Espiritualidade, Observações e Reflexões Sobre o Pietismo(Estudos Teológicos é Um Periódico Semestral Do Programa de Pós-Graduação Em Teologia Da Escola Superior de Teologia)

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    Espiritualidade

    Observaçõesereflexõessobreopietismo

    Joachim Fischer 

    1.FNTRODUÇÀO

    O assunto deste estudoéa espiritualidadedo pietismo. Háboas razões para ocuparmo-nos com o pietismo. Pois ele estápresente na história da nossa Igreja desde hámais de 100 anos.Ensinamos, conformeoartigo 7daConfissãodeAugsburgo, "quesemprepermaneceráumasantaigreja"(1).OCondeNicolauLuísdeZinzendorf,quejáfoichamado"opersonagemmaisoriginalemais

    importante" na história da espiritualidade cristã doséculo 18 (2),observa com toda a razão, em sua explicação daquele Artigo daConfissãodeAugsburgo: “ O estudodahistória da Igreja é essencialmenteumestudomuitoú til" (3). Valeapenaestudartambém ahistóriadanossaIgreja.

    Nossascomunidades têmalgumasdesuas raízes históricasno pietismo. Se queremos compreender quem somos e dondeviemos, precisamos procurar nossas raízes para conscientizarmo-

    nosdessa herança. Vale lembrarqueapalavra "raiz" sederivadapalavra latina "rad ix". Dessamesma palavra deriva-se também apalavra "rad ical". Dopontodevista histórico, radical éaquelequeestudaecompreeende as coisas pelassuas raízes. Nessesentidoapresentoaquialgumasobservaçõesereflexões"radicais"sobreaespiritualidade do pietismo. Não se trata de uma apologia do

    (1) A Confissão de Augsburgo. 1530 - 19*0. Da* Augsburger Bekenntnis. Edição bilíngüe. (SãoLeopoldo, 1980 Xpág. 20.

    ;2) K a r l Heussi, Kompendium der Kirchengeschichte (Compêndio da História da IgrejaX

    (Tübingen, II*ed. 1957), pág. 40?

    (3) Ein und zwanzig Discurse über die Augspurgische Confession gehalten vom 15. Dec. 1747 bis

    zum 3 Mart 1748 (21 Discursos sobre a Confissão de Augsburgo proferidos de 15 de dezembro

    de 1747 até 3 de março de 1748). Em: Nifcolaus Ludwig von Zizendoif Hauptschriften (Obras

    fríncipais). ed por Erich Beyreuther e Gerhard Meyer, vol. 6. (Hildesheim. 1963)pág. 305.

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    em geral levam a pessoa humana Todos nóssomos pecadores equeremos recomendar à misericórdia de Oeus esta pobre alma.

    Amém!” (8). Esse relatória foidescritoporum pastor. Mas faladealguémdopovoedesuaespiritualidadepopular.

    e)AlgosemelhantetransparecenaquiloqueopastorLeonhard Hollerbach relatou, nos anos 60 do século passado, sobreaproximadamente 70 imigrantes holandeses na região da atualcidadedeTeófiloOtoni,emMinasGerais: ‘AquiaBíbliageralmenteainda é reconhecida, amada e lida como palavra de Oeus. Háfamílias em que a Sagrada Escritura é colocada na mesa quatro

    vezes por dia . . . Na casa em queme encontro nestemomento,durmo na mesa em que tomamos as refeições e a qual servetambém como púlpito” . Os moradores queriam construir umapequena igreja Para issoprecisavam de ajudafinanceirade foraSobreesseassuntoHollerbachescreveu: "Nãopretendodirigir-meaosalemães(naAlemanha),esim, aogovernobrasileiroeà Igrejaholandesa”(9).

    A espiritualidade pietista veio para o Brasil também com

    pastorespietistas.Aseguirapresentoalgunsexemplosdo“ pietismopastoral” .

    f)AprimeiraentidadeevangélicadaEuropaquesepreocupoucomoscolonosevangélicosemigradosparaoBrasilfoi,depoisdaIgrejadaPrússia,aMissãodeBasiléia,naSuíçaEssaSociedadeMissionária,queexisteaindahoje,éfrutodopietismodoséculo19,sobretudo naSuíça de fala alemã, no sudoeste daAlemanha naAlsácia e naAustria (10). Foi fundada em 1815. Já em 1819/20ventilou,numareuniãodesuadiretoria,aviabilidadedoenviodeumpastor-missionário para o Brasil (11). Naquela vez a idéia não seconcretizou. Mas a partir de 1861 pastores da Missão de Basiléiaderam sua contribuição, de cunho pietista, para a história dasnossascomunidades.Entreelesencontram-se, porexemplo, Leon-

    (8) Der Deustche Ansiedler (O colono alemão) 1899, pág. 60, citado por Ferdinand Schröder (v.

    anot 4), H3.

    (9) Carta de Höllerbach à Missão de Basiléia, de 15 de julho de 1863 (Arquivo da Missão de

    Basiléia, vol FB-1.1 X

    (10) Alfred Dilger: Art. “Basler Missionsgesellschaft” (Sociedade Missionária de Basiléia). Em:

    RGG 3* ed., vol. 1, (Tübingen, 1957). pág. 914.

    (11) Ata da 21*. reunião da diretoria em 1819 (17 de dezembro); 1*- 2*., 3* 3 4*reunióes de 1820 (10 e

    21 de janeiro, 9 e 28 de fevereiro) (Livro de Atas das reuniões da diretoria da Sociedade

    Missionária de Basiléia 3, pág. 85 e n5 4, pág. 20, 24. 27s. e 32, no Arquivo da Missão de

    Basiléia).

