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Walter de Sousa Junior Entre o contemporâeo e o grotesco: Piolin e as comédias de picadeiro encenadas entre 1933 e 1961

Entre o contemporâeo e o grotesco: comédias de picadeiro ... · 6.4 Piolin: o corpo e a alma do circo 7. Os últimos anos ... quem perdeu algum texto escrito no ... esperar do crítico,

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Walter de Sousa Junior

Entre o

contemporâeo

e o grotesco:

Piolin e as

comédias

de picadeiro

encenadas

entre

1933 e 1961

2

Sumário

Introdução

1. Quem é Piolin?

1.1 A entrevista

1.2 Morte e vida piolinas

1.3 A escola circense de Piolin

1.4 Artista para vários públicos

1.5 A mímica do palhaço

1.6 A voz do palhaço

1.7 A invenção do palhaço

1.8 Os últimos anos

2. O riso e o humor

3. A dramaturgia do palhaço

3.1 Palhaçaria

3.1.1 A porta aberta

3.1.2 O palhaço

3.1.3 O que é entrada? O que é reprise?

3.1.4 Roteiro e improviso

3.1.5 Palhaço: comum de dois gêneros?

3.2 Comédia de picadeiro

3.2.1 O combinado

3.2.2 A comédia

3.2.3 A alta comédia

4. Piolin em cena

4.1 Antecedentes: A fase áurea (Circos Queirolo e Alcebíades)

4.2 A fase do Teatro Boa Vista

5. Comédias no Circo Piolin

5.1 Tenentes, cowboys e combinados (1933-1941)

3

5.2 Guerra, cinema e caipiras (1941-1949)

5.3 Piolin desvairado, rei da Pauliceia (1950-1961)

6. O público

6.1 O circo e seu entorno

6.2 A modernidade e o homem simples

6.3 O campo da memória

6.4 Piolin: o corpo e a alma do circo

7. Os últimos anos

8. Sete peças “piolinescas”

7.1 O morto que não morreu (Anchyses Pinto)

7.2 O reservista Ventura (Laura Corina)

7.3 Piolin, o afinador de pianos (Tom Bill)

7.4 Piolin, o professor de clarinete (Abelardo Pinto Piolin)

7.5 Piolin, o campeão de futebol (Abelardo Pinto Piolin)

7.6 As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)

7.7 Um duelo à morte (Abelardo Pinto Piolin)

9. Bibliografia

4

Introdução

Todas as dialéticas são engraçadas.

Oswald de Andrade1

O palhaço Piolin pode ser definido como um personagem cômico cuja

contribuição à cultura nacional se deu a partir de uma oscilação dialética: entre o

contemporâneo e o grotesco. Ou melhor, entre o improviso e a tradição. Ainda: entre o

cotidiano e a História. Novos pares dialéticos podem ser montados ao gosto da

assistência que, aliás, só está interessada numa única coisa: rir. Ou, mais ainda: se

arrebentar de rir. Seja a partir da própria figura do excêntrico2, o que já é motivo para

tanto, seja em suas atuações dramáticas, nas entradas e reprises geralmente encenadas

com um de seus “cloms”3 – Pinati, Toni, Figurinha, Xuxu – ou nas comedinhas,

chanchadas, farsas ou combinados, das quais participavam grande parte de sua família e

outros atores contratados, embora gravitassem ao redor de seu humor e de seu poder de

improvisação.

Quando me propus a pesquisar a importância de Abelardo Pinto Piolin4 na

dramaturgia circense paulista e constatei a presença de 450 peças encenadas em seu

circo no Arquivo Miroel Silveira, que abriga os processos de censura do antigo

Departamento de Diversões Públicas (DDP), hoje sob a custódia da Biblioteca da

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e um dos objetos de

pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC) da mesma

ECA/USP, o acervo parecia apontar para uma promissora pesquisa. De um total de

1.088 processos de peças encenadas em circos, quase a metade foi apresentada sob a

lona do Circo Piolin. Mais: 80 peças levavam a chancela de Abelardo Pinto Piolin. À

1 Resposta do escritor a Caio Prado Junior num debate sobre a entrada de capital estrangeiro no país. Ante

o exacerbado nacionalismo de Caio Prado, Oswald disse ser “contra e a favor, dialeticamente”. O

intelectual atirou: “É uma dialética muito engraçada”, recebendo em troca a afirmação usada na epígrafe.

SCHWARTZ, Gilson. Caio Prado Júnior, um mestre na dialética do tempo brasileiro, in PRADO

JÚNIOR, CAIO. Formação do Brasil contemporâneo. Folha de S. Paulo, Coleção Grandes Nomes do

Pensamento Brasileiro, São Paulo, 2000, p. 405. 2 A dupla de palhaços que consagrou o circo tradicional brasileiro inclui o palhaço excêntrico, aquele que

age movido por uma lógica própria, quase sempre incongruente com a ordem; e o clown de rosto branco,

entidade máxima da ordem. 3 Forma como os circenses falam a palavra inglesa “clown”.

4 Apesar de poucos pesquisadores considerarem tal fato, o apelido e nome artístico Piolin foi incorporado

ao nome de batismo em 1929, conforme indica Carteira de Identidade que se encontra no acervo do

Centro de Memória do Circo, em São Paulo.

5

primeira vista tinha ele uma obra enorme que, aparentemente, devia ter uma importância

não reconhecida dentro do contexto da dramaturgia popular paulista.

Elaborado o projeto de pesquisa tendo essa evidência como justificativa, parti,

então para a investigação, após a concessão de bolsa pela Fapesp. Qual não foi minha

surpresa quando, em poucos meses o meu objeto de pesquisa sofreu um devastador

abalo sísmico cujo epicentro – ou epicentros, se for possível desafiar um fenômeno

natural dessa magnitude –, eram três argumentos de peso.

O primeiro vinha de Miroel Silveira, patrono do arquivo que guarda as peças5.

Na sua tese de doutorado, ao apontar a importância de Piolin na temporada que cumpriu

no Teatro Boa Vista em 1931 ao lado do cômico italiano Tom Bill, ressalva que “o

popular palhaço não nos parece que tenha sido o que os jovens arrojados da Semana [de

22] tentaram atribuir-lhe (...)”.6 Com relação à dramaturgia encenada posteriormente por

Piolin em seu circo, aponta: “Levantamos em nossa pesquisa a quase totalidade do

repertório teatral de Piolin, encenado durante as várias décadas de sua constante

atividade, e em verdade a pobreza do material, extremamente repetitivo, não permitiria

a nenhum intérprete alcançar páramos de criatividade”7.

Particularmente já havia tomado conhecimento dessa análise quando conduzi

pesquisas referentes à tese de doutorado “Mixórdia no picadeiro – Circo, circo-teatro e

circularidade cultural na São Paulo das décadas de 1930 a 1970”, defendida em 2009 na

ECA/USP. Nela, aliás, havia interpretado que a análise de Miroel se referia à

contribuição do palhaço ao tema central da sua pesquisa, a construção do tipo italiano

no teatro encenado em São Paulo. Quanto à repetitividade da temática das peças, é

preciso pensar que todas elas eram estreladas pelo próprio Piolin. Aliás, serviam de

pretexto para uma performance prolongada, que ia além das entradas e reprises – os

famosos esquetes cômicos de palhaços – que geralmente ocupam esse importante

protagonista do espetáculo circense brasileiro. Assim, da mesma forma que encara a

entrada e a reprise, o palhaço vê a comédia de picadeiro, o entremez, a farsa, o

5 Miroel Silveira pesquisou o arquivo do Departamento de Diversões Públicas (DDP) para elaborar sua

tese de doutoramento “A contribuição italiana ao teatro brasileiro”. Com o fim da censura em 1988, a

partir da nova Constituição, os processo do DDP seriam incinerados quando o professor do Departamento

de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP resolveu levá-los para a sua sala. Com a

morte de Miroel naquele mesmo ano (1988), o arquivo permaneceu guardado até 2000, quando então foi

transformado em Projeto Temático com o apoio da Fapesp, sob a coordenação da Profa. Dra. Maria

Cristina Castilho Costa. 6 SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao teatro brasileiro. Edições Quíron, São Paulo, 1976, p.

235. 7 Idem, p. 236.

6

combinado, como um texto a ser interpretado sob o imperativo do seu tipo excêntrico,

ou seja, a partir de uma estrutura cênica fixa recheada por interferências improvisadas.

Mas um novo personagem de peso veio destoar na ambição da minha pesquisa: o

crítico Paulo Emílio Salles Gomes. Participante da geração de intelectuais que concebeu

a revista Clima nos anos 1940, Paulo Emílio, a exemplo da geração anterior de

intelectuais, os modernistas, também se regalou com as comédias circenses e, em

especial, com Piolin. Tanto que escreveu importante artigo – garante quem teve a

oportunidade de lê-lo – sobre o excêntrico para ser publicado justamente na revista

Clima. Entretanto, o mesmo teria sido rejeitado pelo editor, na época Décio de Almeida

Prado. E – pior – os originais teriam se perdido no tempo. Na tentativa, ou na ansiedade

de resgatar o que havia sido escrito anteriormente – quem perdeu algum texto escrito no

computador e quer reescrevê-lo sabe o que é esse sentimento –, Paulo Emílio redige

“Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente armado à praça Marechal

Deodoro”, texto publicado no livro Um intelectual na linha de frente, organizado por

Maria Teresa Machado e Carlos Augusto Calil em 1986. Primorosa como era de se

esperar do crítico, a crônica faz um desanimador aviso – pelo menos para mim – já em

seu terceiro parágrafo: o de que não é possível conversar Piolin com quem não viu

Piolin. “O conjunto de homens, mulheres e crianças que viram e ouviram Piolim8

formam uma maçonaria. Há uma cumplicidade misteriosa entre as pessoas que viram

Piolim, e os não iniciados são inflexivelmente afastados”.9

Afora o recurso retórico usado pelo autor, e afora o fato de eu não ter visto

Piolin, o efeito da frase se amplia quando se buscam referências sobre o período em que

Piolin manteve seu circo, entre 1933 e 1960. Há pouquíssimas, a não ser as indicações

de encenações publicadas diariamente nos classificados de programação cultural dos

jornais paulistanos. Há raras entrevistas, poucas análises, alguma aparição do palhaço

nos meios de comunicação, em especial no cinema – foram somente duas: no filme

Tico-tico no Fubá, de Adolfo Celi (1952) e no documentário Sua Majestade, Piolin, de

Suzana Amaral (1971). O que resta é a tarefa desafiadora de tentar perfurar os muros da

maçonaria apontada por Paulo Emílio para conseguir olhar Piolin de frente.

8 A grafia Piolim muitas vezes é preferida pelos intelectuais que escreveram sobre ele por aportuguesar o

Piolin originário do espanhol. 9 GOMES, Paulo Emílio Salles. Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente armado à Praça

Marechal Deodoro in MACHADO, Maria Tereza e CALIL, Carlos Augusto. Paulo Emílio – Um

intelectual na linha de frente. Brasiliense, São Paulo, 1986, pp. 47-51.

7

Mas o golpe final viria da boca do próprio Abelardo Pinto Piolin, numa

entrevista concedida em 1971, em sua casa-camarim, na Freguesia do Ó, a um grupo de

intelectuais, incluindo o mesmo Paulo Emílio Salles Gomes, a diretora Suzana Amaral,

o pesquisador de circo Júlio Amaral de Oliveira, e Oswald de Andrade Filho, para

registro no acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS-SP). A entrevista, a certa

altura, é conduzida por Suzana Amaral, que pergunta a Piolin se era ele quem escrevia

as peças que representava. Ao que o palhaço responde: “Algumas. Muitas eu

aproveitava, eu fazia arranjos, diminuía ou aumentava, o que era preciso fazer. Fazer

adaptação para o circo eu fazia”.

A pergunta imediata ante essa afirmação é: então porque Abelardo Pinto Piolin

aparece como autor de tantas peças no Arquivo Miroel Silveira? Alguns aspectos

tornam plausíveis essas assinaturas. Primeiro há o fato de o repertório de comédias

circenses ser muito antigo e passar de mão em mão, inclusive entre companhias, além

de enfrentar viagens e intempéries. Ao mesmo tempo, são adaptadas, cortadas, ajustadas

a novos personagens. Muitas acabam, com o passar dos anos, perdendo a autoria. No

entanto, ao submeter um texto teatral ao exame do DDP havia a condição essencial de

apontar o nome da peça e a autoria. Em muitas ocasiões era exigida a liberação da

Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais (SBAT), que controla o pagamento dos

direitos autorais. Na falta de um autor, a opção mais inteligente é colocar o nome

daquele que arrasta o público para o circo: o palhaço. Assim foi com Arrelia em

diversas ocasiões, embora este gostasse de se gabar aos jornalistas da sua condição de

autor das “comedinhas”, como chamava. Além de satisfazer a exigência do DDP,

também servia de artifício para atrair público para o circo. “Ao final da função, uma

comédia piolinesca”, costumava ser divulgado na programação dos jornais Folha da

Manhã e Folha da Noite.

Assim, com o objeto de minha pesquisa completamente desconstruído, restou-

me a tentativa de encontrar pontas que me permitissem amarrar algo a partir dessas três

negativas. Se a obra dramática de Piolin era repetitiva, e se a fama do palhaço, como

apontou Miroel, deveria advir do fato de “dispor de uma agilidade física que, fundada

na sua experiência inicial de funâmbulo, lhe teria permitido realizar números curiosos

de mímica e pantomima, independentes do texto”10

, era essa a deixa para iniciar um

10

SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 236. Não há registro de que o jovem Abelardo tenha praticado o

funambulismo, a arte de andar no arame em alturas bem distantes do chão. Ele praticou com mais

frequência o contorcionismo, o malabarismo e o ciclismo.

8

levantamento sobre quem, de fato, foi Piolin. Pois, até onde se sabe, o Piolin conhecido

foi aquele descrito pelos intelectuais modernistas, que exaltaram sua performance física,

sua voz, sua máscara, enfim, sua comicidade. Não foi o humano nem o artista, mas o

performer. Seria preciso conhecer os aspectos que escaparam aos intelectuais, seja por

não interessá-los seja por realmente não os terem conhecido.

Se, por outro lado, o seu repertório repisava a mesma estrutura de comédia, era

preciso compreender aquele tipo de dramaturgia. E também de onde advinha o público

que lotou as arquibancadas de seu circo por quase trinta anos consecutivos, ou seja,

quando o palhaço não era mais objeto das resenhas e artigos dos modernistas, quando a

antropofagia de Oswald já havia sucumbido à sua militância política, ou mesmo quando

Oswald já havia deixado sua herança intelectual para as gerações futuras interpretá-la.

Era preciso, portanto, perscrutar o passado dramatúrgico de Piolin, suas experiências e

as circunstâncias em que se desenvolveram para compreender de que modo o mesmo

Piolin permaneceu encenando suas comédias no período em que manteve circo próprio.

Além disso, era preciso compreender um pouco melhor a “palhaçaria” – a dramaturgia

do palhaço – para que se pudesse analisar o modus da comicidade circense, e perceber o

quanto ele avança sobre um gênero que não é o circense – a comédia – mas teatral,

embora a leitura feita pelos palhaços o distancie bastante do gênero concebido na

Antiguidade. Até mesmo a questão autoral se esvanece ante uma análise mais profunda

dessa comicidade, pois o protagonista acaba se tornando, de fato, coautor ao elaborar

improvisos e promover uma triangulação cênica com a plateia.

Mas resta ainda mais um aspecto para se decifrar Piolin e este parece ser o mais

desafiador: romper as paredes da maçonaria erigida por aqueles que viram Piolin

buscando aqueles que dele decidam falar. Assim como o próprio Paulo Emílio, há

memorialistas que não hesitam em arrolá-lo entre suas melhores lembranças,

desvendando detalhes, vasculhando na infância a mola que acionava a gargalhada

explosiva. Sim, o público do circo, aquele “que é, de todos os públicos de todas as artes,

o mais solidário com seus artistas”11

. Para resgatar essa memória e transformá-la em

matéria-prima de pesquisa, é preciso, portanto, recorrer a uma metodologia. E foi aí que

se buscou a memória oral.

Memória e oralidade

11

GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. cit..

9

O fazer circense, inegavelmente, está ligado ao corpo, à habilidade física que

pode levar ao exercício do sublime. Mesmo o palhaço, que encontra matéria do riso no

grotesco, precisa dispor da condição do sublime corporal. “O circense é sempre aquele

que foi mais além de alguma de nossas impossibilidades físicas, na elevação, no salto,

na coragem, na força, no equilíbrio, na manipulação da magia, no domínio da natureza

animal”12

, define Miroel Silveira. Como a condição do sublime está diretamente ligada

ao risco (de vida, no caso do circense), o mesmo autor adverte: “O risco permanente que

é inarredável da profissão exige não apenas aperfeiçoamento corporal, mas

principalmente a higidez da mente”13

.

Todo o conhecimento circense está guardado na memória coletiva dos artistas,

em geral familiares com anos de experiência, enquanto a sua forma específica de

perpetuação é a oralidade. É interessante presenciar uma reunião de antigos artistas

circenses: do nada, entre um diálogo e outro, eles passam a elevar a voz e a declamar,

em tom de alegre desafio, trechos inteiros das peças clássicas de circo-teatro. Estas

podem ter diálogos rimados, como os de O mártir do Calvário, do português Eduardo

Garrido, ou ser emocionalmente pomposos, como os de Sílvio, o cigano, do também

lusitano Velloso da Costa, ou ainda ganhar um tom épico, como no caso de Os dois

sargentos, de Theodóre D'Aubigny. O palhaço Picolino II (Roger Avanzi), em

entrevista concedida a este pesquisador, não se furtou a recitar trecho de um dos grandes

clássicos encenados na maior parte dos grandes circos brasileiros durante o século XX,

Honrarás tua mãe, driblando as falhas de memória e fazendo valer os anos de atuação

nos palcos e picadeiros:

Não sei se é da peça ou se foi adaptado. Quando terminava a peça,

terminava bem, a mãe reconhecia o filho, mandava o filho casar com

a... aquela apoteose ali, né? E a última cena, era o irmão ruim que fazia

maldade com a mãe. “Meu irmão, de hoje em diante nossa mãe

honrarás!”, tinha que falar. Aí terminava, o povo aplaudia e tinha que

ficar quieto. Eu vou ver se me lembro da última fala que eu fazia, que

eu acho que era adaptação. As personagens todas ficavam paradas,

quietas, e eu ia avançando. E era picadeiro. E falava direto com a

plateia. Eu dizia: “E vós, chefes de famílias, não levei a mal as poucas

palavras que irei dizer. Mas dai educação aos vossos filhos para que

mais tarde não aconteça quadro tão horrível como este que acabastes de

ver. A ponto de um filho internar a sua própria mãe num asilo. E todos,

moços e moças, meninos ou meninas, se quiserdes ser felizes, e

12

SILVEIRA, Miroel. O circo - Espaço arquetipal convergente. In: O circo. Secretaria da Cultura,

Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978. 13

Ibidem.

10

triunfares na vida, honrarei as vossas mães!” Aí o circo vinha abaixo!

Era um sucesso! Eu gostava muito.14

A ressalva feita a este repositório de memória oral surge a partir do controle

oficial da produção cultural, iniciada legalmente no período republicano em 1900, e que

“procura não apenas cercear os cidadãos, mas estabelecer critérios que regulem a

oposição entre liberdade de expressão e os interesses do poder instituído”15

. Vinte anos

depois, esse precedente se torna mais efetivo em termos de prática coercitiva. O extenso

decreto no. 14.529, de 9 de dezembro de 1920, institui, entre outros mecanismos, a

censura prévia dos espetáculos teatrais, o que obriga as companhias e circos a

submeterem o texto das encenações ao crivo censório. Com isso, a maior parte das

peças, que até então eram encenadas a partir da memória oral, passaram a ser

escrituradas para serem encaminhadas aos departamentos policiais de censura. Tal

prática fez com que os textos tradicionais adquirissem forma escrita – e obrigou ao

circense praticar um saber que não era seu, a escrita dramática. A partir dos órgãos

censórios de Getúlio Vargas, as peças, além de analisadas previamente, precisavam ser

encenadas, em sessão reservada, com a presença do censor, obedecendo ao texto

aprovado e aos cortes impostos. Com isso, a liberdade de improvisar sobre os textos

passou a ser cada vez mais coibida. Pelo menos para o censor, pois da encenação

circense ela nunca foi extinta.

Por outro lado, em função desses mecanismos, a maior parte do repertório de

peças de circo-teatro encenadas em São Paulo e no Brasil, que se imaginava perdida no

tempo, após tanto perambular junto com a bagagem das companhias, ou na memória

dos circenses, é resgatada a partir dos processos de censura do Departamento de

Diversões Públicas do Estado de São Paulo. Finda a censura, o arquivo se transformou

em fonte de pesquisa e conhecimento, muito embora parte dessa dramaturgia continue

escapando das conversas animadas dos circenses, estes que têm o texto na ponta da

língua.

Ao saber o texto de cor e salteado, o circense usa a prática requerida para a sua

atividade profissional como um sistema reforçador da sua identidade, pois, ao recitar o

texto, este já faz parte de sua personalidade artística – é o personagem que fala por ele, e

ele, ao relembrar o texto, fala pelo personagem – de modo que identificação e alteridade

14

Depoimento dado durante pesquisa de doutoramento deste pesquisador. 15

COSTA, Cristina. Censura em cena – Teatro e censura no Brasil. Imprensa Oficial/Edusp, São Paulo,

2006, p.80.

11

se confundem num jogo de memória em que as cartas e suas posições são conhecidas de

antemão, o que não tira a graça do exercício. É a relação entre memória e oralidade.

Camadas de memória se sobrepõem quando, por exemplo, Benedito Sbano, o

palhaço Picoly e ator do Pavilhão Teatro Popular Volante, rememora uma ocasião em

que saber os textos de cor e salteado foi elemento de identificação e solucionador de um

impasse para a instalação do seu circo:

Eu fui procurar um terreno aqui em São Paulo para o circo. Eu

secretariava também o circo. Eu não sabia de quem era e perguntei num

barzinho: “De quem é esse terreno?” Ele disse: “Olha, tá vendo aquele

armazém ali, pegado ao terreno? É do seu Martelo.” Eu já tinha falado

que era pra circo. Ele disse: “Se for pra circo não vai falar não. Houve

problemas com um circo que esteve aqui.” (...) Eu disse: “Mas, e o seu

Martelo, o que ele é na vida, o que ele gosta, o que ele faz?” “Ele foi

amador de teatro.” Antigamente, em toda cidade havia aqueles grupos

de amadores. Formavam grupos muito bons até. “Ah, ele foi de teatro?”

“Foi.” Aí eu fui lá e... “Seu Martelo, como vai?”, e aquela coisa toda.

“Pois é, seu Martelo, eu sou de circo” – Não deixei de falar... – “Eu

estive até falando com aquele senhor e ele contou o que houve aqui, né?

É um problema essas coisas, o senhor vê... o circo precisa de alguém

que ceda o terreno... A Prefeitura é mais difícil, quando vem a ordem

pra entrar, a gente já mudou, não precisa mais... Aí eu disse: nós somos

circo-teatro. Aliás eu soube que o senhor também é artista. “Não, não,

só fui amador...” Mas, seu Martelo, o senhor sabe de uma coisa, existem

amadores melhores que artistas! “O senhor falou a verdade!” Aí

começou... O senhor foi amador aqui mesmo em São Paulo? “Foi aqui

mesmo; no interior também.” Eu disse: aquelas peças bonitas que se

levava... O senhor lembra? Ele disse: “Sim, lembro.” Aí perguntou: “O

senhor conhece Os dois sargentos?” Eu disse: eu fiz o Roberto. Ele

disse: “Eu fiz o Guilherme!”. Eram os dois principais. Eu disse: “O

senhor lembra daquela parte em que o Roberto dizia: ‘E agora,

miserável, pode ordenar a execução’ – é mais ou menos isso, não me

lembro bem, ‘que se faça a execução!’, por aí assim. E ele já começou a

falar também o pedaço das peças, né? Eu daqui, ele de lá. Eu digo: “E

Silvio, o cigano?” “Puxa vida, eu fiz o pai do cigano!” E eu fiz o Silvio!

Para não encompridar mais, de repente ele falou pra mim: “Olha, eu

tenho certeza que o senhor vai se dar bem aqui no meu terreno!”16

Segundo Henri Bergson, quando se evoca o passado, a ação, o ambiente e o

corpo daquele passado povoam as memórias. Mas nem sempre eles são trazidos para o

presente. Ele é mediado pela imagem do corpo, assim como a ação deste em relação ao

ambiente evocado. Mas nem sempre esse processo de ação do corpo é transportado para

o presente. “(...) a memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao

16

Depoimento colhido durante o projeto “Entre risos e lágrimas – O teatro no circo (da pantomima aos

dramas)”, realizado em outubro de 2010.

12

mesmo tempo, interfere no processo ‘atual’ das representações.”17

Há, portanto, uma

interferência transtemporal. Ecléa Bosi destaca, ao analisar Bergson, que a memória não

ocorre de forma homogênea. Existe uma memória-hábito, feita de esquemas de

comportamento que o corpo emprega para agir conforme o ambiente. “Ela é (...) um

processo que se dá pelas exigências da socialização. Trata-se de um exercício que,

retomado até a fixação, transforma-se em um hábito, em um serviço para a vida

cotidiana”18

. Por exemplo, ter o texto teatral decorado para uma ação de representação.

E há a memória que independe de qualquer hábito, evocativa, que promove “autênticas

ressurreições do passado”.19

Por exemplo, recitar um texto já encenado diversas vezes

no passado, de modo que cada palavra evoque situações e imagens daquele tempo.

Considerando esse esquema bergsoniano, é possível separar as camadas de

memória presentes na narrativa de Sbano: ao lembrar o caso como uma experiência

pessoal em que há um processo de identificação – elevado pelo narrador ao nível

anedótico – este se dá, evocativamente, por meio da recitação do texto teatral. Ao

mesmo tempo, o próprio ato da recitação se refere a um processo social: ele tem o texto

na ponta da língua por ser uma exigência do seu exercício laborativo. No entender de

Bergson, a memória-hábito se apropria da memória contemplativa. No caso de Sbano,

por sua vez, há um efeito liberador: a memória-hábito desencadeia a memória

contemplativa. Socialização e identidade decorrem dessa sobreposição.

A oralidade faz parte de todo o aprendizado circense, pois a nova geração de

artistas se faz a partir dos mestres da geração anterior, aqueles que guardam a tradição.

Ermínia Silva explica que a transmissão dos saberes circenses se dá de maneira formal e

oral.

Os circenses sempre indicam uma figura que se responsabilizava e

possibilitava que se tornassem profissionais do picadeiro. O condutor do

processo de aprendizagem que formava um artista era considerado um

mestre. Mestre da arte circense, mestre de um modo de vida, mestre em

saberes – ou seja, um mestre “pertencente à tradição”, pois durante toda

a sua vida participou das experiências de

socialização/formação/aprendizagem que caracterizam o circo-família.20

17

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembranças de velhos, Companhia das Letras, São Paulo, 2009,

p. 46-47. 18

Idem, p. 49. 19

Ibidem, p. 48. 20

SILVA, Ermínia. O circo: sua arte e seus saberes – O circo no Brasil do século XIX a meados do XX.

Dissertação (Mestrado). Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas, 1996, p. 77.

13

Aqui, mais uma vez, confunde-se socialização e identidade, pois:

é característica da fala dos circenses, quando relatam seu processo de

aprendizagem, não distinguir momentos formais de aquisição de

conhecimentos, incluídos os treinos e os ensaios: tudo isto é trabalhar.

Talvez seja por isto que se dizem artistas desde o nascimento.21

É importante salientar que a transmissão oral dos saberes circenses faz uma

passagem instantânea da memória oral para a memória corporal, pois estes saberes estão

conectados às habilidades físicas do aprendiz: é por meio delas que se estabelece um

vínculo identitário com a tradição circense, pois é a aprendizagem que “identifica o

circense como artista, é o procedimento que conduz ao domínio da técnica envolvida

nas artes circenses, um dos fundamentos do circo-família”.22

No entanto, não há como compreender essa transmissão como um processo de

alimentação da memória-hábito, pois ela agrega a interação social que gera um efeito

corporal, físico. Ou seja, a experiência acumulada das gerações circenses, expressa pelo

mestre na formação do aprendiz está carregada do componente cultural – a tradição – e

é a partir dele que se absorve a aprendizagem e se desenvolve a habilidade física.

Finalmente, estabelece-se o vínculo entre memória, oralidade e cultura.

Essa relação, embora característica do meio circense, parece escapulir do

picadeiro e infestar a experiência memorialística daqueles que estão sentados na

arquibancada, especialmente porque lá estão para rir, um riso social, coletivo, de certo

modo mais domesticado do que o riso medieval, mas tão liberto quanto aquele, pois está

inconscientemente alinhado ao presente, àquele presente. Por isso quem ri e é criança, e

é jovem, e é adulto ou velho, ri por haver ali, no centro do picadeiro, nas situações mais

banais, nas relações mais absurdas, na lógica mais ilógica do palhaço, um elemento

agregador de certo tipo de sociabilidade. No filme Tico-tico no fubá há uma cena em

que Piolin protagoniza sua mais antológica entrada, o Idílio dos sabiás23

, travestido e

sendo assediado pelo galanteador e elegante Pinati. Dois personagens, amigos do

compositor Zequinha de Abreu, desempenhado por Anselmo Duarte, estão na

arquibancada: um se arrebenta de tanto rir, o outro mantém o rosto impassível, como se

procurasse a lógica na interação entre os palhaços. Ao perceber essa incompreensão, o

que ri olha para o que não ri, o cutuca, não consegue reação e encontra nisso novo

motivo para rir. Não mais o palhaço, pois o motivo do riso pulou do picadeiro para a

21

Idem, p. 76. 22

Ibidem, p. 91-92. 23

Também chamada por ele de Namoro dos passarinhos.

14

arquibancada, contagiando a assistência. O riso social: mesmo quando a piada não

funciona, encontra motivos de identificação, mesmo quando se desvia, encontra atalhos

para acontecer.

Hibridismo cultural

As relações entre memória e oralidade como mecanismo ontológico do fazer

circense e como o mecanismo metodológico para o pesquisador compreender a prática

circense, assim como as relações entre o riso e a sociabilidade, imbricações necessárias

para analisar o papel do circo na sociedade urbana e metropolitana, só poderão ser o

ponto de partida desta pesquisa se for considerado o processo de construção do discurso

cultural dos artistas de circo e, em especial dos palhaços. Desprezarmos o cenário no

conjunto da cena – especialmente o cenário prismado no chão do picadeiro, espaço

permanente de negociação simbólica – não fará sentido refazer a trajetória de Piolin na

cena paulista.

Para adentrar no fenômeno cultural/comunicacional do século XX, no entanto, é

preciso se acercar de pelo menos três conceitos de cultura. O primeiro – não que tenha

surgido anteriormente ao segundo –, é o de cultura erudita, a que se contrapõe ao de

cultura popular. Essa dicotomia, que remonta à Idade Média, ganha contorno de divisão

– e portanto, pressupõe um limite – a partir do século XIX, quando, na França, alguns

intelectuais passam a colecionar elementos da chamada cultura do povo. Foi o início de

um movimento que logo levaria a novas leituras. “Para alguns intelectuais,

principalmente no final do século XVIII, o povo era interessante de uma certa forma

exótica; no início do século XIX, em contraposição, havia um culto ao povo, no sentido

de que os intelectuais se identificavam com ele e tentavam imitá-lo.”

A mudança se dá por meio do Romantismo. No entanto, os três pontos

definidores da cultura popular apontados pelos românticos são questionáveis : 1. Essa

cultura tem origem num “período primitivo”, e atravessa incólume os séculos, sem

transformações notáveis (sabe-se hoje que entre 1500 e 1800 as tradições estiveram

muito expostas a transformações, inclusive com a participação direta das elites

culturais); 2. A cultura popular é uma criação coletiva, a tradição se sobrepõe ao

indivíduo (constata-se atualmente que a tradição não inibe o desenvolvimento de um

estilo individual); 3. O povo é formado por pessoas incultas, que vivem perto da

natureza e, por isso, desenvolvem uma cultura particular, própria. Mas, teria realmente

existido em algum momento histórico um purismo cultural? Ou tais argumentos deixam

15

evidentes somente a separação mais evidente que envolve dominação, entre cultura

dominante e culturas subalternas?

Antes de aprofundar o “terceiro problema”, como define Edgar Morin – a cultura

de massa –, um fenômeno, transversal às três culturas, já se apresenta. É o hibridimo

cultural. Canclini dá a pista: “A dificuldade de definir o que é o culto e o que é o

popular deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do

simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade – por seu

relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo.” Esse hibridismo

esfumaça, portanto, os limites entre o erudito e o popular.

Quando, no século XX, a cultura de massa se consolida, envolvendo a produção

industrial simbólica para difusão a uma massa social, esta traz um dinamismo interno

que envolve a elaboração de discursos que se apropriam de elementos culturais os mais

diversos. Ela se utiliza dos meios de comunicação massivos que constroem discursos

não só compreensíveis pela massa, mas que são capazes de agregá-la socialmente a

partir de um claro processo de hegemonia. “Uma cultura que, em vez de ser o lugar

onde as diferenças são definidas, passa a ser o lugar onde tais diferenças são encobertas

e negadas. E isso não ocorre por um estratagema dos dominadores, e sim como

elemento constitutivo do novo modo de funcionamento da hegemonia burguesa, ‘como

parte da ideologia dominante e da consciência popular’”.

A cultura de massa, uma vez elaborada a partir do processo de apropriação, por

construir discursos hegemônicos, não deixa de influenciar as próprias matrizes culturais,

conduzindo um complexo processo que dissolve as fronteiras do que é popular, erudito

e massivo. O mecanismo de alimentação e retroalimentação simbólica é chamado por

Carlo Ginzburg, a partir de um conceito de Bakhtin, de “circularidade cultural”. Estão,

pois, na arena metodológica, os quatro conceitos que aqui serão empregados para

compreender o circo na construção do seu discurso cultural: as matrizes culturais

erudita, popular e massiva, e a liga do hibridismo, que desencadeia o fenômeno da

circularidade cultural.

Enfim, Piolin

Abelardo Pinto Piolin foi personagem ambíguo, de intensa personalidade

artística e de inacreditável timidez pessoal, indiscreto e eloquente sob a pintura, mas

recolhido e silencioso na vida pessoal, amigos de intelectuais e de circenses, comparado

a Chaplin e a Chicharrão, com uma comicidade tanto grotesca quanto contemporânea. O

16

objetivo desta pesquisa é revelar o quanto essa ambiguidade foi essencial na construção

do seu tipo, desvelar o quanto a sua dramaturgia, de alguma forma autoral, atingiu seu

público, que não só ratificou a opinião dos intelectuais do Modernismo, ou nunca tomou

conhecimento dela, mas lotou seus espetáculos por quase trinta anos, enquanto o Circo

Piolin se manteve em plena atividade.

Importante ressaltar o mergulho no universo circense e da “palhaçaria”

possibilitado pela parceria mantida pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação e

Censura (NPCC) com o Centro de Memória do Circo, ligado ao Departamento de

Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de São Paulo, que rendeu a programação

de eventos do projeto “Entre risos e lágrimas – O teatro no circo (das pantomimas aos

dramas)” nos segundos semestres de 2010 e 2011, reunindo palhaços, circenses e

pesquisadores. A parceria se prolongou em 2012, em outras iniciativas, como a

organização do acervo e dos saberes circenses para compor sua exposição permanente.

Foram, enfim, oportunidades para conhecer a fundo o universo do qual Piolin fez parte,

assim como aqueles que, com ele, partilharam da tradição e do improviso. Tudo ao

mesmo tempo...! Mas que dialética engraçada!

17

1. Quem é Piolin?

Aviso quase-prévio e de grande importância:

não é possível conversar Piolim com quem não

viu Piolim. E muito menos ainda se aprende

Piolim com leituras. Não adianta.

Paulo Emílio Salles Gomes24

1.1 A entrevista

A edição de 7 de dezembro de 1928 da Folha da Manhã traz, no caderno

“Ribaltas e Projeções”, na página 6, a reportagem “Piolin, o palhaço mais célebre do

Brasil, fala sobre o teatro brasileiro”, título que surge em letras maiúsculas sob a linha

fina que informa: “Entre paredes de madeira tosca, num camarim de circo”. De

imediato, a chamada de uma seção dedicada ao mundo do entretenimento, em especial

os palcos e as salas de cinema, contrapõe duas representações cênicas que, naquela

altura encontrava sua grande expressão naquele personagem: o circo e o teatro. No

camarim tosco, o palhaço estava falando do teatro – não de circo-teatro. Sob a chamada

surge a máscara de Piolin, emoldurada por recorte oval, no formato camafeu, de modo

que uma diminuta foto de Abelardo Pinto (ele só incorporaria o nome artístico ao

próprio nome no ano seguinte), o homem por detrás da máscara, foi encaixada sob o

largo colarinho do palhaço e a borda inferior do oval. Enquanto o ângulo frontal de

Piolin olha nos olhos o leitor da Folha da Manhã, a foto de Abelardo, com ele de

gravata borboleta e terno, rosto levemente de lado, remete às fotos dos cartões postais

dos artistas populares. A legenda avisa: “Piolin e Abelardo Pinto, duas fisionomias

distintas num só corpo verdadeiro”. Abre o texto da reportagem sem assinatura25

:

O homem de chapéo de panno descido sobre um olho, sem o uniforme

surrado dos porteiros de theatro e sem nos pedir cartão, depois de

hesitar um momento, deliberou:

- Faça o favor de me acompanhar. É por aqui.

Por alli queria dizer: atravessar com cautela uns vinte metros de terreno,

tendo por cima e rente da cabeça a complicada engrenagem das

archibancadas. Depois, tropeçar em malas, dar meia volta sobre o

próprio corpo e subir seis degraus da escada mais curiosa que se possa

imaginar. No fim da escada, uma porta igualmente curiosa, mais aberta

quanto mais fechada, e por detraz dessa porta, o camarim do palhaço

mais celebre do Brasil.

24

GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. cit.. 25

Foi mantida a grafia original.

18

Hora da funcção. Piolin estava no picadeiro.

A distinção entre o camarim de um teatro e o detalhamento do improviso do

relevo inusitado do camarim circense continua a contrastar a comparação conduzida

pelo manipulador da pena. Ele adentra o camarim sem que o artista lá esteja, uma vez

que está no picadeiro. Lá dentro, pouco observou, a não ser as “quatro paredes de

madeira tosca” e as gargalhadas e as palmas que vibram do lado de fora dessa caixa. Até

que Piolin irrompe à porta. “Mostra-se curioso, acanha-se. A sua caracterização é

maravilhosa! Piolin, estheta e psychologo, sabe onde e como deformar a physionomia

para offerecer ao público o esgare de uma comicidade inédita, impressionante na sua

gargalhada surda e immovel.” As primeiras impressões corroboram as opiniões dos

modernistas que o descobriram um ano antes.

A reportagem se transforma num breve diálogo em que Piolin estranha o

interesse do jornalista em entrevistá-lo. Diz que nunca é objeto de reportagens pelo fato

de não render “primeiras” (notícias). E define-se ante a expectativa do jornalista: “(...)

realizo funcções”. Ao que ele rebate:

- Mas todos reconhecem que você é um gênio no que faz...

- O meu gênio varia muito... principalmente se chove de noite, a hora da

‘escripta’ aqui dentro.

- A lona do circo não é impermeável?

- A lona é. Mas o lombo do público ainda não. E se o publico não vier...

- Vem no dia seguinte.

- Vem... mas não paga dobrado, e o ‘buraquinho’ da véspera fica.

- Você é rico. Quase tão rico como o Fróes. Elle mesmo disse...

- Ah, então é por isso que todo mundo me tem vindo offerecer terrenos,

automóveis, palacetes, machinas de escrever, loteria para o Natal... E

todos com a mesma phrase: ‘É um optimo emprego para o seu dinheiro!

- E você?

- Respondo a mesma coisa: que sou rico; portanto o meu dinheiro não

precisa andar empregado... pode descançar... Um outro queria que eu

adquirisse acções; que eram boas, affirmava elle. Respondi-lhe que

preferia as minhas acções, todas honestas até agora, graças a Deus.

O diálogo serve de preâmbulo para que se chegue ao verdadeiro tema da

entrevista: o teatro. Mas revela, além de um grande faro para os negócios, pois naquela

altura Piolin era rico por atuar no Circo Piolin-Alcebíades e por conquistar o grande

público que preenchia as suas arquibancadas, que o palhaço tinha também um grande

senso de sorte, pois ao rejeitar a compra de ações deixou de estar sujeito à crise que

19

levaria muitos à bancarrota no ano seguinte, em 1929.26

Evidencia-se, ainda, o grande

patrimônio do circense: o público, que traz consigo o grande desafio diário de quem

atua sob a lona: fazer a féria do dia (ou da noite). Menos de uma quinzena antes

comemorava o terceiro ano de apresentações no Largo do Paissandu, o que somava

1.225 espetáculos da “Empreza Piolin e directores Alcebíades Pereira e Vicente

Seyssel”.27

Sabedor da provisoriedade da vida circense, Piolin parece não se iludir em

possuir tanto dinheiro quanto o mais influente ator daquele tempo, Leopoldo Fróes.

Avisa logo que embora instado a falar de teatro é um homem de circo. O repórter avalia:

“Por isso mesmo. Falará desapaixonado, sem interesse pessoal”. Antes de responder

trata de retirar a maquiagem. Piolin desaparece ante os olhos do visitante. Então surge

Abelardo Pinto. “Todas as noites a esta hora o Sr. Abelardo Pinto engole o Piolin

palhaço. Pouca gente me conhece nesta apparencia humana. É preferível. Sou dois.

Vivo duas vidas. Quando me aborreço na qualidade de Abelardo Pinto, metto-me na

pelle do palhaço Piolin... e se eu fosse uma creatura de dívidas, os ‘cadaveres’ sempre

haviam de encontrar ‘o outro’ que não era o devedor...” Logo em seguida faz um

exercício de discurso nonsense para, enfim, entrar no tema pretendido pela reportagem.

Começa didático: “O theatro, no Brasil, divide-se em três tempos: o tempo que

há de vir, o tempo perdido com o intervallo dos actos e o ‘tempo quente’, - o de hoje”.

Mas em seguida passa a encadear um discurso em que a seriedade se equilibra na

expectativa de, a qualquer hora, descambar para o chiste novamente.

Não há responsáveis no theatro brasileiro. Aonde está a

autoridade que possa, pela razão de uma disciplina colectiva,

reconhecidamente legal, censurar o mau artista ou premiar o

bom? Aqui, o artista do palco é resultado eventual de um esforço

próprio. Não veio de nenhuma escola, não está sujeito a nenhuma

regulamentação profissional. Apenas ao publico, que é quem

sustenta e anima, deve elle a consideração que lhe parece mais

acertada. Ficam todos, pois, com o direito de praticar a arte mais

commoda, mais rendosa.

A análise, que pode parecer a princípio crítica, especialmente em sua frase final,

na verdade revela o âmago de uma ideia que se reproduz desde o final do século XIX e

26

A frase lapidar dita na abertura do filme Sua Majestade Piolin revela outra face: “Rico três vezes e

pobre três mil”. 27

Boletim Unidos Seremos Fortes no. 43, de 23 de novembro de 1928, publicado pela Federação

Circense. Recuperação coordenada por Verônica Tamaoki.

20

que pode ser resumida, grosso modo, na frase “o público é quem faz o artista”28

. Isso

pela falta do profissionalismo apontada por Piolin – não se sabe até que ponto o repórter

conduziu a fala ou direcionou-a na sua edição – que poderia ser sanada por uma

entidade congregadora, a exemplo da Federação Circense que, naquela altura, tinha

atuação nacional e eficiente.

“A escola de theatro no Brasil tem sido a revista. Na revista principiaram todos.

Os mais talentosos venceram. Os incapazes de um governo próprio fracassaram. Será

injusto e cruel negar que possuímos actrizes e actores aptos para inaugurar um theatro

sério. O que falta é um responsável official: a lei creando a ordem e a ordem creando a

arte.” Avançando em seu raciocínio, Piolin parece apostar na distinção entre teatro e

circo-teatro, defendendo uma arte apoiada na ordem. Certo que o improviso circense

carece dessa ordem, embora os saberes que constroem o fazer circense exijam um

método de transferência que descarte o caos.

O parágrafo seguinte volta a enaltecer as posses do palhaço, apontando que se

antes ele andava a cavalo agora tinha seu automóvel, algo para alguém com patrimônio.

Conclui rapidamente que o palhaço brasileiro evoluiu. E devolve a palavra a Piolin:

Um dia destes abri um jornal esportivo e dei com esta palavra:

‘Association’. Era um artigo. Li e gravei: o ‘Association’ é a regra mais

moderna de se jogar o futebol na América. Essa regra annullou o jogo

pessoal, é inimiga delle porque tem por essência aproveitar o esforço

disciplinado e technico de onze futebolistas peritos. Pois bem: o que

falta no theatro brasileiro é a pratica do ‘Association’ em cada

companhia. Enquanto o jogo for pessoal como tem sido, o theatro

andará sempre ‘off side’.

Enfim uma análise de juízo, como salienta o interlocutor da Folha da Manhã. A

comparação, uma vez mais, embora use a metáfora do futebol, recurso quase saído de

uma de suas comédias29

, remete ao universo circense, onde se faz o espetáculo a partir

do “Association”, da divisão de trabalho em benefício do todo. Aliás, essa peculiar

forma de organização de trabalho, misto de empresa familiar e de contratação informal

– cujo contrato verbal é levado à risca – e dependente da féria do dia, envolve uma

relação ética e de honradez. Piolin mesmo, conta seu último empresário, Francisco

28

A subserviência à plateia, à qual o ator Francisco Correa Vasques dizia ser signatário em 1867. Para

saber mais, MARZANO, Andrea. Cidade em cena – O ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (1839-

1892). Folha Seca/Faperj, Rio de Janeiro, 2008. 29

Em especial Piolin, campeão de futebol, em que encarna um meninão fanático por futebol, o que enseja

ao tio casá-lo para que se livre do vício.

21

Honório Rodrigues, que comandava o projeto “O maravilhoso mundo de Piolin”, no

Anhembi, em 1973, colocava os artistas de seu circo em primeiro lugar. Mesmo

convalescendo, expressava sua preocupação com a trupe.

Eu já tinha parado o circo e ele me perguntou: “Como é que tá indo?”

Eu dizia pra ele que tava tocando, que ele não queria saber que parasse.

A preocupação dele era pagar todos os artistas. Eu falava: “Seu

Abelardo, tá tudo pago... tá tudo em ordem, não tem nenhum...” E ele

vivia preocupado com o circo.30

Esse seu espírito do Association era expresso por meio de uma impecável

disciplina de trabalho, testemunhada por outro circense, Antonio Luís de Moraes, o

Chumbinho, que o conheceu no seu Palácio de Alumínio, circo “solidamente” montado

na Praça Marechal Deodoro, como era chamado nos anúncios de jornal:

Sabe o que ele fazia atrás da cortina? Isso eu vendo, não foi alguém que

me falou não. Ele passava a mão no rosto do ator e se tivesse um pouco

grande ele mandava fazer a barba. Sabe o que é isso? Disciplina. Ele

gostava das coisas tudo certinhas. (...) Ele fazia a lista dos personagens,

o guarda-roupa, tudo, o que vai calçar, o que vai vestir, que jeito que é a

maquiagem (...) No caso, se você fosse fazer algum papel, se você fosse

contratado lá, aí ele deixava na prancheta, pendurada, e todo artista era

obrigado a ir lá ver. O drama de hoje... Aí vinha a camareira, as roupas

já estavam todas penduradas, toda engomada, passadinha, bem

arrumadinha, lá tinha uma pessoa pra tomar conta disso, as botas, os

sapatos, o que fosse usar, estava tudo limpinho. (...) Era uma disciplina

fora de série aquele circo.31

Enfim, era essa a ordem de que carecia o teatro e que fazia parte do fazer

circense, muito por uma característica intrínseca, por ser o circo fruto de um

aprendizado familiar, transmitido oralmente a partir da memória guardada pelos

antepassados e que, a partir dela, se definiam papéis distintos para cada membro32

. Essa

relação socioeconômica, que bem pode ter o sentido de Association, levada ao seu

extremo, é a contribuição que Piolin ousou dar naquela entrevista. Justo ele, acusado de

expressar uma versão rebaixada do gênero teatral – por ser comédia e, ainda por cima,

por ser circo-teatro. Ou, como ironizou, uma década e meia depois, num artigo

30

Depoimento colhido para a pesquisa em 14 de julho de 2011. 31

Depoimento colhido para a pesquisa em 4 de novembro de 2011. 32

Para saber mais sobre o “circo-família”, ver SILVA, Ermínia. “O circo: sua arte e seus saberes – O

circo no Brasil do final do Século XIX a meados do XX”. Dissertação de mestrado apresentada ao

Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de

Campinas em 14 de março de 1996.

22

publicado na mesma Folha da Manhã o escritor e político Carlos Lacerda, logo ele,

“Piolin, o inefável” 33, que lucrava artisticamente com a falta de um teatro nacional.

Com sua inefabilidade, Piolin prosseguiu encenando suas comédias no picadeiro

do Circo Piolin, lona que iria inaugurar cinco anos após a entrevista, e cuja carreira se

prolongaria até 1961, quando então o poder público achou por bem requisitar o terreno

em que a solidez do Palácio de Alumínio reluzia há quase três décadas. Naquele mesmo

ano da publicação do ácido comentário de Lacerda, fortuitamente o teatro brasileiro

floresceu com a encenação, pela companhia Os Comediantes, da peça Vestido de noiva,

de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinski e temporada exitosa no Teatro

Municipal do Rio de Janeiro. E, em 1948 o teatro “organizado” ganhou, enfim, sua

expressão melhor acabada com a inauguração do Teatro Brasileiro de Comédia, em São

Paulo, iniciativa do empresário Franco Zampari com o financiamento do conde Cicillo

Matarazzo. Em sua inefabilidade, Piolin prosseguiria mais 13 anos encenando suas

comédias, e, como testemunham os que fizeram parte das arquibancadas, com a casa

sempre cheia.

Na sequência da reportagem de 1927, após o entrevistado se auto-ironizar

dizendo que falou sério sem lançar mão de “citações”, seguia-se impressa a

programação dos teatros paulistas: no Apollo, Procópio Ferreira na comédia Guerra às

mulheres, de Paulo Magalhães; no Boa Vista, estreava Mimosa, com Leopoldo Fróes34

;

e o anúncio da volta, em poucas semanas, de Jayme Costa ao mesmo teatro. O trio,

enfim, resumia o teatro vitorioso apontado pelo “curioso” palhaço.

Quanto à sua expressão, as comédias de picadeiro, chamadas também entre os

circenses de chanchada, farsa ou combinado, Piolin se encontrava em posição

confortável. Podia conduzi-las não só na condição de ator cômico que, à semelhança de

Procópio, Fróes e Costa, atraía o público aos espetáculos com seu próprio nome; da

mesma forma administrava a persona que havia expressado uma arte de cunho popular

cujo reconhecimento por parte dos intelectuais do Modernismo – destaque para Mário

de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Ian de Almeida Prado – a

tornara, de fato, inefável. Aliando a arte circense e revelando um particular talento para

despertar fisicamente o riso de todas as classes sociais, Piolin conseguiu, ainda no Circo

Alcebíades, onde atuou de novembro de 1925 a dezembro de 1929, ser reconhecido

33

Folha da Manhã, 24 de janeiro de 1943. 34

Em 3 de dezembro a Folha da Manhã anunciava, para a mesma noite, O morto que não morreu, no

Circo Alcebíades, com Piolin, e O simpático Jeremias, no Teatro Boa Vista, com Leopoldo Fróes.

23

popularmente como o maior palhaço em atividade no país, conquistando um lugar

dentro de uma “tradição cômica ligeira pautada no diálogo com as plateias e, portanto,

caracterizada pela capacidade de agradar a públicos amplos e diversificados”35

, como

aponta Andrea Marzano com relação ao ator Vasques, no final do século XIX. Piolin se

enquadra nessa tradição, que no Brasil alinha os entremezes portugueses, a Commedia

dell’arte, que aporta na Corte nas encenações de feira, as comédias de Martins Pena, as

cenas cômicas de Vasques e, enfim, as comédias de picadeiro de Piolin.

1.2 Mortes e vidas piolinas

Piolin morreu muitas vezes, e nasceu outras tantas. Aqueles que desfrutaram da

arquibancada do Circo Alcebíades, quando este esteve instalado no Largo do Paissandu,

diziam que vê-lo morrer era o máximo do deleite do espectador circense. Em 27 de

março de 1929, escrevia dele Menotti Del Picchia na Revista da Antropofagia:

Mas mesmo morrendo Piolin é supremo. Já o vi esticar as canelas

várias vezes. Uma criação! Piolin morre, com rigorosa sucessão

mímica fisiológica, épica, teatral e sentimentalmente. Há uma gradação

de emoções estilizando sua morte no circo. É um arco-íris hilariante e

macabro de gestos e de máscaras. Formidável!

Piolin leva um tiro que lhe desfecha Alcebíades. A sua primeira

sensação é física, traumática. Apalpa-se para reconhecer a ferida. São

movimentos rápidos, apavorados de um realismo digno de um Novelli.

Depois, convencido de que está são, cria a morte épica. Já é a farsa em

todo o seu esplendor de simulação. Sacode-se, toma posições

imponentes e trágicas, criando a morte dramática do “grand-guignol”,

depois é a convenção cênica: estiliza a morte... Tem algo de cisne

romântico de Pavlova, atinge o lirismo plástico de uma morte musical e

coreográfica. Depois é a morte sentimental. Piolin já está em terra. São

os últimos estertores agônicos. São rítmicos, geométricos,

absolutamente tocantes e elegantes, mesuras de pavana, cortesias finais

de minuete...

Mas Piolin não morrerá hoje, nem de alegria, nem teatralmente.

Começará a viver uma vida maior na admiração do Brasil, apontado

nesse almoço-homenagem como um dos nossos mais sérios e honestos

artistas.36

O modernista se refere a outra morte de Piolin, promovida pelo grupo de

intelectuais que, da mesma forma que o canibal devora o inimigo para se apropriar de

35

MARZANO, Andrea. Op. cit., p.125. 36

PICCHIA, Menotti del. Elogio publicado no Correio Paulistano, in FONSECA, Maria Augusta. Op.

cit., p. 201.

24

sua valentia, almoçaram Piolin para promover a “absorção do inimigo sacro”, como diz

o Manifesto Antropófago, que Oswald de Andrade lançou um ano antes. Reunidos no

salão de chá do Mappin Stores, no dia 27 de março, os modernistas decidiram celebrar

Piolin, que completava 32 anos, devorando-o ritualmente e criando um dos eventos

mais simbólicos do período, que coroou a influência do humor e da teatralidade popular

no discurso erudito da vanguarda literária paulista.

Assim como o ano de 1929 foi emblemático ao coroar essas “mortes” de Piolin,

ele também marcou novos “nascimentos”. Por exemplo, naquele ano Piolin nasceu

legalmente. Dessa época, resta no Centro de Memória do Circo, doado pelo neto

Ayelson Garcia (filho de Ayola Pinto e Nelson Garcia, o palhaço Figurinha), uma

carteira de identidade em que aparece, pela primeira vez, o nome artístico registrado

juntamente com o nome de batismo: Abelardo Pinto Piolin. Piolin com “n” no final e

não com “m”, apesar de vários autores se referirem a ele com a forma mais próxima do

português, quando o apelido tem origem no termo espanhol para “barbante”: seriam as

pernas do palhaço, finas como tal. A fase prenuncia um longo período na vida do

palhaço excêntrico em que, após a consagração – o que muitos avaliam ter sido o auge

da sua popularidade – ele vai instalar, a partir de 1933, um circo próprio, também com

seu nome, e a partir daí se dedicar exclusivamente ao espetáculo circense pelas

próximas quase três décadas, atraindo admiradores anônimos com suas comédias de

picadeiro.

Mas voltando a 1929, Piolin vivia o auge do seu sucesso, ao mesmo tempo

popular e erudito. Ao findar a temporada no Circo Alcebíades, apreciado tanto pelo

grupo modernista quanto por Washington Luís, de um lado, e pelas enchentes populares

de outro, segue em temporadas até que, em 1931, deixa temporariamente o picadeiro e

se arrisca, a convite de Oduvaldo Vianna, a encarar o palco do Teatro Boa Vista, ao

lado do cômico Tom Bill, que havia montado, alguns anos antes, a Companhia

Disparates Cômicos com Genésio Arruda. Era a primeira vez que o filho do empresário

circense Galdino Pinto e da amazona e atiradora Clotilde Farnezi, arriscava uma carreira

solo, se bem que, de solo, não havia nada, pois Tom Bill fazia bem seu “clom”. Mas,

como seu nome aparecia nos letreiros das placas e dos cavaletes, bem que poderia ser

comparado aos grandes cômicos da época, como o próprio Genésio ou Sebastião

Arruda, embora o palhaço não exercesse propriamente a comicidade caipira37

. Naquele

37

Tom Bill, apesar de italiano, chegou a fazer caipiras em dupla com Genésio Arruda, especialmente na

série de filmes que fez na Sincrocinex, de Lulu de Barros (além de Acabaram-se os otários, primeiro

25

mesmo ano de 1929, gravou um registro fonográfico pela Victor com dois relatos

cômicos, marcando presença no meio que foi popularizado no início do século

justamente por palhaços38

. Mas a experiência parece ter se restringido a esse 78 rpm,

que registra duas narrativas com conteúdo nonsense, no estilo humorístico do

“bestialógico” ou “pantagruélico”, que parece ser a marca registrada deste palhaço cuja

voz e performance física encantou os modernistas que o exaltaram naquele final da

década de 1920.

Registros da época o apontam também como homem abastado, assim como a

reportagem da Folha da Manhã analisada no início do capítulo, se referia a alguém de

posses, que andava de automóvel. De fato, as temporadas no Circo Queirolo, que o

lançou, e no Circo Alcebíades, que o consagrou, lhe garantiram muitas posses. Um

avião, para o qual tirou brevê com um professor alemão, Fritz Hoiller, todo em madeira

compensada, fabricado pela Mercedes-Benz39

. O automóvel no qual fez a primeira

descida da história do quatro rodas no país até o litoral, seguindo pela Calçada do

Lorena, a Estrada Velha de Santos. Teve também seus filhos, cinco no total. Mas o que

se nota nessa virada de década é a postura que assume, tão logo se torna reconhecido

artista.

São Paulo mal começava a abandonar seus ares de vila, mas cujos ruídos

misturavam o velho e o novo, como registra Antonio de Alcântara Machado40

: entre as

engrenagens dos bondes e os cascos dos cavalos sobre as calçadas de pedras, entre os

apitos e as matracas dos vendedores e a sonoridade roufenha das buzinas Klaxon. Os

bondes elétricos circulavam desde o 1900, quando na cidade se instalou a Light. Mas a

iluminação pública só começaria em 1918, atendendo o Vale do Anhangabaú, o Largo

da Concórdia, a avenida Paulista e o bairro do Bixiga. Juntos, eletricidade e transporte

urbano, deram sobrevida à agitação diurna, garantindo público para espetáculos

noturnos, fossem de circo ou dos teatro paulistanos, entre eles o Politeama, na avenida

São João, criado em 1892; o Santana, inaugurado em 1900 já com a luz elétrica; o São

filme sonoro brasileiro, Lua-de-mel, Minha mulher me deixou, Sobe o armário e Tom Bill brigou com a

namorada). In AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro, Companhia das Letras, São Paulo, 2005,

p. 82. 38

Constam do casting inicial da Casa Edson, do Rio de Janeiro, os palhaços Benjamim de Oliveira,

Eduardo (Dudu das Neves) e Bahiano, vozes registradas nos primeiros fonogramas gravados no país. 39

A aventura constitucionalista de 1932 tomou-lhe o aeroplano. 40

MACHADO, Antonio de Alcantara. Brás, Bexiga e Barra Funda, Biblioteca Virtual de Literatura, in <

http://www.biblio.com.br/>.

26

José, na rua Xavier de Toledo, que abriu as portas em 1909; e, enfim, o Teatro

Municipal, cuja construção se iniciou em 1903 e findou em 191141

.

Ali próximo dos grandes teatros, no Largo do Paissandu, havia espaço também

para o entretenimento popular. Relembra Francisco Rodrigues, o Chiquinho, empresário

e circense:

A dupla era Alcebíades e Piolin, e agradava muito. O Piolin, muito

versátil e tudo isso, e o Alcebíades um “clom” muito bonito, entrava

tocando pistom, fazia um musical bonito e o povo ia para o Paissandu

para vê-los sempre. Fim de semana era superlotado, o bonde dava uma

voltinha ali na porta e soltava o público, depois o mesmo bonde ia

buscar o público quando terminava o espetáculo às dez e meia da noite.

No Paissandu ficou uma temporada de mais ou menos quatro anos.

Porque teve na avenida São João, mais cinco anos no Hotel Broadway,

ele esteve instalado ali. Fui músico dele, comecei como músico.42

Essa convivência entre os palcos mais eruditos, que apresentavam as

companhias estrangeiras, e os palcos mais populares, dos circos, sempre próxima, não

evitou que conflitos surgissem, especialmente a partir de farpas trocadas em letras de

forma, nos tipos de chumbo usados para imprimir os periódicos paulistanos. Em 1921,

por exemplo, a associação A Tarde da Criança, que atuava no Teatro Municipal de São

Paulo, promoveu o primeiro concurso de cômicos. Em correspondência enviada à

Federação Circense, em julho de 1925, relembra o fato:

Foi a “Tarde da Criança” que, pela primeira vez convidou o PALHAÇO

a representar num theatro aristocrático, perante um público de escol. O

sucesso de Alcebíades Pereira e Pucha-Pucha, no primeiro festival que a

associação realizou, no Municipal, no dia 25 de Dezembro de 1921,

nunca mais foi esquecido pela petizada daquele tempo. Depois,

Tampinha, Formiga, Bozan, Cri-Cri, Baratinha, Harris, Piolin, Hylário,

Sardinha, Chicharrão, Espiga, Biriba, Typ-Top, Perereca, Fura-Fura,

Almofadinha e Funga-Funga, têm, sucessivamente abrilhantado todos

os programas d’ “A Tarde da Criança”, merecendo não só dos pequenos

mas também dos grandes espectadores, o melhor parte dos apllausos.

Todavia, o repertório desses artistas cômicos é resumido e muito mal

cuidado. Ninguém se lembra de escrever anecdotas espirituosas, e –

mais do que isso –, contendo alguma substância útil, para serem

interpretadas pelos tonys, clowns, palhaços, excêntricos e cômicos de

qualquer gênero. No entanto, todos esses apreciados personagens

theatraes podem servir de optimo elemento criativo para as crianças.43

41

AMARAL, Antonio Barreto do. História dos velhos teatros de São Paulo. Governo do Estado de São

Paulo, São Paulo, 1979. 42

Depoimento colhido para a pesquisa em 8 de junho de 2011. 43

Unidos Seremos Fortes, no. 2, 20 de junho de 1925.

27

A resposta daquele que, oficialmente empunhava a pena da Federação, é enfática

em lamentar a falta do termo “circo” na comunicação daquela associação e rechaça a

afirmação de que foi a entidade que pioneiramente levou o PALHAÇO a um teatro

aristocrático para representar para uma plateia de escol:

(...) todo o mundo sabe que mesmo quando ninguém sonhava ainda com

a existência d’ “A Tarde da Criança” muitos dos artistas lisonjeiramente

citados na referida circular, e outros, alguns dos quaes já desapparecidos

da arena da vida, foram repetidas vezes applaudidos pelas plateas mais

distinctas dos melhores theatros do Brasil e mesmo do estrangeiro.

Quanto ao mais, podemos garantir áquella benemérita associação, que,

há ainda muita gente de escol que não se envergonha de vir ao circo,

para applaudir os clowns e tonys no próprio picadeiro.44

Apesar de a arte do picadeiro ser propensa a promover negociações simbólicas

capazes de adaptar o espetáculo às referências culturais de seu público, seja ele rural ou

urbano45

, assim como em todo campo de negociação, existem tensões que orquestram

condições, circunstâncias, causas e efeitos, cujos resultados geralmente se associam ao

“espírito do tempo”46

para resultarem no fenômeno cultural. Aquela região central de

São Paulo, em especial, foi palco desse processo.

O Largo, desde pelo menos 1881, abrigava lonas circenses, sendo a primeira

ocorrência a do Circo Irmãos Carlo, seguido pelo Circo Thauromaquico e pelo Oceano,

no mesmo ano47

. Em 1906 é inaugurada a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens

Pretos, transferida da Praça Antonio Prado, o que não inviabilizou que a região

concentrasse cabarets e teatros de variedades. Foi no ano da Semana de Arte Moderna

que alguns ícones do Paissandu foram erigidos: o restaurante Ponto Chic, frequentado

pelos intelectuais, e o Hotel Esplanada. No final do beco do Paissandu, desde 1975 rua

Abelardo Pinto Piolin48

, encostou-se o portentoso edifício dos Correios.

44

Idem. 45

Sobre a hibridização e a circularidade cultural no circo, ver SOUSA JUNIOR, Walter. Mixórdia no

picadeiro – Circo-teatro em São Paulo (1930-1970). Terceira Margem, São Paulo, 2011. 46

Conceito filosófico surgido em Hegel (Zeitgeist) para definir o clima intelectual e cultural de um

período. 47

Conforme pesquisa realizada pelo Centro de Memória do Circo. 48

“Aqueles metros quadrados onde hoje se ergue imenso bloco de concreto, foram, um dia, umedecidos

com suores e lágrimas de humildes artistas. O ferro e o cimento sepultam risos que ecoavam pelo largo

provinciano. Uma placa de bronze deveria evocar esse passado e advertir, para sempre, o que ele

significou para a crônica da cidade”, escreveu Júlio Amaral de Oliveira num folheto em homenagem feita

pela Prefeitura de São Paulo em 29 de janeiro de 1975.

28

Pois foi no Largo do Paissandu que Piolin nasceu artista popular. Se o acaso o

fez nascer em Ribeirão Preto, em 27 de março de 1897, quando o circo descia lona para

partir para Uberaba, em Minas Gerais, o que, de fato ocorreu no dia seguinte ao parto; e

novamente foi acaso nascer o palhaço Careca em 1917, quando o Circo Americano, do

pai Galdino Pinto, estava em Manhuaçu, em Minas Gerais, pela deserção de Espiga, o

palhaço da companhia. Já estrear no Paissandu foi resultado de anos de preparação,

fosse de forma consciente ou não.

1.3 A escola circense de Piolin

Muitos pesquisadores acusam Piolin de não ser de família circense, uma vez que

Galdino Pinto fugiu do emprego e da família em Barra do Piraí (RJ) ao ver Clotilde

Farnezi montada num cavalo no Circo Barcelino, de seu pai José, que visitava a

cidade49

. Por conta do casamento com uma circense, também se tornou circense. E

empresário. A partir daí a convivência com as principais famílias originárias da Europa

e que haviam escolhido o Brasil para atuar desde o final daquele século XIX, foi a

maior escola de circo que Piolin poderia ter acesso. Abelardo nasceu entre as famílias

Pereira, de Alcebíades, e Seyssel, de Henrique e Vicente.

O escritor Paulo Noronha, da Academia de Letras de São Paulo, que escreve O

circo, em 1948, por empenho de Ondina Pereira, irmã de Albano Pereira Neto, o clown

Fuzarca, a quem, conforme revela o autor a certa altura da obra50

, “(...) por afinidade

eletiva, a classe deve a publicação desta obra”, aponta as influências que fizeram de

Abelardo o palhaço Careca, e depois Piolin.

Com 10 ou 12 anos, Abelardo já emprestava colaboração às entradas

cômicas do grande ‘clown’ Alcebíades, fazendo ‘bombeiros’ ou

‘diabinhos’ que eram comparsas das mesmas. Veio mais tarde

desenvolver-se como discípulo entusiasta de Henrique e Vicente

Seyssel, fazendo parte do número denominado ‘charivari’, que consiste

no conjunto de todos os artistas em cena nos trabalhos acrobáticos.51

49

Conta-se que também a melhor atiradora ao alvo da América do Sul, a ponto de acertar na mosca

mesmo atirando deitada sobre uma mesa, com a cabeça pendida para baixo, uma carabina apoiada no

ombro e a 12 metros de distância do alvo. 50

O autor não tinha ligação alguma com o circo. Tanto que os títulos de suas outras obras eram Foi Mapa

Gramatical Léxico-Sintático e Elementos da Psicologia Experimental Aplicada. 51

NORONHA, Paulo de. O circo. Academia de Letras de São Paulo, São Paulo, 1948, pp. 59 e 60.

29

Henrique Seyssel é irmão de Ferdinando, o palhaço Pingapulha, e tio de

Waldemar Seyssel, o Arrelia. Atuava como clown junto com o irmão Vicente, o

excêntrico Puxa-Puxa, que depois atuaria com Alcebíades, de quem era concunhado52

.

Com ele ganharia o prêmio d’A Tarde da Criança e se tornaria sócio no circo que

abrigou Piolin, no Largo do Paissandu. A família Seyssel chegou ao Brasil em 1886, no

Circo Fernández. Julio Seyssel, pai de Ferdinando, com 34 anos, logo se torna diretor

do Circo Chileno, onde crescem seus filhos, Henrique, Vicente e Ferdinando. Mas em

1906 o patriarca morre, de modo que o Circo Chileno é mantido por Ferdinando, que se

torna a atração principal, como o excêntrico Pingapulha.

As relações entre a família Pinto, comandada pelo pai de Piolin, e os Seyssel

começam em 1905, quando Galdino funda sua primeira companhia, o Circo Americano,

juntamente com a esposa, Clotilde Farnezi e os irmãos Henrique e Vicente Seyssel. Na

estreia encenam a pantomima Guerra de Canudos, com a participação de todos, sócios e

familiares, inclusive do menino Piolin, como relembra René de Castro, na Folha da

Manhã de 25 de abril de 1931: “A primeira vez que vi Piolin representar, lá numa

cidade do interior do Estado do Rio, teria o querido artista cinco anos de idade e a maior

gargalhada do espetáculo era arrancada por ele, numa cena da famosa pantomima ‘A

guerra de Canudos’, na qual Antonio Conselheiro era o Lampeão daqueles tempos”.53

Afora o mal cálculo da idade, Piolin, naquela altura, tinha sete anos, a lembrança

confirma a precocidade natural dos artistas circenses, em especial nas encenações. Foi

também, naquele período que o menino se entalou no espaldar de uma cadeira ao fazer

um número de contorção, como ele próprio relatou ao Museu da Imagem e do Som em

depoimento dado em 1971.

Se a influência de Henrique Seyssel seria rápida, pois ele morre muito jovem,

aos 26 anos, em 1908, a convivência com Vicente foi maior. Aliás, a proximidade

familiar entre Vicente e Alcebíades levou Piolin ao convívio com esta outra importante

família circense, os Pereira. Nascido na região de Coimbra (Poiares), em Portugal, em

1839, Albano Pereira chega com a trupe dos Chiarini em 1871, se fixando em Porto

Alegre onde, quatro anos depois, irá inaugurar um pavilhão que marcou época, tamanha

a sua grandiosidade. Especializado no espetáculo de acrobacias equestres, herança do

circo europeu, o Circo Zoológico Universal se notabilizou até na Corte, onde foi

prestigiado pelo Imperador. Foi também o primeiro circo a usar um palco junto ao

52

Alcebíades era casado com Esther Ozon, irmã de Clementina, casada com Vicente Seyssel. 53

Folha da Manhã, 25 de abril de 1931.

30

picadeiro para apresentar encenações (pantomimas). A carreira de sucesso de Albano

Pereira foi, no entanto, interrompida por uma bala perdida, que o atingiu enquanto

saudava o público que chegava para ver o espetáculo em seu circo em 1903, na cidade

de Rio Novo-MG. Foi casado com Juanita Pereira (1849-1892), espanhola de Logronho,

que fez fama na Europa atuando no trapézio. Ao criar o movimento dos três trapézios

voadores, ganhou um cinturão de prata, mandado confeccionar pela Coroa inglesa.

Possuía, segundo alguns contemporâneos circenses, a menor cintura do mundo54

, além

de ser bailarina clássica. Dois dos filhos do casal se tornaram palhaços: Carlito, o João

Minhoca, que no intervalo de uma entrada foi vitimado por morte súbita no camarim; e

Alcebíades, clown e exímio pistonista, cuja elegância surpreendeu o jornalista Afonso

Schmidt, que a descreve em crônica:

Era homem de cinquenta anos presumíveis. Cabelo grisalho, aparado

rente. Traje cinzento, de corte elegante, assentando exato sobre o corpo

forte, que começava a pender para a gordura. Camisa branca

irrepreensível. Parecia ter sido barbeado a poucos minutos. Bengala

com castão de ouro. Em toda a sua pessoa, essa perfeita distinção, que,

de dia para dia, se torna menos encontradiça. Distinção que a gente ou

traz do berço ou nunca chega a aprender. (...) Acompanhei-o até a porta.

Apertei-lhe a mão com simpatia. Não. Não era o pintor, não era o

negociante, não era o alto funcionário. Mas por aquela altura eu já

sentia que aquele homem me era muito familiar. Mas de onde? Vi-o

descer a escada pausadamente. E, lá do fundo, ainda me sorriu,

acenando com as mãos brancas e finas. Até à vista, até à vista...

Voltando à sala, tomei o cartão que ele havia deixado sobre a mesa e, só

então, pude ver:

“Alcebíades Pereira –Palhaço”.55

Alcebíades, que também se notabilizou pelos números acrobáticos de pernas de

pau e trampolim, sem o pai, passa a atuar com irmão nos circos Frank Brown, Irmãos

Carlo, Pavilhão Fernandes, Rafael Spinelli, Grande Chileno e no Circo Americano, de

Galdino Pinto. Somente em 31 de março de 1917, em Campinas, é que inaugura circo

com seu nome, já sem o irmão. Sempre com o apoio do concunhado Vicente Seyssel, o

Puxa-Puxa, que substitui João Minhoca, monta espetáculo ainda com o cunhado

Eduardo Ozon, o palhaço Fura-Fura-Três-Tempos, e com Augustinho Aguiar, o Camelo

(por causa de sua corcunda). Paulo de Noronha lista, em seu livro, algumas das entradas

cômicas levadas por Alcebíades, sem, no entanto, descrevê-las: A fotografia, A cadeira

54

O cinturão faz parte do acervo do Centro de Memória do Circo e, se fato ela o vestiu, tinha mesmo uma

cintura diminuta. 55

SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. Clube do Livro, São Paulo, 1954, pp. 47 e 48.

31

de braços, o Duo Musical, O bombeiro, O saco de batatas, Pimpinela, O box, O

elefante, A tourada. Defende também que foi Alcebíades quem criou a dupla cômica

clown/excêntrico, na configuração que se tornou clássica no decorrer da primeira

metade do século XX, pois antes o clown de rosto branco se apresentava acompanhado

do Mestre de Pista, centralizando as entradas cômicas e, muitas vezes, contando piadas

solitariamente ou acompanhado do instrumento.56

Até aquela altura o palhaço

excêntrico, de nariz vermelho, era o Toni de Soirèe, mero figurante que entretém a

plateia no intervalo entre números para que os equipamentos sejam montados ou

desmontados, muitas vezes substituindo os artistas impedidos de atuar por qualquer

motivo.

Ferdinando e Vicente Seyssel fundam, em 1922, o Circo Irmãos Seyssel. Mas o

segundo irmão acabou rompendo a sociedade dois anos depois, indo trabalhar com

Alcebíades. Com a idade avançada, o velho Pingapulha decide repassar a companhia

aos três filhos: Henrique (clown), Paulo (clown Aleluia) e Waldemar (Arrelia).

Transfere a firma e o nome é mantido, afinal continuavam sendo os Irmãos Seyssel.

Após estrear como Careca, em 1917, ao lado de Leopoldo Martinelli (Quero-

Quero), Abelardo passou a atuar em dupla com seu irmão Anchises Pinto, o palhaço

Faísca. Além disso, executa números de ciclismo, malabarismo e acrobacia, além de

tocar violino. Foi no ano seguinte que, na mesma Rio Novo-MG, onde morreu Albano

Pereira, o circo de Galdino Pinto se transformou em verdadeiro hospital de campanha

para atender as vítimas da Gripe Espanhola, que assolava não só a cidade mas o país, e

que em 1919 vitimaria até o presidente reeleito, Rodrigues Alves. Esse processo de

auxílio à comunidade rendeu à Galdino Pinto uma rua com seu nome na cidade, e ao

filho Anchises, uma esposa, Thomazina, filha de uma das senhoras afetadas pela doença

atendida pela trupe do circo. “Galdino Pinto ia às próprias casas acudir pessoalmente

aos doentes; sua mulher ‘criou’ um xarope, que administrava ao povo; transformaram o

circo em enfermaria, para a qual, Galdino Pinto adquiriu camas. Providenciou, também,

a ida de socorros de São Paulo, onde possuía muitos conhecimentos. Além disso,

enterravam os mortos.”57

Ainda nessa temporada, em Juiz de Fora, o Americano se

junta à família que exerceria a terceira grande influência na formação de Piolin: os

Queirolo, trupe de acrobatas. Um ano antes, no Rio de Janeiro, os irmãos Ricardo

56

Na segunda metade do século XIX marcaram época os palhaços-menestréis, que tinham essa

característica, inspirados no branco Polydoro (José Manoel Ferreira da Silva), do Circo Elias de Castro.

Destacam-se nesse estilo os dois palhaços negros Benjamim de Oliveira e Eduardo das Neves. 57

DANTAS, Arruda. Piolin. Editora Pannartz, São Paulo, 1980, p. 110.

32

(Negrito), Alcides (Gato Félix), José Carlos (Chicharrão), Julian (Harris), Otelo (Chic

Chic) e Francisco (Pancho) haviam comprado a lona do Circo Spinelli por quinze

contos de réis, valor que “poderia bancar a construção de um prédio de médio porte”58

.

As duas trupes chegaram juntas a São Paulo em 1922. Estreiam na Praça

Marechal Deodoro, espaço que, uma década mais tarde, terá Piolin com seu próprio

circo. Piolin atua ao lado de Harris e logo de saída agrada o público. Instalam-se no

Largo do Paissandu para fazer uma curta temporada que se prolonga por três meses. De

lá, seguem para a avenida São João, local onde depois se instalaria o Cine Broadway.

O pesquisador Júlio Amaral de Oliveira, em manuscrito que se encontra no

Arquivo Multimeios, do Centro Cultural São Paulo (Secretaria Municipal de Cultura de

São Paulo), anota que o apelido Piolin teria surgido em 1918, portanto no ano do

contato com os Queirolo. A família, embora tivesse origem italiana (o avô migrou para

a Argentina), tinham o espanhol como língua falada entre os oito irmãos e de onde

poderia provir o termo “piolin”. Mas há várias versões para a origem do apelido: uma

participação num festival circense em 1920 no Rio de Janeiro, quando teve contato com

uma trupe de artistas espanhóis; um “casaca-de-ferro” (o faz-tudo que monta e

desmonta os aparelhos, levanta a lona, etc.) do próprio circo; e outra versão mais

romântica, de um violinista espanhol que, no picadeiro teve uma das cordas

arrebentadas e foi socorrido pelo palhaço, que trouxe correndo nova corda e, ao voltar,

com suas pernas finas saltitando, ouviu o comentário: “Esse rapaz parece um ‘piolin’!

Um rapaz que, naquela altura, já tinha um filho, Aylor, de seu casamento com Benedita

França, nascido em 1919.

A relação com os Queirolo é que transformou de fato Abelardo em palhaço. Se o

dom o encaminhara à função depois da estreia para substituir Espiga, faltava-lhe ainda

uma perfeita caracterização, uma “máscara”. A grande síntese do palhaço excêntrico, de

nariz vermelho, naquela altura, era Chicharrão (José Carlos Queirolo).

