Espiritismo Andre Luiz - Libertacao (Chico Xavier)

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Francisco Cndido Xavier

Libertao6o livro da Coleo A Vida no Mundo Espiritual

Ditado pelo Esprito

Andr Luiz

FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL Rua Souza Valente, 17 20941-040 - Rio - RJ - Brasil

http://www.febnet.org.br/

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Coleo A Vida no Mundo Espiritual01 - Nosso Lar 02 - Os Mensageiros 03 - Missionrios da Luz 04 - Obreiros da Vida Eterna 05 - No Mundo Maior 06 - Libertao 07 - Entre a Terra e o Cu 08 - Nos Domnios da Mediunidade 09 - Ao e Reao 10 - Evoluo em Dois Mundos 11 - Mecanismos da Mediunidade 12 - Sexo e Destino 13 - E a Vida Continua...

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ndiceAnte as portas livres ..................................................................... 4 1 Ouvindo elucidaes .............................................................. 10 2 A palestra do Instrutor............................................................ 23 3 Entendimento ......................................................................... 35 4 Numa cidade estranha ............................................................ 49 5 Operaes seletivas ................................................................ 62 6 Observaes e novidades........................................................ 76 7 Quadro doloroso..................................................................... 87 8 Inesperada intercesso............................................................ 98 9 Perseguidores invisveis ....................................................... 110 10 Em aprendizado.................................................................. 121 11 Valiosa experincia ............................................................ 134 12 Misso de amor .................................................................. 147 13 Convocao familiar .......................................................... 162 14 Singular episdio................................................................ 176 15 Finalmente, o socorro ......................................................... 189 16 Encantamento pernicioso.................................................... 201 17 Assistncia fraternal ........................................................... 212 18 Palavras de benfeitora ........................................................ 224 19 Precioso entendimento ....................................................... 235 20 Reencontro ......................................................................... 247

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Ante as portas livresAnte as portas livres de acesso ao trabalho cristo e ao conhecimento salutar que Andr Luiz vai desvelando, recordamos prazerosamente a antiga lenda egpcia do peixinho vermelho. No centro de formoso jardim, havia grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa. Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas guas, do outro lado, atravs de grade muito estreita. Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes, a se refestelarem, ndios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidados de barbatanas para os encargos de rei e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguia. Junto deles, porm, havia um peixinho vermelho, menosprezado de todos. No conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos. Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvrias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso. O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto em correria constante, perseguido pela cancula ou atormentado de fome. No encontrando pouso no vastssimo domiclio, o pobrezinho no dispunha de tempo para muito lazer e comeou a estudar com bastante interesse. Fez o inventrio de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poo, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia,

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com preciso, onde se reuniria maior massa de lama por ocasio de aguaceiros. Depois de muito tempo, custa de longas perquiries, encontrou a grade do escoadouro. frente da imprevista oportunidade de aventura benfica, refletiu consigo: No ser melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos? Optou pela mudana. Apesar de macrrimo pela absteno completa de qualquer conforto, perdeu vrias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitssima. Pronunciando votos renovadores, avanou, otimista, pelo rego dgua, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu, embriagado de esperana ... Em breve, alcanou grande rio e fez inmeros conhecimentos. Encontrou peixes de muitas famlias diferentes, que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalos da marcha e descortinando-lhe mais fcil roteiro. Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcaes e pontes, palcios e veculos, cabanas e arvoredo. Habituado com o pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e a agilidade naturais. Conseguiu, desse modo, atingir o oceano, brio de novidade e sedento de estudo. De incio, porm, fascinado pela paixo de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda a gua do lago em que vivera no seria mais que diminuta rao; impressionado com o

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espetculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituam a primeira refeio diria. Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos Peixes, rogando proteo no bojo do monstro e, no obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetceo comeou a soluar e vomitou, restituindo-o s correntes marinhas. O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpticas e aprendeu a evitar os perigos e tentaes. Plenamente transformado em suas concepes do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas mveis e flores diferentes no seio das guas. Sobretudo, descobriu a existncia de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz. Vivia, agora, sorridente e calmo, no Palcio de Coral que elegera, com centenas de amigos, para residncia ditosa, quando, ao se referir ao seu comeo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquticas dispunham de mais slida garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as guas de outra altitude continuariam a correr para o oceano. O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixo daqueles com quem convivera na infncia, deliberou consagrarse obra do progresso e salvao deles. No seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? No seria nobre ampar-los, prestando-lhes a tempo valiosas informaes? No hesitou. Fortalecido pela generosidade de irmos benfeitores que com ele viviam no Palcio de Coral, empreendeu comprida viagem de volta.

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Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar. Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e servio a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, sups que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ningum se mexia. Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de ltus, de onde saam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezveis. Gritou que voltara a casa, mas no houve quem lhe prestasse ateno, porquanto ningum, ali, havia dado pela ausncia dele. Ridiculizado, procurou, ento, o rei de guelras enormes e comunicou-lhe a reveladora aventura. O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse. O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com nfase, que havia outro mundo lquido, glorioso e sem fim. Aquele poo era uma insignificncia que podia desaparecer, de momento para outro. Alm do escoadouro prximo desdobravamse outra vida e outra experincia. L fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o servio de tainhas e salmes, de trutas e esqualos. Deu notcias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o cu repleto de astros sublimes e que descobrira

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rvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao Palcio de Coral, onde viveriam todos, prsperos e tranqilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porm, tinha igualmente seu preo. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessrio venturosa jornada. Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleo. Ningum acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram, solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida alm do poo era francamente impossvel, que aquela histria de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de crebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos Peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente. O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele at grade de escoamento e, tentando, de longe, a travessia, exclamou, borbulhante: No vs que no cabe aqui nem uma s de minhas barbatanas? Grande tolo! vai-te daqui! No nos perturbes o bemestar... Nosso lago o centro do Universo... Ningum possui vida igual nossa!... Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no Palcio de Coral, aguardando o tempo. Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca.

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As guas desceram de nvel. E o poo onde viviam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a perecer, atolada na lama... -0O esforo de Andr Luis, buscando acender luz nas trevas, semelhante misso do peixinho vermelho. Encantado com as descobertas do caminho infinito, realizadas depois de muitos conflitos no sofrimento, volve aos recncavos da Crosta Terrestre, anunciando aos antigos companheiros que, alm dos cubculos em que se movimentam, resplandece outra vida, mais intensa e mais bela, exigindo, porm, acurado aprimoramento individual para a travessia da estreita passagem de acesso s claridades da sublimao. Fala, informa, prepara, esclarece ... H, contudo, muitos peixes humanos que sorriem e passam, entre a mordacidade e a indiferena, procurando locas passageiras ou pleiteando larvas temporrias. Esperam um paraso gratuito com milagrosos deslumbramentos depois da morte do corpo. Mas, sem Andr Luiz e sem ns, humildes servidores de boa vontade, para todos os caminheiros da vida humana pronunciou o Pastor Divino as indelveis palavras: A cada um ser dado de acordo com as suas obras. EMMANUEL Pedro Leopoldo, 22 de fevereiro de 1949.

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1 Ouvindo elucidaesNo vasto salo do educandrio que nos reunia, o Ministro Flcus, fixando em ns o olhar saturado de doce magnetismo, convidava-nos a preciosas meditaes. Congregamo-nos, ali, somente algumas dezenas de companheiros, de modo a registrar-lhe as instrues edificantes. E, sem dvida, a preleo revestia-se de profundo interesse. Podamos perguntar vontade, dentro do assunto, e guardar todas as informaes compatveis com o novo trabalho que nos cumpria desempenhar. At ento, ouvira comentrios alusivos a colnias purgatoriais, perfeitamente organizadas para o trabalho expiatrio a que se destinam, arrebanhando milhares de criaturas arraigadas no mal; entretanto, agora, o Instrutor Gbio, que se mantinha silencioso, em nossa companhia, concedera-nos permisso de acompanh-lo a enorme centro dessa espcie. Interessados na palavra fluente e primorosa do orador, seguamos o curso das elucidaes com justificvel expectao de aluno que no deseja perder um til do ensinamento, observando que a serenidade e a ateno transpareciam no rosto de todos os aprendizes, considerando-se que todos, no recinto, ramos candidatos ao servio de socorro aos irmos ignorantes, atormentados nas sombras... Senhoreando-nos o esprito, o Ministro prosseguia, satisfeito: Os superiores que se disponham a trabalhar em benefcio dos inferiores, em ao persistente e substancial, no lhes podem utilizar as armas, sob pena de se precipitarem no baixo nvel

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deles. A severidade pertencer ao que instrui, mas o amor o companheiro daquele que serve. Sabemos que a educao, na maioria das vezes, parte da periferia para o centro; contudo, a renovao, traduzindo aperfeioamento real, movimenta-se em sentido inverso. Ambos os impulsos, todavia, so alimentados e controlados pelos poderes quase desconhecidos da mente. O esprito humano lida com a fora mental, tanto quanto maneja a eletricidade, com a diferena, porm, de que se j aprende a gastar a segunda, no transformismo incessante da Terra, mal conhece a existncia da primeira, que nos preside a todos os atos da vida. A rigor, portanto, no temos crculos infernais, de acordo com os figurinos da antiga teologia, onde se mostram indefinidamente gnios satnicos de todas as pocas e, sim, esferas obscuras em que se agregam conscincias embotadas na ignorncia, cristalizadas no cio reprovvel ou confundidas no eclipse temporrio da razo. Desesperadas e insubmissas, criam zonas de tormentos reparadores. Semelhantes criaturas, no entanto, no se regeneram fora de palavras. Necessitam de amparo eficiente que lhes modifique o tom vibratrio, elevando-lhes o modo de sentir e pensar. Eminentes pensadores do mundo traam diretrizes salvao das almas; mas somos de parecer que possumos suficiente nmero de roteiros nesse sentido, em todos os setores do conhecimento terrestre. Reclamamos, na atualidade, quem ajude o pensamento do homem na direo do Alto. Empreender o tentame, incentivando-se to somente os valores culturais, seria consagrar a tecnocracia, que procura a simples mecanizao da vida, destruindo-lhe as sementes gloriosas de improvisao, de infinito e de eternidade.

