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Artigo Original ESTASE VENOSA E GRAVIDEZ - UM ES- TUDO PROSPECTIVO FOTOPLETISMO- GRÁFICO Lúcia Helena Wierick Pereira Peixoto' Paulo Eduardo Giannini Braga" Wolfgang Guenther Wilhelrn Zorn'" Bonno van Bellen···· Vinte e nove pacientes foram acompanhadas desde o primeiro trimestre ou início do segundo trimestre da gravi- dez para detecção de aparecimento eventual de estase ve- nosa dos membros inferiores, não previamente existente. O acompanhamento consistiu em exame clínico e exame fotopletismográfico . Este exame era obrigatoriamente nor- mal no início do estudo . Dos 58 membros inferiores estu- dados; ocorreu modificação em 14124,1 %) ou em oito pa- cientes (27,6%), sendo que em seis o exame se aiterou no segundo trimestre e em oito no terceiro trimestre. O garro- teamento seletivo normalizou o exame em nove membros inferiores ao nível da coxa e em um ao nível da perna, sen- do que em quatro não ocorreu qualquer melhora . Após a gravidez foi possível reavaliar doze pernas. Onze normaliza- ram sendo que uma manteve as alterações que se instala- ram no decurso da gravidez. Das oito pacientes que apre- sentaram alterações fotopletismográficas, três eram sin- tomáticas antes da gravidez e as demais desenvolveram sintomas durante a gestação, mesmo em relação aos membros inferiores que não apresentaram alterações foto- pletismográficas. O estudo sugere que a insuficiência ve- nosa da gravidez, tal como é detectada pela fotopletismo- grafia, é primordialmente de croça de safena ou de sistema venoso profundo e que ela se instala no decorrer do segun- do e terceiro trimestres, havendo resolução na maioria das pacientes uma vez terminada a gestação. UNITERMOS: varizes, gravidez. Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Vascular Periférica e Angiolo- gia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. •• ••• .... Estagiária Médico Assistente Responsável pelo Serviço Responsável pelo Serviço Doutor em Medicina pela FMUSP Livre Docente em Moléstias Vasculares Periféricas pela UNICAMP CIR. VASC. ANG.6(l): 15 , 19,1990 INTRODUÇÃO Classicamente a gravidez é considerada um dos fato- res desencadeantes das varizes dos membros inferiores na mulher. Não raro, varizes cuja história sugere relação de causa e efeito com período gestacional, chegam a ser clas- sificadas como varizes secundárias à gravidez ao invés de serem identificadas como varizes primárias, desencadea- das pela gestação. Não há consenso quanto ao mecanismo pelo qual a gravidez participa do desencadeamento da estase venosa. Dentre as hipóteses mais citadas mencione-se a da obstru- ção mecânica à drenagem venosa por compressão das veias ilíacas pelo útero grávido, as alterações fisiológicas decorrentes do aumento do volume sanguíneo total e da instalação de hiperfluxo regional em decorrência do cres- cimento da placenta e, finalmente, a participação hormo- nal na diminuição da tonicidade da musculatura lisa em geral, comprometendo também a estrutura da parede das veias. Além das dúvidas quanto à fisiopatologia, pouco tam- bém se sabe quanto à evolução da instalação da estase ve- nosa gravídica, isto é, em qual fase da gestação ela começa a se manifestar e qual sua relação com os sinais e sintomas clínicos normalmente decorrentes da presença de varizes. O presente trabalho pretende estudar através da foto- pletismografia a história natural da instalação das alte- rações da fisiologia do retorno venoso dos membros infe- riores durante a gravidez, sua incidência, as relações entre a detecção dessas alterações e sinais e sintomas clínicos e a influência da cessação da gravidez sobre esses mesmos achados. MATERIAL E MÉTODOS Foram admitidas no estudo 44 gestantes num período de um ano. Todas foram submetidas a anamnese, exame físico e exame não-invasivo por ocasião da entrada no es- tudo e durante o segundo e terceiro trimestre da gravidez. A anamnese visava detectar antecedentes de doença venosa, aparecimento de novos sintomas ou agravamento de sintomas pré-existentes. O exame físico tinha por objetivo principal excluir existência de veias varicosadas nos membros inferiores e sinais de estase venosa ou síndrome pós-flebítica por oca- sião da entrada no estudo e o aparecimento ou não de va- rizes durante o transcorrer da gestação. O exame não-invasivo era realizado pela fotopletis- mografia e tinha por objetivo caracterizar a ausência de estase venosa no início do estudo e seu aparecimento ou não durante o evoluir da gestação. O exame era realizado com um fotopletismógrafo* conectado a um registrador de papel termosensível * *. O transdutor fotopletismográfico era conectado à pele da região infra-maleolar interna com fita adesiva dupla-face. Estando a paciente sentada em uma maca com as pernas pendentes, o registro era inicia- do enquanto realizava cinco movimentos de flexão e ex- tensão do e continuado com a perna pendente e parada * F otopletismógrafo modelo P A 13 da Medason ics . ** Registrador de papel termossensível modelo 600 da Codmann. 15

