Entre Tatuagens e Criminosos

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    1/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 1

    Derecho y Cambio Social

    ENTRE TATUAGENS E CRIMINOSOSAnne Karine Matias1

    Anne Augusta Rocha Simes2

    Luis Carlos Cavalcante Galvo3

    Fecha de publicacin: 01/01/2014

    SUMRIO: 1 INTRODUO; 2 A TATUAGEM NAHISTRIA; 3 MARCAS CORPORAIS NAS CAMADASMARGINAIS; 3.1 As Instituies Penais e as Tatuagens; 4TATUAGENS COMO FORMA DE COMUNICAO; 4.1Significados no Mundo do Crime; 5 CONSIDERAESFINAIS.

    RESUMO: A presente pesquisa busca, por meio de umametodologia de pesquisa descritiva, dedutiva, estabelecer arelao entre tatuagens e criminalidades. Delineia um breveescoro histrico da tatuagem pelas culturas, dando nfase a

    prtica entre as camadas ditas marginais e encarceradas. Busca-se uma anlise das instituies penais e sua teorizao paracompreender a incidncia de tatuagens nestes locais de recluso.Por fim, faz-se mo de uma reflexo sobre a utilizao demarcas indelveis como forma de expresso que, quandoaplicadas ao mundo dos crceres, figuram em um cdigo oculto.O objetivo investigar a linguagem codificada neste mundo de

    criminalidade, bem como a relao entre os crimes praticados eos smbolos estampados nas peles do transgressores.

    1 Bacharel em Direito pela Universidade Catlica de Pernambuco.E-mail:[email protected]

    2 Professora da Universidade Catlica de PernambucoE-mail:[email protected]

    3 Professor da Universidade Federal da Bahia.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    2/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 2

    PALAVRA-CHAVE: Tatuagens; Marcas Corporais;Criminalidade; Significados.

    1 INTRODUO

    milenar o hbito da insero de ornamentos, colocao de piercings,escarnificaes e realizao de tatuagens. neste sentido que, conformecita Berger (2006), a descoberta da tatuagem se confunde com a prpriahistria da humanidade. No se pode apontar qual povo a descobriu

    primeiro ou qual foi a primeira pessoa tatuada. Consta como um exemplode expresso humana, apontando para um meio de representao do corpo,sendo tematizado de acordo com os referenciais de cada cultura.

    Entretanto, no toda cultura que se pode afirmar a prtica como arte,sendo marginalizada. A tal ponto que apenas aqueles mal vistos pelasociedade podem ser marcados como forma de punio ou estigmatizao.Era costume em praticamente toda Europa cravar na pele dostransgressores sua pena, como forma de marcar na eternidade estes como

    pessoas indignas (FOUCAULT, 2004). Mas, antes mesmo das ordlias epenas sangrentas da Europa medieval, os romanos j marcavam seusescravos e presos, mas jamais um cidado romano (BARBAJOSA, 2011).

    De l para c houveram mudanas, tendo em vista que nenhum serhumano, cidado de um Estado democrtico, poder ser imposto a sofrer

    com sua derme tatuada. Contudo, a prtica perpetrada e reproduzida noslocais de crcere, assim o direito adquirido de no ser humilhado comdesenhos na pele no impediu dos prprios transgressores e atuaisexcludos de prosseguir com esta.

    2 A TATUAGEM NA HISTRIA

    Alguns autores acreditam que as primeiras marcas foram executadasacidentalmente, ou seja algum com um ferimento na pele mexeu nessaferida com as mos sujas de fuligem e cincas provindas do fogo. Depoisque cicatrizou, observou-se que a marca havia permanecido em definitivo

    (MARCELINO, 2007, p. 64). A partir desta ideia, os homens primitivospassaram a fazer ferimentos no prprio corpo a fim de produzir marcaspermanentes, evoluindo ao longo do tempo para a elaborao de desenhosusando espinhos e tintas orgnicas (ARAUJO, 2005).

