vida e da

interminável (trans)formação humana.

Na tradição fenomenológica que aqui nos inspira

“[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos

alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando

falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós

a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos

alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer

uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios

pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim

transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso

do tempo. (HEIDEGGER, 1987, p. 143)

A experiência é uma vivência/prática dotada de sentido, e por isso mesmo

(trans)formadora. A vivência por si só é comum, mas a experiência é, para cada um, sua

singular maneira de dar sentido ao que foi vivido, e nisso consiste a produção de

saberes. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se da subjetivação, do

modo de tornar-se alguém-para-si e alguém-para-os-outros.

Diferentemente das pretensões de neutralidade tão dominantes na racionalidade

técnico-científica, os saberes da experiência somente têm sentido no modo como

configuram uma existência, um caráter, uma sensibilidade, ou em última análise, uma

forma singular de estar no mundo, ao mesmo tempo ética (um modo de agir), estética

(um estilo) e política (um modo de estar na cidade).

Com isso, afirmamos que estar na escola (estar na prática) não basta, é preciso

estar na vida (estar na experiência!), para que a vida volte a habitar a escola e se torne

efetivamente espaço/tempo de aprendizagem para todos (professores, alunos,

estagiários, etc.) Estar na vida (estar na experiência!) significa criar um modo próprio

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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de conectar-se sensivelmente com os acontecimentos e dar sentido ao que acontece

cotidianamente.

É nesta perspectiva que passaremos a discutir, ainda que de modo sumário,

elementos encontrados na noção de experiência em Walter Benjamin e John Dewey, de

modo a provocar um qualificado debate no contexto deste painel.

Ainda que oriundos de tradições distintas, o primeiro ligado à escola crítica do

pensamento alemão e o segundo um pragmatista norte-americano, suas ideias relativas

às condições necessárias para a experiência convergem em elementos que aqui

queremos destacar. A saber: a necessidade de um esforço por continuidade e sentido,

condições de uma experiência efetivamente formadora. Continuidade e sentido

parecem, justamente, antíteses das condições hodiernas. Vivemos num tempo marcado

pela dispersão (SIBILIA, 2012), pela excitação (TÜRCKE, 2010) e pela liquidez

(BAUMAN, 2001).

Notas sobre a experiência em John Dewey

O conceito de experiência é elemento fundante da concepção de educação em

Dewey. Para ele, a própria educação se define como “processo de reconstrução e

reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e

com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras

(DEWEY, 1978, p. 17).

Segundo ele, o que caracteriza uma experiência como “educativa” é justamente

sua capacidade de ampliar as relações estabelecidas entre elementos ambientais, de

modo a desafiar a inteligência prática. Trata-se de um elogio da complexidade como

condição de ampliação das próprias capacidades do pensamento. Assim, para ele, nem

toda experiência seria necessariamente educativa, exceto pelo fato de que ela fez sentido

ao aprendente no contexto de sua existência historicamente concebida. “A crença de que

toda autêntica educação se efetua mediante a experiência não significa que todas as

experiências são verdadeiras ou igualmente educativas. A experiência e a educação não

podem ser diretamente equiparadas uma a outra”. (DEWEY, 1958, p.22)

O que torna autêntica uma experiência, é justamente a possibilidade de ela estar

integrada à totalidade de uma vida, e não isolada como vivência dispersa e

descontextualizada. “Com freqüência, entretanto, a experiência que se tem é incompleta.

Em contraste com tal experiência, temos uma experiência quando o material

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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experienciado segue seu curso até sua realização. Então, e só então, ela é integrada e

delimitada, dentro da corrente geral da experiência, de outras experiências”. (DEWEY,

1980, p. 89)

Assim, pode-se pensar que as características da cultura contemporânea são

desfavoráveis à experiência, no sentido que Dewey lhe atribui. Da crítica reiterada ao

idealismo racionalista que nos teria roubado o corpo e a abertura sensível, parece que

migramos para uma sociedade que vive sob a égide da excitação constante. Uma cultura

que opera justamente por “choques”, condição aparentemente necessária para valorar

uma determinada vivência. “Quanto mais excitante, mais vivo me sinto”.

Entretanto, como aponta Türcke (2010), essa parece ser uma maquinaria muito

bem articulada pelo capitalismo contemporâneo no sentido de produzir a urgência pelo

consumo compulsivo, agora não apenas de produtos, mas das sensações que eles [e sua

publicidade] nos prometem entregar. Teríamos sucumbido a um empirismo utilitário e

de mercado?

É nesta direção que a concepção de Dewey acerca da experiência parece reservar

alguma potência para o agenciamento de nossas práticas educativas na atualidade.