Estase venosa gravidez - jvascbras.com.brjvascbras.com.br/revistas-antigas/1990/1/03/1990_a6_n13.pdf · geral, comprometendo também a estrutura da parede das veias. Além das dúvidas

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Artigo Original

ESTASE VENOSA E GRAVIDEZ - UM ES­TUDO PROSPECTIVO FOTOPLETISMO­GRÁFICO

Lúcia Helena Wierick Pereira Peixoto' Paulo Eduardo Giannini Braga" Wolfgang Guenther Wilhelrn Zorn'" Bonno van Bellen····

Vinte e nove pacientes foram acompanhadas desde o primeiro trimestre ou início do segundo trimestre da gravi­dez para detecção de aparecimento eventual de estase ve­nosa dos membros inferiores, não previamente existente. O acompanhamento consistiu em exame clínico e exame fotopletismográfico . Este exame era obrigatoriamente nor­mal no início do estudo. Dos 58 membros inferiores estu­dados; ocorreu modificação em 14124, 1 %) ou em oito pa­cientes (27,6%), sendo que em seis o exame se aiterou no segundo trimestre e em oito no terceiro trimestre. O garro­teamento seletivo normalizou o exame em nove membros inferiores ao nível da coxa e em um ao nível da perna, sen­do que em quatro não ocorreu qualquer melhora. Após a gravidez foi possível reavaliar doze pernas. Onze normaliza­ram sendo que uma manteve as alterações que se instala­ram no decurso da gravidez. Das oito pacientes que apre­sentaram alterações fotopletismográficas, três já eram sin­tomáticas antes da gravidez e as demais desenvolveram sintomas durante a gestação, mesmo em relação aos membros inferiores que não apresentaram alterações foto­pletismográficas. O estudo sugere que a insuficiência ve­nosa da gravidez, tal como é detectada pela fotopletismo­grafia, é primordialmente de croça de safena ou de sistema venoso profundo e que ela se instala no decorrer do segun­do e terceiro trimestres, havendo resolução na maioria das pacientes uma vez terminada a gestação.

UNITERMOS: varizes, gravidez.

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Vascular Periférica e Angiolo­gia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

•• ••• ....

Estagiária Médico Assistente Responsável pelo Serviço Responsável pelo Serviço Doutor em Medicina pela FMUSP Livre Docente em Moléstias Vasculares Periféricas pela UNICAMP

CIR. VASC. ANG.6(l): 15,19,1990

INTRODUÇÃO

Classicamente a gravidez é considerada um dos fato­res desencadeantes das varizes dos membros inferiores na mulher. Não raro, varizes cuja história sugere relação de causa e efeito com período gestacional, chegam a ser clas­sificadas como varizes secundárias à gravidez ao invés de serem identificadas como varizes primárias, desencadea­das pela gestação.

Não há consenso quanto ao mecanismo pelo qual a gravidez participa do desencadeamento da estase venosa. Dentre as hipóteses mais citadas mencione-se a da obstru­ção mecânica à drenagem venosa por compressão das veias ilíacas pelo útero grávido, as alterações fisiológicas decorrentes do aumento do volume sanguíneo total e da instalação de hiperfluxo regional em decorrência do cres­cimento da placenta e, finalmente, a participação hormo­nal na diminuição da tonicidade da musculatura lisa em geral, comprometendo também a estrutura da parede das veias.

