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CORRESPONDÊNCIA: Instituto de Neurociências e Comportamento, Av. do Café, 2450, Monte Alegre, Ribeirão Preto, São Paulo 14050-220, Brasil. Recebido em 22/06/2018 Aprovado em 28/07/2018 1. Professor Titular aposentado do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Le- tras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Afiliação: Instituto de Neurociências e Comportamento (INeC) Medicina (Ribeirão Preto, Online.) 2018;51(2):89-111 http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v51i2p89-111 Reflexão Evolução da neurociência comportamental nos últimos 50 anos. Foco no sistema de defesa e na neurotransmissão Evolution of behavioral neuroscience during the last 50 years. Focus on the defense system and neurotransmission. Frederico Guilherme Graeff 1 RESUMO A evolução da Neurociência Comportamental nos últimos 50 anos é apresentada em função das pesquisas desenvolvidas pelo autor e colaboradores na área de Neuropsicofarmacologia. A prin- cipal linha de investigação relatada aborda o papel da serotonina na regulação das repostas de defesa, que estão relacionadas com as emoções ansiedade, medo e pânico, bem como com as respectivas patologias: transtorno de ansiedade generalizada, fobias e pânico. As estruturas ce- rebrais críticas para a ansiedade – amígdala, hipocampo e ínsula – estão localizadas no cérebro anterior, enquanto que as relacionadas com o medo e o pânico – hipotálamo e matéria cinzenta periaquedutal (MCP) – situam-se no diencéfalo e no tronco cerebral. Dá-se ênfase ao papel da MCP nas reações a ameaças proximais – imobilidade , fuga e luta – que estão relacionadas com ataques de pânico. São relatados resultados obtidos em modelos animais de pânico e em experi- mentação com seres humanos, incluindo testes de ansiedade experimental e neuroimagem morfométrica e funcional, cujas implicações para o conhecimento da fisiopatologia do transtorno de pânico e seu tratamento farmacológico são discutidas. Palavras-chave: Reações de Defesa. Serotonina. Modelos Animais; Ansiedade/Pânico. Ansiedade; Experimentação Humana. Imagem por Ressonância Magnética. Transtorno de Pânico. ABSTRACT The evolution of Behavioral Neuroscience along the last 50 years is presented on the basis of the research work carried out by the author and his coworkers. The main line of investigation reported deals with the role of serotonin in the regulation of defense reactions that are related to the emotions anxiety, fear and panic, as well as to the respective pathologies: generalized anxiety disorder, phobias and panic disorder. The key brain structures for anxiety – amygdala, hippocam- pus and insula – are localized in the forebrain, whereas those related to fear and panic –

Evolução da neurociência comportamental nos últimos 50 ...revista.fmrp.usp.br/2018/VOL51N2-2018/REFL-Evolucao-da... · da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, en-tão dirigido

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CORRESPONDÊNCIA:Instituto de Neurociências e Comportamento,

Av. do Café, 2450, Monte Alegre,Ribeirão Preto, São Paulo 14050-220, Brasil.

Recebido em 22/06/2018Aprovado em 28/07/2018

1. Professor Titular aposentado do Departamento dePsicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Le-tras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

Afiliação: Instituto de Neurociências e Comportamento(INeC)

Medicina (Ribeirão Preto, Online.) 2018;51(2):89-111 http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v51i2p89-111

Reflexão

Evolução da neurociência comportamental nosúltimos 50 anos. Foco no sistema de defesa e naneurotransmissão

Evolution of behavioral neuroscience during the last 50 years. Focus onthe defense system and neurotransmission.

Frederico Guilherme Graeff 1

RESUMOA evolução da Neurociência Comportamental nos últimos 50 anos é apresentada em função daspesquisas desenvolvidas pelo autor e colaboradores na área de Neuropsicofarmacologia. A prin-cipal linha de investigação relatada aborda o papel da serotonina na regulação das repostas dedefesa, que estão relacionadas com as emoções ansiedade, medo e pânico, bem como com asrespectivas patologias: transtorno de ansiedade generalizada, fobias e pânico. As estruturas ce-rebrais críticas para a ansiedade – amígdala, hipocampo e ínsula – estão localizadas no cérebroanterior, enquanto que as relacionadas com o medo e o pânico – hipotálamo e matéria cinzentaperiaquedutal (MCP) – situam-se no diencéfalo e no tronco cerebral. Dá-se ênfase ao papel daMCP nas reações a ameaças proximais – imobilidade , fuga e luta – que estão relacionadas comataques de pânico. São relatados resultados obtidos em modelos animais de pânico e em experi-mentação com seres humanos, incluindo testes de ansiedade experimental e neuroimagemmorfométrica e funcional, cujas implicações para o conhecimento da fisiopatologia do transtornode pânico e seu tratamento farmacológico são discutidas.

Palavras-chave: Reações de Defesa. Serotonina. Modelos Animais; Ansiedade/Pânico.Ansiedade; Experimentação Humana. Imagem por Ressonância Magnética. Transtorno de Pânico.

ABSTRACTThe evolution of Behavioral Neuroscience along the last 50 years is presented on the basis of theresearch work carried out by the author and his coworkers. The main line of investigation reporteddeals with the role of serotonin in the regulation of defense reactions that are related to theemotions anxiety, fear and panic, as well as to the respective pathologies: generalized anxietydisorder, phobias and panic disorder. The key brain structures for anxiety – amygdala, hippocam-pus and insula – are localized in the forebrain, whereas those related to fear and panic –

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Graeff FG.

INTRODUÇÃO

Ao atender ao convide dos editores da Re-vista Medicina para escrever sobre – “Reflexõessobre a evolução do conhecimento na sua áreaespecifica ao longo de sua vida, destacando osavanços ocorridos assim como apontando os de-safios futuros” – considerei duas possibilidades:a primeira seria falar em termos impessoais e ge-néricos; a segunda, descrever a experiência vivi-da no fazer científico durante mais de 50 anos.Optei pela última, que considero mais autênticapara transmitir uma mensagem aos jovens quese iniciam no campo da pesquisa.

O início

Iniciei a carreira científica nos anos 1960,trabalhando no Departamento de Farmacologiada Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, en-tão dirigido pelo eminente cientista Maurício O.Rocha e Silva, que foi orientador de minha tesede doutorado, juntamente com Alexandre P.Corrado. Já manifestava, então, interesse pelocomportamento e pela Psiquiatria. Assim, foi na-tural encaminhar-me para a nascente disciplinada Psicofarmacologia. Na época, apenas ElisaldoA. Carlini fazia pesquisa na área, fundando umlaboratório na Faculdade de Medicina da SantaCasa de São Paulo. No departamento onde esta-va, Alexandre Corrado era o único docente quepesquisava em Neurofarmacologia, tendo esta-giado com o eletrofisiologista Italiano V. G. Lon-go. Por isso, iniciei o doutorado sob sua orienta-ção, estudando os efeitos centrais da bradicinina(BK), que como se sabe havia sido descobertapor Rocha e Silva, Wilson Teixeira Beraldo e GastãoRosenfeld.1 Antes disso, porém, havia realizado

iniciação científica com João Garcia Leme, que tra-balhava com medidas da dor e compostos queinterferem com a serotonina (5-HT). Assim, minhaprimeira publicação foi sobre os efeitos deste tipode agentes no comportamento exploratório decamundongos 2 Como veremos, a 5-HT veio a setornar meu principal objeto de investigação.

No que se refere à BK, o trabalho mais sig-nificativo desta época foi relativo aos efeitoscomportamentais e fisiológicos da injeção dopeptídeo nos ventrículos laterais do coelho, quefoi realizado em colaboração com Irene R. Pelá,que viria a ser minha primeira orientada na pós-graduação.3 Ocorreu também uma descoberta,cujo impacto só recentemente percebi. Realizan-do a perfusão dos ventrículos cerebrais de coe-lhos com solução contendo BK, notei que a ativi-dade da mesma desaparecia. Relatando o acha-do ao colega bioquímico Antônio C. M. Camargo,ele sugeriu que isto poderia ser devido à degra-dação do peptídeo por enzimas existentes no te-cido cerebral. Para testar a hipótese, realizou umasérie de experimentos de caracterização comhomogeneizados do tecido cerebral, do que re-sultou a primeira publicação do campo das oligo-peptidases.4 Esta classe de enzimas degrada ape-nas peptídeos pequenos, ao contrário dasproteases, como a tripsina, que também cataboli-zam proteínas. Ao longo dos anos, as funções dasoligopeptidases foram sendo desvendadas, reve-lando importantes papéis como, por exemplo, nasdoenças neurodegenerativas de Parkinson eAlzheimer.5 Em grande parte isto de deve à con-tribuição de Antônio Camargo, que dedicou fru-tuosa carreira ao estudo dessas enzimas. Em1999, seu grupo de pesquisa mostrou que o geneNDL1/EOPA, que expressa a primeira oligopepti-dase isolada e caracterizada não somente está

hypothalamus and periaqueductal gray matter (PAG) – are placed in the diencephalon and brainstem. The role of the defense reactions to proximal danger – immobility, flight and fight – that arerelated to panic attacks are highlighted. The results obtained in animal models of anxiety andpanic, as well as in humans, including experimental anxiety tests and morphometric and functionalneuroimaging are reported, and their implications for the knowledge of the pathophysiology ofpanic disorder and its pharmacological treatment are discussed.

Keywords: Defense Reactions. Serotonin. Animal Models; Anxiety /Panic. Anxiety; HumanExperimentation. Magnetic Resonance Imaging. Panic Disorder.

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Evolução da neurociência comportamental.

envolvido com a enzima que degrada peptídeosbioativos, mas também é fundamental para a for-mação do córtex cerebral; a redução parcial des-sa proteína causa a lissencefalia e sua deleçãototal é fatal (ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Oligopeptidase).

Nessa descoberta, foi a primeira vez queme deparei com o que ficou conhecido comoserendipity. Podemos dizer que é a combinaçãode um feliz acaso com a intuição do pesquisador,que suspeita haver algo importante no fenôme-no observado por acaso. A palavra deriva do an-tigo conto persa: “Os Três Príncipes de Serendip”,os quais escapavam de terríveis tribulações poracontecimentos fortuitos.

PÓS-DOUTORADO

Devido à inexistência de grupos de pesqui-sa avançados em Psicofarmacologia no Brasil, tor-nou-se imperativo a realização de estágio de pós-doutorado no exterior. No meu caso, ele se deuno Departamento de Farmacologia da Universida-de de Harvard, onde o farmacologista britânicoPeter B. Dews havia instalado um laboratório deFarmacologia Comportamental. A recomendaçãopartiu de um psicólogo norte-americano, Fred S.Keller, que atuava no Brasil, difundindo a escolade psicologia a que pertencia, o behaviorismo, eque era amigo de Rocha e Silva. Em Harvard, figu-rava o fundador do behaviorismo, Burrhus F.Skinner, por cuja influência a Farmacologia Com-portamental utilizava métodos de condicionamentooperante. Mais do que isto, como o BehaviorismoRadical não considerava dados da subjetividadecomo relevantes para a ciência, nem achava ne-cessário conhecer o que se passava no cérebro,tratado como black-box, tudo o que restava eraestabelecer relações funcionais entre dose da dro-ga administrada e parâmetros quantitativos docomportamento, principalmente a frequência derespostas emitidas para obter um reforço ou re-compensa, por exemplo, uma porção de alimento.