Dewey tenta romper com o dualismo entre empirismo e

racionalismo, e rebate este conceito de experiência, que se

refere ao conhecimento acumulado ao longo do tempo. A

experiência não se limita ao ato no presente, mas também

remonta ao que foi aprendido no passado e se reporta ao futuro

para se aprimorar a inteligência quando existe algum problema.

O ser humano sofre a experiência e reage ao mesmo tempo. É

um ser vivo que está em seu ambiente, sente a repercussão,

reage com a lógica e busca conseguir os meios para se adaptar.

O ponto central para Dewey não é o sujeito nem o objeto, nem

a natureza ou o espírito, mas as relações entre eles: a

experiência significa integração. As ideias e os fatos não

existem fora da experiência. (SANTOS, 2013, p.5)

Agora passaremos a algumas ilações acerca do pensamento de Walter Benjamin,

sobretudo no recorte que optamos por fazer em torno da sua concepção de experiência

como forma de qualificação da vivência moderna [e contemporânea] do flanêur.

Notas sobre a experiência em Walter Benjamin

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1676ISSN 2177-336X

18

Para Walter Benjamin a noção de experiência também é central, especialmente

no que diz respeito ao exame de seu empobrecimento por força das condições de

modernização e tecnicização da cultura.

Ao longo de sua obra, o filósofo alemão Walter Benjamin deu

origem a uma sofisticada teoria da experiência, dialogando, por

um lado, com a teoria do conhecimento – especialmente a

kantiana – e, por outro, com os problemas da ética e da

verdade. Em seus primeiros escritos, considerou a experiência

como um saber mascarado, opressor. Em seguida, após seus

estudos da Crítica da razão pura, entendeu que o conceito

kantiano de experiência era insuficiente para estruturar as

diversas qualidades de experiência. Na década de 30, tempo de

suas obras mais famosas, Benjamin concebeu ainda a

experiência como o conhecimento tradicional, passado de

geração em geração, e que vinha definhando com a

modernidade. Por fim, em 1943, em um ensaio sobre

Baudelaire, Walter Benjamin trouxe a experiência mais ao

campo da sensibilidade... (LIMA e BAPTISTA, 2013, p.451)

Tomaremos de modo mais preciso a noção de experiência derivada do ensaio

sobre Charles Baudelaire, onde Benjamin situa o problema da experiência ante as

circunstâncias culturais da modernização. Ele vê em Baudelaire a expressão mais cara

dessa tensão entre a perda da “aura” da arte pelo advento da modernidade e a

necessidade de construir uma nova lírica, que nos garanta o valor de uma experiência

cultural frente à decadência técnico-científica da modernidade. Referindo-se a

Baudelaire ele diz, claramente, “ele determinou o preço que é preciso pagar para

adquirir a sensação do moderno: a desintegração da aura na vivência do choque”

(Benjamin, 1994, p. 145).

Para Benjamin, os “choques” são a característica mais marcante da

modernidade, que expõe o indivíduo a uma sucessão infindável de vivências excitantes

sob a promessa da “novidade”. Segundo ele, “quanto maior é a participação do fator do

choque em cada uma das impressões, tanto mais constante deve ser a presença do

consciente no interesse em proteger contra os estímulos; quanto maior for o êxito com

que ele operar, tanto menos essas impressões serão incorporadas à experiência, e tanto

mais corresponderão ao conceito de vivência” (Benjamin, 1994, p. 111)

Numa cultura de choques, onde só restaria ao homem marchar pela cidade

moderna em meio a vivências dispersas e excitantes, sem compromisso com a tradição,

as vivências e não as experiências seriam predominantes. Trata-se do modelo de um

“homem [excessivamente] consciente”, que na tentativa de proteger-se da violência de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1677ISSN 2177-336X

19

tamanha excitação [pelas constantes novidades], acaba desprovido de força para a

atividade narrativa que requer, antes de tudo, imaginação e memória.

Daí deriva, no pensamento de Benjamin, o diagnóstico de uma miséria da

experiência na modernidade, contrastante com um excesso de vivências sensoriais

traumáticas, das quais precisaríamos nos defender hipertrofiando a consciência e, em

consequência, vendo empobrecida a produção de sentidos. Sua descrição do mundo

moderno implica o reconhecimento de um excesso de vivências despidas de “aura”

(insignificantes, portanto) obturando os canais da experiência e da narrativa.

Entretanto, Benjamin vê justo em Baudelaire uma potência de enfrentamento das

condições hodiernas. “Dito de outro modo: a ética que Benjamin encontra em

Baudelaire (uma ética para a modernidade) consiste na coragem de assumir a „queda da

auréola‟ do poeta e criar, a partir do material que há disponível, uma poesia que esteja a

altura de ser chamada de lírica”. (LIMA e BAPTISTA, 2013, p.480)

Isso envolve uma aposta num novo lirismo (uma nova ética e uma nova

estética), um modo de enfrentamento das condições traumáticas do contemporâneo, de

modo a garantir alguma possibilidade de sentido e transmissão cultural: alguma razão

para continuar vivendo, mesmo que perdidas as ancoragens da tradição.