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    hard Hollerbach, já mencionado em cima, que atuou em MinasGerais e o qual assinou em 1867 um documento, redigido em

    alemão, comseunomeem formaabrasileirada(Leonardo),osuíçoJohannesRudolf Oietschi, o pastorMichael Haetinger, o fundadordosAsilosPelaeBetânia,edoisdosnossospastoresaposentados,KarlScheibleemSapiranga,RioGrandedoSul,eGustavBraunemNova Petrópolis, Rio Grande do Sul, todos os très naturais deWürttemberg.As instruções que a Missão de Basiléia deu aosprimeirosdessespastores(12),evidenciamtraçoscaracterísticosdaespiritualidade daqual nasceu aquela iniciativa. Foi lhes dito que

    seriam enviados para os protestantes no Brasil que faiam alemão.Mas acrescentou-seexpressamentequenegros, índios ecatólicosromanos não estavam excluídos. Recomendou-se-lhes o estudointensivodo catolicismo brasileiro e dageografia e da história dopaís. Oeviam agir com paciência, pois com eles começaria algonovo,ecomsabedoria,poisfacilmentepoderiamsurgirresistênciase dificuldades, como muitas vezes acontece, quando se começaalgo novo. Não deviam envolver-se em controvérsias políticas - hoje diríamos, talvez: na política partidária - nem em polêmicas

    confessionais. Oeviam ser irrepreensíveis em sua conduta. Deviaminiciarseutrabalhopastoralcomindivíduosecuidarsobretudodosdoentes (clínica pastoral!)edosjovens.Suagrandemetadeviaserreunircristãosemcomunidades,fomentarauniãoentreascomunidades e fundar um sínodo. Podemos ver, pois, que comunidade,comunhãoe uniãosãodimensões importantesdessaespiritualidade. Provavelmenteestavam presentes tambémemoutros pastores,nãoenviadospelaMissãodeBasiléia, masigualmentedeorigem e

    formaçãopietista, poisaautênticaespiritualidadepietistaécomunitária.

    Juntamentecomessaespiritualidadeencontramosnahistóriada nossa Igreja também seu questionamento, sua crítica esuarejeição. Com mais alguns exemplos pretendo mostrar como aespiritualidadepietistaseformouesefirmouemmeioataiscríticas,àsvezesbastanteduras.

    g) Quando o já mencionado pastor Leonhard Hollerbach

    chegou à colóniade imigrantesalemães no Rio Mucuri, em MinasGerais, foifestivamentesaudado.Masdepoiselemesmoconstatou"quea-alegria nãoforamotivadapelafomepelapalavradeDeus” .Parece que sua pregação foi exigente demais para os coionos.

    (12) 33* reunião da diretoria em 1361 (28 de agosto) (Livro de Atas das reuniões da direto ria da

    Sociedade Missionária de Bastiéia nJí2, pág. 127-129. no Arquivo da Missào de Basiléia).

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    Esses aparentemente  nãogostaram de uma pregaçãoqueinsistiuno compromisso da fé para a vida diária. Então disseram: "Um

    pietistanãoqueríamos...,vamoscozinharparaeleumpratoquefaçacomqueprefirasairdaqui”(13).

    h) Na mesma época pastores enviados peia Missão deBasiléiacomeçaramaatuartambémnacolônia deSantaLeopoidi-na, noEspíritoSanto.Odiretordaquelacolônia,umalemãoe,comoparece, um livre-pensador típico do século 19, caracterizou opietismoumavezcomo "sorrindodemaneirasentimental,humilde-arrogante,baixandoosolhoseespiandodemodoatrevido,minando

    qualquerfelicidadefamiliar” . Falouaindado ‘‘anzol”dospietistasedesuas "iscas” , folhetinhosdeElberfeld, umconhecidocentrodopietismo (14). Neste caso não foi o povo que falou assim. Foi aautoridademáximadacolônia,umhomemcominstruçãouniversitária e com otítulo de doutor, provavelmente um representante damentalidade que foi considerada como a mais moderna em seutempo.

    i)Porvoltade 1873 tambéma comunidadedePortoAlegre

    nãoqueria "um pietista ortodoxo” como pastor, e sim, um liberal(15).Seriainteressantesaber,seessaatitudetinhaalgoavercomacomposiçãodacomunidadesobospontosdevistapolítico,socialeeconômico.Masaindafaltamestudosdetalhadosaesserespeito

     j) Um outro incidente aconteceu em Santa Isabel, SantaCatarina. Pastores enviados pela Missão de Basiléia tomaramdiversas providênciasparamelhoraronível intelectual eocomportamento morai e religioso dos coionos. Oestamaneira esperavam

    melhorartambémsuasituaçãofinanceiraesociai.Masumpequenogrupo de proprietários de bodegas sentiu-se prejudicado pelamudança dos costumes, insatisfeitos com a decadência de seusnegócios,tentaramafastaropastorDietegenFlury,umdosenviadosde Basiléia. Mas não ousaram atacar diretamente os esforçoseducacionais epastoraisdeFlury.Usaram como pretextoargumentossócio-políticoseideológicos. PoucoantesaconteceraatragédiadosMuckernoRioGrandedoSul. Entãoaquelegrupodeinsatisfeitosacusou Flury eumapartedacomunidadecomosendotambémMucker.EspalharamoboatodequeumdoslíderesdosMuckerteria

    (13) Carta de Höllerbach à Missão de Basiléia, de 24 de maio de 1863 (Arquivo da Missão de

    Basiléia, vol. FB-I.l ).