Dada minha formação médica, pareceu-meum tanto limitada esta abordagem, porém sendoimpossível a transferência para outro local, ten-tei tirar o maior proveito da oportunidade. Ape-sar dos esforços, não consegui nenhum resulta-do promissor. Para um bolsista do National Institute

of Health (NIH), trabalhando em Harvard, era umcompleto fracasso. Foi então que um colabora-dor, Ronald I. Schoenfeld, doutorado em Chica-go, entrou no escritório com dois frascos na mão,um contendo carbonato de lítio e outro metiser-gida. Os motivos eram alegações de que ambasas substâncias eram úteis no tratamento detranstornos afetivos, o que futuramente se veri-ficou verdadeiro para o carbonato de lítio, e quenão havia nenhum estudo pré-clínico publicadosobre os efeitos delas sobre o comportamento.Assim, resolvemos testá-las em um grupo de pom-bos, que haviam sido utilizados por um estagiá-rio alemão, Wolfgang Wuttke, que pertencia a umgrande laboratório farmacêutico, para avaliar oefeito de compostos ansiolíticos da classe dosbenzodiazepínicos, então recentemente lançadosno mercado. Como o efeito mais característico dosansiolíticos era o de desinibir respostas suprimi-das por punição no chamado teste de conflito,quatro dos animais eram treinados a bicar um discoiluminado, situado na parede da caixa experimen-tal, para obter alimento a cada 5 min, sendo quea cada 10 bicadas, recebiam um choque elétricologo após a última resposta. Como resultado, afrequência de respostas era muito reduzida, sendoque os ansiolíticos a restauravam, porque sob suainfluência a punição perdia a capacidade de re-frear as bicadas. Assim, o efeito anticonflito era omelhor preditor do efeito clínico ansiolítico de umadroga testada em animais de laboratório.

Após verificarmos que o tratamento comcarbonato de lítio produzia efeitos tóxicos, pas-samos a medir o efeito de doses crescentes demetisergida. Para nossa surpresa, verificamos quea mesma mostrou efeito anticonflito de intensi-dade comparável ao mais potente benzodiazepí-nico. Ao ver este resultado, tive a forte sensaçãode que havia algo importante a ser estudado –novamente a serendipity. O próximo passo eraentender porque a droga causava este efeito.Pouco se sabia sobre o mecanismo de ação dametisergida, porém encontramos informação deque ela bloqueava receptores de 5-HT. Conheci-am-se, então, apenas dois tipos de receptor ondeatua a 5-HT, denominados M, bloqueado pelamorfina e D, bloqueado pela dibenzilina, que havi-am sido identificados pela farmacologista brasilei-ra, Zuleica Picarelli em 1957. Para testar a hipóte-

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se de que o efeito anticonflito da metisergida eramediado por receptor da 5-HT, buscamos outroantagonista conhecido, o ácido bromo-lisérgico eum agonista, a alfa-metil-triptamina. Para nossafelicidade, a primeira droga teve efeito anticonflitoe a segunda acentuou a supressão de respostasdeterminada pela punição. Foi o suficiente parapropormos que mecanismos triptaminérgicos ce-rebrais poderiam estar envolvidos na supressãode respostas punidas. O estudo foi publicado namais prestigiosa revista de Farmacologia de en-tão, o Journal of Pharmacology and ExperimentalTherapeutics.6 Note-se que neste artigo não che-gamos a falar de ansiedade e de 5-HT como medi-adora da punição. No primeiro por cautela; no se-gundo, porque não se sabia com certeza se a 5-HT era um neurotransmissor no sistema nervosocentral (SNC); poderia ser a triptamina. Isto dáuma ideia dos limites do conhecimento da época –apenas a acetilcolina e a noradrenalina (NA) eramneurotransmissores centrais estabelecidos. Atu-almente, mede-se o impacto de uma publicaçãopor meio do número de citações que ela recebeao longo dos anos, registrada em banco de da-dos. Utilizando o Google Acadêmico, verifica-se queo índice de impacto é no momento, abril de 2018,igual a 192 (IGA = 192).

A explicitação da participação da 5-HT naansiedade foi feita dois anos após por Wise,Berger e Stein, em artigo publicado na prestigio-sa revista Science.7 Como base de dados parajustificar a proposta de que a 5-HT aumentava aansiedade, e que a ação ansiolítica dos benzo-diazepínicos era devida à diminuição de sua açãoansiogênica no SNC, esses pesquisadores utili-zaram nossos resultados farmacológicos, além deoutros anteriormente publicados, mostrando quea inibição da síntese de 5-HT tinha efeito anti-conflito no rato. A eles adicionaram resultadosbioquímicos evidenciando que um benzodiazepí-nico reduzia a taxa de renovação (turnover) da5-HT, tanto no prosencéfalo como na matéria cin-zenta periaquedutal do mesencéfalo, que ficouconhecida pela abreviatura inglesa PAG. Traba-lhos realizados na Suécia, utilizando técnicas dehistofluorescência haviam permitido mapear viasmonoaminérgicas no SNC. Assim, os menciona-dos autores sugeriram que as projeções dos neu-rônios serotonérgicos presentes no núcleo dorsal

da rafe (NDR) mesencefálica, que inervam tantoo prosencéfalo como a PAG, mediariam o efeitosupressor da punição sobre respostas mantidaspor reforço positivo (recompensa), entendidocomo índice de ansiedade. A recompensa seriamediada por vias noradrenérgicas.

Das afirmações desta hipótese resta ape-nas como válida a de que a 5-HT aumenta a ansi-edade atuando no cérebro anterior. Como vere-mos a seguir, sua ação na PAG parece ser opos-ta. Quanto à recompensa, admite-se que adopamina (DA) seja a mediadora do sistema derecompensa – na ocasião sabia-se que era pre-cursora da síntese de NA, mas sua funçãoneurotransmissora ainda não tinha sido eviden-ciada. Contudo, o valor heurístico – o de orientare estimular pesquisas ulteriores – do modelo te-órico de Wise et al. (1972)7 é significativo, poisfoi com base nele que prosseguimos nossos es-tudos sobre o papel da 5-HT na regulação dossistemas cerebrais que organizam respostas dedefesa contra diferentes tipos de ameaça. Talvezesta seja a principal função das hipóteses, poisseu valor explicativo, que permite compreendero funcionamento da natureza, é temporário, dadoque não há verdades permanentes no conheci-mento científico.

O RETORNO

Naquela época em que a pesquisa científi-ca no Brasil ainda engatinhava, retornar de umpaís desenvolvido era um desafio. As facilidadeslá eram tão maiores, e não somente em termosde recursos materiais, mas sobretudo humanos,que gerava sensação de impotência. A tendêncianatural era a de continuar fazendo o que se ha-via aprendido no exterior, nem sempre com bonsresultados, pois significava competir em grandedesvantagem. Ainda assim, durante os primeirosanos do retorno montei um laboratório baseadono comportamento operante, com recursos obti-dos graças ao apoio da FAPESP.

Durante o período de instalação, que de-morou vários meses, trabalhei no laboratório deneurofisiologia da Faculdade de Odontologia deRibeirão Preto, USP, então dirigido por Cleber G.Gentil, que generosamente me acolheu. Nele pes-quisavam-se os mecanismos da sede utilizando

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Evolução da neurociência comportamental.

a injeção de pequenas quantidades de substân-cias ativas através de cânulas implantadas pormétodo estereotáxico, uma linha de investigaçãoliderada pelo eminente neurofisiologista argenti-no Miguel R. Covian, pioneiro no estudo da fisio-logia do comportamento no Brasil e chefe do De-partamento de Fisiologia da FMRP, sob cuja ori-entação ele e sua colega Vera L. Peres haviamrealizado o doutorado. Dentre os estudos querealizamos, destaco a demonstração de que amicroinjeção do peptídeo angiotensina II na áreaseptal fazia com que ratos saciados votassem apressionar uma barra para beber, comportamen-to este que haviam aprendido a fazer quando ti-nham sede.8 Assim, mostramos que a droga in-duzia um estado motivacional – a sede – e nãoapenas eliciava um comportamento consumatório,o de beber. É um exemplo de como podemos uti-lizar um comportamento manifesto como índice deum estado interior do organismo. Uma vez com-pletada a instalação do meu laboratório, inicieiestudos sobre drogas serotonérgicas e tambémsobre o psicoestimulante anfetamina,9 este últi-mo tema da minha tese de livre-docência.

Cabe aqui um parênteses: Um ponto de vi-ragem na qualidade e quantidade da pesquisafoi a implantação da pós-graduação formal noDepartamento de Farmacologia da FMRP, iniciadaem 1970. Em função disso, passei a orientar es-tudantes de mestrado e doutorado, cuja contri-buição para a produção científica foi inestimável.Tais esforços têm sido apoiados e avaliados cri-teriosamente pelas agências financiadorasFAPESP, CAPES e CNPq, cuja importância na for-mação de recursos humanos para pesquisa emlarga escala nunca é demais salientar. Dessa for-ma, os estudos mencionados a seguir, realizadosno Departamento de Farmacologia, foram reali-zados com a colaboração de vários pós-graduan-dos, contando sempre com o valioso apoio técni-co de José Carlos de Aguiar, que em alguns delestornou-se, por sua competência, um verdadeirocolaborador.

Voltando ao conteúdo científico, assinaloque o fato de a BK ter um sistema de inativaçãono sistema nervoso central (SNC), além de cau-sar alterações fisiológicas e comportamentais deorigem central, despertou a ideia de que ela po-deria ser um neurotransmissor central. Era en-

tão uma ideia inusitada, pois esta função nuncahavia sido atribuída a um peptídeo. Com as limi-tadas evidências disponíveis, uma publicação des-ta proposta em periódico internacional era inviá-vel. Contudo, tinha forte intuição de que era umaboa ideia, que merecia ser registrada, nem quefosse apenas para estimular a investigação localdos possíveis papéis centrais da BK. Assim, es-crevi um artigo que foi publicado na revista Ciên-cia e Cultura. propondo esta função para a BK. 10

Continuando a linha de pesquisa sobre seus efei-tos centrais, estudamos o efeito da injeção intra-ventricular da BK e de outros peptídeos no com-portamento de coelhos treinados a levantar umaalavanca com os dentes incisores para obter águaadocicada, realizado pela pós-graduanda EmíliaA. Arisawa. 11 Contudo, esta linha de pesquisaque não se aprofundava em mecanismos, nemconsiderava a fisiologia não me satisfazia intei-ramente. Como consequência, orientei um estu-dante de mestrado, Fernando Morgan de AguiarCorrêa, que mais tarde iria se tornar docente doDepartamento de Farmacologia da FMRP, a reali-zar estudos sobre efeitos centrais da BK sobre apressão arterial do rato. Com isto foi introduzidaa técnica de injeção intracerebral no laboratório,pela qual diminutos volumes de solução conten-do a droga são injetados em locais definidos doSNC, através de cânulas implantadas por meiode aparelho estereotáxico. Desse modo, identifi-cou-se o local da ação hipertensora da BK na áreaseptal lateral. 12 Em função do seu interesse pelafunção da BK no SNC, Fernando Correa foi esta-giar no laboratório do renomado neurocientistaSalomon H. Snyder, em Baltimore, EUA, onde con-seguiu evidenciar a presença de imunorreativida-de do tipo-BK no SNC. 13 Foi a primeira evidênciada existência do peptídeo no SNC, com a implica-ção de que pode exercer funções fisiológicas ecomportamentais. A importância deste achado éatestada pelo impacto da publicação: IGA = 191.Esta descoberta substanciava a hipótese de quea BK poderia ser um neurotransmissor central,ideia que já não era insólita, pois a substância Phavia sido proposta como neurotransmissora,inaugurando a extensa lista dos neuropeptídios.Voltarei a este tema no final desta narrativa, poisrecentemente os caminhos da pesquisa levaram-me de volta aos neuropeptídios.