José Queirolo migrou para a Argentina com o pai, que era açougueiro, e lá

começou a cantar óperas. Em 1881 se casa, em Bueno Aires com Petrona Salas, com

quem tem os seis irmãos acrobatas, além de Maria Esther e Irma. Cantam juntos, ele

barítono e ela contralto. Mas acabam se engajando no circo. Chicharrão nasce em 1887,

em Santana do Livramento-RS, embora o circo estivesse do lado de lá da fronteira, em

Rivera, no Uruguai. Cresceu no circo, onde estreou aos quatro anos. No final do século

58

ANDRIOLI, Luiz. O circo e a cidade – Histórias do grupo circense Queirolo em Curitiba. Edição do

autor, 2007, p. 13.

33

XIX a família retorna à Europa para cumprir uma turnê que se estende por uma década,

a maior parte no Circo Schumann. Passam dois anos na Alemanha, se apresentam a

Guilherme II, atuam na Rússia, para Afonso III de Portugal e para Carlos I, da

Inglaterra. Trabalham no Folies Bergère, em Paris. A temporada só não foi perfeita

porque, na Alemanha o patriarca é diagnosticado com um câncer na garganta, vindo a

falecer. O retorno da família ao Brasil se dá em 1910, com fama internacional. O

palhaço Chicharrão surge em 1915, em Bagé-RS, também por obrigação de substituir o

titular. Escolhe o nome a partir de um personagem de história em quadrinhos da revista

argentina Caras y Caretas e, conta-se, foi o inventor do colarinho largo, depois

amplamente usado pela maioria dos excêntricos que o sucederam, incluindo Piolin,

aliando a peça ao chapéu coco, à bengala grossa e aos sapatos enormes.

No ano seguinte os Irmãos Queirolo vêm para São Paulo, onde se apresentam no

Teatro Politeama. E, em 1918, se juntam à família de Galdino Pinto, para retornarem à

capital paulista em 1922, com Chicharrão vivendo o apogeu de sua carreira no

picadeiro, arrastando multidões para os seus espetáculos, apresentando números muito

originais, entre eles a Barata sorumbática (um carro de madeira puxado por um

cachorro que, por sua vez, corre atrás de um osso pendurado numa vara conduzida pelo

palhaço, que está sentado no carro) e o Idílio dos sabiás (o número do namoro entre

passarinhos em que a dupla de palhaços “conversa” por meio de assobios, consagrada

por Piolin e Pinati nas décadas seguintes). Ao atuarem juntos no Largo do Paissandu –

os Pinto e os Queirolo – acontece uma cisão na segunda família, que será decisiva para

a carreira de Piolin. Chicharrão decide deixar o circo e seguir para o Rio de Janeiro,

onde irá cumprir temporada no Teatro República. A solução foi recorrer a Piolin, como

conta Yan de Almeida Prado, ou Terêncio Martins, como assinava as crônicas Circo de

cavalinhos publicadas na Folha da Noite:

O certo é que depois puseram o rapaz no lugar do desertor. A

indumentária com que se apresentou o novo elemento era igualzinha a

do antigo. Uma maravilha. A mesma calva vermelha, pestanas brancas,

rugas pretas, enorme colarinho, luvas grandes demais, não faltava

sequer o porretão monumental. O substituto teve êxito fulminante.

Possuía todas as qualidades do substituído e mais algumas de choro.59

59

PRADO, Yan de Almeida (Terêncio Martins). Circo de cavalinhos. In DANTAS, Arruda. Op. Cit., p.

116.

34

Por conta disso Chicharrão jamais perdoou Piolin, taxando-o de imitador pelo

resto da vida, mesmo após uma reaproximação promovida em 5 de abril de 1972 pelo

jornal Última Hora, em São Paulo, quase meio século depois da contenda. Mesmo com

o encontro, mantinham-se distantes, como conta Francisco Honório Rodrigues, que

empresariou os dois palhaços no início dos anos 1970:

Houve uma briga com os irmãos, negócio de dinheiro, o Chicharrão

queria ganhar mais, era o grande... os irmãos não quiseram dar e ele foi

embora, abandonou o circo. O circo estava em São Paulo e o Chicharrão

se mandou pro Rio, deixou. Falou: agora eles vão ficar na mão. A

família pegou e acharam que o Piolin tinha jeito, o tamaninho dele, era

pequeno, e puseram o Piolin, lançaram o Piolin como palhaço. E o

Piolin estourou. Piolin foi, foi, foi e fez muito nome. E o Chicharrão

ficou com raiva. “Esse cara apareceu, foi lá e tomou o meu lugar!” E

ficou famoso. O Chicharrão muita gente conhecia, mas nem pensar

perto de Piolin. Piolin ficou muito mais famoso que ele. Eu fiz shows

pela Secretaria [de Cultura do Estado de São Paulo], naquela época a

secretaria contratava muitos shows. E eu levava sempre o Piolin. E às

vezes levava o Chicharrão também. Fui, em três dias de viagem, com

um ônibus cheio de artistas. Imagine. Quarenta pessoas no ônibus.

Fizemos Bauru, Franca, com os dois no ônibus. Aí aparece um espírito

de porco de um artista que começa a brincar com os dois. E o seu

Abelardo falava assim pra mim: “Olha, não brinca, o homem é

nervoso...” Essa pessoa chamava o Chicharrão de Piolinzinho e o Piolin

de Chicharrão. E o Chicharrão... não falava com ele. Seu Abelardo

sempre muito quietinho. Seu Abelardo era uma pessoa muito

reservada, muito quietinha. O Chicharrão, não, era bagunceiro.

Piolin, ao lado de Harris, estreou no Circo Irmãos Queirolo em 21 de maio de

1923. Antes, haviam se apresentado no Largo da Memória, no Teatro Brás Politeama e

na rua Vergueiro, naquele mesmo 1923. A temporada se prolongaria por três anos, até o

final de 1925. Em novembro daquele ano o Circo Irmãos Queirolo sairia do Largo do

Paissandu para a avenida São João, 102. Consta do anúncio publicado no jornal Folha

da Manhã, de 12 de novembro de 1925: “Hoje à noite inaugura os seus espetáculos de

atração e variedades, em pavilhão próprio, armado à avenida S. João, o Circo Queirolo,

ao qual voltou o apreciado cômico Chicharrão”. No ano seguinte o circo se transfere

para a rua Duque de Caxias, esquina com a Barão de Limeira, um pavilhão luxuoso, que

comportava 4 mil espectadores.

Para Piolin era o fim do aprendizado e a formação do palhaço, que adquiria

personalidade própria, arrastando para seus espetáculos vastas “enchentes” e garantindo

sucesso a qualquer lona que o contratasse. Se só tivesse sido o arremedo do palhaço

criado por Chicharrão, Piolin não teria adquirido com tamanha rapidez a persona

35

artística necessária para conquistar o público. O resultado dessa construção artística será

analisado mais adiante, pois antes há um novo período de sucesso e reconhecimento.

Por ora basta atentar ao fato de que laços antigos lhe garantiriam um novo espaço para

demonstrar sua habilidade cômica. Embora no mesmo endereço.

1.4 Artista para vários públicos

O pesquisador Júlio Amaral de Oliveira enumerou os circos onde Abelardo Pinto

Piolin atuou até àquela altura da sua carreira: Salvini e Sul Americano (1906);

Variedades (1907); François (1911); Europa (1912); Cosmopolita (1913); Circo-cinema

Pinheiros (1914); Universal (1915); Americano (1916); Circo-Teatro Paulistano, Sul

Americano e Temperani (1917); Oriental (1919); Olimecha (1920); Mexicano, Wasnel e

Jardim Zoológico (1921); Irmãos Thereza, Iris e Irmãos Queirolo (1922); Circo

Pavilhão Alaska e Irmãos Seyssel (1925). Enfim, uma grande experiência para quem

somava 28 anos de vida. Mas a saída do clã dos Queirolo, que se reintegrava, o levou de

novo aos protetores Alcebíades e Vicente, que mantinham a empresa Pereira & Seyssel,

mais conhecida por Circo Alcebíades. Naquele ano de 1925 Alcebíades, com o circo

montado no interior, vem à capital para participar de um – para ele – tradicional evento,

como noticiou a Folha da Manhã de 1º. de agosto:

Depois de concorrer ao concurso da “Tarde da Criança” no qual

levantou o primeiro prêmio, juntamente com o seu companheiro Pucha-

Pucha, regressou a Olympia onde tem armado o seu circo, o palhaço

Alcebíades Pereira. A manhã de anteontem, segundo nos informa o

nosso correspondente, foi originalmente festiva para a cidade de

Olympia: um grupo de admiradores e amigos de Alcebíades, radiantes

pela sua vitória, promoveram-lhe uma recepção carinhosa com foguetes

e banda de música.60

Sua chegada ao Paissandu em novembro daquele mesmo ano já o trazia

carregado pela fama e acompanhado de um novo excêntrico: Piolin. Alcebíades era

membro do Conselho Fiscal da Federação Circense, um dos seus fundadores e fiel

militante da entidade. Seu circo também mantinha uma estrutura incomum para os

concorrentes da época. Contava até com jornal próprio, O Heroy, mensal, editado por

Francisco Rubens Mira, funcionário do circo. Também, com ampla divulgação nos

jornais, inaugura lona impermeável em dezembro de 1925. As atrações são diversas e

60

Folha da Manhã, 1 de agosto de 1925.

36

listadas nas divulgações feitas nos jornais, como o de 30 de junho de 1929, na Folha da

Manhã:

Continua em franco sucesso a “troupe” que Alcebíades Pereira e Piolin

dirigem neste circo, que tão boas noitadas têm proporcionado ao nosso

público. Aqueles empresários, que são considerados entre os melhores

dos nossos palhaços; Nicolau Teixeira, exímio imitador de caipiras e

cantor de modinhas de sua composição; a “troupe” Carpensen,

insuperável na balança da morte; os musicais Lekar e Silos, o cav. Edu

Gomes, com os seus “trucs” de magia; Lambary e Alfredo, nas suas

entradas cômicas, todos constituem o motivo de há cerca de quatro anos

manter o Circo Alcebíades o seu anfiteatro no Largo do Paissandu.61

A dupla de cômicos passa a se apresentar também com um comparsa mirim,

Aylor, repetindo o papel que o próprio Piolin fizera na infância com o mesmo

Alcebíades. Era, enfim, a coroação de uma carreira que havia dado certo. Na arte mais

ancestral do palhaço, a das entradas cômicas, a dupla cria momentos impagáveis até a

um Washington Luiz ainda em ascensão. Conforme depoimento do palhaço ao Museu

da Imagem e do Som, o então presidente de São Paulo ia ao Circo Alcebíades toda

quinta-feira, onde ocupava um camarote, e tinha predileção por um número musical em

que Alcebíades, com seu inseparável pistom, e Piolin, pilotando um bandolim, eram

interrompidos a todo o momento por uma insistente pulga, que começava por cutucar a

canela de um e acabava arremessado ao chão do picadeiro, sem que deixasse de insistir

em novos ataques, sempre interrompendo o número musical.

Naquele picadeiro foi também que Piolin, como a pulga de sua entrada, decidiu

insistir e desenvolver uma nova forma de apresentar o circo-teatro, investindo na

inovação da comédia de picadeiro, indo além das tradicionais chanchadas, que

Chicharrão já levava e que ele continuou a levar no Queirolo: O morto que não morreu,

Casa de doido, Aprendiz de sapateiro e Casa do fantasma62

, em sua maioria anônimas e

comuns nos repertórios de diversos circos. Dentro desse esforço é que monta a comédia

Do Brasil ao Far-West. Existe na encenação dessa peça um efeito crucial que levaria

Piolin para além das plateias populares e do ilustre político que se ocultava num dos

camarotes, além de elevar o seu status artístico: o reconhecimento do seu tipo pelos

intelectuais modernistas.

61

Folha da Manhã, 30 de junho de 1926. 62

Também conhecida por Casa mal-assombrada.

37

Em “Do Brasil ao Far-West” Piolin tem uma das suas criações mais

perfeitas. Atinge uma comicidade exterior maravilhosa e dentro da

uniformidade do seu tipo varia sempre com invencível poder criador.

Bastam pra celebrizar um artista de circo as cenas da herança, do medo,

e, sobretudo a genialíssima em que ele descobre que pode se utilizar da

rasteira para brigar. Nesta última, a expressão da alegria vitoriosa

mimada por Piolin é tão dinâmica, tão dominante e intensa que duvido

qualquer expectador sincero, mesmo culto, não sinta as tendências

heroicas violentadas, ativadas, elevadas ao clímax e uma comoção

profunda com raízes no mais mesquinho, no mais fisiológico

nacionalismo. É genial.63

É por demais disseminada a história de que foi Blaise Cendrars, quando de sua

primeira viagem ao Brasil, que descobriu Piolin no Circo Alcebíades em 1926 e cantou

a pedra aos intelectuais que o recepcionavam: o que eles procuravam estava lá no

Paissandu. Todos, sem exceção, se encantaram, a começar por Mário de Andrade e

Oswald de Andrade, à época casado com Tarsila do Amaral, Antônio de Alcântara

Machado, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Paulo Prado,

Sérgio Milliet e Yan de Almeida Prado. Quase todos eles deixaram escritas suas

impressões sobre Piolin. Aliás, repositório do qual todos aqueles que se atiraram na

tarefa de reconstruir a validação deste artista de circo acabaram recorrendo. Tanto que o

pouco que se conhece hoje de Piolin advém desses artigos, das contendas intelectuais

envolvendo o nome do palhaço que incorporava a arte “primitivista” para uns; que para

outros era a salvação do teatro nacional, ou, ao contrário, que deveria fazer do picadeiro

o verdadeiro púlpito de uma arte genuinamente nacional. Claro, muitos destoaram

dessas interpretações e acabaram gerando trocas de argumentos literários. Tanto que, ao

fim do período, mal a euforia dos anos 1920 se afogou em dívidas com o crack da Bolsa

de Nova York em 1929, restou apenas a única lembrança discernível de uma distância

temporal já considerável: a de que Piolin era artista para agradar tanto o público popular

quanto os intelectuais, o que lhe confere uma linguagem cômica universal. Não me

deterei a tratar desse aspecto por demais estudado, inclusive por mim64

, que trata da

apropriação do referencial cultural popular por um grupo dedicado à cultura erudita,

intelectual, fundadora de uma nova ordem baseada na ideia de vanguarda e que

legitimou o desenvolvimento das artes e das linguagens culturais nas décadas seguintes.

63

ANDRADE, Mário de. (Pau d´Alho) Do Brasil ao Far-Est – Piolin. Terra Roxa e outras terras. Ano 1,

no. 3, 1926. 64

Na pesquisa de doutorado Mixórdia no picadeiro – Circo, circo-teatro e circularidade cultural na São

Paulo de 1930 a 1970, defendida em maio de 2008 na ECA/USP, emprego Piolin como uma das fuguras-

chaves do processo de negociação simbólica que marca a construção cultural da metrópole emergente.

38

O que interessa aqui é precisar a contribuição de Piolin e de sua dramaturgia também

nesse processo, especialmente junto ao público urbano e aos meios derivados que, por

sua vez, também se apropriariam de sua contribuição artística.

A grande contribuição da comédia Do Brasil ao Far-West, que será mais

detalhadamente analisada adiante, é se utilizar de referenciais outros que não os das

tradicionais chanchadas circenses, que especialmente guardam elementos claros da

Commédia Dell’Arte. Esse gênero popular teatral, originário da Itália da Idade Média,

empresta a matéria-prima usada por aqueles que introduziram a dramaturgia no

espetáculo circense, logo no início da concepção do circo moderno. O encontro do

sargento da cavalaria britânica Philip Astley, que em 1766 cria um anfiteatro para

oferecer espetáculos equestres, com seu sócio em Paris, Antonio Franconi, levou à

incorporação da pantomima e da referência do teatro popular italiano.

Piolin buscou, então, naquele momento, escapar à estrutura da relação entre

patrão e empregado da Commedia Dell’Art, da disputa social entre a autoridade patronal

do ator sem máscara e o criado de rosto pintado – tentativa, aliás, que se revelará inútil,

como se verá na análise do repertório de peças do Circo Piolin. Mas não é prudente se

antecipar antes de compreender que outra grande característica do circo-teatro passava a

se evidenciar a partir daquela peça: a sua condutibilidade cultural, ou seja, a facilidade

em retrabalhar temas e referências outras, externas ao universo circense, inclusive dos

meios de comunicação de massa ascendentes, entre eles o cinema americano. O próprio

Mário de Andrade percebe isso no artigo mencionado acima ao apontar a “a mistura

saborosa do elemento nacional e do estrangeiro”65

, e que a referência do cinema não

resulta em imitação, mas na utilização “deformativa sempre e que leva o absurdo a uma

tal intensidade de cômico que raramente se poderá superar”66

. É essa a “lógica do

absurdo”, como o modernista pontua inicialmente, que caracteriza a farsa circense e que

leva à originalidade criativa. Mário de Andrade esbarra certeiramente na estrutura da

dramaturgia circense, como será possível constatar no desenrolar das análises a serem

realizadas nos próximos capítulos desta pesquisa.

O que vale ainda pontuar aqui é a relação que tanto Mário quanto Oswald, este

que se aproximou mais ainda do universo circense, usando-o como referência em seus

romances e peças, foi diversa daquela que os futuristas russos, por exemplo,

mantiveram com o circo e, especialmente com o palhaço Lazárienko. Maiakóvski

65

Idem. 66

Ibidem.

39

chegou ao Circo Nikítin, na Moscou de 1914, com a intenção de recitar seus poemas no

lombo de um elefante67

, e apressou-se em eliminar todo traço de metafísica do

espetáculo circense para lhe atribuir uma essência terrestre. Para ele, os palhaços

deveriam primar por suas “máscaras sociais”. No pós-revolução, o circo se torna estatal

e o espetáculo se politiza. E a principal preocupação dos intelectuais é a influência de

Chaplin na performance dos palhaços – a mesma que atingiu Piolin, notam os

intelectuais daqui – e o ambiente político da época propiciava a tônica na sátira política.

A dominação intrínseca do clown sobre o excêntrico, originária da Commedia dell’Arte,

foi com o tempo sendo abandonada: buscou-se o naturalismo para substituir o

caricatural. Oswald, por sua vez, mesmo entrando para o Partido Comunista em 1930,

jamais arriscou sugerir algum direcionamento à arte de Piolin. Ao contrário,

reconheceu-a como revolucionária antes do Partido e antes do Comunismo.

Reconheceu-a, antes de tudo, brasileira, a despeito da tradição circense europeia que

amparava a formação artística do palhaço. Mas também viu no seu tipo algo que varava

o caricato das relações sociais: a contradição como elemento natural.

Depois dessa longa digressão, retorna-se à temporada no Alcebíades. Na edição

no. 43 do Boletim Unidos Seremos Fortes, da Federação Circense, de 23 de novembro

de 1928, há o seguinte registro:

Festejou o seu 3º. Aniversário de estadia no Largo do Paissandu, tendo

realizado 1225 espetáculos, o Circo Alcebíades, da Empreza Piolin e

directores Alcebíades Pereira e Vicente Seyssel.

O que tem sido esse emprehendimento não é preciso salientar e só há

motivo para nos alegrarmos, pois quando progridem os elementos que

se relacionam com o nosso meio circense, deve para todos ser

agardável.

Cumprimentamos portanto aos dirigentes daquelle circo.68

A temporada se estendeu até 1929, sempre com um espetáculo muito concorrido,

sem nada que o diferenciasse de outras companhias, mas com um jeito de fazer que

encantava, conforme testemunha Francisco Rodrigues, que trabalhou no Alcebíades:

“Eu tocava pistom. Tocava na bandinha do circo. Nós tocávamos em cima do coreto.

Companhia muito boa, naquela época artistas muito bons, malabaristas, trapezistas, tudo

muito bom. E o Piolin fazia a chanchada dele e segurava a temporada. Porque o povo ia

lá pra ver o Piolin. Foi muito bom pra mim. Foi gratificante”.

67

RIPELINO, Angelo Maria. Maiakóvski e o Teatro de Vanguarda, Perspectiva, São Paulo, XXX, p. 212. 68

Unidos seremos fortes, boletim da Federação Circense, no. 43, 23 de novembro de 1928.

40

No último ano o circo passou a se chamar Piolin-Alcebíades, o que demonstra a

evolução da popularidade do excêntrico, a ponto de dividir não só a cena, mas o gosto

do público, embora a divulgação dada pelos modernistas tenha contribuído muito para

isso. “Fiz sucesso rápido devido a eles. Se interessavam por mim e constantemente

escreviam crônicas sobre meu trabalho”69

, deixou Piolin gravado em seu depoimento ao

MIS. Tal reconhecimento, no entanto, não desfazia alguns arroubos pessoais do

palhaço, muito ligados à prática diária circense e que aqui servem para pontuar a sua

personalidade. Conta seu último empresário, Francisco Honório Rodrigues que,

acompanhando-o em diversas entrevistas e convivendo muito proximamente com ele

nos últimos anos de sua vida, acabou ouvindo do palhaço algumas confissões: “Ele

falava: eles vinham, me pediam o circo pra fazer reuniões e eu cedia. Outro dia de

manhã eram milhões de bitucas espalhadas pelo circo, poltrona queimada – a poltrona

dele era de cinema –, cacos de copos, uma sujeirada. Ele não conseguia dormir, ficavam

até três, quatro horas da manhã numa gritaria lá. Era uma turma jovem”.

Pouco se conhece do repertório encenado no Circo Alcebíades por Piolin, a não

ser as peças mencionadas pelos artigos dos modernistas: Tenente Galinha, Piolin sócio

do diabo, mencionados por Alcântara Machado, e o divisor de água Do Brasil ao Far-

West. A se basear no depoimento dado por Waldemar Seyssel a Maria Augusta Fonseca,

a associação entre os dois palhaços se desfez por conta de uma doença que afastou

Alcebíades do picadeiro:

Fomos amigos. Fui trabalhar com ele na avenida São João, ali onde

depois o circo pegou fogo. Ele havia deixado o Paissandu, foi obrigado

a sair por uma questão da Prefeitura, não sei bem o motivo, mas sei que

saiu dali. Então armou o circo num terreno baldio, que depois veio a ser

o cine Broadway na avenida São João, posteriormente a farmácia

Moisés, uma coisa assim. (...) Vim do Rio, estava estreando, era no

princípio de minha carreira já como Arrelia. Vim com meu mano, já

estava despontando; tanto que meu tipo não é nada parecido com o do

Piolin (...) Trabalhamos juntos, trabalhamos em trio quando o clown

dele, que era o Alcebíades, ficou doente, Alcebíades Albano Pereira.

Piolin era um tipo de moleque danado para fazer pega para a gente em

cena. Era tremendo, tremendo. Muito versátil, muito engraçado.

Interessante que fora do picadeiro era um homem inibido, inibido.70

69

DANTAS, Arruda. Op. cit., pp. 131 e 132. 70

FONSECA, Maria Augusta. Palhaço da burguesia, Polis, São Paulo, 1979, pp. 134-136.

41

A separação provocou grande impacto no público frequentador da lona do

Paissandu, além de comoção popular, conforme descreve Paulo de Noronha71

. Para

substituir Piolin no “duo incomparável”, como definiu o escritor da Academia de Letras

de São Paulo, foi escalado Anselmo Lopes (Tico-Tico). Depois, ainda atuaram ao lado

do clown, Matos (Rabanete), Moacyr Lopes (Pão Duro) e, enfim, seu filho, Albano

Pereira Neto (Fuzarca). Transferido para a avenida São João, no mesmo local onde

havia estado o Queirolo, como conta Arrelia, o circo se incendeia em 1931. “O fogo,

segundo parece, foi originado por uma ponta de cigarro aceso, que alguma pessoa ou

vizinhança atirou sobre o pano. O circo não estava no seguro, não se sabendo por

enquanto em quanto montam os prejuízos causados pelo fogo”, relata a crônica

jornalística72

. O incidente leva os Pereira para o interior do Estado, onde atua em

Bragança Paulista, Jundiaí e outras cidades não relatadas pela imprensa. O retorno a São

Paulo só acontece em 1938, quando o velho circo anuncia a impagável dupla Alcebíades

e Fuzarca.

Mas a localização temporal dessa reflexão retorna a 1929, ano emblemático para

Piolin, como apontado no início deste capítulo. Ainda haveria, em 1931, a aventura no

Teatro Boa Vista, ao lado de Tom Bill, antes que retornasse ao picadeiro e fosse

saudado novamente pelos atentos modernistas. Mas antes de prosseguir em direção à

análise de sua dramaturgia, e não perdendo a pergunta inicial sobre quem é essa figura

artística, o foco se aproximará fisicamente do palhaço, revelando aquilo que, na maior

parte das vezes é apontado como a distinção entre seus pares e mestres: a sua

performance física. Para tanto, o ponto de partida serão os elementos de sua completude

artística, apontados por Sérgio Milliet:

(...) conheci os Fratellini, no Circo Medrano, com seus engraçadíssimos

sketches musicais. O maior, porém, que conheci foi Piolin. Foi Antônio

de Alcântara Machado o primeiro a chamar a atenção para esse clown

espantoso que Blaise Cendrars colocava em primeiro lugar na lista de

suas admirações. Aos poucos, o grupo revolucionário de 1922 se foi

reunindo para aplaudir o homenzinho de colarinho imenso e dos sapatos

“à la Carlitos”, que, com um simples torcer de pernas, fazia a plateia

rebentar em gargalhadas. Ele era completo: mímica, voz, invenção.73

71

NORONHA, Paulo de. Op. Cit., p. 55. 72

Folha da Manhã, 29 de setembro de 1931. 73

MILLIET, Sérgio. “Saudades do circo”, O Estado de S.Paulo, 6 de maio de 1961, in ÁVILA, Affonso.

O Modernismo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1975, p. 143.

42

1.5 A mímica do palhaço

O raro registro de imagem em movimento de Piolin não consegue mostrar meia

fração do que aqueles que o viram atuando afirmam ser a sua expressão corporal, o

grande elemento de sua graça. Tanto os intelectuais quanto os anônimos que cercaram o

picadeiro do seu circo para rir de suas estripulias, são enfáticos ao se referirem à sua

habilidade física. Francisco Honório Rodrigues, empresário do palhaço, corrobora que

essa característica se manteve até o final:

Eu acho que talvez a mímica era o forte dele. Nesse quadro do Piolin

que nós revivemos no espetáculo de 7274

, ele fazia essa entrada, ele

conseguia muita risada da plateia com a mímica. Ele não falava, era o

passarinho, pipipi... só assobiava. O clown queria cantar o passarinho,

ele saia fora, era uma coisa nesse estilo de passarinha. Mas acho

realmente que a mímica dele.

O empresário se refere à entrada Namoro dos passarinhos (ou Idílio dos sabiás,

como batizou Chicharrão), que ganhou registro em película por duas vezes: no filme de

Adolfo Celi, Tico-tico no Fubá (1952), produção da Vera Cruz; e em Sua Majestade

Piolin (1971), documentário de Suzana Amaral. Se no primeiro ele aparece em toda a

sua forma, contracenando com o clown Pinati, travestido, movimentando os braços,

juntando-os ao rosto, enxugando as lágrimas com a barra da saia e conduzindo a ação,

no segundo, já avançado em idade e acometido pela doença cardíaca, parece tentar

resgatar o esplendor da entrada que acabou se tornando a sua marca. Suzana Amaral, em

debate realizado na Sala Olido em abril de 2010, após a exibição do filme, contou que

durante as filmagens teve de parar as cenas diversas vezes para que o palhaço pudesse

se recompor, pois demonstrava cansaço rapidamente. Nos dois exemplos, o registro é

rápido e executado com propósito cinematográfico. Ou seja, sujeito à linguagem do

meio. Além disso, Piolin, quando executava as entradas no picadeiro, não contava

somente com a sua atuação, ele sabia que para o riso desatar era preciso mais do que

isso. O ex-circense Francisco Rodrigues, o Chiquinho, por exemplo, aos 92 anos,

responde sem titubear o que diferenciava Piolin de outros palhaços: “Era a mímica. Ele

é um palhaço de mímica. Nasceu para aquilo. Tanto que até hoje não apareceu coisa

igual. Teve o Arrelia, mas era outro tipo de palhaço. Não era o Piolin. O Piolin jogava

74

Em 1972 o Museu de Arte de São Paulo, sob o comando do casal Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi,

decide fazer uma homenagem ao cinquentenário da Semana de Arte Moderna e decide montar o Circo

Piolin debaixo do vão livre do museu, na avenida Paulista. Francisco Honório Rodrigues é contratado

para montar o espetáculo, que traz Piolin no centro das atrações e faz temporada de três meses.

43

uma cartola no chão e ali ele tirava partido, ficava fazendo com a cartola tudo o que ele

queria e o povo morrendo de rir.”

Bolognesi destaca que a mímica do palhaço atua com a cumplicidade do público

para fazer despertar o riso, ou seja, é o ato de “tirar partido da situação”, apontado por

Chiquinho. Explica Bolognesi:

Quando Bebé entrou em cena, sem que proferisse palavra alguma ou

gesto, já houve o riso espontâneo da plateia, como se esta estivesse

predisposta ao relaxamento e ao riso, independentemente do enredo

apresentado. Esse riso autônomo é assegurado por uma espécie de

cumplicidade entre a cena e a plateia, entre o palhaço e o público. Mas,

evidentemente, ele ultrapassa o estágio de predisposição para se tornar

efetivo a partir do desempenho do artista, isto é, da sua atuação.75

Portanto, faz parte da composição do tipo a construção não só interior, mas

exterior, a mímica corporal e sua persona aliada à expectativa da plateia, lidar com o

conhecido e abordá-lo com o inesperado. É esse o jogo de tensão entre o esperado e o

improvisado.

No artigo de Paulo Emílio Salles Gomes, já citado, além de descrever a

programação do circo – ginastas, acrobatas, mágico, cachorrinhos amestrados, a dupla

Piolim-Raul76

, o casal de mexicanos que cantam, o intervalo e a pantomima – destaca,

enquanto observador arguto do excêntrico, três características marcantes da sua

personalidade: 1. O ar gentil e feminil (“...assim como Charlie Chaplin, pode ser gentil e

feminil porque não é nunca equívoco”77

); 2. Recursos imensos de mímica (“...seu

fabuloso repertório de maneiras diferentes de andar, de parar...”78

); 3. O grotesco, “que

não anula a inatingível ingenuidade essencial que Piolim possui”79

. As três,

concatenadas, convergem no processo acima esboçado: sua persona ingênua e gentil é

aviltada pela mímica, e nesse processo se constrói o improviso que o retira de seu

estado “natural” e o joga na atitude que desata o humor grotesco, que é a sua condição

histórica e social primordial, como se verá no capítulo seguinte.

Grotesca, aliás, é a elaboração de sua máscara – boca, olhos e o nariz vermelho.

Geralmente o reforço pictórico desses elementos seguem alguns preceitos. Por exemplo,

por ser o veículo da voz, a boca é enorme, expelidora e devoradora, pois o palhaço

75

BOLOGNESI, Mário. Palhaços, Editora Unesp, São Paulo, 2003, pp. 13 e 14. 76

Seu irmão, Raul Pinto. 77

GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. Cit.. 78

Idem. 79

Ibidem.

44

deglute em sua voracidade constante, em sua ansiedade inata. Já o nariz, que na Idade

Média era fálico (Arrelia resgatou essa conformação), no excêntrico é achatado e

vermelho, resquício da história do Augusto, personagem teutônico rude e indelicado que

ganhou o apelido – no dialeto berlinense “pessoas em situação ridícula” – após cair de

cara no chão. Desajeitado, é a figura que monta o cavalo ao contrário, olhando para seu

rabo, imagem que carrega a ancestralidade dos antigos “charivaris”, costume rural de

punição de indivíduos que desrespeitam as normas da comunidade e que eram

submetidas a cortejos públicos de execração montadas desse jeito nos cavalos. Enfim,

os olhos expressam a subjetividade do olhar e são a única coisa sublime na máscara

grotesca.

A construção da personagem, assim, obedece a um determinado perfil

individual, que se apoia nas características corporais do ator e em sua

própria subjetividade. Mas, para alcançar o estatuto da personagem, o

ator procura adequar suas matrizes internas às características tipológicas

do palhaço, oriundas da tradição da bufonaria. A síntese desses

universos distintos propicia a expressão de uma subjetividade por meio

de um tipo cômico aparentemente imutável. Isso confere ao palhaço um

grau de universalidade que se manifesta de forma particular. Assim, ele

materializa no corpo, na indumentária, nos gestos, na maquiagem e na

voz os perfis subjetivos e psicológicos que fundamentam sua

personagem.80

A máscara de Piolin, pouco mudada no decorrer de sua vida artística, têm as

seguintes características: sobrancelhas riscadas para baixo, sem ser muito burilada,

retocam as sobrancelhas reais; o nariz avermelhado, redondo, bolota; a boca ampliada

ao extremo, até às bochechas e o queixo, branca, com o contorno vermelho também

ampliando o risco dos lábios; entre o nariz e a boca, o esboço de um bigode chapliniano,

o que dá a impressão de ligar um e outro num artefato pregado na gigante boca branca.

Tudo coroado com a peruca careca e o chapéu coco. Ressaltam-se aí a persona

percebida por Paulo Emílio Salles Gomes: ar feminil, gentil.

Havia um elemento na composição dessa máscara notada por Francisco Honório

Rodrigues:

Você podia olhar dez palhaços e falar: nossa... olha esse aqui! Não sei

se por causa dos olhos azuis, a figurinha dele, a cara dele. Ele sempre

pintava, ele que se pintava. Já trêmulo, um homem de 76 anos, doente.

Eu acho que a figura era diferente de todos. Trabalhei com vários

[palhaços] (...) Eu fui fazer um futebol de palhaços que o prefeito

80

BOLOGNESI, Mário. Op. cit., pp. 197 e 198.

45

contratou. Aí fiz um time do Piolin e um time do Torresmo. Levei

quarenta palhaços. (...) Então você via aquele monte de palhaços e

dizia: que diferença! Que coisa... por que será? A magia do negócio.

Você olhava... (...) Acho que o contraste dos olhos azuis dele. Sei lá,

não sei.

A máscara de Chicharrão, por exemplo, que o acusa de imitá-lo, tem outra

dimensão. Ele é mais econômico. O nariz vermelho em contorno, boca sem ampliação,

mas riscando para baixo os cantos, um dente ressaltado; sobrancelhas altas, distantes

dos olhos; as rugas nos cantos dos olhos e de expressão no contorno da boca – o bigode

chinês – também são realçadas. Queixo coberto por pontos de barba por fazer. Peruca

calva e chapéu coco.

46

Os últimos elementos foram os que permaneceram em Piolin: chapéu, peruca,

além do colarinho. A personalidade de Chicharrão é um tanto malandra, esperta, embora

empreste ainda um ar de trapalhão, essencial ao Augusto. São as características

subjetivas que constroem o personagem e se expressam na sua máscara.

1.6 A voz do palhaço

O riso de Piolin é inimitável. O escolho dos outros, na cena, na tela,

onde for, para ele é o meio mais seguro de chegar ao triunfo. Palhaço

algum consegue reproduzir os gritinhos e guinchos que ele dá, quando

finge raiva, satisfação ou pavor. Nenhum consegue igualar aquela voz,

que por si só é um poema. Nenhum consegue certas inflexões,

exclamações, interjeições, da garganta privilegiada, que vale tanto

como a de um tenor universal, com a diferença que o tenor transuda

vaidade e pretensão, e cacetea a gente, ao passo que Piolin nos ajuda a

esquecer a feiura da vida.81

81

Folha da Noite, 1957, in DANTAS, Arruda. Piolin, Editora Pannartz, São Paulo, 1980, p. 123.

47

Para verificar as descrições da “voz gozada”82

feitas por Yan de Almeida Prado

nas crônicas de seu Circo de cavalinhos, é preciso recorrer aos também raros registros

de voz de Piolin. O mais antigo deles está nas duas faces de um disco 78 rpm gravado

em dezembro de 1929, com duas interessantes narrativas.83

O registro seguinte foi feito

mais de duas décadas depois, em 1952, quando participa do filme Tico-tico no fubá, que

conta a biografia romanceada de Zequinha de Abreu, autor do chorinho que dá nome ao

filme, sucesso internacional da voz de Carmen Miranda nos anos 1930. O último

registro foi feito mais duas décadas depois, em maio de 1971, na casa-camarim de

madeira do excêntrico, localizada na Freguesia do Ó, em São Paulo. Lá se reuniu a

Chicharrão e a Arrelia para dar um depoimento ao MIS.84

As análises propostas aqui

envolvem o tipo de humor empregado pelo palhaço e o uso da voz nesse processo,

considerando referências e influências. Por serem de três momentos distintos de sua

vida – 1929, 1952 e 1971 – o principal objetivo será identificar nesses registros

elementos que sejam reconhecíveis dentro de um discurso humorístico peculiar ao tipo

por ele criado.

As duas gravações registradas em 1929 pela Victor coincidem com o período em

que a indústria fonográfica tornou comum o registro de grandes cômicos brasileiros nos

discos 78 rpm. A principal concorrente da Victor, a Columbia, conquistaria sucesso de

vendas, apesar de seu descrédito inicial, com as gravações dos causos e chistes de

Cornélio Pires, no estilo caipira. A Parlophon, no mesmo ano, registrou o humor

italiano de Tom Bill, da mesma forma que a Columbia. Em dueto com Armando

Bertoni, produziram um humor que beira o radiofônico, apesar deste ainda estar em fase

de construção, pois o rádio se tornaria comercial em 1932, o que possibilitaria sua

rápida evolução. Nesses dois exemplos se têm as duas principais vertentes humorísticas

de São Paulo, a regional e a italiana, como aponta Elias Thomé Saliba85

. O registro

deixado por Piolin não concorre com nenhum dos dois tipos característicos de humor.

Muito embora haja uma tradição de registro de palhaços em disco, especialmente as

primeiras gravações da Casa Edson, o registro de Piolin é bem singular.

82

Definição de Patrícia Galvão (Pagu) no jornal O Homem do Povo, de Oswald de Andrade, 7 de abril de

1931 in ANDRADE, Oswald de e GALVÃO, Patrícia, O Homem do Povo, Edição completa e fac-similar,

Imprensa Oficial do Estado S. A. Imesp/Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, São Paulo, 1984. 83

78 rpm, Victor, no. 33.242, dezembro de 1929. Acervo do Centro de Memória do Circo, São Paulo-SP. 84

Há ainda o documentário de Suzana Amaral, do mesmo ano, não considerado nesta análise por não

acrescentar novidade em relação à entrevista feita no mesmo ano. 85

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso - A representação humorística na história brasileira: da Belle

Époque aos primeiros tempos do rádio, Companhia das Letras, São Paulo, 2002.

48

Similar aos monólogos gravados por Procópio Ferreira em 1928 e 1929 pela

Odeon (muitos deles de autoria de Olegário Mariano), embora este usasse a entonação

do ator teatral ou o da oratória romanesca ou a interpretação de diálogos, Piolin se

propõe a discorrer calmamente, usando o mesmo tom de voz, sobre acontecimentos

corriqueiros, embora a partir de uma lógica própria de palhaço. Em Um dia infeliz,

antecipa que irá narrar os acontecimentos que tornaram aquele “um dia desgraçadíssimo

desgraçado”. Mas mantém o tom durante toda a narrativa. Enumera alguns pequenos

absurdos, como presentear o sobrinho com “carabinas, espadinhas e um bonde”. Cria

expectativa ao revelar que o garoto engoliu uma moeda. Agrava-se o caso com os

quatro médicos que o socorrem. Mas mantém sempre o mesmo tom. Até o desfecho,

prolongado com uma nova história, rápida e brevemente encerrada, ele o faz sem alterar

os ânimos.

Nós todos temos um dia infeliz na vida. E hoje foi o meu dia. Imagina

que infelicidade tristíssima aconteceu comigo... Um homem quando é

desgraçado, anda mesmo sempre na desgraça. E hoje foi um dia

desgraçadíssimo desgraçado para mim. Imagine só que hoje foi o dia do

aniversário do meu sobrinho. Tão bonitinho, tão engraçadinho que ele é,

chama-se Cazuza. Fui eu que escolhi o nome. E como eu sou o padrinho

do garoto, fui convidado para um almoço colossal. Então eu comprei

uma porção de presentinhos para o pequeno. Comprei carabinas para

ele, comprei espingardinhas, comprei espadinhas, comprei até um

bonde pro pequeno. Ele ficou satisfeito e não queria saber de outra

coisa. E só brincando com aquilo tudo. Mas, de repente, deu na ideia do

garoto de querer chupar balas. No meio de tantos doces que ele tinha na

mesa, não faltava nada. Mas criança é sempre assim mesmo. O que que

havia de fazer? Eu fui, pra contentar o garotinho, peguei uma moeda de

um mil réis e dei para ele. Ih, ele ficou satisfeito! Me deu tantos abraços

e beijos... Ficou satisfeitíssimo! E saiu correndo para o meio da rua para

comprar balas e... sabe, criança, tudo que apanha, põe na boca! E não é

que o garoto pôs a moeda na boca, quando vai pular da calçada... au!

Engoliu a moeda! Que susto, meu Deus! Quando eu vi o garoto

engasgado, todo roxo, eu gritei por socorro! Mas gritei mesmo! Fiz um

barulho desgraçado, dei tiro, gritei, até que veio socorro por todas as

esquinas. Apareceu o Corpo de Bombeiro, apareceu a Polícia, apareceu

a Assistência, olha até carroça de lixo veio à minha porta. Então, os

médicos foram entrando pela casa adentro e viram o garoto naquele

estado e pegaram ele, puseram em cima da mesa e com uma porção de

ferramentas enfiaram aquilo tudo na garganta do pequeno. E nada de

poderem extrair a moeda de mil réis! Eu já estava meio maluco! Veja

que infelicidade! Eu saí correndo e fui até à Santa Casa. Peguei dois

médicos dos melhores que tinha lá e trouxe para a minha casa. E os dois

médicos que chegaram em casa ajudaram também os outros dois que já

estavam lá. E eram quatro médicos. Trabalharam, trabalharam, de toda

maneira. Pois não houve meio de extraírem a moeda da barriga do

pequeno! Veja a criança quantas artes não faz! O quanto são arteiros!

Com muito favor, só tiraram setecentos réis! E veja qual é a minha

49

infelicidade: quando foi à noite, outra desgraça! Eu estava com a minha

avó muito doente, muito doentinha... Foi quando recebi um telegrama às

nove horas da noite. E a minha família, coitada, para não me

assustarem, passaram o telegrama dessa maneira: “Piolin, a vovó está

passando muito mal. O enterro sai amanhã às dez horas.” Ora, só dei um

grito e desmaiei.

No outro lado do 78 rpm, ele se propõe a fazer uma reflexão sobre a anatomia

humana seguida de uma rápida avaliação sobre o Gênese bíblico. Nesta face do disco a

sua narrativa monocórdia é pontuada por algumas onomatopéias, como o assoar do

nariz, por exemplo. O humor chega a tender ao malicioso – ao grotesco – quando

assinala, sem dar sinal de malícia na voz, que, apesar de ter dois olhos na frente, “nós

não temos nem um olho atrás que enxergue!” Suas sugestões para “melhorar” a

anatomia, ditas com seriedade e sem o recurso de efeitos sonoros – prática que só

adviria com o rádio – beiram ao absurdo contrastante com a maneira como reflete sobre

o tema. Há pequenas nuanças na entonação, que somente varrem a vaga do texto, sem

alterar a corrente com que segue até o final da gravação.

Sim senhor! Pensando bem o que é esse mundo, é uma coisa esquisita.

Outro dia eu fiquei pensando como está feito o mundo. Eu fiquei dando

risada sozinho. Porque pensando bem é uma coisa engraçada que o

mundo ao mesmo tempo está muito malfeito. Ah! Imagina que nós os

homens... a começar por nós. Mas que coisa malfeita! Tantos

inconvenientes nós temos! Imagine nós, com dois olhos na frente! Pra

quê tantos olhos na frente? Pois que nós não temos nem um olho atrás

que enxergue! E só com dois olhos na frente estamos muito sujeitos a

traições tremendas! Mesmo um bonde, um automóvel trepa em cima da

gente sem a gente enxergar nada. Um tiro, uma paulada... É uma coisa

medonha! Se nós tivéssemos um olho atrás que enxergasse bem, podia

muito bem evitar todos esses inconvenientes. Olha, nós temos também o

nariz na altura da boca. Olha mas.. ih! Que coisa engraçada! Mas que

coisa bem feia! É bem feio, pensando bem, o nariz. Olha, veja só: a

gente está numa sala cheia de moças, numa visita de cerimônia, a gente

tem que tirar o lenço do bolso e levar ao nariz e... rrrrrrrrr! Que coisa

mais feia, meu Deus! Ás vezes uma senhorita qualquer dá uma risada e

nós ficamos tão encabulados! Ora, pois nós não podíamos ter o nariz

num outro lugar? Mais ou menos, assim, na altura dos...bolsos das

calças! Ora, seria uma coisa mais cômoda. Porque a gente pegava o

lenço, enfiava nos bolsos das calças sorrateiramente, assuava o nariz

sem ser visto. Seria muito mais bonito e mais agradável. A boca. Tem

coisa mais bonita numa moça do que seja a boca? Ah, quando a gente

vê uma senhorita com uma boca bonitinha... ah, nós ficamos malucos!

E, pensando bem, a boca tem certo inconveniente. Porque nós gostamos

de uma moça por causa da boca, as palavras que saem... tão maviosas,

tão amorosas, tão gostosas... e outros denguinhos... coisas mais... E

quando a gente, então, tem que falar com o pai dela para o negócio do

casamento... Quanta coisa feia a gente não ouve da boca do pai! Nossa

50

Senhora! E então? Ora... o mundo! Já no princípio já foi malfeito. Pois

dizem que Adão foi feito de barro. E chama-se Adão! É um erro. Se

Adão foi feito de barro, devia chamar Barroso e não Adão! De maneiras

que... a Eva foi feita da costela de Adão. Olha que perigo nós passamos

sem ter a mulher no mundo! Porque naquele momento que Deus

arrancou a costela de Adão e jogou no chão, ai... se na hora passa um

cachorro... pegava a costela, engolia, ficávamos nós sem mulher no

mundo!

O discurso nonsense em tom grandiloquente reproduz um tipo de humor

originário da Roma clássica, a sátira menipéia. Aqui ele tem um direcionamento

francamente grotesco: o corpo é a sua matéria, tanto na história do sobrinho que engole

a moeda e é “operado” por uma junta médica que mais parece uma entrada de palhaços,

quanto a reforma da natureza proposta por Piolin – um olho na nuca, o nariz na altura do

bolso da calça... – o que leva para a gravação o verdadeiro humor do excêntrico, não

outro, calcado em modelos externos aos do circo. O que é coerente não só com o que

propõe deixar registrado, como aquilo que estava então à disposição do mercado

fonográfico. Cornélio Pires, por exemplo, recita “causos” caipiras como se estivesse

sentado à beira de uma fogueira rodeado por violeiros, usando, inclusive, a prosódia do

caipira. Tom Bill, por sua vez, recorre ao diálogo humorístico, comum nas revistas

regionais, prenunciador do humor radiofônico. Enfim, Procópio Ferreira usa o

monólogo teatral, sério, para praticar um humor mais refinado.

O tipo de humor usado por Piolin remete ainda ao bestialógico dos alunos do

Largo de São Francisco, entre eles o romancista Bernardo Guimarães, que teria

dominado essa prática, embora pouco tenha restado de sua produção humorística86

. O

também chamado pantagruélico é definido pelo historiador Almeida Nogueira,

contemporâneo do autor de A escrava Isaura, da seguinte forma:

O bestialógico era um discurso em prosa ou composição em versos de

estilo empolado e com propositais absurdos, engraçados pela

extravagância. Por ampliação também se dava esse nome qualificativo a

quaisquer orações acadêmicas, por pouco que se ressentissem do tom

enfático que era peculiar a esse gênero. Cremos que o inventor do

bestialógico, ou, pelo menos, o seu introdutor na Academia de São

Paulo foi Bernardo Guimarães, que primava nesses torneios,

improvisando em prosa ou em verso os mais jocosos despropósitos.87

86

De prosa, nada; restaram apenas os poemas pornográficos “Elixir do Pajé”, “A origem do mênstruo” e

“Orgia dos duendes”, francamente apoiados na sátira menipéia, da qual Bakhtin viu em Rabelais um

precursor da literatura moderna. 87

<http://reocities.com/Athens/olympus/3583/besta.htm>. BG foi um dos introdutores do bestialógico no

Brasil. Site coordenado por Paulo Roberto Lopes dedicado à vida e à obra de Bernardo Guimarães.

Consultado em 18 de abril de 2011.

51

Também fruto dos poetas românticos, a poesia macarrônica, que tanto sucesso

faria na imprensa da Belle Epoque paulistana88

, já no século seguinte, quando os jornais

se apropriaram do sotaque das ruas em suas seções de cartas e, depois, em artigos e

crônicas, foi largamente empregada no humor circense, estendendo o recurso satírico

por quase um século. Piolin também foi propagador desse tipo de humor.

O recurso do discurso pantagruélico também é usado pelo palhaço em sua

participação no filme Tico-tico no fubá. A história se situa na interiorana Santa Rita do

Passa Quatro (SP), onde o músico Zequinha de Abreu passou a maior parte de sua vida,

mas vê a possibilidade de mudar o seu destino ao se apaixonar por Branca (nome de

uma de suas valsas), a amazona do circo que visita a cidade. O circo é o de Piolin, que

aparece no primeiro terço da película. Desde a aparição repentina do palhaço, ocupando

toda a tela com sua máscara, até o final do número que apresenta a música-tema –

Anselmo Duarte ao piano – Piolin ocupa pouco mais de seis minutos da película. Para

compreender o humor e o uso do recurso da sua voz, que ocupa menos tempo ainda do

filme – não chega a um minuto –, sua participação foi decupada e esquematizada:

Minutagem Ação

5’15’’ – 5’23’’ Surge Piolin, correndo, em direção à lente da câmera, e seu rosto preenche

a tela. Faz uma careta e solta uma gargalhada. 15’27’’ – 16’48’’ Encena a entrada “Idílio dos sabiás” juntamente com o clown Pinati

24’35’’ – 25’29’’ Após o espetáculo do circo ser interrompido pela chuva, Zequinha vai para

os bastidores agradecer Branca por ela ter feito seu número no cavalo com

a banda tocando música de sua autoria. Aparece Piolin apanhando um

pedaço de pão, logo após o mágico vaticinar: “Vai chover oito dias, oito

noites sem parar!” Sério, desdenhando o pão, afirma, num tom dramático:

“Pão e água. Comida de preso!” Apanha em seguida uma garrafa e brinca

com a trupe, batendo na cabeça de um ou outro. Sobe sobre uma cadeira e

inicia um discurso nonsense: “Meu amigos, saudemos a chuva. A chuva

que nos suja a roupa de lama, a chuva que inventou o guarda-chuva, o

defluxo, a tosse e as farmácias... A chuva, a única amiga dos artistas

porque interrompe o espetáculo! Que venha da grossa, porque da fina, o

patrão não gosta! A chuva parou...” Entra o mestre de pista e repete:

“Graças a Deus, a chuva parou!” Piolin abre o sorriso e pergunta:

“Amanhã tem espetáculo?” E todos respondem: “Tem, sim senhor!” Os

artistas apanham garrafas de cerveja para iniciar uma festa espontânea.

88

Ver JANOVITCH, Paula Ester. Preso por trocadilho – A imprensa da narrativa irreverente paulistana

(1900-1911). Alameda, São Paulo, 2006.

52

26’18’’ – 30’40’’ Piolin reaparece entre os artistas quando o mestre de pista começa a fazer

um discurso para saudar o compositor Zequinha de Abreu. Em seguida, O

mestre pede ao compositor que toque. Ao que ele responde: “Aqui não tem

piano...” Piolin intercede: “Como é que não tem piano? Nós somos as aves

canoras... Vem que eu vou te mostrar o meu pianinho.” Vai até o piano.

“Ele é de sete meses, mas soluça como um danadinho. Venha! Venha

tocar.” Enquanto Zequinha toca, Piolin dança com os artistas, até vestir um

boneco gigante para continuar dançando e avançando sobre os amigos ao

som de “Tico-tico no fubá”.

No rápido discurso que faz sobre a chuva o recurso é o mesmo utilizado nas duas

gravações: o humor nonsense, desta vez falado com a voz mais caracterizada – a

verdadeira voz de Piolin, não a do cômico Abelardo que fizera o registo em disco,

embora na entrevista que tenha concedido ao MIS ele pareça ter, enfim, incorporado a

voz do personagem – interpretando de forma solta e menos retórica. O discurso toma a

chuva por personagem, como se lhe atribuísse personalidade, em tom paródico. Atribui-

lhe, inclusive, responsabilidade pelos efeitos que causa no organismo humano (o

defluxo e a tosse), assim como os efeitos sociais (“da grossa, porque da fina o patrão

não gosta”). Faz o mesmo em relação ao piano, que “soluça como um danadinho”.

Trata-se de um humor mais burlesco, que promove um rebaixamento do tema: a chuva

que suja a roupa de lama. O que reforça o humor da cena é o vaticínio do mágico antes

do discurso, de que vai chover oito dias e oito noites, e o fim da fala com a confirmação

de que a “chuva parou”, o que torna toda a cena uma perfeita farsa circense.

Na entrevista mencionada no início deste capítulo para o jornal Folha da Manhã

de dezembro de 1928, os repórteres aguardam no camarim o término da função. Chega

Piolin maquiado, mas é retirando a máscara que ele concede a maior parte da entrevista.

A partir daí o depoimento enseja aos repórteres que esteja sendo dado por Abelardo

Pinto, pois o próprio entrevistado, apontando para as roupas jogadas no camarim,

garante que Piolin ali descansa também. A pergunta imediata é: “Vai falar sério?” Ao

que Piolin responde:

Uma seriedade à altura do caso. Antes, devo dizer-lhe que nesta minha

outra individualidade possuo inteligência clara, raciocínio, visão

analítica. Quando o palhaço sai de mim, recordo que li autores célebres

da filosofia, da sociologia, do materialismo, do reumatismo e até

mesmo os que escreveram ensinamentos domésticos para a cura da

hidrofobia e do reumatismo. Mais tarde eu procurei Beethoven, o gênio

da música; fiz orações ante a estatutária imortal dos gregos; fui italiano

no fascínio da pintura; beijei a creação do teatro no túmulo de

Shakespeare; mas ainda não tive ensejo de ver uma revista carioca. Li

em todos os idiomas, vesti os costumes de todos os países, senti com

53

todas as almas, tendo o sonho de Virgílio, o senso de Tácito, a justiça de

Salomão, a revolta de Cervantes... mas ainda não tive tempo de ler o

último número da ‘Maçã’, do Conselheiro XX...89

Mesmo quando ensaia uma certa “seriedade”, aqui travestida de eruditismo, pois

se trata de entrevista concedida a um repórter, portanto ocasião que exige tal recurso,

Piolin descamba para o discurso nonsense e grandiloquente, marca registrada do humor

“piolinesco”, adjetivo empregado na maioria dos anúncios circenses para divulgar as

suas comédias e farsas. Mais uma vez o tipo de humor é ancestral, remontando aos

festivais e carnavais da Idade Média e do Renascimento, dissecados por Mikhail

Bakhtin, ecoam o “pregão do charlatão de feira” a recitar “receitas paródicas”, abusando

de superlativos elogiosos e passando, num átimo, para a injúria. “A cultura da língua

vulgar era, em grande medida, a da palavra clamada em alta voz ao ar livre, na praça

pública e na rua”90

, ressalta. É essa a linguagem empregada pelo bufão que se assume

rei durante os festivais de inversão dos papéis sociais. Da mesma forma, é essa

linguagem pantagruélica que constrói a imagem do agente da inversão, ou seja, o bufão

que se torna rei para ser destronado pelo povo, ritual de renovação que sintetiza o riso

dos períodos analisados por Bakhtin. Assim, por mais que esse “charlatão” se eleve às

raias do saber, haverá sempre um elemento do grotesco para trazê-lo de volta ao

corporal: ele lê autores célebres da filosofia, da sociologia, do materialismo e... do

reumatismo!

Os discursos mencionados acima revelam, portanto, uma gramática do grotesco,

que remonta há quatro séculos mas que, a partir da habilidade de construção da

personalidade humorística do palhaço, é alinhada aos recursos da contemporaneidade,

como o último número da “Maçã”, por exemplo, com a intenção exclusiva de criar

identificação por parte do espectador. Se forem considerados os tipos humorísticos do

mesmo período, como o caipira e o italiano, percebe-se de imediato que o elemento de

identificação é a própria linguagem, a prosódia do falar e do errar ao falar (recursos que,

abundantemente, são também empregados nas peças de circo-teatro). No caso de Piolin,

o elemento é menos espacial e mais temporal: alia o subjetivo a-histórico ao referencial

contemporâneo. De qualquer forma, funcionou tanto no disco quanto no cinema, na

narrativa ficcional quanto na reportagem testemunhal.

89

Folha da Manhã, 7 de dezembro de 1928. 90

BAKHTIN, Mikhail. A cultura na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais.

Hucitec, São Paulo, 2010, pp. 157 e 158.

54

Uma das marcas registradas vocais do palhaço, elevada por Paulo Emílio Salles

Gomes à epígrafe do artigo “Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente

armado à Praça Marechal Deodoro”, e que foi registrada em gravação, a pedido de

Oswald de Andrade Filho, no depoimento que Piolin deu ao MIS, é uma interjeição que

fazia a arquibancada de seu circo vir abaixo, qualquer que fosse a confusão que se

metesse nas suas encenações. Seu “iiiiiiiiii!!!”, quando grafado, pode não emprestar o

tom verdadeiro que o excêntrico dava em situações embaraçosas, pois, como exprimem

os entrevistadores e o próprio Piolin na gravação, ele mescla embaraço e desconfiança

com o desdobramento do problema encenado, uma expressão plenamente compatível

com a essência do grotesco, pois ao mesmo tempo que revela não um entrave que

racionalize a ação, mas que a torne menos coerente ainda, prepara o público para o

próximo chiste, a próxima gag. Certamente que, reproduzida a pedido, a interjeição não

guarda a espontaneidade da cena, nem é expressão que deriva de ação construída, como

é a do palhaço, mas ela sai em tom baixo. Mesmo assim, revela a intenção de quem

rodeia a cena e observa de soslaio, dando a senha para o riso da plateia.

1.6 A invenção do palhaço

Suzana Amaral: Nessas peças, você mudava a sua

caracterização, ou era a mesma?

Piolin: Era a mesma. Mudava só a roupa.

Suzana Amaral: Você nunca mudou?

Piolin: O tipo?

Suzana Amaral: É.

Piolin: Nunca mudei. É o tipo que eu faço há cinqüenta

e tantos anos. Sempre a mesma coisa. Nunca mudei.

O menino Arthur Miranda teve a felicidade de frequentar o Circo Piolin, na

Praça Marechal Deodoro, entre 1947 e 1952. Portanto, fez parte da “maçonaria dos que

viram Piolin”, na definição de Paulo Emílio Salles Gomes. Sua irmã trabalhava na Santa

Casa de Misericórdia de São Paulo, que fica no bairro de Santa Cecília, próximo ao

circo, e lá ganhou uma senha que garantia descontos nas entradas. Para poder assistir os

espetáculos nos dias de semana, que eram os dias permitidos para o uso do benefício, ia

com o namorado. Mas, a época exigia que não se saísse sozinha assim com um

pretendente, mesmo que fosse noivo. Para conseguir a permissão paterna, o namorado

aceitava levar também o sobrinho, Arthur, que pôde passar alguns anos de sua infância

55

debaixo da lona de Piolin. Depois conheceu outros circos, outros palhaços, e até se

tornou cômico, tendo atuado ao lado do comediante José Vasconcelos, na década de

1970. Ao tentar vocalizar a distinção de Piolin entre os demais palhaços que conheceu,

se atrapalha, levado pela emoção e pela nostalgia:

É isso. Aí é que tá... É difícil traduzir isso, né? Porque... acho que é a

alma. Sabe, eu até me emociono. Desculpa. Esse tipo de palhaço que

nem o Piolin, ele não era simplesmente um artista que... acho que ele

tinha a alma do circo. Quando ele via aquelas crianças, aquele público,

ele saía de si. Parece quase que uma... uma mudança interior assim da

pessoa, uma transformação. Ele realmente se transformava. Eu acho

que, como criança... Eu vi como criança, eu não vi o Piolin depois dos

meus 17, 18 anos. Eu vi o Piolin na idade de criança. Dos 8, 9 anos até

os 15, 16. Ou talvez menos que isso. Foi nesse período. Não sei se era

eu como criança que tinha uma visão diferente (...).91

Talvez essa dificuldade de sinalizar a contribuição de Piolin para o imaginário

de algumas gerações de espectadores aponte para a dimensão daquilo que Sérgio Milliet

indicou como característico da comicidade do palhaço, além da mímica e da voz: a

invenção. Certamente que por invenção não se entende somente o dom de criar, de

elaborar uma expressão cênica e de leva-la à encenação com sucesso, ou seja,

conquistando o riso e o aplauso do público. Invenção tem um sentido ligado ao próprio

riso, pois no caso específico do circo, é um riso que gera sociabilidade, interação

imediata, proximidade suficiente para entender a graça antes mesmo dela se concretizar.

Num artigo publicado em 2 de agosto de 1931 no Diário Nacional, numa crítica

às crônicas Circo de cavalinhos, de Yan de Almeida Prado, Mário de Andrade se

aproxima bastante dessa definição de invenção ao pontuar:

A comicidade de Piolin evoca na gente uma entidade, um ser, e de tanto

maior importância social que essa entidade converge para esse tipo

psicológico geral e universalmente contemporâneo do ser abúlico, do

ser sem nenhum caráter moral predeterminado e fixo, do ser ‘vai na

onda’. O mesmo ser que, apesar das especificações individuais,

representam Carlitos, Harry Langton, as personagens de Ulysses, os de

Proust, as tragicômicas vítimas do relativo que Pirandello inventou.

Nessa ordem geral do ser humano, que parece criada pela inquietação e

pelas enormes perplexidades deste fim de civilização, ser que nós todos

profundamente sentimos em nós, nas nossas indecisões e gestos

contraditórios, é que o tipo de Piolin se coloca também.92

91

Entrevista concedida para a pesquisa em 4 de maio de 2011. 92

ANDRADE, Mário de. Diário Nacional, 2 de agosto de 1931.

56

Por sintetizar essa contradição, parte de sua humanidade expandida pelo

exercício artístico, é que talvez tenha conseguido desatar o riso com tanta facilidade, e

que tenha sido entendido, seja intectualmente seja emocionalmente, por sua completude.

Uma completude forjada nas contradições. Como todo ser humano, toda sociedade, em

todo o seu contexto.

Após esmiuçar um pouco mais o sentido do riso e do humor, matéria do capítulo

seguinte, será analisado o período conformado pelo corpus da pesquisa, entre 1933 e

1960, quanto durou o Circo Piolin e a intensa encenação de circo-teatro. Por fim,

caminharemos por entre as poltronas do circo, identificando os rostos da plateia e

entendendo de que forma rir em sociedade afetou a rotina daquele cidadão simples.

57

2. O riso e o humor

Tendo rido Deus, nasceram os sete deuses que governam o mundo...

Quando ele gargalhou, fez-se a luz... Ele gargalhou pela segunda vez:

tudo era água. Na terceira gargalhada, apareceu Hermes;

na quarta a geração; na quinta, o destino; na sexta, o tempo.

Tratado alquímico de Leyde, século III93

O objetivo final da dramaticidade do palhaço é a promoção do riso, essa

entidade que acompanha o ser humano desde o princípio dos tempos e que preenche seu

cotidiano, além de fazer parte de sua crença, sua sociabilidade e sua expressão artística.

Pelo riso foram criados gêneros de humor no decorrer do tempo, dependendo das

circunstâncias históricas, sociais, culturais e econômicas, de modo que ele pudesse ser

desatado de diferentes formas: caótica, dissimulada, cínica, zombeteira, reprimida,

sagrada, profana, humana, divina, diabólica, medrosa, vigiada, polida, filosófica,

literária, teatral, burlesca, grotesca, derrisória... O filósofo George Minois, em obra de

fôlego, encadeou essas formas para construir uma história do riso (e do escárnio),

pontuando passagens de um tipo a outro e as condições que propiciaram tais mudanças

nos humores humanos. Partindo do riso fundador dos mitos e levando-o para as festas

da Antiguidade, ele alcança a gênese da comédia, que é o que interessa aqui, o que teria

ocorrido por volta de 400 a.C..

Que sabemos das festas do antigo mundo grego? (...) Ora, nelas sempre

encontramos quatro elementos: uma reatualização dos mitos, que são

representados e imitados, dando-lhes eficácia; uma mascarada, que dá

lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos codificados; uma

prática da inversão, na qual é necessário brincar de mundo ao contrário,

invertendo as hierarquias e as convenções sociais; e uma fase

exorbitada, em que o excesso, o transbordamento, a transgressão das

normas são a regra, terminando em caçoada e orgia, presididas por um

efêmero soberano que é castigado no fim da festa.94

O riso festivo tem sentido ritual, é um contato com o mundo divino, não se trata

de representação. Esta se dá a partir do riso da comédia. Na festa, o riso tem a função de

reforçar a regra, de recriar o mundo. Para isso utiliza-se da inversão: estabelece-se o

caos para que se recrie a ordem. Já a mascarada parece ter a função de propiciar um

exercício de alteridade: ser o outro. A festa dionisíaca faz surgir o cômico rude e

agressivo. É a primeira representação que, com o tempo, adquire leveza, sendo

93

Citado por MINOIS, George. História do riso e do escárnio. Editora Unesp, São Paulo, 2003, p. 21. 94

Idem, p. 30.

58

sintetizado a partir de Aristófanes, que mantém ainda os traços de rudeza da tradição

dionisíaca.

Comportamento divino, que às vezes pode levar o homem à demência, é

uma força misteriosa que permite, ritualizado na festa, entrar em contato

com os deuses, reatualizar periodicamente o caos original e assim

representar o ato criador que funda a ordem social (...). (...)...ele tem a

ambivalência do grande mágico Dioniso e, libertado sobre uma cena de

teatro, pode reduzir o universo a uma grande ilusão cômica.95

Esse riso indomado, capaz de levar à demência, grosseiro, passou a ser

“adoçado” e “humanizado” pelos filósofos gregos a partir do século V a.C. e pela

própria comédia, que se torna mais polida.

O riso grotesco aparece em Roma após as agitações políticas e sociais, segundo

Minois, pois essas inverteram a ordem natural das coisas. Assim, o mundo “se

desestrutura, decompõem-se; seus elementos fundem-se uns nos outros, recompõem-se

de forma monstruosa e ridícula”.96

Dessa forma ele aparece nos fragmentos do

Satiricon, de Petrônio – o riso que amedronta – se aproximando do horror, como

demonstra Horácio nas Sátiras e, depois, em Apuleio, n’As metamorfoses, cujo

personagem central é o asno, que encarna a “sensualidade desenfreada”.97

Mais uma

vez, esse riso grotesco, que se contrapõe ao riso intelectual, embala as festas coletivas

romanas, os saturnais, que envolvem rituais de inversão das dicotomias dia/noite,

homem/mulher, e inversão da linguagem, com palavras sendo adulteradas – a

linguagem, aliás, é peculiar ao riso romano – inversões que remetem a uma idade de

ouro; enquanto que nas lupercais o riso adquire um sentido de renascimento para uma

vida nova. “Tanto o riso de retorno à vida como o riso de retorno à idade de ouro

demonstram que o riso coletivo organizado tem um valor mágico de salvação, que nos

faz escapar, provisoriamente, do mundo real.”98

Por ser indomável, atávico, ligado à essência dos deuses, a Era das Trevas o

engole, o Cristianismo o abole e a Igreja o diaboliza. “É desprezível”, brande Santo

Agostinho. Santo Ambrósio reconhece a separação entre o riso moderado,

compreensível; e o exagerado, condenável. Clemente de Alexandria, fiel à tradição

platônica, advoga que o riso precisa estar sempre sob vigilância para que o riso

95

Idem, p.42. 96

Idem, p. 94. 97

Idem, p. 95. 98

Idem, p. 100.

59

escancarado não contamine o riso harmonioso. João Crisóstomo não titubeia em definir

o riso como a desforra do diabo, que usa do subterfúgio para dissipar o espírito divino.

Mesmo assim, os bufões atravessaram a Idade Média e alcançaram seu salvo-

conduto com as festas populares, entre elas o Carnaval, e na oralidade ficcional dos

camponeses, compositores de paródias, inclusive das obras religiosas. As festas dos

loucos e do asno nascem nos meios eclesiásticos e usam a inversão para reforçar o

aspecto grotesco do seu contrário. No caso da festa do asno, a paródia da liturgia

católica é minuciosa, ao passo que o bispo é substituído pelo animal para que puxe um

longo cortejo que sai às ruas, arrastando bufões. O riso é franqueado nos dias de

festividades, e o humor, geralmente grotesco. Bahktin o define como “riso coletivo”,

que gera um “realismo grotesco” em que os aspectos refinados da vida espiritual são

“rebaixados” ao seu substrato material e corporal.

A paródia medieval, portanto, vai ser um processo de rebaixamento,

explicando o alto pelo baixo – não sob uma perspectiva puramente

negativa, mas com o objetivo de recreação. As formas nascem e

morrem na sopa biológica primordial, e essa realidade proteiforme, em

que o nobre e o vil procedem os mesmos mecanismos, é altamente

cômica. O mundo é grotesco, alegremente grotesco. Então, o cômico

popular vai espojar-se no “baixo”: a absorção do alimento, a excreção, o

acasalamento, o parto na sujeira, os odores e os ruídos ligados ao ventre

e ao baixo-ventre, todas as funções que rebaixam mas, por outro lado,

regeneram. (...) Rabelais será a culminação desse riso.99

Entretanto o grotesco não é somente fonte de riso, mas igualmente de medo; e a

expressão mais bem acabada disso é a obra de Jerônimo Bosch. Em ambos os casos –

no riso ou no medo – o grotesco tem uma função de distanciamento, que é o que

interessa nesta análise. Especialmente porque, no caso do medievo, está ligado ao

coletivo, ao Carnaval.

O riso carnavalesco é em primeiro lugar patrimônio do povo (esse

caráter popular, como dissemos, é inerente à própria natureza do

carnaval); todos riem, o riso é “geral”; em segundo lugar, é universal,

atinge a todas as coisas e pessoas (inclusive as que participam no

carnaval), o mundo inteiro parece cômico e é percebido e considerado

no seu aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último, esse riso é

ambivalente: alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador

e sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente.100

99

Idem, p. 158. 100

BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 10.

60

Esta, enfim, é a festa da loucura, da paródia, do burlesco – que se refere à sátira

e à farsa – onde o riso promove a coesão social a partir da encenação do inverso, do

mundo às avessas. Ao mesmo tempo, seria o riso que dissipa o mal, este que estava em

toda parte em todo o decorrer da Idade Média. “O riso carnavalesco medieval

contempla, ao mesmo tempo, a ordem social e as exigências morais pela paródia e pela

derrisão, que demonstram, a um só tempo, o grotesco do mundo insensato e a

impotência do mal.”101

Além do riso, a linguagem popular, revestida de grosserias, insultos, juramentos,

discursos de charlatões, pregões públicos, vai impregnar as festas populares. Afinal, a

cultura popular do período tem sua sede na praça pública, expressando-se livremente

nos dias festivos, para se recolher no resto do ano litúrgico.

A praça pública era o ponto de convergência de tudo que não era oficial,

de certa forma gozava de um direito de ‘extraterritorialidade’ no mundo

da ordem e da ideologia oficiais, e o povo aí tinha sempre a última

palavra. Claro, esses aspectos só se revelavam inteiramente nos dias de

festa. Os períodos de feira, que coincidiam com esses últimos e

duravam habitualmente muito tempo, tinham uma importância

especial.102

A exceção, talvez, seja a institucionalização do bobo oficial, o bobo do rei, bufão

que emprega a imagem do louco que arrasta uma clava (tornada cetro) e leva pedradas

na cabeça (o chapéu com os guizos), caçoado pelas crianças. O processo tem um

fundamento simbólico: contrapõe o poder, pois ele pode falar de tudo, sempre protegido

pela sua loucura; ao mesmo tempo, ritualiza a oposição e serve de parâmetro ao

exercício do poder, pois explicita os limites. Por isso a figura do bobo do rei desaparece

no Absolutismo.

Bakhtin persegue o riso grotesco para além de Rabelais: ele sobrevive ao século

XVII, sob o racionalismo cartesiano e ao classicismo, impregnando a literatura, o teatro

e os gêneros populares, mas adquirindo o que chama de “orientação burguesa”. Ou seja,

as festas populares migraram para os folguedos da Corte (as mascaradas e o carnaval),

ligando-se a outras tradições, cujo efeito leva a obscenidade a se degenerar numa

“frivolidade erótica e superficial”.103

Já no século das Luzes (XVIII), com seus filósofos

generalizadores, Rabelais ficou trancado em seu próprio século, como síntese daquilo

101

MINOIS, Georges. Op. cit., p. 169. 102

BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 32. 103

Idem, p. 89.

61

que seria o bárbaro e o selvagem. Voltaire despreza-o, qualificando-o de filósofo

bêbado; o riso é pulverizado em gêneros contidos (ironia e sarcasmo) e seu sentido

transformador se aproxima da extinção. Enfim, o século XIX, o grotesco, sob o filtro do

Romantismo, adquire sentido moral e filosófico. Especialmente a partir de Victor Hugo,

que alinha Rabelais a Shakespeare, diferenciando a genialidade do primeiro, por ser

grotesca, daquela do bardo inglês, que prima pelo sublime, distinção feita no seu crucial

Prefácio à Cromwell. Para Hugo, o homem traz a serpente no ventre – centro da

topografia rabelaisiana – é seu intestino, que “tenta, trai e pune”. Na concepção do

realismo grotesco, como define Bahktin, o intestino é a síntese do alto e do baixo, pois

ao mesmo tempo que é o regato da vida, está ligado à morte, ao abate de animais; ao

mesmo tempo que guarda os alimentos, é onde eles são transformados em excrementos.

Bakhtin vê na interpretação de Hugo uma tradução filosófica para a força destruidora do

baixo corporal, desagregando-a.

A perda do sentido do grotesco por meio da leitura romântica é enfatizada por

Bhaktin:

O lado negativo da concepção romântica é o seu idealismo, sua má

compreensão do papel e das fronteiras da consciência subjetiva, que

levam o romântico frequentemente a acrescentar à realidade mais do

que ela contém. O fantástico acabou por degenerar em misticismo, a

liberdade humana acabou por seccionar-se da necessidade e

transformar-se em uma força supramaterial.104

Mas Hugo compreende a concepção de mundo de Rabelais, o que o habilita a

empregar a noção do grotesco em toda a sua obra literária. A chegada do século XX traz

estudos científicos sobre o contexto de Rabelais: em 1903 cria-se a Sociedade de

Estudos Rabelaisianos, que rendeu diversos escritos de seus membros (coordenados por

Abel Lefranc), todos concentrados nos fatos biográficos do autor. O livro O problema

da descrença no século XVI. A religião de Rabelais (1942), do historiador Lucien

Febvre, busca um viés contrário ao da sociedade para compreender o autor a partir do

seu meio cultural e intelectual. No entanto deixa de lado o mais marcante, o que os

estudos anteriores já haviam feito: a cultura cômica popular. Na sequência desse quadro

teórico surge o estudo de Bahktin, na então União Soviética, em 1941. Sua obra se

concentra nas influências literárias do autor de Gangantua e Pantagruel no decorrer dos

séculos, além de esmiuçar a construção do discurso da praça pública. Infelizmente não

104

Ibidem, p. 107.

62

há um estudo do mesmo fôlego dedicado à influência da cultura cômica popular

europeia na construção dos mecanismos de aculturação empregados nos processos

coloniais. Mas algumas pistas se sobressaem nos estudos dedicados ao carnaval, festa

marcante e popular do século XVI que encontra ressonância no processo de

colonização, em especial no caso brasileiro.

Importado de Portugal, o folguedo do Entrudo passou a ser “brincado” na

Colônia por colonizadores e escravos sempre no início da Quaresma. Sua filiação direta

das festas populares relatadas por Rabelais se evidencia nas descrições das batalhas de

líquidos e farinhados, no caso do entrudo popular, e até de urina e excrementos,

ingredientes do grotesco da Idade Média. Na versão familiar do entrudo, tais elementos

foram substituídos por comportados “limões de cheiro”, esferas de cera recheadas com

água perfumada, depois levadas para a rua.

Introduzido nos 1600105, rareou nas vilas até se tornar hábito a partir dos 1800.

Jean-Baptiste Debret (1768-1848) registrou, na aquarela Entrudo (1834), a guerra com

seringas d’água e farinhas, os limões de cheiro sendo servidos em bandejas, e animados

mascarados. O grupo retratado é de negros fantasiados de portugueses. Mas não só

negros participavam do Entrudo de rua. Também os senhores dividiam as brincadeiras,

embora em papéis diferentes aos dos negros: “O senhor atirando limões e laranjas-de-

cheiro, e o escravo carregando bandejas repletas de projéteis ou bilhas d’água”.106

105

O relato mais antigo é de 1593, que se refere a um evento ocorrido em 1553. Trata-se das

“Denunciações do Santo Ofício em Pernambuco”, em que consta a denúncia de Diogo Gonçalves do casal

Diogo Fernandes e Branca Dias, que moravam perto de Olinda e que teriam dado de comer a seus

trabalhadores “numa terça-feira de entrudo”, o que configurava transgressão às restrições alimentares da

Quaresma. A história do processo que condenou Branca Dias é a base da peça O santo inquérito, de Dias

Gomes (1966). In: FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Ediouro, Rio de Janeiro,

2004, p. 79. 106

SIMSON, Olga Rodrigues de Morais von. Carnaval em branco e negro – Carnaval popular

paulistano (1914-1988). Editora Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial. São Paulo, 2007, p. 20.

63

A versão familiar, menos violenta, também incluía a molhação e a guerra de

laranjas, e se dava nas casas senhoriais dos centros urbanos dos 1800, o que revela uma

apropriação mais comportada do costume popular, como registrou em 1822, Augusto

Earle, também em aquarela, intitulada Folguedos durante o carnaval no Rio de Janeiro.

Em 1850, o entrudo popular vitimou Grandjean de Montigny, arquiteto que veio

para o Brasil com a missão francesa em 1816 e que introduziu a arquitetura neoclássica

no país. Com 74 anos, foi apanhado pela multidão na guerra líquida, o que lhe rendeu

uma pneumonia e, consequentemente, a morte. Se a brincadeira já era uma preocupação

64

da Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro há pelo menos uma década, que a proibiu

de ser realizada na Freguesia de Santa Rita, região central da Corte, o processo de

coibição da manifestação popular durou a outra metade do século e mais três décadas do

novo século, passando por longo processo de enfraquecimento até ser totalmente

controlado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante a ditadura

Vargas. A solução inicial, nos 1850, não foi encontrada pelos políticos, tampouco pela

Corte, mas pela sociedade burguesa emergente, que decidiu levar a brincadeira para

dentro dos salões de bailes, longe da massa de negros e mulatos. Mesmo sob a pompa

dos bailes mascarados, importados da França, a guerra com as seringas d’água

continuava intensa entre as quatro paredes, embora controlada e longe do acesso

popular. Em 1847, a moda dos bailes particulares já se estabelecia, assim como sua

contraparte popular: os bailes públicos, que naquele ano aconteceram “em três locais

distintos do Rio de Janeiro: no Teatro São Pedro de Alcântara, no Teatro de São

Francisco e no Tívoli (...) [este,] um verdadeiro complexo de divertimento, consistindo

num grande pavilhão no meio de uma chácara, circundado por alamedas espaçosas e

iluminadas à noite...107

” A outra solução política seria colocada em prática em 1855,

quando acontece o primeiro passeio fantasiado promovido pelo grupo Congresso das

Sumidades Carnavalescas, com grande sucesso e apoio da imprensa, dos políticos e da

polícia.