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Grandes polticos e venerveis condutores nunca se ausentaram do mundo. Passam pela multido, sacudindo-a ou arregimentando-a. foroso reconhecer, porm, que a organizao humana, por si s, no atende s exigncias do ser imperecvel. Pricles, o estadista que legou seu nome a um sculo, realiza edificante trabalho educativo, junto dos gregos; entretanto, no lhes atenua a belicosidade e os pruridos de hegemonia, sucumbindo ao assdio de aflitivo desgosto. Alexandre, o conquistador, organiza vastssimo imprio, estabelecendo uma civilizao respeitvel; no entanto, no impede que os seus generais prossigam em conflitos sanguinolentos, difundindo o saque e a morte. Augusto, o Divino, unifica o Imprio Romano em slidos alicerces, concretizando avanado programa poltico em benefcio de todos os povos, mas no consegue banir de Roma o desvario pela dominao a qualquer preo. Constantino, o Grande, advogado dos cristos indefesos, oferece novo padro de vida ao Planeta; contudo, no modifica as disposies detestveis de quantos guerreavam em nome de Deus. Napoleo, o ditador, impe novos mtodos de progresso material, em toda a Terra; mas no se furta, ele prprio, s garras da tirania, pela simples ganncia da posse. Pasteur, o cientista, defende a sade do corpo humano, devotando-se, abnegado, ao combate silencioso contra a selva microbiana; todavia, no pode evitar que seus contemporneos se destruam reciprocamente em disputas incompreensveis e cruis. Permanecemos diante de um mundo civilizado na superfcie, que reclama no s a presena daqueles que ensinam o bem, mas principalmente daqueles que o praticam.

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Sobre os mananciais da cultura, nos vales da Terra, imprescindvel que desam as torrentes da compaixo do Cu, atravs dos montes do amor e da renncia. Cristo no brilha apenas pelo ensino sublimado. Resplandece na demonstrao. Em companhia dEle, indispensvel mantenhamos a coragem de amparar e salvar, descendo aos recessos do abismo. No longe de nossa paz relativa, em crculos escuros de desencanto e desesperao, misturam-se milhes de seres, conclamando comiserao... Porque no acender piedosa luz, dentro da noite em que se mergulham, desorientados? Porque no semear esperana entre coraes que abdicaram da f em si mesmos? frente, pois, de imensas coletividades em dolorosa petio de reajustamento, faz-se inadivel o auxlio restaurador. Somos entidades ainda infinitamente humildes e imperfeitas para nos candidatarmos, de pronto, condio dos anjos. Comparada grandeza, inabordvel para ns, de milhes de sis que obedecem a leis soberanas e divinas, em pleno Universo, a nossa Terra, com todas as esferas de substncia ultrafsica que a circundam, pode ser considerada qual laranja minscula, perante o Himalaia, e ns outros, confrontados com a excelsitude dos Espritos Superiores, que dominam na sabedoria e na santidade, no passamos, por enquanto, de bactrias, controladas pelo impulso da fome e pelo magnetismo do amor. Entretanto, guindados a singelas culminncias da inteligncia, somos micrbios que sonham com o crescimento prprio para a eternidade. Enquanto o homem, nosso irmo, desintegra assombrado as formaes atmicas, ns outros, distanciados do corpo denso, estudamos essa mesma energia atravs de aspectos que a cincia terrestre, por agora, mal conseguiria imaginar. Caminheiros, porm, que somos do progresso infinito, principiamos apenas, ele

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e ns, a sondar a fora mental, que nos condiciona as manifestaes nos mais variados planos da natureza. Encarcerados ainda na lei de retorno, temos efetuado multisseculares recapitulaes, por milnios consecutivos. Expressando-nos coletivamente, sabemos hoje que o esprito humano lida com a razo h, precisamente, quarenta mil anos... Todavia, com o mesmo furioso mpeto com que o homem de Neandertal aniquilava o companheiro, a golpes de slex, o homem da atualidade, classificada de gloriosa era das grandes potncias, extermina o prprio irmo a tiros de fuzil. Os investigadores do raciocnio, ligeiramente tisnados de princpios religiosos, identificam to somente, nessa anomalia sinistra, a renitncia da imperfeio e da fragilidade da carne, como se a carne fosse permanente individuao diablica, esquecidos de que a matria mais densa no seno o conjunto das vidas inferiores incontveis, em processo de aprimoramento, crescimento e libertao. Nos campos da Crosta Planetria, queda-se a inteligncia, qual se fora anestesiada por perigosos narcticos da iluso; no entanto, auxili-la-emos a sentir e reconhecer que o esprito permanece vibrando em todos os ngulos da existncia. Cada espcie de seres, do cristal at o homem, e do homem at o anjo, abrange inumerveis famlias de criaturas, operando em determinada freqncia do Universo. E o amor divino alcananos a todos, maneira do Sol que abraa os sbios e os vermes. Todavia, quem avana demora-se em ligao com quem se localiza na esfera prxima. O domnio vegetal vale-se do imprio mineral para sustentar-se e evoluir. Os animais aproveitam os vegetais na obra de aprimoramento. Os homens se socorrem de uns e outros para crescerem mentalmente e prosseguir adiante...

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Atritam os reinos da vida, conhecidos na Terra, entre si. Torturam-se e entredevoram-se, atravs de rudes experincias, a fim de que os valores espirituais se desenvolvam e resplandeam, refletindo a divina luz... Nesse ponto, o esclarecido Ministro fez longa pausa, fitounos, bondoso, e continuou: Mas... alm do principado humano, para l das fronteiras sensoriais que guardam ciosamente a alma encarnada, amparandoa com limitada viso e benfico esquecimento, comea vasto imprio espiritual, vizinho dos homens. A se agitam milhes de Espritos imperfeitos que partilham, com as criaturas terrenas, as condies de habitabilidade da Crosta do Mundo. Seres humanos, situados noutra faixa vibratria, apoiam-se na mente encarnada, atravs de falanges incontveis, to semiconscientes na responsabilidade e to incompletas na virtude, quanto os prprios homens. A matria, congregando milhes de vidas embrionrias, tambm a condensao da energia, atendendo aos imperativos do eu que lhe preside destinao. Do hidrognio s mais complexas unidades atmicas, o poder do esprito eterno a alavanca diretora de prtons, nutrons e eltrons, na estrada infinita da vida. Demora-se a inteligncia corporificada no crculo humano em transitria regio, adaptada s suas exigncias de progresso e aperfeioamento, dentro da qual o protoplasma lhe faculta instrumentos de trabalho, crescimento e expanso. Entretanto, nesse mesmo espao, alonga-se a matria noutros estados e, nesses outros estados, a mente desencarnada, em viagem para o conhecimento e para a virtude, radica-se na esfera fsica, buscando domin-la e absorv-la, estabelecendo gigantesca luta de pensamento que ao homem comum no dado calcular.

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Frustrados em suas aspiraes de vaidoso domnio no domiclio celestial, homens e mulheres de todos os climas e de todas as civilizaes, depois da morte, esbarram nessa regio em que se prolongam as atividades terrenas e elegem o instinto de soberania sobre a Terra por nica felicidade digna do impulso de conquistar. Rebelados filhos da Providncia, tentam desacreditar a grandeza divina, estimulando o poder autocrtico da inteligncia insubmissa e orgulhosa e buscam preservar os crculos terrestres para a dilatao indefinida do dio e da revolta, da vaidade e da criminalidade, como se o Planeta, em sua expresso inferior, lhes fosse paraso nico, ainda no integralmente submetido a seus caprichos, em vista da permanente discrdia reinante entre eles mesmos. que, confinados ao bero escabroso da ignorncia em que o medo e a maldade, com inquietudes e perseguies recprocas, lhes consomem as foras e lhes inutilizam o tempo, no se apercebem da situao dolorosa em que se acham. Fora do amor verdadeiro, toda unio temporria e a guerra ser sempre o estado natural daqueles que perseveram na posio de indisciplina. Um reino espiritual, dividido e atormentado, cerca a experincia humana, em todas as direes, intentando dilatar o domnio permanente da tirania e da fora. Sabemos que o Sol opera por meio de radiaes, nutrindo, maternalmente, a vida a milhes de quilmetros. Sem nos referirmos s condies da matria em que nos movimentamos, lembremo-nos de que, em nosso sistema, as existncias mais rudimentares, desde os cumes iluminados aos recncavos das trevas, esto sujeitas sua influenciao. Como acontece aos corpos gigantescos do Cosmos, tambm ns outros, espiritualmente, caminhamos para o znite evolutivo, experimentando as radiaes uns dos outros. Nesse processo

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multiforme de intercmbio, atrao, imantao e repulso, aperfeioam-se mundos e almas, na comunidade universal. Dentro de semelhante realidade, toda a nossa atividade terrestre se desdobra num campo de influncias que nem mesmo ns, os aprendizes humanos em crculos mais altos, poderamos, por enquanto, determinar. Incapacitados de prosseguir alm do tmulo, a caminho do Cu que no souberam conquistar, os filhos do desespero organizam-se em vastas colnias de dio e misria moral, disputando, entre si, a dominao da Terra. Conservam, igualmente, quanto ocorre a ns mesmos, largos e valiosos patrimnios intelectuais e, anjos decados da Cincia, buscam, acima de tudo, a perverso dos processos divinos que orientam a evoluo planetria. Mentes cristalizadas na rebeldia tentam solapar, em vo, a Sabedoria Eterna, criando quistos de vida inferior, na organizao terrestre, entrincheiradas nas paixes escuras que lhes vergastam as conscincias. Conhecem inumerveis recursos de perturbar e ferir, obscurecer e aniquilar. Escravizam o servio benfico da reencarnao em grandes setores expiatrios e dispem de agentes da discrdia contra todas as manifestaes dos sublimes propsitos que o Senhor nos traou s aes. Os homens terrenos que, semi-libertos do corpo, lhes conseguiram identificar, de algum modo, a existncia, recuaram, tmidos e espavoridos, espalhando entre os contemporneos as noes de um inferno punitivo e infindvel, encravado em tenebrosas regies alm da morte. A mente infantil da Terra, embalada pela ternura paternal da providncia, atravs da teologia comum, nunca pde apreender, mais intensivamente, a realidade espiritual que nos governa os destinos.