Além das dúvidas quanto à fisiopatologia, pouco tam­bém se sabe quanto à evolução da instalação da estase ve­nosa gravídica, isto é, em qual fase da gestação ela começa a se manifestar e qual sua relação com os sinais e sintomas clínicos normalmente decorrentes da presença de varizes.

O presente trabalho pretende estudar através da foto­pletismografia a história natural da instalação das alte­rações da fisiologia do retorno venoso dos membros infe­riores durante a gravidez, sua incidência, as relações entre a detecção dessas alterações e sinais e sintomas clínicos e a influência da cessação da gravidez sobre esses mesmos achados.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram admitidas no estudo 44 gestantes num período de um ano. Todas foram submetidas a anamnese, exame físico e exame não-invasivo por ocasião da entrada no es­tudo e durante o segundo e terceiro trimestre da gravidez.

A anamnese visava detectar antecedentes de doença venosa, aparecimento de novos sintomas ou agravamento de sintomas pré-existentes.

O exame físico tinha por objetivo principal excluir existência de veias varicosadas nos membros inferiores e sinais de estase venosa ou síndrome pós-flebítica por oca­sião da entrada no estudo e o aparecimento ou não de va­rizes durante o transcorrer da gestação.

O exame não-invasivo era realizado pela fotopletis­mografia e tinha por objetivo caracterizar a ausência de estase venosa no início do estudo e seu aparecimento ou não durante o evoluir da gestação. O exame era realizado com um fotopletismógrafo* conectado a um registrador de papel termosensível * *. O transdutor fotopletismográfico era conectado à pele da região infra-maleolar interna com fita adesiva dupla-face. Estando a paciente sentada em uma maca com as pernas pendentes, o registro era inicia­do enquanto realizava cinco movimentos de flexão e ex­tensão do pé e continuado com a perna pendente e parada

* F otopletismógrafo modelo P A 13 da Medason ics. ** Registrador de papel termossensível modelo 600 da Codmann.

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Lúcia Helena Wierick Pereira Peixoto e Cols.

até a estabilização do traçado, caracterizando o reenchi­mento do leito venular da perna. A estabilização do traça­do era considerada normal se ocorresse em período igual ou superíor a 20 segundos. Ocorrendo em período menor, caracterizava-se estase venosa. A paciente era rejeitada por ocasião da entrada no estudo se o exame não fosse normal. Por ocasião das avaliações sucessivas durante o decorrer do estudo, se passasse a ocorrer estabilização do traçado em tempo menor que 20 segundos, caracterizava­se instalação de estase venosa não pré-existente. O exame anormal era repetido com garroteamento sucessivo ao ní­vel da coxa, da perna e do tornozelo. Pela normalização do traçado com um desses garroteamentos, era possível 10-calizar o local de instalação da insuficiência venosa, ou se­ja, croça de safena interna, perfurantes comunicantes da coxa ou da perna e, finalmente, sistema venoso profundo, respectivamente.

Quinze pacientes foram excluídas no decorrer do es­tudo: uma por ter tido abortamento completo, duas por te­rem entrado em trabalho prematuro de parto e doze por não terem comparecido para as sucessivas avaliações pe­riódicas.

A população efetivamente estudada neste trabalho é constituída, portanto, por 29 pacientes que não apresenta­ram qualquer dos mencionados fatores de exclusão. Des­tas, 26 foram incluídas desde o primeiro trimestre da gra­videz e outras três foram incluídas durante o início do se­gundo trimestre.

A idade das pacientes variou entre 20 e 34 anos (x = 28,3 anos). Vinte e três eram brancas (79,3%), quatro amarelas (13,8%) e duas pardas (6,9%).

Quatorze pacientes (48,3%) estavam em primeira ges­tação, nove em segunda (31,0%) e seis em terceira (20,7%).

Apesar da ausência de varizes ao exame físico inicial, sete pacientes (24,1 %) relatavam sintomas de peso e can­saço vespertinos de membros inferiores já desde antes da gravidez. As demais 22 eram totalmente assintomáticas (75,9%).