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Nos meados dos anos 1970, assumi a ori-entação de dois estudantes – Nylson G. da SilveiraFilho e Luiz Carlos Schenberg – que haviam reali-zado iniciação científica no laboratório de MiguelCovian, e lá haviam aprendido a técnica da esti-mulação elétrica intracerebral, que permitia ativaráreas delimitadas do SNC, graças à localizaçãoprecisa da ponta do eletrodo por meio doestereotáxico. Esta técnica passou a ser utilizadaem numerosos estudos que descrevo a seguir.

Buscando na literatura conhecimento sobreas bases neurais da ansiedade, deparei-me coma teoria do psicólogo britânico Jeffrey A. Gray, pro-pondo que a ansiedade seria gerada pela ativa-ção do sistema septo-hipocampal por sinais deameaça ou da perda de recompensa esperada(frustração), gerando inibição comportamental.Projeções noradrenérgicas e serotonérgicas aosepto-hipocampo aumentariam a atividade do sis-tema de inibição comportamental e, consequen-temente, a ansiedade. Já pensando na possibili-dade de estagiar em seu laboratório, concebi umexperimento baseado nesta proposta que foi exe-cutado em colaboração com Nylson Silveira. Ten-do em vista que o sistema septo-hipocampal erainervado por fibras serotonérgicas originárias donúcleo mediano da rafe (NMR) mesencefálica, de-cidimos estudar os efeitos da estimulação elétri-ca do NMR sobre o comportamento operante deratos treinados a pressionar uma barra para ob-ter água a intervalos variáveis de tempo. Esteesquema de reforço gera um padrão regular derespostas, que se sabia ser suprimido por sinaisde perigo, fenômeno este denominado supres-são condicionada. Verificamos, assim, que a esti-mulação elétrica do NMR causava a mesma su-pressão, acompanhada de sinais neurovegetati-vos característicos de emoção, como defecação emicção. Como o NMR contém outros tipos deneurônios, além dos que contém 5-HT, inibimos asíntese de 5-HT com injeção intraperitoneal (i. p.)de para-clorofenilalanina (PCPA), reduzindo as-sim os níveis centrais da monoamina. Como asupressão de respostas determinada pela esti-mulação elétrica do NMR foi muito reduzida pelaPCPA, concluímos que o efeito supressor era me-diado pela 5-HT. 14 Este resultado era compatíveltanto com a hipótese de Jeffrey Gray, bem como

com o modelo teórico de Wise et al. (1972)7, naparte em que postula uma ação ansiogênica da5-HT, exercida em estruturas do cérebro anterior.

Como o mesmo modelo admite que a 5-HTtambém aumenta a ansiedade na PAG, resolve-mos, com Luiz Schenberg, testar esta hipóteseexperimentalmente. Já se sabia que a estimula-ção elétrica da parte dorsal da PAG (PAGd) eliciavacomportamento de fuga e ou luta defensiva emdiferentes espécies de mamíferos estudados nolaboratório. Admitindo que a fuga desencadeadapela estimulação elétrica de PAGd do rato fossemodelo de ansiedade, esperávamos que uma dro-ga que bloqueia receptores da 5-HT – a cipro-eptadina – deveria atenuar os efeitos aversivosda estimulação elétrica, elevando o valor da in-tensidade mínima da corrente elétrica capaz dedesencadear a fuga. Este valor é denominado li-miar de fuga ou limiar aversivo. Qual não foi nos-sa surpresa, portanto, ao verificarmos que o in-verso ocorria, isto é, a ciproeptadina reduzia olimiar de fuga de modo proporcional à dose inje-tada. 15 Foi a primeira evidência que nos levoufuturamente a questionar o modelo de Wise ecolaboradores, no que se refere à PAG.

Um evento significativo durante este perío-do foi a fundação do Laboratório de Comporta-mento e Drogas na Faculdade de Filosofia Ciênci-as e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), USP. Istose deu em colaboração com um docente do De-partamento de Psicologia, Luiz M. de Oliveira, emespaço outorgado pelo então diretor, o estaticistaGeraldo Duarte. Este laboratório foi o embrião dofuturo programa de pós-graduação em Psicobio-logia, sobre o qual voltaremos a falar posterior-mente. Um trabalho relevante realizado nestelaboratório foi o primeiro estudo comportamentalcom a ketamina, executado pelo mestrandoMarcus Lira Brandão, que revelou um efeito anti-conflito desta substância.16 A ketamina é um anes-tésico geral denominado dissociativo, pois o pa-ciente continua acordado, embora com a cons-ciência alterada, não sentindo dor, nem se recor-dando depois do trauma cirúrgico. Recentemen-te, sua importância cresceu, pois a ketamina estásendo utilizada para o tratamento da depressãorefratária ao tratamento convencional com agen-tes antidepressivos.

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Evolução da neurociência comportamental.

OXFORD

No segundo semestre do ano de 1978 ini-ciei um estágio como Professor Visitante, no la-boratório de Jeffrey Gray, Professor Associado doDepartamento de Psicologia Experimental da Uni-versidade de Oxford, Inglaterra. Uma bolsa daFAPESP deu apoio financeiro. Como projeto deinvestigação propus a comparação entre o efeitoda estimulação elétrica do NMR com o de um estí-mulo condicionado que havia sido pareado comum choque elétrico aplicado nas patas do rato(CS-). As medidas usadas foram o tempo de imo-bilidade (congelamento) e a atividade elétrica(EEG) do córtex cerebral e do hipocampo dorsal.Além disso, seriam avaliados os efeitos do agen-te anticolinérgico escopolamina, do bloqueador dereceptores 5-HT metisergida, do inibidor da sín-tese de 5-HT PCPA, bem como do benzodiazepí-nico clordiazepóxido e do barbitúrico amobarbital.Os experimentos foram realizados com a colabo-ração da psicóloga venezuelana Stela Quintero.Em conformidade com as previsões derivadas dahipótese de que ativação do sistema serotonér-gico do NMR mimetizaria o estado de medo condi-cionado, verificamos que tanto o estímulo elétri-co como o CS- evocavam congelamento, acompa-nhado de dessincronização do EEG cortical e on-das teta de baixa frequência no hipocampo, o queera interpretado como índice de ansiedade. Emambos os casos, o ritmo teta era bloqueado pelaescopolamina e alterado igualmente pelos agen-tes ansiolíticos clordiazepóxido e amobarbital.Contudo, nem a metisergida, nem o PCPA bloque-aram o ritmo teta.17 Tais resultados indicam queo efeito da estimulação elétrica do NMR sobre oEEG é mediado pela acetilcolina, ao contrário doefeito comportamental, o qual seria dependenteda 5-HT, como demonstrado anteriormente porGraeff e Silveira Filho (1978).14

Havia um aspecto da teoria do sistema deinibição comportamental que me intrigava – aestimulação elétrica dessas estruturas funciona-va como reforço positivo, mantendo o comporta-mento de auto-estimulação. Porém, sabemos quea ansiedade é uma emoção desagradável. Assim,seu aspecto aversivo deveria ser gerado em ou-tras estruturas do SNC. Com base no estudo so-bre a estimulação elétrica da PAG, suspeitei ser

esta última forte candidata a desempenhar estepapel. Como consequência, solicitei a Jeffrey Graypermissão para desenvolver um segundo proje-to, sendo meu pedido generosamente atendido.Assim, em colaboração com o doutorando John N.Rawlins, verificamos o efeito da lesão do septolateral, supostamente inativando o sistema deinibição comportamental, com o efeito da injeção,i. p., do ansiolítico clordiazepóxido sobre o com-portamento do rato de pressionar uma barra paraobter alimento. Esta resposta também era puni-da pela ministração, logo após sua emissão, porum estímulo aversivo. Em um dos grupos experi-mentais este último era representado por um cho-que elétrico nas patas, enquanto que no outro,por um estímulo elétrico aplicado na PAGd. Verifi-camos, assim, que a lesão septal tinha efeito an-ticonflito apenas no grupo punido com choquesnas patas, enquanto o clordiazepóxido tinha omesmo efeito em ambos os grupos. Além disso, oefeito anticonflito do clordiazepóxido nos animaispunidos com choque nas patas era maior do queo da lesão septal. Concluímos que a supressãoda resposta por punição – índice de ansiedade –era devida a dois componentes, quais sejam: ainibição comportamental gerada no sistema deinibição comportamental aventado por Gray e aaversão gerada na PAGd.18 Isto nos levou a pro-por, mais tarde, que o sistema de inibição com-portamental seria o substrato neural do compo-nente cognitivo da ansiedade, ao passo que ocomponente emocional seria integrado pelo quedenominamos sistema cerebral aversivo, o qualcompreendia, além da PAGd, a amígdala e ohipotálamo medial.

Cabem aqui algumas considerações sobreos ganhos obtidos neste estágio. Em primeiro lu-gar, a oportunidade de conviver com Jeffrey Gray,que era uma figura rara e inspiradora. Tendo for-mação behaviorista, havia abandonado a postu-ra da “caixa preta” e se dedicado a entender comoo cérebro organiza o comportamento. Filiou-se,assim, à Neuropsicologia, disciplina inauguradapelo neurologista russo Alexander Luria, o qualvaleu-se, sobretudo, da avaliação de soldados daPrimeira Guerra Mundial, feridos por projéteis quelesavam, com precisão, estruturas cerebrais defi-nidas. Pode, assim, estabelecer sólidas correla-ções entre lesão e funções psicológicas altera-

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das. Outra característica rara de Jeffrey Gray eraa de ele ser capaz de elaborar teorias abrangen-tes, utilizando dados de várias disciplinas. Ao con-trário da maioria dos pesquisadores, conseguia“ver a floresta e não somente cada árvore”. Naocasião, já estava escrevendo um livro sobre neu-ropsicologia da ansiedade, que se tornaria umclássico na área, onde desenvolveu em profundi-dade a teoria do sistema de inibição comporta-mental.19 Além disso, um aprendizado importan-te foi alcançado ao participar das reuniões sema-nais onde se discutiam todos os trabalhos emandamento no laboratório. Havia grande preocu-pação em planejar muito bem os experimentos,destinados a testar previsões claramente defini-das de hipóteses de trabalho solidamente fun-damentadas. Dessas discussões surgiam críticase sugestões valiosas e consolidava-se o espíritode equipe.

Outro evento significativo, em termo de fu-turas consequências, foi o de conhecer o psiqui-atra John Francis William Deakin, ou Bill Deakin,como é normalmente chamado. Nosso primeiroencontro ocorreu em reunião científica realizadaem Londres, onde apresentei o estudo sobre efei-tos comportamentais da estimulação elétrica doNMR realizado no Brasil, cujos resultados chama-ram sua atenção. Isto porque, além da formaçãoclínica ele havia trabalhado em pesquisa básicacom animais de laboratório. Este tipo de forma-ção era raro, mesmo na Inglaterra. Discuti comele a possibilidade de realizar estudos em sereshumanos para testar as hipóteses derivadas deestudos em animais de laboratório, o que deuinício a uma frutuosa colaboração, como veremosposteriormente.

O SEGUNDO RETORNO

Uma vez de volta ao Brasil, continuei a in-vestigar a punição pela estimulação elétrica daPAGd com o psicólogo Sílvio Morato de Carvalho,que em seu projeto de doutorado estudou o efeitode dois antagonistas 5-HT e dois ansiolíticos so-bre o responder operante suprimido por puniçãocentral, no rato. Os resultados mostraram que osansiolíticos tinham efeito anticonflito, porém omesmo não acontecia com os antagonistas 5-HT,indicando que a supressão de respostas por pu-

nição na PAGd não é mediada pela 5-HT, em con-traste com o que se verifica com a punição porchoques nas patas.20 Este resultado dava apoioà ideia anterior da existência de dois sistemasde supressão de respostas punidas.