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Raros compreendem na morte simples modificao de envoltrio, e escasso nmero de pessoas, ainda mesmo em se tratando dos religiosos mais avanados, guardaram a prudncia de viver, no vaso fsico, de conformidade com os princpios superiores que esposaram. Somos defrontados, agora, pela necessidade da proclamao de verdades velhas para os velhos ouvidos e novas para os ouvidos novos da inteligncia juvenil situada no mundo. O homem, herdeiro presuntivo da Coroa Celeste, o condutor do prprio homem, dentro de enormes extenses do caminho evolutivo. Entre aquele que j se acerca do anjo e o selvagem que ainda se limita com o irracional, existem milhares de posies, ocupadas pelo raciocnio e pelo sentimento dos mais variados matizes. E, se h uma corrente, brilhante e maravilhosa, de criaturas encarnadas e desencarnadas que se dirigem para o monte da sublimao, desferindo glorioso cntico de trabalho, imortalidade, beleza e esperana, exaltando a vida, outra corrente existe, escura e infeliz, nas mesmas condies, interessada em descer aos recncavos das trevas, lanando perturbao, desnimo, desordem e sombra, consagrando a morte, Espritos incompletos que somos ainda, aderimos aos movimentos que lhes dizem respeito e colhemos os benefcios da ascenso e da vitria ou os prejuzos da descida e da derrota, controlados pelas inteligncias mais vigorosas que a nossa e que seguem conosco, lado a lado, na zona progressiva ou deprimente, em que nos colocamos. O inferno, por isto mesmo, um problema de direo espiritual. Sat a inteligncia perversa. O mal o desperdcio do tempo ou o emprego da energia em sentido contrrio aos propsitos do Senhor. O sofrimento reparao ou ensinamento renovador.

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As almas decadas, contudo, quaisquer que sejam, no constituem uma raa espiritual sentenciada irremediavelmente ao satanismo, integrando, to somente, a coletividade das criaturas humanas desencarnadas, em posio de absoluta insensatez. Misturam-se multido terrestre, exercem atuao singular sobre inmeros lares e administraes e o interesse fundamental das mais poderosas inteligncias, dentre elas, a conservao do mundo ofuscado e distrado, fora da ignorncia defendida e do egosmo recalcado, adiando-se o Reino de Deus, entre os homens, indefinidamente... De milnios a milnios, a regio em que respiram padece extremas alteraes, qual acontece ao campo provisoriamente ocupado pelos povos conhecidos. A matria que lhes estrutura a residncia sofre tremendas modificaes e precioso trabalho seletivo se opera na transformao natural, dentro dos moldes do Infinito Bem. Entretanto, embora de fileiras compactas incessantemente substitudas, persistem por sculos sucessivos, acompanhando o curso das civilizaes e seguindo-lhes os esplendores e experincias, aflies e derrotas. Fazendo-se nova pausa do Ministro, que me pareceu oportuna e intencional, um companheiro interferiu, indagando: Grande benfeitor, reconhecemos a veracidade de vossas afirmativas; todavia, porque no suprime o Senhor Compassivo e Sbio to pavoroso quadro? O esclarecido mentor fixou um gesto de condescendncia e respondeu: No ser o mesmo que interrogar pela tardana de nossa prpria adeso ao Reino Divino? Sente-se o meu amigo suficientemente iluminado para negar o lado sombrio da prpria individualidade? Libertou-se de todas as tentaes que fluem dos escaninhos misteriosos da luta interna?

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No admite que o orbe possua os seus crculos de luz e trevas, qual acontece a ns mesmos nos recessos do corao? E assim como duelamos em formidveis conflitos por dentro, a vida planetria compelida igualmente a combater nos recnditos ngulos de si mesma. Quanto interveno do Senhor, recordemo-nos de que os estudos desta hora no se prendem aos aspectos da compaixo e, sim, aos problemas da justia. Ns outros e a humanidade militante na carne no representamos seno diminuta parcela da famlia universal, confinados faixa vibratria que nos peculiar. Somos simplesmente alguns bilhes de seres perante a Eternidade. E estejamos convencidos de que se o diamante lapidado pelo diamante, o mau s pode ser corrigido pelo mau. Funciona a justia, atravs da injustia aparente, at que o amor nasa e redima os que se condenaram a longas e dolorosas sentenas diante da Boa Lei. Homens perversos, calculistas, delituosos e inconseqentes so vigiados por gnios da mesma natureza, que se afinam com as tendncias de que so portadores. Realmente, nunca faltou proteo do Cu contra os tormentos que as almas endurecidas e ingratas semearam na Terra e os numes guardies no se despreocupam dos tutelados; no entanto, seria ilgico e absurdo designar um anjo para custodiar criminosos. Os homens encarnados, de maneira geral, permanecem cercados pelas escuras e degradantes irradiaes de entidades imperfeitas e indecisas, quanto eles prprios, criaturas que lhes so invisveis ao olhar, mas que lhes partilham a residncia. Em razo disso, o Planeta, por enquanto, ainda no passa de vasto crivo de aprimoramento, ao qual somente os indivduos

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excepcionalmente aperfeioados pelo prprio esforo conseguem escapar, na direo das esferas sublimes. Considerando semelhante situao, o Mestre Divino exclamou perante o juiz, em Jerusalm: Por agora, o meu Reino no daqui e, pela mesma razo, Paulo de Tarso, depois de lutas angustiosas, escreve aos Efsios que no temos de lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os prncipes das trevas e contra as hostes espirituais da maldade, nas prprias regies celestes. Alm, pois, do reino humano, o imprio imenso das inteligncias desencarnadas participa de contnuo no julgamento da Humanidade. E entendendo a nossa condio de trabalhadores incompletos, detentores de velhas dificuldades e terrveis inibies, na ordem do aprimoramento iluminativo, cabe-nos preparar recursos de auxlio, reconhecendo que a obra redentora trabalho educativo por excelncia. O sacrifcio do Mestre representou o fermento divino, levedando toda a massa. por isto que Jesus, acima de tudo, o Doador da Sublimao para a vida imperecvel. Absteve-se de manejar as paixes da turba, visto reconhecer que a verdadeira obra salvacionista permanece radicada ao corao, e distanciou-se dos decretos polticos, no obstante reverenci-los com inequvoco respeito autoridade constituda, por no ignorar que o servio do Reino Celeste no depende de compromissos exteriores, mas do individualismo afeioado boa vontade e ao esprito de renncia em benefcio dos semelhantes. Sem nosso esforo pessoal no bem, a obra regenerativa ser adiada indefinidamente, compreendendo-se por precioso e indispensvel nosso concurso fraterno para que irmos nossos, provisoriamente impermeveis no mal, se convertam aos Desgnios Divinos, aprendendo a utilizar os poderes da luz potencial de que

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so detentores. Somente o amor sentido, crido e vivido por ns provocar a ecloso dos raios de amor em nossos semelhantes. Sem polarizar as energias da alma na direo divina, ajustandolhes o magnetismo ao Centro do Universo, todo programa de redeno um conjunto de palavras, pecando pela improbabilidade flagrante. O Ministro sorriu para ns, expressivamente, e concluiu: Terei sido bastante claro? Transbordava de todos os rostos o desejo de ouvi-lo por mais tempo; no entanto, Flcus, aureolado de luz, desceu da tribuna e ps-se a conversar familiarmente conosco. A preleo fora encerrada. As consideraes ouvidas despertavam em mim o mximo interesse. No entanto, era preciso aguardar nova oportunidade para mais amplos esclarecimentos.

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2 A palestra do InstrutorAo nos retirarmos do educandrio, o Instrutor Gbio, pousando sobre Eli, o nosso companheiro, e sobre mim os olhos lcidos, acentuou: Para muitas criaturas, difcil compreender a arregimentao inteligente dos espritos perversos. Entretanto, lgica e natural. Se ainda nos situamos distantes da santidade, no obstante os propsitos superiores que j nos orientam, que dizer dos irmos infelizes que se deixaram prender, sem resistncia, s teias da ignorncia e da maldade? No conhecem regio mais elevada que a esfera carnal, a que ainda se ajustam por laos vigorosos. Enleados em foras de baixo padro vibratrio, no apreendem a beleza da vida superior e, enquanto mentalidades frgeis e enfermias se dobram humilhadas, os gnios da impiedade lhes traam diretrizes, enfileirando-as em comunidades extensas e dirigindoas em bases escuras de dio aviltante e desespero silencioso. Organizam, assim, verdadeiras cidades, em que se refugiam falanges compactas de almas que fogem, envergonhadas de si mesmas, ante quaisquer manifestaes da divina luz. Filhos da revolta e da treva a se aglomeram, buscando preservar-se e escorando-se, aos milhares, uns nos outros... Auscultando-nos a surpresa manifesta, o instrutor prosseguiu, respondendo-nos s argies ntimas: Tais colnias perturbadoras devem ter comeado com as primeiras inteligncias terrestres entregues insubmisso e indisciplina, ante os ditames da Paternidade Celestial. A alma cada em vibraes desarmnicas, pelo abuso da liberdade que lhe foi confiada, precisa tecer os fios do reajustamento prprio e milhes de irmos nossos se recusam a semelhante esforo, ocio-

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sos e impenitentes, alongando o labirinto em que muitas vezes se perdem por sculos. inabilitados para a jornada imediata, rumo ao Cu, em virtude das paixes devastadoras que os magnetizam, arrebanham-se de conformidade com as tendncias inferiores em que se afinam, ao redor da Crosta Terrestre, de cujas emanaes e vidas inferiores ainda se nutrem, qual ocorre aos prprios homens encarnados. O objetivo essencial de tais exrcitos sombrios a conservao do primitivismo mental da criatura humana, a fim de que o Planeta permanea, tanto quanto possvel, sob seu jugo tirnico. As observaes de Gbio escaldavam-me o crebro. Eu tambm havia passado pelos baixos crculos da vida, depois do transe corporal; entretanto, no identificara a existncia dessas condensaes organizadas de entidades malignas do campo espiritual, embora ouvisse, em muitas ocasies, impressionantes comentrios em torno delas. Efetivamente, no conseguia, por ruim mesmo, exumar todas as recordaes do angustiado perodo que a porta do tmulo me oferecera. Vira-me perseguido, atravs de longos pntanos... Errara, aflitivamente, dias e noites que me pareceram sem fim, atormentado e desditoso; todavia, custava-me crer que as atividades malficas gozassem de organismo diretor. Por isto mesmo, de mente agora centralizada nos propsitos do bem, aventurei uma indagao. Com que fim perguntei essas legies retardadas se mancomunam, alm da morte, se despidas da vestimenta grosseira de carne devem saber, mais que nunca, que se empenham em combates inteis? No se sentem, porventura, transportadas ao plano do esclarecimento puro, quanto posio que lhes diz respeito? No se cercam presentemente de mais sublimes revelaes da Natureza? No lhes quadrariam, mais justos, o trabalho edificante e o