Nesse sentido, a imagem do flanêur, estudada por Benjamin, emerge como

possibilidade de uma outra relação com a cidade moderna repleta de armadilhas, e quiçá

nos inspire a uma outra forma de relação com a cidade contemporânea.

Ao errar entre as galerias e bulevares, ao passear pelos

mercados, o flanêur é o ser que vê o mundo de uma maneira

particular, sem a pretensão de explicar, mas com a intenção de

mostrar, levando a vida para cada lugar que vê. Sua paixão é a

exterioridade, na rua encontra o seu refúgio, desvincula-se da

esfera privada, buscando sua identificação com a sociedade na

qual convive. Ocorre, porém, que essa identificação resulta em

grande parte complicada pela natureza complexa da sociedade

moderna. Nas ruas das metrópoles, o flanêur constata que o

homem moderno é vitimado pelas agressões das mercadorias e

anulado pela multidão, estando condenado a vagar pela cidade

como um embriagado em estado de abandono. É essa angústia

que o flanêur representou no século XIX. (MASSAGLI,

2008, p.56)

Uma possibilidade e um risco, simultaneamente. O flanêur vive na tensão entre a

vivência excitante da multidão e a necessidade de fazer de seu “flanar” uma experiência

significativa, digna de ser enunciada.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1678ISSN 2177-336X

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Essa é a psicologia do flanêur, que encontra seu

correspondente, hoje, em uma forma de percepção representada

pela experiência pós-moderna do indivíduo que, seja no

shopping, seja encapsulado em seu carro, ou defronte a uma

tela de TV ou computador, depara-se com a velocidade e a

fragmentação dos fenômenos num nível que Margareth Morse

em seu artigo Ontology of Distraction, chama de semificção,

semelhante à „experiência da multidão‟, que o flanêur urbano

vivenciava nas ruas, avenidas, nas passagens, nos palácios de

cristal de fins do séc. XIX e início do séc. XX. (MASSAGLI,

2008, p.64)

Notemos que aqui, a essa altura da exploração das ideias de Benjamin, nos

encontramos com um elemento comum à preocupação já apontada em Dewey: as

condições de sentido e continuidade.

A experiência formadora, pensada por esses autores no âmago da Modernidade e

já na passagem ao que poderíamos chamar de cultura contemporânea, não será garantida

pela vontade sedentária de um ideal racionalista, nem pelo simples vagar de um

empirismo utilitário. A possibilidade de uma experiência autêntica, como Dewey

pretendia, parece depender de condições de possiblidade que talvez nos caiba favorecer,

como educadores e formadores de outros professores. Nem se fixar na imobilidade de

um racionalismo desencarnado, nem se jogar, apenas, no turbilhão do

“sensacionalismo” (líquido, disperso e demasiadamente excitante) da

contemporaneidade.

Palavras finais

Talvez muito do nosso trabalho, nessa condição de artífices de uma passagem da

prática (vivência) à experiência, se dê exatamente na experimentação de uma

temperança, de uma boa medida, que não nos aliene o corpo vivo dos encontros, mas

que também não nos prive do exercício rigoroso do pensamento.

A inserção cotidiana dos estudantes na paisagem de vida e trabalho dos

professores, por meio do PIBID, parece constituir, efetivamente, uma rica oportunidade

de “flanar” pelas escolas, experimentando seus tempos, espaços e encontros. Entretanto,

a conquista da experiência não é automática ou espontânea. Trata-se da produção de

uma ética e uma estética própria, capaz de extrair da vivência seu potencial

(trans)formador.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1679ISSN 2177-336X

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Para isso precisamos, certamente, fazer algum esforço na contramão da

desenfreada aceleração e competitividade dos nossos dias, que nos dessensibilizam e

embrutecem, inclusive na educação.

“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou

nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é

quase impossível nos tempos que correm: requer parar para

pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais

devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para

sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender

a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o

automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os

olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a

lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar

muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (LARROSA

BONDÍA, 2002, p.24)

É nesta perspectiva que queremos trazer ao debate e reiterar o sentido e o valor

da experiência como condição dos processos (trans)formadores no contemporâneo,

também no âmbito do PIBID. Provocando-nos a pensar no valor das práticas como

possibilidade de formação, mas mais do que isso, no valor existencial da experiência, da

abertura sensível ao outro, ao desconhecido, ao insólito, e também à palavra partilhada

que apazigua, organiza, dá sentido à vivência e permite a narrativa de nossas vidas.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1681ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO INICIAL DOS JOVENS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA: UMA

REFLEXÃO A PARTIR DO CONCEITO DE EXPERIÊNCIA

Miriam Pires Corrêa de Lacerda, PUCRS.