    (14) Carta de 20 de dezembro de 1864 à Missão de Basiléia (Arquivo da Missão de Basiléia, vol.

    FB-1,1).

    (15) Ferdinand Schröder, Brasilien und Wittenberg (v. anot. 4). pá.g 99s.

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    sido um missionário de Basiléia. As autoridades provinciais jáestavampreocupadas. Temiam uma repetiçãodosacontecimentos

    emtornodosMucker.Examinaramocaso.NáoconseguiramprovarnadamasporprecauçãoproibiramaopastorarealizaçãodecultosnaigrejadeTeresópolts, umacomunidadefilialdeSantaIsabel.Nãolhepagarammaisosalárioquerecebiadogoverno,comonaépocaacontecia com vários outros pastores evangélicos. Finalmenteproibiramestudosbíblicoscommaisde10participantes(16).Tudoisso mostra que a espiritualidade pietista não raras vezes é umaespiritualidadesofrida,atacada,perseguida,marcadapelacruz.

    I) Acrescento mais uma observação sobre a presença dopietísmonahistóriadaIgrejanaAméricadosul.Olhandoumpoucopara além das fronteiras do Brasil, podemos constatar que oprimeirotipodocristianismoevangélico,quemarcousuapresençadefinitivanaAméricadoSul, foi opietismodoCondeZinzendorfedosIrmãosMoravianos.A IgrejadosMoravianosexistedesde1735naGuianaHolandesa, oSuriname, independentedesde 1975. Essapresença foi especialmente marcada pela cruz. De mais de 800missionáriosenviadosmorrerammaisde230nocampodemissão,geralmentebastantejovens.Praticamentedesdeoinício,osIrmãosMoravianosdedicaram-seàmissãoentreosmaishumildes,desprezados,pobresemarginalizados:índiosenegrosescravoselibertos.Certamente não teriam suportado os incríveis sacrifícios, se seutrabalho não tivesse nascido de uma espiritualidade profunda,dispostaaqualquersacrifíciopelacausadeCristo(17).

    m)ChegoàúltimaobservaçãosobreopietismonaAméricaLatina São muito conhecidas e divulgadas as ‘Senhas Diárias’’.Trata-sede umaespéciedeexercícioespiritualquesurgiuentreosIrmãosMoravianos. Para inúmeras pessoas as “ Senhas" sãoalgocomoa alimentaçãoespiritual básica o pão espiritual decada diaqueDeus hos dá - mensagens bíblicas, hinos, orações. Em 1981comemorou-se os 250 anos de publicação das “Senhas".Estas

    (16) Cartas da Missão de Basiléia ao embaixador suiço em Viena. Johan Jakob von Tschudi. de 1?

    de dezembro de 1874; ao Consulado Geral da Sufça no Rio de Janeiro, de 17 de dezembro de

    1874; ao pastor Flury, de 3 de março e 7 de junho de 1875 (Arquivo da Nlissäo de Basiléia, vol.

    FB-2.1, rl. 81-83; S3ss.. 85-88 e 90-93).

    (17) Heinz Motel. A rt ' Sr üd erun iut - II. Erneuerte BrUderunitát, Herrnhuter (Ev. Brüdergemei-

    ne)" (Comunhão dos Irmãos - II. Comunhão dos Irmãos Red/viva, de Herrnhut - Igreja

    Evangélica dos Irmãos. Comunhão dos Irmàos), em: RGG 3* ed., vol. I. (Tubingen, 1957),  pig. 

    !445 a - Hermann Georg Steinberg. Art. “Guayana, 2 Mission" (Guiana. 2 Missão),em: RGG

    3ä ed., vol. 2, (Tübingen. 1958). pig. 1902.

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    reflexõessobreaespiritualidade pietistaqueremser tambémumapequenahomenagemaestaexpressãosiginificativadeespiritualida

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    3. CARACTERÍSTICAS DA ESPIRITUALIDADE PIETISTA

    Num segundo passo pretendo ocupar-me mais detalhadamentecomopietismohistórico. El» é,emcertosentido,opanodefundoparatodoosexemplosdepresençadeespiritualidadepietistaapresentados no item anterior. Destaco alguns aspectos queme

    parecem importantes também hoje. Não tenho a intenção deapresentarumquadrocompletodaespiritualidadepietista

    a) Nopietismo luteranotemos exemplosemodelosde umespitirualidadeluterana. Essaobservaçãoparece-memuitoimportante.Porque?

    Otermo"espiritualidade"temsuaorigemnasordensreligiosas da França A IgrejaCatólicaRomanatemmuitasexperiênciascom práticas elaboradas e definidas de espiritualidade e com areflexãosobre asmesmas. Na terminologiacatólica, “espiritualidade” abrangetrêselementosoumomentos, fé,exercfciosespirituaise vivência (18). Costumamos relacionar a expressão “ exercíciosespirituais” com Inácio de Loyola, o fundador da Companhia deJesus(jesuítas).