Simultaneamente ao desenvolvimento dapesquisa empírica, procurei expor minha visãosobre o modo de ação dos ansiolíticos em um ar-tigo de revisão temática, que foi publicado noBrazilian Journal of Medical and Biological Research.Nele propus que os ansiolíticos reduzem a ansie-dade por diminuírem o funcionamento de dois sis-temas neuronais que integram respostas de de-fesa: 1) o sistema septo-hipocampal somado àsaferências monoaminérgicas provenientes domesencéfalo, que gera inibição comportamentalem resposta a ameaças de punição ou frustraçãoe 2) o sistema cerebral aversivo compreendendoa PAGd, a matéria cinzenta periventricular dohipotálamo e a amígdala, que integra reações dedefesa do tipo luta ou fuga, além de gerar moti-vação aversiva ou desconforto.21 O primeiro sis-tema era o que havia sido proposto por JeffreyGray, enquanto que o segundo havia sido demar-cado por Fernandez de Molina e Robert W.Hunsperger (1962)22, com base nas repostasevocadas pela estimulação elétrica intracerebral,aplicada sistematicamente em diferentes regiõesdo SNC, realizando um mapeamento funcional.

Vale lembrar que essa abordagem tem ori-gem no achado seminal de Walter R. Hess, mos-trando que a estimulação do hipotálamo medialdo gato desencadeava respostas de defesa inte-gradas e bem orientadas, com as mesmas carac-terísticas das provocadas por ameaças naturais,no caso, a presença de um cão agressivo. 23 Taisresultados indicam a existência no SNC de siste-mas neurais pré-organizados, capazes de gerarmanifestações de emoções básicas, como o medo.Pela magnitude desta contribuição científica, Hessfoi agraciado com o prêmio Nobel, em 1949. Maisainda, o achado de Hess foi a primeira evidênciaexperimental substanciando a teoria elaborada porCharles Darwin postulando que as emoções bási-cas – alegria, medo, ira e tristeza – tinham valoradaptativo e, por isso, haviam sido selecionadasnaturalmente ao longo da evolução dos seres vi-vos. Como consequência, haveria correspondên-cia ou homologia entre suas manifestações nas

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diferentes espécies, inclusive a humana.24 Esta-va implícito que deveriam existir sistemas cere-brais que coordenam as manifestações dessasemoções, conservados ao longo da evolução.Portanto, o substrato neural das emoções bási-cas poderia ser estudado em animais de labora-tório, como o fez Walter Hess, sendo as conclu-sões extrapoláveis ao ser humano. Para a Psico-logia e a Psiquiatria, esta proposta de CharlesDarwin tem a mesma relevância da ideia da sele-ção natural para a biologia, fundamentando asabordagens hoje denominadas Psicologia Evolu-tiva e Psiquiatria Evolutiva.

Quanto aos neurotransmissores, um mar-co da biologia molecular da época foi a elucidaçãodo local de ação dos ansiolíticos benzodiazepíni-cos, que se dá em receptores específicos (RBZ)acoplados ao receptor tipo A do neurotransmissorinibitório ácido gama-aminobutírico (RGABA-A). Aose combinarem com o RBZ, os benzodiazepínicosmodulam positivamente o RGABA-A, intensifican-do a ação inibitória do GABA sobre o funciona-mento dos neurônios-alvo. 25,26 Esta descobertalevou-nos a explorar a função do GABA na PAGdem uma série de estudos utilizando uma técnicaque permite a microinjeção de drogas combinadacom a estimulação elétrica em um mesmo local doSNC. Isto é possível graças ao uso de um dispo-sitivo denominado quimitrodo, formado por umeletrodo colado a uma cânula, pela qual é intro-duzida uma agulha de injeção, sendo que as ex-tremidades da agulha e do eletrodo situam-se 1mm abaixo da ponta da cânula. O teste compor-tamental utilizado em nossos experimentos erarealizado em uma caixa de dois compartimentosiguais, onde o rato podia desligar o estímulo pas-sando de um lado para o outro, por isso denomi-nada “caixa de vai-e-vem”. Com este métodopode-se determinar o limiar aversivo, definidocomo a menor intensidade da corrente elétricaque elicia resposta de fuga, no caso a passagemde um compartimento da caixa para o lado opos-to. O primeiro estudo foi realizado por MarcusBrandão, como requisito de sua tese de doutora-do, tendo mostrado que a microinjeção na PAGddos ansiolíticos clordiazepóxido e pentobarbital,bem como do GABA elevava o limiar aversivo. Emdireção oposta, a administração dos antagonis-tas do RGABA-A bicuculina e picrotoxina produzi-

am comportamento de fuga semelhante ao evo-cado pela estimulação elétrica. Tais resultadossugerem que o GABA exerce inibição tônica sobreos neurônios da PAGd que comandam a fuga,sendo que o efeito antiaversivo dos ansiolíticosseria devido à intensificação desta função doGABA. 27

Como as facilidades da internet não existi-am, enviei pelo correio separatas do mencionadoartigo do Brazilian Journal aos principais laborató-rios que pesquisavam sobre a ação dos ansiolíti-cos. Um deles despertou particularmente nossointeresse, pois há anos nele se investigavam asfunções comportamentais da PAG. Era o entãodenominado Centre de Neurochimie da Universi-dade de Estrasburgo, capital da província france-sa da Alsácia, o qual era dirigido pelo renomadoneurofisiologista Pierre Karli. Quando lá chegueitive uma boa acolhida, pelo fato de o artigo derevisão que havia enviado ter sido escrutinizadopelos docentes e pós-graduandos. Além disso,eles também estavam investigando o papel doGABA na PAGd. Como consequência, programa-mos um estágio de pós-doutorado para MarcusBrandão, que deu início a uma longa colabora-ção, não somente com o nosso laboratório, mascom outros centros de pesquisa brasileiros.

Cabe um parênteses para destacar a im-portância de elaborar conceitos teóricos e publicá-los. No nosso caso, em revista nacional que pres-tou muitos serviços para promover a biociênciabrasileira, numa época em que poucos pesquisa-dores tinham competência para redigir um traba-lho científico em inglês. A outra, é a da colabora-ção internacional com centros de pesquisa maisavançados, hoje bem mais difundida que naque-la época, porém cuja expansão é ainda meta aser atingida pelas universidades brasileiras.

Os estudos seguintes com estimulação elé-trica e microinjeção de drogas exploraram asações do GABA e de aminoácidos excitatórios, quetêm efeitos opostos aos do GABA, tanto na PAGcomo no hipotálamo medial, em estudos conduzi-dos pelos pós-graduandos Elizabeth A. Audi eHumberto Milani, que mais tarde viriam a se tor-nar docentes na Universidade Estadual deMaringá, Paraná, por Antônio Pádua Carobrez, quefez carreira na Universidade Federal de SantaCatarina, e por Maria Cristina Silveira. Como ilus-

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tração, cito um artigo de revisão que cobre partedos resultados obtidos. 28

Um marco importante na direção das nos-sas pesquisas deu-se com a chegada de Francis-co S. Guimarães, candidatando-se à Pós-gradua-ção em Farmacologia. Sendo na época coordena-dor do programa e percebendo as qualidades docandidato, lamentei não poder orientá-lo, pelofato de minha cota de alunos já estar preenchi-da. Como ele era formado em Medicina, ocorreu-me que poderia ser orientado por um psiquiatrae iniciar uma linha de pesquisa em seres huma-nos. A escolha do orientador recaiu sobre Antô-nio W. Zuardi, com quem já havia colaborado emestudo pioneiro, realizado na Universidade deCampinas, onde ele foi docente antes de retornarpara a FMRP. Neste estudo havíamos empregadouma variante do teste baseado na ansiedade defalar em público, no qual, em lugar da videocâmaraoriginal, a voz do participante era registrada emum gravador de fita. 29 Como Antônio Zuardi e euhavíamos conseguido a outorga de um quarto daenfermaria do Hospital das Clínicas de RibeirãoPreto (HCRP) para instalar o primeiro laboratóriode pesquisa em psiquiatria, foi consequência ló-gica o projeto de doutorado de Francisco Guima-rães ser realizado nesse local, com o teste dasimulação de falar em público (TSFP), agora comvideocâmara.30 Devido ao contato com Bill Deakin,que trabalhava com outro modelo de ansiedadeexperimental humana, o condicionamento da res-posta de condutância da pele (CRCP), não foi di-fícil que ele admitisse Francisco Guimarães comoestagiário de pós-doutorado na Universidade deManchester. Este estágio dava início a uma frutí-fera colaboração.

Voltando a investigar o papel da 5-HT naPAGd, a doutoranda Maria Tereza Schütz, utilizan-do o quimitrodo e a caixa de vai-e-vem mediu oefeito da própria 5-HT e de um agonista 5-HT di-reto, 5-MeODMT, sobre o limiar de fuga da esti-mulação elétrica da dPAG. Os resultados mostra-ram que, tanto a 5-HT como o 5-MeODMT eleva-vam o limiar de fuga de modo dose-dependente.Além disso, o efeito antiaversivo de ambos agen-tes serotonérgicos foi bloqueado pelo tratamen-to prévio com o antagonista 5-HT não seletivometergolina, bem como com a ciproeptadina, quebloqueia predominantemente os receptores 5-HT

do tipo 2. Concluiu-se que a 5-HT reduz a aver-são na PAGd atuando sobre receptores 5-HT2.31

Como os antagonistas 5-HT não eliciavam a fugaconcluiu-se que a inibição mediada pela 5-HT de-veria ser fásica, em contraste com aquela exercidapelo GABA, que, como vimos, é tônica. Essas evi-dências são particularmente significativas, porquemostram claramente que a 5-HT exerce um papelantiaversivo na PAGd, contrariamente ao postu-lado pelo modelo de Wise e colaboradores, dis-cutido anteriormente. Por tal motivo, o impactodesta publicação é relativamente elevado, comIGA = 132.

A PSICOBIOLOGIA

Uma mudança importante nos rumos daminha carreira foi a de prestar concurso de Pro-fessor Titular no Departamento de Psicologia daFaculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribei-rão Preto (FFCLRP), USP, em 1986. A meta eraviabilizar o recém-criado Programa de Pós-gradu-ação em Psicobiologia, que carecia de massa crí-tica e liderança. Além dos fundadores, Lino B. DeOliveira, Sílvio M. de Carvalho, Luiz de Oliveira eJosé Aparecido da Silva, agregaram-se ao grupoCarlos Alberto B. Tomaz, vindo de um doutoradoem Düsseldorf, além de Marcus L. Brandão, queretornou após trabalhar como docente na Univer-sidade Federal do Espírito Santo. Em conjunto comCarlos Tomaz, instalamos um novo laboratório,onde foram produzidos muitos estudos nos anosseguintes. Esta mudança também representouuma inflexão nos rumos da pesquisa, pois aban-donei os métodos baseados no comportamentooperante e passei a utilizar o labirinto em cruz-elevado (LCE) como modelo de ansiedade. Esteúltimo representa uma abordagem diferente daanterior, que se fundamentava na análise expe-rimental do comportamento behaviorista, por ba-sear-se em conceitos etológicos, no caso a aver-são inata de roedores por espaços abertos e ele-vados, onde não podem exercer a exploração pormeio do contato com as vibrissas. O aparelho éconstituído por dois braços cercados de paredes(fechados), perpendiculares a dois outros com asmesmas dimensões, desprovidos de paredes(abertos). Quando colocados no centro do labi-rinto, ratos e camundongos preferem explorar os

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braços fechados, entrando neles com maior fre-quência e aí permanecendo por mais tempo. Sobo efeito de ansiolíticos esta preferência desapa-rece. Embora já largamente empregado no exte-rior, creio que foi a primeira vez que o LCE foi uti-lizado no Brasil, tanto na pesquisa, como em au-las práticas, onde produzia resultados consisten-tes, demonstrando assim sua robustez. Comosua fabricação é simples e de baixo custo, seuuso difundiu-se rapidamente, o que traz uma li-ção sobre o tipo de técnica a ser adotada empaíses onde os recursos proporcionados para apesquisa científica são escassos.