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estudo nobre, na elevada aspirao de galgar a sabedoria santificante, estrada acima? Por que motivo se aglomeram, assim, atravs de ajuntamentos desprezveis e diablicos? Fcil de entenderse a jornada evolutiva do homem, depois do sepulcro, mas o estacionamento deliberado, na crueldade e no dio, alm da morte, d para confundir a mente de qualquer... O orientador sorriu, maneiroso, e considerou: Reportamo-nos a Espritos perfeitamente humanos, no obstante desencarnados, e tais perguntas, Andr, poderiam ser formuladas, mesmo na Crosta da Terra. Por que razo, ns mesmos, antes de acordar a conscincia para a revelao divina, nos precipitvamos nas linhas inferiores, todos os dias, contrariando espetacularmente a Lei? frente dos olhos, contvamos com bendito dilvio de claridade solar, jorrando incessante do Espao Infinito... sabamos que a existncia do corpo correria rpida, que seramos defrontados pela morte comum a todos, que regressaramos do mundo carnal pela mesma porta misteriosa, atravs da qual penetrramos nele; no entanto, quantas vezes teremos menoscabado a Sabedoria Excelsa, com atitudes de criminosa indiferena? Ante as sugestes do Plano Divino que te povoam, agora, o pensamento, lembras-te de algum tempo passado em que tivesses cogitado sinceramente da prpria sublimao? Se desenterrarmos o pretrito, meu caro, encontraremos lamentveis reminiscncias... No nos compete parar ou desanimar. maneira do tronco frgil, imperioso crescer, subir, por alcanar o oxignio de cima, e, apesar de algemados ao que fomos, semelhana da rvore humilde presa aos resduos do complicado envoltrio que lhe encerrava a semente, reclamamos ascenso, ar puro e largueza de condies para produzirmos o bem que o Senhor espera de ns. A argumentao de Gbio era bela e sugestiva; entretanto, eu sentia dificuldades para aceitar a idia de purgatrios e infernos dirigidos.

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Concordo com as elucidaes exclamei reverente , mas quase incrvel tanta ignorncia, alm do corpo que nos conserva em iluso... a sepultura abre-nos a todos um caminho novo. razovel que a mente perturbada sofra amarguras de reajustamento at que se restaure; todavia, apropriar-se um esprito desencarnado de certos setores do caminho, como se fora deles senhor absoluto para perpetuar sua tirania, observao que me escapava... Sim tornou o orientador, convincente , para quem refletiu sobre o assunto, durante muito tempo, em sentido contrrio realidade, o apontamento surpreende bastante; todavia, no vejo obstculos apreenso do ensinamento. Reconheamos, por exemplo, que o homem comum j atravessou, desde milnios, a estao evolutiva em que se demora o irracional e, em vrias ocasies, revela comportamento de nvel inferior ao dele. Imprimindo grave entono voz agradvel e fraternal, acrescentou: Notemos que ns mesmos, os desencarnados, nos movemos num campo de matria que se caracteriza por densidade especfica, embora rarefeita, quando confrontada com as antigas formas fsicas, e nossa mente, em qualquer parte, na Crosta ou aqui onde nos achamos, um centro psquico de atrao e repulso. O esprito encarnado respira numa zona de vibraes mais lentas, enfaixado num veculo constitudo de trilhes de clulas que so outras tantas vidas microscpicas inferiores. Cada vida, porm, por mais insignificante, possui expresso magntica especial. A vontade, no obstante condicionada por leis csmicas e morais, inclinar a comunidade dos corpsculos vivos que permanecem a seu servio por tempo limitado, maneira do eletricista que liga as foras da usina para atividades num charco ou para servios numa torre. Sendo cada um de ns uma fora inteligente, detendo faculdades criadoras e atuando no Universo, estaremos sempre engendrando

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agentes psicolgicos, atravs da energia mental, exteriorizando o pensamento e com ele improvisando causas possveis, cujos efeitos podem ser prximos ou remotos sobre o ponto de origem. Abstendo-nos de mobilizar a vontade, seremos invariveis joguetes das circunstncias predominantes, no ambiente que nos rodeia; contudo, to logo deliberemos manobr-la, indispensvel resolvamos o problema de direo, porquanto nossos estados pessoais nos refletiro a escolha ntima. Existem princpios, foras e leis no universo minsculo, tanto quanto no universo macrocsmico. Dirija um homem a sua vontade para a idia de doena e a molstia lhe responder ao apelo, com todas as caractersticas dos moldes estruturados pelo pensamento enfermio, porque a sugesto mental positiva determina a sintonia e receptividade da regio orgnica, em conexo com o impulso havido, e as entidades microbianas, que vivem e se reproduzem no campo mental das milhes de pessoas que as entretm, acorrero em massa, absorvidas pelas clulas que as atraem, em obedincia s ordens interiores, reiteradamente recebidas, formando no corpo a enfermidade idealizada. Claro que nesse captulo temos a questo das provas necessrias, nos casos em que determinada personalidade renasce, atendendo a impositivos das lies expiatrias, mas, mesmo a, o problema de ligao mental infinitamente importante, porquanto o doente que se compraz na aceitao e no elogio da prpria decadncia acaba na posio de excelente incubador de bactrias e sintomas mrbidos, enquanto que o esprito em reajustamento, quando reage, valoroso, contra o mal, ainda mesmo que benfico e merecido, encontra imensos recursos de concentrar-se no bem, integrando-se na corrente de vida vitoriosa. Registrava as explicaes, profundamente edificado, e, no obstante a longa pausa que se fez espontaneamente, no ousei interromper o curso da argumentao a fim de no quebrar a linha do pensamento.

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Prestimoso e digno, Gbio continuou: Nossa mente uma entidade colocada entre foras inferiores e superiores, com objetivos de aperfeioamento. Nosso organismo perispiritual, fruto sublime da evoluo, quanto ocorre ao corpo fsico na esfera da Crosta, pode ser comparado aos plos de um aparelho magneto-eltrico. O esprito encarnado sofre a influenciao inferior, atravs das regies em que se situam o sexo e o estmago, e recebe os estmulos superiores, ainda mesmo procedentes de almas no sublimadas, atravs do corao e do crebro. Quando a criatura busca manejar a prpria vontade, escolhe a companhia que prefere e lana-se ao caminho que deseja. Se no escasseiam milhes de influxos primitivistas, constrangendo-nos, mesmo aqum das formas terrestres a entreter emoes e desejos, em baixos crculos, e armando-nos quedas momentneas em abismos do sentimento destrutivo, pelos quais j peregrinamos h muitos sculos, no nos faltam milhes de apelos santificantes, convidando-nos ascenso para a gloriosa imortalidade. O instrutor, fitando em ns o olhar percuciente e calmo, ponderou: Entenderam, agora, como compreensvel a opo de certos espritos pela casa escura do crime, depois do tmulo, qual ocorre a milhes de entidades encarnadas que, em plena harmonia com a natureza terrestre, estimam viver no domiclio da enfermidade? Atitudes mentais enraizadas no se modificam facilmente. O rei que governa milhares, o condutor que se acostumou a traar frreas diretrizes, o homem que se habituou a dobrar caracteres alheios, quando no dispem de princpios santificantes, no terreno idealstico, para se alimentarem intimamente na tarefa a que se consagram, no se transformam em servidores humildes de um momento para outro, s porque se desfizeram da carga de clulas materiais.

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Quando no se recomendam aos precipcios da loucura, no eclipse total da razo por tempo indeterminvel, em vista dos desvarios na intelectualidade e no poder, so conservados e respeitados na obra evolutiva do mundo, pelas qualidades apreciveis e dignas que j conquistaram, embora as paixes violentas que lhes assinalam a vida ntima, e so utilizados ento por gnios superiores, nos servios de aprimoramento planetrio, em que vigiam e reajustam os mais fracos, sendo vigiados e reajustados pelos mais fortes, convertendo-se, gradual e imperceptivelmente, ao Supremo Bem, aceitando o Plano Divino em cuja execuo passam a colaborar com fidelidade e valor. Em tal posio, auxiliam e so auxiliados, do e recebem, impulsionam o progresso e progridem a seu turno... Imps ligeira pausa s elucidaes e, em seguida, prosseguiu noutro rumo: Semelhante realidade obriga-nos a meditar na extenso do servio espiritual em todos os ngulos evolutivos. Educao para a eternidade no se circunscreve ilustrao superficial de que um homem comum se reveste, sentando-se, por alguns anos, num banco de universidade obra de pacincia nos sculos. Se rvores existem assinaladas por centenas de anos, dentro das finalidades a que se destinam, que dizer dos milnios reclamados por uma individualidade, no captulo da prpria sublimao? No podemos olvidar, desse modo, o amor que devemos aos ignorantes, aos fracos, aos infelizes. Imprescindvel se torna caminhar nos passos daqueles que igualmente, um dia, nos estenderam compassivas mos. O argumento era demasiado edificante para que interferssemos com indagaes novas. O orientador percebeu a oportunidade do esclarecimento e continuou:

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Os tomos que integram a hstia dum templo, so, no fundo, iguais queles que formam o po pobre de uma penitenciria. Assim, toda matria em si mesma. Passiva e plstica, anloga nas mos das entidades sbias ou ignorantes, amorosas ou brutalizadas, no estado de condensao conhecido na Crosta Planetria e alm dele. Em razo disso, so compreensveis as transitrias construes levantadas em nosso plano por criaturas desviadas do bem. Para quem anestesiou as faculdades no prazer fugitivo, a separao da carne geralmente constitui acesso a doloroso estgio na incompreenso. E considerando que a maioria das criaturas humanas persegue as sensaes do corpo fsico, qual se as atraes gensicas e o desvairado apego aos bens provisrios dos crculos mais baixos encerrassem toda a felicidade do mundo, a colheita de personalidades desequilibradas sempre inquietante, conservando quase inalteradas as fileiras escuras dos insensatos cultivadores da satisfao egostica a qualquer preo. Loucos perigosos, por voluntrios, dirigidos por inteligncias soberanas, especializadas em dominao, constituem hordas terrveis que, a bem dizer, vigiam as sadas das esferas inferiores em todas as direes. E porque permite Deus semelhante irregularidade? inquiriu Eli, sob visvel consternao No bastaria ligeira ordem do Eterno para sanar a desarmonia? Gbio, prestativo, no se fez esperado na resposta. Sorrindo, franco, aduziu com interesse: No ser o mesmo que perguntar o motivo pelo qual o Senhor nos esperou at ontem? Acreditaremos em parasos miraculosos? No sabemos, porventura, que cada homem se sentar no trono que levantou ou se projetar ao fundo do abismo que preferiu? Alm disto, necessrio reconhecer que se o lapidrio aprimora a pedra, usando lima resistente, o Senhor do Universo aperfeioa o carter dos filhos transviados de Sua Casa, usando cora-