    Lautman (1994) relata que o mais antigo indicio de tatuagens data de 5.300a.C., encontrado nos Alpes entre a Itlia e a ustria sendo um cadvernomeado de tzi ou homem de gelo, com inscries pelo corpo. Ainda,achados com lascas de slex presas a cabos de madeira, datam de 12.000

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    3/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 3

    anos e aparentam serem ferramentas usadas para a manipulao e aplicaode tinta sob a pele com agulhas. At mesmo mmias egpcia de um

    perodo entre 4.000 e 2.000 a.C. continham traos e inscries indelveisna regio do abdome (MARCELINO, 2007).

    Saldanha (2011, p. 19) expe que h relativa escassez de relatosdetalhados do uso da tatuagem durante um longo perodo, que vai daantiguidade at o seu redescobrimento com os exploradores europeus,

    porm ainda podem ser encontrados vestgios da prtica. Desta forma,autores clssicos como Herdoto (2010) mencionam em suas obras astatuagens entre povos da antiguidade. O autor aponta que os trciosescarificavam os corpos, pois entre eles ser tatuado era um sinal de origemnobre. Descreveu tambm um povo do norte da Europa que teria existidode 7.000 a.C. a 845 d.C denominado por eles como Picti ouPictos, que

    tinham a cultura de tatuar o corpo.Os romanos por sua vez no celebravam as tatuagens, posto acreditarem na

    pureza do corpo humano. Exceto marcas para os criminosos e oscondenados, estas foram proibidas, entretanto tal postura se alterou apsuma batalha travada entre o exrcito talo e o exrcito breto que usavasuas marcas indelveis como medalhas de honra. Alguns romanoscomearam a admirar os smbolos espalhados em seus corpos de seusinimigos. Logo soldados romnicos criaram seus prprios smbolos emarcas corporais (BARBAJOSA, 2011).

    Ainda na era Crist, mais especificamente entre os anos 900 e 1350 d.C., osChiribaya, fazendeiros residentes do atual Peru marcavam seus corpos,como visto em mmias no museu do pas. H evidncia tambm noMxico, no qual Cortez descobriu que os nativos tinham conseguido recriarimagens em seus corpos. Os espanhis no tinham notcia da prtica datatuagem, j amplamente praticada na Amrica Central, e por isso diziamser aquilo obra de Satans (MARCELINO, 2007).

    Com a poca das grandes navegaes, o Capito James Cook, aocircunavegar a Polinsia, Filipinas, Indonsia e Nova Zelndia, descobriuque nativos tatuavam-se em rituais ligados a religio. Foi a partir de seusdirios de bordos que se deu a origem etimolgica da palavra tatuagem.Seu significado, porm, no certo, sendo na viso de Krakow (1994) aspalavras significam marcar o corpo. Segundo Mello (2011), o termointeiro significaria desenho na pele. Branda (2010), todavia, entende quea palavra possui os significados de desenhar, esboar, delinear e traar. Poroutro lado, h autores que relacionam o surgimento da palavra com o som

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    4/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 4

    produzido pelos instrumentos utilizados durante a aplicao da tinta sob apele (ARAUJO, 2005).

    O mesmo Capito Cook ao retornar Europa, em 1775, levou consigo umhomem polinsio chamado Omai. Junto com Omai, que tinha o corpo

    marcado, embarcaram tambm as tatuagens na Europa, virando acessriode cavalheiros da aristocracia (PUELLES, 1998). Porm, o significado dasiconografias tinha um contexto diferente para os Maoris. Segundo Caruceht(1995), estes desenhavam elaboradas tatuagens faciais, intituladas makuleque simbolizavam a pessoa e sua origem. Tanto que quando os europeus

    pediam aos nativos que assinassem documentos, estes desenhavam figurasidnticas s tatuagens j que estas significavam para os polinsios seusnomes e quem eles eram.