    A Reforma Evangélica aboliu as ordens religiosas e, destamaneira, um importante lugar vivendal  de espiritualidade. Muitas vezeso cristianismo evangélico concentrou-sefortementenaPala

    vra de Deus. Em conseqüência disso foi bastante valorizada, porassimdizer, a intelectualidadeda fé, maisdoquesuaespiritualidade. Nãocreio, porém, que tenhasidointençãodeLutero reduzirourestringiraespiritualidade, aocriticaravidamonástica. Lembremo-nos:A explicaçãodoPaiNossoéumadasseisparlesdoCatecismoMenor, e a oração contemplativa é certamente um dos principais“exercícios espirituais” . Temos uma tradição de espiritualidadeluteranajáapartirdeLutero.

    Essatradiçãomanifesta-setambémnopietismo.Estepropôsuma alternativa paraavidadoscristãose da Igreja deseu tempo,

    (18) Evangelische Spiritualitä t. Überlegungen und AnstfaM zur Neuorientierung (Espiritualidade

    Evangélica. Reflexões e Impulsos para a Reonentaçâo). Ed. pela Chancelaria  Eclesiástica 

    (Kirchenkanzlei) por incumbência do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha. (Güters

    loh, - Gottingen. 1979 x pág. 10.

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    FilipeJacóSpener"PiaDesideriaoudesejoardentedeumamelhora(renovação) da verdadeira Igreja Evangélica queagrade aDeus",

    publicadoem1675.Bastalerumpouconesteescritoclaro,decididoecomoventeparasentiraespiritualidadedarenovação. “ NamisériaedoençadotãonobrecorpodeCristotodos têmodeverdecuidardecomopodeserencontradoeaplicadoumremédioeficaz,capazdecurá-to",escreveSpener(23).Elequerarenovaçãodavidadafé.Masnãoserestringeàquiloquegeralmenteéchamadodeespiritual.Vê - talvez fracamente, mas vê - pelo menos uma ou outraimplicaçãodarenovação,degrandealcance,comotransparecenasseguintes palavras:   “ é verdade que não nos é ordenada aquelacomunhãoqueexistiaentreoscristãosdàprimeiracomunidadeemJerusalém. Mas quem já cogitou que apesar disso uma outradistribuição dos bens émuito necessária?Por quê?Porquedevolembrar-mequenadaémeu.PoistudoépropriedadedomeuOeus.Sou apenas um administrador, empregado para esse fim. Oemaneiraalgumatenhoaliberdadedereterparamim,quandoeporquantotempoeuquero,aquiloqueestáemminhasmãos.Ondevejoqueoamorexigedaroqueémeu, em consideraçãodahonrade

    Oeus e da necessidade dos meus co-servos, tenho que fazê-lo.Segundoodireito civil ooutro não podeexigirnadademim. Masnão posso negar-lho sem violar o direito divino do amor, se nãohouver outramaneira deajudarooutro, emboraemsi setratedealgo que é meu. Tais doutrinas não soam bastante estranhas,quandosefaladelas?”(24)Nessaspalavrasmanifesta-seaespiritualidadedeumarenovaçãoabrangente.

    c) Aespiritualidade pietista écristocêntrfca.Ocristocentrismo

    mais acentuado em Zinzendorf. Ele já foi chamado "o maior - etalvez o único totalmente autêntico - teólogo cristocêntrico daIdadeModerna” (25).Nadamenosquesetedos21 discursossobreaConfissãodeAugsburgo - umterço,portanto - tratamdeCristo,enquantoqueZinzendorfsecontentacomumúnicodiscursosobrea justificação pela fé. Cristo não é apenas objeto e conteúdo do

    (23) Umkehr In die Zukunft (v. anot. 19), pág. 17.

    (24) ib. pág. 35 s.

    (25) Karl Barth. DI« kirchliche Dogmatik (A dogmática eclesiástica), vol. IV/1, (Zollikon-Zürich,

    1953), pág. 763. Sobre todo este assunto v Erich Beyreuther: Christozentrismus und

    Trinitätsauffassung bei Zinzendorf (Christocentrismo e compreensão da trindade em Zinzen

    dorf). em. Evangelische Theologie 21 (München 1901), pág. 28-47 » Studien zur Theologie

    Zinzendorfs, Gesammelte Aufsätze (Estudos sobre a teologia de Zinzendorf, Colaçáo de

    ensaios), (Neukirchen, 1962), pág. 3-34.

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    nosso falar, pregar e refletir cristão. Devemos imaginá-lo como a"síntesedetodasascoisas” , comoaquele"noqualtodoouniverso

    estáincluso” . "O grandepontodareligião” óofatodeque"deleepormeiodeleeparaelesãotodasascousas”(Romanos11.36)(26).Cristoétãoimportanteparasuaféesuavida,comoaúnicasaídadoateísmo, queZinzendorf até corrigeo apóstolo Paulo. EsteafirmaquenofimdahistóriaCristoentregaráoreinoaDeusPai(ICoríntios15.24). Mas naverdade,dizZinzendorf, Cristo nãoentregaránada;reinaráeternamente(27). Quando fala deseu relacionamentocomCristo, falade "amorsincero” , "movimentação irresistível docoração” , "fogo emmeusossos" (28). Fala da comunhão comCristo,maisemocionaldoqueracional, usandoalinguagembarrocadeseutempo. Esse sentir-se um com Cristo lembra certas correntesmísticasnahistóriadocristianismo.MaslembratambémLuteroqueescreveuemumdeseusescritosmaisconhecidosefamosos:“Aféune a alma com Cristo, como a esposa se une com seu esposo.Destecasamentoresulta, comodizSãoPaulo(Efésios5.30):Cristoeaalmasetornam um sócorpo, demaneira tal, que tudoquantoambos possuam, bens, felicidade, infelicidade, tudo, enfim,