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es endurecidos, temporariamente afastados de Sua Obra. Nem sempre o melhor juiz pode ser o homem mais doce. Qualidades morais e virtudes excelsas no so meras frmulas verbalistas. So foras vivas. Sem a posse delas, impraticvel a ascenso do esprito humano. Personalidades vulgares apegam-se salvaguarda de recursos exteriores e neles centralizam os sentimentos mais nobres, prendendo-se a fantasias inteis... Encarcera-se-lhes, ento, a mente na insegurana, na fragilidade, no pavor. O choque da morte imprime-lhes tremendos conflitos organizao perispirtica, veculo destinado s suas prprias manifestaes no crculo novo de matria diferente a que foram arrebatadas, e, aps perderem abenoados anos no campo didtico da esfera carnal, enredadas em conflitos deplorveis, erram aflitas, exnimes e revoltadas, ajustando-se ao primeiro grupo de entidades viciosas que lhes garantam continuidade de aventura em fictcios prazeres. Formam associaes enormes e compactas, com base nas emanaes da Crosta do Mundo, onde milhes de homens e mulheres lhes sustentam as exigncias mais baixas; fazem vida coletiva provisria fora de sugarem as energias da residncia dos irmos encarnados, qual se fossem extensa colnia de criminosos, vivendo a expensas de generoso rebanho bovino. Importa ponderar, contudo, que o homem explora a vaca, menos consciente e incapaz de ser julgada por delito de conivncia, ao passo que, na esfera humana, o quadro apresenta outro aspecto. A criatura racional no se eximir responsabilidade. Se o perseguidor invisvel aos olhos terrestres erige agrupamentos para culto sistemtico revolta e ao egosmo, o homem encarnado, senhor de valiosos patrimnios de conhecimento santificante, garante-lhe a obra nefasta pela fuga constante s obrigaes divinas de cooperador de Deus, no plano de servio em que se localiza, alimentando ruinosa aliana. Um e outro, por isto, partilhando os resultados da indiferena destrutiva ou da ao condenvel, atritam e se vascolejam reciprocamente, tais quais feras que se entredevoram na floresta da vida. Obsidi-

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am-se, mutuamente, quando nos atilhos educativos da carne ou na ausncia deles. Atravessam sculos, assim, jungidos um ao outro, presos a lamentveis iluses e propsitos sinistros, com extremas perturbaes para si mesmos, j que a herana celestial se faz naturalmente vedada a todos aqueles que menosprezam em si prprios as sementes divinas. H milhes de almas humanas que se no afastaram, ainda, da Crosta Terrestre, h mais de dez mil anos. Morrem no corpo denso e renascem nele, qual acontece s rvores que brotam sempre, profundamente arraigadas no solo. Recapitulam, individual e coletivamente, lies multimilenrias, sem atinarem com os dons celestiais de que so herdeiras, afastadas deliberadamente do santurio de si mesmas, no terreno movedio da egolatria inconseqente, agitando-se, de quando em quando, em guerras arrasadoras que atingem os dois planos, no impulso mal dirigido de libertao, atravs de crises inominveis de fria e sofrimento. Destroem, ento, o que construram laboriosamente e modificam processos de vida exterior, transferindo-se de civilizao. O instrutor, sentindo a profunda ateno com que lhe seguamos a palavra, acentuou, depois de leve pausa: Todavia, no fluir e refluir das eras numerosas, os filhos do Planeta que se conservam atentos s determinaes divinas, livres da antiga escravido misria moral, tornam ao ambiente escuro do cativeiro que j abandonaram, a fim de ampararem os irmos ignorantes e desvairados, em sublime trabalho de compaixo. Formam as vanguardas do Cristo. nos mais diversos pontos do Globo, e, aos milhes, sob o patrocnio dEle, operam no amor e na renncia, avanando, dificilmente embora, humanidade a dentro, enfrentando a ofensiva incendiria e exterminadora, com as bnos da Luz Celeste... A exposio no podia ser mais clara. Eli, contudo, observou, assombrado:

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Quem diria, na Terra, nosso velho domiclio, que a vida infinita se estenderia, assim, estranha e ameaadora? Sim concordou o orientador , porm a ortodoxia no mundo costuma ser o cadver da revelao. Argumentos teolgicos de milnios obstruem os canais da inteligncia humana, quanto s realidades divinas. Mas a criatura prosseguir na tarefa de auto-descobrimento. A fora mental, na luta comum, permanece restrita ao crculo acanhado da personalidade egostica, copiando o molusco algemado concha, e sabemos que semelhante energia, patrimnio eterno com que nos sublimamos ou viciamos, emite raios criadores sobre a matria passiva que nos cerca, dependendo de ns a direo que venha a tomar. Se milhes de raios luminosos formam um astro brilhante, natural que milhes de pequeninos desesperos integrem um inferno perfeito. Herdeiros do Poder Criador, geraremos foras afins conosco, onde estivermos. No ser tudo isto perfeitamente inteligvel? por esta razo que o Senhor mandou constar no Livro Divino o seu aviso celestial: eis que estou porta e bato. Se algum abre a porta viva da alma, haver realmente o colquio redentor, entre o Mestre e o Discpulo. O corao tabernculo e a sublimao das potncias que o integram a nica via de acesso s esferas superiores. O devotado orientador fixou o gesto de quem dava trmino oportuno s explicaes, sorriu, benvolo, e interrogou: Qual de ns cometeria o absurdo de exigir vo ao balo cativo? A mente humana, enraizada nos interesses mais fortes da Terra, no detm outro smbolo. Calamo-nos, atendidos em nossa fome de elucidaes. Colhramos ali, na conversao de alguns minutos, precioso material de observao para longo tempo. Prosseguamos, agora, em silncio, extticos ante a beleza imponente da noite, maravilhosamente constelada.

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Vento brando sussurrava cnticos sem palavras na folhagem leve e grupos de amigos, que nos defrontavam de instante a instante, mostravam no olhar a mesma doce felicidade que transbordava do arvoredo florido. E assim, banhados em comoes inesquecveis, buscamos o santurio em que receberamos instrues para servio prximo, inundados de confiana e alegria, na posio de trabalhadores jubilosos que caminhassem contentes para a luta, como se avanassem, felizes, para uma festa de luz.

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3 EntendimentoO zimbrio estrelado, aos raios liriais da Lua, espalhava em torno vibraes de beleza inexprimvel, semeando esperana, alegria e consolo. Informado quanto aos objetivos que nos conduziriam Crosta, com escalas por uma colnia purgatorial de vasta expresso, vali-me da hora amena para aproveitar a convivncia com o instrutor, tentando arrancar-lhe observaes que vinham sempre revestidas de preciosos ensinamentos. admirvel pensar aventurei respeitosamente que se formam verdadeiras expedies em nossa esfera para atender a simples caso de obsesso... Os homens encarnados redargiu o orientador com certa vacuidade no olhar, qual se trouxesse a alma presa a imagens fugidias do pretrito no suspeitam a extenso dos cuidados que despertam em nossos crculos de ao. Somos todos, eles e ns, coraes imantados uns aos outros, na forja de benditas experincias. No romance evolutivo e redentor da Humanidade, cada esprito possui captulo especial. Ternos e rspidos laos de amor e dio, simpatia e repulso, acorrentam-nos reciprocamente. As almas corporificadas na Crosta guardam-se em passageiro sono, com esquecimento temporrio quanto s atividades pregressas. Banham-se no Estige dos antigos, cujas guas lhes facultam, durante certo tempo, valiosa segurana para retorno a oportunidades de elevao. Todavia, enquanto se mergulham em olvido benfico, demoramo-nos por nossa vez, em abenoada viglia. Os perigos que nos ameaam os entes amados de agora ou de pocas que o tempo consumiu, desde muito, no nos deixam impassveis. Os homens no se acham sozinhos na estreita senda de provas

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salutares em que se confinam. A responsabilidade pelo aperfeioamento do mundo compete-nos a todos. Esclarecido, com respeito jovem senhora que nos cabia socorrer, aduzi, reverente: A enferma, a cuja assistncia fomos admitidos, est por exemplo em vosso passado espiritual... Sim confirmou Gbio, humilde , alias no fui designado para servir no caso de Margarida, a doente que nos compele breve expedio do momento, apenas porque houvesse sido minha filha em eras recuadas. Em cada problema de Socorro, imprescindvel considerar as vrias partes em jogo. Em virtude do enigma de obsesso que nos propomos resolver, somos levados a buscar todas as personalidades que compem o quadro de servio. Perseguidores e perseguidos entrelaam-se, em cada processo de auxlio, em grande expresso numrica. Cada esprito um elo importante em extensa regio da corrente humana. Quanto mais crescemos em conhecimentos e aptides, amor e autoridade, maior o mbito de nossas ligaes na esfera geral. Almas existem que se vem sob o interesse de milhes de outras almas. Enquanto os movimentos da vida se estendem, harmoniosos, sob os ascendentes do bem, as dificuldades no chegam a surgir; contudo, quando a perturbao se estabelece, no fcil desfazer obstculos, porque em tais circunstncias indispensvel procedamos com absoluta imparcialidade, dando a cada um quanto lhe caiba. O homem terrestre, mormente nos dias tormentosos, costuma ver somente o seu lado, mas, acima da justia comum, propriamente considerada, outros tribunais mais altos funcionam... Em razo disso, todos os casos de desarmonia espiritual na Terra movem aqui extensa rede de servidores que passam a tratlos, sem inclinaes pessoais, em bases do amor que Jesus exemplificou e, nessas ocasies, preparamo-nos a satisfazer todos os

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imperativos de trabalho salvacionista que a tarefa nos imponha ou proporcione, dentro das atividades que lhe so conexas. A essa altura da instrutiva conversao, chegamos a gracioso templo. Nesse doce recanto consagrado materializao de entidades sublimes, a luz suave da noite calma como que se fazia mais bela. As vibraes constantes das preces, a emitidas por vrios sculos, tinham criado em torno da edificao prodigioso clima de encantamento. Melodia celeste derramava-se surdina e as flores delicadas do trio pareciam corresponder aos sons cristalinos, variando no brilho e na cor, quase que imperceptivelmente. Eu trazia o corao opresso, como se a felicidade das ltimas horas, em que ouvira to confortadoras e to graves reflexes atinentes extenso do mundo e da vida, me aproximasse a insignificncia pessoal da grandeza divina e lgrimas tranqilas inundaram-me o rosto. O instrutor tomou-nos a frente e, juntos, penetramos o jardim que circundava o aprazvel santurio. Alguns irmos adiantaram-se, acolhedores. Um deles, o Instrutor Gama, que se encarregava dos servios da casa, abraou-nos e disse com bondade: Chegam no momento preciso. Os doadores de fluidos sublimados encontram-se a postos e a outra comisso j veio. Entramos sem detena. Soube, de imediato, que outro grupo, constitudo, alis, por duas irms, ali se achava com o objetivo de receber instrues de servio para esferas mais baixas.