    De l pra c, foram necessrios vrios anos para que a primeira loja

    permanente de tatuagens fosse inaugurada em Nova Iorque paralelamentecom a inveno da mquina eltrica de tatuagem. O invento tornou o

    processo menos doloroso comparado as tcnicas artesanais anteriores, queutilizavam a presso exercida pela mo do tatuador. De tal forma, a prticaficou mais acessvel, incitando o interesse pelo extico. A tatuagem setornou, ento, atrao de circos, parques de diverses e feiras, no qual

    pessoas exibiam seus corpos completamente tatuados e nus para o pblico.No final dos anos vinte mais de trezentas pessoas totalmente marcadastrabalham em circos americanos, incluindo famlias inteiras politatuadas

    (MIFFLIN, 2013).Os anos 50 as tatuagens apareceram nos corpos no s dos marinheiros,soldados e artistas de circos, como de pin-ups e at mesmo senhoras defamlias. Os anos posteriores, tal sejam os anos 60 e 70, estas marcascorporais sofreram um novo impulso proveniente da msica, sobretudo doRocknRoll, inserindo-a no mundo da contracultura da indstria pop. Omovimentos pacifistas dos denominados hippiese a cultura doRockforamgenerosas e frteis para os que queriam marcar o corpo. Todavia, atatuagem ainda estava, de alguma forma, margem, e em certa medida

    simbolizava uma forma de protesto social (MIFFLIN, 2013).Apenas na dcada de 90, com a modernizao dos estdios, que a prticafoi encarada como um tipo de arte, se popularizando. Permeou, assim, asvrias camadas sociais, conforme aponta Vnus Brasileira Couy (2010, p.130)

    [...] [ocorreu uma] expanso da tatuagem em larga escala, comoatestam as publicaes especializadas do ramo, [...] [fazendocom que], em diversos pases, sobretudo, nos grandes centrosurbanos, os estdios de tatuagem quintuplicassem para atender

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    5/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 5

    crescente demanda, oriunda de diversas classes sociais,independentemente de sexo, cor ou profisso.

    Todavia, mesmo na atualidade, nem todo povo aprova a arte, de tal forma,apenas aqueles ditos excludos podem ser marcados. Baseado neste

    contexto de excluso e tatuados que se notou uma relao forte destesdurante toda a histria, principalmente no que concerne aos encarcerados.At mesmo em sociedades mais tolerantes no que tange a arte da tatuagem,a associao s vezes quase que inevitvel, pois a prtica de desenhos nocorpo bastante recorrente em instituies penais (MARCELINO, 2007).

    3 MARCAS CORPORAIS NAS CAMADAS MARGINAIS

    Durante os sculos, dos bretes, que pintavam o rosto para imitarinvasores, ao Imprio Romano, onde os escravos eram marcados, atatuagem assumiu vrias funes, desde propriedades mgicas at se

    relacionar com a criminalidade, marcando os marginais ou os diferentes doresto da sociedade. Um exemplo desta relao consta nos criminosos daFrana no sculo XVIII que eram queimados com ferro quente, assim comona Inglaterra no qual se cravava as iniciais BC deBad Characterou maucarter em ingls (MELLO, 2011).

    De fato, a prtica da tatuagem conheceu perodos de esquecimento eproibio, ressurgindo no sculo XX pelas camadas marginais dasociedade, carregando consigo estigmas (SALDANHA, 2011). Ademais, otermo estigma surgiu com os helenos, se referindo a sinais corporais queevidenciavam alguma coisa de extraordinrio ou mau sobre o status moraldo portador. [...] eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam queo portador era um escravo, um criminoso ou traidor uma pessoa marcada,ritualmente poluda, que devia ser evitada [...] (GOFFMAN, 1988, p. 5).