Tinhorão108

aponta as camadas médias da sociedade “que começam a surgir nas

principais cidades do país no bojo da crescente tendência manufatureira da economia,

estimulada pelas necessidades decorrentes da Guerra do Paraguai” e que, ao acumular

dinheiro por meio do comércio não conseguem alcançar os hábitos da elite por sua

origem humilde. Assim, sem credenciais para frequentar os bailes da Corte, criam seus

próprios clubes carnavalescos, onde seriam gestados os cordões, forma mais

comportada de brincar o carnaval, que busca domesticar a “barbárie” do entrudo

aliando-a ao desfile fantasiado. Esse processo de domesticação alcança, enfim, seu

formato final, que perdura até hoje, no final da década de 1940, quando o Estado Novo

regulamenta o desfile de Escolas de Samba e passa a exigir que os enredos cantados

versem sobre fatos da História do Brasil.

107

FERREIRA, Felipe. Op. cit., p. 114. 108

TINHORÃO, José Ramos. A imprensa carnavalesca no Brasil – Um panorama da linguagem cômica.

Hedra, São Paulo, 2000.

65

Os clubes carnavalescos surgidos na segunda metade do século XIX, dos quais

as Sumidades Carnavalescas foram os precursores, passariam, a partir de 1871109

, a

cultivar uma prática original: a publicação de jornais carnavalescos, onde exerciam um

tipo de linguagem cômica originária da Idade Média e do Renascimento, incluindo o

gênero do bestialógico ou pantagruélico, tão caro a Rabelais e que, naquela altura,

encontrava ressonância entre os autores românticos brasileiros, embora sem que sua

produção cômica tivesse sido publicada. O caso mais notório é o de Bernardo

Guimarães, autor do romance A escrava Isaura (1875). No período em que cursou a

Faculdade São Francisco, em São Paulo, participou da Sociedade Epicureia, que

funcionava na Chácara dos Ingleses, uma república estudantil situada na Rua da Glória,

onde moravam, além de Guimarães, Alvares Azevedo e Aureliano Lessa. A sociedade

passou a funcionar a partir de 1849 na também conhecida por “Casa de Satã”, sob forte

inspiração do poeta inglês Lord Byron, conforme registra José Armelin Guimarães, neto

de Bernardo em site dedicado ao autor.110

No mesmo ano em que publicou seu principal

romance, 1875, o autor editou também, clandestinamente, os poemas O elixir do Pajé e

A origem do mênstruo, obras hoje classificadas como “pornográficas”, mas que

guardam intensa ligação com a linguagem cômica grotesca, na acepção de Rabelais –

apontada por Bakhtin – e que inserem-se na prática romântica brasileira do bestialógico.

Em sua análise, Tinhorão aponta que o humor literário emerge também na Idade

Média, mais especificamente no século IX, quando um clérigo incluiu nos seus

comentários à Bíblia uma descrição paródica de uma ceia comungada por diversos

personagens bíblicos. O precedente foi levando outros clérigos a recorrerem ao mesmo

artifício, usando um humor bem próximo daquele empregado nas festas populares, o

que ensejava que estivesse ocorrendo um processo de contaminação: a linguagem da

praça pública havia varado as grossas paredes dos mosteiros. “É, pois, esse humor

contaminado pela chulice das graçolas populares que vai predominar nas paródias

surgidas a partir de então, aproveitando orações como o Padre-Nosso, o Credo e a Ave

Maria, e ainda temas sacros e litúrgicos (...) para, afinal, vir a configurar toda uma linha

literária de criações cômico-religiosas (...).”111

A prática se intensificou a partir do

século XI, quando encontrou entusiasmo nos padres goliardos, que introduzem a língua

109

Há um precursor, o jornal O limão de cheiro, de 1833. Tinhorão tem por registro o de Hélio Vianna,

feito em 1943, julgando que o pesquisador foi o último a terá acesso ao único número publicado, depois

dele não mais encontrada pelas gerações seguintes de pesquisadores. 110

Disponível em: <http://sites.google.com/site/sitedobg/Home/curiosidades/sociedade-epicureia-ou-a-

casa-de-sata->, consultado em 9 de junho de 2011. 111

TINHORÃO, José Ramos. Op. cit., pp. 24 e 25.

66

popular nos manuscritos em latim, inaugurando a escrita macarrônica, a que Rabelais

também recorre para inovar sua escrita. Ela alcançaria ainda o teatro de Gil Vicente, no

século XVI, num processo crescente de laicização, até despertar a curiosidade dos

autores românticos do século XIX. Ou seja, enquanto a herança das festas populares

chega sob o comando de Momo, a da linguagem popular apropriada pelos sacerdotes,

vem se expressar em poemas românticos que tratam da virilidade do pajé a ser resgatada

por elixires miraculosos e sobre uma orgia de entidades fantásticas, ambas criações de

Bernardo Guimarães.

Pois a retórica do palhaço não foge às duas vertentes: é pantagruélica assim

como as brincadeiras literárias dos estudantes da “Casa de Satã”, como é carnavalesca

na tradição trazida da Europa. Além disso, a tradição circense, embora importada do

continente europeu e aqui aculturada, sempre viu próximas as funções humorísticas do

palhaço e de Momo, tanto que muitas vezes ambos eram encarnados por um só

personagem. Como exemplo, Arrelia encarna o Momo em 1935, quando o circo estava

em Campinas-SP:

Reprodução do livro Arrelia e o circo.

SEYSSEL, Waldemar, Melhoramentos, São Paulo, 1977.

A própria figura momesca, ou seja, o rei da folia, aquele que, na inversão, é

entronizado para ser insultado e derrubado após os três dias de festa, prenuncia a ligação

67

entre o tipo excêntrico e a sua herança cultural, que remonta há quatrocentos anos,

período que o separa da consagração da inversão pelas populações urbanas dos centros

europeus da Idade Média e do Renascimento.

Assim como o palhaço promove o encontro entre a linguagem popular tornada

literária – como foi visto no uso recorrente do discurso nonsense por Piolin – e o humor

grotesco, do qual é herdeiro; o carnaval, demonstra Tinhorão, encontrará uma peculiar

forma de promover semelhante imbricação: a imprensa carnavalesca, periódicos

publicados em nome das agremiações e clubes nos quais surgem os cordões de rua, que

se utilizam dos diversos gêneros literários para promover o humor grotesco originário

das festas populares.

No repertório de peças encenadas no Circo Piolin analisado para esta pesquisa,

uma comédia se destaca por lidar diretamente com a matéria-prima do humor grotesco.

Trata-se de Que rei sou eu?, cuja autoria é atribuída a Olindo Dias Corleto, ator circense

que atuou na trupe de Piolin, liberada sem restrições pelo DDP em agosto de 1946 para

encenação no Circo Piolin. O texto gerou muito sucesso de público, de modo que outros

palhaços a incluíram em seus repertórios, entre eles Picolino II (Roger Avanzi), que a

recebeu diretamente de Piolin, e Chororó (Humberto Militello), pai da atriz Vic

Militello. As indicações de elenco contidas na versão original são bem precisas:

Piolin......................... Abelardo Pinto Piolin

Rei............................. Carlito

Princesa..................... Ariel [Ana Ariel, filha de Piolin]

Príncipe...................... Escobar

Ministro..................... Ely ou Pinati [clowns de Piolin]

Secretário................... Olindo [o autor da peça]

Marquês..................... Pinati ou Ely

Marqueza................... Haide

1ª.Dama..................... Dalva

2ª. Dama.................... Clementina

Soldado

Dois carrascos

Guardas do rei............ Comparsas

Antes de descrever a situação desenvolvida na peça – opta-se por empregar

“situação” por se tratar, como a maior parte das peças circenses encabeçadas por

palhaços, de uma comédia de situação112

– destaca-se que o nome se refere ao samba de

autoria de Herivelto Martins e Valdemar Ressurreição, gravado em 1945 por Francisco

112

A dramaturgia do palhaço será analisada no capítulo seguinte.

68

Alves, que se transformou num clássico carnavalesco. O coautor Valdemar, contam Jair

Severiano e Zuza Homem de Mello113

, participava de grupos vocais, além de fazer

locução radiofônica, quando foi apresentado a Herivelto Martins, já consagrado pelo

sucesso do Trio de Ouro, onde cantava com a mulher, Dalva de Oliveira, e com

Francisco Sena. Ele acabou gostando de um samba que trazia os versos “que rei sou eu”

e “sem reinado e sem coroa”, e acabou usando-os num outro samba, composto

originalmente, dando parceria a Valdemar por ter sido dele a ideia do tema. A letra

ficou com os seguintes versos: “Que rei sou eu/Sem reinado e sem coroa/Sem castelo e

sem rainha/Afinal que rei sou eu?/O meu reinado/É pequeno e é restrito/Só mando no

meu distrito/Por que o rei de lá morreu”. Na segunda parte, desenvolve: “Não tenho

criado de libré/Carruagem nem mordomo/E ninguém beija meus pés!/Meu sangue

azul/Nada tem de realeza/O samba é minha nobreza/Afinal que rei sou eu?” Enfim, um

tema desenvolvido sob medida para o dilema do Rei Momo carnavalesco.

A comédia se desenrola num país e num tempo indefinidos e usa os principais

elementos da construção grotesca do palhaço na Idade Média e do Renascimento, isso a

partir do senso comum e da intuição criativa do seu autor (ou autores, se consideramos

o tipo de construção dramática circense, que envolve o livre improviso por parte do

palhaço). A ação se inicia com a preparação de um casamento de interesses entre a filha

do rei e o príncipe do Egito. O ministro surge como iminência parda e, ao mesmo

tempo, como indica o estereótipo, como aquele que decide à revelia do rei. Mas antes

deste se juntar à sua Corte – formada até ali pela princesa, o secretário, que mantém um

romance escondido com a mesma, um casal de marqueses e as damas – irrompe em

cena Piolin, aliás, no exato instante em que a dama recita um poema à princesa:

“Acabou-se a marmelada!”, é sua senha de entrada. A partir daí começa um gradual

processo de inversão que redundará, claro, na sua ocupação do trono do rei. “Sois

estranho para nós”, adverte o Marquês, sintetizando o elemento cênico que caracteriza o

palhaço, ou seja, a estranheza. Esta se estabelece imediatamente por meio de sua

linguagem, pois Piolin abusa da gíria ao insultar os subordinados imediatos do rei. “Eu

quero é falar com o dono dessa espelunca...”; ao olhar os guardas com armaduras:

“Alfaiate nessa terra, nerusca de agulha, hein? É só no martelo!”, sobre o alerta de que

os guardas não deveriam deixa-lo entrar no castelo: “Que culpa tenho eu que eles

comeram mosca?”; ou quando percebe que agrada alguns membros da Corte: “Será que

113

SEVERIANO, Jair e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo – 85 anos de músicas brasileiras

– Vol. 1: 1901-1957. Editora 34, São Paulo, 1997, pp. 233 e 234.

69

a macacada me conhece?” Ele emprega, assim, a linguagem da praça pública, além de

agregar o fator contemporâneo, gerador do riso.

No confronto com o Ministro, que chega a chamar os carrascos para executar o

intruso, Piolin angaria a simpatia do secretário, que lhe conta do casamento da princesa

naquele dia. O ministro pede seus documentos. Do bolso Piolin tira os papéis: uma cota

de racionamento de açúcar (a peça é encenada em 1946); um talonário de jogo do bicho

(“Centena e milhar invertida do 1º. ao 5º. Prêmio a 20 centavos”). O ministro não gosta

e volta a ameaçar o estranho. Piolin não deixa para menos: “Vocês são muito atrasados!

Tão atrasados, que numa época como esta, em pleno século do progresso, ainda andam

fantasiados à moda carnavalesca.” Se por um lado ele causa estranheza, por outro,

adapta a realidade que não é sua a partir de sua perspectiva: se estão fantasiados, então

se vive no carnaval. A partir dessa sua lógica, tudo se torna facilmente ajustável.

Novos confrontos com o ministro aumentam a ameaça de execução, mesmo com

a interseção a favor do secretário. É quando surge o rei. Pergunta como o estranho

entrou no castelo e o próprio Piolin explica que os guardas não estavam em seus postos.

“Com certeza eles estavam ferrados num joguinho de pif-paf aí numa toca.” “Pif paf?!

Que é isso?”, pergunta o rei. “É um joguinho gozado. Não tem truque, só ladroeira.

Depois eu ensino pro senhor.”

Assim, Piolin vai ganhando a simpatia do “dono da espelunca”. Nessa

aproximação, o secretário e a princesa veem no visitante a possibilidade de cancelar o

casamento arranjado. Logo, o pretendente da filha do rei vai direto ao assunto e pede a

ajuda do palhaço. Em seguida, o rei pergunta o nome do estranho e, ante a resposta,

quer saber se em sua terra há “grandes feitos heroicos” atrelados ao nome. “Ah, sim! Lá

existem dois com esse nome que foram verdadeiros heróis! (...) Um jogador de futebol e

outro palhaço de circo...”114

Feita a apresentação oficial, Piolin fala em nome do povo

do reino:

Encontrei uma turma do vosso povo que se queixava a respeito do novo

decreto que ia ser assinado aumentando o imposto e diminuindo a

quantidade de gêneros de primeira necessidade, e uma porção de coisas

que muito prejudicavam. E também que o casamento da princesa seria

realizado para salvar a situação financeira do reinado. Eu ouvi aquilo,

fiquei penalizado e tomei a liberdade de procurar o senhor, implorar em

nome daquela gente que sofrerá com esse decreto. Vai faltar boia para

eles, e não é nada agradável.

114

Laurindo Furlani, jogador do São Paulo F. C., ajudou o time a ganhar os Campeonatos Paulista de

1943, 1945 e 1946, e era conhecido pelo apelido de Piolin.

70

O discurso de Piolin o coloca numa posição limítrofe: entre a

contemporaneidade da linguagem e o humor da inversão e da estranheza, fala em nome

do povo, uma entidade atemporal que, segundo sua defesa, parece ter a mesma condição

seja no tempo do rei, seja na atualidade. O rei discute com o ministro e acaba

demonstrando angústia pela responsabilidade do cargo. É a deixa para que Piolin

proponha a troca de papéis. “É só o senhor me dar carta branca por algumas horas. Eu

aposto a minha cabeça como resolvo o caso, sem aumento de imposto, sem casamento e

sem nada. Tá valendo?” O rei, claro, aceita, assumindo seu papel na inversão.

Ao sentar no trono, o palhaço se coloca imediatamente no dilema: “Que rei sou

eu?” O secretário, sob o novo comando, entra e lê um memorando, editado pelo novo –

e temporário – rei: “Devido ao grande miserê, ou seja, falta de gaita neste país, ficam

suspensos de suas funções, aqui no palácio, todos os que possuem cargos elevados,

cujos ordenados exorbitantes, muito prejudicam os cofres deste reino.” Com isso, o

ministro se vê desempregado.

O recém-chegado príncipe do Egito, ao perguntar à princesa sobre o casamento,

ouve dela que deve ter com o novo rei: “Não sei! Se ele for com a tua cara... muito

bem... Se não, o príncipe dá o piruncha e acabou-se a mamata”, diz, aderindo à inversão.

O rei surge vestido de Piolin. A inversão se generaliza. Até os soldados do rei entram

em cena brigando por causa do jogo de pif-paf. O clima carnavalesco vai contagiando a

todos em cena, inclusive o próprio príncipe do Egito que, conformando-se, agarra a

dama: “...vou misturar os trapos aqui mesmo”. O final do ato tem Piolin no comando do

apito e a banda executando o samba Que rei sou eu?, com o elenco rasgando a fantasia.

O que mais impressiona na construção da situação e sua súbita resolução, o que

é natural nas comédias de picadeiro, é como, de alguma forma, os elementos

estruturantes do discurso do humor grotesco se mantêm quatro séculos após terem sido

elaborados num cenário cultural completamente diverso. Mais ainda, como a autoria,

sem educação formal das regras estéticas, o que demandaria um conhecimento mais

complexo e elaborado, consegue engendrar esses elementos com a concisão requerida

pela comédia de picadeiro. E o palhaço, por sua vez, que fará sua leitura particular do

texto dramático, pois a ele é dada a opção do improviso que, na maior parte das vezes

interferirá não só na situação, mas na expectativa do público, tornará sua atuação

metalinguística, o que também é algo bastante peculiar no circo-teatro.

71

Encenação de Que rei sou eu?, em 1946, com Piolin ao trono e sua filha Ana Ariel,

como a princesa (à esquerda).

Elias Thomé Saliba, ao analisar a concepção de Pirandello do humor – seu

objeto de pesquisa é a Bella Époque e Pirandello é um dos três pensadores do período

que analisam o riso, junto com Bergson e Freud – nota que ele atribui uma função

desmistificadora à atitude humorística:

Porque, afinal, o humorista sabe que a vida é um fluxo contínuo e todas

as formas de lógica (...) são tentativas inúteis de deter esse fluxo. A

atitude humorística é desmistificadora por excelência, porque no

momento mesmo que as formas lógicas tentam deter e paralisar esse

fluxo, o humorista mostra que elas não se sustentam e revelam o que

elas são: máscaras.

Ao contrário de Pirandello, o palhaço não está interessado em funções artísticas.

Para ele o espetáculo acaba no riso. Embora intuitivamente ele encarne justamente a

estranheza e cavalgue o contrário – ou ao contrário, como os seus antepassados – como

forma de circundar o picadeiro e trazer o público à sua forma de desconstruir a lógica,

ele não o faz de forma a tornar esse público consciente de sua atitude humorística.

Como na festa popular, ele usa o humor para reafirmar a sua humanidade, assim como a

daquele que ri de sua lógica inversa. Isso por que o riso, na sua acepção, se inclui nos

72

processos biológicos fundamentais do ser humano. É sua forma de promover o humor

universal, a um público que se propõe a rir coletivamente (o riso coletivo de Bakhtin).

Não deixando Saliba apenas como depositário de Pirandello, afinal ele se dedica

a compreender o humor da Belle Époque, período em que o circo também se torna um

gênero popular de entretenimento; ele conclui sua reflexão sobre o humor como forma

de representação histórica salientando que este se apoia também nas mediações sociais

e, especialmente, nos diálogos entre os vários circuitos culturais. O circo-teatro se

defronta com desafios similares. Gênero de representação que tem o hibridismo cultural

como método, se é que se pode assim definir algo que se constrói de forma orgânica e

irregular, ele promove diálogos constantes, negociações recorrentes. Piolin, que inicia

sua trajetória nesse período, e leva sua atuação para depois da metade do século, alia a

herança do humor grotesco com um afinado senso de contemporaneidade. Mas, para

que se compreenda esse processo na análise de suas peças de circo-teatro, será preciso

antes compreender a estrutura da dramaturgia do palhaço.

73

3. A dramaturgia do palhaço

3.1 Palhaçaria

O início do processo de pesquisa para definir pontos estruturantes dentro da

dramaturgia do palhaço apontou para uma expressão anterior às encenações de circo-

teatro, portanto anterior à comédia de picadeiro. Antes que o circo-teatro se tornasse

gênero obrigatório no espetáculo circense, ao qual foi reservada metade da

programação, a chamada “segunda parte”, a interação entre clown e excêntrico ocupava

os intervalos entre números com as entradas cômicas e as reprises. Ao mesmo tempo, a

medida que o espetáculo circense ganhou em pluralidade, agregando formas cênicas

diferenciadas, como a comédia e o melodrama, houve, como aponta Bolognesi, uma

expansão das formas de atuação do palhaço.

Desse encontro adveio uma forma cênica aberta, formada e baseada na

capacidade de interpretação e de improvisação do palhaço, que teve a

liberdade e a audácia de não estar restrito a gêneros fechados. Assim, as

tradicionais entradas clownescas passaram a integrar as peças cômicas e

melodramáticas enquanto, ao mesmo tempo, a dramaturgia trouxe

motivos para a criação de muitas outras entradas circenses.115

Se os tradicionais “combinados”, esquetes cômicos mais longos, perfizeram a

proto-comédia circense, que evoluiu para as chamadas farsas ou comédias de picadeiro,

a análise da dramaturgia do palhaço parte da compreensão da forma como se dá a

interação entre a dupla de cômicos nas entradas, sua triangulação com o público, a

construção da piada, o diálogo, a representação física, a improvisação, o roteiro.

Após esse processo é que se iniciará a análise dessa peculiar forma de expressão

do gênero da comédia, que no circo-teatro difere em diversos aspectos da concepção

histórica empregada pelo teatro, seja na sua expressão mais erudita, ou na mais popular.

Esta, em geral, se trata da comédia de costumes, e é chamada pelo circense de “alta

comédia”, somente para exemplificar a complexidade com que se apresenta ante a

terminologia clássica do gênero teatral.

115

BOLOGNESI, Mário. Op. cit., pp. 52 e 53.

74

3.1.1 A porta aberta

- Vou começar. Primeira pergunta, Picolino: por que o cachorro entra na igreja?

- Cachorro entra na igreja... Pra procurar comida dentro da igreja!

- Não. Tá errado. Comida na igreja?

- Ô Fusca! Por que o cachorro entra na igreja?

- Porque ele encontra a porta aberta. Bom, mas por que o cachorro sai da igreja?

- É outra pergunta? O cachorro sai da igreja porque ele entrou.

- Não. Tá errado. Não é isso. Porque ele encontrou a porta aberta.

- Outra vez? Tá me embrulhando, né? Porta aberta? Mas só dá porta aberta?

- Outra pergunta. Por que meu pai casou-se com a minha mãe?

- Porque encontrou a porta aberta!

Picolino (Roger Avanzi) e Fusca-Fusca (Williams Aris)

O riso é como um cachorro que entra na igreja;

a inadequação em várias de suas modalidades.

Oswald de Andrade

“Que entrada vamos levar hoje?” Assim começa a rotina do palhaço, minutos

antes de adentrar o picadeiro. Experiente, seu repertório de entradas cômicas – ou

reprises – é extenso, o que lhe permite decidir o que irá oferecer ao público ainda na

cortina de acesso ao picadeiro. Mais um passo e ele entra não só à cena, mas também no

mais profundo da alma do cômico. Ele entra incorporado do espírito cômico. Seu andar

muda, sua voz se distorce, sua máscara brilha. Ao deparar com seu clown ou seu escada,

tem início o diálogo que, à primeira vista, é tão despretensioso que a plateia demora

alguns segundos para entender que tudo já está acontecendo, pois por mais paradoxal

que possa parecer, palhaço não joga conversa fora, tudo faz parte da tessitura de uma

rede que, logo logo, irá apanhar a plateia para que, alguns segundos depois, ela possa

explodir em gargalhadas.

Assim como não joga conversa fora, palhaço não perde tempo, pois a entrada é

rápida e certeira. Não dura muito, mas o suficiente para fazer rir e para conquistar a

simpatia do espectador. E o mais importante: ele usa um tipo de humor que mexe

diretamente com aquilo que é mais humano no ser humano: as suas funções corporais,

aquilo que, a despeito da vergonha, desperta riso e reconhecimento imediato.

Trata-se de um tipo de humor que deleita o público desde os festivais populares

da Idade Média: o humor grotesco, que lida com os baixos corporais para fazer rir, mas

que guarda um sentido filosófico profundo: o de transformar e fazer renascer. Quando o

clown, mostrando o dedo indicador e o polegar na simulação de uma arma, diz ao

palhaço: “Você conta até três, vira e pum! Mata o inimigo”, ele responde com um chiste

75

do tipo: “Ah! Pum não mata! Quando muito deixa tonto!”. Ele está usando a

humanidade corporal para lembrar a todos que é possível rir da realidade e transformá-

la.

Ante essa prática quase sem estrutura cênica – isso se for analisada a partir do

que se conhece de séculos do teatro ocidental, desde a Grécia até as vanguardas do

século XX – percebe-se que a graça do palhaço se faz num processo quase que intuitivo:

escolha de repertório na boca de cena, diálogo e rapidez, desfecho e fim da piada. Algo

até pueril aos olhos do crítico ou do pesquisador teatral. Mas, definitivamente, não é o

que pensam os próprios palhaços.

Ouvi-los falar sobre seu próprio ofício foi um dos propósitos do Projeto “Entre

risos e lágrimas – O teatro no circo (da pantomima aos dramas) – Parte 1: Palhaçaria”.

Foram dois anos consecutivos – 2010 e 2011 – de encontros com os “mestres palhaços”

(nome usado durante as apresentações e ensaios, mas, na maior parte das vezes,

rejeitado pelos próprios palhaços) com alunos e palhaços aprendizes, tiveram por

objetivo não só resgatar as entradas cômicas mas garantir que elas fossem absorvidas

pela nova geração de palhaços. A iniciativa do Centro de Memória do Circo, vinculado

ao Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da cidade

de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura –

Arquivo Miroel Silveira, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São

Paulo (ECA/USP) teve três objetivos principais: 1. Resgatar as entradas e reprises para

a formação de um Banco de Dados para atender as gerações futuras; 2. Promover o

debate acerca da dramaturgia circense; 3. Registrar a experiência passada para que crie

uma base referencial sobre a importância que o circo teve e tem na construção da

cultura regional e nacional. Não fosse a tradição oral, este conhecimento talvez estivesse

pulverizado em fragmentos esparsos, uma vez que perdura como prática dramática

graças à memória de gerações e gerações de circenses. A estrutura familiar que sustenta

as lonas de circo foi responsável por resguardar o repertório das entradas cômicas por

mais de um século. Como boa parte dessas famílias chegou ao Brasil entre as últimas

décadas do século XIX e as primeiras do século XX, muito dessas entradas sobreviveu

graças à experiência dos palhaços dessas companhias.

À medida que as cidades foram crescendo e o espaço dedicado aos circos foi

minguando a partir da ocupação demográfica e das novas prioridades dos

administradores, as companhias foram se desarticulando, buscando locais mais distantes

nas manchas urbanas para garantir público e conseguir levantar lona na praça seguinte.

76

Noutras vezes, obrigou circos a se fixarem nas áreas periféricas e suburbanas até que o

público se desinteressasse de vez e as condições de sobrevivência da companhia, que já

apresentava um espetáculo reduzido, se tornassem nulas. Com isso, o saber se perdeu,

descontinuou, pois as novas gerações buscaram novas profissões, muitas vezes por

orientação da própria família circense, que pressentia dias difíceis para o circo.

Restaram os palhaços que souberam conduzir sua atividade profissional com

habilidade e que guardaram oralmente os saberes da dramaturgia circense: Picolino II

(Roger Avanzi), Picoly (Benedito Sbano), Xuxu (Franco Alves Monteiro), Pururuca

(Brasil João Carlos Queirolo), Pepin (Raul Hernando Robayo) e Florcita (Maria Isidora

Duran Gutierrez), Romiseta (Agostinho Blask), Bacalhau (José Odair Casarin),

Condorito (Fernando Pontigo Silva) e Corchito (Sonia Fátima Beltrán Diaz), e Reco-

Reco (Francisco Paulivan Ferreira dos Santos). Enfim, foi do seu conjunto de vozes e

experiências que se fez, maior do que se pensava inicialmente, o projeto de

resgate/debate/registro das entradas cômicas e da palhaçaria. Foram eles que abriram as

portas para poder observar o cachorro que entra no templo da memória e volta, como

quem nada quer, para mostrar, da maneira mais simples possível, que rir é

profundamente humano.

3.1.2 O palhaço

O que é o palhaço em si? É uma crítica social.

Quando ele põe um sapato desse, na verdade, ele está ironizando

quem se preocupa em ter um sapato envernizado, chique.

Quando ele põe uma gravata, ele coloca aquele baita colarinho,

ele tá ironizando o cara que trabalha, aquele poderoso.

Põe o nariz vermelho, é tudo uma ironia.

Ele é uma crítica, uma sátira.

Vic Militello

O palhaço é um tipo de humorista que trabalha com sentimentos muito simples.

Acho que ele não faz divagações filosóficas e psicológicas,

acho que não cabe a ele essa função. O humor do palhaço se refere a sentimentos

dos mais simples e que todo mundo possui. Medo, sexo, potência.

E a função é resolver algum problema. Só um.

Se colocar mais de um já é muito assunto para palhaço.

Domingos Montagner

Dentre outras coisas o palhaço é aquele que pode ter saído da mesa em que jantou,

se aparecer um prato de macarronada ele vai comer de novo, ainda que vomite.

Ele é um personagem que exprime, do ponto de vista cômico, a repressão.

Essa repressão se estende à sexualidade. Ele está sempre no cio.

77

Diferente do animal que tem sempre o seu período.

Mário Bolognesi

Figura central nos picadeiros brasileiros, o palhaço, nome genérico para pelo

menos dois personagens distintos – o clown, ou branco, luxuosamente vestido e sempre

arauto da ordem, em contraposição ao excêntrico, ou augusto, na maior parte com o

nariz vermelho e vestes exageradas – faz parte do espetáculo circense desde que o circo

moderno foi concebido na Inglaterra, em 1773. No Anfiteatro de Philip Astley, em

Londres, a atração cômica intercalava os números equestres, que preenchiam a maior

parte do tempo do espetáculo. Boa parte dos pesquisadores aponta o dançarino de corda

Fortunelly como um dos pioneiros na atividade cômica nas apresentações montadas da

arena de Astley. Já em Paris, quando Antonio Franconi se associa ao militar inglês, as

pantomimas são introduzidas nos espetáculos. “Esses primeiros cômicos restringiam-se

a reproduzir, às avessas, um determinado número circense, principalmente os de

montaria. Haveria necessidade de outras ingerências para a formação do clown. Dentre

essas, destacaram-se a pantomima inglesa e a Commedia dell’art”116

.

O clown inglês tem origem numa espécie de fusão entre os personagens Pierrô e

Arlequim promovida pelo ator de teatro de variedades Joseph Grimaldi . Grotesto, cruel

e desumano, o clown de Grimaldi, que aparece na peça Mother Goose, de 1806, logo foi

copiado por outros artistas, indo parar no picadeiro dos circos, na figura do cavaleiro

desajeitado. Com o tempo as características dúbias acabaram dividindo os clowns em

duas classes: os de cena, que passariam a atuar nos hipodramas adotados por Astley

(melodramas montados), e os excêntricos, que distraíam o público nos intervalos dos

números de habilidade.

No início do século XX o clown foi aperfeiçoado pelo francês George Foottit,

que criou o tipo “enfarinhado”, com o rosto branco do Pierrô, enquanto passou a ter

“boa educação, refletida na fineza dos gestos, e elegância nos trajes e nos movimentos”.

A sua contrapartida cênica foi personificada pelo cubano Chocolat. A partir daí a dupla

firmou a formação clássica dos palhaços circenses: o clown e o excêntrico, sendo que a

tensão dramática na interação dos dois reside no embate entre a correção insistente do

primeiro e a atitude divergente do segundo. O excêntrico é sempre o cômico, o que

fecha a piada a partir dos argumentos do seu “escada”. “É o bobo da dupla, o que

116

Depoimento prestado durante o evento Diálogos, ocorrido dentro da programação do projeto “Entre

risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, em outubro de 2010,

coordenado por este pesquisador.

78

apanha sempre, o eterno perdedor, o ingênuo de boa-fé com que o público se identifica

e que acaba superando o clown, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o

mal, a justiça sobre a opressão”, destaca Bolognesi.

O cavalheiro desengonçado do circo de Astley passou, em 1869, a ser conhecido

pelo nome de “augusto”, termo do dialeto de Berlim (Alemanha) usado para designar

pessoas que se encontram em situação ridícula. A principal característica do augusto é o

nariz vermelho, e ele se apresenta sempre de modo desajeitado e rude.

Assim perfaz-se a dupla. O clown, sempre elegante, na maior parte das vezes

hábil músico, seja portando violão, como Benjamim de Oliveira e Dudu das Neves,

conhecidos palhaços-menestréis brasileiros, que cantavam paródias e canções de duplo

sentido, seja empunhando o pistom, como Alcebíades Pereira, o mais luxuoso dos

clowns nacionais. E o excêntrico, maltrapilho e desengonçado, vestido sempre com

roupas e sapatos maiores que seu número.

Com o tempo, afirma Bolognesi, o branco foi desaparecendo do picadeiro. Sua

contraparte, muitas vezes sem qualquer caracterização, foi mantida para garantir o

diálogo cômico, de modo que ele fosse sempre o “escada” do primeiro. Como nos

outros subgêneros da comédia, o escada desempenha o papel de apoio para a construção

das piadas, o que não reduz em nada a sua performance, pois esta requer técnica e

talento tanto quanto a situação cômica exige do excêntrico. Como afirma Pururuca

(Brasil João Carlos Queirolo), que por 35 anos atuou, de cara limpa, como escada do

pai, Torresmo: “Para você ser um bom palhaço, o escada tem que ser melhor que o

palhaço. Porque se o escada não souber dar a deixa certinha para o palhaço, o palhaço se

perde todinho. Se ele não der as palavras certas, corretas, na hora certa, perde a graça,

pois o palhaço não tem o que repetir”117

. Aroldo Casali, o palhaço Charles, usa da

própria metáfora da escada para definir: “O palhaço precisa sempre do escada. Por que?

Se o escada é ruim, ele desce. Se o escada é bom, o palhaço sobe”.118

O processo do diálogo entre clown e excêntrico é a essência de uma entrada

cômica, mesmo que esta precise de outros personagens para ser encenada. É a partir

desse diálogo que a situação se desenrolará e a piada será desencadeada, sempre

lançando mão de um humor próprio, muitas vezes ingênuo para esconder um toque de

picardia, outras vezes intencional para ocultar um propósito pueril. Na maior parte das

117

Depoimento dado durante os encontros entre palhaços mestres e palhaços aprendizes do Projeto “Entre

risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, realizados em outubro de

2010 e coordenado por este pesquisador. 118

Idem.

79

vezes o humor do palhaço é essencialmente físico, o que exige preparo daquele que

executa as entradas. Mas não é tudo. Há uma característica própria que diferencia a

dramaturgia do palhaço das outras dramaturgias, e esta vem desde antes da concepção

do circo moderno, por Astley , que é a interação com o público. Não há como envolver

esse público na situação cômica, se não se conquistar a sua cumplicidade. Para isso

exige-se que o palhaço busque trazer a assistência para a situação encenada. Aponta o

ator e palhaço Domingos Montagner, do grupo teatral La Mínima:

(...) uma coisa muito importante é essa cumplicidade que você tem que

ter com a plateia, de combinar o jogo que você vai fazer. Todo mundo

tem que entender como é o jogo (...). Acho muito semelhante com uma

coisa de criança. Porque a criança brinca com muita verdade. Acho que

o palhaço tem muita semelhança com isso. Ele conta a verdade, mas

deixa claro para a plateia que é brincadeira.119

Nesse ponto é que a complexidade cênica e a compreensão da palhaçaria como

gênero das artes cênicas começam a ser desveladas.

3.1.3 O que é entrada? O que é reprise?

Para compreender a dramaturgia do palhaço é preciso antes definir o que hoje é

chamado pelos próprios circenses de entrada, reprise, cena cômica, esquete. Bolognesi

se atém aos termos “entradas” e “reprises”, uma vez que cena cômica e esquete são

definições emprestadas do teatro tradicional, ou seja, do palco, não do picadeiro. Aliás,

embora o circo brasileiro tenha se caracterizado, especialmente a partir da década de

1940 – o que não excluem ocorrências anteriores – pela presença do palco sob a lona

para a encenação de comédias e dramas, as encenações dos palhaços sempre

aconteceram no picadeiro. Trata-se de uma característica, aliás, que justifica a carregada

máscara do palhaço. Olhos e boca se sobressaindo a partir do eixo do nariz vermelho

são recursos usados para garantir a visibilidade e o reconhecimento por aquele que senta

na última fileira do chamado “poleiro”, ou seja, da arquibancada.

O picadeiro é o domínio do palhaço por diversos motivos. Originalmente, ele

entrava sempre que os “casacas de ferro” se apressavam em montar e desmontar os

equipamentos necessários para o número seguinte. Para que o público não se entediasse

119

Ibidem.

80

com a operação, lá surgiam os chamados tonys. O Tony de soirée é “aquele palhaço do

nariz vermelho que entra em três, quatro situações do espetáculo”, explica Bolognesi.

Ele não tem o seu número montado. Esse tipo de palhaço se apropria o

máximo possível de todo o repertório e a cada momento, a cada dia, ele

apresenta algo diferenciado. (...) ele nem sempre tem um outro palhaço

para entrar no picadeiro. Às vezes é ele e o apresentador, ele e uma

outra pessoa que não está caracterizada de palhaço. Às vezes é ele

sozinho. Se o circo pegar fogo, põe o palhaço no picadeiro. (...) em

geral, ele deve saber fazer um pouco de tudo. Ele deve saber saltar (...)

deve saber coisas de magia, deve minimamente equilibra-se num arame,

subir num trapézio...

As entradas desse tony versátil geralmente são o primeiro estágio de

aperfeiçoamento do bom palhaço. “Comecei fazendo o Tony de Soiré, que é o palhaço

que tem de fazer tudo. Tem que ser trapezista, saltador, acrobata, malabarista, domador.

Se falta um artista, deu algum pepino, já entra o palhaço. Ele vai fazer aquilo, ele

substitui”, conta Franco Alves Monteiro, o Xuxu120

. Essa versatilidade irá, com o

tempo, colocar o palhaço como atração do espetáculo. E com número próprio: a

chamada entrada montada. “No circo brasileiro costuma se dar o nome de entrada

àquele primeiro momento em que o palhaço entra e faz uma espécie de aquecimento do

público, de preâmbulo, etc., para, em seguida, apresentar o seu número”, esclarece

Bolognesi.

O termo entrada vem do francês “entrèe”, nome genérico dado à presença do

palhaço no picadeiro. Provavelmente, ele tenha vindo do teatro de feira francês, em que,

antes do espetáculo, um grupo de artistas ficava fazendo palhaçadas à frente do teatro

para chamar o público. A entrada montada tem uma estrutura dramatúrgica e dramática

própria. Embora não trate de uma história, mas de uma situação, ela tem começo, meio

e fim. Tem também tempo estudado, ritmo e conclusão, necessários para que o público

entenda e absorva a piada. É inicialmente ensaiada pela dupla que, com o tempo, a

incorpora ao seu repertório de entradas, passando a apresentá-la sem ensaios. Daí por

diante, a entrada a ser apresentada é definida sem muita antecedência, pois os cômicos

já a conhecem e sabem “levá-la”, como se diz no jargão circense, sem que a sua

estrutura cênica seja comprometida. Em geral, as entradas, encenadas há séculos, são

rapidamente copiadas e adaptadas pelas diversas gerações de duplas de palhaços, sem

que isso comprometa seus eixos dramáticos.

120

Ibidem.

81

Historicamente houve um período, entre o final do século XVIII e além da

primeira metade do século XIX, em que o uso da palavra pelos artistas foi vedado

oficialmente na França e na Inglaterra, onde o teatro moderno se desenvolveu. No circo,

os palhaços foram os alvos preferenciais. Para que a atração fosse mantida entre os

números de habilidade e destreza, os palhaços passaram a atuar usando a pantomima –

teatro gestual – representando temas ligados ao universo circense, mas sempre fazendo

o número às avessas. Essa modalidade, muito parecida com a entrada, recebe o nome de

“reprise”: exatamente por reprisar o número que acabou de ser mostrado, mas sob uma

lógica transversa, comum ao modo de ver do palhaço.

A estrutura humorística da reprise está diretamente ligada às performances de

palhaços e bufões da Idade Média e do Renascimento durante as festas populares

urbanas, em especial o Carnaval. O período carnavalesco envolve o império do

contrário. Herdeiro das festas dionisíacas, no carnaval se rompem as convenções sociais

e as hierarquias. É quando se estabelece o caos a partir de rompimentos

comportamentais e o riso se torna grotesco, pois os aspectos refinados da vida espiritual

são rebaixados. Georges Minois, em sua História do riso e do escárnio, aponta: “(...) o

cômico popular vai espojar-se no ‘baixo’: a absorção do alimento, a excreção, o

acasalamento, o parto na sujeira, os odores e os ruídos ligados ao ventre e ao baixo-

ventre, todas as funções que rebaixam mas, por outro lado, regeneram”.121

Ele se apoia

em Mikhail Bahktin, que estudou a fundo as festas populares daquele período e que

defende o riso carnavalesco como “patrimônio do povo”, pois se trata de um riso geral e

universal. É esse humor de que se valeu o palhaço nos últimos séculos – e se vale até

hoje. A reprise, portanto, é uma espécie de leitura do universo do circo a partir da lente

do contrário.

Tanto a entrada quanto a reprise – esta última denominação acabou

prevalecendo no Brasil para designar toda encenação de palhaço, inclusive a entrada –

são criadas para serem encenadas, não há veleidade literária em quem as concebeu.

Tanto que a descrição da cena e dos diálogos, para efeito de registro, não despertam

riso, pois a leitura dissociada da encenação, ao contrário do que ocorre com uma obra

teatral – em essência também uma obra literária, seja trágica, cômica ou dramática –,

resulta numa experiência insossa. Afinal, a entrada escrita é um roteiro enxuto, um

“mapa de situações”, como define Bolognesi. O palhaço, ao tomar contato com esses

121

MINOIS, George. Op. cit., p. 158.

82

roteiros, em geral transmitidos oralmente, irá, na sua trajetória circense, experimentá-

los. Tanto que quem não pertence ao universo circense, acaba tendo dificuldades em

compreender a dramaticidade de uma entrada. “A primeira resposta a essa dificuldade é

dizer que a dramaturgia não presta. É o contrário. Essa dramaturgia está aí há mais de

200 anos. Testada, experimentada em tudo quanto é lugar desse mundo. (...) Será que

essa dramaturgia não funciona? Geralmente é o inverso. Sem muitas papas na língua, eu

falo: ‘me desculpe, é você que não está conseguindo fazer’”, analisa Bolognesi.

3.1.4 Roteiro e improviso

Percebi que esta pequena arena é o lugar mais perigoso do mundo.

Mas também é o lugar onde tudo é possível. Onde os olhos se abrem.

E os meus se abriram.

Vittorio (Sergio Castelitto), no filme

36 Vous du Pic Saint-Loup, de Jacques Rivette (2009)

Diante do roteiro de situações que é a entrada, resta ao palhaço colocar a sua

marca na encenação que, a rigor, se trata menos de encenação e mais de recriação.

Nesse sentido, há uma falsa contradição entre roteiro e improvisação. Se o improviso

parte do inesperado, da habilidade de jogar com a espontaneidade, como ajustar isso a

um roteiro prévio? Aliás, onde está a graça da entrada/reprise? Na piada que consta do

mapa de situações, ou na capacidade de improviso que o ator/palhaço pode dar à

entrada? “Nos dois. Se o palhaço não tiver graça, não adianta. Se ele não tiver o dom da

graça não vai adiantar. Você pode fazer a situação acontecer, mas... a graça não vai

acontecer”, diz o palhaço Xuxu.

Boa parte do repertório de entradas de um palhaço lhe chega por meio da

transmissão dos saberes circenses que, como aponta a pesquisadora Ermínia Silva, se dá

a partir do processo de aprendizagem que ocorre dentro dos circos-família. Tanto que

diversos palhaços atribuem o primeiro contato com as entradas quando, em algum

momento de suas vidas, tiveram de atuar como escadas de seus pais, também palhaços.

“Meu pai já fazia todas elas e eu aprendi fazendo o clown pra ele. Essas entradas

cômicas, eu vou dizer, isso já vem de muito longe. São sempre as mesmas. Nem sei

quando elas nasceram”, conta Benedito Sbano, o palhaço Picoly.

Assim, o papel do palhaço é alinhar na sua performance a tradição e a sua

capacidade de criar em cima dessa tradição. “Ela é uma dramaturgia extremamente

83

aberta, ela é uma obra aberta, cuja construção depende dessa personagem chamada

palhaço, que é interpretada por um ator”, defende Bolognesi. E, nesse ponto, ele

introduz um elemento essencial para que o palhaço seja um bom palhaço. “Ou seja, a

sua eficácia está justamente na interpretação e que prevê, necessariamente, uma coisa

difícil de monte, que se chama triangulação, que é representar com o público e para o

público.” O palhaço deve estabelecer o jogo com a plateia, de modo que ela,

intuitivamente, compreenda que aquilo é uma brincadeira da qual ele quer que todos

participem. Nesse sentido, ele consegue liberar a sua capacidade de improvisação para

criar situações dentro da situação estabelecida pela entrada. Aí ele passa a criar

conexões entre o roteiro, o improviso e a plateia que, no exato instante em que a

situação se desenrola, podem servir de apoio para a introdução de criações de momento.

Claro que isso exige do palhaço/ator um campo de visão bem amplo, do qual o teatro

convencional praticamente prescinde. Valendo-se disso, ele pode criar pequenos chistes

que irão ampliar a cumplicidade da plateia com aquela situação encenada.

“Ele conta a verdade, mas deixa claro para a plateia que é brincadeira. Então é

uma coisa meio paradoxal, que é um pouco difícil de entender, mas que, com o tempo,

você fazendo, acaba entendendo o que significa”, explica Montagner, do La Mínima,

que, em 2008, criou o espetáculo Reprise, elaborado após pesquisa no universo da

palhaçaria. O grande desafio nesse processo é escapar ao tom farsesco, comum na

comicidade de palco. Ao contrário, o palhaço não pode deixar a plateia entender que

ele, dentro da situação da entrada, vê aquilo como uma mentira. Como testemunha Raul

Hernando Robayo, o palhaço Pepin, “o palhaço não pode inventar, mas evoluir, inventar

em cima da reprise. Mas tem que saber onde coloca essa evolução, essa mudança. Saber

o momento certo. Senão o espectador pode não entender”122

.

Uma metáfora que se aproxima muito desse processo vem da música. Aroldo

Casali define: “Entrada é como jazz. O tema central é esse, cada um improvisa dentro

do acorde do momento. É a mesma coisa. Ele pode improvisar o que quiser. O palhaço é

um ser imprevisível”.

Dentro do processo de interpretação da entrada, o palhaço/ator deverá ter ainda a

habilidade de se apropriar de uma dramaturgia tradicional, muitas vezes reconhecida

pela própria plateia – e muitas vezes ela já teve a oportunidade de ver uma entrada

122

Depoimento dado durante os encontros entre palhaços mestres e palhaços aprendizes do Projeto “Entre

risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, realizados em outubro de

2010 e coordenado por este pesquisador.

84

clássica na interpretação de outros palhaços e está disposta a rir novamente com uma

nova leitura da mesma situação –, ao mesmo tempo em que imprime na sua

interpretação a sua marca pessoal, sem descaracterizar o seu tipo de palhaço. É como

conta o palhaço Xuxu: “Eu uso o meu estilo. O outro palhaço vai usar o estilo dele. Eu

conheço vários palhaços que não fazem da minha maneira. Eu acho que da minha

maneira eu agrado. Mas isso quem fala não sou eu, é o público”.

Muitas vezes a entrada não se adéqua ao tipo desenvolvido pelo palhaço. Não se

trata de inabilidade, mas de incompatibilidade cômica com a entrada. Recorrendo

também à metáfora musical, Montagner afirma:

Ela está lá. Agora, como ela serve pra mim? É como a música. Como o

intérprete dá a sua cara para a música? Às vezes uma música não serve

pra você. Tem entrada que não serve pra você. Aquilo não tem a ver

com a sua comicidade, com o teu tipo físico. A comunicação do palhaço

é muito visual. Tem que ter a ver aquele personagem que você escolheu.

O pessoal tem que acreditar.

Assim como em outras manifestações da dramaturgia circense, o palhaço é um

tipo. Portanto não tem componentes psicológicos, não desenvolve a ação conforme

esses componentes. Primeiro porque não há tempo para expressá-los numa entrada,

sempre muito curta e que envolve uma única situação. Segundo porque o público o

reconhece a partir dos dois tipos clássicos: clown ou excêntrico. Ou ele tenta colocar a

ordem e é ludibriado; ou é todo atrapalhado, o que não o impede de levar a melhor.

Bolognesi defende que durante o desenrolar da entrada o excêntrico passa por um

processo em que parte de uma não consciência para uma consciência da situação.

Independentemente do método que guia esse processo – na maior parte das vezes é o da

“bordoada”, que sempre tempera os diálogos da dupla de cômicos com safanões,

bofetadas e pontapés – esse despertar não resulta em nenhum discurso moral. Trata-se

apenas da resolução de uma situação a partir de uma lógica transversa.

A entrada também não lida com conflitos dramáticos. Há sempre uma situação

colocada de início que deve ser vencida, uma dificuldade que, muitas vezes, pode ser

agravada pela forma atravessada com a qual lida o palhaço, mas que resultará numa

solução final. Para que isso ocorra de forma cômica e que resulte no riso da plateia, é

preciso ter domínio do ritmo. Em geral o ritmo da entrada não é natural, mas acelerado.

E isso é um recurso da comicidade que se quer obter com aquela cena. “Quando você

ensaia com o pessoal do circo clássico, com o seu Roger Avanzi, por exemplo, ele

85

ensina assim: ‘Você vai, conta até dois e olha pra cá; mas não olha no um ou no três,

porque aí não tem graça, tem que ser no dois’”, lembra Montagner. É esse o ritmo da

entrada: há tempo para falar e responder, que não é o normal, mas mais acelerado, e há,

nesse processo, o domínio do elemento surpresa para que a piada seja desfechada na

hora certa. “Você nunca pode deixar de lado o fator surpresa. A partir do momento que

você deu uma pequena dica para a plateia de qual vai ser a piada, aí você tem grande

possibilidade de perder a piada. Você pode até rir, mas não vai funcionar mais”, afirma

o ator do La Mínima.

Outro elemento da dramaticidade do palhaço é a sua relação com os objetos

cenográficos. No picadeiro não há cenografia e a situação a ser desenrolada numa

entrada é tão trivial que ela dispensa tal requinte cênico. No entanto, muitas delas

acabam requerendo “aparelhos”, ou seja, objetos para, em geral, corroborar a

inabilidade do excêntrico com o problema que se apresenta na cena. Bolognesi destaca:

A máquina fotográfica não tira fotografia, solta fumaça, explode; o

piano se quebra inteiro, ou seja, o objeto está a serviço do realce da

incapacidade do palhaço de poder executá-lo a contento. (...) Mas é um

recurso em que o objeto vem complementar essa característica do

palhaço. Como se aquele objeto fosse uma espécie de alma dele. Há

uma transferência para o objeto daquilo que é ele. Há uma identificação.

3.1.5 Palhaço: comum de dois gêneros?

A migração do saber circense para os palcos teatrais, processo iniciado na

década de 1980, como demonstra Eliene Benício Amâncio Costa123

, impulsionou o

teatro nacional a partir da apropriação dos saberes circenses. Consolidado este processo,

a virada do milênio trouxe um novo refluxo de artistas que, impulsionados pelo

chamado “Novo Circo”124

, retomam parte da tradição e trazem propostas novas para o

espetáculo circense. Nesse movimento, um tema se destaca, especialmente entre os

123

COSTA, Eliene Benício Amâncio. Saltimbancos Urbanos: a influência do circo na renovação cênica

do teatro brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações

e Artes da Universidade de São Paulo em 1999. 124

Movimento surgido no final do milênio que junta as técnicas tradicionais circenses e outras linguagens

artísticas, como a dança e as artes cênicas. É importante salientar que essa distinção tem força maior no

circo europeu e norte-americano, onde a mistura de linguagens no decorrer do século XX não se deu com

a mesma disposição e intensidade como ocorreu no circo brasileiro. O circo-teatro talvez tenha sido o

resultado mais bem acabado dessa mistura, que envolve não só os dois gêneros expressos no termo, mas

também a música. A referência mais direta do chamado “novo circo” é a experiência bem-sucedida do

canadense Cirque du Soleil, também um circo globalizado, com artistas de várias nacionalidades atuando

sob um tema definido.

86

alunos das escolas de teatro e de circo: o palhaço é um artista masculino ou sua

performance comporta uma leitura comum de dois gêneros?

Palhaças e clownesses sempre existiram, embora não tão fartamente a ponto de

ganharem reconhecimento não só dos circenses como das artes cênicas em geral. Mas a

memória dos velhos circos guarda nomes importantes, como recorda a atriz Vic

Militello: “A dona Arethuzza Neves foi a primeira palhaça no Brasil. Ela tinha a pele

morena e desenhava um palhaço lindo... Foi palhaça, como qualquer palhaço. Só que

ninguém apresentava ela como uma palhaça mulher. Ela era palhaço, só. O que

importava era se tinha talento pra fazer aquilo”. A se basear nesse depoimento, supõem-

se que, apesar de existirem palhaças, elas desempenhavam sempre o papel masculino.

Mas isso era sinal de preconceito com o exercício cênico da mulher? Ao que parece não.

“O circo é menos preconceituoso nesse sentido, de mulher fazer papel do homem,

porque as donas de circo eram mais mulheres do que homens”, defende Vic. Ela própria

atuou como palhaça no Pavilhão Chororó, de seu pai, Humberto Militello. Da mesma

forma, Maria Isidora Duran Gutiérrez, a Florcita, parceira de Pepin (na vida e no

picadeiro), é enfática ao afirmar: “Nunca senti preconceito. Me sentia normal. Nunca

me discriminaram”.

A questão parece ser mais complexa e não envolve o preconceito, mas a moral.

Sinaliza Bolognesi:

O grande dilema das palhaças para a experiência de sucesso é que o

palhaço de circo sempre brinca muito com o desejo sexual. Essa região

do corpo que vai de um palmo abaixo do umbigo e um palmo acima do

joelho é a preferencial para esse jogo, para essa jocosidade. E dentro da

nossa sociedade moralista – estou reproduzindo a moral dominante –

isso não são atitudes próprias de uma mulher, ainda que ela seja

palhaça.

O mais paradoxal é que, em duzentos anos do palhaçaria no picadeiro, há pelo

menos cinquenta anos que o palhaço se veste de mulher, o que já se tornou um recurso

clássico na sua comicidade. Piolin, por exemplo, consagrou a entrada Idílio dos sabiás

fazendo a passarinha, portanto vestido com saias. Mas Vic Militello125

faz outra leitura

desse paradoxo:

O Piolin fazia números vestido de mulher, assoviando, e ele continuava

sendo o Piolin. Não tinha essa história de que ele estava satirizando uma

125

Idem nota 117.

87

mulher. Isso é muito legal na história do palhaço. Por isso as crianças

dão tanta risada com o palhaço. Porque na verdade ela está vendo ali o

pai, o professor, a professora, do ponto de vista que ela vê, ela é

pequena e vê aquilo grande, aquela pessoa grande, exagerada, porque

pra ela é aquilo. Por isso agrada tanto a criança. Ele faz uma sátira que a

criança também faz na sua inocência.

A proliferação de palhaças nos cursos de teatro e de circo, por sua vez, está

provendo um repertório novo de entradas e de performances que têm os tipos do

excêntrico e do clown (ou escada) como base. A própria dinâmica do circo não impede

que os tipos, que há mais de duzentos anos são senhores do picadeiro, se petrifique e

permaneça o mesmo. Como aponta Bolognesi:

Isto é um dilema que quem terá de enfrentar são as mulheres.

Evidentemente que isso não é o todo da inserção do palhaço no

picadeiro. Existem muitas... Existe uma boa dose de recursos

dramatúrgicos de reprises que não fazem essa referência [sexual]. (...)

Bons palhaços, de um modo geral, nunca fazem referência direta à

coisa. É sempre com o discurso encoberto. Sempre a famosa segunda

intenção. O discurso metafórico, o duplo sentido.

Os próprios palhaços acham difícil abrir mão desse recurso tão característico do

seu tipo. Xuxu, por exemplo, acredita que “tem que ter um pouquinho de pimenta senão

não vai...”; assim como Pepin: “O palhaço tem de maliciar aqui, lá. Ter alguma

picardia”. O humor grotesco, lembra Bolognesi, teve origem num mito grego que atribui

a uma deusa a missão de restaurar o riso para que o mundo voltasse a ser fértil e a vida

pudesse prosseguir. Perséfone, deusa da fertilidade, cai em tristeza profunda e cabe à

serva Baubo, uma ex-deusa, restaurar a ordem a partir do riso. A solução para o

problema, similar às encontradas pelos palhaços para concluir suas entradas, não só

envolve a habilidade de fazer rir, como também a grande metáfora da fertilidade, que é

o poder feminino de conceber a vida: Baubo, grávida, levanta a saia e suas formas

exageradas exibem um rosto gigantesco em que “a vagina é uma boca, o umbigo o

nariz, e os seios os olhos”, conta Bolognesi.

3.2 Comédia de picadeiro

Os circenses geralmente se referem às comédias de picadeiro como

“chanchadas”, por seu caráter rápido, improvisado e combinado ao mesmo tempo, e por

88

seu humor grotesco. Entretanto o gênero comédia no circo-teatro pode ser distinguido,

apresentando ao menos três subgêneros:

Combinado – Peça sem texto escrito, sem autor, encenada por quase todos os palhaços,

em que a situação é dada e a cena se desenvolve com um pouco de improviso, mas

obedecendo a um roteiro convencionado entre os atores.

Comédia de picadeiro – Também chamadas de farsas e comedinhas, possui texto

escrito, especialmente porque o serviço de censura – em São Paulo exercido pelo

Departamento de Diversões Públicas, inicialmente vinculado ao Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP), de Getúlio Vargas – assim o exige. Trabalha geralmente

com tipos fixos: alto cômico, baixo cômico, ingênua, velho, galã, etc.

Alta comédia – Se refere às comédias de autores consagrados, geralmente brasileiros.

Muitas das vezes a escolha da peça recai sobre os autores da chamada geração Trianon,

em referência ao teatro que funcionou no Rio de Janeiro de 1915 a 1921: Armando

Gonzaga, Gastão Tojeiro, Oduvaldo Vianna, José Wanderley, entre outros.

Embora a comédia de costumes tenha se tornado, aos olhos das trupes de circo-

teatro, na “alta comédia”, que na definição do teatro clássico se trata de gênero que tem

no desmascaramento de personagens representativos de ameaças sociais – como em

Molière, por exemplo – ela desponta como uma expressão que surge tardiamente no

circo-teatro.

Antes de tratar especificamente da comédia de picadeiro é interessante notar o

papel de proto-comédia exercido pelo combinado. Sua estrutura é bem peculiar e em

geral difere da mais comumente reconhecida comédia de picadeiro. Assim,

analisaremos primeiro sua estrutura e depois a comédia assumirá como objeto de fato

dessa fase da pesquisa.

3.2.1 O combinado

A dedução que leva à conclusão de que o combinado é uma entrada estendida se

dá porque muitas vezes a situação remete ao repertório de entradas ou faz referências

bem claras a elas. O nome combinado é dado pelos próprios circenses por ser uma

encenação que não é baseada em texto, mas na tradição oral. Muitas vezes são

89

chamadas também de chanchadas, termo amplo, que também é usado para se referir às

comédias propriamente ditas. Essas peças curtas não têm autoria e são encenadas

mediante livres adaptações, muitas vezes com o nome do palhaço no título. São peças

antigas, muitas ainda do período em que as pantomimas dominavam os picadeiros,126

e

que trazem temáticas ligadas ao período entre séculos. Conta o palhaço Biribinha

(Teófanes Antônio Leite da Silveira)127

:

No circo-teatro normalmente apresentavam-se dramas, melodramas,

comédia, altas comédias, dramalhões e, no meio de tudo isso, as

chanchadas, as gostosas e famosas chanchadas, que muitas vezes

quando a temporada se estendia muito, o jeito era apelar para as nossas

amadas chanchadas. (...) No repertório das chanchadas, eu lembro muito

bem, que tinha A menina virou, o Recruta Zero, que era o famoso

Turíbio, Pensão da Dona Estela, talvez aqui tenha outro nome, Doutor

Redondo, A morte do cozinheiro, O banco pegou fogo, O médico e o

monstro, As duas Angélicas, A última moda de Paris, Casar pra depois

morrer, Arlindo padeiro, Agência Marineri e o famoso O casamento do

palhaço, que, durante toda a temporada era dado ao palhaço o direito de

participar de comédias, de fazer chanchadas, segunda entrada, esquetes,

cortinas prontas... (...) durante a temporada foi-se fazendo aquele

marketing de divulgação anunciando: brevemente O casamento do

palhaço Picoly, ou do palhaço Picolino ou do palhaço Biribinha. E...

vão preparando aí os presentes, minha gente, e vão preparando as

cartinhas para adivinhar qual das atrizes desse evento é a noiva do

palhaço e ganhará um grande prêmio. Nesse dia, fazíamos um desfile de

rua com carroças, banda, fogos, o público da cidade também

acompanhava e à noite eram os mais de vinte presentes: chupeta,

penico, que levavam para aqueles palhaços.

A peça A casa mal-assombrada, por exemplo, embora empregue os tipos fixos,

pode ser tomada como uma extensão da entrada clássica “O caveirão”. O excêntrico

conta vantagens ao clown sobre a sua valentia. Inventa que enfrentou um enorme

contingente de bandidos, que caçou leões e ursos. Até que entra em cena o caveirão,

assombração que avança em passos sinistros e se aproxima do clown que, ao vê-lo, sai

correndo assustado. O excêntrico continua desfiando suas histórias de valentia e não

percebe que o clown foi substituído pelo caveirão. Apoia-se em seu ombro, coloca as

pernas nos seus joelhos, abraça-o. E, incrivelmente não percebe que se trata da

assombração. A situação se prolonga por minutos até que, de repente, o palhaço percebe

126

As encenações sem o uso da fala foram trazidas pelas companhias europeias e predominaram nos

circos até a década de 1910, quando o circo-teatro se firmou como principal expressão cênica circense. 127

Testemunho dado durante o evento “Diálogo: O palhaço no circo-teatro”, ocorrido no Centro de

Memória do Circo em parceria com a ECA/USP em 28 de novembro de 2011, que contou também com a

presença dos palhaços Picoly (Benedito Sbano) e Picolino (Roger Avanzi).

90

que não é mais o amigo quem ouve suas histórias. Disfarça, se retira, vira de costas e vai

saindo de fininho da cena, como se acreditasse ser somente uma visão. Ao dar meia

volta não vê mais o caveirão, que o seguiu em todo o trajeto e, portanto, se encontra às

suas costas. Vendo-se sozinho, volta a contar vantagens até que, virando-se mais uma

vez, dá de cara com o monstro. Grita e sai correndo. Ou seja, o grande recurso da

entrada é o adiamento do susto, mesmo ante os apelos da assistência que grita e aponta

o caveirão.

No combinado, também chamado O esqueleto, esse recurso é levado ao extremo.

O velho decide contratar um guarda-livros e a filha indica o namorado oculto. Este é

admitido mas o criado (o excêntrico) percebe a situação e conta ao velho, que expulsa o

namorado da casa. Nesse instante, este roga uma maldição, dizendo que dali por diante

aquela casa será mal-assombrada. É a senha que usa para a plateia saber que é ele quem

apronta truques diversos para que coisas estranhas aconteçam na casa: velas apagam,

objetos se movem, o tampo da mesa desaparece. O velho acaba matando o rapaz

acidentalmente e este retorna, desta vez como assombração de fato, ou seja, como o

caveirão (ou o esqueleto). Daí por diante a situação do susto adiado é estendida ao

máximo, terminando com a costumeira correria de todo o elenco.

O ritmo da encenação dos combinados, assim como das entradas, é ligeiramente

acelerado, o que empresta um sentido de urgência que contribui para prolongar o efeito

do susto retardado. O esqueleto geralmente é apresentada nas matinês, para um público

eminentemente infantil.

Outra peça clássica no estilo de combinado é O morto que não morreu. A versão

que se encontra no Arquivo Miroel Silveira é creditada a Anchyses Pinto, o Faísca,

irmão de Piolin. A história começa com um morto na sala e, à sua volta, a mulher, que

acaba de se tornar viúva, seu amante e um médico, que atesta a morte do defunto. Está

armada a situação, pois os amantes tramam ficar com o dinheiro do morto. Mas eis que

surge o criado, o próprio Faísca, que faz a intermediação com a funerária para que se

enterre o morto. E não é que o morto se levanta com uma baita ressaca? Acorda e

percebe o golpe. Decide continuar morto, assumindo a farsa. Ouve a trama dos amantes,

revela-se a Faísca e, ao fim, desmascara a trama, expulsando todos de casa.

Uma estrutura dramática tão simples e previsível, com a característica de que usa

de um dos temas recorrentes dos combinados: a morte. É comum o recurso de se criar

graça a partir de temas temidos, ou seja, fazer rir com aquilo que se teme. Como se o

riso fosse um antídoto para as angústias humanas naquela virada de século. Georges

91

Bataille escreve: “só o humor responde todas as vezes à questão suprema sobre a vida

humana”.128

Assim, ele se torna uma espécie de defesa coletiva.

Outro combinado clássico aparece com diversos nomes: Doutor Franz, Doutor

Redondo, Doutor Mão Santa ou, ainda Morres ou não? Mais uma vez a cena se abre

com dois carregadores trazendo um morto para as pesquisas de um médico. O assistente

recebe-o e, em poucos minutos este desperta, revelando-se um antigo amigo.

Conversando com o assistente se entusiasma com a profissão de médico e decide

atender os pacientes que vão chegando. O primeiro é um moço com dores de estômago.

Depois entra uma senhora enfastiada. Por fim entra um louco que reconhece nos dois

em cena seu pai e sua mãe. Por estar armado, submete a dupla às suas ameaças, mas os

dois conseguem desarmá-lo e fazê-lo desmaiar. Só que chega o verdadeiro médico, que

assume seu posto, tendo dois defuntos à sua disposição: o louco e o palhaço. A peça se

encerra com novo confronto com o louco e o médico descobrindo que não tem mais

defuntos para suas pesquisas. Com um enredo um pouco menos simplista, tem estrutura

similar à entrada por encadear personagens que a princípio caem na farsa até que o

farsante é desmascarado por levar a sério demais a sua farsa. Nos dois exemplos a morte

é o tema da situação, o enredo é econômico, lembra muito a estrutura da entrada e,

principalmente, há clara contaminação do gênero teatral, especialmente pela farsa e pela

presença dos tipos fixos. Por isso o combinado tem o caráter de proto-comédia, ou seja,

começa a formalizar o que será mais tarde a comédia de picadeiro. Esta, por sua vez,

fixa a presença dos tipos e o recurso da farsa.

3.2.2 A comédia

A tradição cômica popular teria sido inaugurada, segundo Vilma Arêas, por

Martins Pena, que formaliza a comédia de costumes numa época em que prevaleciam os

entremezes importados de Portugal.

Estes eram pequenas peças como um ato variado, com piadas, músicas,

dança e uma linha de ação, com todos esses desvios, meio descosida. Os

enredos se baseavam na comédia nova: dificuldades de amantes para se

casarem, opondo-se aos velhos e ajudados por criados espertos. Mas

também utilizavam-se do teatro popular de improvisação, com suas

máscaras ou tipos fixos.129

128

MINOIS, George. Op. cit., p. 558. 129

ARÊAS, Vilma. Iniciação à comédia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990, p. 83.

92

São essas as características dramáticas da comédia de picadeiro que, juntamente

com o melodrama e o drama sacro, formam os três gêneros fundadores dessa expressão

cênica popular, o circo-teatro. Obviamente que ele, com seu hibridismo característico,

promove a mistura desses gêneros de modo a serem identificados elementos de um e

outro na expressão de cada um deles. Mesmo um drama com temática grave, com cenas

de violência e movido por vinganças e ódios, terá seu momento de comédia, o que pode

ocorrer até no drama sacro.

Há um entrecho comum às comédias de picadeiro: pai e mãe preparam o

casamento da filha. Em geral há irmãos ou irmãs, além de um personagem externo à

família, que está prestes a chegar e que geralmente é um pretendente a quem a filha

ama, embora se prepare para casar com outro. Não há vilões ou cínicos, como nos

melodramas circenses. No máximo pode haver um parente aproveitador. Há sempre a

criada, pronta para fazer graça com os patrões (personagem, aliás, emblemático na

dramaturgia brasileira, merecedora de um estudo mais aprofundado). No circo-teatro é o

papel da baixa cômica. Ao seu lado poder atuar o excêntrico (alto cômico), que também

pode ser o pretendente, um parente que chega sem avisar, ou alguém de fora que vem

para revolucionar a rotina da casa. Se o pretendente da mocinha tem um amigo, ele pode

acabar com a criada ou com uma irmã mais nova da ingênua. Há, na maior parte das

vezes, troca de papéis, de identidades. Há também sempre simulações para se tirar

proveito da situação. Aquele que quer se aproveitar é sempre desmascarado no final. No

caso do personagem do excêntrico, este pode sair na melhor ou ter tudo perdido ao final,

pois ele é o coringa e o que vale é subverter a ordem com sua lógica atravessada.

O papel de criado desempenhado pelo excêntrico traz ainda traços da

personalidade do bobo, tão caro ao melodrama clássico. Ao analisar esse personagem

secundário, Ivete Huppes destaca: “(...) o falar tosco, os modos frequentemente

atrapalhados, os ardis canhestros etc., fazem dele um aliado simpático, mas não raro

inconveniente pelos desastres que é capaz de protagonizar”.130

Enfim, sua persona é,

nesse ponto, bem similar à do excêntrico: “Ela [a personagem] está longe de

compreender ou talvez de concordar com a necessidade de repressão dos impulsos por

que o comportamento cortesão é pautado.”131

Assim, sua ação impulsiva não mede os

efeitos: pode tanto contribuir para o bom desenlace como apenas desatar situações cujas

consequências serão as mais desastrosas.

130

HUPPES, Ivete. Melodrama. O gênero e sua permanência. Ateliê Editorial, Cotia, 2000, p.87. 131

Idem, p. 90.

93

Se no melodrama a sua graça é para desfazer a tensão da perseguição do cínico

aos ingênuos (galã e mocinha), na comédia este personagem assume a direção da ação,

pois depende de seu estranhamento a chave da trama, acabando ele bem ou mal, pois

não existe a necessidade de a virtude triunfar, como ocorre no melodrama. Aliás, na

comédia, o palhaço, ao entrar em cena, rouba o fio da história de modo a colocar os

demais personagens gravitando ao seu redor.

O papel de desatar ações desastrosas acaba, assim, ficando a cargo do baixo

cômico, enquanto o alto cômico age para construir, a partir de sua lógica própria, a

solução da ação, por mais absurda que seja. Como aponta Chumbinho:

Tem o cômico e o baixo cômico. O cômico é o que é responsável por

tudo, desde o começo da peça até o final. O baixo cômico é aquele que,

por exemplo... é o empregado. Tem dois empregados, o alto cômico e o

baixo. O baixo é aquele que vai só pra estragar tudo. É o que deda os

outros, cagueta, esconde as coisas dos outros, é a parte cômica dele. Ele

não usa muito a pintura no rosto porque é baixo cômico.

O alto cômico usa sempre a pintura, pois tem que ser identificado como o

elemento principal da comédia. Em geral o baixo cômico é desempenhado pelo dupla do

excêntrico (clown ou não). E, muitas vezes, há confronto direto entre os dois, assim

como ocorre na entrada.

A estrutura fixa de tipos e o desempenho do palhaço, muito similar à forma com

que atua na entrada – improvisação sem sair do tema, aqui empregando mais uma vez a

metáfora musical – é que dá a sensação de um repertório repetitivo, como assinalou

Miroel Silveira em sua análise. De fato, a mera leitura – deslocada da encenação –

esvazia a qualidade da comédia de picadeiro, que depende muito da performance do

palhaço, que dela extrai o exercício do humor grotesco e contemporâneo.

A tirar pelo depoimento do ator e diretor José Miziara, dado à Revista Zingu,

publicação virtual, o fazer da comédia de Piolin se apoiava mais fortemente nessa

estrutura de tipos fixos do que no texto propriamente dito:

Minha carreira é curiosa. Estava no colégio primário Piratininga. (...)

Começamos a ensaiar A Ceia dos Cardeais. Descobrimos que A Ceia

dos Cardeais só dava meio espetáculo, e aí resolvemos também fazer

As Máscaras, de Menotti Del Picchia. Aliamos as duas. (...) No

intervalo, entre uma e outra, entrou no meu camarim um senhor que

chegou para mim e disse: “Você quer trabalhar profissionalmente?

Gostei muito do seu trabalho”. Disse: “Eu quero, essa é a minha

carreira, é o que quero seguir.” “Muito prazer, meu nome é Abelardo

94

Pinto. Dá um pulo no Circo Piolin”. (...) Aí eu fui trabalhar no circo, era

uma peça por semana. “Me dá o script”, pedi. “Não tem script”. “Como

não tem script?! Não dão a peça para a gente decorar?”. “Não, quer ver

como é?” O ponto sentava aqui, só ele tinha a peça. Dizia: “Entra pela

2”. É aquela marcação antiga de teatro, a 1, a 2, a 3, o proscênio, vai

para o fundo… Aí comecei a fazer uma peça por semana. Ela começava

com 40 minutos, quando estreava na terça, e quando chegava no sábado,

já estava com 1h15 – de tanto que as pessoas colocavam caco em cima.

Tem uma passagem muita engraçada com o Piolin. Era uma peça em

que tinha que roubar algumas cartas de uma atriz portuguesa, que

trabalhava lá junto com a gente. Eu tinha que fingir ser noivo dela e o

Piolin em cena colocou um caco lá: “Você sabe quantos anos ela tem?”

Eu tinha que dizer “Não, não sei”, e ele dizia “30”. Aí eu, babaca, sem

experiência, disse “Em cada perna?”. Ao que ele respondeu: “Quem é o

palhaço aqui, eu ou você?”132

É importante ponderar que essa postura de Piolin não o alinha com os grandes

atores de seu período, como Leopoldo Fróes, por exemplo, cuja companhia era montada

para apoiá-lo como estrela de suas encenações, de modo que muitas vezes ele nem se

atinha ao texto, função reservada somente aos demais atores, enquanto ele usava sua

atuação para desenvolver improvisos que caracterizassem sua atuação. Ao contrário, a

disciplina de Piolin ao dirigir os atores era diametralmente oposta à sua capacidade de

improvisar no picadeiro. Conta Chumbinho:

Ele ensaiava. E lá também tinha horário. Das nove ao meio dia, só os

números. Das duas da tarde às cinco, só os dramas. E tinha outra coisa

também. A disciplina dele era tanta que se eu fosse contratado lá e eu

passasse beirando a cortina e saísse pela frente do circo... “Tá aqui o seu

dinheiro, obrigado, vai com Deus”. Circo se dá a volta. Eu já tinha

aquela disciplina porque no Circo-Teatro Igor eu aprendi tudo isso.

Nunca se passar pela cortina, nem passar no picadeiro, que é palco de

respeito; e nunca se sentar de costas pra cortina, você tinha que sentar

de frente.

Portanto se trata mais de uma forma de exercer a disciplina do que requisitar

para si a centralidade cênica, embora ela seja característica da comédia de picadeiro. Na

análise do seu repertório, nos próximos capítulos, tais pontos serão melhor analisados.

3.2.3 A alta comédia

O terceiro subgênero da comédia circense é a comédia de costumes, cuja

tradição dentro da dramaturgia brasileira a coloca numa posição fundadora, pois,

132

Disponível em <http://www.revistazingu.net/2011/01/entrevista-jose-miziara>, consultado em 15 de

novembro de 2011.

95

conforme aponta Vilma Arêas, foi o tipo de comicidade que manteve a vitalidade dada

inicialmente por Martins Pena. A história teatral anterior ao século XX mostra uma

alternância de surtos criativos que não conseguem inaugurar uma tradição dramática.

Entre um e outro arroubo, “voltamos ao início, à comediazinha de costumes, a exemplo

de Martins Pena”.133

Este promoveu a evolução dos entremezes a partir da leitura de

Molière, de modo que essa tradição da comédia irá avançar em França Júnior e Artur

Azevedo. Muito embora Décio de Almeida Prado acredite que “nem [Joaquim Manuel

de] Macedo nem França Junior foram muito além do que traçara Martins Pena, com

maior carga de inventividade”.134

Mesmo com a enxurrada do teatro musicado no Rio

de Janeiro no final do século XIX e início do XX, a comédia foi resgatada pelo Teatro

Trianon como resposta para desenvolver um espetáculo “de família”. Iniciado por

Leopoldo Fróes em 1915, o Trianon tomou outros rumos no ano seguinte, recebendo

diversas companhias com seus repertórios próprios de comédias, com características

similares: leveza, rapidez, e enredo envolvendo amores proibidos, ascensão social,

acertos escusos, diálogos carregados de ironia. Daí para o picadeiro foi um pulo. Mas

antes passava por certo ajuste, como descreve o palhaço Picolino II (Roger Avanzi):

Nós fazíamos também (...) altas comédias, além das chanchadas,

usávamos aquelas comédias do teatro, as finas comédias do teatro

nacional. Grandes companhias levavam essas comédias. Os autores

eram Paulo Magalhães e outros. O circo aproveitava essas comédias. O

nosso, por exemplo, aproveitou. Transformávamos essas comédias em

chanchadas. (...) Mas vamos ver a alta comédia do Paulo Magalhães que

nós adaptamos para o circo. É uma comédia muito fina e chama-se

Chica Boa. Quando nós montamos essa comédia e vimos Chica Boa...

Essa comédia não vai atrair público! Vamos mudar o nome! Que nome

vamos botar? Na comédia tinha a velha, que mandava em todo mundo,

obrigava os artistas da comédia a se vestirem de preto, todos de preto.

Os homens e as mulheres também. Mania de gente velha. Então vamos

botar um nome para trazer público. Passou a se chamar O solar dos

urubus. Aí fomos lá pro Nordeste e aconteceu uma coisa engraçada. A

gente achava graça. Muita gente, quando anunciava O solar dos urubus,

as pessoas de baixa renda, mais pobres, vinham comentar com a gente e

aproveitavam e perguntavam: “O que é um solar? O que quer dizer

solar?” E agora? Tinha que explicar que era um casarão, um prédio,

uma coisa muito grande, bonita, era um solar. “Ah, é isso, é?” Então,

nós vimos que não dava certo Solar dos urubus. Então mudamos,

tiramos o solar e ficou Picolino na casa dos urubus. Aí deu pra entrar o

Picolino também.

133

ARÊAS, Vilma. Op. cit., p. 84. 134

PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro, Edusp, São Paulo, 1999, p. 138.

96

Portanto, como testemunha o excêntrico, o texto é mais elaborado, pois provém

de um repertório autoral e consagrado, mas o trato do texto segue a tradição circense, ou

seja, adapta-se, improvisa-se, recria-se.

A temporada cumprida por Piolin no Teatro Boa Vista em 1931, na companhia

de Tom Bill, algumas dessas comédias de costumes foram incluídas no repertório, com

muito sucesso de público, conforme indica a cobertura jornalística da época: O

simpático Jeremias e O café do Felisberto (ambas de Gastão Tojeiro) e Aventuras de

um rapaz feio (Paulo Magalhães).

Muitas dessas peças acabaram se tornando clássicas no repertório de circo-

teatro, a ponto de, muitas vezes, serem confundidas com a comédia de picadeiro –

devido às apropriações e improvisações – e serem listadas pelos circenses como

inevitáveis numa temporada: Feia, de Paulo Magalhães; Maria Cachucha, de Joracy

Camargo, e Feitiço, de Oduvaldo Vianna, além das já mencionadas por Picolino.

Definido o gênero, os capítulos seguinte se dedicarão a analisar o repertório de

Abelardo Pinto Piolin nas fases de sua carreira: no Circo Alcebíades, especialmente

quando propõe, apoiado pelos intelectuais modernistas, um texto renovado, Do Brasil

ao Far-West; na temporada no Teatro Boa Vista em 1931; e, enfim, num estudo mais

aprofundado, as comédias encenadas entre 1933 e 1960 no Circo Piolin.

97

4. Piolin em cena

Suzana Amaral: Piolin, você mesmo escrevia as peças que representava?

Piolin: Algumas. Muitas eu aproveitava, eu fazia arranjos, diminuía ou aumentava,

o que era preciso fazer. Fazer adaptação para o circo eu fazia.

Depoimento de Piolin ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo,

concedido em 27 de maio de 1971

4.2 Antecedentes: a fase “áurea” (Circos Queirolo e Alcebíades)

Depois que eu estava grande, o Circo Queirolo ficou

armado ali no largo Paissandu, e eu, chegava domingo, todo mundo

tá procurando passeio, eu me vestia e ia pro circo.