Andréia Mendes dos Santos, PUCRS

Resumo

O artigo se ancora em pesquisa realizada em um Curso de Pedagogia, no interior do

estado do Rio Grande do Sul, cujo objetivo foi investigar a contribuição das atividades

de prática de ensino para a formação dos jovens estudantes. Trata-se de uma pesquisa

qualitativa, exploratória, realizada através de questionário e grupo focal, com 38

graduandos. No texto, discute-se a contribuição dessas atividades para a formação

inicial dos estudantes de Pedagogia. Parte-se da emergência de uma nova configuração

cultural na qual o processo de construção de si passa a ser mediado pela coexistência de

distintas instâncias produtoras de valores e referências culturais. Considerando que a

construção da professoralidade não acontece de forma homogênea, mas envolve tempos,

espaços, experiências e investimentos tanto individuais quanto sociais – e que, à

semelhança de um mosaico, comporta arranjos diferenciados –, acreditamos que esta

investigação poderá contribuir para a qualidade dos Cursos de Licenciatura em

Pedagogia em suas múltiplas possibilidades. E, em especial, para a formação inicial de

professores, bem como para a produção de conhecimento sobre essa formação a partir

da escuta aos licenciandos no que diz respeito aos processos de sua inserção

profissional.

Palavras-chaves: experiência, jovens estudantes, práticas de ensino.

A título de iniciação

O presente artigo é um recorte da pesquisa “A Formação Inicial de Jovens

Estudantes de Pedagogia”. Esta permite conhecer, a partir do olhar do estudante, como

os jovens acadêmicosi da Licenciatura em Pedagogia vivenciam as práticas no espaço

escolar, durante o seu percurso formativo, e compreender como tais experiências

atravessam a constituição de si. E representa, também, uma rica oportunidade para

refletir sobre a formação inicial. Nessa lógica, interessa-nos, pensar como os

investimentos diretamente imbricados na forma como vêm a professoralidadeii e as

referências teórico-práticas e metodológicas vivenciadas no curso operam na

constituição de professores para educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

Tomar como ponto de inflexão a maneira como os jovens vivenciam os

processos formativos requer, preliminarmente, que façamos algumas considerações

acerca das juventudes, uma categoria ainda em processo de construção. A história da

juventude traz as marcas dos modos como ela vem sendo pensada e construída

socialmente. Mais do que em qualquer tempo, a diversidade das experiências e de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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oportunidades, as redes de relacionamento, as práticas sociais dos contextos nos quais

vivem os jovens, entre tantas outras variáveis, “criam as condições de possibilidade, nas

quais se tecem as distintas juventudes que transitam no cenário contemporâneo”

(LACERDA, 2009, p. 60).

Feixa (1999) refere que se operou uma transformação nas discussões que

envolvem a juventude, o que resultou em um deslocamento de antigas problemáticas

para novos enfoques, tendo a identidade, a vida cotidiana e os atores ganhado destaque.

Essa ideia é também corroborada por Reguillo (2000), ao ressaltar a importância dos

dados socioculturais nas análises que fazemos acerca das juventudes. A autora chama a

atenção de que há de se ter cuidado com descrições dos jovens que desconsideram o

contínuo movimento da vida em sociedade e acabam apresentando julgamentos

descontextualizados, tanto do ponto de vista espacial quanto temporal.

A análise da juventude contemporânea precisa ter simultaneamente presente,

tanto os processos ligados à globalização da cultura quanto os referentes à produção e à

circulação de localidades. Nesse contexto, alinhando-se a Pais (2011, p. 20), é possível

afirmar que as juventudes passam a ser pensadas não apenas como uma categoria social

em si, mas como “fase própria do percurso de vida, um tempo de individualização de

biografia, caracterizado pela incerteza e pela adaptação permanente a condições

contextuais em mutação”.

É interessante observar como processos globais se desdobram em

acontecimentos locais, especialmente no que tange às novas exigências educacionais

decorrentes da “intensificação do capitalismo industrial e das demandas de formação do

trabalhador, o que levou à expansão das Instituições de Educação Superior” (SILVA,

2014, p. 60) e à chegada a esse nível de ensino de um novo contingente de estudantes,

outrora excluídos desse padrão educacional.

