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FEMPAR FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ FERNANDO MICHALIZEN A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO JULGAMENTO DOS CRIMES CURITIBA 2012

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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

FERNANDO MICHALIZEN

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS

REFLEXOS NO JULGAMENTO DOS CRIMES

CURITIBA

2012

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FERNANDO MICHALIZEN

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS

REFLEXOS NO JULGAMENTO DOS CRIMES

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Processo Penal da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Régnier Chemim

Guimarães.

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

FERNANDO MICHALIZEN

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO JULGAMENTO DOS CRIMES

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no

curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito,

Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas

do Brasil – UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Rodrigo Régnier Chemim

Guimarães

____________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Régnier Chemim Guimarães

Orientador

Curitiba, 20 de Novembro de 2012.

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Dedico o presente trabalho primeiramente a Deus, pois sem ele, nada seria possível. Deus é o caminho, a verdade e a vida.

Aos meus pais pelo apoio constante.

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Sinceros agradecimentos ao Professor

Doutor Rodrigo Régnier Chemim Guimarães

que me inspirou a discorrer sobre o tema,

bem como por confiar no meu potencial, e

me aceitar como seu orientando. À

Professora Msc. Andréa Roloff Lopes pela

paciência e ensinamentos, que guiaram e

direcionaram meus interesses acadêmicos.

Foi uma satisfação tê-los como orientadores,

pois demonstraram competência e

comprometimento, bem como facilidade de

transmitir seus conhecimentos.

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“A principal função da imprensa é convencer as massas, cuja lentidão de entendimento exige que lhes seja dado tempo para absolver a informação. Por isso, só a repetição constante poderá ter sucesso em reprimir uma idéia em suas mentes.”

Joseph Goblels [193?]

“Uma mentira contada mil vezes se transforma numa realidade.”

Joseph Goblels [19__]

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RESUMO

Este trabalho é um estudo sobre a influência dos meios de comunicação de massa no processo penal brasileiro. A pesquisa busca nas ciências criminais os traços da evolução legislativa, para que seja possível apontar os fatores que impulsionaram o desvio de tendências. O enfoque é a abordagem sensacionalista dos meios de comunicação, a manipulação da notícia, a atuação dos parlamentares no Congresso Nacional diante do Direito Penal Brasileiro. Examinando também os direitos individuais e garantias constitucionais dos acusados, além dos princípios do processo penal, entre eles, o estado e inocência, direito ao silêncio, publicidade e outros. Contendo análise de casos concretos, em que os meios de comunicação exerceram forte interferência na sociedade em âmbito nacional.

Palavras-chaves: Direito Processual Penal, Mídia, Sensacionalismo, Influência.

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ABSTRACT

This is a study on the influence of mass media in the criminal justice process. The present research in criminal science traces the evolution of legislation, to be able to pinpoint the factors that drove the deviation trend. The focus is the sensationalist approach of the media, manipulation of the news, the actions of lawmakers in Congress before the Brazilian Penal Law. Also examining individual rights and constitucional guarantees of the accused beyond the basics of criminal procedure, among them the state and innocence, right to silence, and other advertising. With analysis of specific cases in which the media have exerted strong interference in the company nationwide.

Keywords: Criminal Procedural Law, Media, Sensationalism, Influence.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 11

2 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................... 14

2.1 OS PRESSUPOSTOS E FINS DO DIREITO PENAL E DAS PENAS .................. 14

2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL

PENAL ....................................................................................................................... 15

2.2.1 Princípio da Publicidade ................................................................................. 19

2.2.2 Princípio do Estado de Inocência ................................................................... 20

2.2.3 Direito ao Silêncio .......................................................................................... 22

2.2.4 Princípio In Dubio Pro Reo ............................................................................. 24

2.2.5 Inadmissibilidade de Provas Ilícitas ............................................................... 25

2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PENAL .................................................. 27

2.3.1 A perspectiva Histórica do Direito Penal no Brasil ......................................... 29

2.4 CORRENTES E TENDENCIAS DA POLÍTICA CRIMINAL .................................. 33

2.4.1 A “modernização” do Direito Penal, o agravamento de penas e a

criminalização de condutas ..................................................................................... 34

2.5 A INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

................................................................................................................................... 37

2.5.1 Os fatores que conduzem o processo legislativo na área criminal e a

influência da imprensa no Direito Penal Brasileiro .................................................. 37

2.5.2 O Poder Econômico, a Mídia, o Direito Penal e Processual Penal ................ 38

2.5.3 O Poder Político, a Mídia, o Direito Penal e Processual Penal ...................... 40

2.5.4 A Imprensa, o Direito Penal e a Opinião Pública .......................................... 44

2.5.5 O Debate sobre o Crime e a Pena no Noticiário Policial ................................ 47

2.6 ASPECTOS DA INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NO DIREITO PENAL E

PROCESSO PENAL BRASILEIRO ............................................................................ 51

2.6.1 Sensacionalismo ............................................................................................ 51

2.6.2 Televisão ........................................................................................................ 53

2.6.3 Reprodução de Estigmas ............................................................................... 56

2.6.4 Formação da Opinião Pública ........................................................................ 58

2.7 OS MEIOS E CONSEQÜÊNCIAS DO PROCESSO LEGISLATIVO MOVIDO

PELOS INTERESSES EXTERNOS AO DIREITO PENAL ......................................... 60

2.8 O DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – A RESPOSTA NA ÚLTIMA

DÉCADA .................................................................................................................... 61

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2.8.1 Roberto Medina, Daniela Perez, Candelária e Nardoni ................................. 61

3 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 711

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 73

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1 INTRODUÇÃO

A influência da mídia na legislação criminal é um tema que desperta o interesse

de muitos autores, na medida em que se observa o impasse entre a orientação

doutrinária da “descriminalização, despenalização e diversificação”1 no Direito Penal e

a inflação legislativa inspirada no movimento de lei e de ordem, como resposta do

Estado aos conflitos sociais. “A ressocialização como objetivo nuclear e legitimador da

intervenção penal,”2 o que, para os estudiosos, era tido como novo paradigma do

Direito Penal, foi sufocado a partir da década de 80.

O desvio das tendências da Política Criminal no Brasil coincide com o momento

histórico – mais do que de crescimento da violência urbana – de aumento do acesso da

população à informação, através da imprensa. A multiplicação dos veículos de

comunicação e a tecnologia audiovisual facilitaram a produção da notícia em grande

escala. O resultado, em primeira análise, foi o alarme da mídia para a incapacidade do

Estado no controle da criminalidade. “Era preciso, portanto, lutar contra o crime e para

este combate deveria ser empregado o próprio instrumento repressivo submetido, no

entanto, a um controle menos seletivo. Ao mesmo tempo, novos bens jurídicos supra-

individuas começaram a vir à tona e a exigir tutela penal. Tudo estava a indicar novos

rumos, outro paradigma.”3

Como conseqüência, foram criadas leis e mais leis penais para criminalizar o

maior número possível de condutas, para aumentar as penas, reprimir o crime e punir o

contraventor.

No campo da administração da justiça penal, os seus operadores estão vivendo a amarga experiência da inflação legislativa, responsável por um tipo de direito penal do terror que, ao contrário de seu modelo antigo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, tendo à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância religiosa. Ele se apresenta, atualmente, em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo.

4

Na década de 90 o fenômeno, que o professor René Dotti chama de novo

“direito penal do terror” tomou proporções surpreendentes. Para Luiz Flávio Gomes,

1FRANCO, Alberto Silva. Prefácio a 1° edição. in ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José

Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 8. 2Ibid., p 7.

3Ibid., p 9.

4DOTTI, René Ariel. Uma jurisprudência humanitária. Disponível em: <www.dottieadvogados.com.br>.

Acesso em: 20 ago. 2012.

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duas características resumem a legislação penal brasileira dos anos noventa: o

simbolismo e o punitivismo.

É uma legislação simbólica porque não é aprovada para resolver nossos verdadeiros problemas (nossos conflitos). A preocupação central é acalmar a ira da população, que anda revoltada com os altos índices de violência. Legisla-se para contentar as elites, a mídia, assim como a parcela insatisfeita da sociedade. O punitivismo (que atende o inconsciente coletivo) revela-se patente na criação de novos crimes, aumento de penas, endurecimento da execução, corte de direitos e garantias fundamentais etc. Desde 1990 bate-se, no nosso país, nessa mesma tecla punitivista. A lei penal é “vendida” como o “remédio” certo para a enfermidade (da violência endêmica). Passa-se o tempo e nota-se que o remédio não funcionou. Aumenta-se, então, a sua dose. A verdade causa, entretanto, não é enfrentada. Combate-se o mal em seus efeitos, superficialmente.

5

A doutrina reage a este fenômeno, com inúmeros alertas sobre os riscos da

Política Criminal do “pânico” e rebela-se contra a dificuldade de fazer o discurso jurídico

acadêmico ecoar na sociedade, atribuindo a culpa, neste caso, à barreira da mídia

“engessada” pela tese da relação inversamente proporcional entre a quantidade de

pena e de crime. Na opinião do Professor René Dotti, a influência “nociva” dos veículos

de comunicação no Direito Penal vai além. Para ele, a mídia, com seus padrões

sensacionalistas, é responsável pela subversão do princípio da presunção de inocência

e também por alimentar “a fogueira da suspeita que é a justiça das paixões,

consagrando a responsabilidade objetiva”.6

As linhas do Direito Penal hodierno, para Rogério Felipeto, estão na contramão

do sentido histórico do Direito Penal. “Se há esse movimento formador de opinião

pública, pugnando por uma exasperação penal desmesurada, em lado oposto está a

própria evolução do Direito Penal que aos poucos abandona o simples sofrimento

corporal, buscando outras medidas penais que ensejem de forma efetiva e adequada a

melhor prevenção especial e geral a cada delito perpetrado”. 7

O resultado parece ser o comprometimento do sistema penal brasileiro. É

ponto pacífico na doutrina que o caminho do exagero penal não reduz os índices de

criminalidade. Contudo, o caos da segurança pública no Brasil impõe, ao Estado, uma

resposta à sociedade. “Porque muitas são as leis dos países que a integram e porque

5GOMES, Luiz Flávio. Urgente revisão da Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em:

<www.mundolegal.com.br>. Acesso em: 26 ago. 2012. 6DOTTI, René Ariel. Uma jurisprudência humanitária. Disponível em: <www.dottieadvogados.com.br>.

Acesso em: 20 ago. 2012. 7FELIPETO, Rogério. Pena de Prestação Pecuniária. Disponível em: <http://www. direitopenal.adv.br>.

.Acesso em 26 ago. 2012.

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na maioria dos casos elas nunca são respeitadas, mais janelas se abrem para o

aumento da violência social. Contudo, paralelamente ao se avolumarem os

comportamentos nocivos para o grupo, mais lei se exige ou seu endurecimento (...)

criando-se enfim, um circulo vicioso que já comprometeu o sistema legal”. 8

Apesar de legitimada ou reforçada pela mídia, a inversão das tendências do

Direito Penal não é uma invenção dos profissionais da imprensa. Também a

mentalidade da pena como castigo – como vingança – não nasceu nos telejornais. São

vários fatores que contribuem para tal processo. Cada um deles deve ser estudado

partindo da essência e da história do próprio Direito Penal.

8KOERNER JUNIOR, Rolf. A Menoridade é Carta de Alforria? Disponível em: <http://www.unifil.br>.

