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ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE COIMBRA MESTRADO EM GESTÃO AMBIENTAL Apontamentos de Economia Ambiental Avaliação de bens ambientais Maria Isabel Ribeiro Dinis Ano Lectivo 2009-2010

ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE COIMBRA MESTRADO EM …idinis.weebly.com/uploads/5/6/3/9/5639534/avaliao.pdf · 2019. 11. 27. · 3 2. O contexto da avaliação económica do meio ambiente

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  • ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE COIMBRA

    MESTRADO EM GESTÃO AMBIENTAL

    Apontamentos de Economia Ambiental

    Avaliação de bens ambientais

    Maria Isabel Ribeiro Dinis

    Ano Lectivo 2009-2010

  • 1

    Índice

    1. Introdução.................................................................................................................2

    2. O contexto da avaliação económica do meio ambiente ............................................3

    2.1. Valor económico total .........................................................................................3

    2.2. A análise custo-benefício ...................................................................................4

    2.2.1. Fundamentos da análise..............................................................................4

    2.2.2. Limites da análise custo-benefício ...............................................................6

    2.2.3. Taxa de desconto ........................................................................................7

    2.2.4. Métodos alternativos.................................................................................. 10

    3. Principais métodos de avaliação de custos e benefícios ambientais....................... 13

    3.1. Métodos observados/directos........................................................................... 14

    3.2. Métodos observados/indirectos ........................................................................ 14

    3.3. Métodos hipotéticos/indirectos ......................................................................... 17

    3.4. Métodos hipotéticos/directos ............................................................................ 18

    3.5. Outros métodos................................................................................................ 21

    Bibliografia citada ....................................................................................................... 23

  • 2

    1. Introdução

    A avaliação de bens ambientais tem-se expandido rapidamente nos últimos 30 anos,

    tendo como principal motivação a contabilização dos impactes ambientais nas análises

    custo-benefício. Só assim, consideram os economistas, será possível aos políticos

    decidirem se um projecto ou política é socialmente desejável. Paralelamente, a

    necessidade de compensar as vítimas de danos ambientais causados pela actividade

    económica, tem também contribuído para o crescente interesse sobre esta matéria.

    Apesar disso, a avaliação de bens ambientais está longe de ser um campo de estudo

    pacífico. Fora do campo da economia há forte resistência à atribuição de preços a

    bens ambientais e, mesmo dentro da Economia, embora se considere de uma forma

    genérica que é importante proceder a essa avaliação, a forma de o fazer é também

    motivo de controvérsia.

    Com este trabalho, pretende-se apresentar uma perspectiva dos principais aspectos

    relacionados com a avaliação do meio ambiente, usando sobretudo a óptica da

    corrente económica dominante mas chamando a atenção para visões alternativas,

    sempre que tal for considerado pertinente. A primeira parte centrar-se-á sobretudo na

    discussão da análise custo-benefício, enquanto principal via para a avaliação

    económica do meio ambiente e a segunda na caracterização genérica dos principais

    métodos de determinação do valor que lhe estão associadas. Salientam-se ainda as

    limitações que, de uma forma geral, são apontadas a esta metodologia e apresentam-

    se algumas alternativas que têm vindo a ser desenvolvidas pelos seus opositores.

  • 3

    2. O contexto da avaliação económica do meio ambiente

    2.1. Valor económico total

    Em termos de concepção, o valor económico total de um recurso ambiental consiste

    no conjunto dos valores de uso e de não uso que lhe são reconhecidos,

    correspondendo o valor de uso ao valor resultante da utilização real desse recurso e o

    valor de não uso a todo o valor que não esteja associado a qualquer tipo de utilização,

    actual ou futuro (Pearce e Moran, 1997). Relativamente aos tipos de custos que

    devem compor cada uma das categorias atrás referidas não existe consenso, pelo que

    se adoptará a classificação de Pearce e Moran (1997), por ser a mais completa e a

    que melhor descreve os diferentes valores que podem ser atribuídos aos bens

    ambientais1.

    Assim, o valor de uso pode ser dividido em valores de uso directo e indirecto e valor

    de opção. Os primeiros resultam do uso actual e efectivo do recurso, quer por via do

    consumo de bens e serviços quer pela obtenção de benefícios funcionais indirectos, e

    o segundo corresponde à disponibilidade do indivíduo em pagar para salvaguardar a

    possibilidade de uma utilização futura do bem.

    Os valores de opção têm que ter em atenção a aversão dos humanos ao risco (ou

    seja, o risco de o recurso já não estar disponível para uma eventual procura futura) e a

    assimetria entre preservação e alguns tipos de uso (preservação no presente permite

    a utilização no futuro enquanto o uso actual elimina a preservação como opção futura).

    Assim, os valores de opção deverão ter em conta a aversão ao risco e a

    irreversibilidade de algumas formas de desenvolvimento (Randall, 1988).

    Associado à ideia de valor de opção, está o conceito, usado por alguns autores, de

    valor de quasi-opção, o qual resulta do comportamento racional dos agentes face a

    uma incerteza forte, consistindo esse comportamento em aumentar a flexibilidade

    intertemporal da decisão, para que seja possível obter mais informação que sustente a

    adopção da estratégia mais adequada. Como afirma Vercelli (1994), citado por

    Faucheux e Noël (1995), sempre que existe uma incerteza associada à possibilidade

    1 Esta classificação segue de perto as que são propostas por outros autores, como é o caso de

    Randall (1987).

  • 4

    de existência de consequências irreversíveis, a preservação de um bem ambiental

    pode ser justificada pelo seu valor de quasi-opção. Isto quer dizer que, a preservação

    desse bem ambiental permite conservar a possibilidade de explorar a informação

    sobre outras alternativas possíveis. Ou seja, a escolha de preservar hoje pode dar-nos

    tempo de aprender mais para que possamos pôr em prática estratégias muito mais

    proveitosas no futuro.

    Por seu lado, os valores de não uso são normalmente divididos entre valor de legado

    e valor de existência. O valor de existência deriva simplesmente do conhecimento de

    que o bem existe, estando completamente desligado de qualquer possibilidade de uso,

    quer actual quer futura. Como afirma Randall (1988), se houver quem retire satisfação

    do facto de saber que um ecossistema existe no seu estado natural, o valor de

    existência resultante é um valor tão real como qualquer outro valor económico.