    possuem-noemcomum.OqueCristotem,pertenceàalmacrente,eoqueaalmatem, pertenceráaCristo” (29).Hojenãofalamosmaisdesta maneira. Certamente não podemos renovar sem mais nemmenos essa espiritualidade da comunhão íntima com Cristo, ^aspelomenosdevemosperguntar: Nãodevemos tentar reaprenderameditareacontemplaro Cristo?Zinzendorf chamanossaatençãoparaaimportânciadesseladodafé.O“artigofundamental”é,paraele: “ conhecer a Jesus, como foi crucificado, e concebê-lo no

    coração" (30). Talvezseja útil lembrar-seneste lugarqueameditaçãoda paixãodeCristo étambém umadas quatro partes em queInácio de Loyola dividiu seus "Exercícios espirituais” . E o Cristomortoéumadasmaisimportantes imagens religiosasnaculturadopovobrasileiro(31).

    (26) Ein und zwanzig Discurse (v. anot. 3). pág. 101.

    (27) ib. pág. 96-101.

    (28) Erich Beyreuther: Christozentrismus und Trinítâtsaufassung bei Zinzendorf (v. ano t 25), 12.

    (29) Da Liberdade Cris tf. orad. por Leónidas Boutin e Heinz Soboll. (Sâo Leopoldo, 3* ed., 1979),

     pág. 19.

    (30) Citado por Erich Beyreuther, Christozentr ismus und Trinitàtsauffassung bei Zinzendorf (v.

    anot. 23), pág. 26.

    (31) Jo io Dias de Araújo, Imagens de Jesus Cristo na Cultura do Povo Brasileira.: Leonardo Boff e

    outros, Quem é Jenis Cristo no Brasil? Coleç&o 'Teologia no Brasil". I. (Sâo Paulo. ASTE,

    1974), pág. 30-54.

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    d) A espiritualidade do pietismo é, em muitos de serepresentantes, expressamenteespiritualidade sob a cruz. Comessa

    afirmaçãoagoranãoquerodizerqueeianasceesenutredacruzdeCristo. Issojáfoi dito.Agoraquerodizerqueessaespiritualidadeseformou em meio a sofrimento humano, questionamento, ataques,crítica, perseguição. O próprio nome "pietista” foi originalmenteumapalavrairônicaedegozação.Aortodoxiacombateuopietismoteologicamente emuitas vezesdemaneira violenta, porqueelasesentiu ameaçada em seu monopólio teológico. Não houveapenascríticasincera.Houvetambém exagero, ironia,mávontade, difama

    çãoementira.AIgrejaluteranaemsideveriapraticarosacerdóciouniversal de todos os cristãos. Mas a ortodoxia luterana criticou justamente adisposição dos pietistas de dar voz evez aos assimchamados leigos, incluídas pessoas simples e mulheres. Surgiramboatosdequenas reuniõespietistaspregariammulhereseempregadas domésticas. Crianças aprenderiam grego. Donas de casairiam paraosestudosbíblicosemvezdecuidaremdevidamentedeseus maridos, filhos e lares. Os pietistas foram tachados defanáticos, magrinhos, pálidos, doentes. O líder pietista AugustoGermano Francke foi interrogado uma vez por uma comissão deinquérito daFaculdadedeTeologia daUniversidadede Leipzig, serealmente teriachamado um leigo, membro de outracomunidade,de "irmãoemCristo” . Foi advertido quesomente o párocoteria odireito de pastorear os membros de sua comunidade (32). Foiclassificadonaquelacidadecomoagitadorsubversivo.Omovimentoestudantil liderado por ele foi considerado como perigoso para aordemestabelecida.Finalmentefoiobrigadoadeixaracidade(33).

    Os fundadores da comunidade de Herrnhut, situada naspropriedadesdeZinzendorf, foram fugitivos ouexilados. Perderamsuas terras ou seusempregos naÁustriapormotivos religiosos epolíticos. Zinzendorf permitiu que se estabelecessem em suasterras. O governo da Áustria protestou veementemente, junto aogovernodaSaxônia,contraaatitudecristãdeZinzendorf,alegandoquelá estavasurgindo um perigoso foco de rebelião equestiona-

    (32) Erich Beyreuther,Hermann Francke und

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    mento da ordem existente (34). Mas Zinzendorf não desistiu deaceitar eabrigartambém pietistas radicais, separatistasque foram

    marginalizadosemtodososlugares.Entãofoiexpulsopelogoverno.Seria fácil mencionar muitos outros exemplos. Todos eles

    levariamàmesmaconclusão:Semcruznãoháespiritualidadeviva,profunda, sincera e confiante. Lembramo-nos mais uma vez deLutero.Eletambémafirmaraqueo“direito”básicodoscristãossãocruze sofrimento (35).Paraele,cruzesofrimentosãoumdossinaisnos quais se reconhece a existência da cristandade, do povo deDeus(36).