Acesso em: 26 ago. 2012.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 OS PRESSUPOSTOS E FINS DO DIREITO PENAL E DAS PENAS

O ponto de partida do Direito é o fato social e suas conseqüências para o

indivíduo e para a coletividade, pois são os variados interesses que moldam as

relações humanas e dão origem aos conflitos entre as pessoas. O limite de ação dos

indivíduos é estabelecido pelo Direito como alternativa única, até então pensada pelo

homem, para o controle social.

A função do Direito, nesse sentido, é ordenar a convivência entre indivíduos

com características, necessidades e objetivos diferentes, de forma a garantir as

condições essenciais à sobrevivência humana. A proteção dos bens jurídicos dos

cidadãos é uma incumbência do Estado, que estabelece as sanções para coibir as

condutas reprováveis. Quando a ação humana atenta contra os bens mais importantes,

apontados como invioláveis pela Lei Maior de um Estado, como a vida, a liberdade, a

segurança e o patrimônio, a matéria avança para o campo do Direito Penal, que opera

o “controle social punitivo institucionalizado”.9

A discussão doutrinária sobre a função do Direito Penal parte de três linhas

diversas de pensamento. A primeira atribui ao Direito Penal a tarefa de proteger os

valores éticos e sociais do ânimo ou da ação e, apenas secundariamente, os bens

jurídicos concretos. A segunda corrente fixa como função exclusiva a proteção dos

bens jurídicos. Por fim, a terceira linha doutrinária vincula a proteção dos bens jurídicos

a outro fim maior: a paz social.10

Independente da posição social doutrinária inspiradora do conceito, a função

do Direito Penal passa pela proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo a à

sociedade, definindo e punindo as condutas ofensivas a esses bens essenciais, através

de um conjunto de normas incriminatórias e sancionatórias.

Na opinião do professor Damásio de Jesus, a principal finalidade do Direito

Penal, na prática, é combater o crime, eis que “o Estado estabelece normas jurídicas

com a finalidade de combater o crime. A esse conjunto de normas dá-se o nome de

9ZAFARRONI, Eugenio Raúl; PIARANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte

Geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.70. 10

WESSELS, Johanes. Direito Penal: Parte Geral. Trad. Juarez Tavarez. Porto Alegre: Fabris, 1976. p.3.

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Direito Penal”.11 Mas o Direito Penal não é instrumento eficaz de “combate” à

criminalidade.

O Direito Penal, através de sua concreta aplicação, não é o único meio para enfrentar a criminalidade. Sendo o delito um fato complexo, resultante de múltiplas causas e fatores, o seu combate deve ser estabelecido através de diversas instâncias tanto formais como materiais. São instâncias formais: a Lei, a Polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário, as instituições e os estabelecimentos penais. São instâncias materiais: a família, a escola, a comunidade (associações sindicatos), etc.

12

A razão maior da existência de um amplo rol de condutas típicas, sujeitas às

penas estabelecidas na lei penal, é coibir a ação em desconformidade com a norma.

Contudo, a proibição legal dos atos não impede que as situações indesejáveis

aconteçam. Até porque a lei não pode controlar as atitudes de cada indivíduo, não

pode prever as reações do mesmo, nem tão pouco garantir as relações harmônicas, as

condições igualitárias dentro da sociedade e a paz interior de todos os homens.

Desta maneira, evidencia-se o impasse histórico insuperável: o direito Penal

não pode resolver o problema da violência e da criminalidade. No contexto da

renovação conceitual do Iluminismo, no fim do século XVII, Cesare Beccaria, alertou

para o erro de fundamento no exercício do direito de punir: “A criminologia hodierna

revela, com meridiana clareza, que o crime é fenômeno sócio-político, advindo da

conjugação de fatores sociais, tendo o Direito Penal ínfima capacidade de influir sobre

eles. Inútil tentar evitar certas ações tornando-as delituosas, não sendo possível ao

Direito Penal a solução do problema da criminalidade.”13

2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

O Direito Penal Brasileiro orienta-se no sentido da doutrina dos direitos

fundamentais, que inspirou a Constituição Federal de 1988, e limita a ação do

legislador na edição das normas no âmbito criminal, do julgador, na interpretação e

aplicação da lei e na previsão de penas para as condutas indesejáveis na sociedade.

Na Declaração de Direitos da Carta Magna constam princípios e garantias voltados ao

11

JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal Geral. vol. I. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.3. 12

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p 16. 13

BECCARIA, Cesare. Apud. CARRARA, Francesco. Programa de Derecho Criminal: Parte Geral. vol. II. Bogotá: Temis, 1956. p. 44-47.

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Direito Penal e Processual Penal. Alguns dizem respeito a todo sistema penal, sendo

que outros tratam especificamente das medidas punitivas.

Com relação à pena, o texto constitucional estabelece como limites expressos

à cominação, aplicação e execução da sanção penal, os princípios da legalidade, da

pessoalidade, da individualização da pena e da humanização. Para além destes, outros

princípios fundamentais conduzem o ato Legislativo e também a esfera jurisdicional.

O princípio da reserva legal está no art. 5º, inciso XXXXIX, da Constituição

Federal de 1.988 e no art. 1º do Código Penal de 1.940. O enunciado clássico de

Feuerbach foi mantido pela legislação brasileira:14 não há crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal. Tivesse o constituinte exigido a

descrição concreta do tipo, estaria realmente garantida a inexistência de tipos penais

abertos, vagos e genéricos.

O Direito Penal se preocupa com a justiça formal. Porém, a garantia meramente formal ou apenas a lei anterior à conduta se mostram insuficientes. É mister a descrição específica individualizadora do comportamento delituoso. Não se pode conceber uma norma incriminadora genérica que não especifique a conduta a qual se imputará a sanção. A norma penal deve conter um aspecto material à medida que se torne concreta, substancial, ou seja, que o tipo contenha todos os elementos do fato criminoso.

15

Os tipos penais abertos são as “normas incriminadoras que não contém a

indicação da conduta proibida que somente é identificada em função dos elementos

exteriores ao tipo.”16 São exemplos os crimes culposos, no art. 18, II, do Código Penal,

dispositivo que descreve apenas o resultado da conduta, excluindo os fins pretendidos

com a ação e as características da conduta, que para configurar o crime culposo deve

decorrer de negligência, imprudência ou imperícia; os crimes comissivos por omissão,

cuja adequação típica depende de transgressão do dever jurídico de evitar o resultado,

conforme prevê o art. 13, § 2º do Código Penal; e os crimes “cujo preceito se refere à

ilicitude com o emprego de expressões ou vocábulos como „contra a vontade expressa

ou tácita de quem de direito‟ (CP, art. 150); „indevidamente‟ (CP, arts. 151; 151 § 1º, I e

II); „sem justa causa‟ (CP, arts. 153 e 154); „ sem o consentimento de quem de direito‟

(CP, art. 164).”17

14

ARAS, Vladimir. Princípio da Legalidade. Jus Brasil. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/290947/principio-da-legalidade>. Acessado em: 24 ago. 2012. 15

CORREIA JUNIOR, Alceu; SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e Constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 26. 16

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 60. 17

Ibid., p. 60-61.

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17

Nos mesmos dispositivos da Constituição Federal e Código Penal está o

princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, que estabelece que a lei posterior

mais severa é irretroativa; a posterior mais benéfica é retroativa; e a anterior mais

benéfica é ultra-ativa. Não de forma expressa, mas certamente embutido nos princípios

fundamentais da lei constitucional com aplicação no âmbito do Direito Penal, está o

princípio da intervenção mínima, que procura “restringir ou impedir o arbítrio do

legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de

penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à

imprescindibilidade, só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal,

quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.”18

Dos princípios da reserva legal e da intervenção necessária, decorre o princípio

da fragmentariedade, que impõe ao legislador a restrição da tutela, pelo Direito Penal,

apenas dos bens jurídicos mais importantes, intervindo “somente nos casos de maior

gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurídicos.”19

Na opinião de René Dotti, há ainda o princípio da necessidade das reações

penais: “A Constituição Federal de 1.988 e a legislação penal extravagante adotam a

necessidade como referência primária para punir mais gravemente determinadas

formas de criminalidade violenta e astuciosa ou certas expressões mais reprováveis de

ilícito como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes

hediondos.”20

Também com previsão na Constituição Federal de 1.988, o princípio da

lesividade impede a aplicação da norma penal no caso de conduta que não lesione um

bem jurídico. Desta forma, fica vedada a aplicação da lei penal e da pena para conduta

apenas imoral ou pecaminosa.

O princípio da pessoalidade ou da responsabilidade pessoal está previsto no

art. 5º, XLV da Constituição Federal de 1.988. A pena não pode passar da pessoa do

condenado. Também com fundamento no princípio da culpabilidade, fica descartada a

responsabilidade penal objetiva, ou seja, não existe crime se não houver, ao menos,

culpa. O art. 19 do Código Penal ratifica tal entendimento, ao dispor que, pelo

resultado que agrava especialmente a pena, só responderá aquele que o houver

causado, ao menos culposamente. O juízo de reprovabilidade sempre recai sobre o

18

JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: Parte Geral. vol. I. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 10. 19

Id. 20

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 69.

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sujeito imputável, na medida de sua culpabilidade. Daí decorre também o princípio da

proporcionalidade da pena. Ao mesmo tempo o princípio da individualização da pena,

com a análise das condições e circunstâncias do crime, bem como a culpabilidade do

agente, nos termos do art. 59 do Código Penal, é uma garantia da proporcionalidade.

Com relação à aplicação da pena no caso concreto, também norteia o direito

penal e processual penal, o princípio do bis in idem material, que veda a aplicação de

duas penas em face do mesmo crime, e processual, proibindo dois processos ou dois

julgamentos pelo mesmo fato.

A Constituição Federal de 1.988 tem como um dos princípios fundamentais a

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), que se estende aos presos, na fase de

inquérito policial, durante o processo criminal e depois da condenação. O princípio da

humanização da pena é a garantia formal da inviolabilidade dos direitos fundamentais

do réu ou condenado. Na esfera processual penal, do princípio da humanidade decorre

a exigência de que o Estado providencie o processo acusatório de curta duração, a

limitação de causa de prisão anterior à sentença condenatória definitiva, a separação

dos presos provisórios, dos condenados e o tratamento distinto para as pessoas

processadas.

Em termos gerais, o princípio está expresso no art. 5º, incisos III, XLVI e XLVII.

Com relação ao indiciado, há previsão constitucional da garantia da dignidade do

preso, no art. 5º, incisos LXI, LXII, LXIII e LXIV. Os direitos fundamentais do réu estão

no art. 5º, incisos LIII, LIV, LV, LVI, LVII. E com relação à execução da pena, as

condições mínimas exigidas para o réu condenado nos presídios estão nos art. 5º,

incisos XLVII, XLVIII, XLIX e L.

O ius puniendi do Estado encontra limites no princípio da humanização

consagrado na Constituição Federal de 1.988 e no direito objetivo. Na legislação penal

ordinária, os limites da punição ao delinqüente estão elencados ao prescrever-se o

quantum da pena, com mínimo e máximo da privativa de liberdade e da multa, e a

exigência da consideração das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal para

a fixação da pena-base.

Como garantia ao acusado, a Carta Magna ainda estabelece expressamente

os princípios da presunção de inocência, em seu art. 5º, LVII, cujas conseqüências são

a obrigação do julgador de verificar detidamente a necessidade da restrição antecipada

ao jus libertatis do acusado, de atribuir o ônus da prova da culpabilidade do mesmo ao

Ministério Público, ou à parte privada acusador e, com efeito, de desobrigar o réu de

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provar a sua inocência; e também da igualdade, no art. 1º. A cláusula geral de

isonomia perante a lei traduz-se também na igualdade processual.