    O valor de legado representa o valor atribuído a um bem ambiental em consideração

    pelo uso que dele possam vir a fazer as gerações futuras ou do valor de existência

    que estas lhe possam vir a reconhecer.

    Em suma, o valor económico total de qualquer bem será dado pelo somatório de todos

    estes valores: valor de uso, valor de opção, valor de existência e valor de legado.

    É importante referir mais uma vez que esta classificação não é unânime. Continuam a

    existir clivagens entre escolas do pensamento económico resultantes de desacordos

    fundamentais relativamente às teorias do valor. As tensões que existem entre a

    economia ecológica e a economia ambiental e dos recursos naturais de matriz

    neoclássica são disso exemplo. As teorias do valor no seio da economia ecológica

    afastam-se da teoria neoclássica dos preços devido à perspectiva biofísica que aquela

    pretende incorporar. Em particular, uma teoria do valor que integre a energia tem sido

    frequentemente proposta como adequada à perspectiva da economia ecológica

    (Patterson, 1998: 107).

    2.2. A análise custo-benefício

    2.2.1. Fundamentos da análise

    A análise custo-benefício constitui a vertente aplicada da moderna economia do bem-

    estar e assenta em dois pressupostos fundamentais. O primeiro é o princípio da

    soberania do consumidor, o qual reconhece que o consumidor é o juiz por excelência

    daquilo que é melhor para si próprio, ou seja, das escolhas que lhe garantem mais

  • 5

    utilidade e o segundo é a ênfase colocada na eficiência e não na questão da

    distribuição.

    Os economistas argumentam que a análise custo benefício informa os políticos sobre

    se um projecto ou política é socialmente desejável. Este argumento baseia-se na

    ligação entre a análise custo benefício e a teoria económica neoclássica do bem-estar.

    No seio da economia do bem-estar, o princípio de Pareto tem sido bem aceite como

    um critério para estabelecer se determinada afectação de um recurso melhora ou piora

    o bem-estar social. O princípio de Pareto afirma que se pelo menos uma pessoa na

    sociedade se sente melhor em resultado de uma mudança e ninguém se sente pior,

    então a alteração melhora o bem-estar social.

    Contudo, muito poucos projectos/políticas não têm custos, por isso o princípio

    alternativo proposto separadamente por Kaldor e Hicks parece ser mais útil: um

    projecto melhora o bem-estar social se os ganhadores puderem compensar os

    perdedores e, mesmo assim, continuarem melhor do que estavam. Note-se que este

    critério, conhecido como critério de melhoria potencial de Pareto, implica duas coisas:

    (i) que os ganhos sejam comparáveis às perdas, ou seja, que sejam ambos expressos

    na mesma unidade; e (ii) que as perdas sejam compensáveis. Ambos os pressupostos

    causam problemas em aplicações ambientais da análise custo benefício. Contudo isto

    não implica que os perdedores sejam realmente compensados pelas perdas, apenas

    que poderiam ser.

    Este critério, embora criticado, tem tido uma forte aceitação no seio da economia

    aplicada (Mitchell e Carson, 1989, p.22). Segundo ele, um projecto que afecta o

    ambiente de forma adversa deve realizar-se se ECCB dd ≥− , em que Bd e Cd são,

    respectivamente, os benefícios e os custos não ambientais (ambos descontados) e EC

    é o custo ambiental ou externo (descontado), resultante das perdas de utilidade

    sofridas pelos indivíduos e que podem ser expressas em termos monetários.

    Um valor líquido actualizado positivo é assumido como sendo equivalente à satisfação

    do critério de Kaldor-Hicks. Assume-se ainda que os ganhos e as perdas de todos os

    indivíduos têm o mesmo peso na função de bem-estar social e que há a possibilidade

    de se transferirem ganhos e perdas através do tempo ou, por outras palavras, que os

    perdedores das gerações seguintes podem ser compensados pelos ganhadores das

    gerações anteriores. A possibilidade de se substituírem alterações de utilidade ao

    longo o tempo, sob a forma de desconto, é um aspecto chave da análise custo

    benefício e, alguns dirão, a sua fraqueza chave (Hanley, 1999: 825).

  • 6

    2.2.2. Limites da análise custo-benefício

    A aplicação da análise custo-benefício à gestão ambiental depara com alguns

    problemas que a economia standard tem tentado resolver através do desenvolvimento

    de métodos apropriados de determinação de custos e benefícios ambientais. De entre

    esses problemas, ligados sobretudo à incerteza, podem-se destacar (Hanley, 1999:

    828 e Lumley, 1997:72): (i) como atribuir um valor monetário a recursos ambientais,

    tais como a vida selvagem ou a água potável; (ii) como lidar com alterações

    irreversíveis na qualidade ambiental; (iii) como incorporar a complexidade dos

    ecossistemas; e (iv) que taxa de desconto escolher.

    Além disso a preocupação com a questão da eficiência, tão cara à análise custo-

    benefício, tem vindo a perder algum terreno político face à questão da distribuição do

    rendimento e da equidade, pondo em causa os pressupostos em que aquela se

    baseia.

    No entanto, as críticas mais fundamentais a esta metodologia surgem fora das

    principais correntes económicas. Blamey e Common (1999: 810-811) consideram que,

    se for assumido que os indivíduos têm realmente preferências em relação a bens

    ordinários e atributos ambientais, persistem duas classes de objecções de natureza

    ética a este procedimento. A primeira, rejeita a soberania do consumidor,

    argumentando que as preferências individuais são um guia pobre para os interesses

    humanos individuais. Seguindo Penz (1986), os autores distinguem quatro

    argumentos: i) os indivíduos podem não estar adequadamente informados acerca das

    consequências que cada alternativa tem para eles próprios; ii) os indivíduos podem

    não ser suficientemente deliberativos a avaliar as consequências das diferentes

    alternativas; iii) os indivíduos podem ter pouco auto-conhecimento, no sentido de que

    não conseguem relacionar as consequências de cada alternativa com as suas

    preferências; iv) as preferências dos indivíduos podem não reflectir os seus

    verdadeiros interesses em resultado dos processos de socialização e da publicidade.