O Piolim faz pouco tempo que morreu, ele foi do Circo Queirolo,

era o mais novo dos seis irmãos, foi o último que morreu.

Dona Risoleta135

A estreia do Circo Queirolo no Largo do Paissandu, em maio de 1923, já trazia

em seu elenco de palhaços o iniciante Piolin, ao lado dos irmãos Harris (Julian

Queirolo) e Chic Chic (Otelo Queirolo). Naquele mesmo ano a companhia havia

passado pelo Largo da Memória, no centro (6 de janeiro), pelo Teatro Braz Politheama,

no Brás (9 de março) e, na sequência, pela rua Vergueiro. A transferência para o Largo

do Paissandu se dá em 21 de maio, inaugurando uma temporada que se estenderia por

mais de dois anos, encerrada em novembro de 1925. Chicharrão, que havia se

desentendido com os irmãos, havia partido em temporada no Rio de Janeiro ao que foi

substituído por Piolin, com seu tipo reformulado – praticamente uma cópia do famoso

palhaço dos Queirolo, com chapéu coco, nariz vermelho, colarinho enorme, assim como

os sapatos e a bengala – conquistando o público com sua grande performance física e

com sua voz. Chicharrão volta a São Paulo somente em 1924, em circo com seu nome,

que se instala no Brás, na rua Piratininga, esquina com Rangel Pestana.

No ano seguinte, quando o Circo Queirolo se despede do Largo do Paissandu,

Piolin se transfere para o Circo Alcebíades. Com isso, os irmãos Queirolo voltam a se

135

BOSI, Ecléa. Op. cit., p. 374. Uma das fontes da pesquisadora se lembrava bem do tempo em que o

circo foi referência no largo do Paissandu, mas confundiu Piolin como sendo da família Queirolo. Os seis

irmãos Queirolo eram: Ricardo, Alcides, José Carlos (Chicharrão), Julian (Harris), Otelo (Chic Chic) e

Francisco. Adquiriram a lona do Circo Spinelli em 1917 e, em 1923, estrearam em São Paulo.

98

reunir. Ao se instalar na avenida São João, em janeiro de 1925 o anúncio indica: circo

“ao qual voltou o apreciado cômico Chicharrão”.136

A trupe de palhaços da companhia,

além dos três irmãos Chic Chic, Harris e Chicharrão, é reforçada com Tampinha,

Pololito, Lapena e Perrys. A farsa final que caracterizou o espetáculo na fase com Piolin

também é mantida, estreando na ocasião a peça Instituto Electrotherapico.

O repertório de peças encenadas por Piolin no Queirolo naqueles dois anos de

sucesso de público incluiu diversas farsas clássicas. Muitas delas permanecerão por

anos em suas apresentações, entre elas O morto que não morreu e O casamento de um

cadáver, ambas testemunhadas e mencionadas por Yan de Almeida Prado em seus

artigos reunidos no livro Circo de Cavalinhos. Aliás, o intelectual, que também fala da

farsa O pugilista, ressalta que naqueles anos 1920 dois barracões faziam a alegria do

povo paulistano: o dos Queirolo e o de Alcebíades. Curiosamente, a certa altura, eram

quase vizinhos. A princípio o Queirolo ocupava o Largo do Paissandu; quando deixou o

local foi para a Avenida São João. Em seu lugar, instalou-se, em 16 de novembro de

1925, o Circo Alcebíades.

Naquele ano a fama do trio de palhaços Chicharrão, Harris e Piolin (então entre

o Queirolo e o Alcebíades) era tanta que, para ajudar a arrecadar fundos para a

Federação Circense mandaram imprimir cartões postais com fotos impressas – tanto

caracterizados como sem a máscara – para serem vendidos aos fãs. O interessante é que

as fotos de Piolin apareceram sob a inscrição: “O cômico preferido da elite paulista”.

A inovação de Piolin na sua passagem pelo Circo Queirolo foi a fixação do seu

tipo, fazendo frente ao grande palhaço do período, que era Chicharrão. Mário de

Andrade nota que o palhaço faz grande inovação na dramaturgia circense ao estrear a

farsa Do Brasil ao Far-West. Registra uma complexa análise na revista modernista

Terra Roxa e Outras Terras sob o pseudônimo Pau d´Alho em fevereiro de 1926 – a

temporada de Piolin no Queirolo se encerra em novembro de 1925. Portanto, a análise

do intelectual modernista se refere a uma encenação feita já no Circo Alcebíades. No

texto Mário diz: “A última peça representada por Piolin, mestre do Cômico, é sem

dúvida uma das mais interessantes obras dramáticas dos últimos tempos brasileiros”137

.

Embora não haja controvérsia com relação ao fato de ter sido apresentada no

Alcebíades, há reminiscências registradas por Ankito, sobrinho de Piolin, filho de

136

Folha da Noite, 29 de janeiro de 1924. 137

ANDRADE, Mário. Do Brasil ao Far-West, Mário de Andrade (Pau d´alho), Terra Roxa e outras

terras, 27 de fevereiro de 1926, Ano I, no. 3.

99

Anchyses Pinto, o palhaço Faísca, que datam a estreia no Circo Queirolo: “Era a estreia

do drama Do Brasil ao Faroeste. Anchizes representava o mocinho e Zina, a mocinha.

Chicharrão, um dos Queirolos, vestiu o menino, agora com 4 anos, de caubói e o

colocou em cena. Imaginem a surpresa e a emoção dos pais ao verem o menino em

cena, todo imponente. A surpresa foi geral.”138

Há várias incongruências nessa informação. Ankito nasceu em 26 de novembro

de 1924. Se o fato se deu quando tinha quatro anos, ele ocorreu entre 1928 e 1929,

portanto quando Piolin não fazia mais parte da trupe dos Queirolo. Se a peça estreou em

1926, o que parece mais provável, então foi antes das lembranças do adorável Ankito.

Desmontada a lona dos Queirolo, no mesmo mês e no mesmo local se ergue o

Circo Alcebíades, que estreia em 16 de novembro de 1925. Pouco mais de um mês

depois, a companhia programa uma função dedicada à imprensa, sob o pretexto de que

se estaria inaugurando a lona impermeável do circo. Em 23 de dezembro, publica a

Folha da Noite:

Conforme estava anunciado, foi inaugurado ontem, neste circo do Largo

do Paissandu, o pano de lona impermeável que o cobre inteiramente,

resguardando assim das chuvas e dos ventos fortes os espectadores.

Para essa inauguração organizou-se interessante programa, sendo a

função dedicada à imprensa paulistana. Além dos diversos e apreciados

números de variedades, apresentaram-se os cômicos Alcebíades e

Piolin. Este último divertiu a assistência, que era numerosa, com as suas

irresistíveis graças, especialmente na pantomima “Piolin, campeão de

Box”. Para esta noite anuncia-se espetáculo novo.139

No artigo de Mário, ele defende um primitivismo genuíno que, a seu ver, está

presente na pantomima e na revista, cujos autores “criam por isso sem leis nem

tradições importadas, criam movidos pelas necessidades artísticas do momento e do

gênero, pelo interesse de agradar e pelas determinações inconscientes da própria

personalidade.”140

Assim, nascem da “lógica do absurdo”, guarda-chuva que abriga

tanto Piolin quanto os Nibelungos ou Dom Quixote. Essa lógica é exercida pelo cômico

“antirealista e agradável”, tal e qual Piolin. A partir daí Mário começa a desenhar uma

teoria da sub-literatura:

138

PINTO, Denise Casais Lima. Ankito, minha vida... meus humores. Funarte, Rio de Janeiro, 2008, p.

24. 139

Folha da Noite, 23 de dezembro de 1925. 140

ANDRADE, Mário. Op. cit..

100

Porém a substância sub-literária da pantomima de Piolin tem um

condimento principal inda mais importante que ela e que a sublima e

estetiza. No fundo obras tais como a Divina Comédia, as peças de

Moliére ou o primeiro Fausto são sub-literatura, pois que os caracteres

psicológicos têm unidade moral absoluta e se pratica a justiça

premiando os bons e castigando os maus. Porém a concepção elevada, a

simbologia universal, a validade artística e a realização sublime

destroem, ou melhor subtilizam o fundo sub-literário dessas obras

primas. Fundo em última análise inexistente, pois que despercebido ou

esquecido.141

Depois de introduzir Piolin, chega-se à farsa: Do Brasil ao Far-West. Nela há a

clara dicotomia entre o bem o mal, mas o bem é cômico e a história guia-se pela “lógica

do absurdo”. Há mais de uma década ainda distante da publicação de seu Macunaíma –

que estrearia em 1938 – Mário vê no herói da farsa o traço do “maricas e ridículo”.

“Estou convencido que essa precisão do ridículo risível é que salva da perdição esse

gênero das pantomimas de Piolin. Valores e excelências puramente ocasionais, me

parece…”142

O herói sem caráter? Nesse sentido, Piolin é o autor indiferente, usa de

uma notável “desatenção estética” que, parece, é a essência do criador cômico, seja ele

Piolin ou Chaplin.

Mas do que trata a peça Do Brasil ao Far-West? Por mais óbvio que possa

parecer, o título desfia a ação, que começa num cabaret em São Paulo e termina sob as

balas do legítimo faroeste de cinema, com bandidos caricatos, mocinhas raptadas e

confrontos de saloon. Piolin é garçom do cabaret onde Armando e Alberto se divertem,

o primeiro fugindo de uma antiga amante, a Hespanhola, e o segundo tentando seduzir

Lúcia, que é o amor mal resolvido de Piolin. Desse quarteto se ocupa o primeiro ato. A

divisão da peça em dois atos, que funciona para separar as ações em São Paulo e em San

Francisco, incomoda Mário de Andrade, que vê nisso sinais de contaminação da

chanchada pela comédia tradicional. Sabe-se que Piolin é fanfarrão, que dispõe da

proteção do tio milionário que o quer casado com uma prima, Cleonice, mas renega

tudo pela paixão por Lucia. Mas não é que no fim do ato ele recebe a notícia de que o

tio morreu e ele é beneficiário de sua herança, passando de garçom a milionário! Mas há

uma condição para que desfrute da fortuna: que se case com Cleonice. A decepção de

ver Lucia num cabaret com outro homem o faz decidir pela prima. No entanto, um fato

inusitado dificulta o casamento, que deve acontecer em prazo determinado: ela foi

raptada e levada a San Francisco. Até aqui a estrutura dramatúrgica replica a tradicional

141

Idem. 142

Ibidem.

101

comédia de situação. A grande inovação é a apropriação que Piolin faz do gênero

cinematográfico no segundo ato, “a mistura saborosa do elemento nacional e do

estrangeiro”, como pontua Mário.

A cena irrompe o segundo ato num saloon repleto de tipos durões, como os

bandidos Jack e Carter, que discutem que destino darão a Cleonice. Sabem da herança e

forjam papéis para que Carter se case com ela e tenha o dinheiro. Mais bandidos entram:

Crigton, Jim e William. Até que chega Piolin maldizendo o cavalo e topando com os

durões, que treinam a pontaria estilhaçando garrafas. No confronto final, abandonam-se

as armas (“Aqui briga-se a mão limpa”) e a situação é resolvida na briga aberta em

pleno picadeiro, onde sobra tempo até para que, entre socos, Piolin e Cleonice se casem.

A interferência de um elemento menos nacional e mais grotesco, no internacional

contemporâneo – e há aí uma temporalidade estranha, pois não se trata do tempo do far-

west, mas o tempo do faroeste de cinema, que é o presente – é que faz a graça da peça.

Sua “invenção estupenda”, como define Mário, se dá, pela primeira vez e pelas

condições que a matriz cultural circense proporciona, na hibridização de um gênero

teatral predominantemente circense, que é a farsa, com o discurso do cinema naquilo

que ele tem de mais específico em seu estrangeirismo, que é a saga dos homens sem lei

no Oeste americano. É nisso que Piolin, usando a pantomima que lhe é peculiar e que o

torna reconhecível, atravessa a cena estranha, usando seu próprio estranhamento para

interpretá-la. Há sim o elemento nacional, mas o que o caracteriza é o grotesco de seu

humor de palhaço.

Essa mise-en-scène não envolvia somente Piolin, mas todo o elenco, que se via

na missão de encarnar os tipos de cinema com verossimilhança suficiente para garantir

o riso da plateia. Continuando a descrição biográfica de Ankito sobre sua participação

na peça aos quatro anos, ainda com o apelido de Tito:

Exatamente no momento da peça em que o Deodato (que representava o

bandido) fazia um gracejo para a mocinha, e o mocinho começaria uma

briga, Tito entrou em cena. O elenco ficou tão surpreso que a cena ficou

parada, e o que foi pior... Tito conhecia a peça, pois assistira aos

ensaios, e sabia que o “bandido” daria um tiro no mocinho. O menino

não perdeu tempo, apontou o dedinho indicador para o “bandido” e

disse:

– Seu Deodato, não dá tiro aqui, não, porque eu tenho medo, viu?143

143

PINTO, Denise Casais Lima. Op. cit., p. 24.

102

Mário de Andrade escreve sobre Piolin em 1926, ano em que os modernistas o

descobrem no Circo Alcebíades por indicação do poeta franco-suíço Blaise Cendrars.

Não é o primeiro a escrever sobre o palhaço, “rei do passo do urubu malandro e príncipe

da pagodeira”, na definição de Alcântara Machado, que teria se antecipado e levado a

sério a indicação de Cendrars, inclusive escrevendo sobre o excêntrico na mesma Terra

Roxa e Outras Terras. A consagração de Piolin parece atingir seu ápice – entre os

intelectuais modernistas talvez este ocorra somente em 27 de março de 1929, quando

promovem o Banquete Antropofágico em homenagem ao palhaço no salão de chá do

Mappin Stores – com circenses e, principalmente, o público enaltecendo suas

performances e reconhecendo suas criações cênicas. O Boletim Mensal da Federação

Circense, em seu número 24, de 30 de abril de 1927, na seção “O que dizem de nós”,

reproduz um artigo assinado por Brasil Gerson e publicado no Diário da Noite (14 de

abril de 1927). Ele contesta um jornal de imigrantes italianos por empregar, de forma

pejorativa, o nome “Piolin” para se referir ao diretor Arthur Trippa, de outro jornal

concorrente, o Piccolo. Na defesa do excêntrico, Brasil Gerson salienta:

Lembro-me de ter sido o primeiro a dizer num jornal de importância,

que o teatro nacional tem três grandes nomes que deveriam ser

mundiais: Fróes, Procópio, Piolin. Hoje é uma verdade aceita por todos.

E Piolin deixou de ser o palhaço banal de circo de cavalinhos, palhaço

no sentido usual da palavra, para ser uma glória deste nosso teatrinho

tão pequeno e tão incipiente. (...) Piolin não tem mestre nem escritores

que lhe forneçam repertórios. Escreve suas peças, e suas peças têm um

sabor curioso de modernismo, dentro de uma finíssima ironia que não

há, positivamente, na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais... O seu

teatro é um teatro sem convenção. Vive da simplicidade, da ingenuidade

e por isso tem um sabor delicioso que os outros não têm.144

Embora a deferência do jornalista que assina o artigo seja clara, ao recuperar os

anúncios publicados no jornal O Estado de S. Paulo com a programação do Circo

Alcebíades, em 1929 Circo Piolin-Alcebíades, o repertório que se encontra é o

tradicional. Além de Do Brasil ao Far-West, que estreou em 1927, aparecem: Piolin,

campeão de futebol; Piolin pugilista, Reservista Ventura, Casamento de um cadáver, O

embaixador, As duas Angélicas, Dr. Franz, O sete nomes, O morto que não morreu,

Marquês à força, Piolin aviador, As proezas de Lampião, O lobo da aldeia, O

casamento do Pindoba e, como não poderia deixar de faltar, o drama religioso O mártir

144

Boletim Mensal da Federação Circense, no. 24, 30 de abril de 1927.

103

do Calvário.145

Um repertório clássico de combinados e comédias consagrado por

diversos circos e que Piolin continuaria encenado nos anos seguintes em pelo menos

duas ocasiões: na temporada que cumpriu no Teatro Boa Vista, em 1931, confirmando

boatos que já circulavam naquele 1929, e no Circo Piolin, que fundaria em 1933 com o

apoio do pai, Galdino Pinto.

O ano de 1928 parece fazer ecoar o nome de Piolin pela cidade, especialmente

na imprensa. Três exemplos de referência. Logo no início do ano, a Folha da Noite

publica artigo que critica a atuação da Câmara com a frase: “Está triunfante o estilo

esculhambativo!” O autor acusa o colegiado de perder a compostura, de modo que

passará a promover espetáculos humorísticos: “...impor-se à consideração pública pelo

processo Chicharrão, Tony, Piolin e outros ilustres representantes das massas

populares”.

Em junho, Antonio P. Nunes escreve no mesmo jornal sobre os anistiados do

levante de 1924 e afirma que os defensores da anistia se vestem com figurinos que “não

se ajustam a eles, usando às vezes um colarinho que mais parece o do Piolin”. E, em

dezembro, publica uma crônica sobre um suicida que deixou bilhete mas desapareceu

em vez de se matar. Um desfecho que, segundo o cronista compara-se a uma cena

protagonizada por Charles Chaplin, ou “uma pachuchada do Piolin”.

Logo em seguida, em dezembro, é que se publica a reportagem na seção Ribaltas

e Projecções, já mencionada e analisada. Nela, os repórteres se referem ao palhaço

como um “homem rico”, condição atribuída ao seu sucesso no picadeiro.

O fim da temporada do Circo Alcebíades no Paissandu, em dezembro de 1929,

leva Piolin ao novo endereço, na avenida São João, nº. 102, que já abrigara o Circo

Irmãos Queirolo146

.

Um incêndio consome a lona em 1931, quando já não tinha mais Piolin no cartaz

e se dedicava a sediar lutas de boxes, jiu-jitsu, luta livre, etc., além das comédias da

Companhia de Revista e Burletas Teatro Popular, que tem como atração os atores Otília

Amorim e Juvenal Fontes e estreia com a revista São Paulo Futuro, de Danton Vampré.

A edição de 29 de setembro de 1931 da Folha da Noite noticia:

145

Assinala o anúncio publicado em 26 de março de 1929 no jornal O Estado de S. Paulo: “É a primazia

inarrebatável do elenco alcibiano: guarda-roupa a rigor, música própria, tudo de acordo com a época.

Personagens: Jesus Cristo, Julio Ozon; Virgem, D. Esther Pereira; Judas, Rubens Mira; Pilatos,

Alcebíades; Caifás, Nicolau; Anaz, Julio Ribeiro; (...) Madelena, Ondina Pereira; (...) São João, C.

Seyssel (...)” Toda a trupe participava da montagem, à exceção de Piolin. 146

Lá permaneceu de novembro de 1925 a setembro de 1926, quando então se transfere à avenida Duque

de Caxias.

104

Incendiou-se o pavilhão do Circo Alcebíades

Cerca de 14 horas de hoje, foi dado o alarme para o Quartel Central do

Bombeiro, de um incêndio na avenida São João.

Imediatamente correu ao local a guarnição de prontidão, com o

respectivo material.

Ali chegando, foi verificado que o Circo Alcebíades, antigo Queirolo,

estava sendo devorado pelo fogo. (...)

O fogo, segundo parece, foi originado por uma ponta de cigarro aceso,

que alguma pessoa ou vizinhança atirou sobre o pano.

O circo não estava no seguro, não se sabendo por enquanto em quanto

montam os prejuízos causados pelo fogo.

O acontecimento levou o adoentado Alcebíades para o interior de São Paulo. Ele

aparecerá poucas vezes na imprensa da capital depois da ocasião: ao estrear em

Bragança Paulista, em 26 de setembro de 1933, e em Jundiaí, em 10 de novembro do

mesmo ano. Sua volta a São Paulo e ao noticiário só aconteceria cinco anos depois,

quando a companhia anuncia nova dupla de palhaços: Alcebíades e Fuzarca – seu filho

Albano Pereira Neto, que iniciava uma carreira vitoriosa, que incluirá o primeiro

programa circense na televisão, em 1950, o Circo Bombril, em que divide a cena com

Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo), filho de Chicharrão, na TV Tupi.

Piolin, que em 1930 se despedira da companhia, saiu em turnê pelo interior,

passando por Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Paraná, possivelmente em

diferentes circos.

4.2 A fase do Teatro Boa Vista

Uma breve reportagem publicada na Folha da Manhã em 24 de fevereiro de

1929 intitulada “Duas respostas a Piolin” reproduz um rápido diálogo entre o repórter e

o excêntrico, que se pintava em seu camarim, prestes a entrar em cena:

- Que pena você chegar agora! Dentro de cinco minutos de ir dizer as

minhas tolices a essa boa gente que me dispensa tanta attenção...

- Viemos fazer duas perguntas, apenas. O que quer dizer que você deve

dar duas respostas. É só isso.

- Com immenso prazer: pergunte.

- Você pensa mesmo em deixar o circo, em ir para o theatro de

comédia?

- Quem sabe menos a esse respeito sou eu. Tem-se dito muita coisa

aqui e no Rio... que honra pra mim ! Mas tudo palavras.

- E o falado entendimento com Oduvaldo Vianna?

105

- Não há entendimento algum. Nem o meu prezado amigo Oduvaldo,

sobre tal assumpto me fez selente. O que há de positivo, é uma antiga

conversa que eu e elle tivemos antes da formação da companhia de

Sainetes Abigail-Roulien. Depois, nada mais. Entretanto, não pode ser

absurdo que um dia eu me decida ir para a comédia, uma vez que meus

interesses não soffram arranhão.

Você compreende: esta é minha profissão. Portanto tenho que viver

disto, que me garantir nisto, quer esteja a garantia na modéstia de um

picadeiro, ou no velludo-bocca d’opera de um palco.147

Os boatos demoraram a se confirmar. Somente em 15 de abril de 1931 é que O

Estado de S. Paulo anuncia: “A próxima temporada do teatro cômico no Teatro Boa

Vista destina-se a alcançar um êxito dos mais completos. Primeiro ator do conjunto será

o popular artista Piolin, que resolveu ingressar para o teatro.”148

Entre o boato e a

estreia, Piolin precisou de dois anos e meio para tomar a decisão que suscitou grande

polêmica entre os que o apreciavam e entre os intelectuais e jornalistas que o

celebravam149

. Pouco antes de estrear ao lado do cômico Tom Bill, o excêntrico voltou a

se apresentar com Alcebíades – antes do incêndio que consumiu sua lona – já

experimentando a ribalta e dividindo atração com a dupla inglesa Oliver Hardy e Stan

Laurel, o Gordo e o Magro, estes na tela, e a dupla de palhaços no palco. A experiência

aconteceu concomitantemente nos cines Paratodos e Colyseu. Mas atuar num teatro cuja

tradição era a da apresentação de grandes cômicos populares, essa era a grande

novidade.

Aliás, havia ali duas grandes novidades que interferiam na carreira daquele que

até ali só conhecera – e muito bem – o picadeiro: o teatro e o parceiro. O teatro,

localizado na Rua Boa Vista, esquina com a Ladeira Porto Geral, proporcionava uma

vista privilegiada da Várzea do Carmo, assim como dos bairros do Brás, da Moóca e da

Vila Maria. Ficava num local histórico, pois lá havia o sobrado em que, em agosto de

1896, o fotógrafo francês George Rebouleou fez a primeira exibição do cinematógrafo

147

Folha da Manhã, Ribaltas e Projecções, 24 de fevereiro de 1929. 148

O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1931. 149

Arruda Dantas conta em seu livro (op. cit., p. 134) que o palhaço já havia sido convidado a atuar num

palco, em 1926, quando conheceu Marinetti em São Paulo, tendo declinado do convite. A tumultuada

passagem por São Paulo do autor do Manifesto Futurista (1909), com as vaias preenchendo as sessões de

palestras deixa pouca margem para a veracidade do convite. Apresentou-se por duas vezes no Cassino

Antarctica, próximo do Lardo do Paissandu e foi recebido pelos modernistas. Mas já havia um ranço de

passadismo nas propostas de Marinetti. Em vez de estender sua estadia, abreviou-a, antecipando sua ida a

Buenos Aires.

106

em São Paulo. Em 1912, com a construção do Viaduto Boa Vista, o Teatro Santana150

foi demolido. Para ocupar essa lacuna, foi erigido o Boa Vista, com projeto de Giulio

Micheli. O teatro contava com 350 lugares na plateia, 22 frisas, 24 camarotes e 4 filas

de balcão, com 70 lugares.151

Inaugurado com o vaudeville Mulheres nervosas, de Blum

e Toche, encenado por Leopoldo Fróes e Apolônia Pinto, o teatro se tornou o templo da

comédia popular. Por lá passou a Companhia Arruda, de Abílio Menezes e Sebastião

Arruda, que estreou temporada em agosto de 1917 e que se estendeu até março de 1919.

Atribui-se a Sebastião Arruda, com seu tipo caipira, o grande formador de público de

um teatro nacional-regionalista, na acepção dada por Miroel Silveira, que qualifica seu

personagem como “epígono caboclo”152

. A grande marca da temporada foi conseguir

emplacar peças – todas revistas musicadas – com mais de sete encenações, um marco

para a época. São Paulo Futuro, de Danton Vampré, por exemplo, teve 38

representações; Uma festa na Freguesia do Ó, do mesmo Vampré com João Felizardo,

somou 77; e o emblemático A Divina Increnca, de Juó Bananére, com 36. Miroel

Silveira atribui a essa temporada não só a consolidação do gênero nacional-regionalista,

uma reação ao teatro filodramático, encenado por italianos, como a gênese de um teatro

ítalo-brasileiro, especialmente com o surgimento do tipo italiano cômico.

“Sebastião Arruda foi a coqueluche de São Paulo. Na porta do Teatro Boa Vista

havia uma grande caricatura do ator com a legenda: ‘É aqui mêmo que eu trabáio. Pode

comprá biête!”153

A temporada de Arruda terminou em 1919, quando a companhia

decidiu se arriscar na cena carioca. Muitos anos se passaram até o retorno da companhia

ao palco do Boa Vista, que ocorre somente em 1927, um ano após este ser reformado e

reaberto pela Companhia Brasileira de Comédia Brandão Sobrinho-Palmeirim, com A

cigarra e a formiga, de Batista Júnior e Agenor Chaves. Arruda, novamente sob direção

de Abílio de Menezes, faz nova temporada de sucesso, com as revistas Céu aberto, de

Gastão Barroso; Clevelandia, de Euclides de Andrade, e Todas as mulheres, de A.

Viviani. Por fim, volta ao Boa Vista em 1931, antes da temporada de Piolin-Bill, entre

janeiro e fevereiro, com A cabana do Bastião. Mas o tipo caipira dava sinais de

esgotamento pelo excesso de imitações, que recobriu o tipo até torná-lo um “clichê sem

150

Este, construído em 1900 por Antônio Álvares Leite Penteado, abrigou espetáculos de companhias

européias, em temoradas comuns em São Paulo antes da guerra de 1914, assim como exibições de

cinematógrafos. Em 25 de abril de 1921 o novo Teatro Santana é construído na rua 24 de Maio. 151

MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo. São Paulo: Senac,

2000, p. 82. 152

SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 211. 153

VENEZIANO, Neyde. De pernas para o ar – Teatro de Revista em São Paulo. Coleção Aplauso,

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 159.

107

nenhuma autenticidade”.154

Miroel Silveira nota que há uma mudança em curso no tipo

de comédia encenada e procurada pelo público: “(...) o que se observa é a tendência de

negligenciar o registro de costumes (fase nacional-regionalista já superada) em favor da

comédia de situações, na qual as personagens, esvaziadas de conteúdos humanos

hauridos na realidade, se tornam puramente mecânicas, agindo somente em função dos

resultados cômicos a serem obtidos”.155

Historicamente, a realidade social havia

avançado bastante, especialmente na relação campo-cidade, de modo que o tipo caipira,

ingênuo, não condizia mais com o que se via na “metrópole em sinfonia”, que vivia

intenso crescimento demográfico a partir da chegada de contingentes oriundos do

interior do Estado – especialmente a partir de 1929, quando o café sofre seu maior

baque econômico, por causa da quebra da Bolsa de Nova York. Havia, sim, a

emergência de um tipo urbano, multilíngüe, multicultural, polissêmico. E é nesse

contexto que surge na cena paulista o palhaço Piolin, sempre com a máscara pintada,

encenando peças que geralmente levam seu nome, além de textos assinados por Tom

Bill.

Grande expectativa envolveu o repertório que seria encenado pela dupla.

Publicou a imprensa sobre a iniciativa, desvanecendo a curiosidade dos críticos e

simpáticos à ideia de ter Piolin num palco:

O gênero da Companhia de Theatro Cômico, de que é fundador o ator

Tom Bill, será principalmente a farsa. ‘Não a farsa encoberta, sob a

capa de teatro de comédia. A farsa pura, para rir, exclusivamente para

rir – no dizer de Tom Bill – como no circo, talvez, mais bem

ambientada, com recursos cênicos que o picadeiro não permite. A farsa,

enfim, como é feita na Alemanha, na Itália, na Espanha, nos mais

adiantados países do Velho Mundo (...)”156

Espetáculo variado, além do repertório de farsas, pois além da peça, seriam

apresentados atos de variedades com a participarão da dupla Piolin-Bill em cortinas

cômicas e Ceo da Câmara em números de canto. Para dirimir dúvidas, o próprio Piolin

saiu em defesa de sua opção artística, conforme atesta reportagem de 24 de abril de

1931 em O Estado de S. Paulo:

154

SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 211. 155

Idem, pp. 217 e 218. 156

O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1931.

108

Piolin, em visita que fez às redações dos jornais, acentuou que a sua

renúncia ao picadeiro não importará na desistência ou transformação do

tipo que ele criou e popularizou: no palco, Piolin pretende ser o mesmo

Piolin do circo. Para isso encontrou um companheiro em Tom Bill para

explorar o mesmo gênero de representações que lhe valeu tantos

aplausos e elogios no picadeiro.

A presença de Tom Bill, figura vistosa, grandalhão desengonçado que fazia o

tipo italiano acaipirado – em ascensão – também marca a passagem de temática teatral

do período. Tom Bill chegou ao Brasil com a Companhia de Variedades South

American Tour. “Muito alto, claro e corado, o milanês fizera primeiro variedades em

vários pontos do estado, principalmente em Santos, onde o jogo livre permitia aos

cassinos do Parque Balneário e do Miramar uma atividade artística paralela,

movimentadíssima.”.157

Por conta da alta do café proporcionada pelo final da guerra, as

praias santistas haviam se tornado balneários de classe, enquanto os senhores abastados

gastavam seus lucros nos cassinos. No Miramar, Tom Bill atuava num teatrinho anexo

ao salão de carteado e de roleta. “Em números curiosos e engraçados, Tom Bill com sua

longa figura aparecia, quase tocando as gambiarras, era o campônio idiota que acabava

enganando o malandro que tentava enganá-lo, a frustrada cantora de opereta; o solteirão

maníaco – uma série inesquecível de ‘macchiette’.”158

Funda, em 1924, a Companhia Disparates Cômicos, com Genésio Arruda,

comediante que também adota o tipo caipira e com o qual fará números de variedades

em 1929, no Moulin Bleu, que se tornaria o Moinho do Jeca. Naquele mesmo ano, a

dupla, que estimulava o riso pela sua própria constituição física: o italianão alto, de

paletó xadrez e chapéu de aba curta em contraste com o caipira mirrado e de queixo

curto, estreou o primeiro filme nacional falado: Acabaram-se os otários, dirigido por

Luís de Barros. A iniciativa foi exitosa. A imprensa da época registrou que na primeira

semana de exibição o filme foi visto por 35 mil pessoas somente no Cine Santa Helena.

A partir daí a dupla se firmou, alcançando sucesso também nos palcos, de modo que

Tom Bill sempre contribuía com a criação de textos, fossem de esquetes cômicos ou

comédias. Nilva Costa Luz afirma que “Arruda fazia um caipira que cumpria uma

função correspondente no circo ao clown Augusto, enquanto Bill executava as ações

157

SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 236. 158

Idem.

109

que correspondiam ao clown Branco”.159

Talvez esta fosse a senha para compreender a

associação entre Tom Bill e Piolin em 1931.

Tom Bill havia, um ano antes, transformado um velho casarão na Rua Rangel

Pestana, no bairro do Brás, no Kurscal, ou Coliseu do Brás. Logo, cedeu o espaço para

Lyson Gaster. Teve, então, a ideia da temporada com Piolin, pois queria aproveitar o

prestígio que o palhaço adquirira pela amizade com Oswald de Andrade – os frutos do

almoço antropofágico de 1929 ainda se mantinham maduros – e com a inesquecível

temporada ao lado de Alcebíades.

As opiniões com relação à escolha de Piolin pelo palco suscitaram expectativa

quanto ao repertório que apresentaria ao lado de Tom Bill. A estreia, em 24 de abril,

uma sexta-feira, em duas sessões, às 20h e às 22h, traz, de cara, uma farsa “piolinesca”,

como o palhaço usava para anunciar suas encenações: Piolin farmacêutico (farsa em

três quadros), com venda de ingressos a partir das 10h na bilheteria do teatro a quatro

réis. O jornal O Estado de S. Paulo, que deu cobertura ampla da temporada pelo fato de

ser o Teatro Boa Vista de sua propriedade, havia apontado um dia antes que o fato da

estreia “está sendo aguardado com viva curiosidade”160

. O elenco que acompanhou a

dupla pela Companhia incluía Mario Barreto, Aldo Zapparoli, Eurico Mesquita, Mário

de Souza, Ceo da Camara, Valery Oeger (somente no ato variado), Walkyria dos

Santos, Carmen de Oliveira e Adele Negri, além dos cantores líricos Tosca e Fiorini e

do cançonetista Mário Levi.

O crítico René de Castro, da Folha da Manhã, também publicou a repercussão

da primeira noite, na edição de 25 de abril:

(...) Não foi sem um certo temor que me dirigi ontem para o Boa Vista,

onde o antigo pelotiqueiro, filho de pelotiqueiros, iria enfrentar as

traiçoeiras luzes da rampa; temor aumentados pelos comentários

pessimistas de muitos outros admiradores de Piolin.

Agora, de volta à redação, voltou-me o animo, depois que Piolin venceu

a tremenda batalha em que se meteu.

Inteligentemente, o palhaço começou a trabalhar no palco um gênero

que muito se aproxima daquele em que se notabilizara no picadeiro;

fez-se actor-bufo, conservando a mesma caracterização, em traços

exagerados, do circo e procurou manter a mesma linha de

espontaneidade da sua maneira de trabalhar, embora dentro do texto que

interpretou.161

159

LUZ, Nilva Costa. Genésio Arruda: um caipira na cena cultural paulista. Dissertação de mestrado

apresentada à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Instituto de Artes, Programa de pós-graduação em

Artes Visuais, 2005. 160

O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1931. 161

Folha da Manhã, 25 de abril de 1931.

110

Dias antes, em 9 de abril, havia noticiado a entrada do palhaço em cartaz no

teatro interpretando o fato como uma reação à ofensiva das superproduções

cinematográficas com seus milhões de dólares. O magro teatro nacional, sem dinheiro,

armava uma ofensiva à altura:

(...) Abelardo Pinto – estreará no theatro dentro de alguns dias, como

empresário e primeiro actor.

Eu não sei se os leitores conhecem Abelardo Pinto – nome pouco

recomendável para uma ofensiva tão grande contra o cinema americano

dos dólares e dos milhões – mas é que este estimável rapaz, na hora de

fazer barulho para atrair o publico, usa um nome que é um talismã

autêntico.

Chama-se: PIOLIN.

Nos três meses que a temporada durou prevaleceram, de fato, as farsas de

picadeiro, boa parte delas intercaladas com entradas cômicas. A primeira desses

números curtos foi a tradicional Namoro dos sabiás, sucesso de Piolin sob a lona de

Alcebíades e que teria sido adaptada de uma entrada de Chicharrão ainda no tempo em

que atuou no Circo Queirolo. O número, aliás, acompanharia toda sua carreira e serviria

de síntese da mesma, aparecendo nos dois registros em película de Piolin.162

Além da

entrada clássica, outras duas aparecem nas programações publicadas nos jornais durante

o período em que a Companhia se apresentou no Boa Vista: Um match de box e Os três

vagabundos. Ainda no primeiro mês de temporada a dupla Piolin-Bill introduziu as

quintas-feiras alegres, com programação leve dedicada ao público feminino, inclusive

com serviço de chá durante o intervalo, servido pelo próprio Piolin, vestido de garçom.

Em maio estreou no dia 28 as peças Ora bolas... Que amigo! e Ensaio de comédia,

enquanto que em 19 de junho estreou Piolin duelista, mantendo-se a segunda peça.

Outra inovação foi colocar em cartaz em 15 de maio uma comédia infantil, O morto que

dança maxixe. Aliás, a incorporação de vesperais (15h) dedicadas às crianças aos

domingos, desde o início da temporada, contou com patrocínios de empresas comerciais

e industriais, o que permitiu a distribuição de brinquedos e chocolates durante as

sessões.

A sequência de estreias, sempre com lotação esgotada, conforme testemunha a

cobertura de imprensa, manteve uma série de farsas, inclusive com o nome do

excêntrico nos títulos: O casamento de Piolin, Piolin no tribunal, Piolin bombeiro;

162

Tico-tico no fubá e Sua Majestade Piolin, como visto anteriormente.

111

Piolin, afinador de pianos. Assim, o repertório não diferiu em nada do tipo de farsas

encenadas no picadeiro de Alcebíades. Somente no final da temporada, em julho e

início de agosto, que a dupla passou a arriscar leituras farsescas de clássicos do teatro

cômico ligeiro, como as das peças O simpático Jeremias (Gastão Tojeiro), Aventuras de

um rapaz feio (Paulo Magalhães), Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest Bach;

tradução de Matheus da Fontoura), Santinha (paródia da opereta Santarellina) e O café

do Felisberto (Tristan Bernard, adaptação de Tom Bill).

A maior parte das comédias são assinadas por Tom Bill, entre elas as já

mencionadas, que levam o nome de Piolin, além do grande sucesso de público O

príncipe do Brás (reapresentada durante a temporada), e as farsas De marquês a criado,

O sobretudo fatal, e Meu cunhado, marido de minha mulher.

Programação das peças na temporada de Piolin e Tom Bill

cumprida no Teatro Boa Vista (abril a agosto de 1931)163

A segunda peça a estrear no Boa Vista, O príncipe do Brás, parece usar a mesma

fórmula da farsa Do Brasil ao Far-West, pois também se divide em dois atos, sendo o

primeiro num cortiço do bairro que dá nome à peça e o segundo no palácio de um

163

Levantamento feito pela aluna de Iniciação Científica Audrea Santana.

24 de abril Piolin, o farmacêutico (Tom Bill)

1 de maio O príncipe do Brás (Tom Bill)

8 de maio O casamento do Piolin (Tom Bill)

15 de maio O morto que dança maxixe (Tom Bill)

15 de maio Piolin no Tribunal (Tom Bill)

22 de maio Piolin bombeiro (Tom Bill)

24 de maio Bastião, mulher por um instante (Tom Bill)

28 de maio Ora bolas... Que amigo! e Ensaio da comédia

29 de maio Piolin, afinador de pianos (Tom Bill)

5 de junho De marquês a criado (Tom Bill)

12 de junho O sobretudo fatal (Tom Bill)

19 de junho Piolin duelista e Ensaio de comédia (Tom Bill)

26 de junho O café do Felisberto (Tristan Bernard)

3 de julho Santinha, (paródia de Santarellina)

10 de julho O simpático Jeremias (Gastão Tojeiro)

17 de julho Aventuras de um rapaz feio (Paulo Magalhães)

19 de julho O príncipe do Brás (Tom Bill)

24 de julho Meu cunhado, marido de minha mulher (Tom Bill)

31 de julho Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest Bach)

1 de agosto O café do Felisberto (Tristan Bernard)

112

fidalgo. Da mesma forma, o que liga uma cena à outra é Piolin, que transita nos dois

universos classistas – o cortiço e o palácio – acompanhado de Tom Bill e Adele Negri,

que formam o “trio de mal afortunados” que, escondendo a sua condição de pobre, dão

“ratas sobre ratas”.164

Além do trio, o elenco conta com Céo da Camara, Mario Barreto,

Aldo Zaperoli, Carmen de Oliveira, Walkiria dos Santos e outros. “O segundo programa

apresentado pela Companhia do Teatro Cômico, no Boa Vista, tem alcançado sucesso

superior ao da estreia desse conjunto. (...) todo o elenco tem uma impecável atuação,

sendo digno de destaque o trabalho de Piolin que dia a dia confirma os prognósticos de

que no palco seria o mesmo artista notável do picadeiro.”165

A Folha da Manhã de dias

antes, 29 de abril, já havia ratificado o bom desempenho do palhaço, garantindo ao

público leitor que o “temperamento” de Piolin se adaptou bem ao palco, muito por estar

bem à vontade num gênero em que ele se adapta bem: a farsa. Da mesma forma, o

concorrente O Estado de S. Paulo aplaudiu a atuação de Piolin: “Agradou e fez rir a

valer a assistência tanto nas cortinas em que tomou parte ao lado de Tom Bill, como na

farsa”.166

O confronto social está presente na peça O príncipe do Brás, farsa assinada por

Tom Bill que desfia os apuros de uma família pobre que se passa pelos parentes de um

Conde para que este consiga a aceitação de outro nobre para que se case com sua filha.

O arranjo parece ir bem até que os dois criados da casa mantém ligações com os

farsantes: o criado havia sido expulso da casa da primeira família e a criada é a ex-

mulher daquele que se passa pelo Príncipe de Caxambu (na verdade, Príncipe do Brás,

bairro onde mora num cortiço). A atual mulher do príncipe farsante – Piolin, claro –

aparece em meio à ação para desmascarar a família que comia, enquanto ela ficou no

cortiço sem ter o que comer. Assim como em O afinador de pianos, o grande mote da

ação é a fome dos pobres comandando a farsa em casa de ricos.

Miroel Silveira, ao assinalar a temporada como “bastante importante para o

início da caracterização do tipo italiano no teatro paulista”167

aponta outras peças e não

O príncipe do Brás, que guarda boa parte da temática que irá definir não só o tipo, mas

a comédia. Sem sotaques e com a referência do Brás, o desfile de farsantes vestidos de

príncipe, conde e condessa marca o universo de confronto social típico das peças dessa

fase de hibridização do teatro popular.

164

Folha da Manhã, 1 de maio de 1931. 165

Folha da Noite, 4 de maio de 1931. 166

O Estado de S. Paulo, 24 de abril de 1931. 167

SILVEIRA, Miroel. Op.cit., p. 235.

113

A imprensa também publicou repetidas vezes a ressalva de que o sucesso da

temporada se dava “...através de uma série de cenas em que a comicidade mais do que a

dialogação surge do absurdo das situações e do papel mais ou menos ridículo das

personagens”.168

Uma farsa pura e simples, em que não falta a graça de um palhaço da

‘verve’ de Piolin para emprestar-lhe a necessária dose de comicidade.”

A discussão sobre a legitimidade de sua opção pelo palco acompanhou todo o

decorrer da temporada, o que não afetou a escolha das peças encenadas nem a temática,

pois várias delas se valeram de um humor mais social, até de confronto, como, por

exemplo, a peça Piolin, afinador de pianos. O título já revela a questão social envolvida

na comédia: o afinador (Achilles) é o popular que tem acesso à residência dos que

representam a elite. Ao entrar no palácio, há o choque social: ele chega minutos antes de

um banquete e tem a barriga roncando. Entra de gaiato nos costumes da família, que

pede para que ele se passe por Marquês não só para evitar que treze pessoas se sentem à

mesa, mas para exibir influência aos visitantes. No entanto, com a chegada de alguns

convidados e a ausência de outros, com a ameaça de treze sentarem-se à mesa indo e

vindo, o afinador é, a todo momento, descartado ou requisitado. Mesmo assim,

consegue tirar partido da situação, ganhando dinheiro e, no final, conquistando uma

pretendente.

MARIETA – Chegou o afinador! Faço-o entrar?

PASCHOAL – Não senhora.

ACHILLES – (vestido caricato) – Estou aqui.

PASCHOAL – O que quer aqui?

ACHILLES – Hom’essa?! Quero comer! Eu sou o Marquez Casca.

PASCHOAL – O senhor não é mais nada. Pode ir. Não precisa mais.

ACHILLES – Por que? Não se come mais?

PASCHOAL – Comemos sozinhos! Porque falta um convidado e se o

senhor ficar, seremos em treze outra vez! Até logo. Passe bem!

ACHILLES – Então me manda embora em jejum, depois de fazer toda

essa toilette, e depois que até tomei purgante. E agora para onde vou?

Mas sabe que se não me fazem jantar eu faço sair pelo nariz tudo o que

vocês comem? Essas são tratantadas, própria de gente sem caráter. Oh!

Mas eu sou revolucionário, eu faço uma revolução, eu vou embora, mas

quebro tudo, escangalho com tudo; faço vir o fim do mundo. (Sai

gritando e ouve-se um forte barulho)

Toda a força da cena está na figura de Piolin, o afinador que se faz passar por

Marquês, é destituído da condição de farsante e sai de cena como revolucionário! É

168

O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1931. Em 16 de maio publica: “...mantêm o público bem-

humorado, mais pelo absurdo das situações do que pelo espírito da dialogação”.

114

importante lembrar que o personagem é protagonizado por um Piolin de rosto pintado,

de modo que o público vê o personagem (Achilles), o farsante (Marquês) e o palhaço

(Piolin) numa só pessoa. O revolucionário, que surge como expressão cômica, desponta

do contexto sociopolítico do período. O ano em que a peça é encenada é também o que

marca a aproximação entre Oswald de Andrade e Luís Carlos Prestes, a entrada do

escritor no Partido Comunista, e a publicação do jornal O Homem do Povo, no qual

Piolin figura como “Director de Scena” da coluna Palco, tela e picadeiro. Nesse

contexto também reside a graça do excêntrico que, ademais, aproveita-se da situação e

chega ao final com o dinheiro pago por seu contratador (Paschoal) para se passar pelo

Marquês e ainda desposa sua filha. Ou seja, de revolucionário comunista ele nada tem.

Duas outras farsas, tipicamente circenses, que se destacam desse repertório são

Piolin bombeiro e Piolin farmacêutico, ambas com diálogos ágeis e reviravoltas. Na

primeira ele é o criado desastrado de um Barão de origem humilde, causando um

princípio de incêndio no final do primeiro ato e se tornando rico no final da peça,

quando se dirige ao público: “Para todos, sou rico. Para todos sou um senhor. Mas, para

este público, sou e serei sempre o humilde e sincero servidor.” Na segunda ele é

funcionário da farmácia e acaba engendrado numa trama ao fazer a entrega de uma água

de cheiro na casa a uma bela moça da qual se enamora. Se na primeira é seu jeito

atabalhoado que faz a graça, na segunda é sua decisão de se matar por não ter o amor

correspondido é que dá o tom da peça.

Alternando, então, o viés da farsa e o viés político, a temporada transcorre em

meio aos fatos intensos que marcaram aquele 1931, enquanto a tensão política reverbera

nas manchetes dos mesmos jornais que noticiavam o sucesso de público no Boa Vista.

Eram, como dizia a reportagem de O Estado de S. Paulo, “dias bicudos”. O panorama

econômico e político do Estado sofria ainda os reflexos de dois eventos aterradores,

especialmente para a agricultura cafeeira, base econômica de São Paulo: o crack da

Bolsa de Nova York em 1929 e a Revolução Tenentista de 1930. Ambas impactaram

frontalmente na venda e na produção, tanto no sentido econômico quanto no político. A

consequência foi a ocupação militar do Estado, com o poder sendo entregue ao

interventor João Alberto. Por sua vez, o tradicional Partido Republicano Paulista (PRP),

mantido pela elite cafeeira, reorganiza suas lideranças, em especial os cafeicultores que

lhe davam sustentação antes da chegada de Getúlio Vargas ao poder. Mas o tema

principal era a retomada do regime institucional, solapado pela revolução no ano

anterior. Por isso grande parte dos mais de cem signatários do manifesto publicado pela

115

Liga Paulista Pela Constituição e Pela Ordem pedindo a convocação da Constituinte

tinha sobrenomes das mais tradicionais famílias paulistas.

As pressões políticas e o rompimento do Partido Democrático levam João

Alberto a renunciar em julho de 1931. Plínio Barreto é indicado para seu lugar, e as

forças políticas de São Paulo se esfacelam. Laudo Ferreira de Camargo assume com o

apoio do Ministro Oswaldo Aranha, o que abre uma crise no governo federal. Ainda

naquele ano o Estado terá seu quarto interventor – Manuel Rabelo, outro militar – o que

desencadeia a reação de uma comissão de políticos paulistas que exige do governo a

nomeação de um civil paulista. A falta de consenso desata o movimento que, em 1932,

enfrentaria militarmente o governo federal, sob a bandeira constitucionalista, sendo

derrotado após campanha desastrosa.

Portanto a temporada transcorre em meio à tensão política, num período

marcado pela carestia e pelo controle censório da imprensa. O Estado de S. Paulo

publica em 25 de julho de 1931:

Pois o Piolin há três meses trabalha no Boa Vista, realizando a mais

difícil das missões: fazer rir o povo de São Paulo nestes dias tão

bicudos. Piolin precisa ser visto por todas as pessoas que não o

conheceram na arena, pois que, passando para o palco, trouxe todos os

seus primitivos recursos de cômico. É o nosso “clown” paulista. Piolin

deve ser visto também por todas as pessoas que um dia tiveram ocasião

de apreciar as suas famosas entradas no picadeiro, ao som da charanga.

Transportando para a cena as suas qualidades de “clown” ele se tornou,

talvez, o mais curioso e divertido de todos aqueles que se exibem à luz

das gambiarras.169

O reconhecimento gerou boatos de novos horizontes artísticos abertos ao

excêntrico. Em 4 de julho, por exemplo, o crítico René de Castro, da Folha da Manhã,

informa (por telefone) do Rio de Janeiro, que Luiz Peixoto se associa a uma grande

empresa que pretende fazer um filme com Piolin, com roteiro de Henrique Pongetti, que

assinou Nossa vida é uma fita, com Procópio Ferreira. É a segunda vez que um boato

sobre uma produção cinematográfica com Piolin ronda as colunas da imprensa. Em

1929, quando se mudou para São Paulo o poeta surrealista Benjamin Perét, sendo

abrigado pelos modernistas Patrícia Galvão e Flávio de Carvalho, este começou a

compor um script que tinha Piolin como protagonista. Uma das cenas criadas pelo

169

O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 1931.

116

francês envolvia um atropelamento invisível: o automóvel passava sobre o palhaço

trabalhando mas ele permanecia intacto.170

Embora nenhuma das duas iniciativas tenham se concretizado, a referência

cinematográfica de Piolin continuava forte, conforme revelaria anos depois o palhaço

em depoimento dado à Aracy A. Amaral171

: “Inspirávamo-nos antes em comédias

cinematográficas da época, em Carlitos sobretudo, além de outros pastelões que

adaptávamos. Fazíamos um roteiro mas sempre com uma margem para a

improvisação”172

Para encerrar a temporada no Boa Vista a paródia recaiu sobre

Maurice Chevalier, que estourava nas produções da Paramount ao revelar sua voz em

canções que marcaram a época. Le petit café, de 1929 virou, na versão brasileira, O café

do Felisberto, peça que já havia sido encenada durante a temporada. A última

apresentação trazia uma inovação: Piolin de rosto limpo. A peça sucede a Eu sou de

circo!, de Franz Arnold e Ernest Bach, encenada para celebrar o passado recente de seu

protagonista. “...como o próprio título está indicando, trata-se de uma farsa em que

Piolin se sentirá perfeitamente à vontade, pois ele não somente foi de circo como ainda

se considera como tal.”173

Na peça, Piolin é Chico Patusco, o filho que Mário descobre no dia em que

completa um ano de casamento. Para ocultá-lo da esposa, inventa que ele é escritor,

autor de um livro que vê na mesa da casa. Acontece que, na verdade, o autor é

pseudônimo de uma amiga da esposa, fato que dissemina a desconfiança na mulher.

Entre trapalhadas outras, ao descobrir que o autor é mulher, Patusco, que é artista de

circo, surge travestido em cena, recurso clássico de entrada circense. Ao ser revelado o

filho bastardo, Piolin surge vestido de menino, com roupa de marinheiro. Ao se desfazer

a trama, há muita troca de papéis e pouca atividade circense que justifique o título da

peça.

A dupla ainda se apresenta no Teatro Royal, com O casamento de Piolin, em 13

de agosto. O anúncio diz ser a despedida de Piolin de São Paulo. É também seu adeus à

Companhia de Teatro Cômico e ao parceiro Tom Bill. No Boa Vista assume o cartaz o

Conjunto Artístico Paulistano, de Marcelo Tupinambá, interpretando operetas, em

curtíssima temporada, encerrada em 9 de agosto.

170

DANTAS, Arruda. Op. cit., p.137. 171

Para o livro Tarsila do Amaral: sua obra e sua vida, Perspectiva, São Paulo, 1975. 172

Idem, p. 135. 173

O Estado de S. Paulo, 29 de julho de 1931.

117

As movimentações revolucionárias se intensificariam e chegariam a fechar os

teatros da capital entre julho e setembro de 1932. Somente no final daquele ano o Boa

Vista renovaria sua vocação para inovações teatrais com o início da temporada de

Procópio Ferreira, apontado como principal nome para substituir Leopoldo Fróes, que

falecera de tuberculose em 2 de março na Suíça. Estreou, em novembro, a peça Deus lhe

pague, de Joracy Camargo, texto que acompanharia Procópio por toda a sua carreira

artística, seu mais estrondoso sucesso e que percorreu todo o país. Naquela altura, Piolin

já havia desistido da empreitada no palco e procurava picadeiro para voltar a encenar

suas comédias.

Menotti del Picchia, que escrevia para as revistas A Cigarra e O Cruzeiro,

ambas pertencentes aos Diários Associados de Assis Chateaubriand, publicou em 1933

crítica sobre a “aventura piolinesca” no teatro, intitulada “Um rei que voltou ao trono”.

É implacável: “Piolin deu um pulo errado. Cometeu uma ‘gafe’ de observação e de

autocrítica. Rei do picadeiro, sonhou ser imperador da ribalta. Fracassou...” E

aprofunda:

(...) o palco possui apenas um ângulo e pede a máxima flexibilidade do

rosto, porque, na obrigatória sobriedade do gosto, toda a vida da ribalta

se polariza na voz e no jogo muscular da fisionomia. (...) Quis

transformar-se inteiro para a cena. Resultado lógico: fracassou. (...)

Bendito tombo! Bem haja esse fracasso que nos devolveu ao redondel

do ‘circo de cavalinho’ – o verdadeiro teatro brasileiro – nosso mais

extraordinário artista circense. Ei-lo de novo. Com sua careca luzidia,

sua boca rasgada de orelha a orelha, com seu colarinho de celuloide, seu

bastão e botinas enormes, retomando seu posto de mestre incomparável

de humorismo e de crítica.174

Restava, então, retomar seu lugar de origem para nunca mais abandoná-lo.

Iniciava-se, então, nova fase de sua carreira, prolongada pelo sucesso de público, pois a

partir dali os modernistas dele se afastariam, ocupados que estavam com suas batalhas

intelectuais que não envolveriam mais personagem tão contemporâneo e tão grotesco.

Enfim, tão brasileiro.

174

PICCHIA, Menotti del. O Cruzeiro. Cópia da reportagem encontrada no acervo do Centro Cultural

São Paulo, Arquivo Multimeios. A data, 1933, foi identificada porque o autor se refere à peça de reestreia

de Piolin no circo, Reservista Ventura.

118

5. Comédias no Circo Piolin

5.1 Tenentes, cowboys e combinados (1933 a 1941)

Espetáculo misto de circo, variedades, comédia.

A preços popularíssimos.

Piolin... e nada mais!

Piolin... cujo segredo custou 200 contos!

Piolin... só de barril!

Piolin...mesmo em garrafa!

Piolin... o elixir da longa vida!

Piolin... que ainda não quebrou a roda da sorte!

Basta de experiências! Piolin... e só Piolin,

ainda mesmo que chova, no Teatro Colombo.

Funções completas, todas as noites, com início às 20 horas.

(Anúncio publicado em 3/12/1935 no jornal O Estado de S. Paulo)

O interregno entre as movimentações militares da Revolução Constitucionalista

de 1932 relegou a vida artística e cultural de São Paulo a uma espera pelo momento

propício para que fosse retomada sem prejuízos. Aliás, a década de 1930 seria bem

acidentada em termos políticos, embora as manifestações culturais tivessem encontrado

margem suficiente para se expandir a partir de diferentes campos, entre eles o circo.

Piolin, de volta a São Paulo depois de temporada em diversos estados, estava sem circo

e disposto a encarar nova empreitada. Para isso contava com aquele que sempre foi seu

fiel empresário e mestre: Galdino Pinto, seu pai. Naquela altura morando em Orlândia,

no interior do Estado, o velho empresário, que quando jovem fugiu com a amazona do

circo, se viu na obrigação de ajudar o filho a montar a sua própria companhia. A família

decidiu se mudar para São Paulo. Com 35 anos, Piolin já conquistara seu espaço no

mundo do entretenimento, com experiência de sobra e consagrado tanto pela

intelectualidade quanto pelo grande público. Galdino havia comprado um terreno na

avenida Pompéia, na zona Oeste da capital, nas proximidades da Igreja Nossa Senhora

do Rosário de Pompéia, ainda em construção (ela só seria concluída em 1939, num

processo iniciado em 1928). Cedeu-o a Piolin para sua estreia.175

A temporada foi curta,

tendo logo se mudado para a rua Hanemann, no Pari. De lá se transferiu para a rua do

Glicério, estreando em 30 de março. Seguiu para o interior do Estado. Em 27 de

setembro estava em Ribeirão Preto e em outubro se apresentava em São Carlos e

175

DANTAS, Arruda. Op.cit., p. 147. O testemunho da curta temporada no terreno da av. Pompeia é da

Chefe da Seção de Registro e Cadastro de Obras Sociais, Edna Furtado Lima.

119

Jaboticabal, onde participou da inauguração da piscina do Clube Balneário da cidade.

Na primeira quinzena de novembro atuava em Campinas e somente no início de

dezembro retornou à capital, onde fez estrondosa estreia na rua da Móoca, temporada

muito propagandeada na imprensa.

Uma boa notícia para a criançada desta capital: Piolin, o conhecido e

aplaudido “clown” que sabe como poucos a arte difícil de divertir o

público, está novamente em São Paulo, depois de uma longa excursão.

Seu circo é à rua da Móoca, n. 508, próximo à avenida Paes de Barros.

Seu redondel é vasto, seguro e impermeável. A companhia conta com

ótimos elementos. Para estreia, teremos hoje um “matinée” às 15 horas

e, à noite, um grandioso espetáculo.176

O cartaz da nova temporada é O assassino do rei do petróleo, com Piolin e

Faísca, seguido de As duas Angélicas (dia 6), O reservista Ventura (7) – já com a Trupe

Aylor, de seu filho, que dispunha dos “maiores saltadores da América do Sul” –, A

mulher do soldado (8), Um duelo à morte (10), O embaixador (12), Sherlock Holmes

(14), As farras de um tenente (17), o retorno d’O príncipe do Brás (19), O campeão de

futebol (21) e Piolin no tribunal (24). A temporada se encerrou no dia 26 de dezembro,

com novo cartaz de O reservista Ventura, espetáculo que reuniu trinta artistas no

picadeiro. A temporada também foi reforçada pela presença de C. Temperany,

anunciado como “Canhão, o homem projétil”.

Esse repertório de farsas será mantido pela companhia por todo o decorrer da

década de 1930, com poucas inovações. Acrescentam-se duas peças do repertório do

Boa Vista – Eu sou de circo e a já citada O príncipe do Brás; e as chanchadas O morto

que não morreu, O campeão de futebol, O 7 nomes, Delícias da vida conjugal, Morreu

o Lulu, Apertos de um ciúme, O casamento de um cadáver/Casar para morrer, a

pioneira Do Brasil ao Far-West, O louco de Vila Mariana e O bebê. São pouco mais de

duas dezenas de peças que embalarão matinês e espetáculos noturnos do picadeiro do

palhaço durante toda a década. Levantamento feito no Arquivo Miroel Silveira revela

que o volume de peças apresentadas ao serviço de censura entre 1933 e 1942 é muito

pequeno, prevalecendo as peças clássicas.177

176

O Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 1933. 177

O levantamento completo das peças encenadas no Circo Piolin entre 1933 e 1961, período em que o

circo funcionou, consta dos anexos desta pesquisa, assim como levantamento dos anúncios publicados

nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo com as peças em

cartaz no mesmo período.

120

Na mesma crônica em que analisa o “fracasso” de Piolin no teatro, Menotti del

Picchia se regozija com as interpretações do circense nas suas farsas, em especial no

Reservista Ventura:

Piolin é recruta? Pois há um recruta de verdade dentro de Piolin, desses

que vieram do Nordeste, cujos pés não cabem nos sapatos, pois são

duas raízes ásperas, eriçadas de calos, que jamais conheceram prisões

de couro. Diante do ‘Seu Tenente’, esse recruta acaba batendo-lhe

palmadinhas na barriga e pedindo-lhe, íntimo, sem o sentido racial da

hierarquia:

- Seu Tenente, o sinhô não pode fazê um cafezinho pra nóis?

Piolin é o malandro do subúrbio. Pois esse tipo gigante, que se espalha

em rasteiras, que possui todo o cromatismo pitoresco da gíria, vive sua

vida total na criação de Piolin.178

Na entrevista que deu ao Museu da Imagem e do Som em 1971, Piolin lembra

que sua peça “de maior sucesso era O reservista Ventura. Eu representei... Eram

quarenta figuras em cena. Era o Arrelia, os irmãos. Eles trabalhavam junto conosco ali

onde era o cinema Broadway”.179

A referência é ao Circo Alcebíades no final de sua temporada. A peça disponível

no Arquivo Miroel Silveira tem sua autoria atribuída a Laura Corina, atriz da

Companhia Cristiano de Souza, português radicado no Brasil. O pedido de censura se

refere a um processo de 7 de maio de 1942 por solicitação do Circo Irmãos Orlandino.

São três quadros num ato só passados num quartel. A rotina de ordens unidas do

batalhão é rompida pelas presenças de Clarinha e Beatriz, esposa e amante do sargento

Alberto. A presença feminina no quartel foi que ensejou que a peça fosse também

encenada com o nome A mulher soldado. Pois é o que acontece em dada altura da peça:

para se ocultar no quartel, Clarinha veste a farda e toma o lugar do reservista Ventura,

personagem que passa a maior parte do tempo da peça preso para que sua identidade

seja usada e trocada pelos soldados. Piolin é o soldado raso que no segundo quadro é

escolhido para dormir com Ventura/Clarinha. A situação gera desentendidos com as

tarefas mais simples: tirar a roupa e dividir a cama. No final do quadro o capitão manda

prender Ventura/Clarinha. Piolin arquiteta um plano para soltá-la. Arruma roupas

femininas, pois pensa que é o Ventura original. Este, na mesma cela, acaba pegando as

roupas e vestindo, enquanto Clarinha consegue escapar com uma cópia da chave

conseguida pelo marido Alberto. Resta ainda a amante. O capitão ouve de soldados que

178

PICCHIA, Menotti del. Op. cit. 179

Op. Cit..

121

há uma mulher no regimento e, ao passar o batalhão em revista, descobre o verdadeiro

Ventura. Mas surge novamente Clarinha, que confessa o quiproquó.180

O número de

personagens não dá margem para imaginar o elenco numeroso informado por Piolin, a

não ser na figuração do batalhão. No entanto, o papel do palhaço é coadjuvante, pois a

ação se concentra no sargento e em suas duas mulheres.

O tema da caserna se repete na farsa As duas Angélicas, assinada por Piolin, que

envolve as confusões provocadas pelo soldado raso na casa do Tenente Fabiano – vivia-

se no país e no tempo dos tenentes, que conduziram o levante de 1930 – confundindo a

empregada e a amante do patrão, ambas Angélicas. O texto também se tornou clássico

no repertório de Piolin , nele permanecendo até o final da década.181

Já na comédia O assassino do rei do petróleo a temática do faroeste de cinema é

retomada em texto assinado por Raul Olimecha, com arranjo para circo de Julio

Ozon.182

É quase uma continuação da farsa Do Brasil ao Far-West: a trama envolve

bandidos que assumiram os negócios e as minas do senhor Franklin, o rei do petróleo,

após este ter sido assassinado. O capataz Edwardo é o típico bandido de western de

cinema, mandando e desmandando na cidade, o que inclui o covarde xerife,

interpretado, segundo indicação do texto, por um “cômico velho”. Logo surge um

forasteiro que enfrenta o bandido, o desafia e descobre quem foi o assassino de

Franklin. No final, com a ajuda de dois “secretas”, prende Edwardo e se revela o filho

do rei do petróleo.183

A ação se dá num saloon e o personagem de Piolin é um bêbado

que vive sendo preso – durante a peça são quatro vezes – sendo uma espécie de coringa

do xerife que, sem conseguir prender os verdadeiros bandidos, usa o cômico como álibi

para sua atividade policial.

Outro tema oriundo do cinema é o do detetive inglês Sherlock Holmes,

personagem de diversos livros de Arthur Conan Doyle, que em 1933 era vivido por

Reginald Owen na fita Um estudo em vermelho, dirigida por Edwin Marin. Mas, como

se trata de farsa circense, na comédia Piolin toma o lugar do famoso detetive usando

técnicas impagáveis para desvendar o roubo de um cofre: pede café com leite e pão com

manteiga para um inovador processo para descobrir roubos. “...o leite é um fator

180

O texto da peça se encontra na íntegra no capítulo 7. 181

Idem. 182

A adaptação de textos para o picadeiro era chamado de “arranjo”. O que é de se estranhar aqui é que

Raul Olimecha também é circense, o que, em princípio, não requereria arranjo do texto. A mesma peça

aparece no Arquivo Miroel Silveira com o nome de O bamba do Arizona, com autoria atribuída a

Olimecha e Waldemar Seyssel, o Arrelia. 183

O texto da peça se encontra na íntegra no capítulo 7.

122

extraordinário para a descoberta de ladrões, pela cor do leite eu sei se foi ela ou não. Se

ela não confessar no café com leite, fatalmente confessará com um bife e batatas”.184

Descobre o ladrão, negocia e tira-lhe o dinheiro para devolver ao cofre. É descoberto

pelo verdadeiro Sherlock Holmes e acaba virando seu ajudante!

Dois combinados de muito sucesso são Um duelo à morte e O campeão de

futebol. No primeiro, o palhaço é convidado para ser padrinho de um duelo, de seu

amigo Julio que se desentendeu com outro amigo, Joãozinho. A gag da peça é o relógio

que arrumam a Piolin, junto com a casaca de um morto, para se apresentar como

padrinho do duelo. A todo momento alguém pergunta as horas, ao qual ele responde:

“uma e um quarto!” Seu papel, enfim, é tumultuar o duelo que nem acontece, pois os

amigos se reconciliam. O segundo trata da história do tio que quer casar o sobrinho que

só pensa em futebol. Decide casá-lo com uma prima do interior e, ao comunicar o fato

ao rapaz, este pensa que vai ganhar uma bola nova. Até que se desfaça o mal-entendido,

os trocadilhos entre a noiva e a bola vão preenchendo a cena.185

Outras três chanchadas fazem sucesso no repertório do período. Em O

embaixador, da autoria de Piolin, Prudêncio é atormentado pelo criado, quase o mesmo

personagem de O campeão de futebol, e pelo filho no dia em que receberá a visita de

um amigo senador. Na verdade ele quer entrar na política e desbancar um coronel que

manda na região. Mas o senador é um farsante, pronto a aplicar o golpe em Prudêncio,

sendo ao final salvo pelo criado. Já em Os apertos de um ciúme186

, Piolin interpreta o

tipo do “velho”, ocorrência rara quando na maior parte das vezes ele interpreta o

“criado”. Está insatisfeito com a tristeza da sobrinha e descobre que ela estranha o

marido não lhe ter ciúmes. Então combinam uma cena para que o marido os surpreenda

e revele seus ciúmes. Ao mesmo tempo, Piolin avisa ao marido para que ele represente

também o seu papel. O sete nomes, por sua vez, é o arranjo feito por Júlio Ozon da

burleta do poeta mineiro Belmiro Braga, originalmente Na cidade. Trata do criado

Tomé que, ao convencer o patriarca de uma família a emprega-lo, passa a se apresentar

a cada membro da casa com um apelido diferente: Sobretudo, Colete, Coração,

Incêndio, Periquito. Cada qual gera desentendimentos nas conversas de família,

enquanto o criado vai apalpando as mulheres da casa e provocando os homens.

184

Sherlock Holmes, Aberlardo Pinto Piolin. Cópia encontrada no acervo da Sociedade Brasileira de

Autores Teatrais (SBAT). A peça não se encontra no Arquivo Miroel Silveira, da mesma forma que Do

Brasil ao Far-West. 185

O texto da peça se encontra na íntegra no Capítulo 7. 186

O texto assinala “arranjo” de Piolin.

123

Em janeiro de 1934 o circo se transfere para a rua do Glicério, esquina da rua

São Paulo, estreando no dia 11, às 21h.

Anúncio no jornal O Estado de S. Paulo de 11 de janeiro de 1934.

Durante esse primeiro período de atividades, o Circo Piolin cumpriu o seguinte

itinerário, sendo a data assinalada a da estreia: Praça Marechal Deodoro, Barra Funda

(3/4/34); Uberaba (MG), na Feira de Amostras do Triângulo Mineiro (8/6/34); Praça

Marechal Deodoro (18/8/34); Rua Domingos de Morais, na Vila Mariana (6/10/34);

Rua da Conceição com Senador Queiroz, no centro (1/1/35); Rua do Manifesto, no

Ipiranga (14/5/35); Rua Humaitá, na Bela Vista (25/5/35), Praça José Roberto, esquina

com Afonso Pena, na Luz (27/6/35); Teatro Recreio (1/11/35); Teatro Colombo

(3/12/35); Rua Afonso Pena, no Bom Retiro (4/7/36); Rua Rio Bonito, no Brás

(18/8/36); Jacareí, São Paulo (10/1/1937); Teatro Recreio (29/1/37); Carnaval no Teatro

Apollo (6/2/37); volta a São Paulo depois de temporada em Poços de Caldas (11/4/37);

Av. Pompéia com Turiassu, na Pompéia (18/4/37); Rua Muller, no Brás (30/4/37), Rua

Domingos de Morais, na Vila Mariana(22/5/37); Rua da Consolação com Oscar Freire,

no Jardim América (25/6/37); Rua Muniz de Souza, no Cambuci (3/8/37). Depois de

124

temporada no Rio de Janeiro, Av. Celso Garcia, esquina com Tuiuti (6/2/38 até

7/8/1938); e Praça Marechal Deodoro (10/38).187

Todos bairros periféricos ao velho

centro, que desde o final da década de 1920 foi deixando de abrigar os circos – a última

lona a ser montada no Paissandu, por exemplo, foi o Circo de Danilo de Oliveira, em

1934 –; de modo que as companhias saem em busca de regiões populosas das classes

com menor poder aquisitivo onde, aliás, está o público certo dos seus espetáculos. São

em geral terrenos públicos mantidos pela administração municipal e alocados às

companhias que vão rareando a medida que a metrópole se expande.

Nos dois anos seguintes os anúncios desaparecem dos jornais pesquisados, sendo

impossível localizar a lona de Piolin. No início de 1941 está novamente “solidamente

armado à Praça Marechal Deodoro”. Reaparece em dezembro daquele ano, na Rua

Domingos de Morais, Vila Mariana, após temporada cumprida em Curitiba.

2.2 Guerra, cinema e caipiras (1942 a 1949)

Os anos que marcaram o final da Segunda Guerra Mundial e a transição do

Estado Novo de Getúlio Vargas para a retomada democrática, com a eleição de Eurico

Gaspar Dutra em 1946, foram de mudança no repertório do circo-teatro apresentado no

Circo Piolin. Especialmente porque, em 1943 aconteceria algo marcante na trajetória da

companhia: ele se fixaria na Praça Marechal Deodoro, zona Oeste da cidade, onde se

manteria por vários anos, se mudando somente uma vez: para a Avenida General

Olímpio da Silveira, em 1949, sendo montado num terreno pertencente ao Instituto de

Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), onde permaneceu até 1961188

,

quando o órgão requereu o terreno e fez com que Piolin baixasse a lona por mais de

uma década.

Antes, porém, de se fixar, o périplo continuou em 1942 e 1943: Rua Fradique

Coutinho com Teodoro Sampaio (20/1/42); Av. Celso Garcia com Tuiuti (22/4/42); Rua

Voluntários da Pátria (4/6/42); Rua Paraíso (27/9/42); Av. General Olímpio da Silveira

(6/1943) e Praça Marechal Deodoro (9/1943).

Naquela altura a fama das chanchadas do Circo Piolin já havia assaltado uma

nova geração de espectadores, um público infantil e juvenil dedicado a gargalhar das

187

Levantamento realizado nos jornais Folha da Manhã, Folha da Noite e O Estado de S. Paulo a partir

dos anúncios publicitários publicados pela companhia no período. 188

DANTAS, Arruda. Op.cit., p. 149. Conta o autor que esse último endereço envolveu a assinatura de

um contrato de cessão para três meses e a temporada se estendeu por doze anos.

125

suas criações e interjeições, entre elas o famoso “Xiiiiii!!!”, imortalizado pelo artigo

engavetado de Paulo Emílio Salles Gomes. No entanto, a década de 1940 seria a de

transformação do teatro nacional, especialmente pela iniciativa considerada marco da

consolidação de um teatro sério genuinamente brasileiro, a montagem, em 1943, de

Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, pela companhia Os Comediantes, dirigida pelo

diretor de origem polonesa Ziembinski, no Rio de Janeiro. O grupo vem a São Paulo no

ano seguinte, quando apresenta seu repertório no Teatro Municipal. O período, aliás, é

de florescimento de um criativo teatro amador, o que inclui o Grupo de Teatro

Experimental, sob o comando de Alfredo Mesquita, e o Grupo Universitário de Teatro,

dirigido por Décio de Almeida Prado. Ambos são precursores de uma geração de teatro

que atravessará as décadas seguintes. Mas tal importância ainda não era perceptível nem

ao mais visionário dos jornalistas. O que não era o caso de Carlos Lacerda. Já egresso

da militância comunista e aderido ao conservadorismo, opção que culminaria em 1945

com sua filiação à UDN (União Democrática Nacional, partido conservador fundado

para fazer oposição a Getúlio Vargas), o jornalista escreve em 24 de janeiro de 1943 um

artigo para o jornal Folha da Manhã. Sob o título “Encontros com o teatro nacional”,

Lacerda lamenta a falta de “uma tentativa de verdadeiro teatro no Brasil” e ironiza as

iniciativas do Serviço Nacional de Teatro de subsidiar as produções nacionais. Seu

desencanto com o teatro nacional é crescente ao longo do artigo, que é concluído com o

parágrafo:

- Cada povo tem o teatro que merece! – proclamava outro

desencantado.

A verdade é exatamente o contrário. Cada teatro tem o povo que

merece. Por isto o teatro nacional, mau gosto o esforço ora tragicômico,

ora comitrágico dos seus atores, dignos de todo o respeito, está entregue

às baratas. E quem lucra, além do Serviço Nacional de Teatro, que se

desdobra em partidas dobradas à cabeceira do moribundo, é o Piolin, o

Inefável. Inefável é bem o termo.189

Sua inefabilidade, bem maior que seus ganhos com a falta de um teatro

“verdadeiro”, continuava levando-o a experiências impensáveis como, por exemplo, a

transmissão de seus espetáculos diretamente do circo pela Rádio São Paulo. As sessões

eram as matinês de domingo e a novidade preenchia o horário do programa Picadeiro.

Como apreender o inefável Piolin somente ouvindo-o? Coisas de um tempo em que o

189

Folha da Manhã, 24 de janeiro de 1943.

126

rádio já havia conquistado sua hegemonia como meio de comunicação de massa,

especialmente impulsionado pela cobertura do conflito mundial, ainda em curso.

Anúncio publicado no jornal Folha da Manhã em 26 de setembro de 1943

Ao se fixar num mesmo endereço, o repertório encenado teve de ser mudado.

Como a ênfase sempre foi na comédia estrelada por Piolin, o circo teve de abandonar o

repertório fixo para se dedicar ao novo cartaz quase que semanal. Com exceção dos

sucessos retumbantes de público, que faziam o cartaz se estender por mais de uma

semana, alcançando temporada de quinze dias, o mais comum era uma peça nova a cada

sexta-feira. Isso fora as peças das matinês, em geral mais leves, e diferentes daquelas

encenadas à noite. Manter essa constância de novos cartazes exigia o acesso a mais e

nova peças. Assim, recorreu-se muito ao repertório de comédias de costumes,

consagradas nas décadas anteriores, como já pontuado, em especial da geração de

autores do carioca Teatro Trianon, além das encenadas pelas companhias itinerantes.

Assim, aparecem textos assinados por Luiz Iglezias, Paulo Magalhães, Armando Gonzaga,

Viriato Corrêa, José Wanderley, entre outros.

Outra inovação foi a inclusão no repertório de dramas sacros, entre eles Rosas de

Nossa Senhora (Celestino Silva), Vida e morte de Santa Terezinha do Menino Jesus

(Antônio Guimarães), Santo Antônio casamenteiro e São Judas Tadeu (ambas de

Ribeiro Escobar), O sinal da cruz (Francisco Colman) e a indispensável O mártir do

Calvário (Eduardo Garrido).

127

Com a intensificação do volume de peças encenadas no Circo Piolin, o

excêntrico ampliou a frequência de suas visitas ao Departamento de Diversões Públicas

(DDP), responsável pela censura teatral, como revela levantamento feito no Arquivo

Miroel Silveira, que guarda o acervo dos processos do órgão:

Ano No. peças Ano No. peças Ano No. peças

1933 3 1943 32 1953 32

1934 5 1944 34 1954 38

1935 - 1945 29 1955 49

1936 - 1946 18 1956 21

1937 1 1947 23 1957 2

1938 - 1948 34 1958 2

1939 - 1949 32 1959 -

1940 - 1950 26 1960 1

1941 - 1951 34 1961 -

1942 7 1952 26

Note-se que a presença de peças apresentadas ao DDP na década de 1930 é

pequena por o Circo Piolin trabalhar com repertório restrito e constante, de modo a se

intensificar nas décadas seguintes, quando o circo se fixa, obrigando à mudança semanal

de cartaz. Além disso, o certificado de censura emitido pelo órgão após apreciação e

liberação com cortes ou não tinha validade de quatro anos. Era muito comum um circo,

com validade de censura ainda por expirar, reencenar a peça ou até emprestá-la a outra

companhia. Assim, o Circo Piolin teve uma constância de encenação e um repertório

jamais igualado por qualquer outra companhia em atuação no mesmo período, entre elas

o Circo Seyssel (cuja atração principal era o palhaço Arrelia), Circo Liendo e Simplício,

Pavilhão François, Circo Arethuzza, Circo Irmãos Orlandino ou Circo Oito Irmãos

Melo, todos com muitas encenações de circo-teatro em sua programação.

Naqueles anos 1940 o Circo Piolin ganhou o reforço do ator, diretor e autor de

peças Olindo Dias Corleto, a quem deve o texto Que rei sou eu? (1946) e outras 14

peças190

de sua autoria, todas encenadas naquele picadeiro, mais intensamente na

190

Guerra aos tubarões (1946), Pão sem fila (1946), Meu marido é você (1948), Saudosa maloca (1955),

Eu sou Francisco e você? (1956), Festa junina no Arraial do Piolin (1956), Madalena, a virgem

apedrejada (1956), A canção de Bernadete (1956), A Silvana papa-tudo (1956), A sorte de São Pedro

128

década de 1950. Neste período ele também assinava a autoria de diversas revistas em

cartaz em vários teatros populares de São Paulo. Corleto é anunciado também no papel

principal de O mártir do Calvário na Semana Santa de 1946, quando a Folha da Manhã

anuncia: “A interpretação dessa peça estará a cargo dos atores Olindo Dias, Antonio

Mesa, Manoel Mesa, Dalva Dias e Aidé Leite, que farão, respectivamente, os papéis de

Jesus Cristo, Pilatos, Judas, Maria Madalena e Virgem Maria.”191

A partir do anúncio

deduz-se ser um conhecido ator de circo-teatro, uma vez que eram sempre escolhidos os

mais populares para encenar o texto clássico naquela data religiosa. Em muitos casos,

inclusive, a escolha recaía sobre o palhaço da companhia.