2.2.1 Princípio da Publicidade

É um resultado da democracia e do sistema acusatório, em detrimento do

sistema inquisitório baseado no segredo, o princípio processual da publicidade está

previsto no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal: “a lei só poderá restringir a

publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o

exigirem.

Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de

acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a

liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do

procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do

julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular

na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.21

A doutrina brasileira costuma referir-se ao modelo brasileiro de sistema

processual, no que se refere à definição da atuação do Juiz Criminal, como um sistema

de natureza mista, isto é, com feições acusatórias e inquisitórias.22

O princípio da publicidade é caracterizado pela concentração de poder nas

mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador; a confissão do réu é

considerada a rainha das provas; não há debates orais, predominando procedimentos

exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos à recusa; o procedimento é

sigiloso; há ausência de contraditório e a defesa é meramente decorativa.23

No artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1.988, afirma que:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

24

21

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 92. 22

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. vol. I. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 36. 23

NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p.103. 24

BRASIL. Constituição Federal do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acessado em: 25 ago. 2012.

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20

A Convenção Americana de Direitos Humanos prevê que “o processo penal

deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça”25.

Para visualizar melhor o conceito de publicidade, Vieira, acrescenta:

“publicidade é a qualidade do que é público. Por conseguinte, publicar pressupõe fazer

notória uma coisa, divulgá-la ao conhecimento geral, manifestá-la publicamente, em

face de todos.”26 Ou seja, publicidade, para fins do processo penal, é a capacidade de

tornar notórias os atos praticados durante a persecução penal.

Portanto, em virtude da acepção de publicidade, conclui-se que o princípio da

publicidade, regra geral do sistema processual brasileiro, é inerente a qualquer

atividade processual (penal, civil, trabalhista, etc.), com o objetivo de tornar público o

processo, desde seus atos até informações de interesse que vão para além das partes,

salvo as restrições previstas constitucionalmente.

Salienta-se que tal princípio serve à democracia como instrumento direto de

fiscalização do Poder Judiciário, vez que determina a transparência de intervenção

estatal e dificulta o favorecimento ilegítimo de qualquer das partes componentes da

relação processual.

Tem-se que a publicidade processual plena é regra, conforme assevera

Tourinho:

No Direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, como regra. As audiências, as sessões e a realização de outros atos processuais são franqueados ao público em geral. Qualquer pessoa pode ir ao Fórum, sede do juízo, assistir à audição de testemunhas, ao interrogatório de réu, aos debates. Em se tratando de processo da competência do Júri, são impostas algumas limitações.( vide Código Processo Penal, arts. 476,481 e 486).

27

2.2.2 Princípio do Estado de Inocência

O estado de inocência (e não a presunção) proíbe a antecipação dos

resultados finas do processo, isto é, a prisão, quando não fundada em razões de

extrema necessidade, ligadas à tutela da efetividade do processo e/ou da própria

25

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969. Disponível em:

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm.> Acessado em: 26 ago. 2012. 26

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 73. 27

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 267.

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21

realização da jurisdição penal.28 Ainda a nossa Constituição, com efeito, não fala em

nenhuma presunção de inocência, como valor normativo a ser considerado em todas

as fases do processo penal ou persecução penal, abrangendo, assim, tanto a fase

investigatória (fase pré-processual), quanto a fase processual propriamente dita (ação

penal).29

Um dos mais importantes, quando não o mais significativo para o acusado, é o

princípio da presunção da inocência. Também conhecido com “presunção de não-

culpabilidade”, “estado ou situação jurídica de inocência”, “estado de não-culpabilidade”

está previsto no artigo 5º, LVII, da Carta Cidadã, que preceitua: “ninguém será

considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”30.

Trata-se de uma afirmação garantidora de condição natural de inocência dos seres

humanos, tendo por objetivo, nas palavras de Nucci:

[...] garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz a culpa do réu.

31

O ideal do princípio de não-culpabilidade, além de objetivar a manutenção do

estado de inocência inerente ao cidadão, determina que a produção do suporte

probatório necessário para a modificação do estado de inocência é encargo

unicamente da acusação. Mas uma vez, nota-se a relação íntima, quando não pura

decorrência lógica, entre o sistema processual acusatório, o devido processo legal e o

princípio do estado de inocência.

Ainda, no mesmo entendimento, corrobora com a elaboração de um conceito

para o princípio, ao tempo que determina dois segmentos para os quais se dirige

Bacila:

Afirma-se freqüentemente em doutrina que o princípio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições

28

BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p.31. 29

Ibid., p.33. 30

BRASIL. Constituição Federal do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acessado em: 26 ago. 2012. 31

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 110.

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22

pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência de fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria apenas demonstrar a eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada.

32

As restrições pessoais são excepcionais, como por exemplo, a natureza

cautelar das prisões antes do transito em julgado. Determina o princípio que à defesa

basta apenas provar aquilo que for alegado como excludente de ilicitude e

culpabilidade, uma vez admitida a prática da conduta tipificada como crime.33

O único procedimento hábil para desconfigurar o estado de inocência seria o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória, de modo que a prisão, antes disto,

apenas pode ser admitida a título de cautela.34

2.2.3 Direito ao Silêncio

O direito ao silêncio tem origem no sistema processual acusatório, vez que

parte da noção de que cabe ao Estado o ônus da prova para apurar e condenar a

consumação da prática delituosa bem como a sua respectiva autoria. Importante

destacar que este ônus estatal em obter “as provas” da existência do crime e de seus

praticantes leva ao entendimento de que o acusado não tem obrigação de relatar algo

que possa prejudicá-lo.35

Para o autor Aras:

Ninguém é obrigado a colaborar com o Estado (Polícia Judiciária e Ministério Público) para o descobrimento de um crime de que se é acusado ou do qual se possa a vir a ser acusado. Sobre o Estado, no sistema acusatório, recaem o ônus da prova e a missão de desfazer a presunção de inocência que vigora em favor do acusado, sem esperar qualquer colaboração de sua parte.

36

Considerando o procedimento do interrogatório frente ao sistema processual

acusatório, constata o autor Tourinho que:

32

BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p.46. 33

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.132. 34

Id. 35

ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2416>. Acessado em: 29 ago. 2012. 36

Id.

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23

Quer-nos parecer ter sido desejo do legislador constituinte considerar o interrogatório do réu exclusivamente como meio de defesa, e não de prova e de defesa, e muito menos apenas prova. As regras contidas na parte final do artigo 186 e aquelas objeto dos artigos 191 e 198, todos do CPP, em face da nova Constituição, perderam sua razão de ser. O princípio do nemo tenetur oriundo da fórmula do privilege against self-incriminatíon, parece ter sido consagrado no texto da Constituição Federal de 1.988.

37

As disposições do Código de Processo Penal, tais quais: artigo 186, “o juiz

observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe

forem formuladas poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa,” e artigo 198,

“o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a

formação do convencimento do juiz,”38 estão revogadas.

Diante da impossibilidade do silêncio se converter em elemento contra o

acusado, o sistema penal adotou medidas que conferem ao acusado benefícios

quando da aplicação da pena n os casos de condenação.

A lei especial prevê redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) para

o réu delator (co-autor ou partícipe) que, através de confissão espontânea, revelar à

autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa”. É o que se dá por força do artigo

16, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.137/1.990, que cuida dos crimes contra a

ordem tributária, a ordem econômica e as relações de consumo.

O mesmo efeito decorre do artigo 6º da Lei nº 9.034/1.995 – Lei de Combate ao

Crime Organizado, que permite a redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois

terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de

infrações penais e sua autoria.

A confissão simples espontânea conferirá ao réu o direito de redução da pena,

em grau estabelecido pelo juiz, em virtude do reconhecimento de circunstância

atenuante genérica, prevista no artigo 65, inciso III, alínea „d‟, do Código Penal: “são

circunstâncias que sempre atenuam a pena, ter o agente confessado

espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.”39

O direito de não auto-incriminação constitui direito implícito, não expresso na

Constituição Federal de 1.988, porém tacitamente existente. Em suma, é obtido da

37

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 56. 38

BRASIL. Código Penal, Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial [da]

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivvil_03/Codigopenal/penal%C3%A7ao.htm>. Acessado em: 26 ago. 2012. 39

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 120.

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combinação de princípios e outros direitos abordados expressamente pelo legislador

constitucional.

Nas palavras de Nucci:

Trata-se de decorrência natural da conjugação dos princípios constitucionais da presunção da inocência (artigo 5º, LVII) e ampla defesa (artigo 5º, LV) com o direito fundamental que permite ao réu manter-se calado (artigo 5º LXIII). Se o individuo é inocente, até que seja provada sua culpa, possuindo o direito de produzir amplamente prova em seu favor, bem como se pode permanecer em silêncio sem qualquer tipo de prejuízo à sua relação processual, é mais do que óbvio não estar obrigado, em hipótese alguma, produzir prova contra si mesmo.

40

Inadmissível a negação de sua existência, tanto por seu caráter implícito

(constitucional) quanto pela recepção de norma internacional pelo ordenamento jurídico

brasileiro.

2.2.4 Princípio In Dubio Pro Reo

Também conhecido como favor rei, favor libertatis, fornece uma garantia contra

a ineficiência do Estado em acusações baseadas em provas insuficientes.

De acordo com Badaró:

No processo penal, para que seja proferida uma sentença condenatória, é necessário que haja prova da existência de todos os elementos objetivos e subjetivos da norma penal e também da inexistência de qualquer elemento capaz de excluir a culpabilidade e a pena. Não só os elementos do delito, mas também a punibilidade está subordinada ao in dubio pro reo. Pesa sobre a acusação o ônus da prova de “todo complexo ato punível.

41

Quanto a sua previsão legal, destaca o autor Aras:

Em face dele, conhecido também como princípio in dubio pro reo (favor innocentiae), a lei processual permite a absolvição do réu por insuficiência de provas (art. 386, II e IV). O favor do rei proíbe a reformatio in pejus em detrimento do acusado (art. 617 do CPP) durante o exame recursal de irresignação exclusiva da defesa e favorece a posição jurídica do réu, facultando-se a interposição de recursos privativos, como o protesto por novo júri (art. 607 do CPP) e a revisão criminal (art. 621). Como exceção, pode-se citar a desclassificação in pejus, prevista no art. 408, § 4°, do Código Penal.

42

40

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 121. 41

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Ônus da Prova do Processo Penal. São Paulo. Saraiva. 2003, p. 46. 42

ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2416>. Acessado em: 29 ago. 2012.

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O princípio in dubio pro reo, é aplicado somente à análise probatória sendo

visto sobre os seguintes aspectos, conforme Santos:

A) Primeiro, o acusado não precisa provar o álibi apresentado – ou seja, que não estava no lugar do crime, ou que não participou do fato imputado; ao contrário, a acusação deve provar que o acusado realizou ou participou do fato imputado, com a dúvida determinando absolvição; B) Segundo, dúvidas, sobre justificações (legítima defesa, estado de necessidade, etc), sobre execulpações (erro de proibição, obediência hierárquica, conflito de deveres, etc) ou sobre outras isenções de pena (desistência da tentativa, por exemplo) não podem fundamentar condenações, ou seja, também determinam absolvição; C) Terceiro, dúvidas sobre a natureza do fato, como tipo básico ou qualificado, tentativa ou consumação, autoria ou participação, tipo dolos ou imprudência, devem ser decididas em favor do acusado – ou seja, segunda a hipótese menos grave.