    Estudos acadmicos acerca do tema criminalidade e tatuagens foramexecutados desde o sculo XIX por Lacassagne (1881) que procurouclassificar seus desenhos de acordo com o assunto e a posio do corpo.Descreveu algumas, mais especificamente as de sentenas e frases,

    afirmando serem comuns nos condenados preposies como Nascido sobuma Estrela de Azare O passado me condena, o presente me atormente eo futuro me assusta. Eram tambm recorrentes imagens mitolgicas, e.g.,Baco, Vnus e Apollo, e retratos de Napoleo, Garibaldi, Bismarck e outrasfiguras importantes na histrica. Algumas tatuagens tinham contedo

    pornogrfico com bustos e mulheres nuas ou frases insinuantes.

    No mesmo sentido foram as pesquisas de Lombroso (2010), intitulando aprtica das tatuagens como caracterstico do delinquente. Neste sentido, eainda de acordo com as ideias do criminologista, os delinquentes padeciam

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    6/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 6

    de uma srie de estigmas degenerativos comportamentais, psicolgicos esociais, sendo uma delas as marcas corporais indelveis. Para corroborarsuas teorias o prprio estudioso italiano classificou diversos tipos decriminosos, alegando que entre estes, em grande parte, que se

    demonstram tendncias tatuagem, bem como outras tendncias negativas.Um sculo depois a tatuagem continuou fazendo sucesso entre oscriminosos, eclodindo nos anos de 1950 sob a gide da delinquncia

    juvenil. Um tatuador da poca relatou em seus dirios que sua loja, como amaioria das lojas de tatuagens da poca, era frequentada por gangues, ao

    ponto de polcia procurar pelos tatuadores para saber o paradeiro de certosfugitivos (OSRIO, 2006, p. 28). Steward (1990), tatuador famoso,afirmou tambm que ficou conhecido na penitenciria local pelo volume decondenados que havia tatuado. Alguns autores afirmam que neste

    momento, a tatuagem americana parece estar no limiar entre as gangues e acultura jovem (OSRIO, 2006).

    Mesmo com a disseminao das tatuagens e sua popularizao pelo mundo,a prtica prosseguiu pelo submundo do crime, marcando os membros deuma determinada gangue, como ocorre at hoje com a Yakuza, tradicionalorganizao criminosa existente no Japo (MARCELINO, 2007).Entretanto, mesmo sendo notvel as tatuagens de gangues, desde as obrasde Lombroso e Lacassagne possvel inferir que os criminosos tatuam-se,ordinariamente, depois que entram para o crcere, e, principalmente, dentro

    do crcere (LOMBROSO, 2010).Destarte, como visto, no decorrer da histria, as imagens cravadas na peletm sido frequentemente ligadas punio e a comportamentos marginais.Ademais, em algumas sociedades, mesmo na atualidade, os adornoscontinuam ligados a grupos sociais mal vistos de tal forma que a associaoentre tatuagens e prisioneiros imediata (BERGER, 2006; PAREDES,2003)

    3.1 As Instituies Penais e as Tatuagens

    Algumas culturas ainda consideram marcas corporais indelveis como tabu,sendo constantemente apontadas como frutos de criminalidade e decamadas baixas. Mas tal ideia no recai no mero abstrato, sem evidencias,

    pois nota-se que dentro destes espaos segregados h uma grandequantidade de peles coloridas por tcnicas de marcao indelvel. O motivo

    para a grande incidncia no ntido ou claro, mas a partir da teorizaodas instituies penais pode-se analisar o mundo iconogrfico e suasmotivaes, como visto em Michel Foucault.

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    7/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 7

    Para Foucault (2004) as instituies so mecanismos para tornar indivduosdceis, elas fabricam indivduos. Este conceito de corpos dceis est paraum corpo sob constante controle, ao qual uma coero ininterrupta impeuma codificao que esquadrinha ao mximo de tempo, espao e

    movimento. O corpo se oferece obedientemente, mostrando sinaisindelveis de danificao e privao, marcado com experincias cheias dedoro que acaba por revelar o mecanismo constitutivo da microfsica do

    poder punitivo, no qual o condenado uma codificao do menor poder.