    Uma segunda classe de argumentos é que as preocupações éticas não se devem

    restringir aos humanos. Os animais e as plantas (e nalgumas versões, entidades não

    vivas) devem ter um estatuto ético. Booth (1994) argumenta que a análise custo-

    benefício não pode ser legitimamente aplicada quando entidades naturais não-

    humanas são tidas como moralmente relevantes, e que o princípio ético correcto para

    a tomada de decisão numa perspectiva social é que: a destruição do ambiente natural

    não deve ser levada a cabo a não ser que seja absolutamente necessário para manter

  • 7

    o rendimento real de todos os seres humanos a um nível compatível com uma vida

    humana decente.

    2.2.3. Taxa de desconto

    Dada a natureza de longo prazo de muitos custos e benefícios ambientais (tais como

    os custos do aquecimento global, os benefícios da instalação de florestas, ou a perda

    irreversível de espécies), o tempo desempenha um papel primordial na análise custo-

    benefício de projectos com impactes ambientais. Para incorporar a questão do tempo,

    é prática comum em economia determinar o valor presente dos ganhos e perdas

    futuros, através da sua actualização. Só assim, se podem comparar custos e

    benefícios que ocorrem em diferentes momentos do tempo.

    Os indivíduos aplicam em muitas situações procedimentos intuitivos de desconto que

    têm implícitas as suas taxas de desconto, as quais são, no entanto, muito difíceis de

    identificar. A teoria económica standard é normalmente interpretada como sustentando

    que os juros pagos pelos empréstimos contraídos pelos indivíduos podem ser usados

    como uma sombra das suas preferências temporais e que os indivíduos têm uma

    única e invariável taxa de desconto em cada momento.

    O procedimento de desconto baseia-se em dois pressupostos distintos que,

    cumulativamente, levam à existência de taxas de desconto positivas. Por um lado,

    admite-se que, por razões diversas, os agentes económicos preferem obter os seus

    benefícios no presente e não mais tarde. De entre elas, Pearce e Turner (1990)

    destacam a impaciência dos agentes e o previsível decréscimo da utilidade marginal

    do consumo, como resultado do esperado enriquecimento das sociedades ao longo do

    tempo. Faucheux e Noël (1995) acrescentam ainda a incerteza a respeito do futuro e o

    risco de morrer num horizonte temporal mais ou menos próximo.

    Por outro lado, os capitais quando investidos, geram rendimentos no futuro que tornam

    possível a obtenção de níveis de consumo superiores aos que permitiriam se fossem

    consumidos no presente. A taxa de desconto representa, neste caso, o custo de

    oportunidade do capital.

    À partida, tendo em conta que os custos e os benefícios das decisões em matéria

    ambiental se podem fazer sentir por períodos longos e mesmo atravessar diferentes

    gerações, a actualização pareceria uma técnica adequada à homogeneização do

    cálculo económico. No entanto, a utilização da taxa de desconto em matéria

  • 8

    ambiental, especialmente de taxas de desconto elevadas, tem levantado grande

    controvérsia

    Para começar, Pearce e Turner (1990) põem em causa o pressuposto da impaciência

    dos agentes como forma de justificar a actualização, argumentando que esta pode

    levar a decisões que não maximizam o bem-estar no longo prazo. Em relação à

    utilidade marginal do consumo, não é claro para os autores que a sua tendência seja

    de decréscimo, já que subsistem questões teóricas por resolver em torno da

    comparação de utilidades ao longo do tempo e que, por outro lado, é discutível que o

    nível de consumo continue a aumentar indefinidamente, uma vez que a utilização de

    taxas de desconto elevadas pode levar à degradação dos recursos naturais e,

    portanto, a uma diminuição no consumo per capita.

    Contudo, as objecções mais importantes prendem-se com o efeito discriminatório

    deste procedimento sobre as gerações futuras, uma vez que desencoraja a adopção

    de políticas de protecção do ambiente cujos efeitos só se façam sentir num futuro

    longínquo, incentiva a sobre-exploração dos recursos naturais e, finalmente,

    desvaloriza os prejuízos futuros sobre o ambiente e as despesas que tenham que vir a

    ser feitas na sua recuperação (Pearce e Turner, 1990; Faucheux e Noël, 1995).

    Este aspecto é ainda mais relevante quando se trata de perdas irreversíveis como é o

    caso da extinção de espécies ou de ecossistemas. Por exemplo, Randall (1988)

    considera que a actualização, embora seja razoável quando se analisam

    investimentos alternativos cuja duração não ultrapassa mais de uma geração, é

    inaceitável no caso da biodiversidade, porque permite que a sua destruição a longo

    prazo seja compensada com benefícios presentes relativamente triviais.

    Lumley (1997: 73) defende mesmo a adopção de uma perspectiva diferente da

    actualização, que permita a introdução de considerações éticas, para ajudar a

    assegurar que as consequências futuras das actividades presentes sejam melhor

    inseridas nas grelhas de decisão. Acrescenta ainda que, se os governos actuam

    realmente para o bem de todos os indivíduos na sociedade quanto tomam decisões

    sobre os recursos ambientais, podem decidir também na base da ética e não apenas

    das finanças Lumley (1997, 80).

    Hanley (1999) é de opinião que a taxa de desconto social para efeitos ambientais pode

    ser mais baixa do que as taxas privadas devido ao peso que os indivíduos dão à

    cidadania e que lhes motiva preocupações a respeito do ambiente. Os indivíduos

  • 9

    podem ter taxas de preferência mais baixas no seu papel de cidadãos quando

    comparadas com o seu papel como consumidores.