O estudo que sedia a discussão deste artigo privilegia a análise qualitativa do

fenômeno da formação, sob o ponto de vista dos estudantes. Após a imersão no campo,

observando-se a especificidade desse grupo de acadêmicos que está inscrito em um

mercado de trabalho que pouco dialoga com a escola (indústria moveleira e têxtil),

entendemos que se fazia interessante conhecer como esses estudantes conciliam as

exigências da licenciatura em Pedagogia com a sua realidade cotidiana de trabalho e de

estudo. Pensando-se na perspectiva do tempo de ocupação desses estudantes (entre

trabalho e graduação), optou-se pela utilização de questionários.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1683ISSN 2177-336X

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Escolher a temática das vivências oportunizadas pela imersão dos jovens

estudantes do curso de Pedagogia, no cotidiano escolar e discutir as possibilidades

formativas de futuros docentes para a educação infantil e anos iniciais abre novas

possibilidades no campo educativo. Experiência aqui pensada desde o sentido singular

que cada estudante atribui ao que lhe passa, ao que lhe deixa marcas, no percurso

formativo que vivencia.

Antes de iniciar a discussão sobre o conceito de experiência, esclarecemos a

nossa ideia de formação. Para tanto, pedimos emprestadas as palavras de Larrosa (2002,

p.135) quando sugere pensá-la como algo potencialmente capaz de se insurgir ao

prescrito, ao modelo normativo: “Um devir plural e criativo sem padrão e sem projeto.

Sem uma ideia prescritiva de seu itinerário e sem uma ideia normativa, autoritária e

excludente de seu resultado, disso que os clássicos chamavam humanidade ou chegar a

ser plenamente humano”.

Acerca do conceito de experiência

Gadamer, em Verdade e Método (1997), ao propor a reflexão a respeito da

hermenêutica filosófica articula o seu pensamento com o conceito de experiência,

advertindo para a importância de alargar o entendimento do termo. Isso porque tomá-la

exclusivamente na perspectiva de seus resultados gerou um empobrecimento do

verdadeiro processo da experiência. Pelas mãos desse autor, foi possível apreender o

quanto tal concepção alienou os apelos da historicidade, contribuindo para que as

chamadas Ciências do Espírito também fossem atingidas por tal ponto de vista. Na

oportunidade, o que se constatava era uma glorificação da neutralidade e da

objetividade.

O que Gadamer (1997) nos incita a pensar vai de encontro a essa percepção de

experiência que se funda e se sustenta no experimento. Como distinção importante entre

experiência e experimento, pode-se referir o fato de que a primeira escapa a nossa

possibilidade de planejamento e controle. Sobre esse aspecto, importa destacar que, ao

oportunizar inserções no campo empírico – no chão da escola –, não temos

possibilidade de afirmar com segurança que tais vivências irão se constituir em

experiências para todos os nossos acadêmicos e que, como tal, serão passíveis de operar

transformações.

Em um tempo no qual a ciência se pautava pelos pressupostos da regularidade,

controle e verificabilidade, um dos efeitos dessa concepção para as demais ciências foi a

busca pela objetividade. Acreditou-se que isso seria alcançado. E, nesse sentido, não

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existiria lugar para a historicidade da experiência. No entanto, ao esbarrar na

singularidade de cada um, essa possibilidade de generalização tornou-se muito mais

difícil, visto que o que se armazena da experiência é apenas o seu rastro.

Gadamer (1997) destaca o fato de que, mesmo que vivenciem juntas um mesmo

acontecimento, duas pessoas não têm dele uma mesma experiência. Larrosa (2010, p.3)

corrobora esse entendimento chamando a atenção para a necessidade de limpar a

palavra experiência de todos os matizes empiristas e empiricistas que a tenham

contaminado nos últimos séculos. Isso se a quisermos tomar em sua possibilidade de

formação e transformação da subjetividade.

Quando se considera a experiência na perspectiva de seu resultado, passa-se por

cima do seu verdadeiro processo. “A experiência somente se dá na maneira atual das

observações individuais. Não se pode concebê-la numa generalidade precedente”

(GADAMER, 1997, p. 519). A refutação das falsas universalizações e a destipificação

do típicoiii

é o cerne da experiência na perspectiva referida em Gadamer (1997). Há uma

impossibilidade de fazermos uma experiência que gere universalidades: a verdade da

experiência contém sempre a referência a novas experiências. Ao propor a

reconsideração do conceito de experiência pela via da hermenêutica filosófica, o autor

nos confronta com a finitude de nossas experiências e, desde esse ponto de vista, o que

está em questão é a experiência que a consciência vive.

Dado o escopo deste texto, escolhemos três tópicos para orientar as reflexões sobre as

implicações da experiência na formação dos jovens acadêmicos. São eles: a negatividade da

experiência, o discernimento e a abertura para o outro.