    A pesquisa de Goffman (1988) acerca do assunto tambm bastantesignificativa, pregando o carter de fechamento ou clausura, ou seja, ocarter total tematizado pelo bloqueio com o mundo e por proibiesquanto sada do espao institucional. Esta recluso nas ditas instituiestotais ao ser imposta acaba desencadeando, durante o transcorrer do

    cotidianos dos procedimentos da instituio, o processo de mortificao doeu civil (GOFFMAN, 1988). Em resumo, instituies totais podem sercompreendidas como espaos em que as disposies psicolgicas dosindivduos internados se modificaro gradativamente [...] se operammodificaes na imagem que se faz de si mesmo [...] (FERREIRA, 2012,

    p. 78).

    Para alm da teorizao das instituies penais, Clastres Pierre (2003, p.197) acreditava na trplice aliana [...] entre a lei, a escrita e o corpo alei, sendo dura, tambm escrita, pois toda lei escrita e ditada pela

    sociedade. Prossegue afirmando que (PIERRE, 2003, p. 197), [s vezes] oprisioneiro em pessoa [...] se transforma em mquina de escrever a lei, e[...] a inscreve sobre o seu prprio corpo. Ocorre, desta forma, aatribuio ao prprio portador do estigma da responsabilidade de inscreverem seu prprio corpo e com suas prprias mos [...] as marcas de sua novacondio (DA SILVA, 1991, p. 7). Na viso de Pierre (2003), o corpoaqui designado como superfcie da escrita da lei, sendo apto para recebero texto legvel.

    Por fim, em uma viso empirista, resta-se inegvel que a vontade de

    liberdade inerente ao ser-humano, o que nos leva a ver como locais derecluso podem ser prejudiciais. Nas instituies penais, de modo geral,apesar do sistema atual fornecer diversas opo de atividades, comoescolas, trabalhos e oficinas, os presos ainda se sentem ociosos.(FERREIRA, 2012). H uma grande necessidade de ocupar o tempo comdiversos ofcios, principalmente quando o indivduo transgressor seencontra na conhecida solitria. A prtica de tatuagem, ento, constacomo um gatilho no s para expresso, mas como forma de manter amente longe da solido (PAREDES, 2003).

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    8/14

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    9/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 9

    Talhada sobre a pele, a tatuagem configura-se, na nossa apostade leitura, no como um ornamento (embora esta funo estejainegavelmente presente), mas, sim, como uma escrita, impressanum territrio de passagem, o corpo, que, semelhana dosoutdoors, placas, anncios e letreiros, entrecorta o espao

    urbano e se d a ler (COUY, 2011, p. 6)Entretanto, importante pontuar que as marcas, por si s, nada dizem, someros adornos, assim s podem ser entendidas dentro do contextosociocultural em que foram produzidas, ou seja, o sentido de cada signoser dado em funo do seu significado cultural, que pode mudar de local

    para local (BERGER, 2006).

    4.1 Significado no Mundo do Crime

    J se sabe que o homem utiliza o corpo para proceder mecanismos de

    incluso e diferenciao, fazendo do mesmo um indicador de status eproclamando atravs dele os valores constitutivos do indivduo ou dogrupo. Neste corpo, elemento comunicador, toda e qualquer sociedadeutiliza-se de formas especificas para marca-lo, contornando signos naderme seus membros (BERGER, 2006).

    Os estudos feitos em pocas passadas, assim como outros mais recentes,apontam que as imagens espalhadas pelos corpos tm, s vezes, umaestranha frequncia, tendo apresentando um cunho especial. Os corpostatuados so, ainda, frutos de uma escrita voluntria e prpria, no qual a

    pele forma um sistema de comunicao especificamente articulado aouniverso da delinquncia (DA SILVA, 2012). Demonstrando, atravs decdigo, um dos segredos da priso, que vem a ser quem o dono daquelamarca e qual a especialidade do preso no mundo do crime (PAREDES,2003, p. 4-6).