    No entanto, a adopção de uma taxa de desconto inferior à taxa do mercado (ou igual a

    zero, como sustentam alguns ambientalistas), levanta também um conjunto de

    questões. A primeira é que, muitas vezes, quando se fala em diminuição da taxa de

    desconto para bens ambientais, está-se a assumir que ela se manteria elevada para

    os bens de consumo. Para Pearce e Turner (1990) não faz sentido utilizar diferentes

    taxas de desconto em diferentes tipos de projectos, uma vez que o custo de

    oportunidade do capital é o mesmo para toda a economia. Por outro lado, argumentam

    que não se observa uma relação unívoca entre a taxa de desconto e a degradação

    ambiental. Admitindo uma taxa de desconto igual para qualquer tipo de projecto, ligado

    ou não ao ambiente, se o seu valor for elevado, verificar-se-á um abrandamento no

    investimento e, em princípio, a diminuição da procura de recursos naturais, bem como

    dos impactos ambientais negativos causados por alguns tipos de projectos que, com

    taxas mais baixas, se realizariam.

    No caso particular da biodiversidade também se pode argumentar que, a existência de

    uma taxa de desconto elevada, trava a utilização de terras para fins produtivos,

    promovendo assim a conservação da biodiversidade. Rowthorn e Brown (1999)

    justificam mesmo a existência de taxas de desconto como uma forma de preservar o

    ambiente, assinalando que essas taxas levam a um abaixamento da trajectória de

    crescimento do produto e, portanto, a uma redução na procura de terras.

    Como afirmam Facheux e Noël (1995: 259) “o impacto da taxa de actualização sobre o

    meio ambiente é, portanto, pelo menos ambígua”, podendo aplicar-se esta mesma

    ideia à conservação da biodiversidade.

    Como alternativa à utilização de uma taxa de desconto, Pearce e Turner (1990)

    propõem a ideia de exigência de sustentabilidade, segundo a qual todos os danos

    causados ao ambiente como resultado de um conjunto de projectos, teriam que ser

    compensados pela execução de outros projectos, dispensados de satisfazer quaisquer

    critérios de rendibilidade do tipo custos-benefícios, que, deliberadamente, criassem e

    aumentassem o stock de capital natural. Se bem que esta metodologia possa

    compensar inúmeros danos ambientais causados pelo crescimento económico, como

    é o caso das emissões de dióxido de carbono, sua eficácia relativamente à

    preservação da biodiversidade não é clara, na medida em que dificilmente se poderá

    assegurar a reprodução de um ecossistema noutro local. Mesmo ao nível das

  • 10

    espécies e variedades, observa-se frequentemente que a sobrevivência de algumas

    plantas e animais só é possível em condições muito particulares que não são

    facilmente recriadas.

    2.2.4. Métodos alternativos

    A principal metodologia de avaliação das decisões de política ambiental é a análise

    custo-benefício. No entanto, os conceitos de valor actualizado e valor esperado,

    derivados da economia dominante, provaram ser inadequados ao tratamento de

    questões que, tal como é frequente no caso do ambiente, envolvem horizontes

    temporais muito longos, incerteza e irreversibilidade. Para responder a esta situação,

    nos anos mais recentes, os economistas têm sugerido diversas abordagens

    alternativas.

    Para começar, dentro grelha tradicional da análise custo-benefício, têm sido

    introduzidas algumas modificações de forma a contemplar benefícios e custos

    associados a bens não transaccionáveis. A avaliação dos bens ambientais tem vindo a

    incorporar cada vez com mais frequência o conceito de valor económico total, o qual

    integra não só o valor de uso mas também o valor de existência desses bens. No

    entanto, subsiste o problema de algumas componentes do valor de uso, tais como os

    valores de uso futuro, de opção e de quasi-opção, assim como o valor de existência,

    serem de difícil determinação, pelo que o valor económico total continua, mesmo

    assim, a ser frequentemente subestimado.

    Se existir uma grande incerteza relativamente aos reais custos sociais da degradação

    ambiental e se o preço a pagar por escolhas erradas for potencialmente muito alto, o

    que pode acontecer quando existe irreversibilidade, a teoria económica convencional

    aconselha a adopção de estratégias de aversão ao risco. Entre estas estratégias

    destaca-se o Standard Mínimo de Segurança e o Princípio da Precaução. Em ambos

    os casos parte-se do pressuposto que é preferível conservar a não ser que os custos

    associados a essa conservação sejam socialmente muito elevados, mesmo que os

    riscos envolvidos não sejam conhecidos.

    Por outro lado, como afirmam Janssen e Munda (1999), os efeitos negativos do

    crescimento económico e a emergência das questões da equidade revelaram as

    limitações da análise custo-benefício enquanto instrumento de decisão entre diferentes

    objectivos de política. Em alternativa, os autores propõem métodos de análise multi-

    critério.

  • 11

    a) Standard Mínimo de Segurança

    O Standard Mínimo de Segurança é definido por Randall (1994), no contexto da

    extinção de espécies, como a área mínima que deve ser preservada de modo a

    garantir a sobrevivência de espécies, subespécies e ecossistemas únicos, desde que

    os custos daí resultantes, estimados com base no valor actualizado das oportunidades

    económicas perdidas, não sejam intoleravelmente elevados. Aplica-se sobretudo a

    situações de incerteza radical, ou seja, quando não se conhecem as consequências

    de todas as opções e, muito menos, as suas probabilidades de ocorrência.

    A extinção de uma espécie envolve uma redução irreversível no stock de recursos

    potencialmente úteis à humanidade. Num estado de incerteza radical não se conhece

    o valor que tais recursos podem vir a ter no futuro porque se ignoram quais virão a ser

    as preferências e as necessidades dos indivíduos, bem como a tecnologia então

    existente e em que extensão esses recursos poderão vir a satisfazer essas

    necessidades e preferências. A extinção de qualquer espécie pode, portanto, envolver

    custos muito elevados para a humanidade, mesmo quando descontados para o seu

    valor actual.