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Cariciosa claridade azul-brilhante banhava o largo recinto, adornado de flores nveas, semelhantes aos lrios que conhecemos na Terra. No houve tempo para conversaes prvias. Em seguida a saudaes ligeiras e cordiais, foi composto o conjunto de orao. Os doadores de energia radiante, mdiuns de materializao em nosso plano, se alinhavam, no longe, em nmero de vinte. Comovedora partitura soou, argentina e leve, em aposento prximo, predispondo-nos meditao de ordem superior. E logo aps a prece, formosa e espontnea, pronunciada pelo responsvel mais altamente categorizado na instituio, eis que a tribuna domstica se ilumina. Esbranquiada nuvem de substncia leitosa-brilhante adensa-se em derredor e, pouco a pouco, desse bloco de neve translcida, emerge a figura viva e respeitvel de veneranda mulher. Indizvel serenidade caracteriza-lhe o olhar simptico e o porte de madona antiga, repentinamente trazida nossa frente. Cumprimenta-nos com um gesto de bno, como que nos endereando, a todos, os raios da luz esmeraldina que em forma de aurola lhe exornam a cabea. As duas moas que formavam a comisso de servios, estranha nossa, avanaram com lgrimas discretas e rojaram-se, genuflexas. Me querida clamou uma delas, com tal inflexo de voz que nos cortava as fibras mais ntimas , ajuda-me a falar-te! A saudade longamente reprimida um fogo que consome o corao. Auxilia-me! No me deixes perder este doce e divino minuto! Apesar dos soluos de emoo que lhe vibravam no peito, continuou:

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Abenoa-nos para a grande jornada!... H muito tempo aguardamos esta hora breve de reencontro contigo... Perdoa-nos, Mezinha, se insistimos tanto na rogativa... Contudo, sem tua proteo amorosa, como vencer nos turbilhes do abismo? Desejando talvez justificar-se, ante os olhos maternos, acrescentava em pranto: De conformidade com as tuas amadas recomendaes, alm de nossas tarefas habituais na zona de servio em que a tua bondade nos situou, temos velado pelo paizinho, mergulhado nas sombras: todavia, h seis anos buscamo-lo embalde... Escapa-nos influncia renovadora e se compraz na companhia de entidades que, por onde passam, vampirizam as criaturas. No nos recebe a atuao carinhosa, seno em forma de pensamentos vagos, de que se desvencilha facilmente, e, se multiplicamos providncias salvacionistas, procede como louco... Gesticula a esmo, colrico e irritado, grita blasfmias e solicita o concurso de seres viciados, a cujas radiaes escuras se entrelaa, impelindo-nos as sugestes e a presena... Prefere o contacto de entidades ignorantes e infelizes, detestando-nos a ternura... Nesse ponto, crise mais intensa de emotividade impediu-lhe continuar. A nobre senhora que descera da tribuna, erguendo as filhas e acolhendo-as nos braos, exclamou com acento consolador na voz sem lgrimas, no obstante a visvel melancolia: Filhas amadas, o Sol combate a treva todos os dias. Batalhemos contra o mal, incessantemente, at vitria. No se suponham sozinhas no conflito doloroso. Desculpemos o papai, infinitamente, e colaboremos por restitui-lo terra firme da luz. Se o Cristo trabalha por ns, desde o princpio dos sculos, sem que lhe possamos compreender a amplitude dos sacrifcios, que dizer das nossas obrigaes de amparo e tolerncia, uns para com os outros? Cludio se fez para sempre credor da nossa estima e gra-

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tido, apesar do pavoroso crime oculto que no-lo arrebatou s profundezas .. Envenenou um parente para conseguir a riqueza material que nos ofereceu educao e conforto na esfera carnal. Por extrema dedicao a ns trs, no hesitou diante da tentao que o constrangeu a infernal compromisso. Dono de afeio inquieta, no soube esperar a bno do tempo e lanou mo de inconfessvel processo para localizar-nos em um osis de superioridade mentirosa... Para que ele nos sentisse garantidos e felizes, viveu durante quarenta anos consecutivos entre o remorso e o sofrimento, psiquicamente sintonizado com espritos maliciosos e vingativos das sombras, mas, na realidade, sobre as aflies dele nos foi possvel atravessar abenoada existncia de progresso e conforto, numa casa ditosa e farta, sem sabermos que em nossos alicerces espirituais vivia um ato escuro de assassnio e violncia! A essa altura, a entidade materializada chorou, comovedoramente Abraadas as trs, num quadro emocionante e mudo, a mezinha encontrou recursos a fim de prosseguir: Tornaremos, contudo, ao campo de luta regenerador e benfazejo... Que vale para ns a paisagem celestial sem a libertao daqueles que amamos? O corao amoroso, atormentado, abdicar do ingresso numa estrela para persistir ao lado de um ente querido, em duelo com as serpentes de um charco... Poderamos gozar, porventura, o espetculo augusto das esferas resplandecentes, ouvindo-lhes a harmonia indefinvel, numa situao de destaque adquirida custa daqueles que gemem e desfalecem nas trevas? Abandonar quem nos serviu de degrau em plena ascenso divina das mais horrendas formas de ingratido, O Senhor no pode abenoar uma ventura colhida ao preo de angstias para aqueles que no-las deram. Estou convencida de que h mais grandeza no anjo que desce ao inferno para salvar os filhos de Deus, transviados e sofredores, do que no mensageiro espiritual que se d pressa

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em comparecer ante o Trono do Eterno para louv-Lo, com esquecimento dos prprios benfeitores... A venervel matrona enxugou o pranto copioso e prosseguiu: Olvidemos, pois, minhas filhas, o que hoje somos, para socorrer os que, com o propsito de nos servirem, resvalaram a despenhadeiro sinistro e tormentoso. Saldemos nossas dvidas secretas com abnegao e devotamento. Mais tarde, receberei Antnio, o sobrinho envenenado, em meus braos maternos, reaproximando-o de Cludio, atravs da cordialidade e do respeito vividos em comum. Ensinar-lhe-ei com alegre ternura a pronunciar o nome de Deus e a desfazer as pesadas nuvens de revolta que lhe empanam a vida ntima. A fim de inclin-lo compreenso e piedade, com mais eficincia, comprometi-me a acolher tambm no tabernculo materno as seis criaturas desviadas do bem, s quais se apegou, desvairado, nas regies inferiores, em face da culpa de quem nos foi desvelado amigo. Meu afeto reinar dificilmente num lar repleto de coraes menos afins com o meu, onde Jesus me ensinar a soletrar, venturosa, a doce lio do sacrifcio silencioso... Muitas vezes, lidarei com a discrdia e a tentao; todavia, no podemos acreditar em felicidades de improviso. Conquistaremos em cooperao abenoada aquela paz que Cludio sonhou para ns e que ele prprio no desfrutou... Para que eu parta, porm, no rumo da reencarnao, necessrio que o papai renasa primeiro. Sem esse marco inicial, no posso atacar o nosso processo redentor em nova fase. Ajudemo-nos, assim, reciprocamente. Enquanto procuro transformar Antnio, reajustando-lhe as fibras afetivas, inclinem ambas o esprito paterno esperana e meditao reconstrutivas... As jovens derramavam pranto comovedor, em que se misturavam angstia e alegria, e a matrona iluminada, revelando-se em despedida, acrescentou:

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No desanimem, O tempo das mais preciosas ddivas do Senhor e o tempo nos auxiliar. O porvir reunir-nos- de novo, em abenoado refgio terrestre. Eu e Cludio, ento renovado, receberemos muitos filhinhos e vocs duas estaro entre eles, reconfortando-nos os coraes. Terei sobre o peito algumas pedras preciosas por lapidar, no esforo de cada dia e, dentro d'alma, duas flores, em ambas, cujo perfume celeste me sustentar as energias necessrias Perseverana at ao fim... Compensar-meo vocs duas de todas as canseiras... Juntas pelo amor imperecvel trabalharemos sustentadas pela recordao, embora imprecisa, da gloriosa vida espiritual que, um dia, nos acolher, felizes e triunfantes. Lembremo-nos de Jesus e avancemos... Silenciou a emissria e as moas, provavelmente avisadas de que o tempo permanecia esgotado, abraaram-na de encontro ao corao, sedentas de carinho. A mezinha beijou-as, enternecida, e, aps saudar-nos cordialmente, tornou tribuna, em cujo topo desapareceu ao nosso olhar, numa onda de neblina evanescente. Entreolhamo-nos em lgrimas, como quem tivera permisso de repousar a mente em branda melodia. As irms retomaram o lugar que ocupavam e msica balsmica se fez ouvir, renovando-nos o ambiente, obedecendo certo, ao intuito de modificar-nos o campo vibracional Ponderando na incomensurvel bondade do Pai, recordei os laos afetivos que me ligavam ao pretrito e observei, mais uma vez, que todas as medidas do bem so planejadas e pacientemente executadas pelos que se angelizam nas Virtudes do Cu, lastimando intimamente, as oportunidades perdidas noutro tempo, quando o verdadeiro entendimento da vida me no felicitava o esprito. Ainda no voltara a mim mesmo da salutar divagao, quando outro lenol de alva substncia, coroada de tons dourados, se