    As imagens possuem significados especficos, os quais s quem transita outransitou pelo mundo do crime poder decifrar, sendo, ento, uma forma decomunicao entre os presos os quais usam seus corpos como outdoor.Assim, contam histrias e diferenciam a faco qual cada preso

    pertencem, como tambm qual crime cometeram. Da mesma forma, podemser fruto de estigmatizao ou mesmo punio por uma falta, e.g., smbolostatuados a fora nos que praticaram crimes contra a liberdade sexual (DASILVA, 2012).

    Tatuar na priso perigoso e ilegal: so proibidas as execues destas emtodas as colnias penais o que no impede que a prtica se propague,mesmo que na clandestinidade. O silncio e a discrio so necessrios

    para que o trabalho na pele seja executado, acarretando, tambm, em uma

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    10/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 10

    certa precariedade (DA SILVA, 2012). As maquinas de tatuagem utilizadasso feitas no interior das prises, idealizadas de diversas maneiras, como a

    partir de um motor de DVD, uma caneta, um bico de isqueiro, arame decaderno e de prendedor de roupa, fita isolante so diversos os meios de

    fabricar uma mquina caseira, bastando apenas matrias-primas que ospresos solicitam de fora (PAREDES, 2003).

    , perceptvel, a partir de estudos na rea, que no mundo do crime sermarcado um ritual permanente e distintivo que possui funo primordialincluir ou excluir um determinado indivduo de um grupo, conotando quaisas especialidades do detento no mundo do crime ou at identificando suas

    preferncias sexuais (MARCELINO, 2007). Por conseguinte, longe dademocracia da tatuagem artstica, os smbolos criminais seguem umaordem rgida modificada de acordo com convenes do grupo que a utiliza.

    Prev atribuio hierrquica e revela um forte cdigo guiado no pela leiescrita, mas pela honra, sendo paralela ordenao da Lei e regendo ocdigo de conduta prprio ao universo carcerrio (FERREIRA, 2012).

    Tem, ainda, uma funo classificatria e tambm uma funo relacionada aidentidade, expressando frustaes e mandando mensagens, como umtestemunho de onde voc venho (OSRIO, 2006).

    Podem proteger ou incitar a violncia, representando pertencimento elealdade, falando pelo indivduo sem que ele diga palavra alguma. Apesarde serem s tinta na pele, dentro da cadeia so sinais, posto que as imagensso muito importantes na priso, utilizadas pelos presos para seidentificarem uns aos outros e intimar seus inimigos (DA SILVA, 1991).

    Os prprios presos se tatuam, para marcar ideais, estabelecer aque faco pertencem, declarar amores e dios, demonstrarcoragem, isto sem falar em algumas associaes como a mfia

    japonesa, que tem na tatuagem uma das principais formas deincorporao dos seus membros (BERGER, 2006, p. 77-78)

    Mas elas no se restringem a apenas smbolos de bandos, so feitas, comoj citado, para identificar o tipo de crime praticado pelo detento. Assim,

    existem grupos de desenhos no qual cada um tem um estilo e uma formaprpria de ser adquirida. Nas de gangues, e.g., no se pede uma tatuagem,mas se ganha, precisa-se, desta forma, fazer algo em troca pelo bando paramerece-la. Uma prova de lealdade, coragem e fora, se faz necessrio:

    preciso atrair a ateno do grupo para, assim, adquirir seu desenho. Assim,caso uma pessoa, no membro da gangue, ou seja, no merecedora daquelaimagem, a ostente ser obrigada a remove-la ou os prprios membros aremoveram da pele do intruso (PAREDES, 2003).