    Como afirma Randall (1987), o Standard Mínimo de Segurança é uma metodologia

    claramente incompleta mas é útil no sentido em que chama a atenção para as

    incertezas e irreversibilidades das mudanças ambientais e para a necessidade de usar

    estratégias de decisão baseadas na aversão ao risco quando se consideram este tipo

    de alterações. A sua aplicação na decisão, levanta a questão de se definir o que são

    custos intoleravelmente elevados e quais os recursos que são suficientemente

    importantes para merecerem a aplicação do critério.

    b) O Princípio da Precaução

    O Princípio da Precaução, aplicado desde 1990 na concepção de políticas ambientais,

    tal como Pearce (1998) o apresenta, pode corresponder à ideia de Standard Mínimo

    de Segurança mas pode também tomar outras formas. No seu sentido mais estrito

    sugere que não deve ser desenvolvida qualquer acção se houver alguma

    possibilidade, por mais remota que seja, de que possam vir a ocorrer danos

    ambientais significativos. Tomado neste sentido, o princípio da precaução pode ser

    visto como uma abordagem ao problema “zero-infinito” no qual a probabilidade de

    dano é muito baixa ou desconhecida mas as consequências são potencialmente muito

    graves. A segunda interpretação assenta na ideia de que o ambiente não deve ser

    danificado a não ser que os custos de oportunidade de tal decisão sejam, de alguma

  • 12

    forma, muito elevados. Isto significa que nenhuma degradação do ambiente deve ser

    levada a cabo a não ser que os benefícios associados a essa deterioração

    ultrapassem largamente os seus custos.

    c) Análise multi-critério

    Alguns comentadores advogam o uso de análises multi-critério (Janssen e Munda,

    1999) para a decisão de projectos com impactes ambientais, por ser uma metodologia

    mais flexível do que a análise custo-benefício e por ter simultaneamente em

    consideração vários critérios conflituais. Esta metodologia baseia-se na construção de

    uma matriz de avaliação onde se consideram, num eixo, os diversos critérios de

    avaliação e, no outro, as diferentes alternativas de desenvolvimento. Assim, cada

    elemento da matriz representa a avaliação de uma dada alternativa, usando

    determinado critério. A decisão pode depois ser tomada recorrendo a várias técnicas

    qualitativas ou quantitativas. A mais frequente é a comparação da média ou da soma

    ponderada, pelo peso atribuído a cada um dos critérios, das diversas opções.

    A análise multi-critério adapta-se melhor ao tratamento das questões ambientais, uma

    vez que as decisões tomadas neste domínio envolvem normalmente grupos em

    conflito, objectivos concorrentes e diferentes tipos de informação. No entanto, tal como

    a análise custo-benefício, continua a exigir, como imput, os pesos dos vários impactes

    originados, os quais terão que ser de alguma forma avaliados.

  • 13

    3. Principais métodos de avaliação de custos e benefícios ambientais

    Os métodos de avaliação económica do ambiente têm sido genericamente

    classificados em métodos directos e métodos indirectos. Pearce e Moran (1997)

    incluem no primeiro grupo os métodos que utilizam técnicas experimentais para

    identificar as preferências dos indivíduos e, no segundo, aqueles métodos que, para o

    mesmo fim, recorrem à observação de mercados reais, com os quais o bem ambiental

    está de alguma forma relacionado. A tendência actual é para se usar como critério de

    classificação a forma como as preferências dos indivíduos se manifestam,

    considerando-se dois grupos de métodos: os que usam preferências declaradas e os

    que usam preferências reveladas.

    Em 1989 Mitchell e Carson, propuseram um sistema de classificação baseado na

    conjunção destes dois critérios. Agruparam os métodos de avaliação dos bens

    públicos em quatro categorias, dependendo da forma como as preferências dos

    indivíduos são reveladas (em mercados observados ou em mercados hipotéticos) e do

    tipo de ligação entre o mercado e o bem em avaliação (directa e indirecta) (Quadro I).

    Os métodos mais usados na avaliação económica de bens ambientais são os métodos

    observados/indirectos, particularmente o custo de viagem e os preços hedónicos e os

    hipotéticos/directos, de entre os quais se destaca a avaliação contingente. Apresenta-

    se de seguida uma descrição genérica de cada um dos quatro grupos de métodos,

    Quadro I - Métodos comportamentais de avaliação de bens públicos

    DIRECTO INDIRECTO

    MERCADOS

    OBSERVADOS

    OBSERVADOS/DIRECTOS

    Referendo

    Mercados simulados

    Mercados privados paralelos

    OBSERVADOS/INDIRECTOS

    Função de produção familiar (ex. custo de viagem)

    Preços hedónicos

    Acções de burocratas e políticos

    MERCADOS

    HIPOTÉTICOS

    HIPOTÉTICOS/DIRECTOS

    Avaliação contingente

    Jogos de afectação com reembolso

    Questionários do tipo gastar mais - o mesmo - menos

    HIPOTÉTICOS/INDIRECTOS

    Ordenação contingente

    Disposição em (comportamento)

    Jogos de afectação

    Técnicas de avaliação prioritária

    Análise conjunta

    Mapas de curvas de indiferença

    Adaptado de Mitchell e Carson (1989: 75)

  • 14

    seguindo de perto a exposição apresentada por Mitchell e Carson (1989),

    complementada com contribuições de outros autores aos quais oportunamente se fará

    referência.

    3.1. Métodos observados/directos

    Neste grupo de métodos as preferências são reveladas em mercados observáveis e

    as medidas dos benefícios estão directamente ligadas com essas preferências.

    Embora estas sejam as condições óptimas para a avaliação de bens, raramente se

    concretizam no caso de bens públicos ou quase privados. O primeiro método deste

    grupo, o referendo, constitui uma abordagem à avaliação de benefícios com algumas

    propriedades muito desejáveis. Num referendo os votantes indicam se estão ou não

    dispostos a suportar um programa para aumentar a oferta de um determinado bem

    público. Assumindo que os votantes estão bem informados, a decisão de voto é

    baseada na comparação entre a utilidade marginal do programa e a utilidade marginal

    do montante que perderão se o programa for avante.

    Os mercados simulados são mercados experimentais, montados pelos investigadores,

    nos quais há realmente compra e venda de bens em condições controladas. Esta

    metodologia tem uma aplicabilidade limitada na avaliação de benefícios, na medida

    em que se restringe a bens quase privados e é muito cara e difícil de conduzir. No

    entanto, fornece um critério útil para testar a validade dos valores obtidos através da

    avaliação contingente em mercados hipotéticos do mesmo bem.

    A metodologia dos mercados privados paralelos, parte da ideia de que é possível

    inferir o valor de um bem público a partir da observação de um mercado paralelo

    adequado. Tem tido uma razoável aplicação, por exemplo, na avaliação de

    oportunidades de pesca.