No mesmo ano é anunciada, a 6 de junho, Pão sem fila, com distinção do nome

do autor, o que não era comum nos anúncios de programação. A peça interessa por

lançar mão de fenômeno rotineiro durante os anos de guerra: enfrentar filas para

comprar pão. Mas no caso do estabelecimento de Patrício e Fidélis, é possível furar a

fila se o cidadão estiver mancomunado com uma ardilosa prática de câmbio negro.

Basta chegar e dizer que esqueceu um pacote no dia anterior, dar a senha “no escuro” e

evitar a fila de duas horas com Piolin e Pinatti nela. Aliás, não tarda a perceberem que

há algo errado. Logo são atualizados pelos padeiros sobre o esquema de câmbio negro,

mas os dois palhaços, espertos, dizem ser da polícia, botando os enganadores a fugir.

Assumem, então, a padaria. É o mote para vender pão sem fila! Mas, ao experimentar o

pão, Piolin descobre que eles explodem! Começa então a confusão na fila e a farsa

termina com um festival de pães sendo atirados e explodindo... Enfim, pura pantomima!

A temática da guerra, influenciada pelo noticiário do confronto global entre as

Forças Aliadas e as do Eixo, vem impregnada dos entrechos dos filmes de espionagem,

repletos de vilões tecnológicos, donos de fórmulas secretas e armas em

desenvolvimento, voltados a objetivos obscuros e escusos. Eles vêm substituir a

referência dos filmes de faroeste, que haviam influenciado parte da produção teatral de

Piolin. Certamente que os detetives e espiões dedicados a erradicar o “mal” eram

desempenhados pelo Piolin de sempre, com sua lógica transversa, sempre levando

vantagem e usando de uma comicidade física impagável.

Em 1943, ainda período em que transcorria a Segunda Guerra Mundial, o

ensaiador do Circo-Teatro Oito Irmãos Mello atendia pelo apelido de Paraguaté e

(1956), No país do papa fila (1956), O crediário abre às vinte (1956), Quando morre uma ilusão (1956),

Vai graxa, doutor?(1956). 191

Folha da Manhã, 17 de abril de 1946.

129

decidiu escrever seu primeiro texto teatral, batizado Defesa passiva, o mesmo nome do

serviço oficial militar que atuava no país para gerir situações emergenciais, como um

ataque iminente das forças inimigas. Agenor Gomes, o nome de batismo de Paraguaté,

apresentou a peça ao Departamento de Diversões Públicas em 15 de maio de 1943, com

indicação de que seria encenada no Circo Piolin. O certificado de censura foi expedido

quatro dias depois com diversos cortes e autorização para ser encenada até 19 de maio

de 1948. As intervenções haviam sido intensas, e isso mesmo o autor tendo o cuidado

de assinalar no texto apresentado ao DDP: “Esta peça tem a finalidade apenas de fazer

rir, e foi com esse pensamento que esbocei os personagens que ligeiramente passaram

pelo meu cérebro, pois são apenas pura ficção; longe de mim o intuito de ofender quem

quer que seja. Pois qualquer semelhança que houver terá sido mera coincidência”. O

mesmo artifício ele usara em outras peças com temática política e que, prevendo,

encontraria alguma restrição na censura (entre elas A queda da Gestapo, de 1942, para o

Circo Oito Irmãos Mello e Deus acima de tudo, de 1943, para o Pavilhão Teatro Soares,

dedicada “a todos os operários”).

O autor decidiu revisar a peça e o empresário do Circo Piolin, Galdino Pinto,

reapresentou-a, solicitando novas vistas. Nessa segunda versão, apresentada em 25 de

junho, o autor escreve, de próprio punho, a dedicatória: “A Piolim; o cômico de maior

público no Brasil, ofereço este meu trabalho, como prova de simpatia e coleguismo,

convicto de que só ele saberá dar desempenho impecável”. O recurso funcionou em

parte. A peça foi novamente liberada, mas também com cortes, e com a mesma validade

da versão anterior. O tema da peça era de fato espinhoso, e a época da solicitação

propiciava a reação da censura. Por isso o autor procurou valer-se do prestígio de

Abelardo Pinto Piolin.

Assim, ela foi anunciada na programação do circo publicada nas páginas do

jornal O Estado de S. Paulo, de modo que a estreia seria em 27 de junho. Ao ver o

anúncio, o diretor regional do Serviço de Defesa Passiva solicitou ao DDP – então

dirigida pelo Dr. Cândido Motta Filho – que o espetáculo fosse suspenso e o processo

encaminhado para a sua apreciação. A conclusão foi que as menções feitas ao serviço

eram “altamente prejudiciais ao elevado conceito e respeito que deve existir por parte da

população para com os Serviços instituídos pelas nossas autoridades para a proteção de

vidas e bens (...)”.

A comédia não era, de modo algum, ofensiva ao serviço. Ela se passa sob a

Segunda Guerra Mundial, quando um casal que vive às turras recebe a visita da filha e

130

do genro, este um antigo amigo de farras do pai. Os dois decidem, então, se alistar na

Defesa Passiva, um recurso de fachada que servirá de álibi para encontrarem suas

antigas amantes. Quando as mulheres os surpreendem, dão a desculpa de que estão em

sigilo, dando instruções da Defesa Passiva. Assim, os diálogos da peça são repletos de

jargões militares, o que a torna mais atual e cômica.

Para substituir o texto vetado, Paraguaté apresentou Futebol versus guerra, que

troca a Defesa Passiva pelo São Paulo F. C., e a Legião das mulheres pelo S. C.

Corinthians. A peça foi liberada, mas com vetos em 12 de suas 14 páginas. O mesmo

texto aparece no Circo Piolin com o nome Espionagem, encenado em 1945, retomando

o tom da guerra, mas com sotaque de filme americano e com novos cortes de palavras.

A substituição dos velhos vaqueiros e bandidos pistoleiros por espiões e

cientistas, e da briga por terras pelo roubo de documentos secretos e sigilosos,

obviamente não dispensou as trapalhadas cômicas do protagonista – Piolin, claro.

Nessas peças a conspiração quase sempre é internacional e os cientistas podem tanto

jogar para o bem quanto para o mal, pois há uma guerra declarada em que os lados estão

bem definidos. O estranho dr. Mawell (Luiz Macêdo), por exemplo, cria um soro

rejuvenescedor, e o testa no auxiliar Miguel, que acaba com a razão afetada. O mesmo

autor também criou o personagem-título Titan, um detetive mascarado que cai nas

armadilhas do Caveira, o bandido invisível, numa trama mais próxima das fitas

aventurescas do que das de guerra. Mas Piolin tem desafios maiores. Como, por

exemplo, enfrenta a Super Atômica (Iracy Viana), bomba concebida pelo dr. Pacífico

Pacato que, em vez de matar, leva a pessoa a outros tempos. Assim, por conta de um

acidente, todos vão parar na Roma antiga. Piolin age como se estivesse entrando num

baile de carnaval. Ensina os romanos a beber, fumar e jogar pif-paf, a exemplo do que já

havia ocorrido em Que rei sou eu?. Monta um time de futebol e enlouquece o

imperador. Mas ao final acorda de um pesadelo.

Também enfrenta inimigos na trama internacional Piolin contra a espionagem

japonesa. Decalcado das sessões corridas das matinês, geralmente em episódios, a peça

com cinco quadros promete um total de quinze, que somariam três peças, continuação

que não consta do arquivo do DDP, o que dá a entender que o projeto não prosseguiu. O

cientista aqui se chama Johnson e passou anos estudando o uso da eletricidade

atmosférica como combustível de submarinos e aviões. Piolin é repórter e quer uma

entrevista do cientista, mas, na hora H, são atacados por espiões vestidos de capetas, que

levam os planos do invento. A trama aí vai e volta em loopings à moda dos seriados. A

131

peça, aliás, está permeada pelo discurso democrático, enaltecendo os Estados Unidos

em seu empenho pela liberdade e com fundo patriótico. O mais interessante é que os

personagens principais, Piolin incluso, são americanos!

O mesmo ocorre em O Detetive Piolin e o Torpedo contra a quadrilha do

Fantasma (Iracy Viana), que se passa numa “cidade da América do Norte”, novamente

com direito a cientista que descobre um raio fulminante, roubado pela tal quadrilha do

título em intensas movimentações cênicas e história rocambolesca.

Em Espionagem à bordo, assinada por Piolin e Rogério de Lima Câmara, a

trama mescla espionagem e as peripécias de detetive já exploradas anteriormente pelo

circo-teatro. O capitão de um navio é encarregado de levar importantes documentos do

Brasil para os EUA e para garantir a segurança da missão, o delegado faz uma inspeção

geral dos passageiros a bordo. Contudo, pouco antes da partida, o próprio delegado

desaparece dentro da embarcação e o comandante, imaginando que ele havia

desembarcado, ordena a partida do navio. Durante a viagem surgem diversos tipos: uma

nordestina, um americano, uma famosa atriz de teatro e uma professora. Até que o

capitão é assassinado misteriosamente. A partir daí seu imediato passa a investigar o

crime e consegue descobrir, com a surpreendente ajuda do delegado, que estava no

navio disfarçado de paralítico, que a assassina é a professora, na verdade uma espiã

interessada em roubar os documentos. Piolin, claro, faz o imediato, repetindo papel

similar ao do detetive farsante, representada nas suas peças mais antigas.

Outras peças seguem o mesmo ritmo de fitas de guerra: A arma secreta (Ado

Benatti e Umberto Pelegrini), Detetive X69 no xadrez (Aldo Junior), O aranha negra

contra o escorpião (Oliveira Filho).

Outra temática que se sobressai no período é a caipira, que dá continuidade à

tradição das revistas de Sebastião Arruda e de Genésio Arruda, naquela altura reforçada

pela ascensão do gênero musical inaugurado em 1929 com a gravação do selo vermelho

da Columbia, por obra de Cornélio Pires e sua Turma Caipira. O formato das duplas

caipiras, introduzido já nas primeiras gravações, se torna o modelo adotado pelo rádio

para caracterizar a sonoridade rural, que naquela altura já começava a agregar

influências musicais estrangeiras, especialmente do Paraguai (rasqueado e guarânia) e

do México (corrido e rancheira), sonoridade que se torna frequente a partir da política

de Boa Vizinhança propagandeada pelos Estados Unidos durante e após a Segunda

Guerra Mundial.

132

A título de exemplo, três peças com temática caipira encenadas no picadeiro

vêm diretamente do rádio: Cabocla Tereza (João Pacífico e Pedro João Spina), de 1946,

encenação da trágica história gravada em 1940 pela dupla Raul Torres e Serrinha;

Passando a brocha (Ariovaldo Pires), de 1947, comédia assinada pelo radialista Capitão

Furtado com a turma do seu Arraial da Curva Torta, programa da Rádio Difusora; e

Porteira véia (Paraguassu), de 1945, drama do seresteiro que popularizou a toada

Tristezas do Jeca (Angelino de Oliveira) em 1937.

Contam familiares e amigos que o próprio Abelardo Pinto Piolin era amante da

música caipira e próximo de grande parte dos artistas que defendiam o gênero e

começavam a usar o picadeiro para shows e apresentações, processo que iria se

intensificar a partir da década de 1950. Mas o repertório não se restringiu aos textos dos

cantores. Piolin recorreu a outros autores, como Luiz Iglesias, que escreveu Rancho da

serra, melodrama que envolve a dupla traição da mulher, que além de abandonar aquele

que a ama, vai-se embora para a cidade; e Eurico Mesquita, de Sonhos de São João,

com Piolin às voltas com milagres e casamentos. Embora fossem mais dramáticas e

menos cômicas, as peças tratam essencialmente da divisão campo/cidade, e tocam numa

questão ainda bem delicada para aqueles que abandonaram sua origem rural atraídos

pela possibilidade de “fazer a vida” no colosso industrial urbano: a identidade cindida.

Nesse sentido, prevalecem, no embate das realidades arcaica e moderna, os valores que

reforçam o caráter individual, como a honra, por exemplo. Uma vez despojado

materialmente e sempre à margem da terra dos latifúndios, cultivando áreas que não lhe

pertencem, levaram o caipira, na condição de despossuído, a valorizar mais seu capital

subjetivo.

Ainda nessa temática estão os autores Gil Miranda e Álvaro Perez Filho, que se

tornariam nomes frequentes nos processos de peças a serem encenadas no Circo Piolin,

especialmente na década seguinte, que escrevem para o circo em 1945 o drama Honra

de caboclo.

Com o fim da guerra e retomada econômica e política – fechava-se o período de

exceção de Getúlio Vargas, espécie de ponto de honra pela participação do Brasil no

conflito com tropas expedicionárias na Itália em apoio às Forças Aliadas – a comédia

circense iniciou período de variedade temática, valendo-se particularmente da

habilidade autoral, desta vez de autores originados dentro do próprio universo circense.

É preciso, antes de prosseguira na análise do repertório do Circo Piolin, compreender de

133

que forma se desenvolveu esse campo artístico autoral no seio da arte circense, feita de

saberes transmitidos oralmente e que não incluíam a escrita teatral.

Os primeiros textos dialogados encenados, em geral combinados cômicos, não

tinham registro escrito, mas eram guardados pelos atores e palhaços pela repetição

contínua dos espetáculos. Decoravam-se as falas por gerações e aprendiam-se as peças

encenando-as com os mais velhos. A necessidade da escrita se impôs a partir da

instalação do aparato censório sistematizado a partir da criação do Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP), pouco antes da instalação do Estado Novo (1937) e de

seus braços estaduais, os DEIPs. A obrigatoriedade de apresentação do texto para

apreciação da censura obrigou o circense a escrever o que era saber oral e a atribuir um

autor a um texto que, de tanto passar de família a família, se tornara criação coletiva.

Essa passagem obrigou os circenses a experimentarem um incipiente domínio da

escrita, o que é perceptível na leitura dramática de alguns textos da década de 1930, de

Piolin inclusive, de modo que é possível identificar a preocupação gramatical daquele

que redige os diálogos das cenas.192

Uma década depois e o campo autoral já se

demonstrava praticamente construído pelo exercício da escrita e pela fatura de arranjos

para circo-teatro – adaptações de peças populares consagradas publicadas pela Livraria

Teixeira na coleção Biblioteca Dramática Popular em edições de baixo custo. A

contracapa dos finos volumes listavam as peças disponíveis na coleção, separadas pelo

número de personagens, o que facilitava a escolha por parte das companhias circenses.

Se o texto entrava para o repertório mas o elenco não supria o número de papéis, lá ia o

arranjador ajustar os diálogos e redistribuir as falas. Com isso, aprendeu-se a estrutura

dramática e a dominar a prática autoral. Assim, o processo de passagem do circo-teatro

oral para o escrito e deste para a formação de um campo autoral seguiu basicamente as

seguintes etapas:

192

No mês de outubro e novembro de 2011 foram lidas por atores iniciantes 12 comédias, a maior parte

atribuída a Abelardo Pinto Piolin, no Centro de Memória do Circo, dentro do projeto “Entre risos e

lágrimas – O teatro no circo (das pantomimas aos dramas)”, parceria mantida pela Secretaria Municipal

de Cultura de São Paulo com o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC), da ECA/USP.

134

Retomando a encenação das peças no circo de Abelardo Pinto Piolin, três peças

desses novos autores demonstram desenvoltura dramatúrgica capaz de atender às

necessidades de textos cômicos renovados para serem apresentados a um público cada

vez menos rural e mais afetado por outras linguagens culturais, entre elas as do rádio e

do cinema.

Entre os autores originários do circo e que produziram um considerável

repertório de comédias estão: Gil Miranda, Júlio Moreno, Álvaro Peres Filho, Oliveira

Filho, Umberto Pellegrini, Ado Benatti (também compositor de música caipira), Olindo

Dias Corleto, Agenor Gomes, Henrique Marques Fernandes, Miguel Santos, José

Ângelo, Oscar Cardona (pai de Oscarito), etc.

A censura obriga

os circenses a

escreverem aquilo

que era tradição oral

Ao escreverem as

peças, os circenses

procuraram cumprir

os preceitos da

correção da escrita

Ao procurar as

referências das peças

já escritas, passa a

ter contato com sua

estrutura dramática

Ao buscar essa

formalização, o

circense começou

a conhecer a escrita teatral

Ao passar a fazer

“arranjos”, ou seja,

adaptações das peças de

outros autores, começam

a ajustar a autoria

Ao assinar textos

originais, adentram

ao campo da autoria

135

A dupla Gil Miranda e Álvaro Perez Filho contribuiu muito com o Circo Piolin,

sempre costurando situações cômicas bem ao estilo do humor grotesco, sem perder o

refinamento das tramas. Uma delas estreou com sucesso no Circo Piolin em 1945. O

bamba da Barra Funda é o apelido de Zeferino (Piolin), que se apresenta para a vaga de

criado da casa de dona Genoveva, que vive querendo se mudar para o interior para

afastar as duas filhas do assédio dos namorados. Ao dizer ao marido que gostaria de se

mudar para Tremembé, este conta que ladrões haviam fugido do presídio daquela cidade

e que agiam na região. Tal aviso não os demove da ideia e, já instalados na cidade, as

histórias de assaltos e bandidos passam a amedrontar a família. Zeferino diz que irá

proteger a todos. Mas os dois namorados, inconformados com a mudança das filhas de

Genoveva, decidem ir atrás das amadas. Entram escondidos na casa de Tremembé e os

ruídos gerados pela invasão colocam a família em pânico. Descobertos pelas filhas, os

namorados contam que foram à casa protege-los dos ladrões, enquanto o valentão

Zeferino desaparece na noite. Com a atitude, acabam sendo admitidos pelos pais e

prometidos em casamento às filhas. No final, quando tudo se acerta, Zeferino irrompe

na casa portando um vistoso terno que diz ser de um dos ladrões. Pegou-o para si como

troféu enquanto punha-os a correr!

O já mencionado Olindo Dias Corleto assina Guerra aos tubarões, peça “crítica

atual musicada” em dois atos, como diz a capa do texto datilografado, encenada em

1946. Trata-se de uma alegoria cômica contra a prática de exploração por parte de

fornecedores de pequenas lojas de comércio. Logo de início o delegado manda um

agente verificar a situação das lojas da Bela Vista. Piolin é o cabo Pitangueira,

insubordinado do delegado, que protagoniza uma série de trapalhadas na caça aos

tubarões, achacadores dos comerciantes. O desfecho, com o grupo de bandidos sendo

desbaratado, conta com um discurso patriótico do cômico, como o pós-guerra exigia:

“Conosco ninguém podosco! E assim unidos, num só ideal, num apoio total,

defendendo o nosso caráter, o brio do cidadão brasileiro, seremos o exemplo vivo do

homem de amanhã, impedindo sempre com galhardia, que maus brasileiros, elementos

nocivos à nossa pátria, nos envergonhe aos cantos do universo, dando vazão aos apontes

da discórdia, exploração, extorsão, desigualdade, e falta de dignidade no seio da família

brasileira! E todos num só grito em prol da campanha aos tubarões, aniquilaremos o

136

monstro, o abutre que com suas garras sanguinárias pretende manchar o nosso pavilhão,

a nossa bandeira límpida e altaneira!”193

A peça foi liberada sem nenhum corte.

Mas, em termos de originalidade autoral, o jornalista Tito Neto sai na frente com

o texto Um antropófago em sociedade, que Piolin insistiu em chamar Peri comeu Ceci.

Como a peça havia agradado muito, Piolin pediu-me uma cópia, a fim

de apresentá-la em seu circo de alumínio, na Av. São João, e solicitou

também autorização para mudar o nome para “Peri comeu Ceci”, que

foi o título escolhido pelo famoso excêntrico. Chi! Que mão de obra deu

este título com a censura! Exibe, não exibe, no final o título teve que ser

simplificado para “Peri e Ceci”. Piolin alegava em sua defesa que Peri

era antropófago e o título estava de acordo, porque não havia mal algum

o índio devorar a sua companheira. Ele era canibal mesmo, que mal

havia nisto? Pois bem! Mesmo com o título modificado, a comédia

ficou em cartaz durante 15 dias seguidos.194

A proposta de Piolin ecoa um típico humor modernista que nem a galhardia de

Oswald de Andrade havia avançado tanto! Peri e Ceci, personagens da pena romântica

de José de Alencar, transformados em antropófagos e vivendo em sociedade! O texto de

Tito Neto não faz nenhuma alusão ao romance do século XIX, mas constrói um enredo

em que Lilico (Piolin), que vive em Goiás, chega a São Paulo vestido de xavante,

casado com uma índia, que roubou de uma tribo. Encontra com o irmão Ferdinando,

tipo efeminado, que cuida das fazendas junto com o pai no Rio Grande do Sul. Logo um

telegrama chega informando da morte do pai e começa a disputa pela herança. Na

verdade é Lilico quem está por trás da farsa para tirar dinheiro da mãe, que vive em São

Paulo. Ela incumbe Lilico de fazer a divisão da herança.

Mas duas visitas inesperadas vão complicar a situação: a de um cacique

antropófago, pai da índia fugida, que jura que irá comer o casal vivo; e o pai de Lilico e

Ferdinando, que logo lê no jornal sobre sua própria morte. O trambiqueiro Lilico é

desmascarado e, antes de fugir, é devorado pelo antropófago. Na cena de apoteose, o

casal está no inferno, sendo recepcionado pelo diabo e lamentando morte tão besta...

A trama é bem urdida e lança mão de um humor cuidadoso, pois as piadas

referentes ao efeminado Ferdinando jamais descambam para a homofobia, como era

comum no Teatro de Revista, por exemplo. Num dado momento, acontece o diálogo:

193

O contraste deste discurso com aqueles nonsense da primeira fase de Piolin é muito grande, o que

evidencia um certo “enquadramento” feito especialmente pelos órgãos de controle da produção artística,

como o DDP. 194

NETO, Tito. Minha vida no circo. Editora Autores Novos, São Paulo, 1986, p. 101.

137

Lilico – Escuto, oh duvidoso! Você conhece a anedota do papagaio do

Bocage?

Ferdinando – Não. Conte-me maninho, eu gosto tanto de piadas de

papagaio...!!!

Lilico – Não, se eu te contar agora, a censura me multa. E outra, essa

anedota, só homens é que podem conhecer.

Encenada em 1947, em período teoricamente menos acirrado da vigília censória,

pois o período de exceção havia terminado, a piada passou sem problemas. Afinal,

podia ser entendida como uma defesa, em vez de uma crítica, da vigilância moral da

censura em relação às piadas contadas pelos palhaços.

2.3 Piolin desvairado, rei da Pauliceia (1950-1961)

Fixado na av. General Olímpio da Silveira, local em que, entre 1949 e 1961

manteria seu Palácio de Alumínio195

, o consagrado Piolin se manteve como referência

da cidade, celebrado ainda por intelectuais e jornalistas, e consagrado pelo público fiel

que garantia uma nova geração de espectadores nas cadeiras do Circo Piolin. Naquela

altura da vida, o palhaço havia criado uma rotina que envolvia diversas atividades na

companhia, desde a mais nobre, ser a estrela das peças de circo-teatro, até a mais

prosaica, como ser o tabuleteiro do circo. E qual a tarefa dessa singular figura? Pintar os

cavaletes colocados diante da porta do circo para anunciar a peça em cartaz no circo-

teatro. E não se tratava apenas de letreiro. Verdadeiras gravuras estampadas com cenas

das comédias eram buriladas pelo pincel do tabuleteiro. Piolin tinha seu ritual, segundo

Chumbinho, que o conheceu no final da década de 1950. Ele acordava, fazia uma

garrafa térmica de café, ligava o rádio para ouvir a moda caipira, empunhava o pincel e

começar sua obra. Assim passava a manhã, até finalizar o cavalete.

Conheci ele pessoalmente fazendo isso aí... Tabuleta. Isso aí na época

não era, como a turma fala, tabuleta. Na época não. Há trinta, quarenta

anos atrás isso se chamava cavalete. Só que uma vez eu vi ele

chamando a atenção de uma rapaziadinha que tinha lá, mocidade,

quando sai de escola, porque tudo que era palavrão que saía e ele

escrevendo... você escuta aqui, passa pra tabuleta! Quando a tabuleta

estava prontinha... Por causa dos palavrões... Ele escreveu um dos

palavrões na tabuleta! Então ele era um mestre nisso aí.196

195

Tal apelido se refere à sua estrutura física e será explicado no próximo capítulo. 196

Entrevista concedida em 4 de novembro de 2011.

138

Mas essa é só uma das suas atividades matinais. O jornalista Audálio Dantas, em

reportagem publicada na Folha da Tarde em 5 de maio de 1958, na ocasião em que o

palhaço completou 50 anos de picadeiro e 61 de vida, reconstituiu um dia na rotina de

Piolin:

Seu dia é intenso: levanta-se às 8 horas, faz ginástica e depois vai dar

uma olhadela no circo; revê toda a instalação elétrica e depois vai pintar

cartazes para expor na porta. Almoça por volta do meio-dia, descansa e

lê um pouco. A tarde é para negócios: contratos com artistas,

pagamento de impostos, etc. Volta para casa (o próprio circo) às 17

horas. Janta e vai ensaiar os artistas durante uma hora. Depois disso, lê

mais um pouco, até que chegue a hora do espetáculo e, então, o cidadão

Abelardo Pinto é o rei do picadeiro (...) 197

Piolin tabuleteiro. Reportagem de Audálio Dantas publicada

no jornal Folha da Tarde em 5 de maio de 1958

A década também levou Piolin a experimentar novas linguagens. Além do rádio,

do qual participara na década anterior, nos 1950 ousaria atuar na televisão e no cinema.

No primeiro, na esteira dos palhaços que ancoravam circos eletrônicos, como os

pioneiros Fuzarca (Albano Pereira Neto) e Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo), que

animavam o Cirquinho Bombril, em 1950, na TV Tupi, sob a direção de Walter Stuart.

O Cirquinho do Piolin esteve no ar por ano e meio, entre 1951 e 1952. Assim como não

197

DANTAS, Audálio. Piolim completa 50 anos de picadewiro e anuncia: “Vencia a batalha do riso”.

Folha da Tarde, 5 de maio de 1958.

139

há registros sobre o programa pioneiro – tempos bem anteriores ao videoteipe, que

apareceria somente uma década depois – não há nada que reporte ao programa de

Piolin. Mesmo o esforço de memória empreendido por Vida Alves no livro TV Tupi –

Uma linda história de amor198

, arrisca ao menos um registro. Quem socorre, mais uma

vez, é Arruda Dantas, que assinala a estreia e a rápida extinção do programa. Aliás, que

coincidiu com o período em que Piolin atuou no filme Tico-tico no fubá, produção da

Vera Cruz dirigida por Adolfo Celi, na época marido de Tônia Carrero, atriz principal

da fita, ao lado de Anselmo Duarte.

Parte das cenas da primeira metade do filme, quando o circo chega à Santa Rita

do Passa Quatro, cidade do interior paulista reconstruída nos estúdios Vera Cruz para

contar a vida de Zequinha de Abreu, foram feitas no Circo Piolin. Toda a trupe de

artistas aparece, entre malabaristas, ginastas, trapezistas, e os palhaços Pinati e

Figurinha, seu genro.

No início da década seguinte, Piolin retornaria à televisão, na recém-inaugurada

TV Excelsior, Canal 9. Uma nota na coluna “Rádio e TV” do jornal Folha de S. Paulo

de 14 de agosto de 1960, anuncia a contratação de Piolin pela emissora, informando que

ele atuaria no programa O Grande Circo, televisionado do Teatro Cultura Artística aos

domingos, às 18h30. Na programação do dia 28 de agosto do jornal aparece o programa,

mas com o nome de Circo Piolin. A aventura durou pouco, pois em outubro do mesmo

ano a Folha de S. Paulo anunciava a substituição do palhaço no programa dominical.

No seu lugar entraria o tio-avô de Bibi Ferreira, esta a grande atração da TV Excelsior

no comando do programa Brasil 60, líder de audiência nas noites de domingo. Era

Chicharrão que, aos 72 anos, voltava à cena, em sua primeira aparição na televisão,

anunciado como pai de Torresmo, grande atração do Cirquinho Bombril da TV Tupi.

Em nenhuma das ocasiões em que atuou na televisão ou no cinema, Piolin foi

novamente acusado de abandonar o picadeiro, como quando da ocasião em que tentou o

teatro. Talvez, o maior acusador fosse o próprio Piolin. Averso às linguagem

audiovisuais, não se admirava no vídeo. Por isso sempre retornava ao seu espaço

“natural”, o picadeiro.

1954, o ano em que se celebrou o quarto centenário de São Paulo, foi uma época

em que homenagens, romances, reportagens, etc. rememoraram personagens que

haviam feito a metrópole. Nesse acervo imaginário de tipos, Afonso Schmidt, jornalista

198

ALVES, Vida. TV Tupi: uma linda história de amor. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.

140

e escritor, relaciona o sr. Abelardo Pinto, como se refere na crônica “Piolin”, publicada

no livro São Paulo de meus amores. “Não me lembro se o vi, ou se sonhei com ele;

estava como sempre: chapéu de coco, redondo, com a copa enterrada até às orelhas,

colarinho que daria para o pescoço da família inteira, jaquetão de um defunto que

pesava pelo menos dez arrobas, sapatos 84, bico largo, e a sua famosa bengala que mais

parece anzol de pescar submarinos.”199

Após a detalhada apresentação, o texto começa a

montar a cena: Piolin está num bar e tenta tomar o café, com dificuldades de encaixar a

bolota vermelha do nariz dentro da xícara. Nisso, a cena adquire uma lentidão que

contrasta com o ritmo metropolitano, tudo porque irrompeu no rádio do bar “uma valsa

daquelas que bolem com a alma da gente”.200

Ao final da música, Piolin pede outro

café, pois não poderia mais beber daquele que havia acolhido suas lágrimas. “Depois o

palhaço saiu, pisando mole com os sapatos imensos. Fazia parar os bondes. Trepava de

um lado e descia do outro. Dali a pouco, subiu pela torre de São Bento e montou a

cavalo no ponteiro grande. Tirou um estilingue do bolso e começou a caçar as estrelas

do céu...”201

Ao final da crônica Schmidt admite que fazia anos não “tinha a felicidade

de ver o Sr. Abelardo Pinto”202

. Mas era daquele jeito que via o “palhaço da cidade”.

Foi ainda sob a lona de Piolin que aconteceu em 19 de fevereiro de 1954 o Baile

das 4 Artes, organizado pelo Clube dos Artistas, fundado em 1932 com o adjetivo

“Modernos” no final do nome, pelo controverso artista plástico Flávio de Carvalho. Era

chamado carinhosamente de “clubinho” por seus frequentadores, entre eles Di

Cavalcanti e Carlos Prado. Da mesma forma que havia feito em 1952 no restaurante

Prato de Ouro e no ano seguinte no Instituto dos Arquitetos do Brasil, assinou a

decoração do baile empregando figuras míticas e de animais. Era um reencontro com as

referências intelectuais modernistas, já tão distantes no tempo da época em que Oswald

de Andrade vivia a importuná-lo, pedindo que explicasse melhor essa ou aquela gag

usada no picadeiro, como se fosse fácil explicar algo que vinha da habilidade aplicada e

não de algum manual de palhaços. Naquele mesmo ano, Flávio de Carvalho também

criou cenário e figurinos para o bailado A cangaceira, do repertório do Bailado do IV

Centenário.

A desenvoltura cênica de Piolin não esmorece e seu repertório se torna mais

eclético, reunindo subgêneros cômicos como a alta comédia (comédia de costumes,

199

SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. Clube do Livro, São Paulo, 1954, p. 69. 200

Idem. 201

Idem, p. 70. 202

Ibidem.

141

como Compra-se um marido, de José Wanderley, e Feia e Chica Boa, de Paulo

Magalhães, entre outras), as revistas circenses (A caixinha de Piolin, de Nair Bevedê) e

carnavalescas (como O carnaval está na rua, de Gil Miranda) ambas derivadas do

Teatro de Revista, além das tradicionais chanchadas (entre elas É muita cocada e O

fantasma gostosão, do próprio Piolin).

Entre os anos de 1954 e 1956 há o registro de um surto de peças assinadas por

Piolin encaminhadas ao Departamento de Diversões Públicas para censura. Não é

possível que sejam todas da lavra do palhaço, a maior parte delas no estilo da comédia

de costumes, quase todas em três atos. Os textos que constam dos processos são bem

similares, datilografados sempre pelo mesmo secretário, alguns deles com título

assinalado em letra cursiva. Há ainda títulos mudados, com novo nome datilografado e

colado sobre o escrito anteriormente. A noiva de papai, por exemplo, encenada em

1955, tem o nome original de Almas em conflito, título mais ajustado a um

melodrama.203

E Punhos de aço é o nome colado sobre O pugilista. Todas a peças do

período trazem a indicação no pé da página de rosto: “Repertório do Circo Piolin”.

É bem provável que o palhaço, naquela altura também empresário do próprio

circo – seu pai falecera em 1945 –, tenha tido acesso a algum acervo de peças que,

ajustadas ao elenco da companhia, foram encaminhadas para censura com Piolin

assinando a autoria. Em uma dessas peças, a autoria é contestada pela Sociedade

Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Trata-se de Saudosa maloca, baseada no samba

de Adoniran Barbosa e encenada em 1955, mesmo ano em que a gravação é lançada e

ganha a programação do rádio e a simpatia do público. Reapresentada em 1962, a SBAT

corrige a autoria, atribuindo-a a Olindo Dias Corleto. De fato, esse autor já havia criado

texto para o samba Que rei sou eu?, o que faz crer que seria uma de suas características

autorais.

Títulos como Aventura perigosa, A falsa ilusão, Agulha no palheiro, Caçado

como fera, O castigo vem de cima, por exemplo, remetem mais a dramalhões do que a

comédias. O interessante é que o tipo de comédia dessa meia centena de peças destoa

das velhas e tradicionais chanchadas. São, de fato, comédias no sentido teatral, não de

circo-teatro, o que representa uma larga distanciada do repertório que o consagrou até

ali. A adoção de peças com estrutura dramatúrgica mais elaborada, com enredo baseado

em intrigas e urdiduras que vão sendo desatadas antes do encerramento, e não de uma só

203

O título aparece no Arquivo Miroel Silveira com autoria atribuída a Florêncio Sanchez, com tradução

e adaptação de Aparecida Pimenta, encenada em 1942.

142

vez e de forma súbita, como nas chanchadas, com duração maior, etc., confirma o temor

de Mário de Andrade, expressado no mesmo artigo publicado na década de 1920 que

enaltece a concepção do texto Do Brasil ao Far-west:

Piolin carece conservar a inconsciência do seu valor. E sobretudo a

indiferença no criar. Pra certa ordem de artistas geralmente a

perseverança do valor depende da desatenção estética com que

inventam. Piolin se quiser conservar o valor extraordinário que possui

tem de permanecer o criador desatento que até agora foi. Já as peças

dele vão se tornando importantes no tamanho. Algumas têm 2 atos

como “Do Brasil ao Far-West”. Já no cenário a preocupação do

característico domina inutilmente e nem sempre orientada pro lado

cômico. Quero dizer: bem orientada. Se percebe que a maravilha do

jardim do 1º ato é fruta de mero acaso. Da mesma forma quando na

cena do bar aparece aquele poder de garrafas vazias de Chianti, o

cômico não é voluntário, é inconsciente. E também naquela utilização

do heroico, quando Piolin chega montando o cavalo bonitão e

tratadinho. Carece cuidado. Nos últimos tempos algumas das farsas de

Piolin (que perfazem verdadeiramente um ciclo da pantomima

brasileira) arrastam por momentos cansativos, devido ao tamanho e

sobretudo ao caráter comédia que vai se intrometendo nelas.204

Muito embora o arranjo dramático de Piolin para essas peças continue sendo o

da chanchada circense, encenando em arremedo e usando o texto como base para os

improvisos e os diálogos tipicamente de palhaços, como revelou em depoimento já

citado José Miziara, trata-se de uma clara mudança no repertório e que reflete também o

quanto o público que lotava suas sessões também tinha mudado.

Mas, analisando as peças que constam nos processos de censura do DDP, é

possível identificar vestígios daquela desatenção original de suas comédias de picadeiro,

embora a maior parte das peças tenham os três atos, até mesmo aquelas com o nome do

palhaço: O vaqueiro Piolin (trama de roubo de gado, que retoma o estilo do faroeste

mais uma vez), Piolin Tarzan (a referência ao cinema, com o palhaço como um cientista

perdido e desmemoriado na selava, que age como Tarzan) e Coroné Piolin (o

tradicional entrecho do casamento arrumado, com Piolin fazendo o pai do pretendente e

exigindo respeito apesar da sua bronquidão).

A última peça que aparece no Arquivo Miroel Silveira é Piolin no planeta

Marte, arranjo de Que rei sou eu? adaptado aos moldes dos filmes de ficção científica

que abundaram na cada vez mais acirrada Guerra Fria. Filmes como O dia em que a

terra parou (1951), O enigma de outro mundo (1951), A guerra dos mundos (1953), O

204

ANDRADE, Mário de. Op. Cit..

143

mundo em perigo (1954), A invasão dos discos voadores (1956) e Planeta proibido

(1956), dão sua contribuição ao imaginário popular da época. Um ano antes da peça de

Piolin ser encenada, em 1957, a União Soviética lançava a cadela Laika ao espaço

depois da experiência bem-sucedida do satélite Sputnik. Na comédia, logo de início, a

dupla de cientistas busca um voluntário para enviar a Marte em troca de 500 mil

cruzeiros, depois de ter enviado ao planeta um macaco, uma cesta de gatos e duas

dúzias de frangos. Fugindo da sogra, Piolin (ou Zé), bêbado, aceita seguir em viagem

interplanetária. Ao chegar a Marte, é confundido com o rei do planeta pelo “lunático”

(habitante da Lua) que vai desposar a filha do marciano e acaba roubando-a no final.

Mas é desmascarado pela sogra, que chega num outro foguete somente para colocá-lo

em seu devido lugar.

Novamente nesta versão a condição inicial do protagonista excêntrico é a

estranheza. É por isso audacioso, pois não receia quebrar as regras, enfrentando o

mundo que julga não pertencer com ironia, humor e excentricidade. Sua resposta a

qualquer situação estabelecida é sempre o grotesco, comprometido que está em arrancar

o riso da plateia. Mesmo em Marte, descrê da tecnologia e, assim, mantêm um traço de

Romantismo ao resgatar uma ingenuidade atávica contra o avassalador avanço técnico.

É essa oscilação entre o contemporâneo (efêmero e atual, de onde extrai o humor) e o

grotesco (condição do tipo excêntrico, que vive no limite entre o bom-senso e o

absurdo). Enfim, uma chanchada para coroar a tradição e, ao mesmo tempo, confrontar

os novos tempos que impõem, de vez, a modernidade. Não o modernismo retórico dos

amigos intelectuais, nem a simplicidade do público que aprendia a viver na metrópole às

custas de um doloroso processo de rompimento com um passado ainda recente. A

modernidade que, em seu atropelo sem remissão, levaria de roldão o próprio circo.

Era, enfim, a véspera de um novo tempo. Logo o terreno da avenida General

Olímpio da Silveira seria retomado pela prefeitura e o palhaço iria se retirar com sua

casa-camarim para a Freguesia do Ó, sem apoio para reaver o circo inaugurado quase

trinta anos antes. Naquele novo tempo, o tempo de Piolin iria se encapsular no camarim

de madeira onde viveu seus últimos anos, como afirma em seu depoimento ao MIS:

Esta casa em que eu vivo, agora é unicamente por recordações. Matar

saudades do meu tempo. Porque aqui era o meu camarim quando eu

estava no meu circo. E todas as minhas glórias, as minhas alegrias, o

meu sucesso, eu sentia aqui dentro dessas quatro paredes. De maneira

que sou muito grato a ela, que tive os bons momentos... e os maus

144

também... fui muito feliz, muito visitado por gente importante e nunca

notaram isso.

Antes de seguir a última década de vida de Piolin, há ainda uma dívida a ser

paga: ouvir a voz dos que frequentaram seu circo. Entender de que modo sua lona, além

de contribuiu na construção da cultura paulista e brasileira, marcou certa sociabilidade,

uma vez que, como opção de entretenimento popular, interferiu na vida e no sonho do

homem simples.

145

6. O público

Os admiradores do Sr. Abelardo Pinto iam vê-lo

no seu circo, estivesse onde estivesse. Nada mais justo.

Ele já divertiu uma geração; agora,

está começando a divertir a outra.

Para a gente pequena é alegria.

Para a gente grande começa a ser saudade.

Afonso Schmidt

6.1 O circo e seu entorno

Quase trinta anos de atividades e uma unanimidade entre jornalistas e

intelectuais, o Circo Piolin só conseguiu alcançar tamanha longevidade por conta do

público que sempre lotou suas sessões, para satisfação da companhia, que sempre

primou pelas comédias durante esse período. Era essa a marca do circo e Piolin sua

maior estrela. As reminiscências de Arthur Miranda sobre as tardes em que passou sob a

lona da avenida General Olímpio da Silveira remetem ao público e ao tipo de espetáculo

que encantava a atenta assistência:

Era lotado. E era um circo bem montado. Era uma beleza! Pra época...

Acho que não tinha nenhum outro circo assim. Hoje é comum ter um

circo assim, mas na época era... era todo assoalhado, era maravilhoso!

Parecia um teatrão. Já era na Olímpio da Silveira. A peça era o final.

Então havia atrações, de cantores, de números circenses mesmo, mas a

peça, no final, aí entrava a família toda, a esposa, acho que... ah! Tinha

uma entrada que era antes da comedinha final. Havia a entrada dele,

Piolin e Pinatti ou o Tony, quando o Pinatti não se apresentava entrava

sempre esse Tony que inclusive é amigo meu e eu não sei onde ele

anda... Tinha muita coisa que ele fazia com apito, era muito bom, os

passarinhos. Aquilo era muito engraçado e todo mundo queria. Mesmo

quando as pessoas, como eu, por exemplo, assistiam aquilo várias

vezes. Mas sempre tinha coisa diferente. Era gostoso ver aquilo, era

muito bom. O Piolin tinha uma comunicação em cena impressionante.

Com o público. Ele tinha assim, vamos dizer, um encanto cênico.

Com o tempo e em endereço fixo, a estrutura do circo, de fato, foi se

distanciando bastante da arquitetura circense tradicional, com lonas e cordas, adquirindo

adaptações que o aproximavam de um pavilhão ou mesmo de um teatro, como compara

Arthur. Além do assoalho, a estrutura abandonou a lona em detrimento das folhas de

flandres, o que garantiu o apelido de “Palácio de alumínio”, como lembra Chumbinho:

Fez a cobertura por cima e depois tirou a lona por baixo. Aí ficou

Palácio de Alumínio, que era a cobertura de folha. Aí ficou lindo, ficou

146

bonito. (...) Primeiro não era assoalhado. Depois que foi feito o Palácio

de Alumínio que ele, além de fazer o palco, aí ele assoalhou o tablado

até na beirada da entrada do pano de volta. Tinha um palco e a pista. Ali

na pista que levava número de cachorrinho, levava malabares; o mágico

já trabalhava lá em cima, às vezes aqui embaixo, porque tinha aparelho

que precisava... Ele levava vários números lá. Foi um esquema que ele

fez aí. O palco lá no fundo e um tabladinho ali na frente. Um palquinho

mais baixo assim.

Esse palquinho também faz parte da memória de Arthur Miranda, que

acompanhou as matinês do circo entre 1947 e 1952:

O circo Piolin tinha palco... tinha um palquinho e tinha uma extensão

que era o picadeiro. (...) Eu vi um cantor, não sei se era cantor... Ele

fazia o seguinte: tocava uma bateria, tinha um violão, uma gaita e ele

tocava e cantava. Não me lembro o nome dele, mas ele era bem

conhecido na época, em circo. Se apresentava em vários circos, mas eu

o vi muitas vezes no Piolin. E ele cantava uma musiquinha assim: “Eu

na vida vivo a cantar/só porque não aprendi a chorar/ quando passo pela

rua,/vivo a assobiar: fiu fiu fiu, fiu fiu fiu...” Era isso. Era uma das que

eu me lembro.

Mesmo antes dessa nova estrutura, o circo de Abelardo Pinto, por ser mais fixo e

menos mambembe, sempre primou pelo bordão que deu ao crítico Paulo Emílio Salles

Gomes o título de sua crônica, repetido nas páginas de programação de entretenimento

dos jornais paulistanos: “solidamente armado”. Mas o Circo Piolin não era popular

especificamente por isso, por oferecer um conforto maior ao público, pois as salas de

cinema rivalizavam nesse quesito à altura e, na maioria das vezes, com larga vantagem.

Vivia-se ainda a época de ouro dos grandes palácios exibidores, com ambiente faustoso

e entretenimento garantido a preços acessíveis ao grande público, embora os ingressos

dessas salas fossem mais caros que os dos circos.

Portanto, “conforto” era um atributo encontrável em outras opções de diversão

da São Paulo das décadas de 1930 a 1960. Algo, aliás, que os meios de comunicação de

massa tirariam partido ao oferecer efeito similar sem remover o ouvinte/espectador do

seu principal local de conforto: seu próprio lar. Havia, antes, um atributo mais

elementar, possível de desfrutar no panóptico205

do picadeiro, e este é a sociabilidade.

Ou, mais ainda, a possibilidade de rir junto.

205

A comparação é de Jean-Pierre Angrémy, no prefácio do livro O circo no risco da arte, de Emmanuel

Wallon (Autêntica, Belo Horizonte, 2009). Empregando a metáfora usada por Michel Foucault para tratar

da sociedade disciplinar, se refere ao picadeiro como aquele que todos veem mas a maioria não tem a

certeza de que também são observados pelos artistas.

147

Antes de se fixar na zona Oeste da capital, no bairro da Barra Funda, o circo

perambulou por uma década pelos bairros então periféricos do velho centro da cidade.

Da tradição do Largo do Paissandu em abrigar lonas circenses desde o século XIX,

restou o Café dos Artistas, que seria ainda por muitas décadas o ponto de encontro da

classe circense, onde a maioria iria fechar contratos em temporadas, também local de

reunião, todas as segundas-feiras, dia de folga no circo, de empresários, secretários e

artistas. Lá também permaneceram os escritórios de empresários não só do circo, mas

dos cantores populares, duplas caipiras, galãs e até atores. Logo as companhias foram

atrás de espaços urbanos próximos às concentrações populares, em geral bairros

operários, como Brás, Moóca, Belenzinho, Cambuci e Pari, na zona Leste; Vila Mariana

e Ipiranga, na zona Sul; Lapa, Vila Romana, Água Branca e Barra Funda, na zona

Oeste.

Fixar lona na Barra Funda e poder torná-la uma casa luxuosa, um “palácio”,

mesmo que de alumínio, significava ter um espaço diferenciado para um público já

acostumado à dureza das arquibancadas de tábua, mas disposto a rir a partir daquele

chamado “poleiro”. Chumbinho dá outras pistas para começar uma investigação sobre o

sucesso de público do circo:

Olha, era sempre lotado. Das vezes que fui lá não peguei uma casa

vazia. Não peguei nenhuma. Nem dia de semana. Quando era vendido

espetáculo escolar, escolar entre aspas, porque grupo escolar tinha só os

estaduais, não tinha esse negócio de municipal, era estadual, aí vinham

os colegiais, faculdade eram poucas, não tinha muita faculdade na

época, então era tudo vendido. Quem comprava eram as firmas,

inclusive uma que ele... se recebeu não sei... que, patrocinou ali foi uma

que inclusive o meu pai trabalhava, que era essa... da família Matarazzo.

Era patrocinador forte dele. E depois mais outro patrocinador que ele

teve fortíssimo, da Grapete, que fazia aquele refrigerante 7UP, que

patrocinava as matinês. Se a matinê desse vazia, tava garantido. Mas

não ficava, porque naquela época as famílias iam ao circo. Levava as

crianças.

Mas quem frequentava as concorridas sessões do Circo Piolin? Para se

aproximar da resposta é preciso entender o entorno da lona mais concorrida da cidade.

A Barra Funda, nome advindo da barra do rio Tietê, formou-se como bairro a

partir da Chácara do Carvalho, do Conselheiro Antonio Prado, que ficava exatamente

onde posteriormente se instalou o Circo Piolin, numa extensão que vai da Praça

Marechal Deodoro à rua Vitorino Carmilo. A várzea só começaria a se desenvolver

urbanamente a partir da virada do século XX quando pequenas indústrias se instalaram

148

na região, entre elas as dedicadas à produção de tinta de escrever, de massas e de óleo,

além da Fábrica de Vapor de Tecido e Fiação de Corda e de Barbante206

, fundada em

1892. O próprio Antonio Prado fundou, em 1897, na Água Branca, a vidraria Santa

Marina.

Em 1900, quando se inaugurou a primeira linha de bonde em São Paulo, o

terminal bairro foi instalado na Chácara do Carvalho, pois era onde ficava a residência

de Antonio Prado, o primeiro prefeito de São Paulo (1899-1911). Construída uma

década antes com projeto do italiano Luigi Pucci, que também desenhara o Museu do

Ipiranga, a sede passou a abrigar ruidosos saraus com grande presença de intelectuais.

Tal construção acabou motivando o desenvolvimento do vizinho bairro Campos Elíseos,

onde se instalaram casarões da nata endinheirada com a cultura do café. A região foi,

pois, o primeiro bairro traçado para abrigar moradias de ricos, por obra dos alemães

Frederico Glette e Victor Nothman entre os anos de 1882 e 1890.

Símbolo do período de fausto pré-crise de 1929 é o Teatro São Pedro, construído

no bairro em 1917, somente seis anos após o Teatro Municipal. Inaugurado com uma

montagem do romance A moreninha, de Joaquim Manuel de Macêdo, a casa com 900

cadeiras se destinava à encenação de operetas, dramas, comédias e concertos. Mal a

elite cafeeira entrou em decadência, o teatro também sucumbiu. Logo se tornou exibidor

de produções cinematográficas, sendo incluído no Circuito Serrador.

A várzea do Tietê passou a abrigar indústrias têxteis, metalúrgicas e químicas,

processo que avançaria as décadas de 1920 e 1930, com ocupação demográfica por

moradores de origem italiana, especialmente vênetos. A população negra também

cresceu rapidamente, formada por ex-escravos e ex-colonos vindos do interior nos

vagões da Estada de Ferro Sorocabana, cujo terminal era na Barra Funda, que se

alojaram no bairro, inicialmente para trabalhar na estiva e depois nas casas luxuosas dos

Campos Elíseos.

A concentração de indústrias gerou a construção de inúmeras vilas operárias,

especialmente após a instalação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM),

num complexo de 100 mil metros quadrados na Água Branca, empreendimento que, em

1925 contava com ramificações em 17 áreas de produção fabril. Mesmo apanhado pelo

crack da Bolsa de Nova York, Matarazzo não fraquejou como os barões do café: ao

contrário, reforçou a sua produção sem se apoiar em nenhum dos grupos políticos que

206

BRUNELLI, Aideli S. Urbani e outros. Barra Funda. Série História dos Bairros de São Paulo, volume

29, Departamento do Patrimônio Histórico, São Paulo, 2006, p. 20.

149

disputavam o Palácio do Catête, incluindo aquele cujo séquito iria amarrar seus cavalos

no obelisco carioca, Getúlio Vargas. O parque fabril da Água Branca se consolidou

como o maior polo industrial do país, abrigando grande contingente de operários que se

agruparam nas redondezas, seja na barra do rio ou nos bairros contíguos à Lapa e à

Barra Funda. Muitos deles tinham no Circo Piolin a opção de lazer de fim de semana,

tão raro em tempos que antecediam a organização das leis trabalhistas, obra de Getúlio

Vargas no final dos anos 1930.

Nas décadas seguintes, os contingentes que ocuparam as redondezas da Barra

Funda foram outros. Com a decadência dos Campos Elíseos, o bairro de Higienópolis

ascendeu como área privilegiada, especialmente por estar mais distante do ramal

ferroviário, onde se agrupou a população mais pobre.

Surgido também de uma fazenda da família Prado, de D. Veridiana, mãe do

Conselheiro, que para lá se mudou em 1884, o futuro bairro de Higienópolis abrigou

igualmente casarões dos barões do café. O palacete em estilo francês de D. Veridiana

foi concebido após sua visita a Paris em 1882. Instalada no casarão dois anos depois, a

filha depositária dos negócios do Barão de Iguape hospedou no mesmo ano a Princesa

Isabel e, em 1887, o próprio Imperador D. Pedro II. Costumava abrir os portões dos

jardins aos domingos para as crianças da região brincarem com seus netos e os salões do

palacete, à noite, para abrigar intensos debates intelectuais e literários, dos quais

participavam o engenheiro Teodoro Sampaio, o abolicionista José do Patrocínio, o

escritor Capistrano de Abreu e o médico Pereira Barreto, entre outros.

Os comerciantes alemães Martinho Buchard e o mesmo Victor Nothmann

adquiriram, na virada do século XX, as terras das fazendas do advogado Barão de

Ramalho e de Joaquim Wanderley, próximos à Consolação, loteando-as e vendendo-as

a compradores com alto poder aquisitivo. Por ser o primeiro bairro planejado com rede

de esgotos e encanamento para fornecimento de água, ficou conhecido como a “cidade

da higiene”. Mas o nome Higienópolis teria se originado da companhia homônima que

administrava um hotel instalado na região para abrigar doentes tuberculosos.

Com o fim do dinheiro do café, o perfil do bairro foi mudando, especialmente

nas décadas de 1940 e 1950, quando passou a abrigar os primeiros edifícios residenciais

com projetos modernistas dos arquitetos Rino Levi e J. Artaxo Jurado. A verticalização

só foi possível após mudança na lei de zoneamento municipal, que até ali permitia a

construção de edifícios apenas na região central da cidade. A classe média alta

endinheirada foi ocupando esses edifícios de alto padrão, dividindo espaço com os

150

casarões das famílias remanescentes da aristocracia rural paulista que ainda mantinham

propriedades no interior. Tanto uma quanto a outra dependia de mão-de-obra doméstica

para manter sua vida de fausto.

As famílias, naquela época, eram bem tradicionais e tinham todos em

suas casas, motorista, cozinheira, copeira, babá, passadeira – lavadeira

geralmente não era de lá, a lavadeira vinham dos bairros da periferia,

pegava as roupas e depois entregava. (...) A minha mãe conheceu o meu

pai, ele era motorista de uma família, na rua Piauí, e ela morando na rua

Bahia... O bairro de Higienópolis era um bairro bem eclético, os nomes

das ruas do Nordeste e as famílias riquíssimas... um contraste! Na

mesma época os senhores do café tinham suas mansões. Tinham suas

fazendas de café e geralmente eles traziam seus funcionários dessas

fazendas. Foi o caso da minha mãe. Ela veio com essa família com oito

anos, da região de Bauru. Ela perdeu os pais, eram sete irmãos. Então

eles foram divididos pelas famílias tradicionais da região. Ela veio com

a família Guimarães. Eles tinham plantação de café na região, o meu

avô morava numa dessas fazendas e aí ela veio com essa família. Ela

era uma criança cuidando de outras crianças.207

Janete Souza Oliveira, filha de dona Gersira e do seu Joaquim Adão, ouviu as

histórias de família de um tempo em que as relações sociais dificilmente eram

independentes das relações de trabalho. O tempo livre para a sociabilidade, geralmente,

era eximido do convívio familiar, o que exigia que grupos se organizassem para buscar

formas de preencher o tempo dedicado ao lazer.

Nas décadas de 30, 40... 40, 50, ela era babá aqui em São Paulo e me

contava que as empregadas domésticas nos finais de semana se reuniam

na praça Vilaboim e na praça Buenos Aires para marcarem para onde

elas iriam fazer o seu final de semana, o seu lazer. E geralmente era ou

assistir filmes... Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo... ou ir aos circos.

(...) Para elas o circo era uma opção assim mais corriqueira. Porque era

barato e elas podiam expressar... o circo tem essa magia, você pode

expressar o seu sentimento, você grita, você chora, você ri, você

participa junto com a cena. Então isso para elas seria uma válvula de

escape. Minha mãe falava que era um mundo mágico e de sonhos. (...)

Bom, elas saíam, geralmente elas moravam no trabalho. Então elas não

tinham uma casa onde elas podiam ir aos finais de semana, os familiares

moravam no interior... (...) E o divertido, minha mãe contava, eram os

grupos que iam para o circo para assistir aquela magia toda acontecer. E

ela falava muito do Piolin. E o Piolin era, pra ela, o maior humorista!

Ela falava já rindo. Quando ela começava a falar dele ela já começava a

rir. Eu perguntava: “Porque a senhora está rindo?” “Ah, é porque estou

lembrando das palhaçadas dele!”

207

Depoimento de Janete Souza Oliveira, dado ao autor em 24 de julho de 2012.

151

O circo adquire, assim, um papel de promotor de interação social, um campo de

construção de uma identidade do cidadão cindido – vem do campo e precisa se adequar

ao ritmo da sociedade industrial –, um espaço dedicado ao exercício da sociabilidade

externa à realidade laboral, esta marcada por jornadas contínuas, onde se mora onde se

trabalha e onde se dedica continuamente aos patrões. É a “válvula de escape”, na

definição de Janete, para se sonhar acordado, para o reconhecimento do palhaço como o

detentor da mecânica dessa válvula, que consegue vestir a contradição e dela construir

sua forma de “se dar bem”. Afinal, o excêntrico é, na maioria das vezes, também o

criado que desafia o patrão, que lhe ensina outra lógica, ou pouco se importa se ele

compreende ou não a sua própria ilogicidade.

Mas essa memória específica do circo, do riso em Piolin, emerge do tempo do

divertimento, “(...) um espaço regido em parte por outra lógica, e aberto ao exercício de

uma certa criatividade: a vida familiar, o bairro, as diferentes formas de entretenimento

e cultura popular que preenchem o tempo do lazer.”208

Embora seu tempo seja menor

comparativamente ao do trabalho, ele tem uma função social implícita, segundo

Magnani. “Atividade marginal, instante de esquecimento das dificuldades cotidianas,

lugar enfim de algum prazer – mas talvez por isso mesmo possa oferecer um ângulo

inesperado para a compreensão de sua visão de mundo: é lá que os trabalhadores podem

falar e ouvir sua própria língua”.209

No caso específico do Circo Piolin, se trata do “mundo mágico e de sonhos” de

uma assistência que perdeu sua identidade original e familiar, e que se ajusta ao tempo

das relações de trabalho, buscando novas formas de sociabilidade.

Eles se reuniam, iam pro circo, se encontravam, iam reunidos ou

quando chegavam lá, e... saíram muitos casamentos no circo... O da

minha mãe foi um. Porque era um lugar aberto, pois na época era uma

outra educação. Não podia pegar na mão, e o circo deixava mais

descontraído. Acho que isso favorecia os encontros. Elas não tinham

uma casa, então elas não tinham um lugar para poder apresentar os

namorados. O circo favoreceu então a vários casamentos entre essas

pessoas que saíam juntas. E o ambiente do circo que era um ambiente

de rir, descontraía e favorecia as pessoas a quebrarem um pouco a

barreira da timidez, aquela coisa toda, e acabaram em casamentos e

mais casamentos.

208

MAGNANI, José Guilherme Cantos. Festa no pedaço – Cultura popular e lazer na cidade. Hucitec,

São Paulo, 2003, p. 29. 209

Idem, p. 30.

152

Demarcada a sociabilidade no espaço público do circo, onde se podia, em

contraste, construir uma privacidade não permitida no espaço de trabalho, o homem

simples210

podia experimentar a fuga da realidade cindida imposta pela modernidade,

gerando um complexo processo de construção de identidade, ponteado por uma vasta e

constante variedade de oscilações dialéticas entre público e privado, consciente e

inconsciente, arcaico e moderno, trabalho e lazer, lógico e ilógico, passado e futuro,

corpo e alma.

6.2 A modernidade e o homem simples

O circo envolve a sociabilidade do cidadão de uma metrópole em construção,

emergente, polifônica e polissêmica. No entanto esse homem simples guarda traços

marcantes de uma sociabilidade rural – a temática caipira das peças é herança desse

tempo sem tempo – ao passo em que é talhado pelas referências externas, em especial as

do cinema norte-americano – que implanta tramas guiadas pela realidade da guerra e

pelas conspirações. O homem simples, portanto, constrói um imaginário a partir dos

signos da modernidade, mesmo que a partir da cisão a que sua condição humana está

exposta.

O sociólogo José de Souza Martins acredita que só é possível investigar a

modernidade se for considerado o modo como “o moderno e os signos de modernidade

são incorporados pelo popular”211

, pois nesse processo de mediação é que se pode

observar as dificuldades da modernidade. Ao empreender tal processo, é possível

percebe que as camadas populares apreendem o moderno como simulação, ou seja,

como expressão da inautenticidade. Um moderno “capturado pela mentalidade

tradicional na trama de relações sociais que não se modernizam além de certo ponto,

bloqueadas pela condição dependente do capitalismo na periferia dos centros

hegemônicos”.212

Essa simulação acaba gerando certa crítica ao mesmo moderno a

partir do referencial da tradição, e se dá “mais no rir do que no pensar”.213

Martins

aponta: “O riso crítico nasce e se apoia, justamente, na desengonçada e caricatural

junção do que é propriamente moderno com o que não o é; na forçada convivência de

210

O sociólogo José de Souza Martins define este homem simples “cuja existência é atravessada por

mecanismos de dominação e de alienação que distorcem sua compreensão da História e do próprio

destino” e que “luta para viver a vida de todo dia, mas que luta também para compreender um viver que

lhe escapa porque não raro se apresenta como absurdo, como se fosse um viver destituído de sentido”.

(MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. São Paulo: Contexto, 2008, p. 9) 211

Idem, p. 29. 212

Idem, p. 30. 213

Ibidem.

153

relações desencontradas, culturas justapostas e desfiguradas pela justaposição”.214

Se o

processo se dá no âmbito da subjetividade, desatado por um processo inconsciente –

tanto que se materializa no riso, antes que no pensamento – ao considerar o circo como

espaço de justaposição de culturas – de hibridização cultural, onde erudito, popular e

massivo dançam num processo de intensa troca simbólica – a construção cênica cômica,

ao valer-se da colagem temporal, espacial ou social, promove de certa forma esse

processo crítico em que o homem comum confronta sua condição social e existencial.

Martins aponta o gênero musical caipira como exemplo do humor crítico aos

elementos da modernidade, por combinar “as possibilidades discrepantes do antigo

circo itinerante e as novas possibilidades modernas do disco e do rádio”.215

A

ambiguidade que mantém preso o homem simples a uma “travessia inconclusa e sem

destino”216

, por revelar o inautêntico, parece se exacerbar na expressão do circo-teatro.

O riso advindo do deboche, essa instituição nacional, que se destaca sem se tornar

crítica social, é o lastro popular que atravessa as incertezas originadas pelo confronto

entre o tradicionalismo e a modernidade, especialmente quando se trata do confronto

entre fé e festa (tradição) e as relações de trabalho (moderno).

Esse confronto se expressa no cotidiano, do qual o homem simples é o “novo

herói da vida”.217

Ela é o campo em que se joga a peleja entre a tradição e o moderno,

entre o cotidiano e o imaginário, entre o trabalho e o lazer. Novamente, Martins socorre:

“A vida cotidiana começa a nascer quando as ações e relações sociais já não se

relacionam com a necessidade e a possibilidade de compreendê-las e de explicá-las,

ainda que por meios místicos ou religiosos; quando o resultado do que se faz não é

necessariamente o produto do que se quer ou do que se pensa ter feito.”218

Portanto o

que se vive na vida cotidiana é um viver alienado.

Num outro texto, em que analisa o universo onírico do homem simples, o

sociólogo recolhe narrativas de sonhos e percebe que há um conceito “popular” de

sonho em que o imaginado se afasta da experiência cotidiana e, em geral, assume

características ligadas ao absurdo e ao ilógico.219

A forma do homem comum conhecer sua própria alienação é por meio dos seus

sonhos, segundo Martins. “Nos sonhos, de fato, elas sonham com as contradições que

214

Ibidem. 215

Idem, p. 27. 216

Idem, p. 30. 217

Idem, p. 52. 218

Idem, p. 71. 219

Idem, p. 61.

154

definem um modo (histórico) de ser e de situar-se no mundo.”220

O universo onírico, ao

se organizar a partir do estilo cognitivo da vida cotidiana, acaba gerando imagens que

evidenciam situações indesejáveis geradoras de temor e terror. A abordagem

sociológica, aliás, se apoia na relação entre o sonho e a vida cotidiana, que balança na

incerteza da alienação do homem comum. Em contraste, o sonho vivido na

subjetividade abre uma larga brecha na constatação de que o real está alinhado com o

racional. Ao ser ameaçado em sonho, ele gera temor. Por sua vez, a realidade alienada

pode ser subjetivada pelo riso ante a representação do irracional. Piolin sentando no

trono, assumindo o reinado após acordo com um rei cansado de sua condição, ao se

perguntando “Que rei sou eu?” está expressando a alienação, suscitando o riso crítico

que não gera mudança social, mas que alimenta uma sociabilidade calcada no riso

coletivo, na partilha da angústia pelo próprio riso.

6.3 O campo da memória

O sonho vivido na subjetivação se ocupa assim, não do campo onírico, mas do

campo da memória. Para ali a contenda do cotidiano se transfere, fazendo da

contradição uma defesa. Ao se tornar narrativa memorialista, esse espaço de sonho

cumpre sua função social de, nas condições específicas daqueles que tinham no circo

seu único espaço para exercer uma sociabilidade não oprimida pelas regras do trabalho,

fazer daquele espaço de crítica velada, a sua “válvula de escape”, no contexto daquele

que viveu a experiência e no daquele que ouve a experiência. Por isso lembrar já suscita

o riso. Assim como dona Gersira ri ao se lembrar de Piolin, o velho sonho emerge, e

vem já lapidado. “Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não

sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais”, defende Ecléa

Bosi.221

Assim, a experiência da brecha do sonho pelo riso cria uma nova camada de

memória, que difere da memória do trabalho, por exemplo, que Ecléa faz confundir com

a própria essência da vida.

Nesse sentido, é plenamente compreensível quando Janete testemunha:

Ela fazia questão de contar as histórias do circo, repetir, falar. Eu acho

isso bonito no pessoal da outra geração. Eles saíam de lá e continuavam

sonhando. Chegavam em casa sonhando. Do circo ela dizia que era pra

sonhar. Que ela ia pra sonhar. Acho que a vida assim... apesar dos

220

Idem, p. 75. 221

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,

p. 81.

155

patrões serem maravilhosos, a vida era dura porque não estavam junto

com os parentes... Então acho que ela se desligava e sonhava. E esse

sonho ela passou pra nós.

Para Magnani o circo-teatro é o terreno onde os contrastes são marcantes e que

se desenvolve a partir de adaptações à realidade contemporânea para adquirir não só

verossimilhança, mas para evidenciar os contrastes dessa mesma realidade. Se

aproximarmos essa interpretação da dramaturgia do palhaço, onde a leitura enviesada a

partir da lógica do contrário irá despertar um personagem “fora de seu próprio centro”

(excêntrico), perceber-se-á que os contrastes saltarão do picadeiro diretamente para a

consciência – e inconsciência – do espectador, que é o nosso homem comum. Assim, o

círculo de oscilações dialéticas se fecha: entre o sonho e a vigília, o passado e o

presente, e o trabalho e o lazer, transpassa o circo-teatro, Piolin e a comédia, sua

contemporaneidade e o riso grotesco. Fontes onde pulsam uma sociabilidade possível na

modernidade.

6.4 Piolin: o corpo e a alma do circo

Mas a sentença decretada por Oswald de Andrade – de que todas as dialéticas

são engraçadas – não sossega, e como um excêntrico dialogando em busca da solução

do seu problema imediato, arremeda cada frase repetida, até encontrar uma síntese

possível – ou impossível. Se ela acaba de ser esboçada com a reflexão sobre sonho,

memória e tempo livre, em contraste com a alienação, a angústia e o trabalho, na própria

figura de Piolin desponta nova contradição. Sim, o humor circense é físico e o corpo

grotesco do palhaço a sua expressão. E é ele quem guarda a alma do circo, como

observa Mário Bolognesi.222

A compreensão desse novo par dialético não requer

abstração ou análise histórica, mas um olhar atento, mesmo que do ponto de vista de

uma criança revivida num exercício de memória inescapável, como o faz Arthur

Miranda, cujo depoimento já citado atribui a Piolin a alma do circo, que é a alma do

fazer rir e do fazer rir junto.

Se a entrega física a um tipo de humor baseado no corpo grotesco é a essência

do fazer rir do palhaço, aquilo que caracteriza o tempo histórico, o espírito do tempo, a

contemporaneidade, se expressa num tipo de comicidade que retém a característica por

excelência do palhaço, a capacidade de garantir à plateia a sua catarse.

222

BOLOGNESI, Mário. Palhaços. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p.194.

156

Lipovetsky afirma que com a Idade Moderna o cômico grotesco perde a festa –

faz isso citando Bhaktin – e se dissocializa, tornando-se dono de um humor privado,

tornando-se crítico, “civilizado e aleatório”.223

O palhaço, ao manter a comicidade

grotesca se torna a cápsula do tempo do riso criador. O riso que abre a válvula de escape

para que a “verdade” flua, como aponta Patrícia Galvão, a Pagu, assinando K. B. Luda,

no jornal O Homem do Povo224

, em 7 de abril de 1931: “Aqui até Piolin fala a verdade.

E nós estamos vendo toda a mentira embaixo de nós. Aqui se respira e se desabafa. A

inteligência e o desabafo são ouvidos. Aqui até Piolin fala a verdade”225

. A crônica

poema se refere a uma visita do excêntrico à redação para rever amigos e onde eles

veem sua “figura sem máscara, sem tinta, a mesma inteligência do clown”226

.

Se a sociedade industrial irá reduzir a espessura do humor, como afirma

Lipovetsky: “(...) o humor aqui já nada tem a ver com o espírito, como se tudo o que

tivesse uma certa profundidade pusesse em perigo o ambiente de proximidade e de

comunhão”227

; Piolin cumpriu a função de, no âmbito do seu tempo, alinhar a catarse

criadora da comicidade grotesca com a contemporaneidade. Aqueles que puderam rir

junto com suas comédias, puderam reconhecer o estranhamento do palhaço ante as

situações tão similares à realidade de ruptura da sociedade industrial, que legaram esse

mesmo riso às gerações que os sucederam, cumpriram a missão de uma plateia que hoje

não existe mais, mas cujo riso ecoa entre as amuradas da metrópole em busca de, como

definiu Elias Thomé Saliba228

, uma epifania que pode virar libertação.

223

LIPOVETSKY, Giles. A era do vazio. Lisboa: Relógio d’Água, 1989, p. 130. 224

Nos oito números publicado do jornal, Piolin aparece como “Director de scena” da seçãoPalco, tela e

picadeiro. 225

ANDRADE, Oswald de e GALVÃO, Patrícia. O Homem do Povo, Edição completa e fac-similar. São

Paulo: Imprensa Oficial, 1984. 226

Idem. 227

LIPOVETSKY, Giles. Op. Cit., p. 131. 228

SALIBA. Elias Thomé. Op. Cit., p. 306.

157

6. Os últimos anos

Mas Piolin não morrerá hoje, nem de alegria, nem teatralmente.

Menotti Del Picchia

Os vinte anos que o Circo Piolin esteve armado na zona Oeste da capital

paulista, primeiro na Praça Marechal Deodoro, quando monta seu Palácio de Alumínio,

depois na av. General Olímpio da Silveira, o beneficiaram pela localização e pelo

potencial de público da região. No início da década de 1960 esse potencial já estava se

exaurindo. As indústrias se transferiam para locais mais distantes, Higienópolis se

verticalizou e, especialmente, o centro se expandiu. Não havia mais espaço para um

circo num período em que a expansão urbana exigia espaço para novos

empreendimentos. Lembra Franco Alves Monteiro, o palhaço Xuxu, último parceiro de

Piolin (1972):

Aquele terreno era do antigo INPS, como é que chamava? IAPC? Ele

pagava aluguel daquele terreno. No começo eles deram o terreno.

Depois começou... os olhos cresceram, eles viram que o Piolin tinha

bom espetáculo, toda semana ele renovava, tinha muito público. Na

época era uma febre o Circo Piolin ali. O povo ficava todo doido pra

chegar o final de semana e assistir. Ele pegou o nome, era jornal,

revista, televisão, o pessoal da televisão ia alugar o circo dele durante a

semana, pra ir apresentar uma peça... 229

Despejado do terreno em 1961, amargurou a falta de apoio para reverter ou ao

menos adiar a decisão do órgão governamental. Retirou-se para a Freguesia do Ó, onde

mantinha uma propriedade, lá instalou sua casa-camarim, onde passou a morar. Amigos

e jornalistas se mobilizaram, entre eles o influente colunista da Folha de S. Paulo,

Tavares de Miranda, que escreve em 12 de janeiro de 1962, logo após o despejo:

Piolin, fique certo que todo São Paulo está com você. A batalha não é

sua, porém de todos nós que gostamos das suas comedinhas, das suas

chanchadas, dos seus números de aramismo, de equilibrismo, da sua

bandinha emocionante. Não podemos perder o nosso refúgio de sonho e

encantamento que você nos dá tão prodigamente.230

A falta de picadeiro para trabalhar o desanima muito. No mesmo registro ao

MIS, dez anos depois, afirma, com amargura: “Fui despejado e até hoje não sei por que

229

Depoimento prestado durante pesquisa de doutorado deste pesquisador. 230

Folha de S. Paulo, 12 de janeiro de 1962.

158

e nem quero saber”. No mesmo dia, 27 de maio de 1971, numa reportagem publicada na

Folha de S. Paulo ele se queixava: “Hoje o terreno é reduto de malandros”231

. Sim,

porque o local permaneceu vazio, sem ocupação por parte de quem o requereu de volta.

A mesma amargura serviu para construir a frase que abre a reportagem e dá título a ela:

“O circo não tem futuro, mas nós temos de batalhar muito para que ele não pereça”.

Francisco Honório Rodrigues, seu último empresário, conta que havia outros

motivos para essa falta de disposição:

(...) ele tinha uma mágoa muito grande de nunca reconhecerem ele por

nada. Ele teve muitos anos aqui na general Olímpio da Silveira, o circo,

neste terreno que tem hoje lá uma casa de jogo, de bilhar, já foi bingo,

tal, ele ficou muitos anos lá e era um circo montado com poltronas de

cinema, estofadas, tudo de alvenaria dentro. Depois, no final, ele

alugava aquele circo para programa de televisão, era feito ali um

programa de circo, as noitadas de box, ele passou a alugar aquilo

também. Mas aí tiraram dele assim: tinha um mês, trinta dias pra sair.

(...) disseram que iam construir urgentemente, não sei o quê, tiraram ele

de lá e ficou mais de dez anos vazio o terreno. Ele ficou... por que me

tiraram dali? Depois também apareceu um deputado que queria arrumar

uma aposentadoria pra ele. Fez um processo... Alguém pedia por ele

porque ele não era de pedir nada. Fez todo o processo e quando chegou

lá em Brasília negaram. Porque ele não conseguiu comprovar, olha que

absurdo, comprovar que ele trabalhou.

Ainda em 1964, outro jornalista, Regis Vita, publica nota em sua coluna

intitulada “O palhaço Piolin continua na rua da amargura”, com o seguinte texto:

Despejaram o veterano palhaço Piolin do circo que ele tinha no fim da

av. São João. Argumentaram os donos do terreno que ali seria

construído um prédio. Isso aconteceu há mais de um ano. Hoje aquele

local é um campo de futebol e o querido artista, que alegrou diversas

gerações, continua na rua da amargura. É necessário dar uma

oportunidade a esse homem que ofereceu tudo de si às crianças!232

Os esforços não conseguiram sensibilizar as autoridades, ainda mais no ano em

que o Golpe Militar nublaria qualquer clamor popular, fosse por liberdade de expressão

ou em benefício de um artista circense. Por conta disso, Piolin passou os cinco anos

seguintes recolhido em seu camarim, trabalhando muito pouco e sem aparecer na

imprensa. Naquela altura o outro grande circo da cidade havia se incendiado há mais de

uma década: o Irmãos Seyssel, que fez longa temporada no Largo Pólvora, bairro da

231

Folha de S. Paulo, 27 de maio de 1971. 232

Folha de S. Paulo, 13 de janeiro de 1964.

159

Liberdade, foi consumido sob o viaduto Sta. Ifigênia, no Anhangabaú, em 1953. Arrelia

havia se transferido para a televisão desde os primórdios desta, iniciando um programa

na TV Record, de Paulo Machado de Carvalho, naquele mesmo ano. Sucedeu outros

palhaços, como Torresmo e Fuzarca, que inauguraram o Circo Bombril da TV Tupi, em

1950, dirigido por Walter Stuart. Este, da família Canales, ganhou programa na extinta

TV Excelsior em 1963, O maior espetáculo da terra, para o qual convidou Piolin para

participar. No entanto, a própria Excelsior sucumbiu ao Golpe de 64. Pressionada pelos

militares, perdeu renda e iniciou um penoso período de sobrevida que se prolongou até

1970, quando decretou falência. Piolin sobreviveu a esse período se apresentando em

festas infantis ou como convidado em espetáculos de amigos.

Seu nome só retorna aos jornais em 1971, quando o pesquisador Julio Amaral de

Oliveira retorna da viagem à Europa, onde estuda os temas circenses e volta para, junto

com o grupo do Museu da Imagem e do Som, recolher os depoimentos dos palhaços que

representaram o período áureo do circo brasileiro: Chicharrão, Piolin e Arrelia. Outra

iniciativa de apoio ao palhaço partiu do escritor Pascoal Lourenço, que organizou o

movimento “Colarinho de ouro” em homenagem a Piolin. Suzana Amaral,

impulsionada por esse movimento de intelectuais e jornalistas, decide documentar

Piolin, após concluir um curta-metragem sobre a Semana de 1922. Com 75 anos e saúde

precária, Piolin aceita fazer o filme.

Naquele mesmo ano, se sentiria impulsionado a promover uma mudança

profissional, mesmo com a idade avançada e com os problemas cardíacos. Francisco

Honório Rodrigues relembra:

Ele trabalhava com um rapaz que era companheiro de dupla e

empresário dele, que era o Antônio D’Ângelo, era o Tony (...) Aí ele me

procurou, teve um desentendimento com o rapaz e foi me procurar, pra

ver se eu queria cuidar das coisas dele (...) Eu era presidente das

comissões de circo da Prefeitura (...) Então, quando o Piolin me

procurou eu falei: com o maior prazer e tal. Inclusive, nesse dia mesmo

em que ele me procurou, ele falou: eu tenho duas pessoas que estão me

procurando, eu queria que você visse pra ver o que é que eles querem.

Um era um pessoal de Ribeirão Preto que queria fazer uma homenagem

com ele lá, ele é de Ribeirão, queria ver o espetáculo dele lá. E o outro

era do MASP, do Pietro Maria Bardi, que estava procurando ele, que

iam comemorar os 50 anos de Arte Moderna, uma festa grande, aqui na

avenida Paulista, aqui no museu.

A opção recaiu sobre a homenagem no Museu de Arte de São Paulo (MASP),

especialmente porque envolvia um espetáculo comemorativo que seria inaugurado pelo

160

governador de São Paulo, Laudo Natel. Aliás, somente este dia seria patrocinado pela

Secretaria de Estado da Cultura. Como a montagem do circo demandaria um grande

esforço operacional, o diretor Pietro Maria Bardi acabou oferecendo ao empresário uma

temporada em plena avenida Paulista, o que era, até ali, um fato historicamente inédito.

Tudo acertado, mas ainda havia alguns entraves que tentaram tirar o brilho da iniciativa.