Dos muitos trabalhos publicados por nós como LCE, destaca-se um de natureza metodológica,que além das medidas espaço-temporais – per-centagem de entradas e tempo dispendido nosbraços abertos e fechados – acrescentou o regis-tro de itens comportamentais, tais como compor-tamento de avaliação de risco e de exploração daextremidade do braço aberto, sendo as medidassubmetidas à análise fatorial. O estudo foi reali-zado pelo doutorando Antônio Pedro M. Cruz, atu-almente docente na Universidade de Brasília, ten-do grande impacto, com IGA = 781.32 Também des-perta atenção (IGA = 204) o estudo realizado nolaboratório de Francisco Guimarães revelando oefeito ansiolítico do canabidiol no LCE.33

Outra contribuição significativa foi dada pelodoutorando Hélio Zangrossi Jr., atualmente docen-te do Departamento de Farmacologia da FMRP.Verificou ele que a exposição mais prolongada aolabirinto revertia o fenômeno da tolerância à se-gunda tentativa no LCE, descrito originalmente nolaboratório da psicofarmacologista britânicaSandra File, em Londres. Ele consiste na perda doefeito ansiolítico de benzodiazepínicos em animaisque haviam realizado exploração prévia do LCE.Em estágio realizado no referido laboratório, Hé-lio Zangrossi reproduziu o achado, resultando daíuma publicação conjunta, com IGA = 222. 34

Cabe aqui um comentário sobre a decisãodo pós-graduando Ricardo L. Nunes de Souza derealizar doutorado-sanduíche na Universidade deZurique, Suíça, trabalhando no laboratório dopsicofarmacologista Bert Siegfried, cuja linha depesquisa era a derrota social em camundongos.Na época, trabalhar com camundongo era poucocomum, devido à dificuldade para localizar estru-

turas em um cérebro bem menor que o do rato.Entretanto, esta escolha mostrou-se feliz, poisatualmente o camundongo é o preferido, por seprestar ao uso de técnicas de genética moleculare farmacogenética. Posteriormente, Ricardo e suaesposa e também pesquisadora Azair Canto deSouza realizaram pós-doutorado em Leeds, Grã-Bretanha, no laboratório de John Rogers, quetambém trabalhava com a mesma espécie. Fiéisà escolha original, eles vêm dando contribuiçãoexpressiva ao estudo dos sistemas de defesa nocamundongo, sendo ele atualmente docente nocampus de Araraquara da Universidade EstadualPaulista (UNESP) e ela na Universidade Federalde São Carlos.

A relação entre os resultados obtidos emanimais de laboratório e a Psiquiatria iniciou-secom outro episódio de serendipity. No ano de 1987,fui convidado a fazer uma palestra sobre o siste-ma cerebral aversivo no Instituo de Psiquiatria daUSP, em São Paulo, onde relatei a descrição feitapelo neurocirurgião norte-americano Blaine S.Nashold dos efeitos da estimulação elétrica da PAGlateral em pacientes. Foi então que o psiquiatraValentim Gentil Filho manifestou-se com a afirma-ção: “Isto é um ataque de pânico”. Foi a primeiravez que se estabeleceu relação entre PAG e pâni-co, hoje largamente admitida. Para registrar esteacontecimento, sugeri a Valentim Gentil a redaçãode um anexo a um capítulo de livro que estavaredigindo, sobre modelos animais de aversão.35

Esta colocação levou-me a conceber um modeloteórico sobre o papel da 5-HT na ansiedade e nopânico no qual propus que as projeções seroto-nérgicas do NDR para o prosencéfalo aumentam aansiedade, como no modelo de Wise e colabora-dores, enquanto que as que inervam a PAGd ini-bem neurônios do sistema cerebral aversivo queestariam envolvidos no ataque de pânico.36 Estaorganização aparentemente paradoxal, foijustificada por sua possível vantagem adaptativa– quando a ameaça for potencial ou distante dapresa, é melhor refrear comportamentos que des-pertem a atenção do predador, como a fuga. Talargumento baseia-se nos conceito de níveis deameaça elaborados por Robert e CarolineBlanchard, que realizaram a análise etoexperimen-tal – uma convergência entre as mencionadasabordagens behaviorista e etológica – do compor-

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tamento de defesa de roedores. 37 Segundo eles,o primeiro nível de defesa verifica-se quando umpredador que havia sido encontrado neste localnão mais está presente, ou quando a situação énova, podendo reservar tanto recompensas comoameaças (conflito). A resposta de defesa verificadanessas condições é a exploração cautelosa (riskassessment) do ambiente. Caso o predador este-ja presente, porém situado a distância segura dapresa, esta emprega a segunda estratégia dedefesa, que é a imobilidade atenta – a já mencio-nada inibição comportamental ou congelamento.Tal comportamento visa diminuir o risco de per-cepção pelo predador. Finalmente, no terceiro ní-vel de defesa o predador está a curta distânciaou mesmo em contato com a presa, restando aela fugir desabaladamente ou lutar com o preda-dor. Tais níveis de defesa estariam relacionados aestados emocionais distintos: ansiedade, medo epânico, respectivamente.

O próximo passo, que hoje seria denomi-nado translacional – relacionando pesquisa bási-ca com aplicações clínicas – foi dado em colabo-ração com Bill Deakin. Da mesma forma que nós,ele havia proposto que diferentes vias seroto-nérgicas desempenham papéis distintos na re-gulação das emoções. No caso, a via que vai doNDR à amígdala aumentaria a ansiedade anteci-patória ou generalizada, enquanto a que vai doNMR ao hipocampo dorsal promoveria a tolerân-cia ao estresse crônico, e cuja falência levaria àdepressão. Em viagem de Bill Deakin ao Brasil paraparticipar de congresso científico, resolvemos com-binar as duas hipóteses no que ficou conhecidocomo a “teoria de Deakin-Graeff”. Em conversa-ção, delineamos um artigo que justificaria nossaideias. Ao retornar à Inglaterra, ele foi convidadopor David Nutt, então novo editor do Journal ofPsychopharmacology, para escrever um artigo-alvo,contendo novas ideias, que seria enviado paracomentário a alguns dos mais eminentes pesqui-sadores da área. A publicação conteria os comen-tários, mais a réplica dos autores. Apesar de arevista estar em fase ruim, tendo perdido aindexação em bases de dados, aceitamos a ofer-ta.38 O resultado foi muito positivo, testemunha-do pelo alto impacto das citações que o artigotem obtido (IGA = 897). Com respeito às amea-ças agudas, relacionamos os níveis de defesa,

definidos pelo casal Blanchard, com emoções nor-mais e com psicopatologia, e propusemos possí-veis estruturas cerebrais como seu substratoneural. Especificamente, o primeiro nível, de riscopotencial, estaria relacionado com a ansiedade ecom o transtorno de ansiedade generalizada(TAG), tal como definido pela classificação doDiagnostic Statistical Manual (DSM III). As estrutu-ras-chave seriam a amígdala, o hipocampo e ocórtex pré-frontal. O segundo nível, onde o peri-go está distante, corresponderia ao medo e àsfobias. O substrato neural seria o hipotálamomedial. Já, no terceiro nível a ameaça iminentegeraria o pavor ou pânico, e a patologia corres-pondente seria o transtorno de pânico (TP). APAGd seria a estrutura-chave, cujo hiperfuncio-namento tornaria os portadores vulneráveis aataques de pânico espontâneos. Para as amea-ças persistentes, que geram estresse crônico, aresposta adaptativa é a de desconectar as atri-bulações das atividades correntes, o que permi-te uma vida quase normal. Tal capacidade de to-lerar a adversidade crônica denomina-se resili-ência. Naturalmente, há um limite variável paracada um e, quando este é esgotado, precipita-seo transtorno afetivo denominado depressão mai-or. Quanto aos papéis da 5-HT, postulamos que avia NDR-amígdala aumentaria a ansiedade e pro-piciaria o TAG, enquanto a via NDR-PAGd inibiria opânico. Por fim, a via NMR-hipocampo promoveriaa resiliência. Para explicar o efeito terapêutico dosagentes antidepressivos inibidores da recaptaçãode 5-HT, utilizados para tratar as três patologias,propusemos ainda que sua administração crôni-ca (por três ou mais semanas) aumentaria a fun-ção da 5-HT na PAGd, refreando os ataques depânico, bem como no hipocampo dorsal, restau-rando a resiliência. Já para o TAG, a atividade davia NDR-amígdala seria reduzida, posto que osreceptores ansiogênicos, do tipo 5-HT2 (hoje sesabe serem do subtipo 5-HT2C) teriam seu núme-ro e/ou sensibilidade reduzida.

Como já destacamos, o principal valor deuma teoria é do estimular a pesquisa. Neste casoo valor heurístico da teoria de Deakin-Graeff temsido apreciável, pois ao longo dos anos vem sen-do testada experimentalmente em diferentes la-boratórios com técnicas cada vez mais sofistica-das de biologia celular e molecular e de neuro-

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Evolução da neurociência comportamental.

imagem funcional. A propósito, a psicobiólogaCláudia M. Padovan organizou dois simpósios naUSP Ribeirão Preto para comemorar os 21 e os25 anos da teoria, respectivamente. Também edi-tou os números de duas revistas internacionaisque publicaram matéria apresentada nas reuni-ões. Destes, cito dois artigos de revisão que jul-go particularmente relevantes, o primeiro sobrepesquisa pré-clínica realizada nos Estados Uni-dos39 e o segundo sobre investigação em sereshumanos.40

Toda teoria científica deve se prestar aoteste empírico de suas predições. No caso da te-oria de Deakin-Graeff, planejamos verificações emanimais de laboratório e em seres humanos. Noprimeiro caso, decidimos criar um modelo animalque medisse índices relacionados à ansiedade eao pânico no mesmo animal, executando a mes-ma tarefa motora. Partimos do LCE, obstruindo aentrada de um dos braços fechados com um an-teparo, formando um labirinto com um braço fe-chado e dois abertos, que foi denominado labi-rinto em T-elevado (LTE). Como índice de ansie-dade, mede-se a latência de saída do braço fe-chado com as quatro patas por três tentativassucessivas. Como os braços abertos são aversivospara o rato, o tempo que ele leva para sair dobraço fechado aumenta a cada tentativa, mos-trando a aquisição de uma esquiva inibitória. Paramedir o índice de pânico, o mesmo rato é coloca-do na extremidade de um dos braços abertos,medindo-se a latência da saída do braço que oanimal realiza para se dirigir ao braço fechado,executando assim uma resposta de fuga. Cabesalientar, que este teste se enquadra em novafase dos modelos animais de psicopatologia – ados modelos teoricamente fundamentados – quesão derivados de hipóteses abrangendo tanto me-canismos de fisiopatologia humana como ossubjacentes aos comportamentos dos animais delaboratório no aparelho-teste.