    3.2. Métodos observados/indirectos

    À partida, tendo em conta que a aplicação dos métodos anteriores a bens ambientais

    raramente é possível, os métodos observados/ indirectos são os mais atractivos para

    os economistas porque são baseados, embora indirectamente, em efectivos

    comportamentos de mercado. São tipicamente aplicados em duas fases sucessivas.

    Começa-se por recolher informação relativa ao comportamento do consumidor em

    mercados de alguma forma relacionados com o bem ambiental e a seguir, com base

    nessa informação, infere-se o valor deste último. Como afirmam Mitchell e Carson

    (1989: 78), a função de produção familiar, criada por Becker (1965) e Lancaster

  • 15

    (1966), constitui a base de diversos métodos observados/ indirectos. Uma das suas

    variantes mais conhecidas, o método do custo de viagem, tem sido extensamente

    utilizada para avaliar benefícios ligados ao lazer. Para estimar o modelo mais simples

    do custo de viagem, desenham-se círculos concêntricos de diferentes raios em torno

    de um local de interesse, criando assim zonas a diferentes distâncias, e calcula-se o

    número médio de visitas efectuadas ao local por residentes de cada uma dessas

    zonas. A informação é obtida através da aplicação de questionários e pode ser usada

    para traçar uma curva da procura do lugar em função da distância.

    Se for atribuído um custo de deslocação a cada quilómetro de viagem o cálculo do

    excedente do consumidor pode ser feito, para cada zona, através da medição da área

    abaixo da curva da procura e acima do custo de viagem respectivo. De entre estes

    custos considera-se o custo da viagem propriamente dito, o custo de eventuais tarifas

    para usufruir do lugar e, ainda, o custo do tempo gasto na viagem e na visita, medidos

    através do seu custo de oportunidade. Para fazer esta análise, os indivíduos ou

    famílias têm que ser agrupadas de acordo com características como o rendimento, as

    preferências para o lazer e a facilidade de acesso a outras estruturas idênticas.

    Somando o excedente do consumidor para as diferentes categorias consideradas, é

    possível obter o benefício total gerado pelo lugar.

    Dado o crescimento de mercados complementares, como o turismo de aventura e a

    visita a locais exóticos, poderá haver importantes oportunidades para a aplicação

    destes métodos na determinação do valor de bens ambientais. No entanto, valores de

    não uso, tal como o valor de existência, não são captados por estas técnicas

    centradas no mercado que, assim, subestimam o valor económico total dos bens

    ambientais.

    O método apresenta ainda outras limitações. Para começar, geralmente ignora a

    possibilidade de os consumidores poderem substituir um lugar de interesse por outro.

    Além disso, não é usualmente possível incorporar explicitamente no modelo a

    qualidade ambiental. Um terceiro problema é a questão do tempo uma vez que é difícil

    decidir quais os elementos do tempo a serem considerados como custos da actividade

    de lazer e quais os valores a atribuir a esses custos. Uma descrição detalhada deste

    método pode ser encontrada, por exemplo, em Bockstael (1995).

    Um outro método deste grupo, frequentemente usado, é o preço hedónico. As técnicas

    de preço hedónico podem ser aplicadas em qualquer situação em que o preço de um

    bem ou factor de produção seja influenciado por factores ambientais. É feita uma

  • 16

    tentativa para calcular um preço implícito para os atributos ambientais, examinando os

    mercados reais nos quais aquelas características são efectivamente negociadas. Um

    dos mercados mais utilizado tem sido o mercado imobiliário, assumindo-se que as

    diferenças no preço das propriedades resulta, em certa medida, das características

    ambientais do espaço em que se localizam. Como afirma Palmquist (1999: 765), ao

    comprar ou alugar uma casa, o consumidor considera características tais como a área,

    o número de divisões, mas também atributos ambientais tais como a qualidade do ar

    ou o ruído. Através da utilização de modelos hedónicos é possível, por exemplo,

    extrair informações sobre o valor de características ambientais a partir do mercado da

    habitação

    Assim, através do uso de técnicas estatísticas adequadas, esta abordagem procura

    identificar quanto da diferença de preço entre duas propriedades resulta de uma

    determinada diferença ambiental e, de seguida, inferir quanto é que as pessoas estão

    dispostas a pagar por uma melhoria na qualidade ambiental e avaliar socialmente tal

    melhoria. Na sua forma mais simples, o modelo hedónico procura explicar o preço pelo

    qual um bem diferenciado é vendido em função da quantidade dos atributos que

    contém.

    Seja Pi o preço de um bem i com um conjunto de características Qj. Então, a função de

    preços hedónicos pode ser escrita como:

    Pi=P(Q1......Qj......Qn).

    O modelo teórico não diz nada acerca da forma funcional da equação dos preços,

    excepto que é monótona crescente nas características desejáveis. A definição da

    forma funcional é, por isso, uma questão estritamente empírica. A equação hedónica

    resulta da interacção estabelecida no mercado entre os consumidores e as empresas

    ou indivíduos que fornecem os bens. Os consumidores retiram utilidade das

    características do produto diferenciado e de outros bens. Por esta razão, estão

    dispostos a oferecer diferentes quantias para obterem produtos com diferentes

    características. O valor que oferecem também depende do seu nível de rendimento e

    do nível de utilidade. O excedente do consumidor é então calculado usando esta

    função da procura. Os fundamentos teóricos do método podem ser encontrados em

    Freeman (1995).

    A ligação entre bens transaccionáveis e bens ambientais nos modelos hedónicos,

    constitui, ao mesmo tempo, a sua força e a sua fraqueza. É a sua força porque faz uso

    de preços de mercado e porque os bens ambientais são realmente transaccionados

  • 17

    como parte de um produto diferenciado. Mas, por outro lado, os preços hedónicos só

    podem avaliar bens ambientais que estejam associados a bens transaccionados e,

    mesmo assim, apenas alguns aspectos dos bens ambientais são considerados. Tal

    como no método anterior, os valores de não uso não são contemplados.