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fez visvel no alto. Em breves instantes, revestida de luz, outra mensageira surgia na tribuna. Dos olhos irradiava doce magnetismo santificante. Trajava um peplo estruturado em fina gaze azul-radiosa e desceu, ereta e digna, fitando-nos suavemente, procura de algum, com interesse particular. O instrutor ergueu-se, reverente, e caminhou na direo dela, qual discpulo submisso. A recm-chegada pronunciou frases de paz, sem afetao, e endereou-lhe a palavra, em tom de infinita ternura: Irmo Gbio, agradeo-te o concurso dadivoso. Creio haver chegado, efetivamente, o instante de aceitar-te a ajuda fraterna, em favor da libertao de meu infortunado Gregrio. Espero, h sculos, pela renovao e penitncia dele. Impressionado pelos imensos recursos do poder, no passado distante, cometeu hediondos crimes da inteligncia. Internado em perigosa organizao de transviados morais, especializou-se, depois da morte, em oprimir ignorantes e infelizes. Pelo endurecimento do corao, conquistou a confiana de gnios cruis, desempenhando presentemente a detestvel funo de grande sacerdote em mistrios escuros. Chefia condenvel falange de centenas de outros espritos desditosos, cristalizados no mal e que lhe obedecem com deplorvel cegueira e quase absoluta fidelidade. Agravou o passivo de suas dvidas clamorosas, trazidas da insnia terrestre, e vem sendo instrumento infeliz nas mos de inimigos do bem, poderosos e ingratos... H cinqenta anos, porm, j consigo aproximar-me dele, mentalmente. Recalcitrante e duro, a princpio, Gregrio agora experimenta algum tdio, o que constitu uma bno nos coraes infiis ao Senhor. J lhe surpreendo no esprito rudimentos de necessria transformao. Ainda no chora sob o guante do arrependimento benfico e parece-me longe do remorso salvador; entretanto, j duvida da vitria do mal e abriga interrogaes na

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mente envilecida. No to severo no comando dos espritos desventurados que lhe seguem as determinaes e o colapso de sua resistncia no me parece remoto. Nesse instante, notei que a venervel matrona derramava lgrimas discretas, que lhe deslizavam na face como sementes de luz. Parou por alguns momentos, controlada pelas reminiscncias dolorosas, e continuou: Irmo Gbio, perdoa-me o pranto que no significa mgoa ou esmorecimento... Na pauta do julgamento humano comum, meu filho espiritual ser talvez um monstro... Para mim, contudo, a jia primorosa do corao ansioso e enternecido. Penso nele qual se houvera perdido a prola mais linda num mar de lama e tremo de alegria ao considerar que vou reencontr-lo. No paixo doentia que vibra em minhas palavras. o amor que o Senhor acendeu em ns, desde o princpio. Estamos presos, diante de Deus, pelo magnetismo divino, tanto quanto as estrelas que se imantam umas s outras, no imprio universal. No encontrarei o Cu, sem que os sentimentos de Gregrio se voltem igualmente para a Eterna Sabedoria. Alimentamo-nos na Criao com os raios de vida imperecvel que emitimos uns para com os outros. Como surpreender a perfeita ventura se recebo do filho amado to somente raios de foras em desvario? O nosso orientador contemplou-a, de olhos midos, e rogou: Nobre Matilde! estamos prontos. Dita ordens! Por mais que fizssemos por tua alegria, nosso esforo seria pobre e pequenino, diante dos sacrifcios em que te empenhas por ns todos. Num sorriso triste, prosseguiu a respeitvel senhora: Descerei, dentro em breves anos, para o torvelinho de lutas carnais, a fim de esperar Gregrio em existncia de resgate difcil e doloroso. Educ-lo-ei sob os princpios superiores que regem a

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vida. Crescer sob minha inspirao imediata e receber a prova perigosa e aflitiva da riqueza material. de nosso plano que ele acolha, no curso do tempo, em labor gradativo, a extensa legio de servidores viciados que hoje o seguem e a ele obedecem, a fim de encaminh-los, tanto os possivelmente encarnados quanto os desencarnados, atravs do carreiro de santificao pela disciplina benfica em construtivo suor. Padecer calnias e vilipndios. Ser muita vez humilhado face dos homens. Triunfar nos bens efmeros e nas honrarias mentirosas. Receber, no desdobramento da tarefa salvadora, tentaes de toda espcie que lhe sero desfechadas pela colnia de ignorncia, perversidade e delinqncia a que atualmente se filia e conhecer, depois de experincias inquietantes, a desero dos falsos amigos, o abandono, a misria, a enfermidade, a velhice e a solido. Apegar-se- profundamente ao meu carinho, na infncia, na mocidade e na madureza; entretanto, na colheita de provaes mais duras, t-lo-ei precedido na viagem do tmulo... Nessa poca, porm, que pressinto de to longe, meu corao materno, embora na esfera espiritual, encoraj-lo-, passo a passo, na direo do esperado triunfo... Nas amarguras e desiluses que o ajudaro a reestruturar e aperfeioar os poderes da mente, minha voz de amor eterno ser por ele registrada com mais preciso... At l, porm, Gbio, compete-me trabalhar muito e sem desnimo, com incessante aproveitamento das horas. Moverei as cordas da intercesso sublime, mobilizarei meus amigos, rogarei a Jesus fortaleza e serenidade. Iniciaremos a liberao com o teu abnegado concurso na zona abismal. A veneranda mensageira fez ligeiro intervalo e, concentrando o olhar sobre o nosso instrutor, aduziu com nova inflexo de voz: Atenders Margarida que te foi filha amantssima e que a Gregrio ainda se encontra imantada por teias escuras do passado e colaborars com o meu devotamento materno para que na alma dele se converta a sublevao em humildade e a frieza em calor.

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Encontrando-o, veste a capa do servo prestimoso e fala-lhe em meu nome. Sob o gelo que lhe cristaliza os sentimentos, descansa, inapagada, a chama do amor que nos une para sempre. Disponho, agora, da permisso de fazer-me sentir e acredito que, face de tua amorosa tarefa, mover-se-lhe- o esprito endurecido. Sei quanto te custa a incurso nos domnios da dor, porque s aquele que sabe amar e suportar consegue triunfo nas conscincias que se degradaram no mal; entretanto, meu amigo, os dons divinos descem sobre ns, dentro de justas condicionais. O Senhor nos enriquece para que enriqueamos a outrem, d-nos alguma coisa para ensaiarmos a distribuio de benefcios que Lhe pertencem, ajuda-nos a fim de que auxiliemos, por nossa vez, os mais necessitados. Mais recolhe quem mais semeia... Diante daqueles olhos divinos, agora velados de lgrimas que no chegavam a cair, Gbio valeu-se do intervalo e considerou, reverencioso: Abnegada Matilde, sou pequenino em excesso para merecer-te as palavras. Onde existe a alegria, o sofrimento no se detm. Socorreste-me com a tua intercesso, amparando-me o zelo afetivo, perante as necessidades de Margarida. Um corao paternal sempre venturoso, em se humilhando pelos filhos que ama. Sou simplesmente teu devedor e, se Gregrio me flagelasse nos crculos em que domina, semelhante aflio se converteria igualmente em jbilo, dentro de mim. De qualquer modo, ele me recordar tua bondade e teu devotamento apoiando-me os propsitos de descer para servir. As dores que me acarretasse seriam abenoados espinhos nas rosas que me ofereceste. Em teu nome, salvarei minha filha, cuja experincia atual no corpo denso nos sumamente importante s reencarnaes porvindouras... Trabalharei reconhecido ao ensejo que me deste, lutarei, encorajado e feliz...

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Mostrando intenso jbilo e grande esperana na expresso fisionmica, a senhora agradeceu com palavras generosas e concluiu: Ao terminares a fase essencial de tua misso, nos dias prximos, sobre o que serei notificada por nossos mensageiros, irei ao teu encontro nos campos de sada1. Ento, quem sabe? provvel se verifique o encontro pessoal que almejo h muito tempo, porquanto Gregrio vir possivelmente em tua companhia, at a um ponto em que de alguma sorte a manifestao da luz ser possibilitada ante as trevas. A emissria acentuou a expresso brilhante do rosto, exteriorizando a doce expectativa que lhe povoava a alma, e considerou: A hora chegada... O Senhor estar conosco. H tempo de plantar e tempo de colher. Gregrio e eu semearemos de novo. Seremos me e filho, outra vez! Detendo-se particularmente sobre nosso instrutor, falou, exttica: Possam minhas lgrimas de alegria orvalhar-te o esprito laborioso. Seguir-te-ei a ao e aproximar-me-ei no instante oportuno. Creio na vitria do amor, logo resplandea o minuto do reencontro. Nesse dia abenoado, Gregrio e os companheiros que mais se afinarem com ele sero trazidos por ns a crculos regeneradores e, dessas esferas de reajustamento, conto reorganizar elementos ante o futuro promissor, sonhando em companhia dele as realizaes que nos competem alcanar. Gbio pronunciou algumas frases de compromisso fraterno. Trabalharamos sem descanso. Desvelar-nos-amos pela execuo das ordens afetuosas.1

A expresso campos de sada define lugares-limites, entre as esferas inferiores e superiores. Nota do autor espiritual.

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A singular entrevista terminou entre preces de gratido ao Eterno Pai. Findo aquele culto vivo de amor imortal, despedimo-nos da famlia crist que ali se congregava. C fora, a noite se fizera mais bela. A Lua reinava num trono de azul macio, constelado de estrelas luzentes. Flores inmeras saudavam-nos com perfume inebriante. Ergui para o instrutor olhos repletos de indagaes, mas Gbio, afagando-me os ombros, delicadamente murmurou: Repousa a mente e no perguntes por agora. Amanh, seguiremos na direo da tarefa nova, que nos exigir muita prudncia e compreenso fraternal, e convence-te de que o servio nos esclarecer com a sua linguagem viva.