RESULTADOS

Quanto à evolução clínica, obseJ:vou-se que as sete pacientes que já apresentavam sintomas no período pré-

Paçientes

* IV Trim 2V Trim

D E D E

1 N N A(c) A(c) 2 N N 3 N N N(s) N(s) 4 N N A(c) (s) A(c) (s) 5 N N N N 6 N N A(n) A(n) 7 N N N N 8 N N N N

Estase venosa e gravidez

gravídico, se mantiveram igualmente sintomáticas duran­te todo o período gestacional. Das 22 pacientes inicial­mente assintomáticas, três (13,6 %) assim permanece­ram, 17 (77,3%) apresentaram sintomas bilaterais e duas (9,1 %) apresentaram sintomas unilaterais. Das 19 pacien­tes que passaram a ter sintomas, em cinco isto ocorreu no primeiro trimestre (26,3%), em oito no segundo e em seis os sintomas passaram a ocorrer no terceiro trimestre (31,6%). As principais queixas referidas pelas 26 pacientes sintomáticas foram cãimbra (10 pacientes - 38,5%), dor (5 pacientes - 19,2%) e sensação de peso (17 pacientes-65,4%). Em 19 pacientes (73,1 %) houve instalação de edema. E importante salientar que todas as pacientes fize­ram uso de meia elástica desde o primeiro trimestre da gra­videz.

Quanto à evolução fotopletismográfica, dos 58 mem­bros inferiores estudados, ocorreu modificação do exame em 14 membros (24,1 %) de 8 pacientes (27.6%). Em seis membros os exames se tornaram alterados no segundo tri­mestre e em oito no terceiro trimestre.

O garroteamento sucessivo ao nível da coxa, perna e tornozelo, provocou normalização do exame fotopletis­mográfico em nove membros com o procedimento ao ní­vel da coxa. Em um membro a melhora somente ocorreu com o garroteamento ao nível da perna. Em quatro não houve qualquer melhora do traçado com o garroteamento a qualquer dos três níveis (Tab. 1).

Quanto aos sintomas, das oito pacientes que apresen­taram alterações fotopletismográficas, três já eram sinto­máticas desde antes da gravidez. Duas destas apresenta­ram as alterações durante o segundo trimestre e a terceira por ocasião do terceiro trimestre. Duas outras pacientes começaram a referir sintomas no segundo trimestre sendo que em uma delas isto coincidiu com alterações fotopletis­mográficas. Na outra essas alterações ocorreram no tercei­ro trimestre. Por ocasião do terceiro trimestre todas as pa­cientes estavam sintomáticas, mesmo em relação a dois membros inferiores em que não ocorreram alterações fo­topletismográficas.

Das oito pacientes que apresentaram alterações foto­pletismográficas, seis retornaram para estudo no período pós-parto. Onze dos doze membros inferiores destas pa­cientes haviam apresentado alterações fotopletismográfi­caso Somente um dos onze membros inferiores manteve as

3v Trim Pós-parto

D E D E

A(n) A(n) N A(c) A(c) (s) N(s) N N A(c) A(c) N N A(c) A(p) A(c) (s) A(c) (s) N N A(n) A(n) N N N(s) A(c) (s) A(c) A(c) N N

Tabela 1- Evolução fotopletismográfica dos membros inferiores das oito pacientes que apresentaram alterações.

D ~ direita E ~ esquerda N ~ fotopletismografia normal A ~ fotopletismografia alterada

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(c) ~ Alteração normalizada mediante garroteamento em coxa (p) ~ Alteração normaUzada mediante garroteamento em perna (n) ~ sem normalização mediante garroteamento (-) ~ estudo fotopletismográfico não realizado (s) ~ presença de sintomas

CIR. VASC. ANG .6(1): 15,19,1990

'.

Lúcia Helena Wierick Pereira Peixoto e Cols.

alterações no periodo pós-parto. No caso não havia sido observada melhora do traçado fotopletismográfico com o garroteamento a qualquer nível. Após o parto observou-se normalização do traçado com o garroteamento em coxa, sugerindo que a insuficiência do sistema venoso profundo tivesse se reduzido para insuficiência de croça de safena interna.