    Outras limitações podem ainda ser atribuídas a esta metodologia. Entre outras, exige

    que todos os atributos que condicionam um determinado mercado imobiliário sejam

    conhecidos e que estejam disponíveis os dados necessários a uma estimação fiável,

    os que nem sempre acontece. Uma outra questão prende-se com o desconhecimento

    das formas funcionais das equações de preços hedónicos subjacentes e, portanto,

    com possibilidades de optar por formulações bastantes diversas com implicações

    muito diferentes. Por outro lado, o método pressupõe que os indivíduos conheçam

    realmente as diferenças no nível da característica a ser avaliado, o que

    frequentemente não se verifica.

    O último método deste grupo diz respeito às acções dos políticos que tomam decisões

    relativas aos bens públicos. O fundamento deste método é que os representantes

    eleitos maximizam as suas possibilidades de reeleição identificando e respeitando as

    preferências do eleitorado. No entanto, a elevada probabilidade de que a maioria dos

    representantes políticos tenham múltiplos objectivos quando apoiam uma determinada

    medida, torna frágil qualquer estimação por esta via da disposição em pagar do seu

    eleitorado por um determinado bem público.

    3.3. Métodos hipotéticos/indirectos

    Neste grupo de métodos é pedido às pessoas que respondam a mercados hipotéticos

    mas as suas respostas só indirectamente estão relacionadas com a avaliação do bem

    em estudo. O método da ordenação contingente, talvez o mais comum deste grupo,

    pede aos inquiridos que ordenem por ordem de preferência um conjunto de cartões

    nos quais estão inscritos diferentes resultados, que correspondem a diferentes

    combinações de bens e retribuições. Não se pergunta aos inquiridos quanto estariam

    dispostos a perder para terem acesso a um bem. É-lhes pedido apenas que ordenem

    as suas preferências relativamente a um conjunto de escolhas alternativas. Os dados

    ordenados resultantes são usados na estimação de uma função de utilidade indirecta

    para diferentes níveis de alteração na quantidade disponível do bem.

    Uma vantagem desta metodologia, face à avaliação contingente, é que permite obter

    respostas mais precisas porque a tarefa de ordenar um pequeno conjunto de cartões é

  • 18

    menos exigente do que a de responder à questão de quanto um indivíduo estaria

    disposto a pagar por uma dada alteração ambiental. Em contrapartida, para se obter a

    mesma precisão na estimação, a ordenação contingente exige muito mais

    observações e a utilização de técnicas estatísticas menos directas e mais sofisticadas.

    Outra desvantagem é que o modelo comportamental subjacente ao método e as suas

    propriedades teóricas são ainda mal compreendidas.

    Os jogos de afectação e as técnicas de avaliação prioritária são muito semelhantes.

    Em ambos, é pedido aos inquiridos que distribuam um dado orçamento por diferentes

    afectações possíveis. Um dos problemas metodológicos destas abordagens é a

    dificuldade em descrever detalhadamente todas as afectações possíveis, de forma a

    permitir que a alteração numa amenidade seja correctamente avaliada. Além disso

    não pede aos inquiridos que digam qual a sua disposição para abdicar de uma

    determinada quantia para ter acesso à amenidade em questão, já que o facto de

    alguém atribuir uma parte de um rendimento fixo a uma categoria de bens não

    significa forçosamente que esteja disposto a pagar esse montante para dela usufruir.

    3.4. Métodos hipotéticos/directos

    Os métodos hipotéticos/directos, nos quais se inclui a avaliação contingente, assentam

    no pressuposto de que as respostas dos indivíduos a mercados hipotéticos são

    perfeitamente comparáveis às que se observam em mercados reais. Se este

    pressuposto estiver garantido, fica disponível um conjunto de métodos únicos na sua

    simplicidade, na justificação teórica e na capacidade de avaliar todas as categorias de

    benefícios.

    O método hipotético/directo por excelência é a avaliação contingente, na qual grupos

    de indivíduos previamente seleccionados são questionados directamente, sendo-lhes

    solicitado que atribuam um valor a uma determinada característica ou alteração

    ambiental. Os inquiridos são postos perante uma situação hipotética que têm de

    avaliar, pressupondo-se que agem de uma forma idêntica à que adoptariam num

    mercado real. São-lhes colocadas questões com o objectivo de se determinar em

    quanto avaliariam um bem ou serviço, se confrontados com a oportunidade de deles

    usufruírem em determinadas condições. Basicamente, o que se pretende é saber

    quanto é que eles estariam dispostas a pagar por um dado benefício ( WTP) ou quanto

    estariam dispostos a aceitar como compensação de um custo (WTA).

  • 19

    Durante os anos oitenta o método da avaliação contingente foi utilizado em inúmeros

    estudos pelo mundo inteiro, alguns deles apoiados pelo Banco Mundial. Na década de

    noventa cobriu-se de controvérsia como resultado do acidente do petroleiro Exxon

    Valdez e do processo litigioso que se lhe seguiu, o qual envolveu diversos

    economistas famosos. Na sequência deste debate, foi criado um painel especial, o

    painel NOAA (Arrow e outros, 1993), constituído por alguns eminentes economistas,

    tais como os laureados pelo Prémio Nobel Robert Solow e Kenneth Arrow, que se

    debruçou sobre a validade do método de avaliação contingente quando aplicado a

    bens ambientais. No seu relatório final, o painel mostrou-se bastante favorável ao uso

    do método como ponto de partida em processos judiciais de avaliação de impactes

    ambientais, embora tenha apresentado um conjunto vasto de recomendações para a

    sua correcta utilização.

    O nome de método de avaliação contingente resulta da ideia de que é pedido aos

    indivíduos para avaliarem uma alteração eventual ou contingente num ou em vários

    estados da natureza. O método assenta no princípio de que a avaliação dos benefícios

    deve ter como base as preferências dos indivíduos, as quais se revelam através da

    disposição em pagar. O preço de mercado pode não ser um bom indicador desta

    disposição, mesmo no caso em que os bens ambientais são transaccionados no

    mercado, porque os preços aí formados podem não representar o benefício gerado

    para os indivíduos e para a sociedade.