Os primeiros experimentos de validação domodelo foram feitos com o uso do ansiolíticodiazepam. Como esperado, ele prejudicou a aqui-sição da esquiva inibitória sem afetar a fuga. Tam-bém prejudicou a memória, avaliada com medidarealizada no dia seguinte, por sugestão de CarlosTomaz. Os resultados foram originalmente publi-cados no Brazilian Journal em artigo que tem ele-

vado impacto de citações (IGA = 206), devido aosucesso ulterior do modelo.41 Os experimentosforam executados pela pós-graduanda Milena B.Viana, que seguiu trabalhando por muitos anoscom o LTE e é, atualmente, docente na Universi-dade Federal de São Paulo (UNIFESP), campusde Santos.

Para o teste da vertente ansiedade-pânicoda teoria Deakin-Graeff, vários experimentos fo-ram realizados em nosso laboratório com injeçãointracerebral de agentes que estimulam ou ini-bem o funcionamento do NDR. Já o papel do NMRe do hipocampo dorsal na depressão foi estuda-do no laboratório de Francisco Guimarães, utili-zando modelo de estresse por contenção, no qualratos confinados por algum tempo num cilindromostram-se mais ansiosos no dia seguinte, quan-do avaliados no LCE. Finalmente, para testes emseres humanos foram utilizados os já menciona-dos modelos experimentais: o TSFP como modelode pânico e o CRCP como modelo de ansiedade.Os experimentos com este último foram conduzi-dos por Francisco Guimarães no laboratório deBill Deakin, enquanto os que utilizaram o TSFPforam realizados no HCRP pelo psiquiatra e en-tão doutorando Luiz Alberto Hetem. O efeitos deagentes que modificam a neurotransmissão se-rotonérgica foram medidos em ambos os mode-los. O conjunto dos resultados obtidos foi com-patível com as predições da teoria de Deakin-Graeff, tendo sido publicados em artigo que atin-ge alto impacto de citações, com IGA = 944.42

Outros testes farmacológicos da teoria fo-ram realizados durante este período, como rela-tado em artigo de revisão.43 Entretanto, paraaprofundar sua validação acrescentamos méto-dos não farmacológicos. Um deles foi de nature-za neuroquímica – a microdiálise intracerebral.Para realiza-la, cânulas com membranas semiper-meáveis na extremidade são localizadas no SNCpelo método estereotáxico e perfundidas comsolução fisiológica, da qual podem ser colhidas edosadas substâncias ativas. Para o aprendizadoda técnica, Milena Viana realizou estágio no la-boratório de Peter A. Löschmann, docente da Uni-versidade de Tübingen, Alemanha. Lá demons-trou que a estimulação do NDR com microinjeçãode ácido kaínico liberava 5-HT no espaço extra-celular, tanto na amígdala como na PAGd, como

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previsto pela nossa teoria.44 O outro foi de natu-reza molecular, denominado c-fos, que designaum oncogene. Com ele, verifica-se que o núcleode neurônios ativados fica marcado pela proteí-na Fos, detectada por método imunoquímico.Pode-se assim mapear as estruturas nervosasativadas por determinadas condições. Para apren-dizado do método, Maria Cristina Silveira estagiouno laboratório de Guy Sandner, em Estrasburgo,onde realizou vários estudos mostrando que asvárias estruturas do sistema cerebral de defesasão ativadas por diferentes condições de estres-se (ver, e. g., Siveira et al., 1995).45 De volta aoBrasil, realizou no laboratório de Hélio Zangrossi,importante validação do LTE, ao mostrar que astarefas de esquiva inibitória e de fuga, realiza-das isoladamente, geravam um padrão diferenci-al de ativação das estruturas cerebrais de defe-sa. Em particular, a amigdala era ativada pelaesquiva, enquanto que a PAGd era ativada pelafuga, o que dá suporte à ideia de que a primeiratarefa relaciona-se com a ansiedade e a segun-da com o pânico.46 Assinale-se que este estudocontou com a colaboração do pesquisador uru-guaio Rodolfo Silveira, então professor-visitantena FFCLRP. De modo mais amplo, este parágrafomostra a importância da colaboração internacio-nal na aquisição e implantação de novas técnicasde investigação.

No último período em que atuei na Psico-biologia, montei um novo laboratório, com maiorespaço e recursos técnicos, em colaboração comMarcus Brandão, que permaneceu em sua dire-ção após minha saída, em 1998, até 2017. Entreas numerosas contribuições de Marcus Brandãoao estudo dos mecanismos de defesa, destacoduas: A primeira foi a demonstração do papel docolículo inferior na defesa proximal, como relata-do, entre outros, em artigo de revisão.47 A se-gunda refere-se à distinção entre o congelamen-to produzido pelo medo (defesa distal) e a imobi-lidade determinada pela estimulação elétrica daPAGd, característica da defesa proximal.48 Quan-to a esta última, cabe um parênteses que ilustraa importância da neurociência comportamentalpara a vida diária. Graças a informação veiculadapor Regina Nogueira a juristas influentes emBrasília, há disposição para rever a interpretaçãodo significado da imobilidade apresentada por

cerca de 30% das vítimas de estupro, que temsido erroneamente considerada como falta deresistência e aceitação.

A PSIQUIATRIA

Após um intervalo de dois anos de dedica-dos a tarefas didáticas, passei a atuar na Pós-graduação em Saúde Mental do atual Departa-mento de Neurociências e Comportamento daFMRP, entre os anos de 2000 e 2010, para pro-mover a reestruturação do Programa. Comoconsequência, a atividade de pesquisa voltou-separa o ser humano. Uma vertente dela foram ex-perimentos com o TSFP realizados em pacientesde pânico, iniciados pelo estudo que fundamen-tou a tese de doutorado da psiquiatra CristinaMarta Del Ben. (Del-Ben et al., 2001),49 a qual veioa se tornar docente do mesmo Departamento.Seus resultados mostraram que os pacientes depânico apresentavam alto nível de ansiedadegeneralizada antes do teste, porém reagiam muitopouco ao desafio de falar diante da câmera detelevisão. Este perfil foi considerado semelhanteao de voluntários sadios que haviam ingerido oantagonista 5-HT não seletivo metergolina, comorelatado no mencionado estudo realizado comgravador de som.29 Isto levou Cristina Del-Ben asugerir que os pacientes de pânico poderiam so-frer de um déficit de 5-HT nas vias que inibemataques de pânico, provavelmente localizadas naPAGd. Esta hipótese fisiopatogênica foi depoisexplorada em animais de laboratório, como vere-mos ulteriormente, tendo recebido considerávelapoio experimental.

Estudos subsequentes com o teste de TSFPforam conduzidos pelos pós-graduandos CibeleGarcia-Leal e Alexandre C. Parente, cujos resul-tados, somados a evidências anteriores, foramanalisados em artigo de revisão.50 Além de se-rem compatíveis com a teoria de Deakin-Graeffsobre o papel da 5-HT na ansiedade e no pânico,os últimos estudos evidenciam que o TSFP nãoativa o eixo hormonal de estresse – hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Isto valida o TSFP comomodelo de pânico, pois há evidências mostrandoque o ataque de pânico natural ou provocado poragentes panicogênicos também não o faz.51 Sali-ente-se, aliás, que a estimulação elétrica da PAGd

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igualmente não aciona o eixo HPA, como demons-trado no laboratório de Luiz Schenberg.52

O fato de experiência tão estressante quan-to um ataque de pânico não liberar corticoidespode parecer paradoxal. Entretanto, esta expec-tativa deriva do conceito clássico da “síndromegeral de adaptação”, que se supõe ser a mesmapara qualquer tipo de estresse. Entretanto, o queocorre na realidade são respostas adaptativasespecíficas para diferentes ameaças à homeos-tase. No caso do pânico, que requer respostascomo fuga ou luta, não faz sentido liberar hormô-nios que aumentem o consumo de energia. Omesmo se dá no estresse causado por frio inten-so. Para uma discussão do tema ver Graeff eZangrossi (2010).53

Outra vertente refere-se à questão de seas estratégias de defesa – definidas a partir deestudos em animais de laboratório ou da obser-vação sistemática do seu comportamento em con-dições naturais – podem, de fato, ser extrapola-das para o ser humano. Claro que este é o pres-suposto básico da perspectiva evolutiva. Porém,poucos estudos procuram validá-la empiricamente.Um deles foi conduzido por Caroline Blanchard,no Havaí, em colaboração com psicólogos, no qualse utilizaram cenários em que variavam as condi-ções de intensidade, proximidade e possibilida-de de fuga de situações de ameaça, requerendo-se dos participantes que respondessem a per-guntas de um questionário sobre o que fariamem cada uma dessa circunstâncias.54 Com basenos resultados obtidos, os autores concluíramhaver alto grau de correspondência entre tais res-postas e os padrões de defesa verificados nosoutros animais. Como nesse tipo de pesquisa éimportante avaliar-se o peso de fatores psicos-sociais, devem ser realizadas investigações emcondições socioculturais diferentes da original.Assim sendo, resolvemos reproduzir o estudo emRibeirão Preto, não sem antes realizar a valida-ção da tradução do questionário de medo origi-nal. O estudo foi conduzido pela pós-graduandaRosana Shuhama, sob orientação de Cristina Del-Ben. Com poucas exceções, que podem ser atri-buídas a diferenças culturais, os resultados obti-dos apoiaram as conclusões do primeiro estudo.55 Como reproduções adicionais desta pesquisaem diferentes países chegaram à mesma conclu-

são, podemos admitir que se trata de fenômenotranscultural, fundamentando na biologia, comosupôs originalmente Charles Darwin. A razão maisprovável desta coincidência é a conservação aolongo da árvore evolutiva da organização cere-bral que organiza as reações defesa. Como vere-mos abaixo, isto que tem sido comprovado porestudos de neuroimagem.

Os estudos com neuroimagem foram intro-duzidos na pesquisa em Psiquiatria no HCRP porCristina Del-Ben, após treinamento realizado noDepartamento de Psiquiatria da Universidade deManchester, dirigido por Bill Deakin. Durante esteestágio, ela participou de pesquisas envolvendoo reconhecimento de faces emocionais associadoa imagens de ressonância magnética funcional(IRMf), combinado com o efeito de drogas sero-tonérgicas. Continuando esta linha de pesquisaem Ribeirão Preto, foi realizado um estudo sobreo efeito do inibidor seletivo de recaptação de 5-HT, escitalopram, verificando-se que a droga faci-litava o reconhecimento de faces expressandotristeza e inibia o reconhecimento daquelas ex-pressando felicidade, porém apenas em voluntá-rios do sexo masculino.56 Além de destacarem opapel da 5-HT na modulação do reconhecimentode faces emocionais. (ver Del-Ben et al., 2008),57

estes resultados mostram a influência do gêneroneste fenômeno.

Esta última questão foi explorada em estu-do ulterior, conduzido pelo psiquiatra Vinícius G.Guapo, cujos resultados mostraram que a acurá-cia em reconhecer determinadas emoções variacom a fase do ciclo menstrual e, em particular, des-tacaram a importância dos estrógenos no reconhe-cimento de emoções negativas, como tristeza, irae medo.58 Devido ao controle rigoroso das fasesdo ciclo hormonal, este estudo dá uma contribui-ção significativa ao conhecimento do dimorfismosexual e tem tido impacto significativo (IGA = 84).