A experiência altera radicalmente a realidade e o saber que, até então, tínhamos

sobre ela. Ao nos transpassar, modifica o olhar que tínhamos sobre um objeto: somos

levados a olhá-lo sob ângulos e matizes até então inexistentes para nós. E isso nos

possibilita saber diferentemente a respeito desse mesmo objeto. Tal interpelação, pelo

estranhamento que provoca, cria as condições de possibilidade para acolhermos novos

jeitos de ser, de fazer, de pensar... Assim, desloca nosso pensamento, faz-nos pensar

sobre o nosso próprio pensar e nos permite mudar o nosso jeito de pensar e de nos

pensarmos. Aqui está uma implicação importante para a formação docente.

Essa prerrogativa da negatividade da experiência que autoriza negar o já sabido

nos permite reconhecer o fato de que o que sabemos tem limites. Por isso, a verdadeira

experiência nos confronta com a nossa finitude. Sob esse aspecto, a experiência pode

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ser pensada como dolorosa. Trata-se agora de reconhecer que existem condições de

possibilidade para que contingências de nossas vidas façam determinados arranjos.

A ideia do homem experimentado, na verdadeira acepção da palavra, remete

àquele que, justamente por reconhecer a sua limitação temporal, torna-se um

experimentador e, nessa medida, o que lhe acontece pode vir a converter-se em

experiência.

O discernimento, assim, é o que nos dá a capacidade de compreender o que

se passa, é a tomada de consciência daquele algo que nos passa e para o qual

ainda não temos palavras. O discernimento é, ao mesmo tempo, um quase-

saber e um além-saber, é um pressentimento, é a faculdade que temos de

conhecer pela negação: nos aproximamos do que é pelo exercício de discernir

o que não é (PEREIRA, LACERDA, 2010, p.381).

Neste artigo, estamos pensando a formação dos jovens estudantes do curso de

Pedagogia enquanto possibilidade de constituição de si. Formação esta que, distinta do

[en]formar, precisa contemplar vivências potencialmente capazes de romper com o

imediato, de desestabilizar certezas, percepções naturalizadas na escola e da escola.

Assim concebida, a formação pode ser pensada como experiência que implica

deixar-se atravessar-se pelo inédito. E, nessa ótica, torna-se plausível pensar que as

vivências de prática do curso de Pedagogia reafirmam a potência de o aprender/ensinar

vir a transformar-se em ato criativo que convoca os sujeitos envolvidos nesse processo a

outras formas de adesão à vida. Nessa perspectiva, o deixar-se atravessar por

experiências de aprendizagem, seja na condição de aprendente ou de ensinante (lugares

sempre provisórios e em movimento), é também inventar e inventar-se.

A artesania de um trabalho: o percurso metodológico

O estudo que se apresenta tem abordagem qualitativa do tipo exploratória e

corresponde à análise parcial das informações coletadas entre os estudantes de uma das

cinco Instituições de Educação Superior do Rio Grande do Sul que oferecem cursos de

Pedagogia na modalidade presencial e que participam do projeto de pesquisa “A

Formação Inicial de Jovens Estudantes de Pedagogia”. Esta, financiada pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Através de grupos focais e de questionário

respondido por acadêmicos do curso de Pedagogia de uma instituição comunitária

localizada no interior do Estado, objetivou-se conhecer como os acadêmicos da

licenciatura em Pedagogia vivenciam as práticas no (e do) espaço escolar, durante o seu

percurso acadêmico.

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A prerrogativa, além da voluntariedade, de o aluno já ter cursado as disciplinas

de Prática de Ensino e Estágio Curricular Supervisionado, estando regularmente

matriculado na disciplina de Seminário Integrado (trabalho de conclusão de curso), ou

sua equivalente, foi considerada como critério de inclusão do sujeito no estudo. Essa

investigação atende ao rigor da ética na pesquisa, com autorização da instituição e

consentimento dos estudantes. As informações qualitativas seguem a análise de

conteúdo de Bardin, (2009) num processo dinâmico de constante confronto entre teoria

e conteúdo que emerge a partir das estratégias selecionadas para essa pesquisa, o que

origina novas concepções e, consequentemente, novos focos de interesse.

O olhar das pesquisadoras sobre os achados

Nossa pesquisa foi composta por 38 jovens que se dispuseram a participar do

estudo, o que corresponde a 41% dos estudantes matriculados neste Curso. Destes,

97,4% são mulheres e encontram-se na faixa etária entre 18 e 20 anos, 56,7%. Ainda em

relação a idade, 21,7% possuem entre 21 e 24 anos e, 21,6% têm entre 25 e 29 anos. No

que tange à etnia, 13,5% se autodeclararam pardos e 84,2%, brancos. Com relação à

renda mensal, 55,2% situam-se na faixa de até um salário mínimo mensal.