    Se um indivíduo estiver disposto a pagar mais por um bem do que o seu preço de

    mercado, o benefício que obtém é superior ao que é reflectido por esse preço. Esta

    situação é ilustrada graficamente na Fig. 1. O preço de mercado de equilíbrio é dado

    por p*, ao qual corresponde uma quantidade transaccionada q*. O preço p* é pago por

    todos os indivíduos que adquirem o bem neste mercado mas haveria indivíduos

    dispostos a pagar preços mais elevados, até ao montante pa. Assim, o valor total do

    benefício dos consumidores corresponde à área do trapézio [0paAq*], a qual é dada

    pela soma da despesa total nesse bem [0p*Aq*] com o excedente do consumidor

    [p*paA].

  • 20

    Quando se pretende avaliar a disposição em pagar, o que se procura é determinar a

    área abaixo da curva da procura.

    Era geralmente aceite que, para uma dada alteração ambiental, deveria fazer pouca

    diferença para a resultante avaliação monetária, se os indivíduos eram inquiridos

    sobre a sua WTP ou a sua WTA, se eles se comportassem de acordo com funções de

    utilidade bem comportadas. Ao longo do tempo, os estudos de avaliação contingente

    revelaram grandes diferenças de avaliação, conforme se recorria a um ou outro

    indicador. Fora da teoria standard, uma explicação para essas diferenças pode ser

    encontrada nas diferenças de atitudes éticas. Parece que a maioria dos utilizadores da

    avaliação contingente, consideram actualmente que, quando um projecto que danifica

    o ambiente está envolvido, a melhor maneira de proceder é indagar da WTP e tratá-la

    como o limite inferior do valor real (Blamey e Common, 1999: 818-819).

    O rigor da avaliação contingente continua a ser alvo de debate. Outros métodos de

    avaliação, incluindo a avaliação de mercado e a aplicação de técnicas de avaliação

    como o custo de viagem e o método do preço hedónico, dependem da evidência

    gerada à medida que os agentes económicos revelam as suas preferências através

    das transacções de mercado. Enquanto as preferências reveladas através do

    comportamento real têm grande credibilidade em economia, a afirmação dos agentes

    económicos acerca da forma como se comportariam em circunstâncias hipotéticas

    continua a ser vista com grande suspeição (Bishop, Champ e Mullarkey, 1995: 629).

    Para que a avaliação contingente conduza a valores económicos válidos, os

    participantes no estudo têm que querer e ser capazes de revelar os seus valores.

    Preço

    pa

    p* A

    0 q* Q uantidade

    F igura 1 - Excedente do consum idor

  • 21

    Contudo, podem não desejar fazê-lo por se aperceberem de que as respostas

    estratégicas são do seu interesse ou porque têm pouco incentivo para levar a sério o

    processo de avaliação. Ainda que estejam dispostos a responder rigorosamente,

    podem ser incapazes de o fazer por não estarem habituados a expressar as suas

    preferências, relativamente a bens ambientais, em termos monetários. Mesmo que o

    queiram fazer, podem não ser capazes de predizer quanto é que pagariam ou quanto

    é que pediriam como compensação se um mercado ou outro modo de pagamento

    fosse criado. Numa perspectiva psicológica é muito diferente preencher um inquérito

    ou actuar num mercado real.

    O método de avaliação contingente, embora apresente algumas limitações e não seja

    o único que permite determinar valores não mercantis em termos monetários, é o mais

    versátil, desde que sejam tomadas algumas precauções e consideradas algumas

    regras na sua aplicação. Para além de poder ser aplicado no cálculo do valor de uso

    de uma grande variedade de recursos, é a única abordagem da qual se pode esperar

    que capture integralmente os valores de não uso associados ao ambiente. As

    principais limitações do método resultam da sua natureza hipotética, uma vez que não

    é claro que os indivíduos possuam incentivos para, num cenário deste tipo, declararem

    as suas verdadeiras preferências.

    3.5. Outros métodos

    Outros métodos indirectos, como o custo de reposição ou o custo de oportunidade,

    podem também ser aplicados na determinação do valor económico de bens

    ambientais. O método do custo de reposição considera o custo de repor ou recuperar

    um bem danificado de volta ao seu estado original e usa este custo como uma medida

    do benefício de recuperação. A título de exemplo, este método poderia ser utilizado

    em situações em que se pretendesse avaliar o benefício de salvar uma espécie, um

    habitat ou um ecossistema ainda existentes, garantindo a sua recuperação até limiares

    mínimos de sobrevivência. Não permite no entanto analisar o valor de um recurso

    natural quando o que está em causa é a sua extinção porque tal reposição será, a

    partir daí, impossível.

    O custo de oportunidade, embora em rigor não constitua um método de avaliação,

    permite determinar os benefícios da actividade que causa deterioração ambiental e

    utilizá-los como indicador do valor que os benefícios ambientais teriam que gerar para

    que essa actividade não fosse vantajosa. Pode ser usado, entre outras coisas, para

    determinar os dividendos económicos que têm que ser assegurados com a

  • 22

    conservação da biodiversidade para que esta seja mais vantajosa do que os usos

    alternativos da terra.

    A necessidade de atribuir valores a serviços não transaccionados no mercado, tais

    como os que resultam dos recursos ambientais é real. Sem estas medidas, a análise

    custo-benefício, a principal ferramenta no arsenal da economia aplicada, fica limitada.

    Para ser relevante para a política pública, a economia não pode cingir-se à afectação

    de recursos escassos entre desejos ilimitadas através do funcionamento do mercado.

    O bem-estar humano é influenciado de muitas maneiras pela afectação de recursos

    escassos fora do mercado. Isto é particularmente verdade no caso das amenidades

    ambientais. O método da avaliação contingente não é o único que permite determinar

    valores não mercantis em termos monetários, mas se se conseguir aplicá-lo de forma

    satisfatória é o mais versátil. O método do custo de viagem é útil apenas para medir

    valores de uso recreativo. O método dos preços hedónicos também se limita aos

    valores de uso uma vez que são o reflexo dos salários, do preço da habitação ou dos

    preços obtidos noutros mercados. A avaliação contingente pode ser aplicada no

    cálculo do valor de uso de uma grande variedade de recursos e é a única abordagem

    da qual se pode esperar que capture integralmente os valores de não uso associados

    ao património ambiental (Bishop, Champ e Mullarkey, 1995, 650).

  • 23

    Bibliografia citada

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