Outro estudo com reconhecimento de fa-ces emocionais e IRMf avaliou o efeito do ansiolíticodiazepam, mostrando que a droga afetou dife-rencialmente o processamento do reconhecimentode faces expressando diferentes emoções aver-sivas, além de salientar o papel da amígdala e daínsula na ação ansiolítica do benzodiazepínico.59

A importância da ínsula também foi atesta-da por estudo morfológico de ressonância mag-

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nética, conduzido no HCRP pelo doutorandoRicardo R. Uchida, cuja análise dos dados foi rea-lizada no laboratório de Geraldo F. Busatto, naFaculdade de Medicina da USP, São Paulo. 60 Nelefoi empregado o método da morfometria baseadano vóxel para acessar o volume de matéria cin-zenta em diferentes estruturas do SNC em paci-entes de pânico, comparados com voluntários sa-dios. Encontrou-se aumento relativo de matériacinzenta na ínsula esquerda desses pacientes.Outras estruturas igualmente afetadas foram ogiro temporal superior esquerdo, o mesencéfalo ea ponte, enquanto que diminuição da matéria cin-zenta foi encontrada no córtex cingulado anteriordireito. Os achados foram interpretados em rela-ção à fisiopatologia do transtorno de pânico. As-sim, os aumentos encontrados no tronco cerebral,onde se encontra a PAG, estariam associados àmaior vulnerabilidade a ataques de pânico, en-quanto os referentes à ínsula e ao cíngulo anteri-or foram associados à avaliação distorcida de es-tímulos interoceptivos, verificada nos pacientes depânico. O impacto desta contribuição tem sidoapreciável (IGA = 130).

Mesmo após meu desligamento da Progra-ma de Pós-graduação em Saúde Mental, conti-nuei a colaborar com o grupo de pesquisa dirigi-do por Cristina Del-Ben, daí resultando, entreoutros, um estudo que merece destaque por sereferir a um tema central deste artigo que é aorganização cerebral do sistema de defesa. Comoantecedente, é necessário descrever sucintamen-te o estudo com IRMf realizado por Dean Mobbs,no qual voluntários sadios eram instruídos a mo-vimentar um triângulo (presa virtual) num labirin-to apresentado numa tela para evitar que um cír-culo (predador virtual) o alcançasse. Um progra-ma de computador instruía o círculo a perseguir ecapturar o triângulo. Quando isto acontecia, oparticipante recebia choques elétricos nos dedosda mão. O principal achado foi a demonstraçãode que ativação localizava-se no córtex pré-fron-tal medial quando o círculo estava longe do triân-gulo, tipificando uma situação de ameaça poten-cial ou distal. A medida que o círculo se aproxima-va do triângulo, a ativação deslocava-se para aPAG. 61 A importância desses resultados é difícilde ser exagerada, pois foi a primeira demonstra-ção de estruturas cerebrais envolvidas na defe-

sa em seres humanos. Validaram, ainda, a extra-polação de resultados obtidos em animais de la-boratório para nossa espécie, fundamentando aperspectiva original de Charles Darwin. Finalmen-te, os autores relacionaram a defesa potencialou distal com a ansiedade e a proximal com pâni-co, na esteira da teoria de Deakin-Graeff. Era umaestratégia complementar e mais direta do aquelaempregada por Caroline Blanchard com o uso doscenários de ameaça do mencionado questionáriode medo. Por tal razão, ocorreu-me a ideia derealizar um estudo combinando as duas aborda-gens. A principal investigadora foi a então pós-doutoranda Rosana Shuhama, sob a supervisãode Cristina Del-Ben. Em síntese, voluntários sadi-os foram colocados no interior de uma máquinade ressonância magnética e, em lugar de ler adescrição dos cenários, ouviam o relato dos mes-mos gravados por um locutor. Os participanteseram instruídos a imaginar a situação o mais vivi-damente possível, como se estivessem nela. Aescolha dos cenários recaiu em dois extremos doreferido questionário de medo – o mais distal e omais proximal. No primeiro caso, era ouvir um ruí-do suspeito próximo à janela do quarto, à noite.No segundo, a entrada em elevador de um ata-cante portando uma faca na mão, obstruindo aporta. Para realizar as subtrações necessáriaspara medida da IRMf, adicionaram-se dois cená-rios, um prazeroso – andar em uma praia, e outroneutro – agendar uma reunião por telefone. Osresultados com escalas de avaliação psicométricamostraram que os cenários de ameaça, tanto oiminente como o potencial, aumentaram o senti-mento e os sintomas corporais de desconforto.As imagens de ressonância funcional mostraramativação do córtex pré-frontal ventromedial pelaameaça potencial e da PAG pela ameaça iminen-te, em surpreendente concordância com os rela-tados por Dean Mobbs e colaboradores (2007)57,usando ameaças virtuais.62 Pode-se dizer, tam-bém, que tais resultados validam o questionáriode medo elaborado por Caroline Blanchard e co-laboradores (2001).54 Mais importante, salientamo uso da imaginação como recurso de investiga-ção associado a imagens funcionais do cérebro,cujas vantagens são várias: De natureza práti-ca, pois dispensa equipamentos dispendiosos quepodem interferir no campo magnético; de nature-

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za ética, poupando os voluntários de dor e ou-tros desconfortos. Sem esquecer que chama aatenção para as peculiaridades do ser humano,que permitem delineamentos experimentais dife-rentes dos empregados em outras espécies, oque nem sempre é lembrado por investigadorestreinados em pesquisa animal.

Antes de passar à próxima seção, devoassinalar que durante este período uma ex-ori-entada desenvolveu uma linha de pesquisa emseu laboratório, na UNESP, campus de Assis, es-tudando a participação do NMR e do hipocampodorsal na defesa, utilizando o LTE e contando coma colaboração de Hélio Zangrossi. As principaisconclusões a que levaram os resultados obtidosé a de que o NMR participa da regulação da defe-sa potencial (ansiedade), mas não da defesaproximal (pânico), lembrando que o NDR que par-ticipa de ambas. Indicam, ainda, que a ativaçãoda via serotonérgica que nasce no NMR e inervao hipocampo dorsal aumenta a ansiedade, masnão afeta o pânico. Estes resultados resgatam opapel do hipocampo dorsal na ansiedade, postu-lado por Jeffrey Gray, que tem sido relegado asegundo plano pela ênfase (justificada) nospapeis do hipocampo na memória e na resiliênciaao estresse. Por isso, dedicamos a ele o artigode revisão que redigimos para sintetizar essesresultados e reavaliar o papel do NMR e do hipo-campo dorsal na ansiedade.63

DE VOLTA AOS MODELOS ANIMAIS

O retorno aos modelos animais iniciou-sepor mais um episódio de serendipity. Participandode um simpósio na Universidade Estadual deMaringá, Paraná, assisti à apresentação deElisabeth Audi, onde ela apresentou resultadosiniciais obtidos por sua orientada Camila Roncon,mostrando que o pré-tratamento, i. p., com o an-tagonista não seletivo de receptores opioidesnaloxona bloqueia o efeito antifuga (panicolítico)da administração crônica de fluoxetina, medidono LTE. Como a fluoxetina não se liga diretamen-te a receptores opioides, suspeitei haver umainteração entre receptores 5-HT e opioidesendógenos, que seria relevante tanto do pontode vista terapêutico como fisiopatológico (verabaixo). Iniciou-se assim uma colaboração para

explorar este tema, que envolveu a fundamentalparticipação de Hélio Zangrossi Jr.

O primeiro estudo aprofundou a investiga-ção sobre a fluoxetina. Lembrando que evidênci-as anteriores haviam mostrado que o efeito anti-fuga da fluoxetina crônica era mediado por recep-tores 5-HT1A (R5HT1A) localizados na PAGd ,64 opróximo passo foi verificar se a injeção intra-PAGdde naloxona era capaz de antagonizar este efeitoda fluoxetina, o que de fato ocorreu. Portanto,opioides endógenos na PAGd parecem participarda ação panicolítica do antidepressivo. Resulta-dos adicionais mostraram que a naloxona bloqueiaos efeitos da 5-HT, tendo sido ambas injetadas naPAGd, o que sugere que a 5-HT interage com opi-oides locais para atenuar a defesa proximal e,supostamente, ataques de pânico.65 Resultadosde estudos ulteriores utilizando agonistas e an-tagonistas seletivos de receptores da 5-HT e opi-oides, que não cabe aqui descrever em detalhe,apontam para uma interação cooperativa entre oR5HT1A e o receptor Mu-opioide (RMO) resultan-do em ação sinérgica entre os agonistas de am-bos receptores. Uma revisão recente abrange es-tes resultados, bem como discute as implicaçõesteóricas e práticas dos mesmos.66

Quanto às implicações teóricas, propuse-mos que a existência de uma interação coopera-tiva entre a 5-HT e os opioides na PAGd permitereconciliar as duas principais teorias neuroquími-cas da vulnerabilidade dos pacientes de pânicoaos ataques de pânico – a serotonérgica e a opi-oidérgica.66,67 A primeira já foi mencionada ante-riormente a respeito do trabalho de Cristina Del-Ben com o TSFP em pacientes de pânico, quandoela sugeriu que estes últimos poderiam apresen-tar um déficit de 5-HT nas vias que inibem ata-ques de pânico. Esta hipótese foi fortalecida porevidências pré-clínicas obtidas por Johnson e co-laboradores68 em ratos tornados vulneráveis amanifestações comportamentais e fisiológicassemelhantes ao ataque de pânico pela diminui-ção prolongada do tono GABAérgico no hipotála-mo. Esses autores verificaram que tais animaisapresentam redução do funcionamento de umsubgrupo de neurônios do NDR que envia proje-ções dorsais para a PAGd, onde exercem açãoinibitória sobre as reações comportamentais dadefesa proximal, bem como projeções ventrais

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para núcleos do bulbo ventral que regulam o sis-tema simpático periférico, inibindo assim as ma-nifestações neurovegetativas da reação de de-fesa. Com base nessas evidências, propuseramque pacientes de pânico apresentariam um défi-cit de funcionamento deste sistema neuronal se-rotonérgico, tornando-se mais vulneráveis à ocor-rência de ataques de pânico espontâneos.

Já a hipótese opioide baseia-se nos traba-lhos e ideias do eminente psiquiatra norte-ameri-cano Donald Klein, o qual, vale lembrar, foi o des-cobridor do tratamento farmacológico do transtor-no de pânico com antidepressivos, fato este quelevou ao reconhecimento deste transtorno comodiferente da ansiedade generalizada na classifi-cação dos transtornos psiquiátricos. Observandoque havia comorbidade entre transtorno de pâni-co e disfunções respiratórias, além de semelhan-ças entre as manifestações do ataque de pânicoe a sufocação, Donald Klein havia proposto quepacientes de pânico teriam um alarme desufocação supersensível.69 Mais recentemente, elee seu colaborador Maurice Preter estenderam ateoria da sufocação para abranger outro fator devulnerabilidade, este de natureza psicossocial, queé a ansiedade de separação na infância. Como sesabe que tanto a respiração como o vínculo ma-terno-infantil são modulados por opioidesendógenos, Preter e Klein (2008)70 sugeriram queuma falha no sistema opioide que normalmenterefreia ataques de pânico estaria na raiz davulnerabilidade apresentada pelos pacientes. Emteste clínico da teoria, mostraram que a adminis-tração do antagonista opioide naloxona tornavaindivíduos sadios suscetíveis a ataques de pânicoprovocados pela injeção de lactato de sódio, talcomo ocorre com os pacientes de pânico.

Muitos dos achados de Donald Klein foramreproduzidos por experimentos realizados com omodelo animal de pânico da estimulação elétricada PAGd no laboratório de Luiz Schenberg – umexemplo marcante de pesquisa translacional. Paraassinalar este fato e a possível reconciliação dashipóteses serotonérgica e opioidérgica proporcio-nado pelos achados referentes à interação 5-HT-opioides na PAGd, Luiz Schenberg organizou umsimpósio em Vitória, Espírito Santo, ocorrido entre16 e 18 de novembro de 2012, que contou com ahonrosa presença de Donald Klein. Os anais des-

te simpósio, intitulado “Ist World Symposium onTranslational Models of Panic Disorder” foram por eleeditados e publicados em 2014 no periódicoNeuroscience and Biobehavioral Reviews, volume 46Pt 3. Nele se encontram artigos relevantes paracompreensão mais aprofundada dos temas aquidiscutidos.