O primeiro problema veio justamente da mulher de Bardi, a arquiteta Lina Bo, que

imaginava montado, ali no vão que projetou, um circo “caindo aos pedaços”. “Ela se

encantou com o circo de uma vila, bem caído, o picadeiro no chão, marcado com

pauzinhos enfiados em volta, uma coisa bem... E ela ficou louca. É isso! Aquelas

tabuletas pintadas a mão, ela queria aquilo lá na Paulista. E eu não podia por uma coisa

assim na Paulista”, relembra o empresário. Com o apoio de Bardi dissuadiram-na da

ideia e montaram um circo com picadeiro alto, pois havia a intenção de levar, além das

variedades, a segunda parte de circo-teatro. Aí surgiu novo problema. Foram

contratados atores de televisão comandados por Olindo Dias Corleto, antigo ator e autor

de peças que atuou no Circo Piolin, mas o resultado não foi satisfatório e a ideia acabou

abandonada. Foi montado então o espetáculo com doze números de variedades e, ao

final, Piolin dominando o picadeiro.

Enfim, um terceiro entrave aconteceu após a estreia, durante a temporada,

motivada por uma briga política entre o governador Laudo Natel e o prefeito Figueiredo

Ferraz. Francisco Honório conta que a prefeitura decidiu retirar o circo do vão do

MASP com o argumento de que, se pegasse fogo, o calor do incêndio poderia fazer a

estrutura do museu ceder e desabar233

. Há pouco mais de uma década, em dezembro de

1961, um trágico incêndio no Gran Circo Norte-Americano, instalado em Niterói (RJ)

havia levado 500 espectadores à morte. Por conta dessa preocupação, a prefeitura

enviou uma equipe de fiscais, num domingo, com a intenção de desarmá-lo. O

empresário, que não encontrou Bardi para interceder a favor do circo, buscou ajuda com

o maestro Walter Lourenção, que era diretor do MASP, e ambos localizaram o prefeito

por telefone. Estava no Clube Pinheiros, onde foi jogar tênis. Chamaram-no ao telefone

e, para evitar o impasse, este autorizou o circo a permanecer no local durante o final de

semana, prometendo nova negociação em breve. “Aí, na segunda-feira cedo, eu parei

em casa e toca o telefone. Nove horas da manhã, na minha casa, era o doutor Paulo

233

Na década de 1950, quando Lina Bo Bardi concebeu o projeto do MASP obedecendo a cláusula da

doação do terreno feita por Joaquim Eugênio de Lima de que a vista do antigo Belvedere do Trianon seria

mantida, o que a motivou a desenhar o vão livre, a arquiteta buscou apoio do então Secretário de Obras do

município, que era Figueiredo Ferraz e que endossou a inovação.

161

Bonfim, que era o Secretário de Cultura na época. Ele falou: ‘Ô Francisco’, eu conhecia

ele, ‘escuta, você tá disponível agora? Eu precisava com você pegar o Piolin que

precisamos ir lá no Palácio’”, lembra. Foi o trio encontrar o governador, que não chegou

a atende-los por conta de outro compromisso. Mas seu Chefe de Gabinete recebeu

Piolin e afirmou, conforme a lembrança de Francisco Honório: “O governador mandou

dizer o seguinte pra você: fique lá onde você está, porque quem manda em São Paulo é

o governador”. A contenda política, que parecia superada, ainda não havia findado. Na

terça-feira, antes do espetáculo das 15h, a sirene do Corpo de Bombeiros irrompeu pela

avenida Paulista. Era a resposta do prefeito ao governador, segundo o empresário.

(...) dois enormes carros de bombeiro, com seis bombeiros em cada

carro, eles param na Paulista, cruzam, param o trânsito, sobem... tem

um degrau ali, os caminhões sobem o degrau, fica um de cada lado, com

seis bombeiros, ligam os hidrantes na água... (...) Um escândalo! Um

carro de bombeiro de cada lado! O circo era pequeno! (...) Era

engraçado! Os bombeiros ficaram assistindo o espetáculo lá. No

primeiro dia foi, no segundo dia foi, no terceiro dia já não foram os

carros de bombeiro, só três bombeiros; noutro dia um e acabou, nunca

mais foram! Nós ficamos lá três meses.

A homenagem aconteceu em 2 de maio de 1972, quando a mostra sobre a

Semana de 22 foi aberta no MASP. A solenidade contou com a presença dos desafetos

Laudo Natel e Figueiredo Ferraz234

, secretários de Estado e do município, convidados,

num evento que, desde o despejo do terreno da General Olímpio da Silveira, em 1961,

parecia querer reparar o descaso público com o palhaço. Finda a festa, o empresário

relembra que foi levá-lo de volta à casa, o camarim instalado no terreno na rua Cajati,

na Freguesia do Ó. “Eu ficava com muita dó. Esse homem já tem idade, setenta e tantos

anos, morar sozinho, sabe... Aí ia embora pensando: meu Deus, uma hora atrás, duas

horas atrás, São Paulo inteira, imprensa, governo, governador abraçando, agora a

realidade, sozinho...”

Tanto na estreia quanto na temporada que se seguiu na Paulista quem fez dupla

com Piolin foi o palhaço Xuxu.

E o Piolin precisava de um clown do lado dele. Aí, então, ele começou a

escolher, se ia fazer com um, com outro. Porque o irmão dele já tava

bem velhinho, já não queria. Aí ficou naquela escolha... Talvez fosse

234

Em 1973 Laudo Natel poria fim à briga demitindo por carta o prefeito, usando como pretexto uma

frase dita por Figueiredo Ferraz, que soou como uma afronta ao ufanismo da época: “São Paulo precisa

parar”.

162

pegar o genro, o Figurinha. Aí ficou aquele esquema, né? Vai, não vai.

Aí o Chiquinho falou: “Um cara bom pra você, versátil, é o Xuxu!”

“Ah, o Xuxu! Mas ele tem circo!” “Ué, tem circo, mas pode trabalhar

com você.” Na época eu tinha uma companhia muito boa e o palhaço do

meu circo era eu. Mas aí botei uma equipe pra trabalhar e fui trabalhar

com o Piolin.235

Na realidade, era muito difícil arrumar um companheiro pra ele. Tinha

que ser um “clom”, mas não tinha “clom”. O Xuxu não era a pessoa

indicada porque o Xuxu era palhaço. Pintado. Não tinha muito a ver.

Mas o Xuxu trabalhava com ele direto, esse negócio do Xuxu estar no

circo com a família e cuidar dele era uma coisa que... sabe, ele

respeitava muito ele. Mas não tinha. O bom mesmo era um cara branca.

O Tony era cara branca. Piolin conhecia o Tony há muito tempo. Mas

foi bem explorado... A mágoa dele, quando foi me procurar foi essa.236

Eram três espetáculos diários, às 15h, às 17h e às 21h, sendo que no domingo se

aumentava uma sessão, às 10h. As vesperais eram lotadas, mas nas sessões noturnas o

público rareava, por conta do Parque Trianon, do outro lado da avenida, na época

considerado perigoso pela frequência de marginais e prostitutas. Francisco Honório

lembra, no entanto, que num final de semana, na sessão das 15h, um emissário comprou

um lote de entradas para a sessão noturna, causando espanto até mesmo à bilheteira.

Eram vinte cadeiras. No momento do espetáculo da noite, assim que Piolin entrou no

picadeiro, as vinte pessoas se levantaram e jogam flores para o palhaço. Era a

apresentadora Hebe Camargo com um grupo de amigos.

A temporada acabou despertando a classe artística e circense para a importância

de Piolin. Num período em que a produção artística era controlada pela censura federal,

que parte dos atores, músicos e encenadores viviam no exílio em busca de

oportunidades de trabalho, a busca por um referencial do passado não parecia afrontar o

controle da criatividade exercida pelo governo militar. Um ritual inaugurado no MASP

influenciou também uma nova abordagem da figura de Piolin. Como a presença de

crianças nas sessões vesperais era constante, por força das excursões promovidas por

professoras do então Ensino Primário, no final de cada espetáculo era comum o palhaço

se sentar numa cadeira à beira do picadeiro e as crianças fazerem fila para abraçá-lo e

beijá-lo. Piolin tornou-se, então, o palhaço das crianças – até então sua própria persona

indicava um hábil manejador do duplo sentido e da gag verbal, sempre voltada ao

humor adulto. Para um repórter da Folha de S. Paulo, ele diz: “Não posso é parar. Aos

235

Depoimento de Franco Alves Monteiro (Xuxu) dado durante pesquisa de doutorado deste pesquisador. 236

Depoimento de Francisco Honório Rodrigues.

163

75 anos começo a rodar com o meu circo novamente. Para mim não existe fracasso.

Apenas fico triste quando não estou fazendo a garotada se divertir”.237

Cumpre a apresentação em Ribeirão Preto, no Colégio Espetacular e no Clube

Palmeiras. Foi nessa época que aconteceu um fato que revela um pouco mais do

enigmático personagem. No Café dos Artistas, no Largo do Paissandu, onde ficava

também o escritório de Francisco Honório, apareceu um despachante querendo

apresentar a Piolin uma moça que dizia ser sua filha. Ao saber disso o palhaço quis

saber quem era a mãe, e soube que era uma ex-artista.

Ele falou: “[Ela] nunca falou nada pra mim, nunca soube que ela tava

grávida, se eu tive uma relação com ela talvez foi uma vez, uma coisa

assim”. (...) Aí me contou uma história. Me falou: “Ó, tem uma moça

aí que tá dizendo que é minha filha. E eu não sei se é verdade ou não

porque não lembro da mãe dela. Mas vou dizer o que é. Eu não vou

desamparar nem amparar porque vou te contar uma história.” Aí me

contou uma história de muitos anos atrás, quando ele estava no auge da

carreira dele, perto de 22, anos 30, por aí. Ele disse que apareceu uma

moça na leiteria Mappin, tinha uma leiteria que ele frequentava, dizendo

que era filha dele na época. E ele pulou fora. Por que era isso, ele era

muito famoso, tava muito bem, tinha um nome grande, ele não quis,

achou que... E o que aconteceu? Falou pro dono da leiteria, ele que

tinha falado isso, que a moça ia lá, fala pra ela não vir com isso não, não

tenho nada com isso. E um dia depois essa moça se suicidou. E ele

ficou muito, muito chateado com isso. “Puxa, eu podia ter conversado

com ela, saber melhor, sei lá.” Mas... um fato que aconteceu. Volta-se

depois de trinta anos, aparece uma outra...

O reconhecimento da moça teria desagradado sua filha legítima, Ana Ariel, na

época já atriz de novelas da Rede Globo238

, o que não impediu que a menina passasse a

acompanhar Piolin nos espetáculos e temporadas. O Circo Piolin seguiu para Taubaté, a

convite da APAE local, e depois para Pindamonhangaba, Santos e Cubatão.

Em Taubaté, um caso episódico marcou a presença do palhaço na cidade. Por

conta de um erro do jornalista que o entrevistara para a revista O Cruzeiro, semanas

antes, constou da reportagem que Piolin havia nascido em Taubaté e não em Ribeirão

Preto.

237

Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1972. 238

Ana Ariel fez longa carreira em novelas da Rede Globo nas décadas de 1960 a 1980, entre elas Sangue

e Areia (1968), Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972), O Bem-Amado (1973), Gabriela (1975)

Saramandaia (1976), Duas Vidas (1976), Cabocla (1979), Elas por Elas (1982), Amor com Amor se

Paga (1984), Hipertensão (1987) e Sassaricando (1987), entre outras.

164

Aí aparece lá um pessoal da Prefeitura, Câmara Municipal, que queria

entregar um título pra ele de Cidadão Benemérito. Tá bom. Não, é que

ele é daqui, não sei o que. Falei: Seu Abelardo, tem um negócio aí, o

pessoal quer entregar um título pro senhor e disseram que iam dar um

cachê. Tipo hoje dois mil reais, três mil reais. Estava na luta, qualquer

coisa que... tava bom. E ele tava lá. Vamos lá, seu Abelardo? O senhor

vai lá pegar o título. Ah, tá bom. Aí fui lá no circo, peguei ele cedo, pôs

o terninho, fomos lá pra Câmara Municipal. Era sessão extraordinária,

domingo de manhã. Aí, nós estávamos sentados lá, estavam todos os

vereadores, o prefeito, na Câmara Municipal, lugar pequeno. Um lugar

para duzentas pessoas, devia ter umas cento e cinquenta. O vereador

que bolou isso aí, começou. Vai ser o orador. “Abelardo Pinto Piolin,

você meu amigo de infância. Parece que eu ainda estou vendo sua mãe e

minha mãe a nos chamar para dentro de casa. Lembro que nós

corríamos na rua...” (risos) (...) E o cara contou toda a história da

infância, que ele corria, que ele jogava bola na rua, que correu atrás de

pipa e que a dona Clotilde e a mãe dele, dona Fulana, preocupadas com

ele atravessar a rua, e que era o orgulho da cidade, e que agora estava lá

se apresentando... Muito engraçado isso!

A exposição de Piolin na mídia no período foi grande. Além da reportagem na

revista O Cruzeiro, apareceu na concorrente Manchete, foi a programas de televisão,

entre eles um exclusivo, dedicado a ele, produzido pela TV Cultura sob o comando de

Fernando Pacheco Jordão.

Em Santos, a precariedade física de Piolin o fez abandonar o espetáculo no meio

da temporada. Francisco Honório o trouxe para São Paulo, e o internou no Hospital das

Clínicas, deixando-o sob os cuidados do cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, à

época consagrado por ter feito o primeiro transplante de coração, em 1967. Piolin

permanece internado por doze dias e se restabelece. Francisco Rodrigues, o Chiquinho,

pai de Francisco Honório, que trabalhara com Piolin no Circo Alcebíades, consegue

locar o Parque do Anhembi para produzir um grande empreendimento: O Maravilhoso

Mundo de Piolin. Eram 12 mil metros quadrados de área que abrigava, além do circo,

um parque de diversões e um pavilhão com cinema. Diversos artistas faziam números

na área livre do parque, que foi decorado também com máscaras gigantes do palhaço.

Em meio a isso tudo, em 15 de fevereiro de 1973 a Folha de S. Paulo noticia

nova internação no Hospital das Clínicas, concluindo a reportagem com um depoimento

que o repórter colhera recentemente: “Vivo do circo e não pretendo deixá-lo. Nasci com

a serragem no sangue e o meu céu sempre foi a lona. Minha família sempre foi gente de

circo e eu vim ao mundo praticamente num pavilhão”. De fato, Piolin viveu seus

últimos dias no trailer, sendo cuidado pelo seu último parceiro de picadeiro. Conta

Francisco Honório sobre sua morte:

165

O Xuxu, o filho, que é o Luís Ricardo, (...) e a mulher, a Marli. Eles

cuidavam dele. Faziam o almoço, levavam lá pra ele, iam toda hora lá, e

eu mesmo, durante o dia, toda hora ia lá no trailer dele, ver se ele tava

bem. Ele ficou doente mas não queria saber, ele queria trabalhar. Às

vezes eu falava: “Seu Abelardo hoje não vai trabalhar não...” Aí ia lá

ver e ele tava se pintando. (...) Aí ele ficou ruim, ele piorou, tava

morando lá, ele tinha uma senhora, ele tinha um caso com ela há muito

tempo, uma enfermeira, morava aqui na Lapa, na D. João VI. Ele nunca

pôde morar com ela porque o filho dela não queria. (...) A casa era dela.

Foi onde ele morreu. Eu já tinha parado o circo e ele me perguntou:

“Como é que tá indo?” Eu dizia pra ele que tava tocando. Ele não queria

saber que parasse. A preocupação dele era pagar todos os artistas. Eu

falava: “Seu Abelardo, tá tudo pago... tá tudo em ordem...” E ele vivia

preocupado com o circo. Ele morreu sem saber que o circo tinha parado.

(...) estávamos com um circo aqui no viaduto da Casa Verde, era um

circo de três picadeiros, fazia muito tempo que não vinha no Brasil.

Tinha estreado no sábado, um sucesso muito grande, eu tava na porta do

circo, um pipoqueiro com um radinho pendurado, falou: “Deram notícia

de que o Piolin morreu!” Eu soube assim. Aí eu peguei o carro, fui pra

Lapa. Aí ele ainda tava na cama. Essa senhora falou pra mim: “Ah,

Francisco, ele morreu falando em você!”

O mesmo espírito do Association, evocado naquela entrevista no já tão distante

1928 permaneceu conduzindo Piolin até aquele derradeiro 4 de setembro de 1973, 45

anos depois. Apoiado por intelectuais e sempre a serviço do seu público, o palhaço teve

uma morte menos dramática do que as que desempenhou no picadeiro. Conta a

reportagem que estava se sentindo mal, pediu uma bala e engasgou. O cortejo que levou

seu corpo até o cemitério da Quarta Parada, no Belenzinho, foi acompanhado por duas

mil pessoas. No trajeto, que partiu do Pronto Socorro da Lapa, onde foi o velório,

Chicharrão deu seu depoimento à imprensa239

, qualificando Piolin como “um bom

amigo, um bom profissional e o meu melhor imitador”, revelando antigas rusgas.

Arrelia, por sua vez, disse o que gerações antes já havia dito: “Ele criou um tipo de

palhaço diferente do estrangeiro. Um palhaço brasileiro, muito nosso”. Menos de dois

meses antes de sua morte, o Diário Oficial publicava lei de autoria de um deputado

amigo de Chiquinho, o radialista católico Pedro Geraldo Costa, que instituía o Dia do

Circo. A data escolhida foi 27 de março, a do nascimento de Piolin. De alguma forma a

instituição do dia comemorativo corroborava com o depoimento de Torresmo, filho de

Chicharrão, em resposta ao repórter da Folha de S. Paulo, que perguntou se o circo

morria com Piolin: “Deus me livre que isso acontecesse à humanidade!” Defensor do

239

Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 1973. Chicharrão morreria em 25 de fevereiro de 1982 aos 93

anos.

166

circo-escola nos seus últimos anos, Piolin ressuscitou em 1978, como se nada tivesse

acontecido, levantando-se da serragem da Academia Piolin de Artes Circenses240

, a

primeira escola no país a se dedicar aos saberes que, até ali, eram exclusivamente orais.

Apesar de funcionar por apenas cinco anos, até 1983, formou uma nova geração de

circenses. Enfim, não seria ainda daquela vez que Piolin morreria definitivamente.

240

Subvencionada pelo governo do Estado, sua criação foi apoiada por Miroel Silveira, que na época

respondia pela Comissão de Circos da Secretaria de Cultura de São Paulo, funcionou inicialmente sob a

arquibancada do Estádio do Pacaembu e depois se mudou para o Anhembi. Nele atuaram grandes mestres

circenses: Franscisco Colman, Abelardo Pinto Sobrinho, Amercy Fabri de Paula, Dossel Fernandes,

Esthercita Fernandes, Gilberto Fernandes (Gibe), Julio Alberto Tapia Jr., Julio Temperani, Juscelino

Savala, Ubirajara Henrique (Índio Jota), Roberto Santiago, Roger Avanzi, Vitor Santiago e Zoraide

Savala Baxter.

167

8. Sete peças “piolinescas”241

8.1 O morto que não morreu

Comédia em um ato

Arranjo de Faísca (Anchyses Pinto)242

Personagens: Rodolfo Vieira (rapaz estroina), Izabel Vieira (sua esposa), João de

Vasconcelos (amante desta), Piolin (criado), um doutor, empresa funenária, cinvidados.

Cenário: A cena representa uma sala de visitas. Uma mesa ao centro com duas cadeiras.

Telefone em cima da mesa e livros. Sofá com duas cadeiras. Uma cama.

Cena 1 – João, Izabel e doutor entram. Izabel senta-se.

João – Doutor, do que foi que ele morreu?

Doutor – Ele abusou muito do álcool!

Izabel – (chora) Ai, ai, ai... Coitado do meu marido!

João – (a Izabel) Não chores mais, Izabel, não adianta mais. (ao doutor) Mas doutor,

não houve nenhum remédio?

Doutor – Não. Chamaram-me muito tarde.

Izabel – (sempre chorando) Ai, ai, coitado dele!

João – Não chore, Izabel. Ele morreu, paciência.

Doutor – Meu caro amigo, nada mais me resta fazer aqui. Passar bem. (aperta a mão de

João)

João – Passar bem, doutor. (o doutor sai) (a Izabel) Felizmente o doutor foi embora.

Izabel, teu marido morreu!

Izabel – (mofando) Coitado, não!

João – (contente) Graças a Deus!

Izabel – (temerosa) Não fale assim, João!

João – Izabel, sabes que te amo de há muito tempo. Agora nos casaremos e vamos viver

felizes.

241

Foram selecionadas peças consideradas, no âmbito da pesquisa, comédias de picadeiro. A única

exceção, mantida por sua importância histórica, é Piolin, afinados de pianos, que fez parte do repertório

apresentado no Teatro Boa Vista em 1931. 242

No original que se encontra no AMS, o personagem se chama Faísca. Mudou-se para Piolin, uma vez

que a peça fez parte do seu repertório por tantos anos. Na SBAT a peça aparece com a autoria de

Abelardo Pinto Piolin.

168

Izabel – É isso mesmo! Escuta: o quarto onde está o defunto é um pouco pequeno. Não

achas melhor trazê-lo para aqui?

João – Dizes bem. Ele aqui fica melhor. (chama para dentro) Piolin! Piolin!

Piolin – (de fora da cena) Pronto, senhor João!

João – Que estás fazendo? (sai)

Piolin – Estou tomando conta do defunto, senhor João!

João – Muito bem, Piolin. Agora vamos leva-lo para a sala de visitas que é melhor.

Piolin – (entra com João trazendo o defunto, colocando-o na cama)

Cena 2

Piolin – (chorando) Ai, ai, ai, coitado do patrão! Morreu, ai, ai, ai.

João – Que isso, Piolin! Você gostava tanto do seu patrão para chorar dessa maneira?

Piolin – Não é por causa dele que eu estou chorando!

João – Então por quem é?

Piolin – É que a cama está em cima do meu pé!

João – (tirando a cama do pé de Piolin) Ora, Piolin! Agora vai buscar as velas!

Piolin – Já vou senhor. (sai)

João – Coitado do Piolin. Ele continua chorando... Parece que machucou um pouco o

pé...

Cena 3

Piolin – (entrando) Pronto, senhor João. Aqui estão as velas. Só tem essas, o defunto

gastou as outras.

João – Compra-se mais. Escuta, o caixão do defunto já veio?

Piolin – Não senhor! Mas lá na cozinha tem um caixão de gasolina... Quem sabe serve?

João – Esse não serve, Piolin. Você agora telefona para a empresa funerária e diga que

venha tomar a medida. Eu vou sair e já volto.

Piolin – Sim senhor.

João – Izabel, eu vou até a casa do seu primo Armando e já volto. Até logo.

Piolin – Mas, senhor João, e o telefone da empresa funerária?

João – É quatro, quatro, quatro, quatro. (sai)

Piolin – Chi, patroa, quantos quatros! (telefona) Alô, patroa! Olha, é uma senhorita que

está falando!

Izabel – É a telefonista, Piolin!

169

Piolin – Alô, patroa, ela está pedindo o número!

Izabel – Pois fala o número, Piolin!

Piolin – Sim senhora! Alô, é 44444444!

Izabel – Não é assim, Piolin.

Piolin – Então, como é?

Izabel – É 4-4-4-4-4. Ouviste?

Piolin – Sim senhora. Pronto. Senhorita, é 4-4-4-4-4... Isso mesmo... Alô, quem fala? É

da empresa funerária? Pois venha já tomar a medida de um defunto na rua da Boa

Morte, 54. Até logo. Pronto, patrôa.

Isabel – Muito bem. Agora você fica aí com o defunto que eu vou sair.

Piolin – Isso não! Patroa, eu ficar sozinho com esse defunto? Não!

Izabel – Mas eu tenho medo de ficar com ele, Piolin!

Piolin – O que? A senhora tem medo agora que ele está morto! Mas quando ele estava

vivo, a senhora não queria que eu viesse aqui! Dizia: Piolin, vai lá para a cozinha! E eu

tinha de olhar pelo buraco da fechadura...

Izabel – (impaciente) Fica aqui, Piolin!

Piolin – Eu não! A senhora é a dona do defunto, agora aguente! (sai)

Izabel – Eu sozinha não fico aqui! (sai)

Rodolpho – (mexe-se na cama e depois se senta) Safa! Estou com uma dor de cabeça

que não posso ficar em pé! (pausa) O que é isso? Eu dormindo na sala de visitas!? Ah!

Já sei! Isso é arranjo da minha esposa! Ela dessa vez se vingou! Mas eu também não

tenho juízo! Ontem estive numa fuzarca com dois amigos e bebi um pouco demais...

Nem sei como vim parar aqui! (levanta-se) Não! Isso não pode continuar... Algum dia

morrerei de tanto beber... (reparando em cima da mesa) O que!? Convite de enterro...

Quem será que morreu? (lendo) Faleceu ontem na sua residência Rodolfo Vieira (alto)

Coitado, é meu xará. (lê) A viúva convida seus parentes e amigos para acompanhar o

funeral que sairá hoje às quatro horas da tarde da rua da Boa Morte, 54. O que!? Rua da

Boa Morte, 54 é aqui e Rodolfo Vieira sou eu! Será que eu morri? Não pode ser! (repara

nas velas) O que?! Duas velas? Estou morto mesmo! Piolin está chorando. Ah! Já sei!

Naturalmente tive algum ataque e eles pensam que morri! Não faz mal. Agora vou

fingir-me de morto para caçoar com eles. (deita-se na cama)

Cena 4 – Izabel, Piolin e a empresa funerária.

Piolin – (chorando) Ai, ai, ai, ai...

170

Empresa – Posso tomar a medida?

Piolin – Pode tomar à vontade.

Empresa – Um metro e meio de cumprimento, sessenta centímetros de largura.

Piolin – E fundura não precisa?

Empresa – Não. Isso é lá com o coveiro. (à Izabel) Pronto, minha senhora. Quer enterro

de primeira, segunda ou terceira classe?

Izabel – Quanto é o de primeira classe?

Empresa – De primeira tem fechadura de ouro, é todo de veludo de seda, alças de ouro

e custa três contos de réis.

Isabel – (chora) Ai, ai, ai, ai...

Piolin – (chora) Ai, ai, ai, ai...

Izabel – E quanto é o de segunda classe?

Empresa – O de segunda tem fechaduras de prata, alças de prata e veludo simples. Fica

um conto de réis.

Isabel – (chora) Ai, ai, ai, ai...

Piolin – (chora) Ai, ai, ai, ai...

Izabel – E de terceira classe?

Empresa – O de terceira é bem simples. O caixão sem enfeites, sem fechadura, alças de

corda. Fica trezentos réis.

Izabel – Esse serve.

Empresa – Então até logo, minha senhora.

Izabel – Até logo.

Piolin – Até logo (acompanha-o até a porta do picadeiro) Ai, ai, ai, ai.

Empresa – Meu rapaz, se precisar de alguma coisa, já sabe: Assembleia, 55, Empresa

Funerária.

Piolin – Meu senhor, muito obrigado, eu não quero morrer.

Empresa – Até logo. (sai)

Piolin – Ouviu, patroa? Quando precisar de alguma coisa, Assembleia, 55, Empresa

Funerária. (sai)

Cena 5

João – (entrando) Então, Izabel? Demorei muito?

Izabel – Demorou! Onde foi?

171

João – Fui até a casa do Armando. Ele e a família já vêm para aqui. Izabel, preciso

falar-te. Naturalmente deves estar lembrada que antes de teu marido falecer, convidei-a

para fugirmos.

Izabel – Ora se estou!

Rodolfo – (irônico) Que bela viúva!

Izabel – (com medo) Ouviste, João? Alguém falou aqui perto.

João – Não ouvi nada!

Izabel – Deve ser o Piolin.

João – Pois bem, amanhã, depois do funeral, embarcamos para...

Rodolfo – Por essa eu não esperava!

João – (com medo) Izabel, agora sim alguém falou aqui!

Izabel – Cala-te! Aí vem os convidados.

Cena 6 – Entram Piolin e os convidados, todos chorando.

Piolin – Pronto, senhor João. Aí está o pessoal que arranjei para chorar.

João – Meus senhores e minhas senhoras, muito agradecido. O que tem para os

convidados?

Piolin – Tem chá com bolachas e bolachas com chá.

João – Já sei! O que mais?

Piolin – Tem um jazz-bad.

João – Jazz-bad? Para que?

Piolin – Ora... para dançarmos o maxixe.

João – Fica, quieto, Piolin! (aos convidados) Meus senhores, vamos passar à sala

contígua para tomarmos um chocolate.

Piolin – Quem não chorar bem não ganha chocolate. (sai Piolin e os convidados

chorando)

João – Izabel, vamos nós também tomar um chocolate.

Izabel – Vamos. (saem)

Rodolfo – (levantando-se) Sim senhor! Nem bem morri e a minha esposa arranjou

outro. Esperem lá... Vou telefonar para a empresa não mandar o caixão. (telefona). Alô?

Empresa funerária? Pronto. Não é preciso mandar o caixão... O morto não morreu... foi

um ataque somente. Bem, agora vou entender-me com o pessoal. (ouve Piolin) Aí vem

o Piolin. Vou deitar-me e continuar a farsa. (deita-se)

172

Cena 7 (João e Piolin entram)

João – Piolin, agora você vai ficar tomando conta do defunto.

Piolin – Eu não! Senhor João, eu tenho medo!

João – Medo? Escuta, Piolin, você deve ter medo dos vivos e não dos mortos.

Piolin – Então vamos fazer um negócio.

João – Qual é?

Piolin – O senhor fica aqui com os mortos que eu fico lá dentro com os vivos.

João – Isso não, Piolin. Olha, você fica aqui só cinco minutos que eu volto já.

Piolin – Bem, só cinco minutos eu fico.

João – Está bem. Até logo. (vai saindo)

Piolin – Senhor João?

João – O que há?

Piolin – Não demore!

João – Não.

Piolin – Seu João?

João – O que foi?

Piolin – Já passou cinco minutos.

João – Não passou, Piolin.

Piolin – Seu João, eu não...

João – Não amola! (sai)

Piolin – Agora não amola... Estou com um sono que não aguento mais e logo hoje que o

patrão decide morrer! E nem me avisou. Eu não sinto a morte dele! O que eu sinto é que

ele morreu e não me pagou. Eu estava economizando dinheiro para casar no fim do mês

e lá se foi dois anos de economia! Pelas minhas contas eu tinha na mão do patrão quase

uns dezessete mil e quinhentos, e agora eu não posso casar mais! Ele morreu! Oh! O

defunto está me olhando! Vira essa cara pra lá. Seu João, o defunto está me olhando...

Seu João... Vira essa cara, já disse! O que? O defunto está de pernas abertas. (fecha as

pernas do defunto) Fica assim. Eu agora vou dormir. (senta-se na cadeira e dorme)

Rodolfo – Coitado do Piolin, está com sono. Vou brincar um pouco com ele. (faz

cócegas)

Piolin – (dormindo) Sai mosca... Sai barata...

Rodolfo – Estou com sede. Se eu acordar o Piolin para me trazer água ele me vê aqui

em pé e é capaz de morrer de susto. (encontra um copo de água) O que! Um copo de

água! (bebe) Xi! (joga a água em Piolin e corre para a cama)

173

Piolin – (acorda assustado) Seu João, o defunto me cuspiu! Se você me cuspir outra vez

eu te dou uma vassourada! (dorme novamente. O telefone toca e ele acorda assustado)

Seu João... Ah, é o telefone... Alô... a empresa? Que quer? Para mandar o caixão, sim...

O que? Ele morreu! Como não?

Rodolfo – Morreu nada, seu trouxa!

Piolin – Trouxa é você. Ele morreu sim.

Rodolfo – Não morreu, Piolin, seu bobo.

Piolin – Bobo é você. Quer ver se ele morreu ou não? (põe o telefone na direção da

cama) Viu, seu cara de... Até logo. (coloca o telefone no gancho; depois de uma pausa

ele toca de novo) Alô... o criado recolheu-se aos seus aposentos particular. (desliga e

dorme de novo).

Cena 8 – Entram João e Izabel.

João – O Piolin deve estar cansado de tanto esperar. (chama-o) Ô Piolin! Ô Piolin!

Piolin – (acordando assustado) Seu João...

João – O que é isso? Está assustado?

Piolin – Não é nada não. Eu estava dormindo e assustei.

João – Bem, vai deitar. Mas antes traz o café.

Piolin – Para quantos?

João – Para dois.

Piolin – Não, para três. Um para o defunto.

João – Eu falei dois.

Piolin – (à parte) É isso... já está mandando... Chegou depois de mim e já manda. (alto)

Então são duas xícaras?

João – Isso mesmo. Duas.

Piolin – Já sei, duas xícaras. Olha, seu João, essa vaga era minha. (sai)

João – (antes que Piolin saia) Vá trazer o café já! (no outro cômodo) Olha, Izabel, esse

Piolin não serve! Assim que eu casar contigo vou despedi-lo.

Izabel – É isso mesmo.

João – Senta-se aqui e vamos conversando. (indica a cadeira e sentam-se) Como já te

disse, amanhã, depois do funeral, embarcaremos para o Rio de Janeiro.

Izabel – E de lá?

João – Vamos para a Europa depois...

Rodolfo – Isso mesmo, vão para a Europa.

174

Izabel – (assustada) Rodolfo? Vivo?

João - (idem) Hein? O que é isso? (levantam-se)

Rodolfo – Então, João, és amante da minha esposa!

João – (assustado) Isso é uma calúnia.

Rodolfo – Calúnia! Eu daquela cama vi e ouvi tudo!

João – E agora, o que vai ser de mim?

Rodolfo – Saiam da minha casa! Quem vai fazer a viagem para a Europa sou eu! Saiam,

já disse!

João – Imediatamente! Vamos embora, Izabel, antes que ele se arrependa...

Rodolfo – Eu hei de vingar-me! Ai daquele que aparecer agora! Mato como a um cão

danado.

Piolin – (entra cantando) Eu queria ser a rola, pois é/A rolinha do sertão, pois é/para

fazer o meu ninho, pois é/numa lata de querosene... Pronto, seu João, aqui está o café.

Rodolfo – Para quem é o café?

Piolin – (joga a bandeja para o ar) Ahi!

Rodolfo – Toma este café! (corre atrás de Piolin dando tiros)

8.2 O reservista Ventura

Comédia em um ato e três quadros

Laura Corina243

1º. Quadro – Toque de alvorada, soldados em cena.

Piolin – Vamos, pessoal, que nós estamos atrasados...

1º. Soldado – Oh! Visconde, você sabe de uma coisa?

Visconde – O que é?

1º. Soldado – O Piolin, ontem de manhã, estava areando as unhas dos pés com a tua

escova de dentes.

Visconde – Ô, seu porco!

243

Esta versão foi apresentada a pedido do Circo Irmãos Orlandino em 4 de maio de 1942, sendo liberada

com dois cortes (duas vezes a palavra “amante”). O personagem aqui destacado como Piolin, aparece

como Rapa-Rapa, o excêntrico daquela companhia. Os nomes foram trocados para facilitar a leitura deste

texto essencial ao repertório de Piolin. Há versões que atribuem a autoria a Abelardo Pinto Piolin. Na

SBAT aparece a peça O reservista ventura ou A fuga da melindrosa (Casamento encrencado), com

autoria de João Grillo.

175

Piolin – Porco é você! Porque o que eu uso no pé você usa na boca! Anda, gente, já

estamos atrasados... Que tempo já deu o toque de rancho.

Visconde – O que ouviste foi o toque de alvorada, seu burro.

Tenente – (entrando) Acabemos com o lavatório e tratemos da obrigação.

Todos – Pronto! (ouve-se o toque de sentido)

Tenente – Aí vem o capitão. Em forma.

Capitão – (entrando) À vontade. Tenente, que novidade há?

Tenente – O 306 baixou hospital e há uns quinze camaradas com dispensa da chamada.

Piolin – Saiba, meu capitão, que o 34 machucou um pé.

Capitão – Entra em forma, seu estúpido!

Visconde – Meu capitão, papai mandou pedir a Vossa Senhoria que me conceda licença

para ir ao dentista “abeturar” um dente que está com a clavícula um tanto abalada.

Capitão – Entra em forma, seu clavícula de uma figa!

Piolin – Aí... levou um carão!

Capitão – Silêncio! Tenente, recolha essa gente ao alojamento e venha ao meu

gabinete. (fazendo chamada) Número 1!

1º. Soldado – Pronto, meu capitão.

Capitão – Em forma. Número 2.

2º. Soldado – Pronto, meu capitão.

Capitão – Em forma. Número 3. (Piolin) Número 3! Seu estúpido, é com você que eu

falo!

Piolin – Isso de estúpido é com você.

Capitão – Piolin!

Piolin – Ah! É comigo? Desculpe, Capitão.

Capitão – Um passo à frente.

Piolin – Como vai o senhor? Está bem?

Capitão – Em forma, seu animal.

Piolin – O animal é você.

Capitão – Silêncio! Tenente, recolha essa gente. (sai)

Tenente – Sentido! À direita, volver!

Piolin – Aí, pessoal! Vocês estão todos errados...

Tenente – Vire para lá, seu camelo! Em frente, ordinário, marche! (saem marchando;

entram Alberto e Jorge)

Alberto – Olá, Jorge! Então tiveste três dias de descanso...

176

Jorge – É verdade, e durante a minha viagem fiz uma conquista de mão cheia... Que

mulher, meu amigo, um anjo de candura.

Alberto – Bonita, hein? Conta-me as tuas aventuras. Sempre te conheci como um

conquistador do belo sexo.

Jorge – Durante a viagem trocamos olhares. E numa estação sentei-me ao pé dela, e

consegui dar-lhe um beliscão no cotovelo.

Alberto – E ela correspondeu-te?

Jorge – Ora, tu sabes como são as mulheres...

Alberto – Então pegou?

Jorge – Ainda perguntas! Ao saltar, ela deu-me a perceber que morava por estes lados.

Alberto – Bem, deixemos a sua conquista e vamos tratar da obrigação.

Beatriz – (entrando) Até que afinal te encontro, Alberto!

Alberto – Beatriz! Tu aqui?

Beatriz – Sim, sou eu. Então isso são coisas que se façam? Há três dias que não me

apareces em casa!

Alberto – Sim, é... Que diabo hei de dizer-lhe?

Jorge – Quem é essa senhorita?

Alberto – Esta é... é... a minha esposa. Beatriz, apresento-te o meu amigo e colega

Jorge.

Beatriz – Muito prazer em conhece-lo.

Jorge – Outro tanto, minha senhora. (Capitão fala fora de cena)

Alberto – Ô diabo, agora o Capitão.

Capitão – (entrando) Que é isto? Uma mulher no quartel?

Jorge – Meu capitão, apresento-lhe a esposa do Sargento Alberto.

Alberto – (à parte) Agora é que vai tudo raso!

Capitão – Sim, senhor, tenho a dizer-lhe, meu sargento, que tem uma esposa bastante

elegante. Mês parabéns! Veio, naturalmente, visitar o quartel. Minha senhora já conhece

o quartel?

Beatriz – Ainda não, Capitão.

Capitão – Sargento Alberto, dá-me licença para que mostre à sua esposa o quartel?

Alberto – Sim, Capitão. Mas...

Capitão – O seu braço, minha senhora.

Alberto – Mas, Capitão, essa senhora...

177

Capitão – Não se aflija, eu terei o cuidado de dizer a todos que é sua esposa. Vou lhe

mostrar os cavalos.

Beatriz – Até já, Alberto. (atira-lhe beijos)

Capitão – À vontade, eu não reparo. (saem)

Alberto – Bonito. Atira-me beijos e vai com o Capitão ver cavalos...

Jorge – Não tens confiança em tua esposa?

Alberto – Ora, não me aborreças com essa história de esposa.

Jorge – Tu com a tua esposa,e eu com a minha companheira de viagem, hein? Com essa

história de esposa e companheira de viagem esquecemos do serviço. Vamos trabalhar.

(saem)

Clarinha – (entrando) Como é triste um quartel, parece até um convento. Três dias

depois de casada, ser obrigada a vir procurar meu esposo aqui. Ele está fazendo 28 dias

de serviço. Passarei aqui também os 28 dias.

Jorge – (entrando) Ela! A minha companheira de viagem!

Clarinha – Oh, Sargento Jorge, queira me dizer onde está o Sargento Alberto.

Jorge – A senhora conhece-o?

Clarinha – Sim, e desejo falar-lhe.

Jorge – Eu o chamarei. Ah, é verdade, ele agora não lhe pode atender.

Clarinha – E qual a razão?

Jorge – Ele está lá dentro com a esposa, que veio lhe procurar.

Clarinha – Com a esposa!

Jorge – Sim. Admira-se? A esta hora anda ela vendo os cavalos.

Clarinha – Mas, não compreendo.

Jorge – Vai já compreender. Ei-lo aí.

Alberto – Clarinha, tu aqui? Minha querida...

Clarinha – Não se aproxime! Eu sei tudo. Com que então o senhor anda mostrando os

cavalos à sua esposa?

Alberto – Hein?

Clarinha – Sim, e devo tudo que sei à gentileza deste cavalheiro.

Alberto – O que? Então foste dizer a ela que aquela é minha esposa? Sim senhor...

estou bem arranjado! Esta é que é a minha esposa!

Jorge – O que? Duas? Meu caro, esta é a minha companheira de viagem.

Alberto – Então esta foi a tal do beliscão? Pois fique sabendo que esta é minha esposa

legítima.

178

Jorge – Não, meu caro, pra cá não pega. Sendo esta a sua amante, não queres que as

duas se encontrem.

Alberto – Mas eu te afirmo que é esta a minha esposa. Queres ouvir da sua própria

boca?

Jorge – Se ela disser, acreditarei.

Alberto – Então ouve. Clarinha, pelo amor que me tens, dizes que és minha esposa para

que esse idiota se convença. Vamos, fala...

Clarinha – Eu não sou a sua esposa! A sua esposa está lá dentro!

Jorge – Ah! Ah! Ah! Ah!

Alberto – Isto é demais! (Capitão fala for a de cena) Bonito, aí vem o Capitão.

Clarinha, não me comprometas, esconde-te.

Clarinha – Daqui não sairei.

Jorge – Minha senhora, agora sou eu que lhe peço: esconda-se!

Clarinha – Pois bem, esconder-me-hei. Mas vou vingar-me. (sai com Jorge)

Capitão – Sargento Alberto, sua esposa espera-o no seu gabinete. Vá.

Alberto – Obrigado, Capitão. (à parte) Que trapalhada! (sai e entra Jorge)

Capitão – Sargento Jorge, alguma novidade?

Jorge – Nenhuma, Capitão.

Piolin – Há sim, meu Capitão.

Capitão – Fale.

Piolin – Seu cavalo teve um filho.

Capitão – Ô burro! Qual cavalo?

Piolin – O cavalo do Capitão.

Capitão – Estúpido! Cala-te, imbecil! Queres dizer a égua que eu monto.

Piolin – Eu não sei se era égua ou cavalo, o que sei é que teve um filho.

Capitão – Cala-te! (a Jorge) Apresentou-se o reservista Ventura?

Jorge – Ainda não, Capitão. (entra o Tenente e entrega ofício ao Capitão)

Capitão – Vejamos o que é. (e sai com o tenente)

Alberto – (entrando) Piolin, vá buscar o fardamento destinado ao reservista Ventura.

Piolin – Cá vou. (sai)

Alberto – Puseste tudo a perder.

Jorge – Qual nada, o que tu queres é que tua mulher não se encontre com a tua amante.

Alberto – E tu a dar-lhe. Esta que daqui saiu é que é a minha esposa.

Piolin – Aqui está o fardamento do tal Ventura.

179

Alberto – Ponha aqui sobre a mesa.

Piolin – Sim senhor.

Ventura – (entrando) Cá estou às vossas ordens!

Jorge – Piolin, leve o fardamento lá para dentro e deixe essa cesta.

Piolin – Bem, já se sabe. (sai)

Alberto – Quem é você?

Ventura – Eu sou o reservista Ventura pasteleiro.

Alberto – E por que não se apresentou ontem como devia?

Ventura – Porque estive doente.

Alberto – E agora, como vai ser?

Jorge – Sei lá!

Alberto – Ah! Eu tenho uma ideia. Você faltou com o cumprimento do seu dever. Por

isso está preso!

Ventura – Meus Deus, eu não faço outra coisa senão ser preso...

Jorge – Bravos! Boa ideia. Isso mesmo, está preso! Siga! (o levam e voltam)

Piolin – (volta acompanhado de Clarinha vestida em farda) Meu sargento, este soldado

quer lhe falar. (sai)

Alberto – Clarinha, você nesses trajes?

Clarinha – Sim, tomei o lugar do reservista Ventura. Até logo, estou bem instruída,

hein Alberto... Até loguinho! (sai)

Alberto – Meu Deus, que trapalhada! Quando o Capitão souber...

Capitão – (entrando) Sargento, chame o Tenente.

Jorge – Sim, meu Capitão. (sai)

Capitão – Muito bem, partiremos amanhã e daremos o primeiro combate daqui a três

dias.

Jorge – (voltando com o Tenente) Pronto, meu Capitão.

Capitão – Reúna a tropa.

Tenente – (indo ao fundo) Sentido! Em forma! (entram todos)

Capitão – Partiremos amanhã para bem longe daqui e em breve daremos combate.

Tenente – Meu Capitão, apresentou-se hoje o reservista Ventura.

Capitão – Qual deles é ele?

Tenente – Eu o chamarei. Reservista Ventura!

Clarinha – Pronto, meu Capitão.

Alberto – Clarinha... meu Deus!

180

Capitão – Sabes montar?

Clarinha – Sim, meu Capitão.

Visconde – Meu Capitão, eu fui ontem ao dentista e tratei do meu maxilar. E o dentista

me disse que eu não podia montar.

Capitão – Entre em forma. Tu tens cara de seres montado.

Piolin – Xiii... outro carão!

Capitão – Silêncio! Em forma. E agora, ao combate! (todos cantam e saem marchando)

2º. Quadro – a Jorge e Alberto entrando.

Alberto – Que noite horrível que vamos passar... Ah! Clarinha, minha querida esposa.

Jorge – Mau, mau. Essa história de que Clarinha é tua esposa não pega. Vamos ver se

conseguimos dormir.

Alberto – Vamos pedir um café.

Jorge – Tudo o que vier morre. (toca a campainha)

Rosa – Os senhores chamaram-me?

Jorge – Adivinhaste. Queria mesmo pedir um café.

Rosa – Cá está. Tome um pouco que se hão de aquecer.

Alberto – Isso aqui é muito frio?

Rosa – Os senhores ainda não viram nada.

Jorge – O café está esplêndido. Agora quero dar uma gorjeta.

Rosa – Dinheiro de militares eu não aceito. Mas se quiser me dar um beijo...

Jorge – Um beijo? Então tome lá.

Rosa – Ai... ai... ai...

Jorge – Menina, o que é isso?

Rosa – Não é nada. Isso passa. Já passou. É que não estou acostumada.

Jorge – Pois é, precisa ir se acostumando...

Rosa – Farei o possível... Bem, quando precisarem de alguma coisa é só chamar. Até

logo. Ai, ai, como são gentís os militares... (sai)

Alberto – Ah! Ah! Ah! A criada tem graça. Bem, toca dormir.

Jorge – Vamos lá. (dorme; entram Clarinha, Piolin, Capitão e Rosa)

Rosa – Por aqui, meus senhores. Se este quarto lhes servem, podem ficar com ele.

Capitão – Que quarto esquisito. Não tem outro?

Rosa – Há outro perto dos aposentos da patroa.

Capitão – Que idade tem a patroa?

181

Rosa – É moça ainda. Só tem 60 anos.

Capitão – Não serve. Arranja-me outro. Vamos, aqui fica o Piolin e o Ventura. (saem)

Rosa – Podem ficar à vontade que aqui ninguém os incomodará.

Piolin – Se quiser ficar também não incomoda nada. (Rosa sai) Toca preparar para

dormir. Estou bem casado. (tira a roupa)

Clarinha – O que vais fazer?

Piolin – Hom’essa, vou tirar a roupa para dormir. Queres que eu durma vestido?

Clarinha – Na minha presença?

Piolin – O que tem isso? Entre nós não há cerimônias.

Clarinha – Proibo-te que tires as calças.

Piolin – Deixe de luxo. Olha, tira a roupa e vem deitar aqui comigo. Está fazendo um

frio de rachar.

Clarinha – Não quero confianças comigo. Eu durmo aqui mesmo vestido.

Piolin – Eu sei porque você não tira a roupa. Você está sem cueca.

Clarinha – Não me aborreça.

Piolin – Deixe de luxo, bobo. Vem deitar. Nós dois cabemos nessa cama.

Clarinha – Já te disse. Dorme tu aí que eu fico aqui.

Piolin – Bem uma vez que não queres, durmo eu. Boa noite.

Clarinha – Boa noite. Ah, senhor meu marido... tudo isso por sua causa...Mas que frio!

Piolin – Bem, eu tenho pena de você. Vem você para cama que eu durmo aí.

Clarinha – Ah! Assim sim...

Piolin – Este Ventura é burro mesmo. Com um frio desse podíamos dormir juntos, mas

não quer agora. Um lá e outro cá. Ele dorme na cama e eu aqui no duro. Nada, ele já

está dormindo e eu vou me deitar com ele. Ventura... Ventura... está dormindo. (deita)

Clarinha – Quem está aí? Oh, seu cachorro! Olha que eu grito por socorro...

Piolin – Você não é nada delicado. O que tem nós dois dormir juntos?

Clarinha – Já te disse que não!

Piolin – Não grita, diabo, que eu não te fiz nada.

Clarinha – Sabe que mais? Eu vou dormir lá dentro. Fica aí sozinho. (sai com as roupas

de cama)

Alberto – Que diabo de barulho é este aqui? Ela, Clarinha.

Piolin – Que grande coisa... levou a roupa de cama. Soldado velho não se aperta. (deita)

Alberto – Lá está a minha querida Clarinha. Vou lhe pedir perdão. Como dorme,

coitadinha. Perdoa-me, querida Clarinha (beija-lhe a mão)

182

Piolin – Que diabo! Passa fora, cachorro! Lambendo a minha mão! Oh, diabo, o

sargento...

Alberto – Bico. Nem uma palavra.

Piolin – Então, senhor, vem alta hora da noite lamber a minha mão? Não, comigo não,

seu sargento...

Alberto – Cala-te! Foi um engano.

Piolin – Mesmo porque eu não sou disso.

Alberto – Quem esteve aqui contigo?

Piolin – Era o Ventura.

Clarinha – Era eu, meu sargento.

Alberto – Piolin, vai dormir no outro quarto e cede este ao Ventura.

Piolin – Mas eu fui escalado para dormir com ele.

Alberto – Nem mais uma palavra. Faz o que te mando.

Pioilin – Obedeço. Oh, Ventura! Cuidado com ele, gosta de lamber a mão da gente.

Clarinha – Não me aborreça.

Piolin – Sim, fia-te na virgem e não corras. Lambão. (sai)

Alberto – Clarinha, acabemos com isso.

Clarinha – Recolha-se ao seu aposento e evitemos um escândalo. Eu não sou Clarinha,

agora sou o reservista Ventura.

Alberto – Pelo amor de Deus...

Jorge – Que diabo de barulho... Lá está o Alberto com a Clarinha.

Clarinha – O senhor é um importuno.

Piolin – Meu sargento, deixa o rapaz sossegado.

Alberto – Cala-te e retira-te.

Piolin – Mas o rapaz não pregou o olho toda a noite...

Alberto – Retira-te.

Piolin – Bem, já se sabe. Lambão. (sai)

Alberto – Clarinha, ou tu me obedeces ou eu faço...

Jorge – Não sejas importuno. Vai cuidar da sua esposa e deixa em paz esta senhora.

Alberto – Isto é demais! Clarinha, confessa que és minha esposa...

Clarinha – Tua esposa é a outra, que o senhor apresentou a este senhor e ao Capitão.

Alberto – Não me posso conter...

Clarinha – Nem eu. (dá-lhe uma bofetada)

183

Piolin – Hein? Uma bofetada no sargento! Que escândalo! Ás armas! Capitão e

soldados! (entram todos)

Todos – O que aconteceu?

Piolin – Foi o soldado Ventura que deu uma bofetada no sargento Alberto.

Capitão – Soldado Ventura, o que fizeste?

Clarinha – Meu Capitão, tive o grande prazer de dar uma bofetada no sargento Alberto.

Piolin – Com certeza o sargento lambeu a mão dele.

Capitão – Camaradas, prendam o soldado Ventura.

Clarinha – Preso, eu? Veremos! (saem correndo)

3º. Quadro

Piolin – (de sentinela) Afinal, o culpado fui eu do Ventura estar preso. Mas que valente

bofetada deu ele no sargento! Quem merecia a bofetada era eu, que bradei às armas.

Agora lá está o pobre rapaz preso. Eu mereço levar umas bofetadas. Eu vou dar em mim

mesmo. Toma, toma! Para não seres mau! Tenho uma ideia. O Ventura.

Clarinha – O que queres?

Piolin – Tu queres sair daí?

Clarinha – Sair? Pra quê?

Piolin – Ô burro! Sair pra ir embora. Queres fugir?

Clarinha – Quero sim. Arranja lá isso.

Piolin – Eu sei que vou gramar com uma solitária, mas salvo um amigo. Ô Ventura,

espera um pouco que eu vou dar um jeito.

Rosa – Bom dia, meu senhor.

Piolin – Ô menina, você aqui? Que sorte!

Rosa – É verdade. Agora procuro sempre os militares, ai, ai...

Piolin – Gosta tanto assim dos militares?

Rosa – Para quê negar... Tenho tanta simpatia pelo militares, ai, ai, ai...

Piolin – Geme, minha negra... Já que gosta tanto dos militares, a menina me podia fazer

um grande favor.

Rosa – Cruzes? Para que?

Piolin – Eu preciso da tua roupa. É para salvar um homem. É o Ventura que está preso e

eu preciso da tua roupa para ele fugir vestido de mulher.

Rosa – Ah, muito bem. Eu vou para casa buscar uma roupa a toda a pressa.

Piolin – Venha cá! Quero te dar uma gorjeta.

184

Rosa – Dinheiro de militares eu não aceito.

Piolin – Não quer dinheiro? Então o que quer?

Rosa – Se quiser, pode me dar um beijo.

Piolin – Um beijo? Meu Deus, há quanto tempo não beijo ninguém... Então lá vai!

Rosa – Ai... Ai... Ai...

Piolin – Menina, acorda, acorda!

Rosa – Já passou... Já passou...

Piolin – Já passou, é?

Rosa – É que não estou acostumada.

Piolin – Quando quiser se acostumar é só me procurar.

Rosa – Bem agora vou buscar a roupa.

Piolin – Vai e volta depressa!

Rosa – Sim. Ai... Ai... Ai... Como são gentis os militares...

Piolin – Essa pequena caiu do céu!

Clarinha – Piolin, que demora é essa?

Piolin – Agora estás com pressa.

Clarinha – Claro. Quero sair daqui.

Piolin – Tu és uma besta! Tudo por causa do teu luxo em não querer dormir comigo. O

resultado é esse.

Rosa – Pronto, o vestido.

Piolin – Muito obrigado. Agora quero te pagar o favor. Não, vai que ela desmaia e

aparece o sargento e olha a encrenca!

Rosa – Bem, uma vez que já lhe servi, eu me retiro. Adeus. Ai, ai, ai...

Piolin – Ô menina suspirosa... Bem, agora tratemos de levar a roupa ao Ventura. Ô

Ventura! Toma lá e veste-se depressa.

Clarinha – Obrigado. Deus te pague. (Alberto e Jorge entram)

Alberto – O que fazes aqui?

Piolin – Estou de guarda ao preso Ventura.

Alberto – Vai-te embora.

Piolin – Qual! O Ventura é mesmo um caipora. (sai)

Alberto – Agora é preciso salvar a Clarinha. Clarinha!

Jorge – O que vais fazer?

Alberto – Vou dar-lhe liberdade. Aconteça o que acontecer. Clarinha, saia.

Clarinha – Aqui estou.

185

Alberto – Com esse traje?

Clarinha – Foi o Piolin que me deu. Agora volto para casa de meu pai. Chame a tua

esposa para te salvar. (sai)

Alberto – Clarinha, ouve-me. Qual, está tudo perdido...

Ventura – Pronto, cá estou às vossas ordens!

Jorge – O pasteleiro? Que queres?

Ventura – É que eu sai da prisão e me deram esse fardamento. Aí vim me apresentar.

Alberto – Este é que vai salvar a situação. Você está preso.

Ventura – Meu Deus! Quando é que eu acabo de ser preso?

Jorge – Não quero conversa.

Alberto – É isso mesmo, marche para a prisão. Ah, ah, ah, está salva a minha situação.

Jorge – Ainda não. Olhe quem vem aí.

Beatriz – (entrando) Alberto, apesar do pouco ou nenhum conforto, tenho passado

muito bem.

Alberto – E eu muito mal.

Beatriz – Sim, é verdade. Eu tenho notado uma certa preocupação no espírito.

Alberto – Ouve-me, Beatriz. Tu não podes permanecer aqui por mais tempo.

Beatriz – Não sei porque. Todos os teus colegas tratam-me com distinção. Então o

Capitão! Esse me trata de uma maneira tão cativante...

Alberto – Mas isto aqui é lugar para homens e não para senhoras. (Capitão fala fora de

cena)

Jorge – Aí vem o Capitão. (entra o Capitão, o Tenentes e os soldados)

Capitão – Meus senhores, acabo de saber de um fato que muito me aborrece. Acabo de

saber que aqui no regimento existe uma mulher.

Alberto – Sim, meu Capitão. Aqui está ela.

Capitão – Sim, mas esta é a sua esposa. A mulher a que me refiro é um soldado.

Jorge – Um soldado.

Capitão – Sim, uma mulher que aqui assentou praça.

Todos – É extraordinário!

Capitão – Senhor Tenente, manda proceder uma revista no regimento a fim de ver se

descobre a mulher soldado.

Tenente – Sim, meu Capitão.

Piolin – Meu Capitão, este soldado quer lhe falar.

Capitão – Fale.

186

1º. Soldado – Venho lhe dizer que o reservista Ventura não é homem, é uma mulher.

Capitão – Eu não disse? Sargento Jorge, traga à minha presença o reservista Ventura.

Jorge – Reservista Ventura, queira sair!

Ventura – Ora, graças a Deus.

Jorge – Pronto, meu Capitão. Este é o reservista Ventura.

Piolin – Perdão, mas este não é o Ventura.

Alberto – Cala-te, burro!

Capitão – Então você é mulher?

Ventura – É mentira, meu Capitão. Eu sou homem.

Capitão – Você não é homem, é mulher.

Ventura – Meu Deus, eu sou homem.

Capitão – Ou tu confessa que é mulher ou mando te meter no calabouço.

Ventura – Então eu devo confessar uma coisa que não sou? O Capitão pode mandar me

examinar.

Capitão – Confessa que é mulher.

Piolin – Confessa, meu bem.

Ventura – Eu não sou mulher.

Capitão – Está provado que o soldado Ventura é mulher.

Ventura – Qual provado nada. Eu já disse e repito que não sou mulher.

Piolin – Diz logo que é mulher. Aqui no quartel tanto faz a gente ser mulher ou homem.

Capitão – Basta olhar para ele para ver que é mulher vestida de homem. Querem ver?

Ande para ali. Veem? É mulher ou não?

Ventura – Mas que mania...

Capitão – Vamos, confessa de uma vez que és mulher ou tu irá para o calabouço.

Todos – Confessa!

Ventura – Pois bem. Como não quero ir para o calabouço, eu confesso. Sou mulher.

Capitão – Ora, até que afinal confessou.

Todos – Confessou!

Piolin – O pasteleiro é mulher. (entram Clarinha e o Tenente)

Tenente – Meu Capitão, aqui está esta senhora que ia fugindo do acampamento.

Piolin – Olha, este que é o Ventura.

Alberto – Cala-te, animal.

Capitão – Como se explica isso, minha senhora?

187

Clarinha – Eu me explico, senhor Capitão. Eu sou a esposa do sargento Alberto, casada

apenas há três dias quando partiu para o regimento. E como quisesse acompanhar meu

marido, tive a fraqueza de me disfarçar em soldado Ventura. Se fiz mal, dê-me o castigo

que merecer.

Piolin – Xiii! Por isso que ele não queria tirar a roupa. O que vale é que eu sou um

soldado honrado.

Capitão – Então foi a senhora que deu a bofetada no Sargento Alberto?

Clarinha – Sim senhor, tive esta satisfação.

Capitão – Vamos a saber. E aquela senhora, quem é então?

Clarinha – Essa senhora que aqui passava por esposa de meu marido eu não conheço.

Capitão – Sargento Alberto, como se explica isso?

Alberto – É que... é que eu queria lhe explicar que não era minha esposa, mas o senhor

não me deixou explicar e daí a confusão.

Beatriz – Minha senhora, se seu marido houvesse dito que era casado eu não o

procuraria.

Piolin – Que escândalo!

Capitão – Sim senhor. E tudo isto dentro do quartel.

Alberto – Meu Capitão, sou culpado, castigue-me. Lavre a sentença que a cumprirei.

Capitão – Muito bem, vou lavrar a sentença. Ouçam: Alberto e sua esposa estão

perdoados.

Alberto – Obrigfado, meu Capitão.

Capitão – O soldado Ventura, o pasteleiro, está reconhecido que é homem.

Ventura – Viu, eu sempre disse que eu era homem. Logo que eu nasci a parteira disse

que eu era homem.

Piolin – Mas desta vez a parteira se enganou...

Beatriz – Uma vez que o Alberto é casado, vou atirar-me no rio.

Piolin – Não faça isso, a água está gelada.

Jorge – Minha senhora, se quiser aceitar a companhia deste seu humilde criado,

ofereço-lhe o meu braço.

Beatriz – Aceito. Afinal, tudo é Sargento.

Visconde – Meu Capitão, dá-me licença para eu ir ao dentista “abturar” este dente que

está abalado?

Capitão – Entre em forma, seu bestalhão! (Rosa entra com enfermeiras)

188

Rosa – Senhor Capitão, eu gosto tanto dos militares que venho pedir-lhe para seguir

como enfermeira.

Capitão – O seu pedido será atendido. Uma vez que está tudo harmonizado, toca a

marchar. Senhor Tenente, tome conta do mpelotão. Eu baixo enfermaria.

Todos – Ao combate! (saem todos cantando).

8.3 Piolin, afinador de pianos244

Farsa em um ato

Tom Bill

Cenário – Grande galeria esplendidamente iluminada. Rica mobília. Piano em cena. Ao

fundo vê-se mesa posta para 14 pessoas.

Cena 1 – Marieta com José.

Marieta – Depressa, os convidados estão a chegar.

José – Devagar, isso pesa! São 24 garrafas de champanhe!

Marieta – Ah! Champanhe! Quem sabe se a provaremos!

José – Claro! Porque uma garrafa já sumiu.

Marieta – É para mim!

José – Decerto, querida! Você vai bebê-la toda!

Marieta – Toda? Pois sim, para ficar tonta!

José – É isso que eu quero. Assim me darás...

Marieta – O que?

José – Um beijo, um beijinho só!

Marieta – Bom, isso fica para depois do jantar! Mas, diz-me uma coisa: quanto

dinheiro se gasta nesta casa?

José – Sei lá! Os patrões devem ser nobres e ricos!

Marieta – Sim, nobres de sangue azul! O que eles são, uns grandes patifes, isso sim!

José – Ué? E por quê?

244

O pedido de censura é da Companhia de Teatro Cômico e foi feito em 19 de maio de 1931, sendo

liberada a peça sem cortes. Nela, Piolin interpreta Aquiles (no original, Achilles), que teve seu nome

mantido por ser parte da trama.

189

Marieta – Porque sim! São uns miseráveis que enriqueceram vendendo feijão bichado,

batata podre e banha rançosa! O patrão foi carroceiro na Estação da Luz; a patroa é filha

de um açougueiro. Verdadeiros tubarões! Com a guerra ganharam o que quiseram.

José – É isso! A guerra limpor muito sujeitinho!

Marieta – Agora com criados, vestidos de seda e de veludo, meias de baguette,

automóveis. E pensar que andavam descalços há poucos anos!

José – Viva a guerra!

Marieta – E como se isso não bastava, morre o pai da patroa e deixa-lhe quinhentos

contos líquidos!

José – Que lindo! Se eu tivesse quinhentos contos, daria quinhentas cambalhotas!

(abraça-a)

Marieta – Ché! Ché! As mãos no seu lugar! Já te disse: antes do jantar, nada!

José – Sim, meu amor, e te garanto que se encontro quem me dê quinhentos contos me

caso logo! (abraça-a forte e sai)

Marieta – Fique quieto, malcriado! Me fez arrebentar a liga! (descobre a perna e sai)

Cena 2 – Aquiles e os mesmos.

Aquiles – Meu Deus! Que pernas!

Marieta – Ah, o senhor viu?

Aquiles – Não, não sei...

Marieta – Não sabe, engraçadinho?

Aquiles – Engraçadinho, chamo de engraçadinho você... Olha, vê se arrebenta a outra

liga...

Marieta – O que arrebentou eu sei o que é e o que vai arrebentar também!

Aquiles – O que?

Marieta – A sua cabeça.

Aquiles – Mas a minha cabeça não é liga!

Marieta – Ora, vá para o diabo! Afine o piano que é melhor, que os convidados estão a

chegar.

Aquiles – Hoje vamos ter uma festa estrondosa.

Marieta – Magnífica: música, jantar... O jantar então, que riqueza!

Aquiles – Muita comida, não?

Marieta – E tudo de primeira: maionese de camarão, macarrão ao forno, peixe,

legumes, doces, frutas, e champanhe!

190

Aquiles – Basta, basta, por favor... não vê que estou em jejum...

Marieta – Coitado, quem tudo quem nada!

Aquiles – É isso mesmo! A um tudo! A outro nada! E eu que sou socialista! E há tantos

como eu por aí! E viva o bolchevismo! Você é socialista? Muito bem! Então o que é teu

é meu e o que é meu é teu. Está bem assim?

Marieta – Não senhor, não está bem! Eu consigo não quero nada. (à porta) Senhores,

chegou o afinador!

Aquiles – Então me deixa aqui?

Marieta – Escuta, seu morto de fome, porque você não pensa em trabalhar, em vez de

pensar em socialismo, bolchevismo e o diabo que o carregue? Ideias não enchem

barriga e com essa fome que tens não vais longe! (sai rindo)

Aquiles – Oh! Nunca! A minha fome é só na barriga! Oh! Mas que cheiro delicioso que

vem da cozinha!

Cena 3 – Pascoal e Ângela. Depois, Silvia.

Pascoal – Até que afinal chegou, seu Aquiles. Eu tenho uma porção de convidados e o

piano não está afinado.

Aquiles – Desculpe a demora, mas tive muito serviço hoje.

Pascoal – Mas o meu piano é o mais importante. Vamos, coloque-se em posição e

comece.

Ângela – Pascoal, gostas deste vestido? Me assenta bem?

Pascoal – Me parece que está muito decotado, olha quanta carne fica fora!

Ângela – Pois é! Eu bem que não queria, mas a costureira disse que era moda. (Aquiles

vai ao piano)

Pascoal – Bom, para dentro e que tudo esteja pronto.

Ângela – Está tudo em ordem! Olha que mesa! Dá vontade de comer com os olhos!

Aquiles – (à parte) Eles comem dez pratos e eu não tenho nem um feijão! Sorte

desgraçada! (dá marteladas no piano)

Pascoal – Oh! Seu Aquiles, eu chamei o senhor para afinar ou quebrar o piano?

Aquiles – Mas eu devo pô-lo em ordem! Não ouve que está fanhoso? E ainda por cima

uma corda encalhou-se no meio da outra!

Pascoal – Ah! Hoje vamos deslumbrar a família Roberto! Ele vai ver que gente chique

frequenta a nossa casa!

Ângela – Aposto que eles preferiam tomar veneno.

191

Silvia – Troxeram este bilhete para o senhor.

Pascoal – Deixa eu ver. (lê) ca... ca... carro...

Aquiles – Nem sabe ler e tem automóvel! Oh! Tubarão! (bate no piano)

Pascoal – Oh! Seu Aquiles, não estrague o piano!

Aquiles – Desencalhou-se as cordas que estavam encalhadas!

Pascoal – Encalhou, desemcalhou, mas o que é afinal?

Aquiles – O navio da carteira

Pascoal – Ângela, essa não... que destines a leitura. Lê você.

Ângela – É do Barão Mostarda, que não pode vir porque está com a senhora doente.

Pascoal – Logo o Barão! E não temos nenhum nobre sem mostarda? Assim Gabriel dirá

que não conhecemos mesmo nenhum nobre!

Ângela – Que azar! Então quantos somos à mesa?

Pascoal – Digo logo! Três nós, quatro os Gabriel e o advogado e são oito, dois

Scarponi, o cavalheiro Pomi, e são onze, seu Bartolo e senhora, treze e mais nada!

Ângela – Treze? Uma mesa com treze pessoas? Você está louco! Aí não sento! Esse é

um número azarento, eu não me sento. Vê como te arranja senão vou me despir.

Pascoal – Que azar, que caso sério! Precisamos convidar outra pessoa!

Ângela – Sim. A esta hora?

Silvia – E se convidarmos seu Aquiles?

Ângela – Boa ideia.

Pascoal – Vocês perderam o juízo. Fazer sentar à nossa mesa um miserável afinador!

Ângela – Ora, nós diremos que é um conhecido recente. Um nobre que conhecemos na

estação de banhos! Tanto ninguém o viu por aqui.

Pascoal – Está bem! Mas precisamos dar-lhe um título. (chamando) Seu Aquiles! Oh,

seu Aquiles!

Aquiles – O que há?

Pascoal – O que tem a fazer hoje?

Aquiles – Pouco. Afinar o piano e berço!

Pascoal – E se lhe pedisse de ficar conosco?

Aquiles – Fazer o que?

Pascoal – Ora, fazer o que! Comer bem e passar a noite aqui.

Aquiles – O senhor está brincando... Eu? Sentar na mesa consigo? Em sua companhia?

Pascoal – Senhor Aquiles, preciso que faça o número 14.

Aquiles – Pode procura-lo na estação!

192

Pascoal – Não é de carregador que eu preciso. É que nós somos treze à mesa, e como

esse número é de azar, é preciso, compreenda, é preciso que o senhor perfaça o número

14.

Aquiles – Ah, é por isso que me convida, só por interesse. (à parte) Não me convém.

Pascoal – Venha, não se faça de rogado! Olhe, lhe dou também vinte contos.

Aquiles – Vinte contos!? (à parte) Eu teria aceitado até de graça. Mas meu caro senhor

Pascoal, como é que vou me apresentar com estas roupas?

Pascoal – Mas esta calça não está mal.

Aquiles – E o paletó? Não tens por acaso um paletó, um smoking, um fraque?

Sílvia – Papai, porque não lhe empresta o fraque do titio?

Pascoal – Ótimo! Vai busca-lo no guarda-roupa. E o senhor, seu Aquiles, arranje-se do

melhor modo possível. Faça lhe emprestar umas luvas, um chapéu, enfim, ponha-se na

moda!

Ângela – Decerto. Vamos apresenta-lo a todos como o Marquês Aquiles Casca.

Aquiles – Ah, isso não! Eu sou contra a nobreza! Por vinte contos miseráveis eu não

vou trair os meus ideiais!

Pascoal – Venha cá, oh ideal! Então te dou vinte contos, um jantar de príncipe, te faço

nobre e ainda achas pouco? Dou-te um fraque por cima!

Aquiles – Ah, com o fraque eu aceito!

Ângela – Então, depressa, volte logo. Sílvia, dá-lhe o fraque. Eu vou fazer um pouco de

toilette e ver se tudo está em ordem. (sai)

Sílvia – Seu Aquiles, vou mandar entregar-lhe o fraque. Adeus, oh! Casca! (sai rindo)

Pascoal – Eu vou ver como vai a cozinha. Ah! Recomendo muito cuidado à mesa. Não

comeces a soltar besteiras como de costume. (sai)

Aquiles – E dizem que eu sou trouxa! Oh! Minha barriga! Chegou o dia da tua

felicidade! (sai dançando)

Cena 4 – Marieta, depois Ângela, Pascoal, Sílvia, Julieta e Gabriel, Conceição e Ida.

Marieta – Patroa, chegou a família Gabriel.

Pascoal – Oh! Meu caro Gabriel!

Gabriel – Oh! Pascoal, cada vez mais forte... Senhora...

Ângela – Boa noite. (Todos. Boa noite, como vão, beijos, apertos de mão) Sentem-se.

Conceição – Ao que parece somos os primeiros.

Ângela – É verdade. Mas chegarão os outros!

193

Julieta – Chegar os primeiros! Que vulgaridade!

Sílvia – E por quê? Alguém deve chegar antes?

Julieta – Mas cale a boca, tu não entendes nada de chique, de moda e de sociedade. Não

é verdade Ida?

Ida – Bien te bien.

Sílvia – (à parte) Oh! Francês bravo, meu Deus!

Conceição – Muito obrigado pelo convite.

Ângela – Oh! Por favor! Mas deve adaptar-se, sabe. Comida de família, modesta de

pobre como nós!

Julieta – (à parte) Que palavras de vulgaridade, que gente.

Conceição – A nossa casa, Ângela.

Julieta – Ah! (surpresa)

Ângela – Por que suspiras?

Julieta – Porque estou triste, penso no meu ideal!

Conceição – Desdq eu saiu do colégio é só suspiro.

Ângela – Na sua idade só deve rir e brincar.

Julieta – Quando se tem um pensamento fixo, não se tem vontade de brincar. (faz cena)

Gabriel – E quem são os convidados?

Pascoal – Braz Acaccio e senhora.

Gabriel – Oh! Conheço-os muito. Bravo, bravo.

Pascoal – O comendador Pomi

Gabriel – Aquele simpático do Pomi, somos amigos de há muito.

Pascoal – O cavalheiro Scarpini e senhora.

Gabriel – Somos como irmãos.

Pascoal – (à parte) Mas este conhece todo mundo. Vamos ver se conhece também o

afinador. E depois um conhecido novo, o ilustre Marquês Aquiles Casca!

Gabriel – Casca, o marquês Casca? Mas nos conhecemos no Rio. Não é verdade,

Conceição?

Conceição – Decerto. Somos íntimos do Marquês Casca.

Ângela – (à parte) Mas que cara dura, meu Deus.

Pascoal – (à parte) Este é amigo até do imperador do Japão!

Sílvia – E pensas sempre nele?

194

Julieta – Sempre, sempre. Ele veio diversas vezes como afinador... e me olhava de um

modo... Mas eu estou certa que ele fingiu ser um simples operário, só para me ver. E se

não me engano um dia eu o vi fardado de militar, montado num belo cavalo.

Sílvia – Deveras?

Julieta – Sim, deveras, e eu não posso esquecê-lo. Não posso.

Cena 5 – Os mesmo, Marieta e Adolfo.

Marieta – Chegou o senhor Adolfo.

Adolfo – Boa noite a todas estas lindas flores e aos ilustres mastros.

Todos – Boa noite, doutor.

Conceição – Sempre gentil o nosso doutor! Minha filha esperava-o.

Adolfo – Oh! Muito gentil, a senhorita é um anjo.

Julieta – O senhor é admirável. (baixo) Mamãe quer que eu me case com ele, mas não é

o homem dos meus sonhos!

Ângela – Doutor, enquanto esperamos os convidados presentei-nos com alguma coisa.

Conceição – O doutor sabe compor tão linda melodia.

Senhoritas – Doutor, faça-nos a vontade.

Adolfo – Com todo o prazer. Eu nunca me faço de rogado com o belo sexo. Sílvia me

acompanhará ao piano.

Todos – Bravos. Muito bem.

Adolfo – (canta uma canção)

Cena 6 – Os mesmos, Marieta, Bartolo e Adele.

Marieta – A família Bartolo.

Bartolo – (de péssimo humor) Boa noite a todos.

Adele – Boa noite.

Todos – Boa noite.

Adele – (a Adolfo) Boa noite, doutor.

Adolfo – Pensei que não viesses.

Adele – Estou num inferno. Meu marido encontrou tua carta.

Adolfo – Psiu! Teu marido está olhando. (alto) Sim senhor, foi meu, um processo

clamoroso!

Bartolo – E fará um mais clamoroso ainda, o meu! (avizinhando-se de Adele)

Adolfo – Por que, vai processar alguém?

195

Bartolo – Doutor, eu sou um infeliz.

Adolfo – O senhor quer brincar...

Bartolo – Infeliz, sim, infeliz!

Adolfo – Mas o que diz? A senhora Adele e com quem?

Bartolo – Isso eu ainda não sei, mas não tardará para descobrir tudo! Leia isto em

segredo. (dá o bilhete)

Adolfo – (à parte) O meu bilhete.

Bartolo – Está convencido agora? E nem tem coragem de assinar, o velhaco! Pôs

somente um A. Mas eu o descobrirei, sim, e quando o tenha descoberto, o farei em

pedaços, compreende, em pedaços. (maltrata Adolfo)

Adolfo – Calma, que culpa tenho eu?

Bartolo – Desculpe! È o nervoso que não me deixa. Mas quero desafogar consigo. O

doutor é meu único amigo, em quem tenho mais confiança.

Adolfo – Então deixe por minha conta.

Ângela – Enquanto esperamos os outros convidados, vamos tomar um aperitivo!

Todos – Com prazer! Vamos! (saem)

Ângela – Pascoal, tenho certeza que o comendador não vem mais e então com o

afinador seremos 13 à mesa.

Pascoal – Mas quem disse que o comendador não vem?

Ângela – A senhora Adele.

Pascoal – Então torna-se inútil a presença do afinador. E ele que já vem aí.

Ângela – Manda-o embora, porque sendo 13 pessoas à mesa eu não sento! (sai)

Pascoal – Ufa! Já está me aborrecendo este negócio!

Cena 7 – Marieta, depois Aquiles e todos os convidados.

Marieta – Chegou o afinador! Faça-o entrar?

Pascoal – Não senhora.

Aquiles – (vestido caricato) Estou aqui.

Pascoal – O que quer aqui?

Aquiles – Hom’essa! Quero comer! Eu sou o Marquês Casca.

Pascoal – O senhor não é mais nada. Pode ir. Não precisa mais.

Aquiles – Por quê? Não se come mais?

Pascoal – Comemos sozinhos! Porque falta um convidado e se o senhor ficar seremos

em 13 outra vez! Até logo! Passe bem!

196

Aquiles – Então me manda embora de jejum, depois de fazer toda esta toilette, e depois

que até tomei purgante. E agora, para onde vou? Mas sabe que se não me fazem jantar

eu faço sair pelo nariz tudo o que vocês comem? Essas são tratantadas, próprias de

gente sem caráter. Oh! Mas eu sou um revolucionário, eu faço uma revolução, eu vou

embora mas quebro tudo, escangalho tudo, faço vir o fim do mundo. (sai gritando e

ouve-se um forte barulho)

Todos – Mas o que é isso?

Pascoal – Nada! Foi o vento!

Bartolo – Doutor, tenho uma ideia. O sedutor não seria Scarponi?

Adolfo – Não, ele chama-se José.

Bartolo – É verdade. E a carta está assinada com um A. Oh! Mas eu não entendo mais

nada. A dor de cabeça não me deixa um instante.

Cena 8 – Os mesmo, Marieta, depois Scarponi, Pomi e um americano.

Marieta – O senhor Scarponi, o Comendador Pomi e um americano.

Todos – Bem-vindos! (Marieta sai)

Scarponi – (tipo de gago) Boa noite a todos, senhoras e senhoritas e caros amigos!

Pomi – Ficaria desgostoso se faltasse a esta bela reunião por causa da chegada do meu

caro amigo jornalista, o senhor Simon de Chicago.

Pascoal – A Chicago.

Pomi – E volta! Para não deixa-lo sozinho e não faltar, trouxe-o comigo. Fiz bem?

Pascoal – De certo, milord! O senhor é o dono dessa mísera cocheira.

Americano – Eu estar muito feliz, fazer sua linda conhecimenta.

Ângela – Senhor Scarponi, e a sua senhora?