Tais achados apontam para uma maior dificuldade de pessoas que pertencem a

minorias étnico-raciais ingressarem na educação superior e para uma mudança no perfil

dos acadêmicos que optam pelo curso de Pedagogia: são mais jovens. Observamos que,

apesar de serem universitários, com uma rotina de estudos que deveria ser permanente,

mais de 10% informaram dispor de menos tempo para realizar leituras e para estudar

(2,6% declararam que não estudavam diariamente e 7,8% ocupavam menos de uma hora

por dia estudando). Além destes, outros 57,8% afirmaram manter uma média de até

cinco horas diárias dedicadas ao estudo, considerando a jornada de trabalho. Entre os

acadêmicos, 36 exercem atividades remuneradas e, destes, 77,1% consideram o trabalho

uma necessidade e 69,4% veem no trabalho fonte de auto realização.

Dos que trabalham, 86,4% informaram ter uma jornada diária de seis a dez

horas. O que significa que possuem múltiplas jornadas, mesmo os que trabalham seis

horas, corroborando com estudos (PAIS, 2001; IPEA, 2013) que mostram que os jovens

têm trabalhos precarizados com altas jornadas e baixos salários. Entre os respondentes,

60,5% afirmaram que acessam diariamente as redes sociais, o que pode ser

compreendido na lógica de que estão conectados à internet com acesso mais rápido ao

que se passa no mundo. Entretanto, excluídas as leituras obrigatórias, o que se observa é

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que não leem muito, pois 10,5% disseram não ler nenhum livro, enquanto 42,1%

declararam ler de um a três livros durante um ano.

O perfil acima apresentado confirma a chegada de um novo contingente de

alunos à educação superior, com outras características, muitos deles pertencentes a

segmentos sociais que, por longo tempo, viram negada a sua possibilidade de ascender a

esse nível de ensino. Isso exige que não só reconheçamos a sua diversidade como

busquemos novas estratégias para alcançar os resultados desejados.

Interessa destacar que, dos 38 respondentes, 78,9% têm entre seus projetos

prioritários para o futuro continuar os estudos e fazer uma especialização, mestrado ou

doutorado. Isso torna plausível a ideia de que a formação docente é um processo que

não se esgota na graduação, mas, tal como vimos argumentando, trata-se de um

processo de abertura para o novo, que contempla um permanente deslocamento em

direção a outros modos de ser professor que não se conhecia até então.

O que se observou, a partir da contribuição dos jovens, é que a instituição já vem

realizando esforços para superar algumas dificuldades encontradas, especialmente no

que tange a criar espaços para que, desde o primeiro semestre, os alunos tenham

oportunidade de integrar-se no projeto de curso. Sendo que este viabiliza um currículo

integrado, no qual as vivências das práticas de ensino são potencialmente capazes de se

converter em acontecimentos que se formam e transformam ao longo do percurso

acadêmico.

Uma dessas estratégias é a implantação de práticas integradas que ocorrem

“desde o início do curso e [cujos] resultados são objeto de socialização em seminários,

encontros ou mesas-redondas abertos aos participantes” (Projeto do Curso, 2012,

p.115iv

). E que oportunizam, ainda, a convivência e a articulação entre os jovens

acadêmicos dos variados níveis do curso. Tal relação prevê, entre as práticas de ensino

obrigatórias, uma vivência construída a partir de múltiplos pensares, na medida em que

congrega, em um mesmo grupo, acadêmicos do primeiro ao oitavo semestre. Portanto,

em distintas etapas do processo formativo. Tal proposta, pelas interações que

oportuniza, pela abertura à alteridade que possibilita, confronta os membros do grupo

com o desafio de deslocar suas já conhecidas formas de perceber, interpretar e expressar

o que se passa e o que lhes passa.

Aos acadêmicos, que se encontram em formação, a questão do discernimento

bem pode ser pensada a partir da coletividade e da diversidade da própria composição

do grupo. É possível considerar que, na medida em que os estudantes expõem suas

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vivências e discutem, transformam (e qualificam) seus saberes. Dessa forma, as práticas

pedagógicas vivenciadas e as múltiplas realidades que podem se manifestar nesses

espaços de atuação supervisionada se multiplicam, uma vez que cada estudante pode

apresentar ali a sua vivência. A partir disso, pode-se subsidiar a construção (e o

amadurecimento) da capacidade do discernimento do futuro professor.

Na escuta feita aos estudantes, ouvimos relatos em relação aos espaços de

práticas e estágios supervisionados, muitas vezes desestimuladores. Como docentes, não

podemos, de antemão, saber se o que propomos obedecerá ao curso desejado. As

práticas de ensino são pensadas como vivências oportunizadas aos alunos. No curso de

tais situações, alguns deles poderão ser atravessados por experiências de aprendizagem

isso significa que “o conteúdo [...] entra em jogo e se desenvolve em possibilidades de

sentido e de ressonância cada vez mais novas e ampliadas pelo outro receptor

(GADAMER, 1997, p. 669).