43

Portanto, quando insuficiente o suporte probatório oferecido pela acusação

para condenação do acusado, o princípio in dubio pro reo importa na absolvição do

acusado.

2.2.5 Inadmissibilidade de Provas Ilícitas

A prova judiciária tem um objetivo a reconstrução dos fatos investigados no

processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é,

com a verdade dos fatos , tal como efetivamente ocorridos no espaço ou no tempo.44

O objetivo comum a toda prova, sinteticamente, é a reconstrução de fatos

pretéritos. São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos,

conforme o artigo 5º, LVI da Constituição Federal de 1.988.

O autor Nucci define, em síntese, que o processo penal deve formar-se em

torno da produção de provas legais e legítimas, inadmitindo-se qualquer prova obtida

por meio ilícito.45

Exemplifica Tourinho:

Toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos, não será admitida em juízo. É como soa o artigo 5º da Constituição Federal de 1.988. assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por interferência mecânica de telefone, microgravadores dissimulados, uma interceptação

43

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 62. 44

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Ônus da Prova do Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 58 45

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 79.

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telefônica, uma gravação de conversas, uma fotografia de pessoa ou pessoas em seu círculo íntimo, uma confissão obtida por meios condenáveis, como o famoso “pau de arara”, o “lie detector” e, enfim, toda e qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Constituição Federal de 1.988, seja em desrespeito ao direito material, ou processual, não será admitida em juízo. Trata-se de uma demonstração de respeito não só à dignidade humana, como, também, à seriedade da Justiça e ao ordenamento jurídico.

46

Além de um dispositivo constitucional de garantia aos jurisdicionados, a

proibição de provas obtidas por meios ilícitos é uma maneira de controle da atividade

estatal. Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito,

a aludida norma constitucional cumpre uma função ainda mais relevante,

particularmente no que diz respeito ao processo penal: a vedação das provas ilícitas

atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e

desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande

responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente

pedagógica, ao mesmo tempo em que tutela determinados valores reconhecidos pela

ordem jurídica.47

Porém, ao confrontar a terminologia constitucional adotada: “ilícito”, a

interpretação da norma confere amplas possibilidades de análise de provas, o que fora

notado por Nucci quando da etimologia da palavra:

O conceito de ilícito advém do latim (ilicitus = il + licitus), possuindo dois sentidos: a) sob o significado restrito, quer dizer o proibido por lei; b) sob o prisma amplo, tem sentido de ser contrário à moral, aos bons costumes e aos princípios gerais do direito. Constitucionalmente, preferimos o entendimento amplo do termo ilícito, vedando-se a prova ilegal e ilegítima.

48

A proteção constitucional abarcou a proibição das provas ilegais (em

desrespeito ao direito material) e as provas ilegítimas (em desrespeito ao direito

processual). Nucci explica:

Em conclusão, o ilícito envolve o ilegalmente colhido (captação da prova ofendendo o direito material, a escuta telefônica não autorizada) e o ilegitimamente produzido (fornecimento indevido de prova no processo, a prova da morte da vítima através de simples confissão do réu). Se houver inversão dos conceitos, aceitando-se que ilicitude é espécie de ilegalidade, então a Constituição estaria vedando somente a prova produzida com infringência a norma de natureza material e liberando, por força natural de exclusão, as provas ilegítimas, proibidas por normas processuais, o que se nos afiguraria

46

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 16. ed. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 86. 47

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 103-104. 48

Ibid., p. 106.

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incompatível com o espírito desenvolvido em todo o capítulo dos direitos e garantias individuais.

49

Outra conclusão obtida da interpretação da norma constitucional é a adoção da

teoria de inadmissibilidade de provas ilicitamente produzidas, também conhecida como

“fruits of the poisonous tree” que determina a proibição das provas por derivação.

Tourinho assim define:

A prova ilícita por derivação quando, embora, recolhida legalmente, a autoridade, para descobri-la fez emprego de meios ilícitos. Assim, a proibição alcança não apenas as provas ilícitas propriamente ditas (busca domiciliar sem mandado, escuta telefônica sem autorização do juiz) como as “ilícitas por derivação”. Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se informação da localização da resfurtiva, que é apreendida regularmente. Mediante escuta telefônica (prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais. Assim, a obtenção ilícita daquela informação se proteja sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, arcando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal.

50

Trata-se de corrente doutrinária dominante no Brasil que defende a aplicação

da teoria dos “frutos da árvore envenenada”, ou seja, se a prova inicial é ilícita, as

demais provenientes desta igualdade serão de forma a afastar a “teoria da

proporcionalidade”, cuja finalidade é equilibrar os direitos individuais e os interesses da

sociedade, não se admitindo, pois a rejeição contumaz das provas obtidas por meios

ilícitos.

Portanto, apesar da teoria adotada, a interpretação merece atenção especial a

cada caso, assim, a relevância da prova obtida ilicitamente está ligada diretamente com

o caso concreto, vez que a abstração da norma que visa garantir os jurisdicionados não

pode prejudicá-los no caso concreto, como em sua própria defesa. No que tange as

provas obtidas por derivação, será preciso, no exame cuidadoso de cada situação

concreta, avaliar a eventual derivação da ilicitude.51

2.3 AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PENAL

A história do Direito Penal tem como primeiro capitulo a pena, que surgiu como

medida reparatória, de caráter místico ou religioso. Na sociedade primitiva, existiam

49

NUCCI, Guilherme de Souza. O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 106-107. 50

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 91. 51

Ibid., p. 93-94.

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duas espécies de punição pela conduta reprovável: a perda da paz, através do

banimento e a vingança de sangue, com a pena de morte. Apesar das primeiras

punições aos infratores serem sanções retributivas, caracterizadas pela reação privada

à conduta reprovada pela coletividade, à pena, em sua versão mais primitiva, mais do

que a simples vingança, era um instrumento de controle social: “Essa punição

(vingança de sangue) nunca se espelhou na vingança, reação irracional e inerente à

personalidade humana. Era, na verdade, uma reação racional contra o mal causado,

para manter a ordem interna. É uma reação do agregado social.” 52

A partir das sociedades primitivas, a evolução política da comunidade permitiu

o reconhecimento da autoridade detentora do poder de punir, começando com os

chefes de tribos e clãs. Também o princípio da proporcionalidade tem suas raízes no

período anterior as civilizações antigas, na composição, um meio de conciliação entre o

ofensor e o ofendido ou familiares e no talião que materializou a punição na medida do

dano causado pela conduta, na Lei Mosaica, regida pelo princípio de “olho por olho,

dente por dente”.53

Com a evolução das comunidades primitivas e o surgimento das primeiras

civilizações, a punição deixou de ter natureza sacral, assumindo o caráter público, com

a materialização do poder do soberano. As mutilações e pena de morte foram

amplamente usadas nas sociedades antigas, entre romanos, gregos, fenícios, hebreus

e egípcios, chineses e indianos.54

Na idade média, é retomado o caráter religioso da punição, no Direito Penal

Canônico. O aumento do poder da Igreja reforçou o direcionamento do sistema penal

para a esfera pública e impulsionou o desenvolvimento da reação anticriminal e do

combate à vingança privada, com a instituição das tréguas divinas e do asilo religioso,

que deu origem às penas privativas de liberdade. No contexto do movimento iluminista,

com o pensamento humanizante, a pena de morte virou debate. A obra de Beccaria,

“Dos Delitos e das Penas”, documentou a discussão a respeito das violências físicas e

morais praticadas em nome da justiça criminal.55

52

CORREIA JUNIOR, Alceu; SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e Constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.18. 53

DIAS, Diomar Cândida Pereira. Teoria da Pena. Jusnavegandi. Disponível em :

<http://jusvi.com/artigos/16962>. Acessado em: 30 ago. 2012. 54

BRIDI, Maria Aparecida. Sociologia: Um Olhar Crítico. São Paulo: Contexto, 2009. p. 84. 55

Ibid., p. 86

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Beccaria desenvolveu as mais variadas frentes de crítica ao sistema criminal daquele tempo, como por exemplo: a) denuncia o uso da lei em favor das minorias autoritárias; b)sustenta a idéia da proporcionalidade entre os delitos e as penas; c) prega a necessidade de clareza das leis e rejeita o pretexto adotado por muitos magistrados de que era preciso consultar o „espírito da lei‟, visando aplicá-la de forma injusta; d) analisa as origens das penas e do direito de punir, sustentando que a moral política não pode proporcionar nenhuma vantagem durável se não estiver baseada sobre „sentimentos indeléveis o coração do homem‟; e) advoga a moderação das penas opondo-se vigorosamente à pena de morte e às demais formas de sanções cruéis; f) condena a tortura como meio para obter confissões e sustenta a necessidade da lei estabelecer, com precisão, quais seriam os indícios que poderiam justificar a prisão de uma pessoa acusada de um delito; g) reprova o costume de se pôr a cabeça a prêmio, de oferecer recompensa para a captura do criminoso; f) reivindica a necessidade de uma classificação de delitos e a descriminalização de vários deles.

56

As exigências liberais influenciaram a codificação do Direito Penal, até então

regido pelas consolidações, que reuniam as leis esparsas em um corpo Legislativo

ordenado. A diferença é que dos códigos, o conjunto de princípios e regras de cada

ramo do Direito foram sistematizados, de forma a facilitar o acesso à legislação vigente

e à correta aplicação das normas penais nos casos concretos. A influência do

Iluminismo no Direito Penal voltou a atenção do legislador aos crimes e concretizou a

definição de pena como castigo.57

O foco passou a ser o indivíduo, com a admissão sociológica de que o crime

seria um fenômeno resultante do condicionamento do homem, a partir das

características orgânicas e psíquicas do indivíduo, o meio físico em que o sujeito está

ambientado e os fatores sociais. Com a teoria clássica do livre-arbítrio descartada pelo

movimento positivista, a pena passou a ser vista como escopo da ressocialização do

delinqüente.58

2.3.1 A perspectiva Histórica do Direito Penal no Brasil

No período colonial, as Ordenações do Reino regiam o Direito Brasileiro e a

legislação penal foi importada de Portugal. As Afonsinas e Manuelinas previam a prisão

de caráter preventivo, para impedir a fuga do réu antes do julgamento; coercitivo, para

obrigar o autor ao pagamento de pena pecuniária; e o repressivo, em raras

56

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 144. 57

BRIDI, Maria Aparecida. Sociologia: Um Olhar Crítico. São Paulo: Contexto, 2009. p. 76. 58

Ibid., p 152.

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circunstâncias. Da mesma forma que o cativeiro, a servidão era uma pena pouco usada

nesta época.59

Depois das Ordenações Manuelinas, foram editadas leis extravagantes, como

resoluções, cartas-régias, provisões e decretos, sem que houvesse alteração

fundamental do sistema penal anterior. A edição das Ordenações Filipinas não alterou

em praticamente nada a legislação anterior, apenas com o acréscimo das leis

extravagantes e o fortalecimento do poder soberano.60

O regime do terror, com o suplício nos rituais do século XVIII teve seu ápice,

no Brasil, na Inconfidência Mineira, com a punição dos mártires liderados por Joaquim

José da Silva Xavier, O Tiradentes. As penas corporais e infamantes, como os

açoites,a morte, esquartejamento e exposição púbica dos cadáveres, tinham o pretexto

da salvação dos costumes sociais, políticos e religiosos. “A sentença que condenou

Tiradentes à morte contém uma espécie de súmula das penas cruéis e infamantes.