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    11/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 11

    Aquelas referentes aos delitos so feitas espontaneamente pelo portador,expondo seus trunfos criminais, ou a fora, o que ocorre recorrentementecom estupradores, manacos sexuais ou mesmo homossexuais. Soexemplos palhaos sorrindo, feitas por assassinos de policiais e sereias na

    coxa direita executadas a fora em estupradores. Algumas imagens, comotmulos e cobras, se confundem com um trao do detento, seja este bemvisto no presidio, como valentia ou no sentir remoo pelos seus atos, sejano apreciado, como traidores ou delatores (DA SILVA, 2012).

    Enfim, existe um estilo que comporta nomes ou retratos ligados ao tatuado,indicando pertencimento a algum ou apenas homenagens. No caso do

    portador ser do sexo feminino, este tipo de desenho pode se confundir comas tatuagens referentes a gangues, quando estes homenageados so chefesde gangues que mantem um relacionamento com a portadora (DA SILVA,

    1991). Para os homens, na maioria das vezes, so mera homenagens a suasesposas, filhas, me ou qualquer outra pessoa que tenha marcado sua vidade forma significativa (PAREDES, 2003).

    5 CONSIDERAES FINAIS

    De fato, como visto na histria e estudos da relao tatuagem e crimes, oscondenados possuem o costume de se tatuar nos presdios, como forma dese expressar sua frustao, sua dor, sua raiva, seus delitos e crimes pormeio de figuras que nunca mais poder apagar. Percebe-se que as marcasabarcam tanto o nvel do individual, expondo o lado mais ntimo dotatuado, no caso suas transgresses ou pessoas que marcaram suas vidas,quanto do coletivo, inserindo o portador em um determinado grupocriminal (PAREDES, 2003).

    Este fenmeno, como visto em Foucault (2004), categoriza o indivduo,marcando-o com sua prpria individualidade, ligando-o, tambm, sua

    prpria identidade, impe-lhe, por fim, uma lei de verdade, que devemosreconhecer e que os outros tm que reconhecer nele. A instituio que cercaos presos categoriza, fixa a identidade daquele indivduo, adentra na vidadestes, agindo por meio da conteno dos gestos e ordenao do corpo,intervindo at mesmo na morfologia de sua pele.

    Desta forma, a relao do indivduo transgressor e tatuagens clara, assimcomo a existncia da prtica nos presdios, mas os significados so diversose a leitura destes no to simples quanto se aparenta. Diversamente dasociedade fora do contexto criminal, no importa apenas uma imagem emsi, sendo necessrio, alm da sociedade que cria seu contexto, saber otamanho e o local onde permanece a tatuagem. Destarte, um desenho

    poder ter vrios significados, existindo, todavia, uma especificidade no

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    12/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 12

    especifico, haja vista cada pas ter seu prprio cdigo para cada imagem(DA SILVA, 1991).

    Importa apontar que nem todas as marcas nos presdios se relacionam comcrimes ou gangues. Desta forma, para se tirar qualquer concluso

    necessrio um cruzamento de dados prvio, conhecendo outros aspectos docontexto da pessoa tatuada. Da Silva (2012, p. 59) bem alerta que certasmarcas encontradas em determinados indivduos podem demonstrar umforte indico de envolvimento com a prtica de crimes, mas recomenda -seque a ao policial nestes casos seja pautada estritamente na tcnica

    policial e no cruzamento de dados [pois] nem todas as pessoas tatuadaspossuem envolvimento com crimes. Mesmo que grande parte dos presospossuam figuras na pele, no se pode inferir que todo tatuado umcriminoso ou um bandido em potencial (DA SILVA, 1991).

    Por fim, notvel que o fato das tatuagens nos presdios relevante, pois arecorrncia de seu uso para representar grupos criminosos e crimes em si clara alm de sua utilizao como estigmatizao entre os prpriosdetentos (PAREDES, 2003).

    6 REFERNCIAS

    ARAUJO, L. Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo. 1. ed.So Paulo: Cosac Naify, 2005.

    BARBAJOSA, C. F. Tattoo: pigments of imagination. NationalGeographic Magazine, dez. 2004.