Cabe lembrar aqui a importância de uma constante atitude de abertura, ao outro,

à singularidade e à alteridade. Essas são as condições e a possibilidade para que a

interação mediada pela linguagem aconteça sob um horizonte dialógico e, portanto,

submetido à discussão. É relevante também que o professor que participa da formação

de outros docentes tenha clareza de que as palavras que profere, os exemplos que

fornece, as atividades que propõe, os textos que encaminha para leitura, não se fecham

em si mesmos. Mas podem possibilitar outras e novas perspectivas para todos que

compartilham a docência. Se tal acontece, docentes em formação e professor são

atravessados pelo fazer da experiência ao possibilitarem o caminho a um saber outro,

tanto do objeto quanto de si mesmo: o sujeito se abre e se mantém aberto a novas

experiências.

Para Dar Asas ao Nosso Pensamento

Nosso artigo também teve como propósito permitir uma ponderação acerca das

propostas didáticas que sustentam os percursos formativos dos acadêmicos do curso de

Pedagogia, de modo a suscitar o debate qualificado a respeito de ações envolvidas nessa

formação. As reflexões aqui apresentadas sugerem o reconhecimento da importância de

um currículo integrado que não apenas invista na integração entre a teoria e a prática

para a formação profissional, mas que avance na perspectiva de “uma educação voltada

para uma expressiva capacidade de autonomia e de discernimento, reforçando a

responsabilidade pessoal na realização do destino coletivo” (PEREIRA; LACERDA,

2010, p. 387).

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Pautadas pelos depoimentos de estudantes de uma Instituição de Ensino Superior

que adota práticas de ensino integradas como estratégia para dialogar entre a teoria e as

práticas de ensino em sua totalidade, o que se observa é a relevância das vivências em

docência para a construção do sentido da experiência de ser professor. O que poderá

contribuir para pensar sobre o próprio pensar, sobre o jeito de pensar e sobre a maneira

de nos pensarmos.

Apesar de se tratar de um recorte do estudo, pois tomamos em análise apenas

uma das Instituições, as informações colhidas revelam que, para os estudantes, ao

discutirem na coletividade suas vivências em docência – positivas ou não –, favorecem

o amadurecimento do discernimento e da alteridade. É preciso refletir que, para o jovem

em formação, falta-lhe a experiência em docência e, ao alargar o (re)conhecimento das

vivências (suas e dos colegas), pode transformar-se. Pode revisitar o planejamento, a

prática e a teoria, reconstruindo e ressignificando o saber.

A formação dos jovens estudantes de Pedagogia convoca-nos a ações

comprometidas com o devir humano, com a crença de que educar é apostar na

possibilidade de alguém ser diferente do que vem sendo até então. Essa perspectiva está,

visceralmente, envolvida e atravessada pelo compromisso ético dos formadores. Se

assim acreditamos, é possível pensar a formação como experiência que implica deixar-

se tocar pelo outro, atravessar-se pelo novo, pela diferença, constituindo outras formas

de transitar por territórios subjetivos singulares.

REFERÊNCIAS

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www.me.gov.ar/curriform/publica/oei_20031128/ponencia_larrosa.pdf. Capturado em

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http://www.uemg.br/openjournal/index.php/educacaoemfoco/article/viewFile/528/346.

Capturado em 01/03/2016.

i Importa referir que, ao utilizarmos a expressão jovens acadêmicos do curso de Pedagogia, estamos nos

referindo a sujeitos que, por ocasião do nosso estudo, tinham entre 19 e 29 anos e estavam matriculados

no Curso de Pedagogia. No Brasil, de acordo com a Lei 12852/2013, são considerados jovens, sujeitos

que possuem entre 15 e 29 anos. ii Alinhadas a Pereira (2013, p.35) pensamos que “a professoralidade não é uma identidade que um sujeito

constrói, ou assume, ou incorpora, mas, de outro modo, é uma diferença que o sujeito produz de si. Vir a

ser professor é vir a ser algo que não se vinha sendo, é diferir de si mesmo. E, no caso de ser uma

diferença, não é uma recorrência a um mesmo modelo ou padrão. Por isso, a professoralidade não é, a

meu ver, uma identidade, e sim uma diferença produzida no sujeito. E como diferença não pode ser um

estado estável a que chegaria o sujeito. A professoralidade é um estado em risco de desequilíbrio

permanente. Se fosse um estado estável, estagnado, redundaria numa identidade e o fluxo seria

prejudicado. ” iiiExpressão usada pelo Professor Marcos Villela Pereira durante o Seminário “O conceito de experiência

na formação de professores” oferecido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul no segundo semestre de 2014.

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iv

Para preservar o Anonimato da Instituição onde foi realizada a pesquisa, deixamos de anexar, nas

Referências, os dados referentes ao Projeto Pedagógico do Curso.

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