Quanto às alterações de exame físico, observou-se que em 19 pacientes houve incremento ou aparecimento de te­langiectasias durante o periodo gestacional. Dezesseis pa­cientes apresentaram veias dilatadas, visíveis ou palpáveis em membros inferiores, porém não varicosadas. Somente uma paciente apresentou perfurantes palpáveis em ambos os membros inferiores mas sem sinais clínicos ou fotople­tismográficos de estase venosa. Dez pacientes mantiveram exame físico normal.

As oito pacientes com exame fotopletismográfico al­terado apresentaram veias dilatadas, sendo que em seis surgiram também telangiectasias.

No decorrer da gravidez, II pacientes apresentaram hemorróidas e em três houve aparecimento de varizes vul­vares.

DISCUSSÃO

Classicamente a gravidez é considerara um dos princi­pais fatores responsáveis pelo desencadeamento de varizes de membros inferiores na mulher. Não há consenso, no entanto, quanto ao mecanismo pelo qual a gestação atua na formação das varizes. A hipótese que sempre mais atenção mereceu é a relacionada com a obstrução mecâni­ca das veias ilíacas e cava pelo útero grávid08, 9, 13, 14.

lkard9, em estudo fluxométrico de veias femorais com aparelho Doppler ultra-som, detectou alterações de drena­gem venosa em posição ortostática em 80% de pacientes no terceiro trimestre da gravidez. No primeiro trimestre havia dificuldade de drenagem em somente 40% das pa­cientes. As alterações melhoravam nitidamente com as pacientes em decúbito lateral ou em posição supina, ou ainda em posição de Trendelenburg. Vea\l4 observou que, em vigência de atividade física, as variações de pres­são venosa obtidas por punção de veia poplítea eram de padrão normal em 80% das pacientes que não apresenta­vam varizes ou edema, enquanto que em todas as pacien­tes onde o edema e as varizes estavam presentes, a varia­ção de pressão mostrava o padrão encontrado na estase venosa crônica. Esses estudos sugerem que o útero grávi­do possa dificultar a drenagem venosa durante a gravidez apesar de Ikard não ter encontrado relação inequívoca en­tre o comprometimento de drenagem e a presença ou não de varizes nas pernas.

Bueno Net04 em estudo de 426 mulheres grávidas ob­servou que 63,3% das varizes se manifestam durante o primeiro trimestre da gestação. Somente 11,3% das vari­zes se desenvolveram no terceiro trimestre, quando o vo­lume do útero atinge as maiores proporções. Por esses achados acha justificável concluir que o peso uterino deve exercer pouca influência sobre o aparecimento das vari­zes, reforçando a teoria do hiperfluxo venoso decorrente do útero grávido e da placenta. O hiperfluxo atuaria como processo obstrutivo do ponto de vista hemodinâmico. Os dados de Bueno Neto se assemelham aos de Mullane ll

CIR. VASCo ANG.6(l): 15,19,1990

Estase venosa e gravidez

que observou uma distribuição não preferencial no apare­cimento de varizes em mulheres grávidas. Apareceram no primeiro trimestre em 37,3%, no segundo em 39,6% e no terceiro trimestre em 23,1 % . Na população de 405 mulhe­res por ele estudada houve, portanto, uma preponderância de aparecimento de varizes no primeiro e segundo trimes­tres, sugerindo que o útero aumentado não obrigatoria­mente coincide com maior desenvolvimento de varizes.

Apesar da nítida preponderância de varizes em mu­lheres com uma ou mais gestações4, lI , 13, Burkitt5 mencio­na a gravidez como uma das "fantasias" etiológicas de va­rizes uma vez que em países como a Índia e o Iraque a pre­valência de varizes entre mulheres é menor que em países mais desenvolvidos apesar de naqueles a multiparidade ser maior.