    BERGER, M. Corpo e identidade feminina. Tese (Doutorado emAntropologia Social) Faculdade de Filosofia, Letras e CinciasHumanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006.

    BRANDA, N. de D. A imagtica da tatuagem como elemento geradorde roupa-adorno.200f. Dissertao (Especializao em Moda,Criatividade e Inovao)FATEC/SENAC, Rio de Janeiro, 2010.

    CARUCHET, W. Le tatouage ou le corps sans honte. 1. ed. Paris:ditions Sguier, 1995.

    COSTA, A. Tatuagens e marcas corporais: atualizaes do sagrado. 1 ed.So Paulo: Casa do Psiclogo, 2003.

    COUY, V. B. No princpio, era a tatuagem. Travessias, Paran, 2010, 9ed., p. 109-141.

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    13/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 13

    ______. Do risco na parede ao trao no corpo.Travessias, Paran, 2011, v.5., no 1, p. 219-225.

    DA SILVA, A. J. L. Tatuagem: desvendando segredos. Bahia, 2012.

    DA SILVA, M. A. M. As tatuagens e a criminalidade feminina. Cadernosde Campo, So Paulo, mar. 1991, no 1, p. 5-16.

    FERREIRA, M. S. Polissemia do conceito de instituio: dilogos entreGoffman e Foucault. ECOS, Neteri, 2012, v. 1, no 1, p. 74-86.

    FERREIRA, V. S. Marcas que demarcam corpo: tatuagem e bodypiercing em contextos juvenis. 646f. Tese (Doutorado em Sociologia) Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa, Lisboa,2006.

    FOUCAULT, M.Vigiar e punir. 29. ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2004.

    GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulao da identidadedeteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

    HERDOTO. The histories. 1. ed. Nova York: Pax Librorum, 2010.

    KRAKOW, Any. The total tattoo book. 1. ed. Nova Iorque: Time Warner.1994.

    LACASSAGNE, A. Les Tatouages: tude anthropologique et mdico-lgale. Paris: Librairie J.B. Baillire, 1881.

    LAUTMAN, V. The new tatto. 1. ed. Nova Iorque: Abberville Press,1994.

    LOMBROSO, C. O homem delinquente. 1. ed. So Paulo: cone, 2007.

    MARCELINO, F. C. A mensagem por trs da imagem: estudos datatuagem luz da anlise do discurso. 380f. Dissertao (Mestrado emLetras)Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2007.

    MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. 1 ed. So Paulo: CosacNaify, 2003.

    MELLO, M. Arte flor da pele. SuperInteressante, So Paulo, dez. 2000,no 159, p. 66-69.

    MIFFLIN, M. Bodies of subversion: a secret history of women and tattoo.3. ed. Nova Iorque: Juno Books, 2013.

    OSRIO, A. B. O gnero da tatuagem: continuidades e novos usosrelativos prtica na cidade do rio de janeiro. 300f. Tese (Doutoradoem Antropologia)UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.

  • 7/21/2019 Entre Tatuagens e Criminosos

    14/14

    www.derechoycambiosocial.com ISSN: 2224-4131 Depsito legal: 2005-5822 14

    PAREDES, Cezinando V. A influncia e o significado das tatuagens nospresos no interior das penitencirias.40f. Monografia (Ps-Graduaoem Tratamento Penal e Gesto Prisional)UFPR, Curitiba, 2003.

    PIERRE, C. A sociedade contra o estado. 4 ed. So Paulo: Cosac &

    Naify, 2003.PUELLES, V. M. Los Tatuajes. 1. ed. Valencia: Editorial La Mascara,

    1998.

    SALDANHA, L. G. (Re) significao da tatuagem atravs da moda.129f. Monografia (Bacharelado em Moda) Universidade Feevale,

    Novo Hamburgo, 2011.

    STEWARD, S. M. Bad boys and tough tattoos: a social history of thetattoo with gangs, sailors, and street-corner punks, 1950-1965. 1. ed.

    New York: Harrington Park Press, 1990.