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4 Numa cidade estranhaNo dia imediato, pusemo-nos em marcha. Respondendo-nos s argies afetuosas, o instrutor informou-nos de que teramos apenas alguns dias de ausncia. Alm dos servios referentes ao encargo particular que nos mobilizava, entraramos em algumas atividades secundrias de auxlio. Tcnico em misses dessa natureza, afirmou que nos admitira, num trabalho que ele poderia desenvolver sozinho, no s pela confiana que em ns depositava, mas tambm pela necessidade da formao de novos cooperadores, especializados no ministrio de socorro s trevas. Aps a travessia de vrias regies, em descida, com escalas por diversos postos e instituies socorristas, penetramos vasto domnio de sombras. A claridade solar jazia diferenada. Fumo cinzento cobria o cu em toda a sua extenso. A volitao fcil se fizera impossvel. A vegetao exibia aspecto sinistro e angustiado. As rvores no se vestiam de folhagem farta e os galhos, quase secos, davam a idia de braos erguidos em splicas dolorosas. Aves agoureiras, de grande tamanho, de uma espcie que poder ser situada entre os corvdeos, crocitavam em surdina, semelhando-se a pequenos monstros alados espiando presas ocultas. O que mais contristava, porm, no era o quadro desolador, mais ou menos semelhante a outros de meu conhecimento, e, sim, os apelos cortantes que provinham dos charcos. Gemidos tipicamente humanos eram pronunciados em todos os tons.

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Acredito, teramos examinado individualmente os sofredores que a se localizavam, se nos entregssemos a detida apreciao; todavia, Gbio, maneira de outros instrutores, no se detinha para atender a curiosidade improfcua. Lembrando a selva escura a que Alighieri se reporta no imortal poema, eu trazia o corao premido de interrogativas inquietantes. Aquelas rvores estranhas, de frondes ressecadas, mas vivas, seriam almas convertidas em silenciosas sentinelas de dor, qual a mulher de Lot, transformada simbolicamente em esttua de sal? E aquelas grandes corujas diferentes, cujos olhos brilhavam desagradavelmente nas sombras, seriam homens desencarnados sob tremendo castigo da forma? Quem chorava nos vales extensos de lama? Criaturas que houvessem vivido na Terra que recordvamos, ou duendes desconhecidos para ns? De quando em quando, grupos hostis de entidades espirituais em desequilbrio nos defrontavam, seguindo adiante, indiferentes, incapazes de registrar-nos a presena. Falavam em alta voz, em portugus degradado, mas inteligvel, evidenciando, pelas gargalhadas, deplorveis condies de ignorncia. Apresentavam-se em trajes bisonhos e conduziam apetrechos de lutar e ferir. Avanamos mais profundamente, mas o ambiente passou a sufocar-nos. Repousamos, de algum modo, vencidos de fadiga singular, e Gbio, depois de alguns momentos, nos esclareceu: Nossas organizaes perispirticas, maneira de escafandro estruturado em material absorvente, por ato deliberado de nossa vontade, no devem reagir contra as baixas vibraes deste plano. Estamos na posio de homens que, por amor, descessem a operar num imenso lago de lodo; para socorrer eficientemente os que se adaptaram a ele, so compelidos a cobrir-se com as substncias do charco, sofrendo-lhes, com pacincia e coragem, a influenciao

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deprimente. Atravessamos importantes limites vibratrios e cabenos entregar a forma exterior ao meio que nos recebe, a fim de sermos realmente teis aos que nos propomos auxiliar. Finda a nossa transformao transitria, seremos vistos por qualquer dos habitantes desta regio menos feliz. A orao, de agora em diante, deve ser nosso nico fio de comunicao com o Alto, at que eu possa verificar, quando na Crosta, qual o minuto mais adequado de nosso retorno aos dons luminescentes. No estamos em cavernas infernais, mas atingimos grande imprio de inteligncias perversas e atrasadas, anexo aos crculos da Crosta, onde os homens terrestres lhes sofrem permanente influenciao. Chegou para ns o momento de pequeno testemunho. Muita capacidade de renncia indispensvel, a fim de alcanarmos nossos fins. Podemos perder por falta de pacincia ou por escassez de vocao para o sacrifcio. Para a malta de irmos retardados que nos envolver, seremos simples desencarnados, ignorantes do prprio destino. Passamos a inalar as substncias espessas que pairavam em derredor, como se o ar fosse constitudo de fluidos viscosos. Eli estirou-se, ofegante, e no obstante experimentar, por minha vez, asfixiante opresso, busquei padronizar atitudes pela conduta do instrutor, que tolerava a metamorfose, silencioso e palidssimo. Reparei, confundido, que a voluntria integrao com os elementos inferiores do plano nos desfigurava enormemente. Pouco a pouco, sentimo-nos pesados e tive a idia de que fora, de improviso, religado, de novo, ao corpo de carne, porque, embora me sentisse dono da prpria individualidade, me via revestido de matria densa, como se fosse obrigado a envergar inesperada armadura. Decorridos longos minutos, o orientador apelou, diligente:

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Prossigamos! Doravante, seremos auxiliares annimos. No nos convm, por enquanto, a identificao pessoal. Mas, no ser isto mentir? clamou Eli, quase refeito. Gbio dividiu conosco um olhar de benevolncia e explicou, bondoso: No te recordas do texto evanglico que recomenda no saiba a mo esquerda o que d a direita? Este o momento de ajudarmos sem alarde. O Senhor no mentiroso quando nos estende invisveis recursos de salvao, sem que lhe vejamos a presena. Nesta cidade sombria, trabalham inmeros companheiros do bem nas condies em que nos achamos. Se erguermos bandeira provocante, nestes campos, nos quais noventa e cinco por cento das inteligncias se encontram devotadas ao mal e desarmonia, nosso programa ser estraalhado em alguns instantes. Centenas de milhares de criaturas aqui padecem amargos choques de retorno realidade, sob a vigilncia de tribos cruis, formadas de espritos egostas, invejosos e brutalizados Para a sensibilidade medianamente desenvolvida, o sofrimento aqui inaprecivel. E h governo estabelecido num reino estranho e sinistro quanto este? indaguei. Como no? respondeu Gbio, atenciosamente. Qual ocorre na esfera carnal, a direo, neste domnio, concedida pelos Poderes Superiores, a ttulo precrio. Na atualidade, este grande emprio de padecimentos regenerativos permanece dirigido por um strapa de inqualificvel impiedade, que aliciou para si prprio o pomposo ttulo de Grande Juiz, assistido por assessores polticos e religiosos to frios e perversos quanto ele mesmo. Grande aristocracia de gnios implacveis aqui se alinha, senhoreando milhares de mentes preguiosas, delinqentes e enfermias...

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E porque permite Deus semelhante absurdo? Dessa vez, era o meu colega que perguntava, de novo, semiapavorado, agora, ante os compromissos que assumramos. Longe de perturbar-se, Gbio replicou: Pelas mesmas razes educativas atravs das quais no aniquila uma nao humana quando, desvairada pela sede de dominao, desencadeia guerras cruentas e destruidoras, mas a entrega expiao dos prprios crimes e ao infortnio de si mesma, para que aprenda a integrar-se na ordem eterna que preside vida universal. De perodo a perodo, contado cada um por vrios sculos, a matria utilizada por semelhantes inteligncias revolvida e reestruturada, qual acontece nos crculos terrenos; mas se o Senhor visita os homens pelos homens que se santificam, corrige igualmente as criaturas por intermdio das criaturas que se endurecem ou bestializam. Significa ento que os gnios malditos, os demnios de todos os tempos... exclamei, reticencioso... Somos ns mesmos completou o instrutor, paciente quando nos desviamos, impenitentes, da Lei. J perambulamos por estes stios sombrios e inquietantes, mas os choques biolgicos do renascimento e da desencarnao, mais ou menos recentes, no te permitem, nem a Eli, o desabrocho de reminiscncias completas do passado. Comigo, porm, a situao diversa. A extenso de meu tempo, na vida livre, j me confere recordaes mais dilatadas e, de antemo, conheo as lies que constituam novidade. Muitos de nossos companheiros, guindados altura, no mais identificam nestas paragens seno motivos de cansao, repugnncia e pavor; todavia, foroso observar que o pntano, invariavelmente, uma zona da natureza pedindo o socorro dos servos mais fortes e generosos.

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Msica extica fazia-se ouvir no distante e Gbio rogou-nos prudncia e humildade em favor do xito no trabalho a desdobrarse. Reerguemo-nos e avanamos. Fizera-se-nos tardio o passo e nossa movimentao difcil. Em voz baixa, o orientador reiterou a recomendao: Em qualquer constrangimento ntimo, no nos esqueamos da prece. , de ora em diante, o nico recurso de que dispomos a fim de mobilizar nossas reservas mentais superiores, em nossas necessidades de reabastecimento psquico. Qualquer precipitao pode arrojar-nos a estados primitivistas, lanando-nos em nvel inferior, anlogo ao dos espritos infelizes que desejamos auxiliar. Tenhamos calma e energia, doura e resistncia, de nimo voltado para o Cristo. Lembremo-nos de que aceitamos o encargo desta hora, no para justiar e sim para educar e servir. Adiantamo-nos, caminho a fora, como se fazia possvel. Em minutos breves, penetramos vastssima aglomerao de vielas, reunindo casario decadente e srdido. Rostos horrendos contemplavam-nos furtivamente, a princpio, mas, medida que varvamos o terreno, ramos observados, com atitude agressiva, por transeuntes de miservel aspecto. Alguns quilmetros de via pblica, repletos de quadros deplorveis, desfilaram a nossos olhos. Mutilados s centenas, aleijados de todos os matizes, entidades visceralmente desequilibradas, ofereciam-nos paisagens de arrepiar. Impressionado com a multido de criaturas deformadas que se enfileiravam sob nosso raio visual, perfeitamente arrebanhadas ali em experincia coletiva, enderecei algumas interrogaes ao instrutor, em tom discreto.

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Porque to extensa comunidade de sofredores? Que causas impunham to flagrante decadncia da forma? Paciente, o orientador no se fez demorado na resposta. Milhes de pessoas informou, calmo , depois da morte, encontram perigosos inimigos no medo e na vergonha de si mesmas. Nada se perde, Andr, no crculo de nossas aes, palavras e pensamentos. O registro de nossa vida opera-se em duas fases distintas, perseverando no exterior, atravs dos efeitos de nossa atuao em criaturas, situaes e coisas, e persistindo em ns mesmos, nos arquivos da prpria conscincia, que recolhe matematicamente todos os resultados de nosso esforo, no bem ou no mal, ao interior dela prpria. O esprito, em qualquer parte, movese no centro das criaes que desenvolveu. Defeitos escuros e qualidades louvveis envolvem-no, onde se encontre. A criatura na Terra, por onde peregrinamos, ouve argumentos alusivos ao Cu e ao Inferno e acredita vagamente na vida espiritual que a espera, alm-tmulo. Mais cedo que possa imaginar, perde o veculo de carne e compreende que no se pode ocultar por mais temp