Quanto a possíveis aplicações, trata-se dotratamento farmacológico do transtorno de pâni-co e, possivelmente da depressão. Apesar da efi-cácia, os antidepressivos têm limitações – demo-ram pelo menos três semanas para começar a atu-ar, provocam efeitos colaterais indesejáveis e,sobretudo, há cerca de 30% dos pacientes quenão respondem ao tratamento. Por isso, novasalternativas ou associações têm sido buscadas.Já mencionamos, por exemplo, o uso da ketaminapara tratamento da depressão resistente. Nos-sos resultados com modelos animais de pânicoindicam que eles atuam via R5HT1A na dPAG e queestes interagem cooperativamente com o RMO.Portanto, é de se esperar que a adição de umopioide potencialize o efeito dos antidepressivos.Com efeito, verificou-se que a injeção de dosessub-eficazes de um agonista RMO seletivo na dPAGacelera o efeito antifuga da fluoxetina crônica, quejá aparece aos 7 dias de injeção diária, em lugardos 21, verificados no grupo controle.71 Este acha-do encoraja a investigação clínica para verificar sea adição de opioides exógenos é capaz de acele-rar a ação dos antidepressivos, e mesmo tornarsensíveis pacientes resistentes. Contudo, há óbi-ces evidentes ao uso dessas drogas, tipificadaspela morfina, devido a efeitos colaterais, comodepressão respiratória, constipação e, principal-mente, ao elevado potencial de abuso, com de-senvolvimento de tolerância, dependência psico-lógica e fisiológica. No entanto, há alternativas quepodem ser exploradas. Uma delas refere-se aotramadol, medicamento em uso para o tratamen-to da dor. Embora tenha potencial de abuso emaltas doses, este é menor do que o da morfina ouda oxicodona, a ponto de ser comercializado semnecessidade de receituário especial. O tramadolcombina ação agonista fraca sobre o RMO com ini-bição da recaptação da 5-HT e da noradrenalina.Não é surpresa, portanto, que tenha mostradoefeito do tipo antidepressivo em modelos animais72

e em relatos de casos clínicos de depressão re-

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Evolução da neurociência comportamental.

sistente a antidepressivos,73 depressão com for-te tendência suicida74 ou associada a perda soci-al.75 Estes últimos resultados levam a pensar quetalvez os mecanismos que estamos identificandona dPAG – a cooperação entre o R5HT1A e RMO –possam estar presentes em sistemas neuronaisenvolvidos na depressão. Isto aumentaria muitosua importância clínica, dado que o impactopsicossocial e econômico da depressão é bemmaior do que o do pânico, ao mesmo tempo queencoraja a investigação de tal possibilidade emensaios clínicos controlados.

Outra possibilidade é o uso de antagonis-tas do receptor opioide Kappa (RKO), como a bu-prenorfina, que também se encontra em uso parao manejo da dependência a opioides. A estimula-ção do RKO tem efeitos opostos à do RMO e, se-gundo nossos resultados com modelos animaisde pânico, interage negativamente com oR5HT1A.76 Também este mecanismo pode estarpresente no substrato neuronal da depressão,pois foi relatado que baixas doses de buprenorfi-na atenuam marcadamente a ideação suicida empacientes deprimidos.77

Um terceira opção é a dos derivados da opi-orfina. Esta substância é um pentapeptídeo, en-contrado originalmente na saliva humana, que ini-be duas enzimas degradantes de peptídeos decurta cadeia de aminoácidos. Por isso estes sãochamado oligopeptídeos, e as enzimas cababoli-zantes, oligopeptidases. Entre os primeiros estãoos opioides endógenos denominados encefalinas.Como resultado da inibição das oligopeptidasespela opiorfina, acredita-se que aumentem os ní-veis extracelulares de encefalina e, consequente-mente, seja intensificada sua ação sobre recep-tores opioides onde elas se ligam, respectivamen-te o Mu e o Delta. Desta forma, a opiorfina estimu-laria tais receptores indiretamente, ao contráriodos agonistas opioides diretos, como a morfina.Com isto, é possível que tenham menos inconve-nientes. De fato, resultados em modelos animaistêm mostrado que a opiorfina exerce ponderávelação analgésica, sem contudo haver tolerância aouso repetido, nem indícios de desenvolvimento dedependência (ver, e. g., Thanawala et al., 2008).78

O inconveniente da opiorfina para uso clínico é ode ser rapidamente inativada quando ministradapor via oral. Contudo análogos resistentes a esta

inativação já foram desenvolvidos e estão sendotestados em ensaios clínicos.

Como se poderia prever, a opiorfina teveefeito do tipo panicolítico no LTE e no teste daestimulação elétrica da dPAG, quando injetada nointerior desta estrutura, o qual foi bloqueado porum antagonista RMO seletivo.79 Contudo, resulta-dos ulteriores questionam o mecanismo de açãoatravés das encefalinas, pelo menos exclusiva-mente. Isto porque o efeito antifuga da opiorfinanão foi afetado por um antagonista seletivo doR5HT1A, e foi bloqueado por um antagonista doreceptor da BK (bradicinina) do tipo B2.80 Isto nãoé tão surpreendente, pois a BK é um nonapeptídeosuscetível à ação proteolítica das mesmas oligo-peptidases que degradam as encefalinas. Além dis-so, sua injeção intra-PAGd determina efeito anti-fuga bloqueado tanto por um antagonista do re-ceptor B2 como por um antagonista do RMO.81 Alémdisso, o mesmo estudo mostrou que a inibição dainativação enzimática da BK pelo agente anti-hipertensivo captopril (também inibidor da conver-tase da angiotensina) determinou efeito antifugano modelo da estimulação elétrica da PAGd. Esteresultado é muito significativo, porque sinaliza apresença de BK endógena na PAGd, a qual pode-ria estar atuando fisiologicamente como moduladorda reação de defesa proximal e, supostamente,de ataques de pânico. O uso de agentes que afe-tam a BK, como o captopril, seria outra avenida aser explorada para o desenvolvimento de novosmedicamentos panicolíticos.

Assim, termino esse relato voltando às ori-gens – às pesquisas realizadas no início da car-reira sobre os efeitos comportamentais da BK,único neurotransmissor até agora descoberto noBrasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em primeiro lugar, quero assinalar que aabordagem escolhida padece de limitações. Aoseguir os rumos de minha carreira científica, mos-trei uma estrada estreita, que percorre o vastoterritório da neurociência comportamental. Mes-mo considerando apenas o tema central – neuro-transmissores que modulam reações de defesa,deixamos de abordar ou apenas mencionamosimportantes atores, como os aminoácidos excita-

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tórios e os chamados neurotransmissores atípicos– óxido nítrico e canabinoides –, que inclusive sãoestudados por alguns dos nossos colaboradores,como Francisco Guimarães, Antônio Zuardi e An-tônio Pádua Carobrez. Igualmente, vastas áreasdo conhecimento de fundamental importância,como a memória e as demências foram omitidas.Também não foi devidamente enfatizada a contri-buição de estudos neuroanatômicos, que descre-vem conexões entre grupos neuronais situadosem diferentes estruturas cerebrais formando oscircuitos e redes neurais que regulam as reaçõesde defesa. Em particular, os estudos conduzidospelo grupo liderado por Newton Canteras mos-traram que respostas inatas ou aprendidas a di-ferentes ameaças – predatória, de membros damesma espécie ou sinalizadas por estímulos inte-roceptivos e dolorosos – são processadas por cir-cuitos independentes, envolvendo áreas cortiço-límbicas (amígdala, hipocampo e córtices pré-fron-tal e da ínsula), hipotalâmicas e do tronco cere-bral. Em revisão recente, Canteras e eu reunimosevidências neuroanatômicas e farmacológicas queconvergem para salientar o papel crítico da PAG edo hipotálamo na geração de ataques de pânicoe nos mecanismos de ação das medicaçõesantipânico atualmente em uso.82 Faltaram aindaas abordagens da neuroquímica, genética ou bio-logia molecular – hibridização in situ, animais knotout, optogenética e farmacogenética – que sãotemas fronteiriços na atualidade. Sem falar nassimulações computacionais, nas redes neurais ena robótica cognitiva e afetiva. Desta forma, esteartigo não tem a menor pretensão de apresentaro estado da arte da área.

No entanto, espero que o material apresen-tado, permita ao leitor algumas reflexões geraissobre o fazer científico, que naturalmente deve-rão variar conforme sua perspectiva e experiên-cia. Fazendo aqui as minhas, tenho a dizer que oprogresso da ciência parece depender de avan-ços em dois níveis, o conceitual e o técnico. Inici-ando por este último, vimos como a introdução denovos instrumentos pode permitir a exploração denovos temas. Por exemplo, a neuroimagem funci-onal permite estabelecer correlações entre esta-dos subjetivos e ativação de estruturas cerebrais,elevando a outro patamar a Neuropsicologia. Nocampo conceitual, acompanhamos a evolução devisões reducionistas do comportamento, como o

Behaviorismo Radical, para a Análise Etoexperi-mental, a Neurociência Cognitiva, a NeurociênciaAfetiva, cada vez mais interdisciplinares. Como éimpossível que um mesmo investigador dominetécnicas de várias disciplinas, formam-se redes depesquisa, a mais das vezes internacionais, paraestudar um assunto. Com isto, tem se verificado aautoria cada vez mais numerosa de publicações.Porém, cabe assinalar que ao lado do saldo posi-tivo desta colaboração, há mais dificuldade de con-trole, com vulnerabilidade a falhas intencionais ounão. Isto explica o crescente número de retrata-ções e denúncias de más práticas na ciência quetêm se verificado.

Em âmbito ainda mais geral, a sequênciade estudos que apresentei ilustram um modoclássico de pesquisa teoricamente embasada.Nele, os dados conhecidos são interpretados,gerando hipóteses, que devem fazer prediçõesverificáveis experimentalmente. Se os resultadosdos testes forem compatíveis com essas predi-ções, a hipótese continua de pé, até que novasevidências a contradigam, o que leva a modifica-ções ou mesmo ao abandono da hipótese origi-nal. Apesar da fertilidade desta abordagem aolongo de muitos anos, recentemente a mesmavem sendo questionada pela estratégia da de-nominada Big Data. Dada a enorme e crescentecapacidade de processamento dos megacompu-tadores, é possível alimentá-los com enormequantidade de dados disponíveis, deixando porconta da inteligência artificial o estabelecimentode relações entre eles, despidas de vieses teóri-cos. Alegam seus defensores, que assim é possí-vel conseguir revelações insuspeitadas. Penso queainda é cedo para dizer se a Big Data irá prevale-cer como complemento ou mesmo substituto dapesquisa orientada por teoria. Contudo, pode serque, em última análise, estejamos fazendo a mes-ma coisa, pois em entrevista gravada que pudeassistir, o famoso neurologista português AntônioDamásio colocou a ideia de a que o que chama-mos de intuição – que está na origem de novashipótese – nada mais é que o resultado do pro-cessamento inconsciente de grandes volumes dedados pelo cérebro humano.

Assim, encerro estas considerações, espe-rando que a leitura deste artigo possa aumentara compreensão de como evoluiu a neurociênciacomportamental nos últimos 50 anos.

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