    e) Aespiritualidadedopietismoéespiritualidade na perspectivada ressurreição. Para Zinzendorf, por exemplo, a ressurreição deCristo tem seu sentido não exclusivamente em si mesma Seusentidoéquenós tenhamosvida:“ Nóssomosaspessoasquedevemviver" (37).Aressurreiçãonãoéalgometafísico.Éalgoexistencial.Delaemanaumaforçaqueestápresenteemnossavida.Queforça?Aforçaquenãonosdeixadesesperar.Zinzendorfdiz: "énecessáriaumadecisão, umapalavra,umafé,senãoqueremosmorrerãmorte

    eterna Devemos imaginara ressurreição, comoseelajá estivesseaí. Devemoseievarocoraçãoeiraoencontroda ressurreição. Issosignifica ter certeza, não vacilar, não ceder, e sim, agarrar-se noJesus ressurreto . . .Aquelequenãodesespera, podeser livre, emcadahoraeem cadamomento, detudoqueoatormenta, detodasas tentações e condenações" (38). Quem vive na perspectiva daressurreição, não capitula diante de um mundo aparentementeperdido. Não resigna Não se retira. Age, luta, espera, confia - comumcoraçãoingênuo, cheiodeamor, alegrediantedeDeuse

    doshomens" (39).Aperspectivadaressurreiçãodáesperançaaosmaisnecessitados.Cristo, emsuavinda,aqualsignificaaressurreiçãodosmortos, evidenciaráseu poderesuaglórianasalmasmaismiseráveis que desesperam de si mesmas e as quais não sãoconsideradasmuito pelos outros, comoZinzendorfexplicou numa

    (34) Nikolaus Ludwig von Zinzendorf in Selbstzeugnissen und Bilddokumenten (v. anot. 20Xpág.

    6ÕSS. e 85 ss.

    (35) WA 18. 310,28s.

    (36) WA 50, 642 ,1 ss.; 51, «6 .2 4 s .

    (37) Des Ordinarii Fratum Berlinische Reden (Alocuções berlinenses do bispo dos Irmãos), tom. I.

    em Nikolaus Ludwig von Zinzendorf. H auptschrifteo (v. anot. 3X vol. 1. (Hildesheim 1962),

     pág, 181.

    (38) ib. pág. 182 i

    (39) :b pág. 185.

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    prédica sobreMateus25.6, proferida entre imigrantes alemães naAmérica do Norte. A proximidade da ressurreição se faz sentir,quando surgirem pessoas que se preocupam com as almas deoutras pessoas, sem terqualquervantagem pessoal, aocontrário,tendoprejuízomaterial.Aproximidadedaressurreiçãosefazsentir,quando os cristãos se engajaram na causa de Cristo em vez deficaremindiferentes,passivos,meioadormecidos(40).Apartirdessaespiritualidade na perspectiva da ressurreição devemos entendertambém o engajamento dos pietistas pelo bem-estar material daspessoas, sebemquetenhasido, donossopontodevista, somente

    um engajamento bastante tímido. Mas pará mim fica claro que aperspectivadaressurreiçãosignificaesperança - nãoapenasparaaalma, paraoindivíduoouparaacomunidadeeaIgreja. Significaesperançaparaomundo. Por issoesteaspecto da espiritualidadepietistaémuitoimportante.

    f)Aespiritualidadepietistaéespiritualidade leiga, pelomenosemgrandeparte.ÉverdadequeSpener,opaidopietismoluterano,e Francke, o grande ativista luterano, eram teólogos formados e

    pastores.Masdeixarcolaborarosassimchamadosleigos,dar-lhesvez e voz ativa na comunidade e na Igreja foi um dos principaispontosdoprogramadereformapietista.Aintroduçãoeoexercíciocontínuo do sacerdócio espiritual é asegunda dasseis propostasdeSpenerparaarenovaçãodaIgreja(41).Hojetodomundofaladoslagos. Asvezes tenhoa impressãodequeos pastorese teólogosformados esperam demais dos assim chamados leigos. Mas naépocade Spener o sacerdócio geral de todos os cristãos foi umassunto quasetotalmente esquecido na práticadas Igrejas luteranas. Visto que o assunto está sendo amplamente discutido entrenós, nãomedetenhonesteponto.ApenaschamoaatençãoparaaIgreja dos Irmãos Moravianos. Ela até ordenou leigos, isto é,pessoassem a formaçãoteológica costumeira comomissionários,umdelesinclusivecomobispo.Nahistóriadocristianismoevangélicohápoucoscasosnosquaisosacerdóciodetodososcristãosfoipraticadoatéessasconseqüências.

    g)A espiritualidade pietista écritica em relação à Igrejae às

    suas estruturas. Todo o pietismo nasceu como resposta a uma 

    (40) Eine Sammlung öffentlicher Reden, von dem Herrn, der unsere Seligeit ist. und über die

    Materie von seiner Marter (1742) (Uma coleção de alocuções públicas sobre o Senhor, que é

    nossa bem-aventurança. e sobre a matéria de sua paixão - 1742), 2* parte. 2'ed. em: Nikolaus

    Ludwig von Zinzendorf. Hauptschrift rn (v anot. 3). vol. 2. (Hildesheim 1963) pág. 201 ss.

    (41) Philip Jacob Spener. Umkehr ia

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    situação de miséria, estagnação, passividade e insatisfação naIgreja, a qual, naquela época, era praticamente idêntica com a

    sociedade.Apartirdos"PiaDesideria"deSpeneralinguagemdospietistasémuitofrancaeclaranesteponto. Spenerfalademiséria,necessidade, doença do corpo de Cristo, omissão e falha, nãoapenasnascoisasmateriais,esim,tambémnasespirituais.Manifesta sua vergonha quanto a tudo que se observa na Igreja e nasociedade.Expressasuatristezasuapreocupação,suavontadedechorar.