Scarponi – Estou muito sentido! Ela está com forte nevralgia!

Pascoal – Coitada!

Ângela – (baixo) Pascoal, éramos 10 e 3 são 13 outra vez. Eu não me sento.

Pascoal – E fica em pé? Que queres que eu faça?

Gabriel – Senhores, nós estamos tomando um vermouth, se nos querem honrar...

Ângela – Sim, vamos que a janta está pronta. (saem)

Pascoal – Mas como vou me arranjar? Eu mandei o Aquiles embora.

Ângela – E por que mandaste-o?

Pascoal – Porque éramos 13.

197

Ângela – Arranja-te como quiseres, mas lembra-te que com 13 pessoas à mesa eu não

sento.

Pascoal – Estou até com vontade de ir passear. Oh! Que inferno!

Cena 9 – O mesmo, Aquiles, depois todos.

(Aquiles atravessa a cena e vai até o piano pegar uma chave)

Pascoal – (segura-o) Mas que sorte! Você voltou!

Aquiles – Voltei porque me esqueci a chave e preciso dela para o meu serviço.

Pascoal – Oh, que sorte! Estamos outra vez em 13 e precisamos de si para o 14. O

senhor vai jantar aqui.

Aquiles – O senhor está pensando que eu sou algum boneco? Antes fica, depois vai,

agora torna a ficar. Não, não, nem por dez contos eu fico aqui.

Pascoal – Mas seu Aquiles, faça-me este favor. A culpa não é minha, é que um dos

convidados adoeceu.

Aquiles – Qual o que, não me convém. E depois 40 só por tanto trabalho.

Pascoal – Como 40? Eu ofereci 20.

Aquiles – Sim, antes dessa encrenca toda, mas agora com o susto de ficar em jejum, não

posso fazer esse serviço por menos de 100.

Pascoal – Cem contos e o jantar... Mas isso chama-se aproveitar...

Aquiles – E o senhor não aproveitou da minha bondade? Se convém é assim: cem

contos e o número 14, fixo e sem incidentes.

Pascoal – Está bem, darei os cem mil réis, paciência.

Aquiles – Pagamento adiantado.

Pascoal – Mas...

Aquiles – Se não devolvo o fraque e vou embora.

Pascoal – Não senhor. Aqui estão os cem mil.

Aquiles – Muito bem, agora sou o Marquês Tripa.

Pascoal – Que Tripa? Casca.

Aquiles – Casca, tripa, pele, couro, contando que jante.

Pascoal – Agora saia e faça-se anunciar em cinco minutos.

Aquiles – De acordo. (à parte) Pelo menos os cem mil estão no bolso.

Pascoal – Esse desgraçado número 13 já me custa cem mil.

Cena 10 – O mesmo, Ângela, os convidados, depois Marieta e Aquiles.

198

Ângela – Bem, Pascoal, o que arranjou?

Pascoal – Tudo. O Aquiles será anunciado agora.

Ângela – Antes assim. (entram todos)

Gabriel – Vou fazer um pouco de música.

Ângela – Não, não! A mesa já está posta.

Pascoal – Um pouco para esperar o Marquês Casca. E não sei explicar como um

homem tão pontual ainda não tenha chegado.

Bartolo – Mas quem é esse marquês?

Ângela – Um conhecido do ano passado, uma pessoa distintíssima. Estivemos em sua

residência. Uma vida realmente principesca.

Bartolo – Doutor, minha mulher mudou de cor. Que seja esse marquês o velhaco?

Adolfo – Mas, eu não sei.

Marieta – Chegou o afina... o Marquês Casca!

Pascoal – Finalmente! Adentre senhor Marquês!

Aquiles – Oh! Meu caro Pascoal, perdoa-me se tardei um pouco, mas estive em

conferência com três deputados e um ministro... (Bartolo olha-o mal) ...e dois senadores

para estudar uma nova lei que talvez... (à parte) Mas o que este freguês quer comigo?

Julieta – (à parte) Oh! Meu Deus! É ele! É o afiunador que vinha ao colégio. Eu bem

que adivinhava que ele era um nobre disfarçado.

Pascoal – O Marquês Casca, os senhores Pernichelle (apresentando) e a senhorita

Julieta Pernichelle.

Aquiles – Muito simpática a senhorita.

Julieta – (à parte) Imprudente? Por que veio aqui?

Aquiles – Hom’essa, eu sou convidado.

Julieta – (baixo) Eu sei que o amor o torna audacioso, mas afaste-se que nos estão

olhando.

Aquiles – (baixo) Esta se não é louca pouco falta. (percebendo que Bartolo o segue com

olhares de ódio) Mas que diabo quer esse homem? Será que eu caí num hospício?

Bartolo – (a Julieta) Senhorita, conheces este Marquês?

Julieta – Sim.

Bartolo – Mas é a primeira vez que vem aqui.

Julieta – Sim, veio ver a mulher que ama.

Bartolo – Ah! É ele. Esta vez não me escapa. (pausa) Doutor, este é o velhaco, estou

certo.

199

Adolfo – Mas não faça escândalo. Acalme-se.

Aquiles – Mas o que quer este freguês? Ah! Entendi. De certo tem algum piano

desafinado. Vou amanhã.

Bartolo – Não se faça de engraçado! Dá-me a sua carta.

Aquiles – Eu não preciso de carta, sou conhecidíssimo aqui. Sou o Marquês Aquiles

Casca.

Bartolo – Aquiles? O senhor disse Aquiles. Então não há mais dúvidas. O senhor é o A

e ponto.

Aquiles – Mas que ponto, que vírgula. (à parte) Mas que diabo tem esse homem

comigo?

Bartolo – O senhor tem uma linda máquina de escrever. Doutor, diga-me uma coisa: se

sua senhora o enganasse, o senhor mataria o sedutor?

Aquiles – Eu não!

Bartolo – (segura-o pelo pescoço) Como não?

Aquiles – Sim, sim! (à parte) Mas que cobra o picou?

Adolfo – Oh! Mas acalme-se.

Bartolo – Tem razão. Estou calmo. Mas nos encontraremos senhor Marquês. E breve.

Aquiles – Breve, logo, já.

Pascoal – Senhor Marquês Casca.

Aquiles – A casca aqui deixo. O que quer?

Pascoal – As senhoras me disseram que o senhor toca admiravelmente e antes do jantar

queria deliciar as senhoras com umpouco de boa música.

Aquiles – (baixo) Para tocar quero mais 50.

Pascoal – (baixo) Você está louco.

Adele – Marquês, seja bonzinho!

Conceição – Marquês, não se faça de rogado, um noturno de Chopin.

Ida – O que mais lhe agradar!

Julieta – Aquiles, faça-o por mim!

Aquiles – (à parte) Mas quem conhece esta moça? (alto) Mas é bonitinha mesmo. Estou

às ordens! (as senhoras sentam e Aquiles toca)

Cena 11 – Os mesmo e Marieta.

Marieta – O jantar está na mesa.

Aquiles – (deixando tudo, corre)

200

Pascoal – (à Adele) A senhora não vem?

Adele – Desculpe, estou sem apetite.

Ângela – (baixo) Mas se ela não vier seremos outra vez 13. Está visto que eu não devo

jantar hoje.

Pascoal – Eu sabia. Agora faço o senhor Aquiles. (corre)

Ângela – Mas venha ao menos para nos fazer companhia.

Adele – Não, é-me impossível suportar o olhar de meu marido.

Cena 12 – Pascoal, Aquiles e depois Bartolo.

Pascoal – (arrastando Aquiles) Estou muito contrariado, senhor Aquiles. Não pode

sentar-se à mesa.

Aquiles – (mastigando) E per che?

Pascoal – Porque sem aquela senhora somos 13 e minha mulher não quer. Por isso faça-

lhe companhia e depois jantará.

Aquiles – Mas eu sou mesmo desgraçado! Estava assaltando um prato de macarrão, que

era uma beleza, e me mandam embora por causa dessa estúpida.

Adele – E o senhor Marquês? Não vem jantar?

Aquiles – Não. É por sua causa que não janto. (à parte) Esta logo agora vai ficar doente.

Adele – Mas o senhor é muito gentil. Não se incomode comigo, vá jantar.

Aquiles – É inútil! Eu não posso sentar-me à mesa se a senhora não vier também.

Façamos assim. Dê-me o braço e seremos 13 e 14. Assim jantaremos os dois. (dá-lhe o

braço)

Bartolo – Ah! Infame! Apanhei-os!

Adele – Meu marido! (corre)

Bartolo – A, nós dois, miseráveis!

Aquiles – Miserável agora não. Olha que prato lindo!

Bartolo – Quando eu penso, ah!

Aquiles – E não pensa.

Bartolo – Oh! Meu Deus! Creio que o esqueci... Não, não, não, graças do céu está aqui

o revólver.

Aquiles – Graças a Deus.

Bartolo – Sente-se, sente-se. (os dois sentam) Conhece este brinquedo?

Aquiles – Sim senhor, é um revólver.

Bartolo – Calibre 32. Então o senhor conhece a minha mulher?

201

Aquiles – Nunca vi mais gorda.

Bartolo – O senhor a conhece!

Aquiles – Sim, há muitos nãos!

Bartolo – O senhor ama a minha mulher.

Aquiles – Nem por sombra.

Bartolo – Minha mulher o ama?

Aquiles – Oh raite! Anda caidinha por mim!

Bartolo – Então confessa?

Aquiles – Por força, com esse 32 na frente...

Bartolo – Então o senhor me está atravessando o caminho.

Aquiles – Vá pela calçada.

Bartolo – O senhor vai acabar com isso.

Aquiles – Acabaremos!

Bartolo – Afogue esse sentimento... destrua as melidicências. E por isso deve...

Aquiles – Mas como?

Bartolo – Deve casar-se. E logo.

Aquiles – Sim senhor. Chame o juiz, o padre, o sacristão.

Bartolo – Muito bem, tenho aqui a senhorita que lhe serve.

Aquiles – Mas não tenho um níquel. Eu sou um pobre afinador.

Bartolo – Eu lhe darei dez contos.

Aquiles – Dez contos! Mas isso é um roubo.

Bartolo – Sílvia, venha aqui por favor.

Cena 13 – Os mesmos, Sílvia, depois Conceição.

Sílvia – Deseja?

Bartolo – Prometi arranjar-lhe um bom marido. Ei-lo, mas como é um pouco tímido,

encarregou-me de dizer-lhe tudo, que a ama e que deseja casar-se. Agora o senhor diga

tudo à senhorita, eu vou deixa-lo. Adeus. (sai)

Aquiles – Senhorita, eu preciso explicar-me.

Sílvia – Basta, senhor, compreendo! O senhor me deixa comovida...

Aquiles – Se este não é o hospício, então o louco sou eu. Mas quem esperava hoje tanta

complicação. Eu não conheço ninguém deste pessoal e todos encrencam comigo. É

melhor que eu vá embora.

Conceição – Oh! O senhor não morreu ainda?

202

Aquiles – Eu?

Conceição – Sim, o senhor morreu.

Aquiles – Eu disse que ia me acontecer alguma coisa. Morri sem perceber.

Conceição – O senhor quer bancar o vivo, às ordens! Mas eu sei que a minha filha o

ama e se não casar com ela vai ser o diabo!

Aquiles – Outro casamento?

Conceição – Então estamos entendidos! O senhor, sob disfarce, roubou o coração da

minha filha e agora deve casar-se, caso contrário faço-lhe um presente terrível.

Aquiles – A senhora também tem um 32.

Conceição – Um 32 não. Seria um prazer para si. Tic-tac, dois tiros e pronto. Não, não.

É muita honra.

Aquiles – É engraçado! Muita honra morrer com dois tiros!

Conceição – (mostra um garfo) Sabe o que é isto?

Aquiles – Pipermint.

Conceição – Não, é vitríolo.

Aquiles – Vitríolo?

Conceição – O vestido queima lentamente, febrilmente e faz sofrer horrivelmente.

Aquiles – Obrigado, miseravelmente, desgraçadamente.

Conceição – Por isso, desposará minha filha ou lhe atirarei com todo este líquido e lhe

queimará o nariz, os olhos, a boca e o resto. Até logo, nenê. (sai)

Aquiles – Adeus, peste. Mas quanta novidade... Mas quem conhece esta gente...

Cena 14 – O mesmo e Julieta.

Julieta – (dolente e explosiva) Aquiles, é verdade que querem casá-lo?

Aquiles – Fosse só isto!

Julieta – E eu, pobre de mim, eu que sempre esperei o seu amor, sim, Aquiles, nós

devíamos nos casar.

Aquiles – Casar? Mas a senhora está brincando? Com tanta desgraça junta, só me

faltava uma mulher por cima.

Julieta – O amor conforta tudo.

Aquiles – Sim, mas quando a barriga dá horas, não há quem a conforte.

Julieta – Não seja tolo, nós temos que casar-nos. Onde encontrará uma mulherzinha

como eu?

Aquiles – Não, eu sou muito menino ainda, não pretendo minha adolescência...

203

Julieta – Qual adolescência. Verás o tesouro que eu sou.

Aquiles – Olhe, queres um conselho? Vá até o quilômetro 111 e pede hospedagem.

Cena última – Os mesmos, Adolfo, Adele, depois Aquiles e todos.

Adolfo – Diga-me uma coisa: de que força é a cretinice do teu marido por julgar-te

apaixonada por aquele imbecil do Marquês?

Adele – Antes assim. Ficaremos mais tranquilos.

Adolfo – Estimas-me. Dá-me um beijo.

Adele – Mas está louco.

Aquiles – Bom apetite.

Adolfo – Se falar vendo-o, mato-o, lembre-se. (sai)

Aquiles – Mas eu não filo. A mim importa a comida! Porém, dona Adele, a senhora é

muito bonita, o doutor tem razão, se eu tivesse uma mulher assim, a adoraria de joelhos.

(escuta)

Bartolo – Oh! Atrevido, safado, quero pulverizar-te. (tira o revólver)

Todos – Mas o que é?!

Aquiles – Socorro! Tirem essa metralhadora!

Bartolo – Deixe-o que o mato.

Aquiles – E depois? Chega.

Ângela – Mas por quê?

Bartolo – Porque este velhaco é o amante da minha mulher.

Adele – É uma calúnia. Vejo este senhor pela primeira vez.

Aquiles – (baixo) Ou me salva ou conto o negócio do beijo.

Adele – O Marquês suplicava-me de interceder com os pais de uma moça que eu

conheço para pedir-lhe a mão.

Pascoal – E quem é essa moça?

Julieta – Eu?

Aquiles – (à parte) Mas eu não a conheço...

Bartolo – Sou uma besta.

Julieta – Sim, Aquiles, sei que me amava em segredo, eu também te amo, e se meus

pais não quiserem, nós morreremos juntos, como Romeu e Julieta.

Aquiles – Deixa morrer só a Julieta.

Adele – Seu Gabriel, consinto.

Gabriel – Mas eu não conheço o cavalheiro.

204

Adele – Conheço eu. É um bom moço e desfruta de uma discreta posição.

Bartolo – E como estou certo agora da fidelidade de minha mulher, dou-lhe o lugar de

caixa no meu escritório.

Aquiles – Seu Gabriel, combinamos ou não este casamento?

Gabriel – Pois se se amam, faça-se a vontade de Deus.

Aquiles – O céu m’a deu. Esta é minha.

8.4 Piolin, professor de clarinete245

Farsa em um ato, cena única.

Abelardo Pinto Piolin

Personagens: Piolin, Sr. Libório, Marietta, Mariana, José e comparsaria.

Cenário: Uma sala simples com um biombo ao lado.

Mariana – (entrando) E o meu namorado que há mais de dois dias que eu não vejo?

Será que aconteceu alguma coisa entre ele e papai?

Marietta – O Piolin também anda sumido, assim que eu lhe ponha os olhos em cima há

de me pagar! Vou lhe dar um puxão de orelhas, que se lembrará por toda a vida.

Mariana – Eu vou telefonar a José para saber o que há. (ao telefone) Alô, quem fala?

José? O que é que houve que você desapareceu? O papai? Não, ele é muito míope e não

tem perigo. Venha até aqui e combinaremos melhor o que temos a fazer. Traga também

o Piolin. Até logo.

Marietta – Eu desconfio que o papai deu uma boia corrida no Piolin.

Libório – (entrando) O que estão vocês fazendo aí ao telefone? Estão namorando, com

certeza.

Mariana – Não papai, estamos dando trote nas amiguinhas.

Libório – Trote coisa nenhuma, isso é desculpa, mas a mim ninguém engana e eu vou

acabar com tudo isso aqui em casa, afim de ensiná-las a serem perfeitas donas de casa.

Vou também arranjar um professor de música, porque só assim vocês terão o que fazer

durante o dia e não perderão o tempo com esses almofadinhas sem eira nem beira.

Marietta – Mas nós já sabemos música, papai.

245

Esta versão foi apresentada ao Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda em 20 de outubro de

1942, com solicitação assinada por Galdino Pinto, pai de Piolin. A peça já havia sido encenada antes

dessa data e não há indícios que corroborem a versão de que contou com a colaboração de Oswald de

Andrade na sua redação.

205

Libório – Mas não tocam coisa alguma, só sabem tocar o telefone para os namorados.

Mariana – Mas que instrumento eu irei aprender?

Libório – Você irá aprender a tocar a flauta, e a Maietta irá aprender a tocar o clarinete.

É um instrumento que eu sempre tive paixão, desde moço.

Marietta – Papai, logo falaremos nisso. O que eu tenho a lhe dizer é que hoje é o dia do

meu aniversário e eu queria que o senhor fizesse uma festinha para que eu pudesse

convidar as minhas amiguinhas.

Libório – Eu já sei, e não tenhas cuidado porque eu já encomendei os doces e já

convidei todos os nosso parentes.

Mariana – Ah, o nosso rico paizinho é muito bonzinho.

Libório – É, mas não é com essas adulações que vocês me embrulham. Bem, eu agora

vou até a agência encomendar para que ponham uma nota nos jornais pedindo uma

governanta e um professor de clarinete. (sai)

Marietta – Mas que ideia de papai querer que eu aprenda a tocar clarinete.

José – (entrando) Pode-se entrar sem perigo de sair corrido?

Mariana – Pode sim, papai saiu. Venha, não tenhas medo.

Piolin – (entrando) Pode-se entrar sem ser batido?

Marietta – Entra meu coração de batata doce. Quantas saudades de você. Por que

desapareceu?

Piolin – O seu pai ontem me pegou no portão e me deu um safanão que me jogou

dentro do açougue, tanto que eu comprei um quilo de linguiça sem precisar...

Mariana – O papai não anda certo da bola, agora cismou que nós temos que ser

guardadas por uma governanta e quer também um professor de música para mim tocar

flauta e a Marietta clarineta.

Marieta – E eu tenho uma ótima ideia para que vocês possam ficar sempre ao nosso

lado.

José – Qual é a sua grande ideia?

Piolin – Lá vem besteira!

Marietta – Muito simples. O papai foi ao jornal por um anúncio pedindo uma

governanta e um professor de clarineta. Ora, o Piolin pode arranjar uma roupa de

mulher e apresentar-se aqui como uma candidata ao emprego e o José pode se

apresentar como o professor de clarineta. Que tal?

Mariana – Ótima ideia! Só assim estaremos sempre juntinhos. José, tu não sabes

música?

206

José – Ah, musica aqui comigo é como manga de colete.

Piolin – Mas eu acho que o José é que devia fazer a governanta, porque a cara dele é

mais jeitosa... Eu fico uma governanta tipo espeto.

José – E você, Piolin, sabe música?

Piolin – Música aqui comigo é joelho de minhoca.

Mariana – Então nada arranjado.

Piolin – Eu vou arranjar a coisa a jeito. Eu tenho um primo que toca clarineta. Eu trago

ele aqui e escondo-o atrás daquele biombo. A um sinal combinado ele tocará a clarineta

fazendo que toco, mas quem tocará é ele. E como o velho é míope, não perceberá a

marosca. Que tal?

Marietta – Não pode haver coisa melhor. Vão já se prepararem e se apresentarem aqui

para falar com o velho antes que apareçam outros.

José – Bem, então vamos. Adeus, meu bom bocado.

Piolin – Adeus, meu bocado bom. (saem)

Libório – Vão se preparar e arranjar a casa porque os nossos parentes não devem tardar

por aí. Os doces já chegaram e as bebidas já encomendei que não demorassem.

Mariana – É num abrir e fechar de olhos que nós aprontaremos tudo. Vai ver só, papai.

(saem)

Libório – Diabo! Queira ser chefe de família... por qualquer coisa é logo uma festinha e

lá se vai um dinheirão sem conta. Ah! Mas eu vou acabar com isso. De agora em diante

terão que se preocupar com a música. Uma será flautista e a outra clarinetista, o meu

sonho dourado. Sempre tive loucura por esse instrumento. (sai) (entra Piolin disfarçado

em professor e José de governanta, trazendo o músico já embriagado)

Piolin – Esse desgraçado é bem capaz de me estragar o pesqueiro, pois o bandido já

vem bêbado.

José – Essa sua ideia vai é nos arranjar uma surra de pau!

Músico – Hacendo o que beber eu fico firme e toco até amanhecer.

Piolin – Tu faça o serviço bem feito que eu darei metade do ordenado que eu combinar.

Músico – Está feito, pode contar comigo.

Piolin – Bem, tu ficarás escondido ali atrás do biombo e o sinal será assim: quando eu

tossir você tocará, quando eu bater o pé você brecará. Compreendeu?

Músico – Combinado. É preciso não esquecer que quando começar a festa você deve

ajeitar uma garrafa de qualquer coisa para mim lubrificar a garganta.

José – Anda ligeiro que aí vem gente.

207

Libório – (entrando) O que deseja o cavalheiro?

Piolin – Eu li um anúncio no jornal pedindo um professor de clarinete, então vim m

apresentar.

Libório – Ótimo! Ótimo! Chegou na hora que eu mais preciso. E a senhora veio em sua

companhia?

Piolin – Sim senhor, é minha prima irmão por parte de um compadre meu.

José – Li também que o senhor precisa quem faça as vezes de governanta. Por isso

venho oferecer os meus préstimos. Eu sou uma moça muito sossegada e tenho muita

paciência para lidar com outras moças.

Libório – Pois muito bem, estou satisfeito em que se apresentassem com preteza e estou

encantado com a sua pessoa. E pode desde já considerar-se como minha governanta.

Quanto ao senhor, desejo que faça de minha filha uma exímia claninetista.

Piolin – Pode contar que sua filha tocará clarinete por informação.

Libório – Como foi que o senhor disse?

Piolin – Que sua filha tocará clarinete na primeira lição.

Libório – Muito bem, vou chama-las para fazer as apresentações. Marietta! Mariana!

Marietta e Mariana – (entrando) Pronto, papaizinho!

Libório – Mariama, apresento-te a nossa governanta.

Mariana – É com o maior prazer que lhe cumprimento.

José – E eu mais ainda.

Libório – Marietta, esse é o teu professor de clarineta.

Marietta – Imenso prazer.

Piolin – Com a mesma data.

Libório – Professor! A minha filha levará muito tempo para tocar clarineta?

Piolin – Depende da embocadura. Não quebrando a palheta e não entortando as chaves,

a música sai sozinha, depende de soprar com fé.

Libório – Eu sou louco pela música, poderá tocar o senhor qualquer coisa neste

momento só para que eu possa aprecias suas habilidades?

José – É agora que vai começar a encrenca.

Mariana – Toque, professor.

Piolin – Eu tenho que tocar senão ele me toca daqui para fora. Pois bem, eu vou tocar

uma lição em si bemol. (Piolin tosse, o músico que está escondido atrás do biombo toca

e Piolin na frente com outra clarineta faz gestos como se estivesse tocando. Ao bater o

pé o músico para.)

208

Libório – Muito bem! Estou encantado, não esperava que o senhor tocasse tão bem.

(Libório tosse e o músico que está atento ao sinal, dispara a tocar. Piolin corre para o

biombo fazendo como se tocasse. Bate o pé, para a música.)

Piolin – O instrumento é novo, de modos que ficaram umas notas encravadas e saíram-

se sem esperar.

Marietta – Papai, já estão aí os convidados. (entram os convidados, homens e

mulheres, comparsaria, cumprimentos, saudações, etc.)

Libório – Meus senhores, tenho a honra de apresentar-lhes o professor de clarineta!

Piolin – Parece que esqueceram a porta do necrotério aberta.

Libório – O senhor Timótheo, professor de flautim. O senhor Archanjo, professor de

violoncelo. O senhor Fileto, professor de trombone e o senhor Serapião, professor de

pandeiro. Agora, o senhor professor fará um discurso de saudação aos presentes.

Piolin – Meus senhores e senhoras, neste momento solene em que eu tenho a honra de

saudar o museu a quem fui apresentado, eu não deixaria de usar da palavra... Sim, meus

senhores... (neste momento Libório tem um acesso de tosse e o músico desanda a tocar.

Piolin sai correndo, pega a clarineta que está sobre a mesa e repete a mesma cena)

Libório – Muito bem! Agora vamos para dentro que vai ser servida a mesa de doces. A

senhora quer dar-me o braço?

José – Obrigada, eu ficarei por uns instantes, pois tenho que combinar com o maestro as

nossas horas de aulas.

Libório – Então não deve demorar-se, senão eu virei busca-la. (sai)

Piolin – O velho parece que está gostando de você.

José – E sabes o que mais? Antes que o negócio se complique eu vou dar o fora.

Piolin – E eu vou ficar sozinho?

José – Aqui só há um remédio. O velho está enamorado de mim de modos que vamos

trocar os papéis, ficando você como governanta. Quando ele te falar em casamento,

você dirá que só se casará com ele se consentir o meu casamento com Mariana.

Piolin – E aí você se casa com ela e eu fico aguentando esse velho? Não, nessa eu não

caio.

José – Qual o quê, depois eu te garanto a zona.

Piolin – Se é assim, vamos experimentar. (trocam a roupa. José sai. Piolin fica sobre o

sofá. Entra Libório)

Libório – Então a minha encantadora governanta ficou sozinha? Não quer tomar um

licorzinho?

209

Piolin – Agradeço a sua bondade mas eu não bebo, só como.

Libório – Diga-me uma coisa: é solteira?

Piolin – Solteirinha da Silva.

Libório – Nunca pensou em casamento?

Piolin – Ah! Os homens são tão maus... E depois quem poderia me fazer a felicidade?

Libório – Pois saiba que eu sou um homem viúvo. Portanto se encontrasse uma criatura

assim como a senhora que quisesse cuidar não só das minhas filhas como de mim, eu

seria capaz de lhe pedir que fosse a minha esposa.

Piolin – Compreendo, quer casar-se comigo. Pois bem, eu só casarei consigo se o

senhor consentir no casamento do professor com sua filha Mariana...

Libório – Se é que se amam, eu consinto.

Piolin – Pois bem. Então vá lá dentro e anuncie o casamento de ambos aos convidados.

Libório – Assim o farei. E depois posso também anunciar o nosso?

Piolin – Agora é que é o aperto...

Libório – Então, o que diz?

Piolin – Está bem, o senhor anunciará o nosso aqui na sala depois do champanhe.

Assim serão duas surpresas.

Libório – Está bem, é para já! (sai e lá dentro ouve-se a voz de Libório que anuncia o

casamento)

José – Graças a Deus que eu consegui o que eu queria!

Piolin – Agora você tem que arranjar o meu.

José – Eu não! Você que se arranje! (sai)

Piolin – Ah! Bandido! Fui enganado! Mas eu é que não me caso com o velho! Espera

lá! (tira o bêbado detrás do biombo e veste-o de mulher; depois, Piolin se esconde no

biombo)

Libório – Meus senhores, tenho mais uma surpresa! Agora vou apresentar-lhes a

minha... ô diabo, este aqui é homem! Que embrulhada é essa?

Piolin – Sim, é homem. Eu quero que consinta no meu casamento com Marietta senão

eu conto que o senhor me pediu em casamente e vai ser outra vergonha...

Libório – Aposto que foi Marietta a autora disso tudo. Está bem, vá lá, eu consinto. E

eu vou ficar só a ver navios?

Piolin – Não, se quer casar aó o tem! Casa-se com o pau d´água!

Mariana – Vamos que o champanhe está na mesa!

Todos – Viva os noivos! Viva!

210

8.5 Piolin, o campeão de futebol246

Comédia em um ato e dois quadros

Abelardo Pinto Piolin

Personagens: José Faria (capitalista), Maricota (sua esposa), João Lasca Faria (irmão

de José), Dulcinéia (sua esposa), Margarida (filha deles), Piolin, Juiz de Paz e escrivão.

Quadro 1

José – Noto com grande desgosto, minha cara Maricota, que de uns tempos para cá,

qualquer coisa te aborrece e que você não é mãos o que era. Tinhas um gênio alegre,

frequentava bailes, cinemas, teatros e circos, e hoje vives num apego a esta casa, que

ninguém consegue tirar-te daqui, nem a mão de Deus padre!

Maricota – O que queres? São coisas...

José – De acordo que sejam coisas, mas estas coisas é preciso que tu mas revele, a fim

de eu por um termo a estas coisas.

Maricota – Não adianta nada eu dizer o que há, porque eu sei perfeitamente que tu não

dás a isto a menor arrumação.

José – Quem sabe? Quem sabe? Vivemos sempre na melhor harmonia. Sempre te fiz

todas as vontades e não será agora, depois de vinte anos de casados que eu irei procurar-

te para implantar a discórdia dentro de casa. Quem sabe se até por uma futilidade

qualquer!

Maricota – Futilidade? É porque não adivinhas do que se trata.

José – Adivinhar, já se vê que não posso, mas você me fazendo ciente, talvez que

empregando os meus esforços, possa conseguir que...

Maricota – Qual! Os teus esforços serão baldados!

José – (à parte) Mas que diabo terá ela que eu não posso atinar? (alto) Ora, quam sabe

se o que te apoquenta é a chegada do mano João?

Maricota – Não.

246

Galdino Pinto, pai de Piolin e seu empresário, solicitou em 5 de janeiro de 1943 as vistas do DDP

dessa peça, presente no repertório desde muito antes. A peça foi liberada com três cortes: o censor achou

malicioso demais o tio caipira ouvir “chutar” e entender “chupá”; baniu a frase dita por Piolin, que achava

que iria ganhar uma bola quando iria se casar (“Eu tenho uma bomba batuta pra encher, ainda mais sendo

nova”), mesma metáfora usada quando afirma “quero ver depois dela cheia”.

211

José – Sim, porque ele é fazendeiro, meio caipirão, talvez te aborreça recebe-lo e

hospedá-lo, ainda mais que vem com a família.

Maricota – Isso me dá grande prazer porque irei conhecer a minha sobrinha, que ainda

não conheço.

José – Então põe o teu coração à larga e deixa-te de tolices, porque, confesso-te, não te

posso ver com essa cara, tão enfarruscada que até me causa horror.

Maricota – Sim, mas...

José – Deixa-te de reticências e abre o teu coração ao teu velho companheiro, de muitos

anos. (lembrando) Ora! Quem sabe se é a falta de um bebê que te faz assim amuada?

Maricota – Não.

José – Se é isso, fale com franqueza que eu saio aí afora, de porta em porta, pedindo um

bebê, como quem pede um cachorrinho.

Maricota – Não temos o Piolin?

José – Sim, mas o Piolin é um rapaz de 18 anos e não pode andar mais no colo, não

satisfazendo assim os teus desejos.

Maricota – Pois, não é ele o nosso enlevo? (à parte) É justamente a ele que eu detesto!

José – É o nosso enlevo, mas não é uma criança. E, além disso, não é nosso filho. É

simplesmente o sobrinho, a quem nós acolhemos por morte de seus pais.

Maricota – Está bem. Mais tarde eu te explicarei tudo. (sai)

José – Aí está o que são as mulheres. Enfumou-se de uns dias e esta parte não explica o

que há e que eu fomente com os meus amuos.

Piolin – (entrando, alegre) Ah! Titio, estou contente! Fiz um treino de primeira ordem!

Havemos de dar uma derrota de mestre!

José – (à parte) Quem sabe se o Piolin sabe do que se trata? (alto) Piolin, senta-te aqui e

vamos conversar um pouco.

Piolin – Pois sim. (senta-se)

José – Diga-me uma coisa: por acaso não sabe o que tem a tua tia que anda de uns dia

pra cá amuada?

Piolin – De certo é porque o pessoal do Rio ganhou de nós, aqui em São Paulo. Mas,

bem feito, formaram um escrete canja!

José – Não é isso. Ela não gosta de futebol. A coisa deve ser muito diverso do que tu

pensas.

Piolin – Então ela está “off-side”. Dá um chute nela que ela entra logo na linha.

212

José – É isto que ando procurando, um meio de pô-la novamente na linha, mas não

posso atinar o motivo porque ela vive amuada.

Piolin – É que o chute que o titio deu não foi em gol, com toda a certeza, apanhou-a de

mau jeito, pegou efeito e bateu na trave.

Piolin – Se ela apertar a defesa, o titio entra com o seu jogo forte e passa um salame

nela.

José – Enfim, vou procurar todos os meios de ver se consigo pô-la nos eixos.

Piolin – É. Faça de conta que o titio representa São Paulo e ela o Rio. Aperta que o jogo

que o senhor faz é gol na certa.

Maricota – (entrando, à parte) Lá está o malvado. (alto) Já voltaste, Piolin?

Piolin – Já. E estou satisfeito porque o nosso treino foi batuta.

Maricota – (à parte) Sempre com a maldita mania de futebol! (alto) Não vais almoçar?

Piolin – Ah, eu estou louco para dar um chute num bife. Com a fome que eu tenho, é

quatro a zero na certa.

José – Então, vamos ao almoço que já está fazendo tarde. E tu, Maricota, trata de

preparar um bom jantarzinho para hoje que o mano não deve tardar a chegar por aí.

Vamos.

Piolin – O titio João vem hoje?

José – Vem.

Piolin – Eu vou me divertir à custa do caipira velho!

Maricota – Não vás fazer asneiras que ele vem com a senhora e a filha.

Piolin – Eu passo o salame na família inteira! Comigo é nove!

José – Vamos ao almoço.

Piolin – É melhor, porque estou com as traves uma encostando na outra! (saem) (Piolin

vai fazendo passes de bola até dar uma marretada na velha)

Maricota – (gritando) Ai, bruto, não vês que me machuca?

Piolin – Eu não fiz gol e a titia já está gritando? (saem todos) (entram João, Dulcinéia e

Margarida, vestidos decentemente mas um tanto exagerados)

João – É aqui mesmo. Eu não podia me enganar. Eu sou traquejado daqui da capital. Já

é três vezes que eu venho aqui, então haveria de errar?

Dulcinéia – Não é haverá que se diz, nhô João, vancê nem fala sabe?

João – Então como é?

Dulcinéia – É uvéra, não é Margarida?

Margarida – Ah! Ah! Não sei, se arranjem lá!

213

João – Vocês também só vivem emendando a gente em qualquer parte. Pensa que eu

sou tão burro assim? Então a troco de que que eles lá no Quebra-Pedra haveriam de

nomear eu para chefe político?

Dulcinéia – Grande coisa é chefe político. Só serve pra arrebanhar eleitor e nada mais.

Margarida – Já pegam meceis com a lenga-lenga.

João – A sua mãe é teimosa que nem potranca impacadera.

Dulcinéia – É capaz de alguém escutar, o que há de falar?

Piolin – (entra, dando um chute na bola) Eh! Bicho...

Margarida – (esconde-se atrás de Dulcinéia) Nossa mãe, vem gente aí...

Piolin – (continua fazendo passes até dar com a bola em Margarida, que cai numa

cadeira gritando)

Margarida – Acudampme que este homem é louco.

Piolin – (reparando) O diabo, desculpe, eu não sabia que os senhores estavam aí.

Desejam alguma coisa?

João – Nós somos irmão do nhô José.

Piolin – Mas que irmandade é essa que eu não conheço? Isso é fal!

João – Nhor não, o irmão sou só eu, esta é a minha mulher e aquela é minha filha. Mas

eu não chamo Wenceslau, o meu nome é João Lasca Faria.

Piolin – Eu pensei que elas também eram irmã do titio. Então, eu é que estou “off-

side”!

Dulcinéia – Nhor não, não me chamo Delaide, me chamo Dulcinéia.

Piolin – (à parte) Ô caipirada chucra. (alto) Então, eu fiz um fiasco, foi mesmo qu dar

uma marreta.

João – Não, não é Marieta que ela chama, é Margarida. (a Dulcinéia) Tem jeito de ser

distinto.

Dulcinéia – Parece.

João – Decerto tem bom emprego aqui na capital. (a Piolin) Que posição é a de mecê?

Piolin – Eu sou “center-foward”.

João – (a Dulcinéia) Viu? É acende fogo, decerto é cozinheiro.

Piolin – (à parte) Ô tio toupeira! (alto) E agora, meu tio, o senhor veio para São Paulo

de uma vez ou veio só a passeio?

João – Não, eu vim só para visitar meceis e volto logo porque eu não acostumo aqui.

Dulcinéia – Deus me livre morar aqui neste inferno, é um barulho do inferno. A gente

para andar na rua tem que andar correndo.

214

Piolin – É, isso aqui é um buraco, o sujeito escreveu não leu, está levando marreta.

Bom, titio, me dá licença que o pessoal está me esperando para o treino.

João – Então hoje que eu cheguei o senhor vai embarcar?

Piolin – Quem é que disse que vai embarcar?

João – Pois você não falou que vai esperar o trem?

Piolin – Não, é outra coisa. Depois eu explico. Até logo. (sai)

João – Que gente atrapalhada essa da cidade.

José – (entra) Ora, viva, o meu mano João. Como vai? (abraça-o)

João – Ora veja como está o mano... está mais moço!

José – Minha cunhada, como vai? Está uma velhota forte!

Dulcinéia – Ora, largue mão de encafuar a gente. (Maricota os cumprimenta)

José – E a minha sobrinha, como está crescida! Que moça bonita!

Margarida – Ora lá, quem perdeu boniteza para eu achar?

Maricota – Isso é modéstia, menina. Geralmente as moças da roça são mais protegidas

pela natureza que as da cidade.

José – Lá isso é. É questão de clima. O ar puro que se respira no campo é muito mais

salubre que esta nossa atmosfera asfixiante e viciada pelos vapores da gasolina.

João – É mesmo. Lá na roça só o que aperrea um pouco a gente é o tar lampeão de

querosene. Quando a gente dorme com a candeia acesa, no outro dia tá com o nariz

barreado de preto que é um inferno.

Maricota – ( que estava conversando baixo com as outras) Pois, menina, descanse que

há de conhecer São Paulo a palmo, mostrar-lhe-ei tudo o que houver de bonito e

interessante para que quando voltarem para sua terra levem uma boa impressão da nossa

linda capital.

João – Pois é, mano, trouxe um dilúvio de dinheiro pra nóis muê aqui em São Pólo. É

verdade. Cumu está crescido o nosso sobrinho. Está um rapaz às direita.

José – É o novo enlevo aqui da casa, peralta como ele só. Faz anos amanhã e eu não sei

que presente lhe irei dar. Quero-o tanto bem, como se fosse meu filho. Enfoim, até

amanhã teremos tempo de pensar no que lhe havemos de dar.

Maricota – Vamos para dentro para descansarem um pouco que devem estar fatigados

da viagem.

João – É, eu tava é querendo toma um banho de assento que eu tô que não aguento

mais.

215

José – Vamos, que tudo se há de arranjar. (vão sair, entra Piolin fazendo escarcéu com a

bola)

Piolin – Eta ferro! Quem ver como é que se dribla os trouxas? Aperta, titio, entra, titia,

aperta a defesa, titio, quer ver eu passar um salame na titia, entra, aperta a linha.

Maricota – Chegou o louco! (para os outros) Vamos embora, senão ele machuca

alguém. (Piolin dá uma marreta em João, que cambaleia)

Piolin – Aguenta firme, velho! (todos fogem e Piolin vai atrás, sempre fazendo barulho)

Quadro 2

João – Pois é, mano, tô satisfeito co tar de São Pólo. Ôta que eu nunca penseu que

houvesse coisas tão bunitas!

José – A nossa capital representa o grão máximo do progresso do Brasil, é o centro

cosmopolita onde se tem a impressão exata de se estar no estrangeiro.

João – E o minino? Cumo é esperto.

José – É verdade. Por falar no menino, eu lembrei-me de uma coisa que estive

pensando.

João – O que é?

José – Ele faz anos amanhã e eu pensei que o presente melhor que eu poderia dar é uma

noiva.

João – É, ela sendo moça e bunita, é um presente de arrancá o couro do cabelo.

José – Descanse que eu não irei arranjar ao meu sobrinho uma noiva que não lhe

agrade.

João – Então o mano já tá di olho narguma?

José – Se já? É uma rapariguinha nova e bonita, que só tem um defeito, mas muito

desculpável.

João – O domado sendo bão o defeito sai à toa.

José – Por essa lado, não há dúvida, porque eu também ajudo-o a domar a esposa.

João – Si é assim, o negócio é bão.

José – Bom em todos os sentidos, porque o rapaz é inteligente, mas é meio estróina. E

quem sabe se casando toma um pouco de juízo?

João – Não ai coisa mió prá quebra castanha de home sem juízo cumo uma muiézinha.

Ainda mais se ela é do cabelo na venta.

José – Pois então, já que o mano está de acordo com a minha ideia, resta agora saber

quem é a mulher de quem eu falo para podermos fazer o negócio sem rodeios.

216

João – Bamo vê quem é a tar.

José – É a Margarida.

João – (admirado) A minha fia?

José – Essa mesma.

João – Uai, então a moda aqui é assim?

José – Assim como?

João – Casá aqui é o memo que escoiê animar no campo? Justô o preço e pronto?

José – Não, é segundo as convenções.

João – Mas nóis num convencionô nada e ocê já tá falando em casá.

José – Por isso mesmo estamos conversando a ver se chegamos a um acordo.

João – I si ela num quizé?

José – Você, com jeito, procurará convencê-la que é um casamento mais ou menos

conveniente, que o rapaz é bem educado e que além de tudo é inteligente, e que ainda

mais, é o único herdeiro de uma fortuna mais ou menos avultada. Só resta saber se a

minha cunhada está de acordo também.

João – Ché! Isso tem que está. Pulero qui tem galo, galinha não canta.

José – Então, estamos de acordo?

João – Qui leve o diabo! Tamo. (Maricota e Margarida entram)

José – Aí vem elas. Tanto melhor, que decidimos esse negócio já.

João – É memo.

José – (a Maricota) Decidi fazer casar o Piolin, o que dizes a isso?

Maricota – Acho bom, só assim nos veremos livres dessa maldita mania de futebol.

José – Ainda bem que és a minha aliada!

Maricota – Mas... e a noiva?

José – Será a Margarida.

João – E se ela quizé o negócio já tá fechado. (a Dulcinéia) E mecê, não tá de acordo

cum nóis?

Dulcinéia – Ué! Não sei. Mecê é quem manda nas suas obrigação.

João – E ocê, Margarida, o que é o que parece de mecê?

Margarida – (envergonhada) Ah! Ah!

Dulcinéia – Largue mão de vergonha e fale logo.

Margarida – Eu não sei, mecê é que sabe.

Dulcinéia – Eu não, qui desrespeito é esse? O marido é pra mecê memo, não é prá mim.

Margarida – Puis então eu caso. U qui tem?

217

José – (contente) Bravos! Então já está tudo decidido. Amanhã é dia do aniversário

dele, e o mano oferece-lhe a mão de Margarida como presente de aniversário.

João – Então, só eu qui tenho de oferecê?

José – É para que ele fique mais satisfeito.

João – Intão quando ele vié eu falo cum ele.

José – É melhor. E falarás a sós, eu não quero assistir a oferta porque eu quero saber se

tens jeito para essas coisas. Ele não deve tardar por aí.

Piolin – (fora) Aleguá, guá, guá...

João – Vamu ver se tenho jeito para tar coisa.

Piolin – (vendo-o) Ah! Titio, foi uma surra. Três na cabeça!

João – Piolin, senta-te aqui, bem pertido, que eu preciso fala com mecê de um negócio

importante. (à parte) Será que ele qué casá?

Piolin – (à parte) O que quererá de mim este tabaréu? (alto) Pois não, titio, sou todo

ouvidos.

João – (à parte) Lá vai truta! (alto) Eu sube que mecê fais anos amanhã.

Piolin – É verdade, nem me lembrava.

João – Pois é, cumo mecê faiz anos amanhã, eu arresolvi dá um presente pra mecê qui

mecê vai gosta muito.

Piolin – O senhor sabe se eu gosto?

João – Ara, quem é que não gosto do que eu vou dá pra mecê?

Piolin – (à parte) Já sei, é uma bola! (alto) Pois, meu tio, eu só tenho a lhe agradecer.

João – Eu e o mano combinemo bem e achemo que o mió presente que nóis podia dá

pra mecê é ela.

Piolin – Eu fico todo orgulhoso.

João – Ela é nova.

Piolin – Isso. Eu sempre gostei de coisas novas.

João – Bunita.

Piolin – É o essencial.

João – Não tem defeito.

Piolin – E se tiver algum defeito, não faz mal. Com a continuação de chutar, ela fica

boa.

João – (à parte) Chupá? Qui negócio é esse?

Piolin – O senhor traz ela cheia?

João – (admirado) Não!

218

Piolin – Não faz mal. Eu encho ela em três tempos.

João – Isso é lá com mecê.

Piolin – Eu tenho uma bomba batuta pra encher, ainda mais sendo nova.

João - É novinha de tudo!

Piolin – Eu sento a cabeça nela qui é um gosto! Eu sou bom na cabeça.

João – O mano já falou qui mecê é bão de cabeça.

Piolin – O titio sabe da minha fama.

João – Eu acho que é um presente bão.

Piolin – Não podia ser melhor. Ela é bem centrada?

João – (confuso) Eu... eu... eu não sei...

Piolin – (à parte) Este tabaréu está querendo me fazer um corner, mas eu passo um

salame nele já. (alto) Se ela for boa é uma delícia para a gente fazer um passe.

João – (à parte) Ele ainda não casô e já tá querendo passa?

Piolin – É, aqui em São Paulo tem cabra é bicho para pegar uma passada. Aquilo é só

fazer a passada, o cabra aguenta com ela e vai embora.

João – (à parte) Mau vai o negóço. Parece que tô vendo minha fia andá passando de um

im um pra cá e pra lá. (alto) Intão aqui mecêis vão fazendo passe sem conta prosa?

Piolin – É. Estamos bem combinados.

João – I si ela num quizé passa?

Piolin – Não lhe dê cuidado que ela passa à força.

João – (à parte) Qui moda feia! (alto) Mais sendo assim eu não dô ela pra mecê.

Piolin – Então, se o senhor tem ciúmes dela, para que vai me dar? Pode ficar com ela.

João – (zangado) Ciúme não! Isso inté era falta de pouca vergonha.

Piolin – (à parte) Com os diabos! Essa agora bateu na trave! (alto) Pois se o senhor não

tem ciúme uma vez que me dá ela para mim, não se incomode com o que acontecer,

porque se eu estraga-la, eu procuro outra.

João – Isso não. Enquanto mecê tiver ela, mecê não pode ter outra.

Piolin – Por que não? Eu posso ter dez ou vinte, e o senhor nada tem com isso.

João – (mais zangado) Se é assim, eu não dou ela pra mecê. Onde é que se viu isso?

Piolin – (à parte) Lá se vai a minha bola! Eu vou passar um salame nesse velho. (alto)

Está bem. Não é preciso zangar. Eu fico com ela só o tempo que o senhor quiser. Mas,

depois o senhor não se zangue se ela estragar logo. Eu levo ela todos os dias no campo,

senão ela mofa.

João – Pode levar onde quizé, ela é sua.

219

Piolin – Está bem, aceito.

João – Então posso arranjá tudo?

Piolin – Mas veja que não vão lhe dar um cobertão usado.

João – Não tem perigo. Os cobertão há de ser tudo novo.

Piolin – Então arrume tudo bem em ordem que amanhã eu quero entrar na posse.

João – Vou falar com o juiz hoje mesmo.

Piolin – (à parte) Até juiz eles vão arranjar? (alto) Deve ser uma entrega cerimoniosa?

João – É negócio feito im regra.

Piolin – Está bem, meu tio, eu vou ver se janto que o treino me deu fome.

João – Pode ir porque eu sei o que é isso. Eu também, quando ando de trem, os

solavancos me dão fome.

Piolin – Até logo, meu tio.

João – Inté logo. (Piolin sai) Esse tar pensava qui eu ia dá minha fia pra ele i ele haverá

de andá aí cum bandão de muié na vista do zóio da cara da gente. Aui, isso não é

galinheiro, não é nada.

José – (entra com Maricota, Dulcinéia e Margarida) Entção, que tal?

João – O negócio teve mar parado.

José – Por quê?

João – Porque ele quiria ela mais quiria também tudas quanta ele arranjasse.

Maricota – Isso é coisa de rapaz, talvez brincadeira.

João – Não, ele tava falando sério e diz que uma só não chega.

José – Isso é pilhéria dele, tomara ele poder com uma só.

Maricota – Minha menina, uma coisa vou te pedir. Quando te casares, vê se tiras a

mania de Piolin de jogar futebol, senão o dia que ele amanhecer de mau humor, é chute

em tudo o que tiver dentro de casa.

José – Essa mania ele tem que deixar.

Maricota – Largar o quê. Ele é muito capaz de nem fazer caso da mulher só mpor causa

do malfado jogo.

José – Ah! Não creio. Com uma mulherzinha nova e bonita como a Margarida, eu acho

difícil. Não é, Margarida?

Margarida – Ah! Tio! Largue mão de aborrecer a gente.

José – (rindo) Então chamar-te de bonita é aborrecê-te?

Margarida – Mecê garra de história, daqui a pouco eu não caso mais.

João – Mecê não infeze ela que senão ela entorna tudo.

220

Dulcinéia – Eu quando era moça, gostava que me dissessem que eu era bonita.

José – Não, que a minha cunhada até agora ainda está um pancadão.

Dulcinéia – Enjoado!

Piolin – (entra com a bola) Eta, ferro! Vou ver se treino um pouco senão domingo eu

estou canja para jogar.

José – Piolin, tu hoje não podes sair.

Piolin – Por quê?

José – Porque é preciso por tudo em ordem para amanhã.

Piolin – Ponham vocês em ordem que eu preciso treinar.

Maricota – Mas Piolin, seja razoável, olha que os teus tios ficam zangados contigo.

Piolin – Se ficarem eu passo um salame neles e eles ficam bons logo.

Maricota – E a tua tia Dulcinéia? E a tua prima?

Piolin – Eu passo salame nelas também!

Maricota – Ô mania.

José – Mas Piolin, fica porque assim ficarás a conhecendo melhor.

Piolin – Não posso. Amanhã, quando ela for comigo para o campo, eu vejo bem a ela.

Eta, ferro! A rapaziada não espera uma surpresa! Ah! O senhor vai ver a todos. Logo

vão querer experimentar para ver se ela é boa.

João – Mas mecê não deixa!

Piolin – Conforme! Sendo meu amigo, não faz diferença.

João – Mas intão aqui é assim?

Piolin – É. Então o senhor pensa que aqui na cidade é como lá na roça? Aqui não há

cerimônia. Cada um experimenta um pouco e depois eu trago ela para a casa e pronto.

José, Maricota e João – Mas...

Piolin – Que mais o quê... eu vou embora que já é tarde.

José – E não convidas ninguém?

Piiolin – Pra que?

José – Para assistirem a cerimônia.

Piolin – (à parte) Quanta formalidade... (alto) Está bem, eu vou convidar.

José – Não te esqueças de avisar que é aqui em casa às quatro da tarde. E você vê lá o

que faz.

Piolin – Não tem perigo. Até logo. (sai imitando passes de bola)

João – Ota rapaz levado da breca!

Maricota – Este tal de futebol deixa este rapaz meio louco.

221

José – Talvez que casado ele indireita.

Maricota – Deus queira que sim, senão é um desastre.

João – Nóis faiz ele toma jeito.

Maricota – Com essa mania de futebol, eu não tenho guarda-louças, espelho, toilettes,

enfim, nada que esteja em condições. Quando menos se espera, lá vem uma bola que

escangalha tudo!

Piolin – (entra zangado) Estão vendo? Por culpa de vocês perdi a hora.

José – Mas isso não quer dizer nada.

Piolin – Não quer dizer nada o que? Vocês, por causa de uma porcaria de entrega à toa,

fazem tanto rodeio que faz a gente perder a hora.

Dulcinéia – Porcaria à toa não. Mecê veja lá como é que fala.

Piolin – Que como é que fala o quê? Vai ver que é uma droga que até já foi de outro e

agora vocês estão aí contando história.

José – (zangado) Piolin, contenha-se!

Piolin – Contenho nada, eu quero ver depois dela cheia, se ela não prestar, eu dou pra

qualquer um aí da rua. Eu não quero saber de drogas comigo. E sabem o que mais? Até

logo. (sai zangado)

João – O negoço não tá cherando bem.

Dulcinéia – Chamá a nossa fia de droga.

José – Não façam conta. Ele é assim violento mas é bom de coração.

Dulcinéia – Mas eu vou tomar satisfação com ele. Isso é demais. Vamo, minha fia.

(saem)

José – Venha cá. Não façam isso.

João – Ô muié do diabo! Tu estraga tudo.

Dulcinéia – Isso mesmo! Pão, pão, queijo, queijo. Vocês vão ver.

Todos – Venha cá, não faça asneira! (saem todos)

Quadro 3

João – Arre! Que custo para acomodar a muié e o rapaz!

José – Isso são coisas que logo passam. O rapaz é meio violento e estroina, mas tem

bom coração e, sobretudo, compreensão. Logo que, com bons modos, se lhe faça chegar

a razão e ele fica que é uma seda.

João – Ele chegô logo, mais a minha véia tava aqui qui parecia um surucucu pintado. Ô

véia danada! Isso quando dá de arranjá é um inferno.

222

José – Faz uma rifa dela.

João – É capaz de ninguém vende os bilhete.

José – Quieto que vem a cunhada aí.

Piolin – (entra com Maricota e vem vestido para o casamento) Titia, que porção de

doce! Pra que tudo aquilo?

Maricota – É pra depois da cerimônia.

Piolin – Eu hoje tomo indigestão.

Maricota – É preciso que se portes com seriedade.

Piolin – Não há perigo. Hoje o escrete é de luxo!

Maricota – Deixa-te dessa mania de tudo meter o futebol. És muito capaz de, na hora

da cerimônia, tu saíres com alguma das tuas.

Piolin – Não há perigo. Eu a recebo com toda a atenção de um homem sério. (à parte)

Mas eu a experimentarei aqui mesmo na sala.

João – Até que enfim, chegou o dia, meu sobrinho.

Piolin – É verdade. E eu estou louco para meter a cabeça nela.

Maricota – O que é isso, sobrinho?

Piolin – O que é isso o que? Não tem nada demais. Eu meto mesmo a cabeça, ela é

minha, eu posso fazer o que quiser.

João – É, mais isso só faiz com poco de jeito.

Piolin – Decerto, que eu não vou a esfolando assim à toa.

Juiz – (entrando com o escrivão) Dá-nos licença?

João – É o juiz e o escrivão. Podem entrar.

Juiz – Chegamos com dez minutos de adianto mas não quer dizer nada. Os nubentes

podem se aprontar com vagar que nós esperamos. Não é verdade, senhor escrivão?

Escrivão – (gaguejando) É... é... ver... verdade.

Juiz – Já vê que não há pressa.

Escrivão – O o no... nosso ju... juiz é... é... con... con.. corda...to.

Piolin – E agora é que endireitou tudo com esse negócio de con... con...

Dulcinéia – (de braço com Margarida, que vem vestida de noiva) É preciso ter juízo,

porque agora vai começar vida nova.

Piolin – (repara, à parte) Ué... a prima vai casá? Quem será o trouxa que vai aguentar

com aquele trambolho?

Maricota – É quase chegado o momento decisivo.

Piolin – (à parte) Eu quero ver a decisão da minha bola.

223

José – Piolin, diz qualquer coisa à tua prima. Ao menos no dia do casamento, mostra-te

um pouco amável.

Piolin – (à parte) Que raio vou eu dizer? (alto) É, prima, meus parabéns. (entram

convidados) Esse time é batuta! Palavra que eu estou com vontade de treinar.

Escrivão – São as... as... pri... primeiras tes... tes...temu...nhas.

Piolin – (à parte) Eu impliquei com aquele sujeito. (entram mais convidados) Esse time

é mais forte.

Escrivão – (ao juis) Senhor ju... juiz... es... tá na... na... hora.

Juiz – Vamos proceder à cerimônia.

José – Vamos, Piolin.

Piolin – Vamos onde?

José – À cerimônia.

Piolin – Tragam-na aqui.

José e João – (trazendo Margarida) Aí tem o seu presente!

Piolin – (à parte) Ué, que presente é esse?

João – Acho que mecê sai bem servido.

Piolin – Mas...

João – E se mecê num quizé é porque é muito trouxa.

Piolin – O presente, então é esse?

José – E te parece pouco?

Piolin – (à parte) Agora quem está “off-side” sou eu. (alto) Mas então não era uma bola

que iam me dar?

João – Não, era a minha fia.

Piolin – Mas, titio, isso é falta!

Juiz – Vamos, que eu tenho mais o que fazer.

Escrivão – É... é... isso mesmo.

Piolin – Mas eu não quero entrar nesse jogo.

Juiz – Agora já está quase tudo feito. Creio que...

Escrivão – É... é... está qua... quase...

Piolin – Mas, titia...

Maricota – Ou você se casa ou nós te deserdamos e ficarás na rua sem ter onde cair

morto.

Piolin – Mas isso é o mesmo que um corner.

João – Isso agora é que não.

224

Piolin – Então era essa a cerimônia de que falavam tanto?

José – Nem mais nem menos.

Maricota – E com a condição de que hás de largar o futebol.

Piolin – Mas...

José – Ou uma coisa ou outra.

Piolin – Então, se eu não caso...

Maricota – Perdes a herança.

Piolin – E se eu caso...

José – És o nosso herdeiro universal.

Piolin – (à parte) Eu acho melhor entrar nesse combinado. (alto) Está bem, seja.

Escrivão – Posso co... co... começar?

Todos – Pode.

Escrivão – É do go... gosto do... do... senhor Pi... Piolin, re... receber por por sua le...

legítima es... esposa a se... senhorita Margarida?

Piolin – É. Acaba logo com isso.

Escrivão – É do seu... seu... go... gosto, se... senhorita Ma... Margarida, re... receber por

por seu le... legítimo es... esposo o se... senhor Pi... Piolin? (apito antes)

Piolin – Espera aí. Deixa eu acabar de casar que já vou lá.

José – Piolin, lembre-se... que...

Piolin – Ó, com os diabos...

Juiz – Em vista de ser do gosto de ambos, eu, em nome da lei, vos considero casados, e

estimo que sejam felizes.

Piolin – E eu não abandono o esporte. O esporte que é o júbilo da mocidade paulistana,

o esporte que é a regalia de toda a juventude brasileira, e que já nos consagrou como

heróis nas capitais europeias e que há de ter sempre a simpatia no seio do povo

brasileiro, e ainda mais dos paulistanos!

8.6 A duas Angélicas247

247

Esta versão foi solicitada ao DDP pela empresa Fonseca & Cardoso Ltda. Em 11 de janeiro de 1942 e

pelo circense Otelo Queirolo, do Circo Irmãos Queirolo em 7 de maio do mesmo ano, ambas com autoria

de Abelardo Pinto Piolin. Foi autorizada a encenação com inúmeros cortes, a maioria deles da palavra

“amante”. No original, o personagem de Piolin aparece como interpretado por Simplício (Francisco

Flaviano de Almeida), do Circo Liendo e Simplício.

225

Comédia em um ato

Abelardo Pinto Piolin

Personagens: Tenente Fabiano (oficial), Rosinha (sua mulher), Piolin (ordenança),

Rabanete (ordenança)

Cenário: A cena representa uma sala ricamente mobiliada.

Cena 1 – Piolin, depois Rosinha

Piolin – Entra escovando uma casaca e deixa cair visivelmente uma carta) Isto que é

vida folgada! Há uma semana que cá estou como ordenança do tenente Fabiano,

levando uma vida de general! Não faço nada desde manhã até à noite... (vendo Rosinha)

Aí vem a patrôa... Vamos fingir que se trabalha... (escova)

Rosinha – Piolin, aquele terraço da frente está que é uma imundície! Há duas horas que

eu te mandei lavar e nem te moveste.

Piolin – É pra já, patroazinha. É pra já. Estou terminando este serviço. Tudo ficará

pronto num segundo.

Rosinha – Guarda essa casaca. Já a escovaste cinco vezes. (reparando na carta que está

no chão) Uma carta! (lendo) Endereçada a meu marido! Letra de mulher! (a Piolin)

Onde estava esta carta?

Piolin – (confuso) Essa carta... Essa carta estava no bolso da casaca do tenente. Deixei-a

cair sem querer...

Rosinha – (abre a carta e lê) Ah, miserável! Traidor! Bem caro hás de pagar-me essa

infâmia! (a Piolin) Diga a meu marido, a esse descarado, que entre nós está tudo

terminado e que hoje mesmo eu saio desta casa para sempre! (saindo) Oh, meu Deus!

Como sou infeliz! Traída! Traída aos três meses de casada! (sai)

Cena 2 – Piolin e depois o tenente

Piolin – Pronto! Entrou o diabo nesta casa! A patroa vai-se embora por causa dessa

carta. E o culpado fui eu! (vendo o tenente) O patrão! Aguenta agora, Piolin!

Fabiano – (entrando) Ó Piolin! Que gritaria foi essa aqui?

Piolin – (atrapalhado) Foi... Foi a patroa...

Fabiano – Anda! Fala! O que se passou?

Piolin – (à parte) É melhor dizer-lhe a verdade. Quem diz a verdade não merece castigo.

(alto) Foi a patroa que sem querer leu esta carta. (entrega-lhe) E me mandou dizer-lhe

que o senhor é um miserável e hoje mesmo ela deixa a sua casa e vai para a casa do pai.

226

Fabiano – (tomando a carta) Oh, pateta! Como foi que deixaste a minha mulher ler esta

carta?

Piolin – Eu não deixei... Ela leu sem o meu consentimento.

Fabiano – Imbecil! Não sabes quanto me comprometeste com isso!

Piolin – Mas patrão...

Fabiano – Aqui não há mas nem meio mas! A tua cama está preparada! Vais voltar

hoje mesmo para o quartel! Prepare tudo quanto é teu e rua!

Piolin – Patrão! Patrãozinho...

Fabiano – Rua! Rua! Já disse!

Piolin – (saindo, à parte) Está bem, patrão. Vou juntar meus cacos e já me retiro. (sai)

Fabiano – (indo ao telefone) Maroto! Pôs-me tudo a perder! (ligando) De onde fala?

Do quartel? Quem está no aparelho? É o Carlos? Bom dia, Carlos. Aqui é o Fabiano.

Carlos, acabo de despedir o ordenança que me mandaste. Sim. Mande-me um outro que

este não me serve. É... Sim. Quanto a este, quero que ponhas no cubículo, trinta dias a

pão e água. Sim. É. Mas que não seja bronco como este. Está bel. Obrigado. Até logo,

Carlos.

Rosinha – (entrando) Eu vou-me embora, ouviu, seu ordinário. Vou-me embora e

voltarei mais tarde com papai para ajustarmos nossas contas.

Fabiano – Mas minha mulherzinha... Estuta... Ouve-me...

Rosinha – Nada tenho a ouvir! A minha resolução já está tomada!

Fabiano – Mas quero me explicar... Ouve-me...

Rosinha – Não necessito de mais explicações! Aquela carta explicou-me tudo! Vou-me

embora para sempre! E faça-me o favor de mandar tudo quanto é meu! (sai indignada)

Cena 3 – O mesmo e Angélica

Fabiano – (passando de um para outro lado) Sim senhor! Em que belíssima situação

encontro-me eu! Três meses de casado! Em plena lua de mel!

Angélica – (entrando) Patrão... Senhor tenente...

Fabiano – (sem reparar) Está preso!

Angélica – (assustada) Presa? Quem?

Fabiano – (reparando) Ah, mas é você. Pensei que fosse o imbecil do meu ordenança.

Angélica – Patrão, o serviço tá terminado e eu quero que me conceda um licencinha

para visitar umas amigas. Pode ser?

Fabiano – Não pode. Hoje ninguém sai dessa casa.

227

Angélica – Mas patrão... Eu preciso...

Fabiano – Não pode. O quartel hoje está impedido.

Angélica – Mas eu preciso ir buscar umas fotografias que tirei. O fotógrafo mandou-me

as provas ontem e disse-me que ficavam prontas hoje.

Fabiano – Deixa eu ver as provas.

Angélica – Pois não, senhor tenente. (entregando-lhe) Aqui as tem.

Fabiano – (examinando) O que! Não é que saiste bonita nestas fotografias!

Angélica – Bondade sua, senhor tenente, bondade sua...

Fabiano – Quantas tiraste?

Angélica – Meia dúzia de cada.

Fabiano – Faz-me presente de uma delas?

Angélica – Como não? Até duas!

Fabiano – Pois bem. Podes sair.

Angélica – Posso, patrão?

Fabiano – Pode. Está desimpedido o quartel.

Angélica – Muito obrigada. Voltarei logo, patrãozinho. (saindo) Até já.

Cena 4 – Fabiano só e depois Piolin

Fabiano – Essa criadinha é bem interessante. E o mais interessante é que se chama

Angélica. Não sei porque, tenho um fraco por todas as mulheres que se chamam

Angélicas. (vai à escrivaninha e escreve).

Piolin – (entrando) Pronto, patrão. Aqui estou com toda a minha bagagem.

Fabiano – (entregando-lhe um bilhete) Toma este bilhete e entrega ao oficial do dia.

Vou sair. Se quando eu voltar ainda estiveres aqui, racho-te de meio a meio!

Cena 5 – O mesmo, Rosa e Anacleto

Anacleto – (entra com Rosa, furioso) Então, senhor meu genro! O senhor, com apenas

três meses de casado, já com uma amante! (confidencial) Ela é bonita? (à Rosa) Deixa-

lo por minha conta, minha filha! Eu o ensino!

Fabiano – Meu sogro... Eu me explico...

Anacleto – Não quero saber de explicações! O senhor é um grande tratante! O senhor é

o último dos genros! Casado há três meses e já se preocupando com amantes?

(confidencial) Diga-me uma coisa: ela é loira ou morena? (alto) Grande patife!

Miserável!

228

Fabiano – Meu sogro!

Rosinha – Deixa-lo, papai. A minha resolução já está tomada.

Anacleto – Descanse, minha filha. Eu ensino esse “barba azul”! (a Fabiano) O senhor

fique sabendo que essa história de amante vai lhe custar muito caro! (confidencial)

Onde ela mora?

Fabiano – Ah! O senhor quer o endereço?

Anacleto – Fale baixo, cachorro! (a Rosa) Eu me encarrego dele, minha filha! Eo sou

homem!

Rosa – Vamos para casa, meu pai. Deixa esse ingrato!

Anacleto – Vamos, minha filha. Já lhe dei uma boa lição! (vai sair e volta a ele)

Infame! Perverso! (confidencial) Onde ela mora, bandido!

Fabiano – Rua Florinda, 988. Mas ela não vai com a sua cara, velho.

Anacleto – (à Rosa) Vamos, minha filha. Lá em minha casa nada te faltará.

(confidencial a Fabiano) Eu vou levar minha filha, mas só por três dias, hein? Depois tu

vais buscá-la porque eu não tenho dinheiro para sustenta-la. (à Rosa) Vamos, minha

filha! (saem)

Anacleto – (a Piolin) Está vendo, grande animal, o que fizeste? Eu vou sair e quando

voltar não quero encontrar-te aqui! (sai)

Cena 6 – Piolin só e depois Faísca

Piolin – Pronto! Terminou a minha boa vida! Vou agora para o quartel e o fumo lá é

diferente... Logo de cara tenho de engolir trinta dias a pão e água! Enfim, paciência...

(saindo) Aguardemos os acontecimentos... (ao ver Faísca, volta)

Faísca – (entrando) Ó, seu coisa. O tenente Fabiano está?

Piolin – Seu coisa vírgula. Vê lá como fala. Quem é você e o que quer aqui?

Faísca – Alguma coisa eu quero, do contrário não tava aqui.

Piolin – Diga logo.

Faísca – Eu não tenho pressa.

Piolin – Mas tenho eu.

Faísca – Está com pressa? Levantasse mais cedo.

Piolin – Diga logo o que quer que eu estou de saída.

Faísca – Pois eu estou de entrada. Mas não é com você que eu quero falar. É com o

tenente. Eu sou o novo ordenança do tenente.

Piolin – Ah, você veio me substituir?

229

Faísca – Perfeitamente. Se é que você é o antigo ordenança.

Piolin – Pois olha lá: o fumo aqui é forte. O tenente é uma fera e a mulher uma jararaca.

Faísca – Eu amanso os dois.

Piolin – O tenente Fabiano costuma bater nos ordenanças.

Faísca – Ele pode bater num soldado trouxa como você. Em mim ele não bate. E o

serviço aqui, é muito?

Piolin – Se é! Ordenança aqui precisa fazer de tudo! Lavar, cozinhar, arrumar a casa,

dar a mamar a criança...

Faísca – O que? Dar de mamar à criança! Por isso que você está amarelo!

Piolin – É com a mamadeira, homem. Com a mamadeira.

Faísca – Comigo a coisa vai ser diferente. Você vai ver a bagunça que eu vou fazer

nesta casa. Ele está pensando que eu sou soldado vagabundo como você? Diga-me uma

coisa: que jeito tem esse tal tenente?

Piolin – (à parte) Vou fazer a cabeira desse diabo. (alto) O tenete é um velho

barrigudinho, careca, cavanhaque, baixo...

Faísca – Basta. Não preciso dizer mais nada. É velho?

Piolin – É velho.

Faísca – Pode deixa-lo por minha conta. Pro velho eu sou homem.

Piolin – Bom, vou-me embora. Até logo e felicidade... (sai)

Faísca – Até logo. Fale para o tenente lá no quartel preparar um cubículo pra mim, que

aqui vai sair sururu.

Cena 7 – Faísca, depois o tenente

Faísca – (só) Ah! Comigo ele não tira farinha! Vê lá se eu dou confiança pra tenente...

Comigo escreveu não leu, o pau comeu! (ao tenente que entra) Ó você! Onde está esse

tenente valentão que costuma dar em soldado?

Fabiano – O que é isso?

Faísca – (empurrando-o) Você ainda estái aí, rapaz! Vá dizer a esse tenente que venha

dar em mim se é homem! Diga-lhe que venha aqui que eu quero quebrar-lhe a cara!

Fabiano – Ah! Você quer quebrar a cara do tenente? Pois então quebre! O tenente sou

eu!

Faísca – (perfilando-se) Ó seu tenente... Então é o senhor que é o tenente? Aquele

soldadinho vagabundo que saiu daqui agora enganou-me... Disse-me que o tenente era

velho, careca, cavanhaque...

230

Fabiano – Perfile-se!

Faísca – (perfilando-se) Pronto, seu tenente!

Fabiano – Três passos à frente!

Faísca – (dando quatro passos) Pronto, seu tenente!

Fabiano – Eu pedi três passos e não quatro!

Faísca – Um é de gorjeta!

Fabiano – Aqui não se aceita gorjeta! Mas, afinal, quem és e o que queres aqui?

Faísca – (entregando um bilhete) Eu sou o novo ordenança, senhor tenente!

Fabiano – Ah, já sei do que se trata. Com que então você é valentão, hein?

Faísca – Às vezes...

Fabiano – Eu devia castigar-te pelos desaforos que me fizeste, mandar-te de volta para

o quartel com uma boa recomendação, mas no momento estou precisando de um

homem como tu.

Faísca – Estou às suas ordens, senhor tenente.

Fabiano – Pois bem. Eu vou sair. Deve vir aqui uma mulher de nome Angélica, uma

amante que eu tive quando era solteiro. Como és valente e decidido, não a deixe entrar

aqui nem por nada. Ela vem disposta a fazer um barulho aqui em casa. Diga-lhe que eu

mandei dizer que entre nós está tudo terminado e que mulher como ela tenho às dúzias.

Faísca – Pode ficar descansado, patrão, que pra mulher sou homem.

Fabiano – Outra coisa: deve vir também aqui um alfaiate que ficou de trazer-me uma

capa que mandei consertar. Diga-lhe o seguinte: se ele quiser deixar a capa, sem

receber, pode deixar. Mas se fizer questão do dinheiro, pode levar. O tempo de frio já

passou e a capa já está furada.

Faísca – Está muito bem, senhor tenente.

Fabiano – Então não te esqueças: Angélica, rua; alfaiate, se quiser deixar pode deixar,

se não, pode levar, porque o tempo de frio já passou e a capa já está furada. (sai)

Cena 8 – Faísca e 1ª. Angélica

Faísca – (só) Angélica, rua. Alfaiate, se quiser deixar, pode. Se não, pode levar. O

tempo de frio já passou e a capa está furada.

Angélica – (entrando) Quem será esse soldado? (alto) Quem é o senhor?

Faísca – Eu é que devo perguntar quem é a senhora.

Angélica – Eu? Chamo-me Angélica.

Faísca – (à parte) Eu logo vi. (alto) Ah, a senhora é que é a tal Angélica, é?

231

Angélica – A tal? Veja lá como fala, ouviu seu soldadinho ordinário!

Faísca – Pois saiba que eu tenho ordem do tenente para pô-la na rua imediatamente.

Angélica – Por-me na rua? Mas por que?

Faísca – Porque o patrão disse que mulher como você ele tem às dúzias!

Angélica – O patrão disse isso de mim? Mas não há motivo para isso! Onde está o

tenente? Preciso de uma explicação!

Faísca – Nada de explicação. O tenente saiu e deixou-me essa ordem. Portanto, rua!

Angélica – Mas eu preciso...

Faísca – Precisa coisa alguma! Rua! Rua! Rua! (empurra-a)

Angélica – (saindo) Isso não fica assim! Eu saio mas eu voltarei quando o tenente

estiver aqui!

Faísca – (sempre empurrando-a) Rua! Rua! Rua! Imediatamente!

Cena 9 – Faísca e Anacleto

Faísca – (só) Com essa foi fácil. Comigo é assim! Ordem é ordem.

Anacleto – (entrando com uma capa) Onde está o cachorro do tenente?

Faísca – Esse é o alfaiate. (alto) Olha aqui, seu coisa: o tenente saiu, mas deixou-me um

recado para o senhor.

Anacleto – Que recado? Diga logo! Vamos!

Faísca – Ele mandou dizer ao senhor que se o senhor quiser deixa-la, pode deixa-la, e se

não, pode leva-la porque o tempo de frio já passou e a capa já está furada.

Anacleto – (à parte) Ele disse isso de minha filha! (alto) É verdade o que me acabas de

dizer?

Faísca – Verdadinha da Silva.

Anacleto – (saindo) Ah, ele me paga! Vou à polícia! (sai)

Cena 10 – Faísca, Fabiano e depois Angélica

Faísca – (só) O alfaiate não gostou do recado. Enfim, eu não tenho nada com isso. É

ordem do patrão...

Fabiano – (entrando) Veio alguém?

Faísca – Vieram sim, senhor tenente. Primeiro a Angélica, que conforme suas ordens,

pu-la na rua.

Fabiano – A Angélica veio aqui?

232

Faísca – Sim senhor. Logo em seguida veio o alfaiate. Dei-lhe o seu recado e ele saiu

daqui furioso!

Angélica – (entra chorando) Patrão... patrão...

Faísca – Olha a Angélica novamente aqui! (empurrando-a) Fora! Fora daqui! Rua!

Fabiano – (defendendo-a) Alto! Essa é a minha criada!

Faísca – Sua criada? Mas disse chamar-se Angélica.

Angélica – Patrão, esse soldado ordinário escorraçou-me de sua casa dizendo que o

senhor deixou essa ordem.

Fabiano – Já compreendo tudo. O culpado fui eu que esqueci-me de dizer que tu

também te chamavas Angélica.

Angélica – O senhor disse que mulher como eu há às dúzias...

Fabiano – Não era a ti que eu me referia. Era a uma amante que eu tive com o mesmo

nome. Vamos lá para dentro. Você não está despedida. (saindo, a Faísca) É a outra,

estúpido! É a outra! (sai com a criada)

Cena 11 – Faísca, Anacleto, depois Rosa, Fabiano e Angélica

Faísca – (só) Que confusão! É outra Angélica!

Anacleto – (entrando) Onde está o tenente? Já voltou?

Faísca – Você está aqui novamente, homem!

Anacleto – Vou chamar o tenente! (vendo Fabiano que entra) Não é preciso. Ele aí

vem. (a Fabiano) Então, senhor meu genro!

Faísca – Genro? Que história é essa?

Anacleto – O senhor teve a pouca vergonha de deixar aquele recado a mim?

Fabiano – Que recado?

Faísca – O recado ao alfaiate, a respeito da capa. Pois não é esse o alfaiate?

Fabiano – Estúpido! Este é o meu sogro!

Faísca – Sei sogro? Eu pensei que fosse o alfaiate.

Rosinha – (entrando) Não pense que eu venho para uma reconciliação. Vim buscar o

meu papagaio.

Faísca – (avança para Rosa) essa deve ser a tal de Angélica. Fora! Rua! Rua! Rua!

Imediatamente! (empurra-a)

Fabiano – Estúpido! Essa é a minha mulher!

Faísca – É a sua mulher?

233

Rosinha – Quem é esse soldadinho? Não admito que me expulses! Vou buscar as

minhas coisas e já me retiro. (sai)

Fabiano – (a Faísca) Você é uma toupeira!

Angélica – (entrando com uma carta) Senhor tenente, um portador deixou esta carta

para o senhor.

Fabiano – (tomando a carta e lendo) Oh! Provada a minha inocência! Angélica, chamo-

me Rosinha, depressa! (Angélica sai)

Fabiano – (a Rosinha, que entra) Rosinha! Minha querida! Leia esta carta. Leia! Esta

carta prova a minha inocência!

Rosinha – (lendo) Oh! Meu maridinho! Quanto fui injusta para contigo! Vamos çlá

dentro tomar um chazinho e festejar a harmonia que torna a entrar em nossa casa!

Fabiano – Sim, vamos! Vamos festejar juntos a nossa felicidade!

Anacleto – Viva a harmonia!

Todos – Viva! (saem todos)

8.7 Um duelo à morte248

Abelardo Pinto Piolin

Comédia em 2 atos

Personagens: Julio Magalhães (estudante), Ernesto Vieira (estudante), João Sampaio

(estudante), Gonçalves Meirelles (comerciante), João Gomes (coronel reformado),

Piolin (amigo de infância de Julio), Laura (a loira) e Izabel (a morena).

Cenário: Uma sala de visitas. Uma cadeira, um sofá, uma cadeira do lado esquerdo,

uma mesa e duas cadeiras cada lado da mesa, no centro.

Ato 1. Cena 1 – Julio e Ernesto.

Ernesto – Julio, porque razão me mandaste chamar?

Julio – Porque quero que me faças o favor de servir de padrinho, pois vou bater-me em

duelo com um dos nossos melhores amigos.

Ernesto – Vaes bater-te com um dos nossos melhores amigos? Qual deles?

Julio – Com o Joãozinho.

248

A peça, um combinado com estrutura bem similar a de uma entrada cômica, teve várias versões

encenadas com vários nome, entre eles Piolin padrinho de um duelo.

234

Ernesto – Com o Joãozinho? Conta-me o que aconteceu.

Julio – Nós ontem fomos a um piquenique. Estava lá a loira e a Izabel. O Joãozinho

bebeu um pouco demais e disse um gracejo à loira, e eu em brincadeira lhe disse:

“Deixa disso, Joãozinho, não faça papel de trouxa!” Ele zangou-se e me desafiou para

um duelo. Amanhã vamos bater-nos.

Ernesto – Mas não puderam evitar?

Julio – Não.

Ernesto – Nesse caso, estou às suas ordens. Quem vai ser o outro padrinho?

Julio – É verdade. Nem me lembrei disso, mas eu conheço um rapaz que foi criado

junto comigo. Ele serve para padrinho. Vou mandar chama-lo. (chamando) Ó Maria! Ó

Maria!