Uin enfoque importante é o que correlaciona as vari­zes com alterações estruturais dos tecidos desencadeadas pela gravidez. Tais alterações ocorrem também em outras estruturas, inclusive sistema arterial. São tão importantes que 10 a 20% das mortes durante a gravidez ocorrem em decorrência de alguma catàstrofe vascular. São exemplos a dissecção da aorta e a rutura de aneurisma aórtico ou es­plênico. A hemorragia intra-craniana ocorre em 2 a 5% das mulheres grávidas. Danforth7 estudou o comporta­mento histológico de fibras musculares lisas, colágenas e elàsticas em coelhas grávidas e verificou que ocorrem alte­rações estruturais precoces nas fibras musculares e elàsti­caso Essas alterações provavelmente provocam diminui­ção da capacidade de contenção das paredes vasculares e, no caso das veias, facilitam a instalação de degeneração varicosa.

Carvalh06, em estudo histoquímico das fibras do siste­ma elàstico de veias varicosadas e normais, verificou que as primeiras apresentam fibras musculares lisas contraídas associadas a fragmentação de fibras elàsticas e aumento de fibras elaunínicas. Observou também forte concentra­ção de proteoglicanas ácidas sulfatadas e não sulfatadas na estrutura da parede venosa.

Essas alterações que levam, seja ao relaxamento da musculatura lisa da veia, seja a alterações das proprieda­des visco-elàsticas de sua parede, foram clinicamente de­tectadas por Barwin3 ao estudar as variações de distensibi­!idade venosa por meio de instalação de congestão venosa graduada em panturrilha e em antebraço durante o evoluir da gravidez. Houve progressivo aumento da capacitância venosa durante o progredir da gestação, mais acentuada­mente nas veias da panturrilha em relação às veias do bra­ço. Seu estudo foi feito em mulheres primigestas, sem vari­zes e sem antecedentes de trombose venosa profunda. Es­tudo pletismográfico demonstrou significativo aumento da distensibi!idade da rede venosa das pernas em pacientes no terceiro trimestre da gravidez8. Os achados foram in­terpretados como decorrentes de diminuição dos tônus ve­noso com consequente distensão venosa e queda de veloci­dade de fluxo pelas veias.

ROSSI2, em estudo de microscopia de luz e eletrônica, encontrou como principal alteração em veias varicosadas uma infiltração irregular de colágeno, destruindo a forma compacta dos grupamentos musculares lisos. Acredita que essa dissociação de fibras musculares possa interferir na capacidade funcional do sistema muscular e, consequente· mente, comprometer a capacidade funcional da parede ve-

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Lúcia Helena Wierick Pereira Peixoto e Cols.

nosa. Nosso estudo não resolve as dúvidas quanto à nature­

za das alterações funcionais e mecânicas que interferem na formação das varizes dos membros inferiores em mu­lheres grávidas. Pode, no entanto, estabelecer bases mais firmes para a caracterização da história natural das vari­zes gravídicas. A metodologia utilizada, lançando mão de exame não-invasivo objetivo, evita a utilização de qualifi­cações sintomáticas e achados subjetivos de exame físico.

A fotopletismografia mostrou ser um exame extrema­mente útil para a avaliação objetiva da estase venosa'. O trartsdutor, de superfície plana, é aposto à pele da região peri-maleolar interna e responde às alterações de quanti­dade de sangue presente no leito venular do subcutâneo. Os cinco movimentos iniciais de flexão e extensão do pé têm por objetivo acionar a bomba muscular da perna e es­vaziar o leito venular, o que é traduzido graficamente por queda do traçado. Uma vez cessados os movimentos, o traçado sobe gradativamente até o nível em que estava quando em repouso em decorrência do lento reenchimen­to do leito venular. Esse reenchimento é tanto mais rápido quanto maior o grau de insuficiência venosa, de maneira que o tempo de subida do traçado diferencia o normal da estase venosa. O tempo não deverá ser menor que 20 se­gundos no indivíduo normal. O aspecto mais notável do exame é que o traçado obtido é perfeitamente sobreponí­vel ao que seria registrado pela medida das variações de pressão venosa obtidas por punção de veia safena interna perto do maléolo. Assim, o traçado fotopletismográfico traduz o que ocorreria pela medida da pressão venosa ins­tantânea.

Em nossas pacientes, as alterações fotopletismográfi­cas começaram a ser observadas no segundo trimestre da gravidez e se completam durante o terceiro trimestre.