    Depoisapontaparapontosbemconcretosemqueasituação

    édeplorável.Paramiméinteressanteeimportante - e talveznãoseja muito conhecido - queem primeiro lugarSpener apresentasuascríticasreferentesaoEstado(42).Osgovernantes,dizele,sãoegoístas. Pensam somenteem seusprazeres, emseuproveito, emseus privilégios. O Estado abusa do seu poder. Muitas vezesserve-sedareligiãopor interessespolíticos.Esquece-sedequesuatarefaépromoveroreinodeDeus.

    Frenteataisafirmaçõescreioquesóaignorânciapodefalardeuma atitude apolíticado pietismoem geral. A verdadeé queaespiritualidade pietista é crítica inclusive no que diz respeito àpolítica. Mereceria uma reflexão um pouco mais demorada aperguntaporqueSpenercolocajustamenteestapartedesuacríticaemprimeirolugar.

    NãomenosdecididoeleéquantoàIgreja,sobretudoquantoaospastores(43).Aquielefalasimplesmentedecorrupção.Emqueconsisteacorrupçãodospastores?Arespostatemmuitasfacetas.Há escândalos manifestos, falta de compreensão, ausência da

    práticadoverdadeirocristianismo, espíritodesecularismo, polêmicas supérfluas e inúteis, ocupação com coisas esquisitas nateologia,especulaçõesimpotentes.Ospastores,juntamentecomosgovernantes, sâo co-responsáveis pelos males que podem serencontradosnascomunidades.

    Seogovernoeospastoresfalham,nãoédeadmirar-sequetambémasituaçãodapopulaçãoemgeraiédeplorável(44).Faltaavivência da fé. Há muitos males sociais graves, como o vício da

    embriaguez, a transformação dos tribunais em instrumentos doegoísmo,davingançaedainjustiça, aopressãoea exploraçãonavidaeconômicaedistorçõesnadistribuiçãodebens.Spenerchamataismalessociaisexpressamentedepecado.

    (42) ib. pág.24*.

    (43) ib. pág. 23 ss.

    (44) ib. pág. 33 SS.

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    Toda essa crítica tem sua finalidade não emsi mesma. Ospietistasnãocriticamparacriticar.Acríticaacontecenaperspectiva

    da ressurreição. Visa  à edificação do corpo de Cristo. QuerdescobriroremédiocertoparaadoençadasociedadeedaIgreja.Por issoospietistas, comoSpener, refletem sobretudo istodiantede Oeus sob a orientação da Sagrada Escritura. São os aspectoscontemplativooumeditativoebfblicodesuaespiritualidade.

    Qual é o remédio? Aqui devemos distinguir entre pietistasradicais e moderados (45). Os radicais consideraram a Igreja-instituição como perdida Não acreditaram na possibilidade demelhorá-la.Porissosepararam-sedeia.Maspodemosduvidarqueocaminhodaseparaçãoedaretiradatenhamostradonovoshorizontes.Ospequenosgruposseparatistasgeralmentetinhamvidacurta.Resolveramoproblemaparaoprópriogrupoeacurtoprazo. Masnãoconseguiram desenvolver umaproposta desolução amédioelongoprazoparaotododasociedadeedaIgreja.

    A grande maioria dos pietistas optou por um caminhodiferente. Viu chances de melhorar a situação dentro da Igreja-instituição. Forammais “ realistas” - nosentidode teremcontadocomoagirdoEspíritoSanto, quemuitasvezeséumagirsurpreendente, inesperado, incalculável, um agir contra as aparências dascoisa».EstavamfirmementeconvictosdequeDeusmesmomelhoraria a situação, porqueésua natureza cumprir o que promete. Danossa parte exige-se paciência. Sucessos rápidos provavelmentenãooshaverá.OreinodeDeusnãoéobranossa.Maspodemostera certeza deque os frutos do nosso agiredonosso engajamentoamadurecerão. Podemos ter a certeza de quea hora de Deusvirá

    (46).Dacertezadessaesperançanasceuecresceuaespiritualidadecríticadospietistas.

    h) Chego ao último aspecto que me propus a abordar.espiritualidadepietista écomunitária. É ameta de todos os pietistas,talvez com exceção de alguns poucos individualistas, concretizaraquinaterraafgodacomunhãodossantosquea fécristãconfessa.Por isso Spener nãoquer contentar-se com os cultos dominicais,com sua liturgia já há muito tempo fixada. Sente necessidade de

    realizar, ao lado dos cultos, outras reuniões de membros dacomunidade(47). Pequenos gruposounúcleosdevemreunir-seem

    (45) A palavra "radical” é usada neste lugar no sentido no qual é empregada geralmente na

    descrição histórica do píetisrao. não no sentido exposto na introdução deste estudo.

    (46) Philip Jacob Spener. Umkehr in dl* Zukunft (v. anot. 19). pág. 46 ss.

    (47) ib. pág. 55 ss.

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    tornoda SagradaEscritura paradiscutir cada trechodamesma eseu significado atual. Em outras palavras: os grupos refletiriam econversariamsobresuavidadiáriaàluzdaBíblia.Sãoumaespéciede“ círculosbíblicos” oucomunidadedebase. Todostêmodireitode falar. Todos ajudam-semutuamente, para que haja um crescimento em conjunto. Os pastores conhecem melhor os membros,seusproblemas esuasalegrias. Cresceriaaconfiançaentretodos.Assimtodosaprenderiamqueparaacomunidadeaparticipaçãodetodoséessencial.