Embora o destaque para a sua natureza corporal, a sanção era impregnar de um

sentido finalístico moral, pela declaração de infâmia, transmissível aos descendentes

do réu.”61

O Iluminismo ecoou no Direito luso-brasileiro e influenciou a elaboração dos

projetos de códigos de Direito Público e de Direito Criminal, apresentados em 1789,

com mudanças revolucionárias no sistema vigente. Como reação ao regime do terror,

constavam no projeto:

a) A proporcionalidade da sanção tendo em vista a quantidade e gravidade do delito e a maldade do delinqüente; b) o caráter utilitário das penas (revelando, assim, a influência da teoria do Contrato Social de Rousseau e da doutrina de Beccaria; c) o fim de prevenção das penas além de sua natureza repressiva; d) a injustiça das penas inúteis ou cruéis; e) a atrocidade das penas gerando a impunidade e a indulgência do delito.

62

Com a independência, vigorou a legislação portuguesa até a edição da primeira

Constituição Nacional em 1924. A Carta proclamou importantes princípios que

nortearam as novas leis penais e processuais penais, como o da igualdade de todos

perante a lei e a irretroatividade da lei penal. O art. 179, §18, determinava que fossem

organizados o Código Civil e Criminal o quanto antes. O mesmo artigo, em seu

59

BRIDI, Maria Aparecida. Sociologia: Um Olhar Crítico. São Paulo: Contexto, 2009. p 155. 60

Ibid., p. 144. 61

DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 26. 62

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.183.

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parágrafo 19, aboliu os açoites, tortura, marca de ferro quente e demais penas cruéis.

Também foi reforçada a proibição da pena aos parentes do réu em qualquer grau e

estabelecida a condição digna das cadeias, com a exigência da limpeza e segurança

para os cárceres.

O primeiro Código Penal Brasileiro foi elaborado com pressa pela Comissão

Mista da Câmara dos Deputados e Senado Federal. Preliminarmente, foram adotadas

as penas de morte e de prisão perpétua para os crimes de homicídio qualificado,

latrocínio e insurreição, sendo excluídos os crimes políticos do rol de incidência da

pena capital. O Código Criminal imperial teve como característica básica a redução das

hipóteses de pena de morte, antes previstas para 70 delitos, e o fim da crueldade na

execução dos condenados. A privação de liberdade passou a ser a sansão penal

autêntica, que substituiu os castigos corporais. No elenco geral das penas, surge a

prisão com trabalho, como alternativa à pena privativa de liberdade, foram introduzidas

a multa, a suspensão e perda de emprego.

Na ocasião da Proclamação da República, a abolição da escravatura já havia

modificado o Código Criminal de imediato. Com a supressão de figuras delituosas o

projeto do novo Código Penal ficou pronto três meses depois da encomenda do

Ministro da Justiça do Governo Provisório, Campos Salles. O Código Penal de 1890

previa como espécies de pena privativa de liberdade a prisão celular, a base do

sistema penitenciário aplicável a quase todos os crimes e algumas contravenções; a

reclusão em fortaleza, praças de guerra e estabelecimentos militares; a prisão com

trabalho obrigatório; e a prisão disciplinar para maiores de 21 anos.

O elenco de penas do Código Penal de 1.890 ainda incluía o banimento, a

interdição, suspensão e perda de emprego público e a multa. O tempo da preventiva

passou a ser computado na pena, o tempo máximo de prisão foi limitado a 30 anos, e

passou a ser admitida a prescrição das penas. A pena de morte, a pena de galés e o

banimento judicial foram abolidos pela Constituição Federal de 1891. “Sem embargo de

todas as modificações realizadas, a pena conservava seu caráter instrumental tanto de

preservação quanto de repressão e dominação social.”63

Por influência do Positivismo, o Estado optou pela consolidação das leis penais

na segunda República. O trabalho foi feito pelo Desembargador Vicente Piragibe, tinha

410 artigos e não revogava dispositivos de lei em vigor no caso de incompatibilidade

63

CORREIA JUNIOR, Alceu; SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e Constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 22.

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entre os textos. A elaboração da Constituição Federal de 1.934 aconteceu em um

momento político tumultuado no Brasil, logo após a vitória do movimento militar e

depois em meio à revolução de São Paulo.

A Carta incorporou a sensação nacional de liberdade e reafirmou a garantia

dos princípios fundamentais de segurança individual e coletiva. Além de vedar as

penas de banimento, morte, confisco e prisão perpétua, a nova Constituição proibia

expressamente a retroatividade da lei mais grave, as prisões arbitrárias, o foro

privilegiado e os tribunais de exceção, e ainda previa a personalidade da pena, o juiz

natural, a ampla defesa e mecanismos de proteção de direitos como o habeas corpus e

o direito de petição, entre outras garantias processuais na esfera penal.

Com o golpe do Estado Novo, em 1.937, a legislação penal retrocedeu. Na

linha do combate à infiltração comunista no país, a nova Carta Política conseguiu

justificar a legitimidade para instaurar o regime do terror aos moldes da época. “Em

1.937 novamente, as mudanças na área política influenciaram a legislação penal de

maneira mais marcante que toda a discussão teórica sobre a finalidade da pena.”64 A

pena de morte foi instituída para além das hipóteses previstas na legislação militar para

o tempo de guerra, alcançando os crimes políticos e o homicídio praticado por motivo

fútil e com extremos de perversidade. A garantia da personalidade da pena foi

amputada da lei constitucional. Todas as garantias previstas na Carta ficaram restritas

ao bem público, às necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva,

além das exigências da segurança da nação e do Estado.

O Código Penal de 1.940 nasceu nesse contexto, com o Congresso Nacional

em recesso decretado pela ditadura Vargas. O anteprojeto de Alcântara Machado

incluía, no elenco geral das penas, a reclusão de no máximo 30 (trinta) anos e a

detenção de no máximo 3 (três) anos. A pena de prisão simples foi reservada às

contravenções penais. Como penas acessórias constavam a perda da função pública,

as interdições de direitos e a publicação da sentença.

O exame dos textos Legislativos de natureza complementar revelava que a perda da liberdade física era a sanção par excelence, um verdadeiro monocórdio a interpretar a sinfonia do bem e do mal. Mais de 170 hipóteses de ilícitos descritos no Código Penal eram punidas com a detenção, enquanto que em mais de 130 casos se aplicava a reclusão. Não havia alternativas dentro ou

64

CORREIA JUNIOR, Alceu; SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e Constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 23.

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fora da pena de prisão e apenas em casos raros a multa poderia substituir a privação de liberdade.

65

Em título reservado, foram elencadas as medidas de segurança, divididas em

patrimoniais, como a interdição de estabelecimento, sede de sociedade ou associação

e confisco; e pessoais, como a internação em manicômio Judiciário, em casas de

custódia e tratamento, em colônia agrícola ou instituto de trabalho, reeducação ou

ensino profissional, a liberdade vigiada, proibição de freqüentar determinados locais e

exílio local. Em comentário ao título, Nelson Hungria explica com que visão da função

ou finalidade da pena foi feito o código. “Ajustando-se à moderna política criminal, o

nosso Código coloca ao lado da pena, como seu substitutivo ou complemento, a

medida de segurança. Se a pena é essencialmente repressiva (devendo ser aplicada e

sentida, como castigo ou expiação), a medida de segurança é essencialmente

preventiva.”66

2.4 CORRENTES E TENDENCIAS DA POLÍTICA CRIMINAL

A análise das tendências que orientam o processo Legislativo em âmbito penal

brasileiro deve partir de uma visão ampla do sistema penal. Este é pensado a partir de

três ciências: o Direito Penal, a Criminologia e a Política Criminal. O Direito Penal é a

ciência meramente normativa, que se limita a descrever as condutas proibitivas e

respectivas penas. A criminologia age empiricamente, investigando as causas do crime

e a personalidade do delinqüente e da vítima. É a Política Criminal que reúne em um

conjunto sistemático os princípios fundados na investigação científica das causas do

crime dos efeitos da pena.67

A edição de leis penais extravagantes, a revisão da legislação vigente, a

alteração ou inclusão de dispositivo no Código Penal – qualquer mudança no Direito

Penal – deve ter como pilar de sustentação o estudo dos fatores sociais, políticos e

sócio – econômicos dos quais decorre a criminalidade, as conseqüências ou resultados

específicos e globais da mesma, para que sejam pensadas soluções para os

problemas na área criminal. A lei não poderia jamais surgir a partir, exclusivamente, de

65

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 201. 66

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Claudio. Comentários ao Código Penal. vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 90. 67

DIAS,Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Almedina, 2001. p.6.

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um caso concreto, de um anseio coletivo momentâneo e passional, do interesse de um

grupo ou de outro.

2.4.1 A “modernização” do Direito Penal, o agravamento de penas e a criminalização

de condutas

Na Contramão das recomendações doutrinárias, o legislador brasileiro adotou

claramente as tendências do movimento importado dos Estados Unidos da América,

law and order. Na opinião de João Gualberto Garcez Ramos68, o “terrorismo” no Direito

Penal hodierno parte das Leis de Segurança Nacional, como o Decreto-lei 898/69,

moldado pela “Doutrina da Segurança Nacional”.

O autor entende não ser o Direito Penal “alarmista” voltado apenas para os

crimes atrozes, mas também acolhido com nitidez para as condutas escassamente

relevantes, os chamados “crimes de bagatela”. Ele cita a Lei de Economia Popular (Lei

1.521/51), que readquiriu notoriedade durante o Plano Cruzado. O art. 3º, V, da referida

lei determinou pena de detenção de dois anos a dez anos para quem vender

mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência – sanção

maior do que a cominada para o estelionato, para o qual a punição é a reclusão de um

a cinco anos (reclusão e detenção são praticamente sinônimos na prática).

“Analisando-se cuidadosamente, percebe-se que ela faz do comerciante ganancioso

um inimigo, tal como o soldado na guerra. Alvejá-lo com penas de detenção que vão

dos seis meses até os dez anos.”69

As leis ecológicas da década de 60 são apontadas como outros exemplos. “É

também um „inimigo‟ do legislador penal brasileiro, merecedor de um „tiro certeiro‟, o

detrator da natureza. Aí estão as chamadas leis „ecológicas‟ (Código Florestal – Lei n°

4.771/65, Código de Caça – Lei nº 5.197/67 e Código de Pesca – Decreto Lei n°

221/67), que tratam-no com penas substancialmente graves.”70 O autor cria a previsão

da pena de reclusão, de dois a cinco anos, para o exercício da caça profissional, mais

grave do que a cominada para o crime de lesão corporal grave. “(...) é mais grave

matar um pássaro silvestre do que ofender a integridade corporal de outrem, resultando

68

RAMOS, João Gualberto Garcez. Textos Selecionados: A inconstitucionalidade do Direito Penal do Terror. Curitiba: Juruá, 1991. p.35. 69

Id. 70

Ibid., p. 36.

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essa conduta, por exemplo, em debilidade permanente de membros, sentido ou função

da vítima”.71

Foi a partir da década de 90 que os excessos do legislador penal assumiram

proporções surpreendentes, contrariando as tendências de evolução da política

criminal que o legislador sinalizou adotar nas suas décadas anteriores, após a

superação da experiência antidemocrática do regime militar no Brasil.