É interessante observar que o garroteamento a dife­rentes níveis sugere que a estase venosa da gravidez decor­re de insuficiência de croça de veia safena interna na maioria dos casos (9 de 14 membros inferiores), enquanto que em quatro membros o garroteamento não promoveu melhora do traçado, o que sugere descompensação do sis­tema venoso profundo. A remissão das alterações fotople­tismográficas ocorreu em todas as pacientes que retorna­ram para revisão exceto em uma, na qual havia evidência de descompensação de sistema venosõ profundo, a qual passou a ser de croça de veia safena interna.

Não é possível, por nossos achados fazer deduções quanto aos mecanismos que desencadeiam a descompen­sação do sistema venoso dos membros inferiores em de­corrência da gravidez. Uma vez que maior número de al­terações fotopletismográficas ocorreram no terceiro tri­mestre, qualquer dos supostos mecanismos podem expli­car nossos achados.

É importante salientar que quase um terço das pa­cientes (27,6%) apresentaram alterações fotopletismográ­ficas compatíveis com estase venosa e que, aparentemen­te, a croça da veia safena interna é a mais frequentemente comprometida, seguida por descompensação de todo o sis­tema venoso profundo. Por outro lado, somente uma pa­ciente dentre seis que retornaram para reavaliação no puerpério, manteve alterações fotopletismográficas em um de seus membros inferiores, o que sugere haver uma importante capacidade de retorno à situação de normali-

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Estase venosa e gravidez

dade observada no período inicial da gravidez. Quanto ao exame físico, deve ser ressaltado que 16

das 29 pacientes apresentaram exame físico compatível com algum grau de estase venosa tendo em vista o apare­cimento de veias dilatadas, sendo que as 8 pacientes com alterações fotopletismográficas estavam incluídas nessas 16. Ressalte-se, portanto, que as outras 8 pacientes com exame físico alterado não apresentaram anormalidades fo­topletismográficas, o que equivale a dizer que as alte­rações de exame físico não correspondem obrigatoriamen­te a alterações fotopletismográficas podendo, portanto, não estar associadas a estase venosa propriamente dita.

CONCLUSÕES

Presente estudo permite concluir: I) que a detecção fotopletismográfica da estase venosa ocorreu em 27,6% das pacientes grávidas anteriormente normais do ponto de vista vascular, 2) que a estase venosa laboratorialmente detectável ocorre no decorrer do segundo e terceiro trimestres da gravidez, 3) que não houve correlação entre sintomas sugestivos de estase venosa e alterações laboratorialmente detectáveis, 4) que a estase venosa-detectável por fotopletismografia decorrente da gravidez reside em descompensação da cro· ça da safena e do sistema venoso profundo, 5) que houve remissão da estase venosa laboratorialmente detectável em 91 % dos casos que retornaram para estudo após o parto.

SUMMARY

VENOUS INSUFFICIENCY ANO PREGNANCY - A PROS­PECTlVE PHOTOPLETHYSMOGRAPHIC STUOY.

Twenty-nine patients were followed from the first or beginning of the second trimester of their pregnancy until its termination, for detection of venous insufficiency of the lower limbs, not previously present. Oetection was done through periodic photoplethysmographic study of the legs. Of the 58 lower limbs studied, 14 became abnormal (24,1%). In six the study became abnormal during the se­cond trimester and in eight during the third trimester. After pregnancy, twelve lower limbs with plethysmographic al­terations were again studied. Eleven became normal and one maintained the alterations observed during pregnancy. Three of the eight patients who presented altered studies were already symptomatic before pregnancy and the re­maining became symptomatic before pregnancy even those legs which showed a normal laboratory study. Our study suggests that venous insufficiency during pregnancy, as detected by photoplethysmography is due to alterations of the greater saphenous vein or of the deep veins of the leg, and it starts during the second or third trimester. The majo ­rity of cases return to normal plethysmographic studies af­ter delivery.

UNITERMS: varicose veins, pregnancy

CIR. VASC. ANG.60): 15,\9,\990

Lúcia Helena Wierick Pereira Peixoto e Cols.

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Estase venosa e gravidez

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