Cena 2

Maria – (entrando) Pronto, patrão.

Julio – Vai até a casa do Piolin e diga-lhe que venha aqui.

Maria – Sim senhor. (sai)

Ernesto – Julio, vou até a casa do Joãozinho, quero ver o que ele diz. Posso tratar das

condições?

Julio – Perfeitamente. Qualquer condição que ele queira eu aceito.

Ernesto – Bravos! Até logo, Julio. (sai)

Julio – Até logo, Ernesto. (só) Bem, vou tratar de passear um pouco. (sai)

Cena 3 – Maria e Piolin

Maria – Pode entrar, Piolin.

Piolin – Espera lá Maria, que vamos juntinhos!

Maria – Não amola! Espera aí que vou chamar o senhor Julio. (sai)

Piolin – (só) Vai, minha flor! É uma lasca essa Maria! (outro tom) Ora, o Julio me

mandou chamar. Há quanto tempo que não o vejo! Para que será? Ah! Já sei! Ele me

mandou chamar por causa da nossa conta! Eu lhe devo dez mil réis do ano passado e ele

quer me cobrar... Mas antes que ele venha, eu vou embora. (vai sair)

Cena 4

Julio – (entrando) Piolin! Ó Piolin! Onde vai?

Piolin – Eu ia tomar um café e voltava logo.

235

Julio – Piolin, eu te mandei chamar e você não é capaz de adivinhar para que?

Piolin – Eu já sei, Julio!

Julio – Para que te mandei chamar?

Piolin – É por causa daquela continha...

Julio – Que continha?

Piolin – Aquela dos dez mil réis que te pedi emprestado no ano passado!

Julio – É verdade! Nem me lembrava mais!

Piolin – Não? Que burro que eu sou em te lembrar! Mas, Julio, tem paciência, não te

lembres dos dez mil réis porque eu não os tenho agora.

Julio – Não, eu não preciso deles. Escuta. Você vai me servir de padrinho.

Piolin – Padrinho? Vais te casar?

Julio – Não, vou trocar um par de balas com o Joãozinho.

Piolin – Balas? Eu gosto muito de balas!

Julio – Que balas você gosta?

Piolin – Balas de mel, chocolate, coco...

Julio – Não são essas balas, não, Piolin. As que eu falo são de aço.

Piolin – Ah, dessas não gosto!

Julio – Você vai servir de padrinho para um duelo.

Piolin – Para um duelo? Safa!

Julio – É isso mesmo. Você não tem uma outra roupa melhor que essa?

Piolin – Tenho. Tenho três ternos. Um é este, o outro é igual a este, e o outro é este

mesmo.

Julio – Este não serve. Vamos lá para o meu quarto, eu tenho uma casaca, quem sabe se

te serve?

Piolin – Isso mesmo. Estou precisando de uma roupa preta, pois tenho que acompanhar

o enterro de meu vizinho que está muito doente.

Julio – Então vamos ver se tens sorte. (saem)

Cena 5

Mensageiro – (entrando) Ó de casa! Ó de casa!

Julio – (interior) Ó Maria, vai ver quem está batendo.

Maria – Sim senhor.

Cena 6

236

Maria – Que deseja?

Mensageiro – Uma carta para o senhor Julio.

Maria – (gritando) Senhor Julio, uma carta para o senhor.

Julio – (do interior) Maria, dê dez tostões ao portador e traz-me a carta.

Maria – Escuta, de quem é essa carta?

Mensageiro – Esta carta é de uma moça alta, loira, baixa, morena. Ah, quando me

lembro dela! (abraça Maria)

Maria – Sai pra lá! (dá um empurrão no mensageiro e este sai)

Cena 7 – Julio e Piolin

Julio – Agora sim, Piolin. Pareces um doutor. Vem pra cá.

Piolin – Eu não posso, Julio. Estou entalado!

Julio – Vem aqui, já disse!

Piolin – Olha, Julio, não posso mais, está me apertando muito! Ajuda-me a tirar isto

aqui. (tira a casaca, ajudado por Julio) Safa! Viva a liberdade! Julio, esta casaca está

muito apertada!

Julio – Espera um instante, Piolin. Eu tenho outra maior que me emprestou um

advogado do meu pai. O dono dela foi um grande homem! Coitado, já morreu e a casaca

ficou comigo. (sai)

Piolin – Essa é boa! Vou vestir casaca de defunto!

Julio – (entrando com uma casaca na mão) Cá está, Piolin. Foi de um grande homem!

Piolin – É, estou vendo pelo tamanho. (veste a casaca)

Julio – Bem, Piolin, eu vou sair. Já dei ordem à Maria para te servir do que precisares.

Quanto à roupa, não te falta mais nada. Tens tudo aí.

Piolin – Falta sim. Olha, falta o relógio. Seria bonito na hora do duelo me perguntarem:

“Piolin, que horas tem?” Sem relógio, o que vou dizer?

Julio – Tens razão. Vou te emprestar o meu, mas toma muito cuidado que é lembrança

de família, ouviste? (dá-lhe o relógio)

Piolin – Agora sim! Assim estou bem!

Julio – Vou sair, se vier o senhor Ernesto Vieira, entrega-lhe esta carta. A todos que me

procurarem, trata-os muito bem, ouviste? (dá-lhe a carta)

Piolin – Sim, eu trato de acordo.

Julio – Piolin, que horas tem?

Piolin – Uma e um quarto.

237

Julio – Até logo, Piolin. (sai)

Piolin – Até logo, Julio. (outro tom) Eu assim, estou parecendo cocheiro de empresa

funerária.

Cena 8 – Laura, a loira, Izabel, a morena, batem palmas

Piolin – (distraído) Quem é que está batendo? Ora bolas! Entrem de uma vez!

(reparando nas senhoras, galante) Oh, minhas senhoras, queiram ter a bondade de

entrar! Sentem-se. (sentam-se)

Izabel – O Julio está?

Piolin – Não está mas estou eu que é a mesma coisa.

Izabel – Quem é o senhor?

Piolin – Sou padrinho do belo rapaz.

Laura – Então o duela realiza-se?

Piolin – Realiza-se sim senhora. Vai haver muitas balas, muitos canhonaços, muitas

mortes, muitas...

Izabel – Tem muita graça, tem. Pode dizer-me que horas são?

Piolin – Uma e um quarto.

Laura – Sim senhor! Que diria que por nossa causa o Julio vai se bater em duelo?

Piolin – Por sua causa não!

Izabel – O que! O senhor sabe o que está dizendo? Então não merecemos? Que está o

senhor pensando? (vão levantar-se)

Piolin – Espere, minha senhora, a senhora não me deixou acabar. Eu disse que por sua

causa não é nada. As senhoras merecem mais do que isso!

Izabel – Ah, isso sim! Tem muita graça, tem. Que horas tem?

Piolin – Uma e um quarto.

Laura – Vou ver se me ponho no meio dos dois para que este duelo não se realize.

Piolin – E eu me ponho no meio das senhoras.

Izabel – O que? O senhor se opõe? Que o senhor está pensando?

Piolin – Não é isso! Eu disse que me ponho ao lado das senhoras para o Julio não bater-

se em duelo!

Izabel – Assim, sim. Queira ter a bondade de dizer que horas tem?

Piolin – Uma e um quarto.

Laura – Vamos embora. Já é tarde. Julio não aparece...

Piolin – Ainda é muito cedo. Esperem para o chá.

238

Izabel – Não, já é tarde. Até logo.

Piolin – É pena! Até logo, pancadão!

Laura – Até logo, senhor.

Piolin – Até logo, paixão! (segura a mão da loira)

Izabel – Fique sabendo que esta senhora é casada!

Piolin – Não tem importância! (saem) Eu, por causa daquela loira, batia... dez duelos.

Cena 9

Ernesto – Caramba que andei muito!

Piolin – Quem é o senhor?

Ernesto – Eu sou Ernesto Vieira.

Piolin – Ernesto Vieira? Chegou mesmo na beira. (entrega-lhe a carta)

Ernesto – Muito agradecido. Com licença. (lê a carta)

Piolin – Tem toda.

Ernesto – (terminando de ler) Então o senhor é o outro padrinho do Julio?

Piolin – Sim senhor.

Ernesto – Como é sua graça?

Piolin – Piolin.

Ernesto – Piolin? Esse nome é engraçado para padrinho. Não tem outro?

Piolin – Não senhor. Se tivesse não dava esse.

Ernesto – O que? Estou conhecendo essa casaca! Foi de um grande homem!

Piolin – Eu vi pelo tamanho!

Ernesto – Muito bem. (à parte) O Julio não podia arranjar outro padrinho! Em todo

caso, vamos ver se este serve. (batem palmas) Maria, vai ver quem está batendo.

Cena 10

Maria – (entrando) Sim senhor. (sai)

Ernesto – O senhor é parente do Julio?

Piolin – Não senhor.

Cena 11 – Maria, Gonçalves e João Gomes

Maria – Senhor Ernesto. Estão aí o senhor Gonçalves e o Coronel João Gomes.

Ernesto – Mande-os entrar. (a Piolin) Piolin, toma atenção que o coronel Jo]ao Gomes

é um senhor rústico. É preciso trata-lo bem.

239

Piolin – Eu trato de acordo.

Gonçalves – Olá, meu amigo Ernesto. Como vai?

Ernesto – Eu bem e o senhor?

Gonçalves – Assim, assim. Tenho o imenso prazer de apresentar o coronel João Gomes.

(o coronel aperta a mão de Ernesto) Ernesto Vieira, coronel.

Ernesto – Às suas ordens, senhor Gonçalves. Apresento-lhe o senhor Pi... Pi... o outro

padrinho do Julio, Senhor Gonçalves. (Gonçalves aperta a mão de Piolin)

Gonçalves – Muito bem. (entrega-khe o cartão de visitas)

Piolin – Eu aceito rifas. Esmolas é só aos sábados.

Ernesto – Aceita, Piolin!

Piolin – Ele está me passando rifas.

Ernesto – Isto não é rifa. É um cartão de visitas. Estes senhores são os padrinhos do

Joãozinho!

Piolin – Neste caso, eu aceito. (pega o cartão)

Ernesto – Bem, agora entrega o teu cartão.

Piolin – Mas eu não tenho.

Ernesto – Procura na casaca. Talvez o Julio tenha posto algum aí. Procura.

Piolin – (achando) Aqui tem um. Toma lá. (dá ao Gonçalves)

Gonçalves – (lendo) Dr. João Rodrigues. Não pode ser. Veja, senhor coronel.

Coronel – Não pode ser! Então o senhor deve ser filho único do falecido senhor

Rodrigues?

Piolin – É verdade. Filho único e único herdeiro.

Coronel – Muito bem. Muito bem.

Ernesto – Senhores, queiram ter a bondade de sentar-se.

Coronel – (de pé, a Piolin) Sente-se, doutor.

Piolin – Ora, sente-se doutor.

Coronel – (exaltado) Doutor não! Coronel João Gomes!

Ernesto – Toma atenção, Piolin! É coronel!

Piolin – Eu sei é que ele é couro n’água!

Ernesto – (ao coronel) Sente-se.

Coronel – Sente-se doutor.

Piolin – Sente-se coronel.

Coronel – Sente-se doutor.

Piolin – (fazendo gestos com a mão) Cinco. Sete. Oito!

240

Ernesto – O que é isso, Piolin?

Piolin – Ele está jogando “la murra” comigo!

Ernesto – Não, Piolin. Ele está pedindo para você sentar!

Piolin – Ernesto, faz esse desgraçado sentar.

Ernesto – Queira ter a bondade de sentar-se, coronel.

Coronel – Pois não. Muito agradecido.

Ernesto – Sim senhor. Então, por uma simples brincadeira vão bater-se em duelo dois

grandes amigos.

Gonçalves – É verdade. Por causa da loira.

Coronel – Doutor, fale alguma coisa.

Gonçalves – Fale, doutor.

Ernesto – Com licença. (a Piolin) Doutor! (ao coronel) Ele é meio surdo. (a Piolin)

Doutor... Doutor... (dá-lhe um beliscão)

Piolin – (grita) Ai!... Quem é doutor?

Ernesto – É você. Não leu o cartão? Fala alguma coisa!

Piolin – Eu não sei falar. (pausa) Mas tenho que falar?

Ernesto – Tens que falar sim. Mas presta atenção.

Piolin – (decidindo-se) Pois, senhores, conhecem o Direito Civil?

Coronel e Gonçalves – Sim senhor.

Piolin – Conhecem o Direito romano?

Gonçalves – Conhecemos a fundo.

Piolin – (à parte) Eu sei que vocês são fundos mesmo. (alto) Pois bem, quero saber por

que razão o Julio vai bater-se em duelo.

Coronel – Então o senhor não sabe? Ele chamou o nosso amigo de trouxa!

Piolin – Ora, só por isso? Um trouxa a mais um trouxa a menos não tem importância. A

mim me chamaram de trouxa e eu não me incomodei.

Coronel – (admirado) Ao senhor? Chamaram-lhe de trouxa?

Ernesto – Não pode ser!

Piolin – A mim sim!

Ernesto – Explique-se doutor!

Piolin – Sim senhor... quem me chamou de trouxa foi um irmãozinho deste tamanho.

Coronel – Ora, ora. Um irmão menor. Isso não tem importância.

Piolin – Então o senhor julga que vou deixar me chamar de trouxa por outro? Não seja

trouxa você!

241

Coronel – (zangado) O que? Me chamou de trouxa! Me chamou de trouxa!

Ernesto – Não. O senhor entendeu mal.

Piolin – Sai da frente, Ernesto, que vou mostrar a esse coronel...

Ernesto – Fica quieto, Piolin!

Piolin – Sabe que eu jogo ele no chão...

Ernesto – Não, coronel, o senhor entendeu mal. Quer ver? Piolin, é verdade que o

coronel entendeu mal?

Piolin – Não. Ele entendeu muito bem.

Ernesto – Viu, coronel! Entendeu mal.

Coronel – Nesse caso está desculpado.

Gonçalves – Doutor, que horas são?

Piolin – Uma e um quarto.

Gonçalves – Está na hora, amigo Ernesto. Amanhã às seis horas da manhã realiza-se o

duelo.

Ernesto – Muito bem. Às seis da manhã.

Piolin – Às seis horas não.

Ernesto – Por que não?

Piolin – Eu quero às seis e cinco.

Ernesto – Ora, Piolin, cinco minutos não faz diferença.

Piolin – Faz, sim senhor. Seis e cinco quanto são?

Ernesto – São onze.

Piolin – Então às onze que é hora de barriga cheia.

Gonçalves – Então está combinado. Até amanhã, doutor.

Piolin – Até amanhã. Me espera lá na esquina que vamos tomar um mata-bicho.

Gonçalves – Muito obrigado. (dá-lhe a mão e espera o coronel se despedir)

Coronel – Até amanhã, doutor patife!

Piolin – Ó cavanhaque de bode, venha cá. Que negócio é esse de doutor patife?

Coronel – É um título de honra.

Piolin – Ah, então até amanhã, coronel patife! É um título de honra!

Gonçalves – Senhor Ernesto, até amanhã.

Ernesto – Até amanhã. (ao coronel) Até amanhã, coronel. (saem o coronel e Gonçalves)

Ernesto – Ora, sim senhor, Piolin. Chamar o coronel de trouxa!

Piolin – Ele é trouxa mesmo! Você me atrapalhou, senão ele ia ver a poeira de perto!

Ernesto – Bem, que horas tens?

242

Piolin – Uma e um quarto.

Ernesto – O teu relógio está louco!

Piolin – Ele está mas eu não.

Ernesto – Vamos jantar e amanhã às seis horas da manhã, no campo. Ouviste?

Piolin – Sim. Mas você me manda um automóvel.

Ernesto – Automóvel? Ora, você vai a pé!

Piolin – A pé não vou, tenho que ir montado em alguém! (saem discutindo)

Ato 2. A cena representa um campo raso. Entram Ernesto e Faísca.

Ernesto – Pronto, já chegamos.

Piolin – Safa! Que é longe! Estou com os pés em petição de miséria!

Ertnesto – Que é que tem os pés?

Piolin – Tenho os calos brigando uns com os outros. Não aguento mais! Vou tirar a

botina.

Ernesto – (impedindo-o) Não faça isso! Não fica bem!

Piolin – Não fica bem e eu com os calos a doer! (tira a botina) Agora sim! Veja só,

Ernesto, como eles estão contentes!

Ernesto – Bom, Piolin, agora calça a botina que está na hora do Julio vir.

Piolin – E eu que tenho com isso?

Etnesto – Você é o padrinho, Piolin! Olha, aí vem o Julio!

Piolin – Que venha... que me importa?

Cena 2

Julio – Como vai, Ernesto? Como passou?

Ernesto – Muito mal, Julio.

Julio – Mal? Por que?

Ernesto – O Piolin chamou o coronel de trouxa!

Julio – Mas você não estava lá?

Ernesto – Estava, mas ele não quis me atender. Olha, agora tirou as botinas.

Julio – Por que não o fizeste calçar?

Ernesto – Não quer.

Julio – Não quer? Ele vai ver! Piolin, como foi que você chamou o coronel de trouxa?

Piolin – Olha, Julio, quis bancar o valente e eu jogava-o na poeira se o Ernesto não me

atrapalhasse!

243

Julio – E por que tiraste as botinas?

Piolin – É os calos, Julio!

Julio – Calça as botinas, Piolin!

Piolin – Não calço. Não posso.

Julio – Não calça? Então toma! (pisa-lhe no pé)

Piolin – Ai, Julio! Você pisou no calo que mais estimava! (senta no chão)

Julio – Levanta-te, Piolin! Aí vem eles. Vem para o teu lugar, Ligeiro!

Ernesto – Atenção! Aí vem eles!

Piolin – Onde é o meu lugar?

Julio – Aqui, Piolin. (fica entre Julio e Ernesto)

Cena 3 – Entram coronel, Gonçalves e Joãozinho. Postam-se diante dos três e fazem

uma reverência. Os três imitam-nos.

Gonçalves – Aqui estão as armas, senhor Ernesto. (entrega-lhe)

Ernesto – Com licença. (examina se estão carregadas)

Piolin – Eu impliquei com aquele cavanhaque!

Gonçalves – Bem, agora vou fazer as eleições dos postos. Senhor Piolin quer cara ou

coroa? (mostra uma moeda)

Piolin – Eu quero cara e o outro.

Gonçalves – E para mim, o que é que fica?

Piolin – Fica cara de louco!

Gonçalves – Como é que diz?

Piolin – Se cair na quina o senhor ganha.

Gonçalves – Isso é impossível!

Piolin – Bom, eu quero cara.

Gonçalves – Está bem. (joga a moeda)

Piolin – Cara... cara... cara! O cobre é meu! (guarda a moeda)

Gonçalves – O senhor ganhou.

Ernesto – (reparando o gesto de Piolin) Piolin, o dinheiro é do senhor Gonçalves!

Piolin – Não senhor! Ele me convidou a jogar e perdeu!

Coronel – Pronto, doutor. Examine as armas. (aponta os dois revólveres em Piolin)

Piolin – Ai, ai! Ó Ernesto, desarma este desgraçado! Me pegou desprevenido!

Ernesto – Não tenha medo, Piolin. É para examiná-las.

Gonçalves – Agora vamos contar os passos, doutor.

244

Piolin – Vamos. (colocam-se no meio da cena; Gonçalves sai para um lado e Piolin não

se mexe no lugar)

Gonçalves – (contando) Um, dois, três, quatro, cinco. (vira-se) Que é isto, doutor? São

cinco passos para cada lado.

Coronel – (furibundo) É isso mesmo! Doutor, são cinco passos para cada lado! Cinco

para lá e cinco para cá. São dez!

Piolin – E cinco são quinze! (dá-lhe uma bofetada)

Gonçalves – Mas o que é isso, doutor? O senhor não compreende?

Piolin – Compreendo muito bem. Mas é que o senhor escolheu o mesmo lado que eu!

(eles saem do meio da cena para fazer a contagem dos passos)

Gonçalves – Bem, que lado prefere o senhor?

Piolin – Para mim qualquer lado serve, não faço questão de lado.

Gonçalves – Então o senhor vai para o lado direito e eu vou para o lado esquerdo.

(colocam-se novamente no meio da cena e saem um para cada lado)

Piolin e Gonçalves – Um, dois, três, quatro, cinco.

Piolin – E um de gorjeta para o Julio.

Ernesto – Pronto, Piolin. Escolhe as armas!

Piolin – Agora sim, aquele cavanhaque me paga! Vem pra cá, cavanhaque! Sai detrás

do outro! Vem que te arranco esse cavanhaque com a bala!

Ernesto – Que isso, Piolin!

Gonçalves – (ao coronel, que se esconde atrás dele) Coronel! O senhor parece que está

com medo?!

Coronel – Parece não, estou mesmo!

Piolin – Eu arranco o cavanhaque dele! Sai daí!

Ernesto – Que está fazendo, Piolin? É para você escolher as armas!

Piolin – Ah! Pensei que era para matar aquele cavanhaque! (escolhe uma arma) Esta é

para o Julio.

Ernesto – Coronel, aqui está a arma do Joãozinho.

Piolin – Ó Julio, eu te peço um favor. Olha se arranca o cavanhaque do coronel.

Gonçalves – Atenção! Antes de tudo peço uma reconciliação.

Joãozinho – Que retire a palavra de trouxa!

Julio – Não retiro nada!

Piolin – Isso mesmo! Não retira nada! Meta bala, Julio! Arranca o cavanhaque dele!

(fica no meio dos dois combatentes)

245

Gonçalves – Sai daí, doutor! Cuidado!

Ernesto – Sai, Piolin! As balas vão se cruzar aí!

Piolin – É aqui que se cruzam as balas? Pensei que era pra lá! (sai do meio)

Gonçalves – Atenção! Um... dois...

Cena 3 – Izabel e Laura entram correndo

Izabel – Suspendam! Suspendam! Esse duelo não se pode realizar! Julio, João, quero

que sejam amigos!

Piolin – Entrou mulher no meio, estragou!

Julio – Então retiro a palavra trouxa.

Joãozinho – Bem, façamos as pazes! (apertam as mãos)

Julio – Agora, vamos dar um banquete pela reconciliação.

Piolin – Isso sim! Eu quero muita fuzarca! Viva a fuzarca!

Coronel – Não, isso assim não pode ficar! O duelo devia realizar-se!

Piolin – Qual duelo qual nada! Agora é só a fuzarca!

Coronel – Esse duelo tem que realizar-se, já disse! Vim de tão longe e...

Piolin – Ficasse onde estava!

Coronel – O senhor não mta o nariz onde não é chamado!

Piolin – O nariz é meu e ponho onde eu bem entender!

Coronel – Ah, é? Então toma lá! (vai dar uma bofetada em Piolin, este abaixa-se e dá-

lhe uma bofetada)

Piolin – Toma lá você, seu cavanhaque de bode!

Coronel – Eu quero um duelo já com esse doutor de meia tijela!

Julio – Piolin, ele quer um duelo contigo!

Piolin – Que venha! Eu escoro!

Julio – Então toma. (dá-lhe os dois revólveres) Se esta negar a outra não nega. Quando

eu contar: um, dois, três, você atira...

Piolin – Não! Eu não espero as três e atiro já! (dá tiros para o ar e todos saem correndo)

246

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Quíron, 1976.

________________ O circo - Espaço arquetipal convergente. In: O circo. Secretaria da

Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978.

SIMSON, Olga Rodrigues de Morais von. Carnaval em branco e negro – Carnaval

popular paulistano (1914-1988). São Paulo: Editora Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial,

2007.

SOUSA JUNIOR, Walter. Mixórdia no picadeiro – Circo-teatro em São Paulo (1930-

1970). São Paulo: Terceira Margem, 2011.

SCHWARTZ, Gilson. Caio Prado Júnior, um mestre na dialética do tempo brasileiro, in

PRADO JÚNIOR, CAIO. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Folha de S.

Paulo, Coleção Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro, 2000.

TINHORÃO, José Ramos. A imprensa carnavalesca no Brasil – Um panorama da

linguagem cômica. São Paulo: Hedra, 2000.

______________Os sons que vêm da rua. São Paulo: Editora 34, 2005.

TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão – Uma história de São Paulo das

origens a 1900. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

VENEZIANO, Neyde. De pernas para o ar – Teatro de Revista em São Paulo. São

Paulo: Coleção Aplauso, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.

VENTURA, Mauro. O espetáculo mais triste da terra. São Paulo: Companhia das

Letras, 2011.

WALLON, Emmanuel. O circo no risco da arte. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

251

DEPOIMENTOS

Agostinho Blask (Romiseta)

Antônio Luís de Moraes (Chumbinho)

Aroldo Casali

Arthur Miranda

Benedito Sbano (Picoly)

Brasil João Carlos Queirolo (Pururuca)

Domingos Montagner

Edy Star

Fernando Pontigo Silva (Condorito)

Francisco Honório Rodrigues

Francisco Paulivan Ferreira dos Santos (Reco-Reco)

Francisco Rodrigues (Chiquinho)

Franco Alves Monteiro (Xuxu)

Janete Souza Oliveira

José Odair Casarin (Bacalhau)

Maria Isidora Duran Gutierrez (Florcita)

Mário Bolognesi

Raul Barreto

Raul Hernando Robayo (Pepin)

Roger Avanzi (Picolino II)

Sonia Fátima Beltrán Diaz (Corchito)

Teófanes Antônio Leite da Silveira (Biribinha)

Vic Militello

SITES

Bernardo Guimarães <http://reocities.com/Athens/olympus/3583/besta.htm>

Revista Zingu <http://www.revistazingu.net/2011/01/entrevista-jose-miziara>

Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Cultura <http://npcc.vitis.uspnet.usp.br>

FILMES

36 Vous du Pic Saint-Loup (2009), de Jacques Rivette

Bye, bye Brasil (1980), de Cacá Diegues

252

O palhaço (2011), de Selton Mello

Sua Majestade Piolin (1971), de Suzana Amaral

Tico-tico no Fubá (1952), de Adolfo Celi

Trapézio (1956), de Carol Reed

DISCO

78 rpm, Victor, no. 33.242, dezembro de 1929. Acervo do Centro de Memória do Circo,

São Paulo-SP.

253

Anexo 1

Repertório do Circo Piolin (1933-1961)

Ano Solicitação junto ao DDP* Peças encenadas e anunciadas nos jornais**

1933 DDP 1697 – O embaixador (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 1699 – O morto que não morreu (Anchyses

Pinto)

DDP 1706 – Um duelo de morte (Abelardo Pinto

Piolin)

19/3/1933 – A mulher soldado ou O reservista

Ventura (Laura Corina)

23/3/1933 – O assassino do rei do petróleo (Raul

Olimecha)

5/12/1933 – O assassino do rei do petróleo (Raul

Olimecha)

6/12/1933 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto

Piolin)

7/12/1933 – O reservista Ventura (Laura Corina)

10/12/1933 – Um duelo à morte (Abelardo Pinto

Piolin)

12/12/1933 – O embaixador (Abelardo Pinto

Piolin)

14/12/1933 – Sherlock Holmes (Abelardo Pinto

Piolin)

17/12/1933 – As farras de um tenente (Abelardo

Pinto Piolin)

19/12/1933 – Piolin, o príncipe do Braz (Tom

Bill)

21/12/1933 – O campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

24/12/1933 – Piolin no tribunal (Tom Bill)

26/12/1933 – O reservista ventura (Laura

Corina)

30/12/1933 – O campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

31/12/1933 – O príncipe do Braz (Tom Bill)

1934 DDP 0252 – Um marido em apuros (George

Dandin e Moliére)

DDP 0292 – Casar para morrer (Afonso Gomes)

DDP 1471 – A filha do ministro (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 1617 – Morreu o Lulu (José Grillo)

DDP 1745 – Apertos de um ciúme (Abelardo

Pinto Piolin)

4/1 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

16/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)

21/1 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto

Piolin)

25/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)

28/1 – Um duelo à morte (Abelardo Pinto Piolin)

30/1 – Morreu o Lulu (José Grilo)

1/2/ – Assassino do rei do petróleo (Raul

Olimecha)

3/2 – O 7 nomes (Belmiro Braga)

4/2 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto

Piolin)

7/2 – Piolin, Campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

10/2 – Morreu o Lulu (José Grilo)

11/2 – Um duelo à morte (Abelardo Pinto Piolin)

15/2 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

3/4 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

4/4 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto

Piolin)

5/4 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto

Piolin)

6/4 – O assassino do rei do petróleo (Raul

Olimecha)

7/4 – O reservista Ventura (Laura Corina)

254

10/4 – O príncipe do Braz (Tom Bill)

12/4 – Os 7 nomes (Belmiro Braga)

13/4 – Um duelo de morte (Abelardo Pinto

Piolin)

14/4 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto

Piolin)

15/4 – Os 7 nomes (Belmiro Braga)

19/4 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

24/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

25/4 – As farras do tenente (Abelardo Pinto

Piolin)

26/4 – Príncipe do Braz (Tom Bill)

28/4 – Morreu o Lulu (José Grilo)

29/4 – O príncipe do Braz (Tom Bill)

1/5 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto

Piolin)

3/5 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto

Piolin)

5/5 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

6/5 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)

8/5 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto

Piolin)

9/5 – O morto que não morreu (Anchyses Pinto)

10/5 – Piolin no tribunal (Tom Bill)

13/5 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo

Pinto Piolin)

15/5 – A filha do ministro (Abelardo Pinto

Piolin)

16/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

22/5 – As farras do tenente (Abelardo Pinto

Piolin)

23/5 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

27/5 – O lobo da aldeia (Raul Olimecha)

29/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

30/5 – Piolin no tribunal (Tom Bill)

19/8 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto

Piolin)

21/8 – Piolin com a vida no seguro (Abelardo

Pinto Piolin)

22/8 – O reservista Ventura (Laura Corina)

26/8 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

28/8 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

11/9 – O príncipe do Braz (Tom Bill)

15/9 –Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto

Piolin)

27/9 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

28/9 – Piolin no tribunal (Tom Bill)

29/9 – O casamento de um cadáver (Abelardo

Pinto Piolin)

30/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

6/10 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto

Piolin)

255

7/10 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto

Piolin)

18/10 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo

Pinto Piolin)

26/10 – O assassinato da rua das Palmeiras

(Abelardo Pinto Piolin)

9/11 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto

Piolin)

16/11 – O louco da Vila Mariana (Abelardo

Pinto Piolin)

23/11 – Mentiras de um caçador (Abelardo Pinto

Piolin)

30/11 – Dr. Franz Fritz (Abelardo Pinto Piolin)

29/12 – Piolin, caçador de feras (Abelardo Pinto

Piolin)

1935 1/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)

22/1 – A gata, o pai e o filho (Abelardo Pinto

Piolin)

31/1 – Os apertos de um ciúme (Abelardo Pinto

Piolin)

2/2 – Quem beijou minha mulher? (Gastão

Tojeiro)

5/2 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto

Piolin)

13/2 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

22/2 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto

Piolin)

26/2 – O caçador de feras (Abelardo Pinto

Piolin)

1/3 – O interventor (Paulo de Magalhães)

3/3 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo

Pinto Piolin)

10/3 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto

Piolin)

16/3 – O azar de Piolin (Abelardo Pinto Piolin)

3/4 – Quem beijou minha mulher? (Gastão

Tojeiro)

7/4 – Casar para morrer (ou O casamento de um

cadáver) (Abelardo Pinto Piolin)

14/4 – Afinador de pianos (Tom Bill)

21/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

25/5 – O pai, a gata e o filho (Abelardo Pinto

Piolin)

10/6 – Aguenta Cecílio (Abelardo Pinto Piolin)

18/7 – Piolin no tribunal (Tom Bill)

21/8 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

29/8 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto

Piolin)

1/11 – O reservista Ventura (Laura Corina)

5/11 – O príncipe do Braz (Tom Bill)

12/11 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest

Bach)

17/11 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

20/11 – Delícias da vida conjugal (Abelardo

Pinto Piolin)

22/11 – A gata, o pai e o filho (Abelardo Pinto

256

Piolin)

6/12 – Piolin sentô praça (Abelardo Pinto

Piolin)

10/12 – Piolin Sherif (Abelardo Pinto Piolin)

13/12 – Delícias da vida conjugal (Abelardo

Pinto Piolin)

17/12 – O príncipe do Braz (Tom Bill)

20/12 – O crime da rua das palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

24/12 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest

Bach)

1936 1/1 – Minha mulher enlouqueceu (Gil Miranda)

3/1 – O louco de Vila Mariana (Abelardo Pinto

Piolin)

7/1 – O azar do Piolin (Abelardo Pinto Piolin)

10/1/1936 – Piolin, caçador de feras (Abelardo

Pinto Piolin)

21/1 – O meu bebê (Oscar Cardona)

26/1 – Piolin com 7 nomes (Belmiro Braga)

18/2 –Piolin, caçador de feras (Abelardo Pinto

Piolin)

19/2 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto

Piolin)

18/8 – Piolin no tribunal (Tom Bill)

22/8 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

1937 DDP 2275 – O canário (Muñoz Secca) 24/1 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto

Piolin)

1938 19/3 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo

Pinto Piolin)

3/5 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

18/5 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto

Piolin)

24/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

31/5 – Padrinho de um duelo (Abelardo Pinto

Piolin)

1939

1940

1941 22/1 – Guerra às mulheres (Paulo Magalhães)

24/1 – Sonhos de São João (Eurico Mesquita)

30/1 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

13/2 – O gaiato de Lisboa (Aristides Abranches)

15/3 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest

Bach)

15/7 – Uma festa na Freguesia do Ó (?)

1942 DDP 0141 – Piolin, afinador de pianos (Tom

Bill)

DDP 0147 – Piolin, professor de clarinete

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 0155 – O simpático Jeremias (Gastão

Tojeiro)

DDP 0157 – O crime da rua das Palmeiras

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 0158 – As Amélias da Praça Onze

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 0160 – A mulher do Zebedeu (J. Corrêa

23/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)

13/2 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto

Piolin)

14/5 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto

Piolin)

17/5 – As farras de um tenente (?)

4/6 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

27/9 – As farras de um tenente (?)

9/9 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto

Piolin)

257

Leite)

DDP 0173 – Na cidade (Belmiro Braga)

6/11 – Piolin com 7 nomes (?)

13/11 – A cabana do pai Tomás (Harriet Beecher

Stowe)

1943 DDP 0031 – O outro André (Corrêa Varela)

DDP 0036 – A cabana do pai Tomás (Harriet

Beecher Stowe)

DDP 0045 – Eu sou de circo (Franz Arnold e

Ernest Bach)

DDP 0193 – Piolin, campeão de futebol

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 0196 – Marquês a força (José Grillo)

DDP 0197 – Apuros de um Conde (Corrêa Leite)

DDP 0199 – O maluco n.º 4 (Armando Gonzaga)

DDP 0204 – Não me contes esse pedaço (Miguel

Santo)

DDP 0205 – O diabo atrás da porta (Pedro Maria

da Silva Costa)

DDP 0212 – Procópio não é homem (M.

Paradella e J. Cunha)

DDP 0214 – Se o Anacleto soubesse (Paulo

Orlando)

DDP 0217 – Rancho da serra (Luiz Iglesias)

DDP 0224 – O marido n.º 5 (Paulo Magalhães)

DDP 0226 – O adorável Barcelos (Ernest Bach e

Franz Arnold)

DDP 0230 – Mudança à meia noite (F. Napoleão

de Vitória)

DDP 0245 – Era uma vez um vagabundo (José

Wanderley e Daniel Rocha)

DDP 0266 – O amigo terremoto: eu vou pra

China (Renato Alvim e Nelson de Abreu)

DDP 0269 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino

Silva)

DDP 0272 – Vida e morte de Santa Teresinha do

Menino Jesus (Antônio Guimarães)

DDP 0298 – Piolin com a vida no seguro

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 0299 – Nhá Moça (Olival Costa)

DDP 0307 – A mulher do Seu Adolfo (Irineu de

Freitas)

DDP 0309 – Sai quinta coluna (Paulo Magalhães)

DDP 0316 – Luar de Paquetá (Freire Junior)

DDP 0321 – Até nisso sou pesado (Otílio Alves

de Lima)

DDP 0327 – A felicidade chegou (Felipe

Messina)

DDP 0329 – A flor do Ipê (Luiz Macedo)

DDP 0335 – Sonhos de São João (Eurico

Mesquita)

DDP 0366 – Quem beijou minha mulher (Gastão

Tojeiro)

DDP 0401 – Três velhotes do barulho (Jean

Cocquelin)

DDP 0403 – Eh!...São Paulo (Luiz Macedo)

DDP 0418 – Casei com minha mãe (Agenor

Gomes)

6/1 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo

Pinto Piolin)

9/1 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo Pinto

Piolin)

16/3 – Sonhos de São João (Eurico Mesquita)

2/4 – Se o Anacleto soubesse... (Paulo Orlando)

16/4 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)

28/5 – A mulher do Adolfito (?)

3/9 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)

9/9 – Maridos modernos (Álvaro Peres Filho)

14/9 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest

Bach)

22/9 – Quem beijou minha noiva? (Gastão

Tojeiro)

1944 DDP 0421 – O tio de seu Oscar (Luiz Macedo)

DDP 0425 – Dar corda para se enforcar (José

Joaquim da Silva)

DDP 0426 – Noivo aqui é mato (Octílio Alves de

5/8 – Guerra aos celibatários (Zaide Nacaratti)

12/9 – Ela e a outra (Correio Leite)

19/9 – Piolin, o homem errado (Luiz Macedo)

25/10 – O simpático Isidoro (Miguel de Souza

258

Lima)

DDP 0436 – A festa do meu filho (Gil Miranda)

DDP 0440 – Titan (Luiz Macedo)

DDP 0444 – Os enxertos do professor Piolin

(Ado Benatti e Umberto Pellegrini)

DDP 0446 – Onde canta o sabiá (Gastão Tojeiro)

DDP 0448 – Macumba (José Pires da Costa)

DDP 0449 – A arma secreta (Ado Benatti e

Umberto Pellegrini)

DDP 0466 – O estranho Dr. Mawel: o segredo do

cientista (Luiz Macedo)

DDP 0475 – Guerra aos celibatários (Zaide

Nacaratti)

DDP 0483 – O sindicato dos malucos (Ado

Benatti)

DDP 0486 – Senhorita século XX (Jean

Cocquelin)

DDP 0487 – Uma pensão na rua Caetano Pinto

(Umberto Pellegrini)

DDP 0489 – Aventuras de Titan (Luiz Macedo)

DDP 0496 – O sorriso do Bandeira (Oliveira

Filho)

DDP 0723 – Os milagres de um sabidão (Jean

Cocquelin)

DDP 0728 – O simpático Genésio (Carlos Thiago

Pereira)

DDP 0904 – Simpático Izidoro (Miguel de Souza

Filho e Manoel Matos)

DDP 0918 – Pensão da Manuelita (Irineu de

Freitas)

DDP 1012 – Mulher dos cinco maridos (Carlos

Thiago Pereira e Augusto Martins)

DDP 1021 – Ela e a outra (Correia Leite)

DDP 1026 – Piolin, um homem errado (Luiz

Macedo)

DDP 1042 – As mulheres do seu André (Gil

Miranda)

DDP 1051 – O fantasma voador

DDP 1059 – Entra... não demora! (H. C. Beltran)

DDP 1069 – Minha mulher não é nervosa (Alvaro

Perez Filho, Gil Miranda e Júlio Moreno)

DDP 1145 – Tarzan, o filho do sapateiro (Ado

Benatti)

DDP 1182 – Aves sem ninho (Jean Cocquelin)

DDP 1274 – Telefone particular (Oliveira Filho)

DDP 1280 – Baratinha verde (Gil Miranda a

Álvaro Peres Filho)

DDP 1283 – Titan... amigo da liberdade número 1

(Luiz Macedo)

DDP 1286 – Honrarás tua mãe (Romano

Coutinho)

DDP 1590 – O Praxedes vai dar baixa (Armando

Braga)

Filho e Manoel Matos)

25/11 – Piolin com a vida no seguro (Abelardo

Pinto Piolin)

1945 DDP 0254 – Maria Cachucha (Joracy Camargo)

DDP 0917 – Faustino corre aqui depressa

(Oliveira Lima e Tom Bill)

DDP 1073 – Uma noite em apuros (Álvaro Peres

Filho e Júlio Moreno)

DDP 1268 – Meu marido é meu irmão (Henrique

M. Fernandes)

13/1 – Peso pesado (Fernandez Del Vilar)

259

DDP 1297 – O bamba da Barra Funda (Gil

Miranda e Álvaro Peres Filho)

DDP 1298 – Não te conto nada (Ariovaldo Pires)

DDP 1300 – Titan, o amigo da liberdade nº 2

(Luiz Macedo)

DDP 1355 – Coitadinho do Benito (Francisco

Gomes e Júlio Moreno)

DDP 1359 – Esposas solteiras (Julio Moreno e

Álvaro Peres Filho)

DDP 1365 – Arrelia mãe de família (Álvaro Peres

Filho e Gil Miranda)

DDP 1366 – Homem que fazia milagres (Oliveira

Lima)

DDP 1371 – Na fila do amor (Jean Cocquelin)

DDP 1374 – Indústrias P. Zada (Abelardo Pinto

Piiolin)

DDP 1381 – Honra de caboclo (Gil Miranda e

Álvaro Peres Filho)

DDP 1385 – O engenho de cana do papai

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 1387 – Cabocla Tereza (João Pacífico e

Pedro João Spina)

DDP 1390 – A sogra não é nada disso (Juliano

Moreno e Francisco Gomes)

DDP 1307 – Espionagem (Agenor Gomes)

DDP 1393 – Mulher do auto-ônibus (Gil Miranda

e Álvaro Peres Filho)

DDP 1399 – A marqueza do Pif-paf (Rubens

Carvalho e Souza)

DDP 1413 – E ele voltou da Bahia (Gil Miranda)

DDP 1447 – Porteira velha (Paraguassu)

DDP 1460 – Piolin contra a espionagem japonesa

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 1461 – O cruzeiros da madame (Rubens de

Carvalho e Souza)

DDP 1541 – O fantasma da opera (Luiz Iglezias)

DDP 1553 – Piolin e a super atômica (Iracy

Viana)

DDP 1621 – Vamos matar o homem (José Braga)

DDP 1655 – Minha mulher enlouqueceu (Gil

Miranda)

1946 DDP 1070 – O Aparicio apareceu (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 0408 – Amo todas as mulheres (José

Wanderley e José Rocha)

DDP 1662 – O homem de vidro (Oliveira Lima)

DDP 1678 – Detetive Piolin e o torpedo contra a

quadrilha do Fantasma (Iracy Viana)

DDP 1755 – A mulher do padeiro (Renato Alvim

e Nelson Abreu)

DDP 1844 – Quando os filhos absolvem (Luiz

Medici)

DDP 2004 – Paz armada (Oliveira Lima)

DDP 2140 – Pão sem fila (Olindo Dias Corleto)

DDP 2141 – Ratos na ratoeira (Júlio Moreno e

Álvaro Peres Filho)

DDP 2176 – A fuga da garota (L. Dawis)

DDP 2242 – Santo Antônio casamenteiro

(Ribeiro Escobar)

DDP 2307 – Os sinos da minha terra (Oliveira

17/4 – O mártir do Calvário (Eduardo Garrido)

19/5 – O Aparício apareceu (Henrique Marques

Fernandes)

6/6 – Pão sem fila (Olindo Dias Corleto)

14/6 – Rato na ratoeira (Júlio Moreno e Álvaro

Peres Filho)

12/7 – A canção de Bernadette (Olindo Dias

Corleto)

17/7 – A cigana me enganou (Paulo Magalhães)

22/6 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

10/7 – A canção de Bernadete (Olindo Dias

Corleto)

25/7 – A cigana me enganou (Paulo Magalhães)

30/7 – Show da marquesa (Abelardo Pinto

Piolin)

13/8 – O show da marquesa (Abelardo Pinto

Piolin)

1/9 – Os sinos da minha terra (Oliveira Lima)

4/9 – Que rei sou eu? (Olindo Dias Corleto)

260

Lima)

DDP 2310 – O show da marquesa (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 2320 – Salve-se quem puder (Oswaldo

Rosas)

DDP 2322 – Que rei sou eu?! (Olindo Dias

Corleto)

DDP 2323 – São Judas Tadeu (Ribeiro Escobar)

DDP 2366 – Comendador Ventura (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 2386 – Guerra aos tubarões (Olindo Dias

Corleto)

16/10 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo

Pinto Piolin)

13/11 – O comendador Ventura (Abelardo Pinto

Piolin)

19/11 – Amo todas as mulheres (José Wanderley

e Daniel Rocha)

27/11 – Guerra aos tubarões (Olindo Dias

Corleto)

24/12 – Lágrimas de mãe em noite de Natal

(Luiz Macedo)

1947 DDP 0022 – Ladrão de Bagdá (Luiz Macedo e

Ableardoi Pinto Piolin)

DDP 0161 – Passando a brocha (Ariovaldo Pires)

DDP 0262 – Crise de habitações (Ferreira Neto)

DDP 0264 – Que é que há com o seu peru

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 0265 – Espionagem a bordo (Abelardo

Pinto Piolin e Rogério de Lima Câmara)

DDP 0270 – Tiradentes (Moreira de

Vasconcellos)

DDP 1161 – Hás de ser minha (Louis Verneill)

DDP 1284 – A mulher que veio de Londres

(Suares de Deza)

DDP 1395 – A canção de Bernadete (Olindo Dias

Corleto)

DDP 1729 – Pensão da dona Stela (João do Sul)

DDP 1961 – Beijos para todas

DDP 2054 – Marmiteiros (Ferreira Neto e Jarbas

Rohewedder)

DDP 2423 – O diabo enlouqueceu (Paulo

Magalhães)

DDP 2435 – Um antropófago na sociedade (Tito

Netto)

DDP 2441 – Acontece que eu sou baiano (J. Rui e

Eurico Silva)

DDP 2453 – Anastácio chegou de viagem

(Oswaldo Teixeira de Almeida)

DDP 2461 – Meu sertão abandonado (Agenor

Gomes)

DDP 2464 – Sururú em família (Rogério de Lima

Câmara)

DDP 2483 – Nem tudo que balança cai (Abelardo

Pinto Piolin e Rogério de Lima Câmara)

DDP 2486 – O trovador do far-west (J. Fernandes

e Rogério de Lima Câmara)

DDP 2489 – O maníaco (Moliére)

DDP 2513 – Piolin, o manda chuva (Sper Júnior)

DDP 2520 – Piolin, o candidato! (Abelardo Pinto

Piolin)

1/1 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

23/1 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto

Piolin)

2/2 – Peri comeu Ceci (Tito Netto)

12/2 – Priminho do coração (Luiz Iglesias)

26/2 – Flor de Manacá (Luiz Iglezias)

7/3 – Acontece que sou baiano (J. Rui e Eurico

Silva)

3/7 – Beijos para todas (Marques Fernandes)

24/7 – O trovador (?)

1948 DDP 0091 – Cala a boca, Etelvina (Armando

Gonzaga)

DDP 0167 – Meu marido é você (Olindo Dias

Corleto)

DDP 0271 – Noite de São João (Francisco Fabre)

DDP 0314 – Pertinho do céu (José Wanderley e

Mário Lago)

DDP 1023 – Chuvas de verão (Luiz Iglezias)

DDP 1036 – Hotel dos amores (Miguel Santos)

23/5 – O mártir do Calvário (Eduardo Garrido)

10/4 – Chuvas de verão (Luiz Iglesias)

23/4 – Guerra às mulheres (Paulo Magalhães)

5/5 – Sai ou não sai (?)

25/5 – O hóspede do quarto número 2 (?)

1/6 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)

11/6 – O Biriba chegou de viagem (Abelardo

Pinto Piolin e Aylor Pinto)

22/6 – A mulher do prefeito (Corrêa de Mattos)

261

DDP 1306 – Aluga-se esta casa (Miguel Santos)

DDP 2434 – Joaninha Buscapé (Luiz Iglezias)

DDP 2457 – Diana de Rione (Eugênio Scribe)

DDP 2540 – É com esse que eu vou! (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 2553 – Farrapo humano (Almeidinha)

DDP 2597 – A morte foge de mim (Carlos

Arniches)

DDP 2609 – O Biriga chegou de viagem

(Oliveira Filho e J. Spina)

DDP 2613 – A morena de Caxambu (Teixeira

Pinto)

DDP 2615 – O Biriba esteve aqui (Abelardo

Pinto Piolin e Aylor Pinto)

DDP 2622 – A mulher do prefeito (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 2631 – A medalha reveladora (Gil Miranda

e Oliveira Filho)

DDP 2633 – Carneiro do batalhão (Viriato

Corrêa)

DDP 2641 – O homem da mandioca (Armando

Braga)

DDP 2642 – Estação de águias (Geysa Bôscoli e

Miguel Santos)

DDP 2652 – O Ali Babá do Bom Retiro

(Umberto Pellegrini)

DDP 2661 – Saias compridas (Abelardo Pinto

Piolin e Nair Pinto)

DDP 2663 – Cem gramas de homem (Anselmo

Domingos)

DDP 2673 – A casa do Pestana (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 2682 – O que eles querem? (Antônio

Guimarães)

DDP 2687 – O assalto da madrugada (Aldo

Junior)

DDP 2691 – Os maridos atacam de madrugada

(Paulo Orlando)

DDP 2696 – Tudo por você (José Wanderley e

Mário Lago)

DDP 2707 – Um fantasma rosetando (Aldo

Junior)

DDP 2709 – O casca grossa (José Wanderley e

Daniel Rocha)

DDP 2723 – O recruta (Alberto Silva)

DDP 2735 – O poder das massas (Armando

Gonzaga)

DDP 2737 – Detetive X 69 no xadrez (Aldo

Junior)

29/6 – Uma noite em apuros (Álvaro Peres Filho

e Julio Moreno)

6/7 – O Biriba esteve aqui (Abelardo Pinto Piolin

e Aylos Pinto)

28/7 – Cala a boca, Etelvina (Armando Gonzaga)

4/8 – Estação de águias (Geysa Boscoli e Miguel

Santos)

10/8 – Ali Baba do Bom Retiro (Umberto

Pellegrini)

24/8 – O homem da mandioca (Armando Braga)

21/9 – Saias compridas (Abelardo Pinto Piolin e

Nair Pinto)

28/9 – A morte foge de mim (Oliveira Lima e

Oliveira Filho)

5/10 – O que eles querem (Antonio Guimarães)

19/10 – A casa do seu Pestana (Henrique

Marques Fernandes)

27/10 – O carneiro do batalhão (Viriato Corrêa)

11/11 – Cabocla Teresa (João Pacífico e Pedro

João Spina)

26/11 – Um fantasma rosetando (Aldo Junior)

3/12 – Rancho da serra (Luiz Iglesias)

7/12 – Salve-se quem puder (Oswaldo Rosas)

15/12 – O marido no. 5 (Paulo Magalhães)

23/12 – O recruta (Alberto Silva)

1949 DDP 0165 – O sinal da cruz (Francisco Colman)

DDP 1391 – Mulher do trem (Miguel Santos)

DDP 2456 – O aranha negra contra o escorpião

(Oliveira Filho)

DDP 2487 – O tigre (Armando Prazeres)

DDP 2756 – Vai a olho (Nair Bevedê)

DDP 2758 – Branca de Neve e os sete pilantras

(Aldo Junior)

DDP 2768 – A repudiada (Pereira Junior e

Oliveira Filho)

DDP 2773 – Um casamento singular (Gil

1/1 – Priminho do coração (Miguel Santos e Luiz

Iglesias)

4/1 – Tudo por você (José Wanderley e Mário

Lago)

11/1 – Amo todas as mulheres (José Wanderley e

Daniel Rocha)

19/1 – Detetive x-9 no xadrez (Aldo Junior)

25/01 – Hotel dos amores (Miguel Santos)

1/2 – Cem gramas de homem (Anselmo

Domingos)

8/2 – Vai a olho (Nair Bevedê)

262

Miranda e Álvaro Peres Filho)

DDP 2775 – Boneca da princesinha (Ferreira

Neto)

DDP 2778 – As casadas solteiras (Martins Pena)

DDP 2780 – Mãe é sempre mãe (Rogério de

Lima Câmara)

DDP 2786 – Eu sou de briga (Nair Bevedê)

DDP 2797 – Junho em festa (Pires Pae)

DDP 2798 – O pivete (Luiz Iglezias e Miguel

Santos)

DDP 2799 – Uma esposa alugada (Pires Pae)

DDP 2823 – O expedicionário chegou (Álvaro

Peres Filho e Mariana Peres)

DDP 2827 – Eu fui o anjo da guarda do biriba

(Aldo Junior)

DDP 2829 – Quem paga o pato (Nair Bevedê)

DDP 2833 – Becos da cidade (Vytautatas Victor

Celka)

DDP 2844 – Jazz-band e violão (Álvaro Peres

Filho e Júlio Moreno)

DDP 2863 – Os piores dias de minha vida (Nair

Bevedê)

DDP 2869 – Gilda é da fuzarca (João da Mota

Mercier e Oliveira Filho)

DDP 2875 – Aventuras da família Lero-lero (R.

Magalhães Junior)

DDP 2876 – Se Jesus voltasse (Carlos Cavaco)

DDP 2888 – Três salames num saco (Domingos

Bocute e Arlindo Alves)

DDP 2896 – Para mim chega (Nair Bevedê)

DDP 2899 – Sonhos (José Pires da Costa)

DDP 2908 – Um caso de polícia (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 2911 – Presente do céu (Domingos Bocute e

Horácio Mello)

DDP 2914 – Maria Maluca (Djalma Bittencourt e

Milton Bittencourt)

DDP 2918 – A felicidade pode esperar (Eurico

Silva)

DDP 2901 – Joazeiro (Domingos Bocute)

1/3 – Pertinho do céu (José Wanderley e Mário

Lago)

8/3 – Diana de Rione (Eugênio Scribe)

15/3 – A mulher do trem (Miguel Santos)

22/1 – La cumparsita (Armando Louzada)

29/3 – Os maridos atacam de madrugada (Paulo

Orlando)

5/4 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)

13/4 – O sinal da cruz (Francisco Colman)

17/4 – Branca de neve e os sete pilantras (Aldo

Junior)

23/4 – O campeão de futebol (Abelardo Pinto

Piolin)

26/4 – A medalha reveladora (Gil Miranda e

Oliveira Filho)

11/5 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel

Rocha)

17/5 – A ditadora (Paulo de Magalhães)

24/5 – Hás de ser minha (Lygia Sarmento)

31/5 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto

Piolin)

7/6 – Eu sou de briga (Nair Bevedê)

16/6 – Uma esposa alugada (Pires Pae)

22/6 – Junho em festa (Pires Pae)

28/6 – O adorável Barcellos (Franz Arnold e

Ernest Bach)

8/8 – Quem paga o pato? (Nair Bevedè)

1/9 – A mulher que veio de Londres (Joaquim

Almada)

6/9 – Jazz-Band e violão (A. Peres Filho e Julio

Moreno)

13/9 – A marca do Zorro (Rafael Sabattini)

20/9 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)

30/9 – A boneca da princesinha (Ferreira Netto)

6/10 – Os piores dias da minha vida (Nair

Bevedê)

11/10 – Se Jesus voltasse (Carlos Cavaco)

18/10 – A mulher do seu Adolfo (Irineu de

Freitas)

27/9 – A pecadora (Anthony Vasconcelos)

6/11 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)

9/11 – Ele voltará (?)

22/11 – O joazeiro (Domingos Bocute)

9/12 – Aventuras da família Lero-Lero (R.

Magalhães Junior)

15/12 – Meu Tobias (?)

22/12 – Becos da cidade (Vytautas Victor Célka)

1950 DDP 0113 – Feia (Paulo Magalhães)

DDP 0236 – Os transviados (Francisco Inácio de

Amaral Gurgel)

DDP 0242 – A vida tem três andares (Humberto

Cunha)

DDP 0387 – Deus e a natureza (Arthur Rocha)

DDP 2481 – Jesus, o cego e a leprosa

DDP 2604 – A mulher sem destino (Agenor

Gomes)

DDP 2867 – A princesa de pedra (João da Mota

Mercier e Oliveira Filho)

DDP 2922 – Não tem nada e está prosa! (Nair

Bevedê)

2/1 – Três salames num saco (Domingos Bocute

e Arlindo Alves)

13/1 – Maria maluca (Djalma Bittencourt e

Milton Bittencourt)

20/1 – A felicidade pode esperar (Eurico Silva)

263

DDP 2928 – Espelho da vida (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 2933 – Parabéns à Piolin (Nair Bevedê)

DDP 2935 – O sindicato dos maridos (A. Ramos

Junior e O. Bastos)

DDP 2954 – O governador das louças (José Pires

da Costa)

DDP 2974 – Um diabo camarada (Vicente

Cassano e César Boureal)

DDP 2978 – Filhos de ninguém (Eurico Silva)

DDP 2988 – O homem sou eu!: os brotinhos da

lua direita (Tito Neto)

DDP 2990 – Malaquias malucou: ele é minha

mãe! (Oscar Cardona)

DDP 2991 – Eu quero é... casar!: banquei o

palhaço (Oscar Cardona)

DDP 2997 – Bodas de prata (Ferreira Neto)

DDP 3006 – A caixinha do Piolin (Nair Bevedê)

DDP 3016 – E o diabo perdeu o rabo (Oscar

Cardona)

DDP 3019 – Pensão das viúvas (Bob Junior)

DDP 3027 – Farrapos humanos (Oswaldo

Teixeira de Almeida)

DDP 3040 – Isto é São Paulo (Oswaldo de

Almeida)

DDP 3042 – Amor de malandro: língua de sogra

(Oscar Cardona)

DDP 3047 – Paixão sertaneja (Bob Junior)

DDP 3061 – No mundo do baião (Oswaldo de

Almeida)

1951 DDP 0373 – Saudade (Paulo Magalhães)

DDP 1950 – O filho do rei do prego (Gastão

Tojeiro)

DDP 2439 – O símbolo da lealdade (Albano

Pereira)

DDP 2477 – O monstro de Londres (Victor

Hugo)

DDP 0229 – Compra-se um marido (José

Wanderley)

DDP 3072 – Uma mulher e duas vidas (José Pires

da Costa)

DDP 3074 – O Pandeiro da italiana (Oswaldo

Teixeira de Almeida)

DDP 3075 – Depois da farra... errei, sim

(Oswaldo Teixeira de Almeida e Vicente

Marchelli)

DDP 3083 – Aviso aos farsantes (Almeidinha)

DDP 3084 – A sinuca do seu piruca (Alberto de

Carvalho)

DDP 3091 – O filho de Deus (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3093 – A bruxa da montanha (Rubens Mira

e Oliveira Filho)

DDP 3096 – O circo vem aí!!! (Almeidinha)

DDP 3101 – Enquanto a cidade dorme

(Almeidinha)

DDP 3104 – Pecado dos pais (Ferreira Neto)

DDP 3113 – Tico-tico no fubá (Luiz Schiliró e

Raymundo Parente Filho)

DDP 3121 – O segredo do mordomo (Osmar

264

Pereira)

DDP 3141 – Um casal da pontinha (Silvio

Urbano Fon-Fon)

DDP 3143 – O bandido Juliano (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3149 – Um fantasma em minha vida (Osmar

Pereira e Júlio Moreno)

DDP 3169 – Lírios da ilusão (Vytautas Victor

Célka)

DDP 3183 – O chá do sabugueiro (Raul

Pederneiras)

DDP 3184 – Tudo azul (Ferreira Neto)

DDP 3191 – Meu bebê (Oscar Cardona)

DDP 3202 – Uma vez na vida (José Wanderley)

DDP 3204 – Um Romeo das arábias (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 3215 – Romeu sem Julieta (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3230 – Antonica fura filas (Gastão Tojeiro)

DDP 3235 – Está bom, deixa (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3240 – A mulher das padarias (Oliveira

Lima)

DDP 3242 – Uma empregada do barulho

(Oliveira Filho e Alberto Carvalho)

DDP 3250 – Flores do lodo (Ferreira Neto)

DDP 3255 – Pobre diabo (Viriato Corrêa)

DDP 3264 – Piolin Papai Noel (Henrique

Marques Fernandes)

1952 DDP 0054 – Feitiço: método moderno de

felicidade conjugal em três volumes e oito

gravuras (Oduvaldo Vianna)

DDP 3265 – Italianinha (José Pires da Costa)

DDP 3270 – Os amores de sete dedos (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 2494 – O divino perfume (Renato Vianna)

DDP 3272 – Meu chamego é você (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 3281 – Rabo de peixe (Henrique Marques

Fernandes)

DDP 3301 – Maria Candelária (Henrique

Marques Fernandes)

DDP 3307 – Piolin no bico da cegonha (Alberto

Penzkofer e Genaro de Castro)

DDP 3308 – O yó yó de yá yá

DDP 3316 – O tio de Corumbá (Humberto

Cunha)

DDP 3317 – O bobalhão

DDP 3337 – Casamento no Uruguay (R.

Magalhães Junior)

DDP 3344 – A doce ilusão (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3361 – Piolin criado fiel (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3362 – Há maldade nisso (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3370 – Primo, a situação não está boa

(Alberto Penkoffer e Genaro de Castro)

DDP 3378 – As botas do Bonifácio (Joracy

Camargo)

30/1 – A italianinha (José Pires da Costa)

5/2 – Uma empregada do barulho (Oliveira Filho

e Alberto Carvalho)

14/2 – O rabo de peixe (Henrique Marques

Fernandes)

4/3 – Que mãe que arranjei! (Carlo Bettencourt)

11/3 – Um caso de polícia (Eurico Silva)

19/3 – Maria Candelária (Henrique Marques

Fernandes)

27/3 – No bico da cegonha (Alberto Penzkofer e

Genaro de Castro)

18/4 – O pai, o gato e o filho (Abelardo Pinto

Piolin)

22/4 – Está bom, deixa! (Abelardo Pinto Piolin)

6/5 – A mulher das padarias (Oliveira Lima)

14/5 – O bobalhão (Ferreira Rodrigues)

21/5 – Alma de caboclo (?)

27/5 – Chuva de verão (Luiz Iglesias)

7/6 – Minha mulher não é nervosa (A. Peres

Filho, Julio Moreno e Gil Miranda)

11/6 – O bamba da Barra Funda (Gil Miranda e

A. Peres Filho)

1/7 – Banquei o palhaço (?)

8/7 – O divino perfume (Renato Vianna)

13/7 – Ele voltou da Bahia (Gil Miranda)

15/7 – O Marquês de Tereré (?)

22/7 – O rato na ratoeira (A. Peres Filho e Julio

Moreno)

31/7 – O gato atrás do rato (?)

5/8 – Romeu sem Julieta (Abelardo Pinto Piolin)

13/8 – Um casamento no Uruguai (Raimundo

265

DDP 3379 – Doutor Voronoff (José Carlos

Queirolo)

DDP 3380 – Barnabé, tu és meu (Gil Miranda a

Álvaro Peres Filho)

DDP 3402 – Trágica decisão (Urbano Cordeiro e

Júlio Moreno)

DDP 3412 – É muita cocada (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3419 – A casa das três Marias (Gil Miranda

e Álvaro Peres Filho)

DDP 3420 – Nada além (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3434 – Primo, você é que é feliz (Júlio

Moreno e Adail Vianna)

DDP 3437 – Ao bater da Ave Maria (Álvaro

Peres Filho e Gil Miranda)

DDP 3933 – Viúva, porém honesta (Nelson de

Abreu, Modesto Abreu e Renato Alvim)

Magalhães Junior)

20/8 – Primo, a situação não está boa (Alberto

Penkoffer e Genaro de Castro)

5/9 – Barnabé, tu és meu (A. Peres Filho e Gil

Miranda)

19/9 – Há maldade nisso? (Abelardo Pinto

Piolin)

20/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

23/9 – Doce ilusão (Abelardo Pinto Piolin)

4/11 – Um casal da pontinha (Silvio Urbano

Fon-Fon)

11/11 – O marido da viúva (?)

18/11 – Piolin apaixonado (Abelardo Pinto

Piolin)

26/11 – Está bom, deixa e O casamento de Piolin

(Abelardo Pinto Piolin)

3/12 – A voz fantasma (?)

9/12 – Nada além (Nada além)

18/12 – Praxedes vai dar baixa (Armando Braga)

24/12 – O expedicionário chegou (A. Peres Filho

e Mariana Peres)

30/12 – Primo, você que é feliz (Julio Moreno e

Adail Vianna)

1953 DDP 1708 – Amor e ódio (Dias Guimarães)

DDP 3443 – O carnaval está na rua (Gil Miranda)

DDP 3449 – A pensão dos tarados (Ferreira

Neto)

DDP 3452 – Eva, me leva (Gil Miranda e

Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3465 – A viúva da sanfona (Pedro J. Spina e

José Sotelo)

DDP 3471 – Eu não sabia (Adail Vianna e Júlio

Moreno)

DDP 3475 – Golpe errado (Walter Junior)

DDP 3476 – A vitória do Baltazar (Júlio Moreno

e Oliveira Filho)

DDP 3480 – O direito de viver (Adail Vianna e

Júlio Moreno)

DDP 3481 – Os cadáveres do Barnabé (Augusto

Maria D’Alpolim)

DDP 3482 – Isto me faz um bem (Proença Filho)

DDP 3491 – O fantasma (Oscar Cardona)

DDP 3500 – Vida de cachorro (Oscar Cardona)

DDP 3508 – Nhô Berto banca o doutor (Roberto

Tangel)

DDP 3510 – O ateu (Roberto Tangel)

DDP 3511 – O amigo da onça (Adail Vianna)

DDP 3513 – Pula a fogueira

DDP 3539 – Santo... só no nome (Isaias Carlos e

Oliveira Filho)

DDP 3544 – Rancho vazio (Rafael Genovez)

DDP 3550 – E a vida continua (Adail Vianna)

DDP 3553 – Praia dos amores (Álvaro Peres

Filho e Júlio Moreno)

DDP 3572 – Simplicio assentou praça (Armando

Braga)

DDP 3578 – O espectro (Rafael Genovez)

DDP 3582 – Entre dois corações (Richard Ney e

Maria Estela Oliveira)

DDP 3612 – A velha foi na onda (José Braga)

6/1 – Ao bater da Ave Maria (A. Peres Filho e

Gil Miranda)

13/1 – A casa das três Marias (A. Peres Filho e

Gil Miranda)

20/1 – O feitiço (Oduvaldo Vianna)

27/1 – O Carnaval está na rua (Gil Miranda)

3/2 – É muita cocada (Abelardo Pinto Piolin)

20/2 – Com a vida no seguro (Abelardo Pinto

Piolin)

1/3 – A pensão dos tarados (Ferreira Netto)

3/3 – A mulher do auto-ônibus (A. Peres Filho e

Gil Miranda)

10/3 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel

Rocha)

16/3 – O testamento de um louco (?)

24/3 – Sururu em família (Rogério de Lima

Câmara)

31/3 – Duelo e morte (Abelardo Pinto Piolin)

1/4 – A paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo

(Eduardo Garrido)

7/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo Pinto

Piolin)

14/4 – A viúva da sanfona (Pedro J. Spina e José

Sotelo)

21/4 – A vitória do Baltazar (Julio Moreno e

Oliveira Filho)

28/4 – O golpe errado (Walter Junior)

5/5 – O direito de viver (Adail Vianna e Julio

Moreno)

13/5 – A volta de Maringá (José Barreto

Machado)

19/5 – O sorriso do bandeira (Oliveira Filho)

9/6 – A baratinha verde (A. Peres Filho e Gil

Miranda)

26/6 – Pula a fogueira (Walter Junior)

30/6 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)

8/7 – Espionagem (Agenor Gomes)

266

DDP 3628 – Mulher é espeto... (Oscar Cardona)

DDP 3631 – O valente treme-treme (Oscar

Cardona)

DDP 3635 – Primeiro marido da França (A.

Valabregue)

DDP 3641 – Essas mulheres (Nelson de Abreu,

Renato Alvim e Modesto de Abreu)

DDP 3647 – Granfinos em apuros (Heloisa

Helena Magalhães)

DDP 3648 – É peia seu doutor (Canelinha)

DDP 3658 – O príncipe encantado (Luiz

Leandro)

9/7 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)

14/7 – Chica Boa (Paulo Magalhães)

21/7 – Estação de águias (Geysa Boscoli e

Miguel Santos)

28/7 – Santo só no nome (Isaias Carlos e

Oliveira filho)

25/8 – Nhô Berto banca o doutor (Roberto

Tangel)

5/9 – Telefone particular (Oliveira Filho)

8/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

17/9 – Piolin, professor de clarinete (Abelardo

Pinto Piolin)

22/9 – E a vida continua (Adail Vianna)

1/11 – A velha foi na onda (José Braga)

5/11 – Trágica decisão (Urbano Cordeiro e Julio

Moreno)

19/11 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto

Piolin)

27/11 – O valente Treme-Treme (Oscar

Cardona)

1/12 – Maior o ódio (Amor e ódio) (Dias

Guimarães)

11/12/1953 – O primeiro marido da França

(Gervásio Lobato)

15/12 – É peta seu dotô (?)

30/12 – Mulher é espeto (Oscar Cardona)

1954 DDP 1064 – Um casal do barulho (Gil Miranda)

DDP 3431 – Os bruxos do castelo (Odilon

Pinheiro de Faria)

DDP 3432 – Os pastores de Fátima (Odilon

Pinheiro de Faria)

DDP 3660 – O queridinho de todas (Oswaldo

Rosas e Humberto Cunha)

DDP 3680 – A grande mentira (Francisco M.

Colazo)

DDP 3681 – Marido de minha sogra (Ildefonso

Norat e Cunha Filho)

DDP 3682 – Luciola (Oscar Cardona)

DDP 3687 – Ódio que mata (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3691 – Mãe querida (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3714 – Noite deliciosa (Lucília Amaral)

DDP 3719 – Onça sem o amigo (Adail Vianna e

Júlio Moreno)

DDP 3721 – Viva São Paulo (Ferreira Neto)

DDP 3727 – É só pra chatear (Adail Vianna e

Júlio Moreno)

DDP 3769 – Tristeza de caboclo (Walter

Casamayor e Oliveira Filho)

DDP 3770 – Vou-me casar outra vez (Adail

Vianna)

DDP 3780 – A cabana do Chico Mulato (Hélio

Laurato)

DDP 3795 – O noivo de minha filha (Adail

Vianna e Gil Miranda)

DDP 3799 – Guerra por amor (Abelardo Pinto

Piolin e José Ângelo)

DDP 3805 – Sabidões (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3808 – O noivo rico (Abelardo Pinto Piolin

e José Ângelo)

6/1 – Granfinos em apuros (Heloísa Helena

Magalhães)

19/1 – Queridinho de todas (Oswaldo Rosas e

Humberto Cunha)

26/1 – Campeão de futebol (Abelardo Pinto

Piolin)

30/1 – Piolin apaixonado (Abelardo Pinto Piolin)

19/2 – Ele voltou da Bahia (Gil Miranda)

27/2 – O marido da minha sogra (Ildefonso

Norat e Cunha Filho)

2/3 – Minha casa é paraíso (Luiz Iglesias)

11/3 – Uma noite em apuros (A. Peres Filho e

Julio Moreno)

23/3 – Macumba (José Pires da Costa)

8/6 – O homem de vidro (Oliveira Lima)

2/12 – Índio Totó (José Ângelo)

267

DDP 3814 – O bandoleiro (José Ângelo)

DDP 3819 – O candidato número um (José

Ângelo)

DDP 3825 – Qual será o homem? (Umberto

Pellegrini)

DDP 3830 – São Paulo quarto centenário (José

Ângelo)

DDP 3831 – O neurastênico (José Ângelo)

DDP 3839 – A mulher do meu sócio (Armando

Braga)

DDP 3841 – O caixinha (José Ângelo)

DDP 3845 – A fidalga e o plebeu (José Ângelo)

DDP 3850 – O índio Totó (José Ângelo)

DDP 3862 – É o maior!... (Abelardo Pinto Piolin

e José Ângelo)

DDP 3867 – De cartola e tamanco! (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 3868 – Noite feliz (Ferreira Neto)

DDP 3874 – A família confusão (Abelardo Pinto

Piolin e José ângleo)

DDP 3889 – O matador (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3890 – A carta do judeu (Francisco M.

Colazo)

DDP 3891 – O roubo do colar (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3894 – Eu sou do circoscope (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 3895 – O vaqueiro Piolin (Abelardo Pinto

Piolin)

1955 DDP 2565 – Oba, homem não (J. Spina e Rubens

Mira)

DDP 3643 – Cabocla (Tonico e Nina Galhardo)

DDP 3897 – Última chance (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3909 – Doutor por acaso (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3918 – O amigo do alheio (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3926 – Aventura perigosa (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3927 – A vingança (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3937 – A falsa ilusão (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3938 – Quinze anos depois (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3939 – O mexicano (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3954 – A noiva de papai (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3955 – As encrencas do Tenório (Adail

Vianna e Júlio Moreno)

DDP 3957 – Madresilva (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3959 – Vingança por amor (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3967 – O fantasma gostosão (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 3970 – A pensão Pindura (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3971 – O Jacinto agarrado (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 3972 – Piolin Tarzan (Abelardo Pinto

12/1 – O vaqueiro Piolin (Abelardo Pinto Piolin)

16/3 – O mexicano (Abelardo Pinto Piolin)

3/4 – 15 anos depois (Abelardo Pinto Piolin)

12/4 – As encrencas do Tenório (Adail Vianna e

Julio Moreno)

22/4 – A noiva do papai (Abelardo Pinto Piolin)

27/4 – Agarre o Jacinto (O Jacinto agarrado)

(Abelardo Pinto Piolin)

8/5 – Mãe querida (?)

10/5 – Quem beijou minha mulher? (Gastão

Tojeiro)

17/5 – Esperança do amor (Vingança por amor)

(Abelardo Pinto Piolin)

25/5 – O fantasma gostosão (Abelardo Pinto

Piolin)

16/10 – Macumbeira (Abelardo Pinto Piolin)

21/10 –A mansão das almas (Abelardo Pinto

Piolin)

15/11 – A noiva eterna (Abelardo Pinto Piolin)

268

Piolin)

DDP 3985 – Piolin, o mata-mata (Abelardo Pinto

Piiolin)

DDP 3986 – A tocaia (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 3988 – A fonte dos desejos (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4001 – Prece a São João (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4022 – A mulher de verdade (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4023 – Agulha no palheiro (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4026 – A sinuca do Maneco (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4043 – Saudosa maloca (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4044 – O poder da fé em Tambaú (João da

Mota Mercier e Oliveira Filho)

DDP 4045 – Três noivos para três irmãs

(Abelardo Pinto Piolin)

DDP 4046 – Pancho Vila (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 4057 – Punhos de aço (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4061 – O petróleo é dele (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4069 – O castigo vem de cima (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4070 – Caçado como fera (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4077 – Piolin, o poliglota (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4103 – O neto de Lampeão (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4104 – A macumbeira (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4105 – A mansão das almas (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4114 – Dois caipiras sabidos (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4116 – Flor de maio

DDP 4117 – A noiva eterna (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4131 – Bandido galante (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4132 – O covarde (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 4144 – Carnaval na Barra Funda (Oliveira

Filho, Ocirema Barosa e Iracema Oliveira)

DDP 4150 – O golpe (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 4152 – Peguei um Ita no norte (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4153 – Uma noite de pavor (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4157 – Piolin e o Bruto (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4158 – Coroné Piolin (Abelardo Pinto

Piolin)

DDP 4159 – O monstro da casa velha (Abelardo

Pinto Piolin)

1956 DDP 4163 – Um homem irresistível (Abelardo

Pinto Piolin)

12/1 – Pertinho do céu (José Wanderley e Mário

Lago)

269

DDP 4168 – A lei da bala (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 4176 – Meu marido é da polícia (Júlio

Moreno e A. D’Ângelo)

DDP 4190 – O grande rodeio

DDP 4209 – Terra de amor (Oliveira Filho e

Ocirema Barbosa)

DDP 4222 – Madalena, a virgem apedrejada

(Olindo Dias Corleto)

DDP 4224 – Esta noite te matarei (Olindo Dias

Corleto)

DDP 4227 – A Silvana papa-tudo (Olindo Dias

Corleto)

DDP 4229 – O crediário abre as vinte (Olindo

Dias Corleto)

DDP 4234 – Eu sou Francisco e você? (Olindo

Dias Corleto)

DDP 4240 – Festa junina no arraial do Piolin

(Olindo Dias Corleto)

DDP 4247 – A sorte de São Pedro (Olindo Dias

Corleto)

DDP 4256 – Quando morre uma ilusão (Olindo

Dias Corleto e Oliveira Filho)

DDP 4283 – Vai graxa doutor (Olindo Dias

Corleto)

DDP 4309 – A casa das viúvas (Olindo Dias

Corleto)

DDP 4310 – No país do papa fila (Olindo Dias

Corleto)

DDP 4319 – Tudo pela moral (Júlio Moreno e

Adail Vianna)

DDP 4326 – Descobriram tudo (Oscar Cardona)

DDP 4339 – Côco, melancia e abacaxi (Abelardo

Pinto Piolin)

DDP 4356 – Picles sortidos (João de Sá)

DDP 4371 – A cegonha se atrasou (Franz Arnold

e Ernest Bach)

7/2 – Pra mim chega (Nair Bevedê)

8/3 – Compra-se um marido (José Wanderley)

28/3 – Mulher de verdade (Abelardo Pinto

Piolin)

13/4 – O coronel Piolin (Abelardo Pinto Piolin)

21/4 – O grande rodeio (Abelardo Pinto Piolin)

29/5 – Silvana Papa Tudo (Olindo Dias Corleto)

6/7 – De cartola e tamanco (Abelardo Pinto

Piolin)

12/7 – Canção de Bernadete (Olindo Dias

Corleto)

20/7 – A carta do judeu (Francisco M. Colazo)

27/7 – O comendador Ventura (Abelardo Pinto

Piolin)

31/7 – O crediário abre às 20h (Olindo Dias

Corleto)

15/8 – Filhos de ninguém (Eurico Silva)

22/8 – Vai graxa doutor (Olindo Dias Corleto)

31/8 – Se o Anacleto soubesse (Paulo Orlando)

13/9 – Enquanto a cidade dorme (Abelardo Pinto

Piolin e Oswaldo de Almeida)

20/9 – A pensão da dona Estela (João do Sul)

2/10 – No país dos Papafilas (Olindo Dias

Corleto)

12/10 – A mulher do Zebedeu (J. Corrêa Leite)

16/10 – Chica Boa (Paulo Magalhães)

23/10 – O amigo terremoto (Renato Alvim e

Nelson de Abreu)

30/10 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)

10/11 – Hotel dos amores (Miguel Santos)

22/11 – Coco, melancia e abacaxi (Abelardo

Pinto Piolin)

4/12/1956 – Tudo pela moral (Julio Moreno e

Adail Vianna)

11/12 – Os maridos atacam de madrugada (Paulo

Orlando)

21/12 – A pensão de Manuelita (Irineu de

Freitas)

25/12 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel

Rocha)

29/12 – A mulher do meu sócio (Armando

Braga)

1957 DDP 4345 – Perdoa-me... (Abelardo Pinto Piolin)

DDP 4517 – Jabuca essa não (Claudio Miranda e

Oscar Zocoler)

1958 DDP 4547 – É ocê Tereza?

DDP 4571 – Piolin no planeta Marte (Umberto

Pellegrini)

1959

1960 DDP 0098 – A escrava Isaura (Bernardo

Guimarães)

1961

*A lista se refere aos processos de censura protocolados no Departamento de Diversões Públicas do

Estado de São Paulo (DDP) seguindo a ordem por data de pedido de censura. Uma vez liberada a

encenação, com cortes ou não, a peça obtinha certificado com quatro anos de validade, o que explica a

ocorrência de encenação da peça bem depois de sua aprovação.

**Relação feita a partir das seções de programação dos circos publicadas nos jornais O Estado de S.

Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo. Como faltam números dos jornais nas

coleções consultadas, o roteiro de peças encenadas é parcial. A partir de 1957 as peças não pareciam mais

nominalmente nesses roteiros, por isso os anos estão sem os registros.