O aumento dos índices de criminalidade, a insegurança coletiva, a abordagem

sensacionalista dos meios de comunicação sobre a violência e uma verdadeira histeria

nacional, serviram de mote para a um novo momento do chamado Direito Penal do

Terror, como intitula René Ariel Dotti,72 o movimento Legislativo nas últimas duas

décadas.

Para estudar a “inflação legislativa” em âmbito penal das últimas décadas,

indispensável analisar a “inflação de escândalos na mídia”, a partir da década de 80.

Isso porque, a edição das leis penais extravagantes no Brasil raramente não esteve

diretamente ligada a um fato de repercussão na mídia, como será demonstrado.

Entre os destaques policiais da cobertura jornalística da década de 80 estão,

por exemplo, a morte de Zé Bigode, da Falange Vermelha, organização que elaborou

um verdadeiro código de guerrilha urbana em um tiroteio com a polícia do Rio de

Janeiro, em junho de 80; o motim de 29 de julho de 87 na Casa de Detenção de São

Paulo, no complexo Carandiru, com 31 mortos; o assassinato do ecologista Chico

Mendes, e o “caso da rua Cuba”, em dezembro de 88; a rebelião de presos no 42°

Departamento de Polícia de São Paulo, no Parque São Lucas, ocasião em que 18

presos morreram asfixiados em uma cela-forte, onde ficaram trancados depois de

serem espancados pela polícia (fevereiro de 89); a prisão de Fortunato Botton Neto,

acusado de matar pelo menos dez homossexuais em São Paulo (agosto de 89); e o

seqüestro do empresário Abílio Diniz, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar,

em dezembro de 89.73

71

RAMOS, João Gualberto Garcez. Textos Selecionados: A inconstitucionalidade do Direito Penal do Terror. Curitiba: Juruá, 1991. p. 37. 72

DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 45. 73

BENOIT, Hector. A Mídia Amedrontada pelo Crime Organizado. Disponível em:

<http://www.wsws.org/pt/2006/may2006/port-m18.shtml>. Acessado em 3 set. 2012.

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Na década de 90, a violência na mídia tomou proporções inéditas e

assustadoras. Em março de 90, a morte da professora Adriana Palhares, de 21 anos,

ocupou espaço extraordinário na imprensa. Ela foi atingida pelo tiro de fuzil disparado

pelo cabo da polícia Marco Antônio Furlan. Além do assaltante morto junto da refém, os

outros dois assaltantes foram executados pela polícia. Na seqüência da “onda de

seqüestros”, que ganhou destaque com o caso Abílio Diniz, o publicitário Roberto

Medina foi seqüestrado em junho de 90 no Rio de Janeiro. A diante, só escândalos: o

massacre do Carandiru, em outubro de 92; o assassinato da atriz Daniela Perez, em

dezembro do mesmo ano; o massacre da Candelária, em julho de 93; o massacre da

Favela de Vigário Geral em agosto; a morte do estudante Marco Antônio Adelino

Pereira Fernandes, da rede de supermercados Barateiro; o massacre de Eldorado dos

Carajás, em abril de 96; a fuga de 53 presos do Carandiru, em maio de 96; a morte do

dentista José Renato Pousada Tahan e da estudante Adriana Ciola, de 23 anos em um

assalto ao bar Bodega, no bairro Moema em São Paulo; o assassinato do fiscal da

Companhia de Engenharia de Tráfego, Wagner Freitas; a violência policial em

Diadema, São Paulo (março de 97); o seqüestro e a morte do garoto Yves Ota, de 8

anos em São Paulo, em agosto de 97; o desabamento do Palace II, no Rio de Janeiro;

as pílulas de farinha da Microvilar; o assalto em que o ator Gérson Brener foi baleado

na cabeça, na Via Dutra; e o Maníaco do Parque.74

Para praticamente todos os “escândalos” nacionais, o legislador deu uma

resposta “à altura”. Foram editadas leis como a dos crimes de colarinho branco (Lei n°

7.492/86); a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90); a Lei 8.429/92, do

enriquecimento ilícito; a Lei 9.318/96, que inclui como agravante a circunstância de ter

sido o crime praticado contra mulher grávida; a Lei 9.437/97, que instituiu o Sistema

Nacional de Armas (revogada pelo Desarmamento Lei 10.826/03); Lei 9.455/97, que

define os crimes de tortura; a Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou

ocultação de bens; a Lei 9.615/98, que criou novas hipóteses de contravenção penal e

de crimes relativos aos jogos de bingo; Lei 8.176/91, dos crimes contra a ordem

econômica; Lei 9.034/95, sobre as organizações criminosas; e a Lei 9.613/98 que trata

sobre a lavagem de dinheiro.75

74

BENOIT, Hector. A Mídia Amedrontada pelo Crime Organizado. Disponível em:

<http://www.wsws.org/pt/2006/may2006/port-m18.shtml>. Acessado em: 3 set. 2012. 75

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Princípios Garantias e a Delinqüência do Colarinho Branco. Revista

Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. (IBCCrim). São Paulo, v. III. n. 11, jul./set.

2006. p. 123-124.

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37

2.5 A INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

2.5.1 Os fatores que conduzem o processo legislativo na área criminal e a influência da

imprensa no Direito Penal Brasileiro

Partindo do estudo da perspectiva histórica do Direito Penal e dos princípios

que devem nortear a edição das leis – previsão e aplicação das penas – a análise

sobre a divergência entre as diretrizes traçadas pela doutrina e as tendências que de

fato conduzem o processo Legislativo no âmbito criminal precisa passar por um

aspecto que é um, senão o principal, fator de influência no Direito Penal na atualidade.

A mídia, como a fonte de informação de fundamenta a opinião pública brasileira, é o

instrumento de legitimação de interesses que dominam o processo Legislativo.

O poder da imprensa de provocar, ou de pelo menos pressionar alterações no

perfil Legislativo em âmbito criminal tem como exemplo inicial na história do Direito

Penal brasileiro o movimento pelo fim das criminalizações dos processos de caráter

inquisitorial do século XVII. A imprensa, censurada pelas burocracias religiosas, teve

participação ativa no esforço conjunto pela abolição das penas corporais cruéis.

Afinada com o pensamento ilustrado, filosófico e jurídico, a imprensa tendia à limitação

do controle do poder punitivo do Estado absolutista.

Até o século XIX, os envolvidos com a imprensa pagavam o preço pelas

publicações ou simples leitura das mesmas, censuradas pela Igreja. Os panfletos e

livros que traziam considerações criticas tinham “uma função perante os sistemas

penais análoga das drogas no último quartel do século XX: não era necessário

escrevê-los ou traficá-los, sendo suficiente adquiri-los, guardá-los ou trazê-los consigo,

para uso próprio.”76

Em 1808, foi criada a Imprensa Régia, que controlava as atividades através de

uma junta administrativa que fiscalizava a impressão para que nada contra a religião, o

governo e os bons costumes fosse publicado. O Correio Braziliense era impresso em

Londres, na Inglaterra. Na opinião de Nilo Batista, a conseqüência do apoio e proteção

da classe burguesa à imprensa nos séculos XVII e XVX foi a aproximação da mesma à

76

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acessado em: 3 set. 2012.

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ordem burguesa enraizada nas fontes liberais ilustradas e nos produtos teóricos do

positivismo criminológico, que naturalizava a inferioridade biológica dos infratores.77

A fidelidade da imprensa aos grupos econômicos capitalistas traçou o perfil das

publicações e as tendências gerais da mídia. “O controle penal da indisciplina operária

de anarquias e do lumpesinato urbano – dos „vidas tortas‟ (vadios, prostitutas,

mendigos) – recebeu em geral da imprensa o mesmo incentivo que, nos dias atuais,

recebem as razias de guardas municipais contra camelôs e flanelinhas, ou a mesma

complacência que merecem hoje as mortes acidentais nas violentas incursões policiais

pelas favelas.”78

Por trás do poder de influência da mídia no Direito Penal, estão interesses que

interferem na forma de abordagem de assuntos ligados ao crime e às punições pelos

veículos de comunicação. O primeiro, inevitável diante da estrutura capitalista que rege

a sociedade brasileira, é o poder econômico, aspecto que merece uma análise

preliminar.

2.5.2 O Poder Econômico, a Mídia, o Direito Penal e Processual Penal

No Direito Penal, a igualdade é um mito que se traduz em duas proposições:

que a lei tutela os bens jurídicos universais, ou essenciais de todas as pessoas; e que

as normas são aplicadas de forma igualitária a todos os indivíduos, ou seja, que os

autores de comportamentos reprováveis e violadores de normas penalmente

sancionadas têm chances de converter-se em sujeitos o processo de criminalização,

com as mesmas conseqüências.

No contexto da sociedade capitalista, o sistema penal é influenciado por elites

e acaba tornando-se instrumento do controle social das massas populares. “Na

perspectiva da criminologia crítica, a criminalidade não é mais uma qualidade

ontológica de determinados indivíduos, mas , sim, se revela como um estudo atribuído

a determinados indivíduos através de uma ampla seleção. Em primeiro lugar, a seleção

dos bens protegidos penalmente e dos comportamentos ofensivos desses bens,

77

IMPRENSA RÉGIA. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2008/04/22/200-anos-da-impressao-

regia/>. Acessado em 3 set. 2012. 78

Id.

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tipificados na norma penal. Em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados

entre os indivíduos que cometem infrações às normas penalmente sancionadas.”79

No que se refere à seleção dos bens protegidos e dos comportamentos lesivos,

procura-se justificar o caráter fragmentário do Direito Penal através do argumento de

que a escolha parte da natureza da coisa ou da idoneidade técnica de certas matérias.

Para Alessandro Baratta, é através de agências de controle social: as formais, tais

como o Legislativo, a Magistratura e o Ministério Público, e informais, como a Família, a

Igreja e a Escola; que as condutas são criminalizadas e os destinatários são

apontados. “Essas justificações constituem uma ideologia que oculta o fato de que o

direito penal tende a privilegiar os interesses das classes dominantes e a imunizar o

processo de criminalização dos indivíduos pertencentes as ditas classes dominantes e

ligados funcionalmente às exigências de cumulação capitalista, e dirige o processo de

criminalização, principalmente, para formas de condutas desviantes típicas das classes

subalternas. Isso se realiza, não somente com a seleção das espécies de

comportamento tipificado nas normas, mas, também, com a diversa intensidade da

ameaça penal, que freqüentemente está em relação inversa com o dano social dos

comportamentos, porém com a mesma formulação técnica das normas.”80

E é através da mídia que o sistema penal, voltado às classes mais favorecidas,

ganha legitimidade perante a opinião pública. “O compromisso da imprensa – cujos

órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os

bons negócios das telecomunicações – com o empreendimento neoliberal é a chave da

compreensão dessa especial vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente

legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e

um silêncio sorridente sobre informações que as destinam. O novo credo criminológico

da mídia tem seu núcleo irradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada,

crêem na pena como rito sagrado de solução de conflitos.”81

Na visão de Nilo Batista, a ilusória necessidade do rigor penal é conseqüência

do próprio sistema capitalista.

79

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e Política Penal Alternativa. Revista dos Tribunais: Revista dos Tribunais de Direito Penal, Rio de Janeiro, v. 3, n. 31, p. 10, mar. 1976. p. 09. 80

Ibid., p. 11 81

Ibid., p. 14.