    O remédio receitado por Spener, a formação de pequenosgrupos dentro da comunidade, pode ter efeitos colaterais não

    pretendidos. Spener conhece esse risco. Tais grupos facilmentechegam a considerar-seasi mesmos comoa elitedacomunidade.Começam a distanciar-se dos outros. Ou um destes grupos podedesperdiçar suas forças com brigas internas, emvezdeagircomofermento dentro da comunidade como um todo. Ou uma pessoapodeusar tal grupo para promover-se a si mesma. A limitação demaiorpesonapropostadeSpeneré,talvez,ofatodequeeleatribuiadireçãodessesgruposexclusivamenteaopastor.Nestepontoseu

    conceito de Igreja ainda é muito “ pastoral" ou até clerical. Oconceito é compreensível a partir de uma época, na qual foiindiciado num inquérito eclesiástico o pastor que chamou um“ leigo” de "irmão emCristo '. Mas hoje em dia esse conceito nãopode sermais justificado teologicamente. A Igreja, como povo deDeusnacaminhada, precisade lideranças, tanto “ pastorais” como‘leigos” .

    Sim, há riscos e perigosnaproposta pietistaparaarenova

    ção da Igreja. Mas é importante ver que a existência de riscos eperigosnumapropostapastoral nãonosdispensadeagir, detentardescobrireviveravontadedeDeus,nãoisoladamente,cadaumporsi,esim,emcomunhão.Vejonopietismotaltentativa.

    Quem valorizoumaisa dimensãocomunitáriadaespiritualidadefoi, provavelmente, a comunidadedos irmãosMoravianosemHerrnhutcomsuasextensõesmissionárias.Alioelementocomunitáriofoi tão forteque levou ao surgimento de uma nova igreja, comestruturaspróprias, todaselas concebidas parapossibilitar e facilitar comunhão. Um fruto muito conhecido dessa espiritualidadecomunitáriasãoas famosas “ SenhasDiárias” quejáforammencionadas. Nosprimórdiosdaquela Igreja,emcadamanhã,mensageirosforamdecasaemcasa,emHerrnhut,abriramaportaetransmitiramacadafamíliaasenhado respectivodia, aqual foioelodeligaçãoentretodososmembrosdacomunidade.

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    4. RESUMO E CONCLUSÃO

    Chegoaofim - nãodoassunto,esim,apenasdesteestudo.Seiqueaespiritualidadepietistaeaespiritualidadecristãtêmoutrasdimensões,nãoabordadasaqui.Limitei-meaapresentardimensõesou aspectos da espiritualidade pietista que considero validos,importantesedignosdeconsideraçãoporpartedetodososcristãosevangélicos em nossos dias. Agora quero resumir tudo numaespécie de definição. Espiritaalidade cristã é o reflexo do Cristocrucificadoeressurretoemnossavida.Éaconclusãoàqualchegueinoestudodaespiritualidadepietistanahistória.

    Emfinsde4975oConselhoMundialdasIgrejasrealizousuaquintaassembléiaemNairobi, naÁfrica.Dirigiuumamensagemaoscristãos.Amensagemtemaformadeumaoração.Aoraçãoé,semdúvida alguma, umadas principais expressões de espiritualidade.Creio quepoucos conhecemessamensagem-oração. Apresento-aaqui como exemplo da práxis de espiritualidadeem nosso tempo,exemploestequerefletedemaneiraatualizada, em nossotempoeparaomesmo, váriosdosaspectosdeespiritualidadequecreioter

    descobertonaanálisehistórica(48).“ Deus, CriadoreDoadordavida. Denovofomosadvertidos:

    A sobrevivênciadahumanidadeestáemjogo. Confessamosdiantede ti: Nossoestilo devidae a estruturadanossasociedadecriamdiscórdiaealienam-nosdetuacriação,demodoqueexploramosacriatura, à qual tu deste vida, como se fosse matéria morta.Separada de ti, nossa vida é vazia. Aspiramos por uma novaespiritualidadequepermeianossoplanejar,pensareagir.Ajuda-nos

    a conservar a terra para gerações futuras e a dividi-la assim quetodossetornemlivres.

    Kyrieeieison,Senhor,tempiedadedenós.

    Deusdoamor.EmJesusCristocompartilhasnossosofrimento, perdoas-nos os nossos pecados e rompes os grilhões daopressão. Desperta e preserva em nós a comunhão com nossosirmãos e nossas irmãs em todo o mundo. Dá-nos a coragem decarregaremconjuntoosofrimentoquenosatinge.Acendeemnósa

    alegriapascaledeixa-noscantaremmeioàtentação:

    (48) Texto da mensagem-oração em alemão em Bericht aus Nairobi 1973 (Relatório de Nairobi

    1975). Ergebnisse - Erlebnisse - Ereignisse (Resultados - Experiências - Acontecimentos).

    Offizieller Bericht der Fünften Vollversammlung des Ökumenischen Rates der Kirchen. 23.

     November bis 10. Dezember 1975 in Nairobi Kenia, ed. por H-anfried Krüger e Walter

    Müller-Ròmheld. (Frankfurt Main 1976), pág. 1 s

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    Aleluia, louvadosejas,Senhor.

    Deusdaesperança.TeuEspíritodáaoteupovoluzeforça.

    Dá-nospoderparatestemunharteunomeentreospovos, lutarportuajustiçacontraaspotândasepoderes,perseveraremteuserviçocomféehumor.Semtinãosomoscapazesparanada.Emconjuntoclamamos:

    Maranatá,vem,SenhorJesus.

    Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Deixa-nos glorificar eenaltecerdemodouníssonoecomcoraçõesunânimesamajestadedeteusantonome.Amém".