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O empreendimento neoliberal, capaz de destruir parques industriais nacionais inteiros, com conseqüências taxas alarmantes de desemprego; capaz de flexibilizar direitos trabalhistas, com a inevitável criação de subempregos; capaz d, tomando a insegurança econômica como princípio de doutrinário, restringir a aposentadoria e auxílios previdenciários; capaz de, em nome da competitividade, aniquilar procedimentos subsidiados sem considerar o custo social de seus escombros, o empreendimento neoliberal precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado, para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza.

82

Contudo, mais do que um instrumento do Estado para conter a crise capitalista,

o discurso da criminalização de condutas e combate à violência através das penas

agravadas não parte, por vezes, dos editoriais de jornais influenciados por um grupo

econômico.

A mídia, mais do que ligada ao poder dos anunciantes e parceiros, está sujeita

às estratégias eleitorais dos próprios legisladores. É que o que está em discussão no

Congresso Nacional é notícia, independente do grupo econômico com interesses

camuflados sobre o projeto de lei a ser avaliado pelas comissões e votado na Câmara

dos Deputados e no Senado Federal. A análise sobre os fatores de influência do Direito

Penal Brasileiro, inevitavelmente, passa pelo estudo do poder político sobre a mídia e,

conseqüentemente, sobre a opinião pública.

2.5.3 O Poder Político, a Mídia, o Direito Penal e Processual Penal

A relação entre imprensa e o Legislativo pode ser vista sob dois enfoques. Em

primeiro lugar, as iniciativas eleitoreiras geralmente tocam pontos importantes da vida

do cidadão, especialmente quando os projetos estão no âmbito penal. Desta forma, as

propostas em discussão no Congresso Nacional são, mais do que de interesse do

público, de interesse público, e atraem a atenção da mídia. E quanto mais esdrúxula a

premissa do parlamentar, mais “interessante” é a discussão, já que a polêmica sempre

dá audiência.

O deputado ou senador que lidera uma proposição polêmica corre o risco de

perder votos. Mais isso acontece em menor escala. Via de regra, ser polêmico é ser

inovador, na opinião dos eleitores; e, nas condições em que vive a maior parte do povo

brasileiro, a inovação é bem vinda quando oferece qualquer possibilidade de melhoria

82

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acessado em: 3 set. 2012.

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para a sociedade, mesmo que a hipótese benéfica não passe de uma falácia

escandalosa.

À título ilustrativo, o povo paranaense elegeu em 2.002 como deputado

estadual o Delegado da Polícia Civil, Mario Sérgio Zachesky, que adotou o sobrenome

Bradock, inspirado no personagem de Chuck Norris. Ele serviu ao DOI-Codi

(Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna),

reconhecido por suas torturas durante a ditadura militar, e, como delegado, trajava

uniformes do exército e pregava a tática da tolerância zero contra a criminalidade. Na

Assembléia Legislativa do Paraná, usava ternos camuflados e fortalecia sua figura

política participando de inúmeras Comissões Parlamentares de Inquérito. A

popularidade pouco se abalava com as notícias sobre o processo penal que ele

respondeu por crime de tortura, por fato ocorrido enquanto atuava na Polícia Civil, em

Rio Branco do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba.83

Não existe figura semelhante no Congresso Nacional, mas as propostas para a

área criminal refletem o extremo do oportunismo. Centenas de projetos de lei nas áreas

penal e processual penal estão em trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado

Federal, absolutamente na contramão do que propõe a doutrina e do sentido da

evolução do Direito Penal. Para ter o panorama das propostas em discussão, basta

uma rápida análise dos projetos de lei recentes, de autoria dos Senadores da

República. É na ligação que se pode fazer entre projetos de lei e o noticiário da época

em que foram feitas proposições, que se evidencia o outro viés da relação entre a

mídia e os parlamentares. Ao mesmo tempo em que a mídia é manipulada pelos

políticos com seus interesses eleitoreiros, é a própria imprensa, no papel de

instrumento dos grupos de poder, que induz os parlamentares a propor projetos de lei

ineficazes.

Motivado pela pressão da mídia e da opinião pública, o senador Papaleó Pae,

do PMDB-AP propôs que fosse acrescentado parágrafo ao art. 158 do Código Penal,

para tipificar o seqüestro relâmpago, incluindo o crime no rol dos hediondos, através de

novo inciso à Lei n. 8.072/90.

Aproveitando a repercussão da Comissão Parlamentar de Inquérito Nacional

da Exploração Sexual, o senador Ramez Tebet, do PMDB-MS, adiantou-se à

avalanche de propostas de agravamento de penas entregues ao presidente Luiz Inácio

83

VEJA ONLINE. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/291100/p_072.html>. Acessado em: 3 set. 2012.

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Lula da Silva no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito, e propôs que

fossem incluídos ao rol dos crimes hediondos os crimes sexuais contra crianças e

adolescentes, com aumento das penas (alteração dos artigos1º e 9° do Código Penal).

O assassinato do casal de adolescentes Liane e Fernando Silva, em outubro

de 2007, rendeu dois projetos de lei. Um de autoria de Magno Malta, do PL-ES, que

pegou carona na polêmica ressuscitada com o crime e apresentou uma proposta que

alteraria o parágrafo único da Constituição Federal, para considerar penalmente

imputáveis os maiores de treze anos que tenham praticado crimes hediondos. Já o

senador Ney Suassuna, do PMDB-PB propôs o acréscimo de parágrafo ao artigo 104

do Estatuto da Criança e do Adolescente, e ao artigo 27 do Código Penal para

introduzir uma regra especial de imputabilidade penal dos maiores de dezesseis anos,

reincidentes na prática de homicídios.

O drama da personagem “Raquel”, na novela “Mulheres Apaixonadas”, serviu

de base para a aprovação de um projeto de lei da deputada federal Iara Bernardi, do

PT-SP, que tornou o crime de lesão corporal dolosa contra mulher, inafiançável. O

senador Valmir Amaral, do PMDB-DF também propôs o aumento da pena para esse

delito.

Aproveitando o atentado de 11 de setembro, o senador Carlos Bezerra, do

PMDB-MT, propôs a tipificação do crime de atentado contra repartição pública e a

inclusão do mesmo à lista de crimes hediondos.

Também no Congresso Nacional, o senador Agnelo Alves, do PMDB-RN, que

inclui o crime de quadrilha ou bando ao rol dos hediondos e do senador Marcelo

Crivella, do PL-RJ, que inclui a redução à condição análoga à de escravo na lista de

crimes hediondos.

Há ainda projetos de criminalização de condutas, como o do senador Tasso

Jereissati, do PSDB-CE, que tipifica o crime de pichação e a proposta do ex senador

Aelton Freitas, do PL-MG, que altera os §§ 3º e 4º do artigo 155 do Código Penal para

tipificar o furto de energia e sinais. Por fim, do senador João Ribeiro, PFL-TO, que cria

o tipo penal “uso indevido de dados e informações cadastrais alheias”.84

Os senadores também não poupam esforços para agravar penas e complicar a

vida dos criminosos nas cadeias. O senador Tasso Jereissati tenta alterar o artigo 61

84

BETTING, Joelmir. O Legislativo Frente a Criminalidade. O Estado de São Paulo, São Paulo. 21 mar.

2008, Caderno Política. p. 29.

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do Código Penal para incluir entre as circunstâncias agravantes genéricas os crimes

praticados contra policial, magistrado, membro do Ministério Público, agente ou guarda

penitenciário, diretor de presídio, funcionário voluntário no sistema prisional. E o

senador Demostenes Torres, PL-GO, dedica-se a tornar ainda mais rígida a Lei de

Crimes Hediondos. Ele apresentou quatro projetos de lei (PL 442/2003, 439/2003,

438/2003, 437/2003) no sentido de agravar as penas, condicionar a liberdade

provisória ao pagamento de fiança, e, após sentença condenatória recorrível, ao

ressarcimento de dano, exigir o cumprimento mínimo de metade da pena para

obtenção de benefícios penais. Ele ainda é autor do projeto de lei que altera o § 2º e

alínea “a” do art. 33 do Código Penal, para estabelecer condições para a progressão de

regime e determinar o início do cumprimento de pena em regime fechado para o

condenado reincidente.85

Além das proposições, os parlamentares encontram nas Comissões

Parlamentares de Inquérito excelente oportunidade de reeleição. E o trabalho destas

Comissões têm resultado previsível, eis que os relatórios finais, na maioria das vezes,

propõem a criação de tipos penais e o aumento das penas. O relatório da Comissão

Parlamentar de Inquérito da pirataria propõe mudanças do Código de Propriedade

Intelectual, no Código de Propriedade Industrial e no Código Penal. Grande parte das

mudanças diz respeito ao aumento das penas para o crime de pirataria. Já a Comissão

Parlamentar de Inquérito da Exploração Sexual apresentou um relatório final que

sugere mais de 20 alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal.

A atividade parlamentar deveria estar voltada para a solução dos problemas

que surgem das relações entre os cidadãos na coletividade, com a finalidade de

alcançar a paz social, mas o legislador atua em benefício próprio, ou seja, para ganhar

votos, e, desta forma, viola alguns princípios constitucionais. O artigo 37 da

Constituição Federal de 1988 determina que a administração pública direta e indireta,

de qualquer dos poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deve

obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência. Os princípios da administração aplicam-se ao parlamentares no momento da

aprovação das leis. Tanto é verdade, que o art. 55,§1º, da lei fundamental, estipula que

deve perder o mandato o deputado ou senador que perceber vantagens indevidas, na

atuação legislativa.

85

BETTING, Joelmir. O Legislativo Frente a Criminalidade. O Estado de São Paulo. São Paulo. 21 mar.

2008, Caderno Política. p. 29.

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E a violação dos princípios acima mencionados, também se dá na atuação do

Executivo, quando encaminha projetos de lei com finalidade meramente eleitoreira:

Setores do Governo e do Congresso Nacional, visando extrair proveitos junto à mídia e ao eleitorado, apresentam projetos neocriminalizando condutas já puníveis e acrescendo disposições mais rigorosas quanto à pena e ao processo. No tempo da administração da justiça penal, os seus operadores estão sofrendo uma amarga experiência dessa modalidade infração que é responsável por um tipo de direito penal do terror, que, ao contrário de seu antigo modelo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, tendo à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância religiosa. Ele se destaca, atualmente em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo.

86

O discurso sensacionalista, que traz o rancor da população e o desejo de

vingança através do extermínio dos maus elementos, já chegou aos extremos no

Congresso Nacional. Tanto que, em uma oportunidade, foi necessária a reação do

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O deputado federal Luiz

Antônio Fleury Filho sinalizou que coordenaria a colheita de assinaturas junto ao

eleitorado nacional para apresentação de um projeto de emenda constitucional

instituindo a pena de prisão perpétua. E na sessão de 1º de outubro, o Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária aprovou a Resolução para alterar a

sociedade brasileira contra ameaças aos princípios constitucionais, sazonalmente

agredidos por alguns setores da sociedade e denunciar manifestações apressadas e

declarações levianas contra os direitos e garantias individuais tendentes à ruptura das

instituições democráticas.87

2.5.4 A Imprensa, o Direito Penal e a Opinião Pública

A mídia, influenciada pelos grupos econômicos e políticos, afasta da opinião

pública o discurso acadêmico ou doutrinário relativo às questões de Direito Penal,

através da exposição direta ou indireta das opiniões que se pretende defender.

Nos editoriais e comentários em rádio e televisão, que são as formas mais

diretas de defesa de uma posição escolhida, as formulações legitimantes dos

interesses são explícitas ou assumidamente opinativas. Na visão de Nilo Batista,

86

DOTTI, René Ariel. Casos Criminais Célebres. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 36. 87

REVISTA DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária: Brasília,1998.

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intencionalmente ou não, o discurso midiático ignora qualquer reflexão que deslegitime

o credo criminológico da imprensa, de que a majoração das penas ou criminalização de

condutas que incomodam a sociedade são instrumentos eficazes no combate à

criminalidade. O discurso acadêmico raramente ecoa nos meios de comunicação,

“nenhuma teoria e nenhuma pesquisa questionadora do dogma penal, da

criminalização provedora ou do próprio sistema penal, não veiculados em igualdade de

condições com suas congêneres legitimantes.”88

O desconhecimento do Direito Penal é um fator importante e decisivo no

resultado da elaboração dos discursos midiáticos que envolvem o crime, pois a

formulação de um editorial ou de um comentário, por exemplo, parte sempre de fatos

concretos – um delito, uma denúncia, uma investigação em andamento, uma polêmica

nas Casas Legislativas – os mesmos assuntos que pautam as redações.

O professor Nilo Batista acha que o discurso indignado dos comentaristas às

vezes é uma válvula de escape para a ignorância. “O âncora Boris Casoy repete

sempre o mesmo bordão: “isto é uma vergonha ou isto tem que acabar”, sempre que

não está compreendendo muito bem um assunto criminal.”89 Nas redações é de

costume dizer que o bom profissional não é aquele que sabe, mas o que tem o telefone

de quem sabe. A filosofia de trabalho nos veículos de comunicação justifica o que, para

o professor Nilo Batista, é outro instrumento da imprensa para a imposição dos valores

selecionados pela mídia, como interlocutora dos fatos e informações. Ao recorrer aos

“especialistas”, a mídia pretende, em primeira análise, informar, sem a necessidade de

intermediar a comunicação. Em tese, a mensagem chegaria ao público de forma mais

imparcial. Ocorre que o espaço dedicado aos especialistas é definido e moldado

conforme os interesses previamente pensados pelo jornalista.

Para exemplificar como o processo acontece e no que resulta, é válido analisar

a abordagem jornalística de um assunto que vai ser estudado adiante. O ex Ministro da

Justiça, Márcio Thomaz Bastos, anunciou no começo do mês de agosto de 2004, sua

posição favorável à revisão da Lei de Crimes Hediondos. Propondo uma ampla

discussão sobre a lei, que, depois de catorze anos em vigor, resultou em um impacto

assombroso no sistema penitenciário brasileiro, e amparado pela posição majoritária da

88

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: < http://www.bocc.uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acessado em: 4 set. 2012. 89

Id.

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46

doutrina, sobre a inconstitucionalidade da lei, ele acabou sendo mau visto pela mídia e

pelo Ministério Público.

O assunto foi manchete de capa do Jornal O Estado de São Paulo: “Fim do

Crime Hediondo Libertará Milhares de Presos” 90. A notícia era o anúncio de que o

Ministro se declarou a favor da revisão da lei e estava abrindo a discussão, a fim de

fazer as alterações propostas por parlamentares e juristas, pelo menos. Mas com o

intuito de causar impacto, o editor preferiu partir para o aspecto mais alarmante e mais

pessimista

Com base em dados fornecidos pelo Ministro da Justiça, é informado na

reportagem que dos 308 mil presos do Brasil, ¼ está cumprindo pena por crime

hediondo e que, por ter a lei nova mais benéfica efeito retroativo, criminosos como o

traficante Fernandinho Beira-Mar poderiam ser postos em liberdade, assim que

cumprissem parte da pena, com a progressão do regime para semi-aberto. A foto de

destaque da página é a do traficante cercado por escolta policial.

Em continuação à reportagem, é colocada a posição do ex Secretário da

Segurança Pública do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Diz a matéria: “Garotinho

disse que as declarações do Ministro vão „contra tudo o que há de razoável do ponto

de vista do direito internacional. Eu sou contra (a revisão). Crimes hediondos deveriam

ter a pena maior. Nós devemos atenuar pena de crimes simples, para não levar para

dentro de estabelecimento prisional gente que é presa por causa de pensão

alimentícia, de cheque sem fundo‟, afirmou.” 91

Os debates das questões de Direito Penal, por intermédio da imprensa,

direcionam a opinião pública na escolha de uma posição ou outra sobre os assuntos do

momento. Não há igualdade de condições entre o pensamento acadêmico e a opinião

popular nos meios de comunicação. Acaba prevalecendo a posição do formador de

opinião mais influente, que é o interlocutor midiático. E é assim que se forma, em

primeira análise, a opinião pública que vai nortear o processo Legislativo no Congresso

Nacional, que, como já foi demonstrado, é movido pelos anseios dos eleitores.

O texto do jornal O Estado de São Paulo, escolhido para a análise é um entre

inúmeros exemplos de como acontece o desvio do debate democrático isonômico nos

meios de comunicação. Na reportagem analisada, talvez a equipe do jornal nem tenha

90

RODRIGUES, Alexandre. Fim do Crime Hediondo Libertará Milhares de Presos. O Estado de São Paulo. São Paulo, 20 jul. 2004. Caderno Brasil. p. 6. 91

Id.

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agido de “caso pensado”. Ocorre que o jornalista é quem transmite a mensagem nas

reportagens e é o profissional que tem o preparo para fazer o leitor compreender a

informação por ele transmitida.

A imparcialidade na imprensa é um mito, porque a opinião pessoal do

interlocutor (repórter) está imbuída no texto, da mesma forma que as posições do

editor, produtor ou pauteiro – que são os profissionais que definem os assuntos que

vão ser abordados, de que forma e com qual destaque vão ser colocados no jornal,

acabam determinando o resultado final do trabalho jornalístico. Caso haja um interesse

externo a ser atendido na reportagem, um pedido do departamento comercial ou da

própria direção, a parcialidade é ainda maior e o texto torna-se deveras tendencioso.

Isso não acontece exclusivamente nos jornais impressos, mas também no rádio e na

televisão. A opinião indireta, nos textos jornalísticos noticiosos, acaba conduzindo, com

mais força do que os editoriais, a opinião pública de determinadas classes sociais e

intelectuais.

Contudo, não está nos jornais tidos como os de credibilidade o maior problema

na abordagem das questões criminais. Uma enorme parcela da população não se

preocupa em ficar atenta a questões de cunho cultural, informativo social, formando,

assim, o público dos programas pseudojornalísticos, nos quais encontra-se a forma

mais bizarra de debate dos assuntos da área criminal.

2.5.5 O Debate sobre o Crime e a Pena no Noticiário Policial

O debate de questões como a revisão da Lei de Crimes Hediondos encontra,

na opinião pública, uma barreira já consolidada. O público está impregnado pela noção

de que o criminoso deve ser punido com o maior rigor possível para que a violência

seja coibida. Um dos fatores que preestabelece a posição da maioria das pessoas, é a

abordagem ampla e sensacionalista do crime. A violência, naturalmente, provoca na

vítima e seus afetos o forte desejo de vingança, entendido como sinônimo de justiça.

Quando está estampado nas capas de jornais, em reportagens de televisão e rádio, o

crime provoca em um público considerável, o mesmo sentimento ou sofrimento, ainda

que momentâneo.

Nos jornais, o crime é notícia na medida em que provoca a insegurança geral.

Para mostrar como isso acontece no dia a dia das redações, basta analisar as

manchetes policiais do jornal Gazeta do Povo, o de maior tiragem no Paraná. No dia 11

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de agosto de 2009, foi noticiado: “Homem morre por bala perdida no Centro de

Curitiba.” Dois dias depois, a manchete: “Delegado reage a seqüestro-relâmpago e

mata bandido.” Uma semana depois, no dia 20, foi destaque no jornal: “Outro delegado

sente criminalidade na pele em Curitiba.”92 No dia 19 de agosto, a manchete informava:

“Taxistas fazem carreata pedindo segurança.”9394

Bala perdida, delegado vítima de assalto, morte de taxista. O efeito do

noticiário na opinião pública é previsível: a sensação de insegurança, caos e alarde. E

como a maioria das pessoas tem como verdade inquestionável que a pena pode

atenuar a criminalidade, um político sempre aproveita a oportunidade para legislar

sobre as matérias que afligem a sociedade.

A força que tem a tese falaciosa de que a quantidade de pena é inversamente

proporcional aos índices de criminalidade que cresce, na medida em que o crime e a

pena são matérias de análise nos programas pseudojornalísticos. A apresentadora

Hebe Camargo não é repórter âncora e nem comentarista de telejornal, mas entrevista

personagens de casos criminais de repercussão na mídia e opina sobre a legislação

penal freqüentemente. O programa do Ratinho; também no SBT, não é jornal, mas

exibe “pseudoreportagens”, acompanhadas dos comentários passionais do

apresentador, que sugere o rigor penal contra os criminosos.

Da mesma forma, os programas policiais no rádio e na televisão conduzem a

opinião pública ao mesmo caminho, e com um fator agravante: têm formato de jornal.

Por vezes, os repórteres não são jornalistas e noticiam os boletins de ocorrências

enviados às redações todas as manhãs por fac símile pela Sala de Imprensa da Polícia

Militar. Da mesma forma, são comunicados diariamente os destaques selecionados

pela Polícia Militar para os veículos de comunicação.

Boa parte dos programas policiais é feita com equipes inacreditavelmente

reduzidas. Para preencher o horário reservado ao noticiário, as reportagens são feitas,

na grande maioria dos veículos, sem que a equipe ao menos saia às ruas para checar

92

O delegado ex-chefe do Cope, o Centro de Operações Policiais Especiais, Marcus Michelotto, foi assaltado em um semáforo no bairro Batel, em Curitiba. Ele dirigia um carro descaracterizado da polícia. 93

Um grupo com cerca de 30 táxis e um carro de som saiu do Sítio Cercado e seguiu até o Centro Cívico em carreata. O protesto foi motivado pelo falecimento do taxista Antônio Krulinoski, de 49 anos. O taxista foi vítima de assalto, passou por três cirurgias, mas não sobreviveu. Durante o assalto ele tinha apenas R$ 25,00 (vinte e cinco reais) na carteira, entregou o carro, não reagiu e mesmo assim foi baleado nas costas. 94

GAZETA DO POVO. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/busca/index.phtml?q=crimes&cx=014606829777116571431%3A9apb6tjyjba&cof=FORID%3A11#993>. Acessado em: 4 set. 2012.

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a informação e aprofundar o conteúdo da matéria. No noticiário policial, por vezes, são

ouvidas poucas fontes, como parentes da vítima ou pessoas que viram o fato ou ainda

a reportagem fica restrita ao que é repassado pela polícia.

O mais difícil é divulgar exatamente o que a polícia já escreveu, pela baixa

qualidade dos boletins por ela preparados quanto à redação e no que diz respeito aos

cuidados indispensáveis ao falar publicamente de pessoas presas, que ainda não

respondem sequer à ação penal pelos crimes cuja autoria a eles é atribuída pelos

policiais.

Para exemplificar, os destaques do boletim da Polícia Militar do Paraná, com o

resumo das notícias policiais de 16 a 20 de agosto de 2009, são:

RP de Floresta prende autores de furto de computadores da prefeitura; Preso em Guaraniaçu participantes de latrocínio (sic); Prisão de traficantes na cidade de Toledo/PR; P/2 do 6° BPM e RP de Sarandi prendem quadrilha fortemente armada; P/2 do 6° BPM realiza prisão de contrabandistas; P/2 do 6º BPM realiza prisão de receptadores em Cascavel; Policiais do 1º BPM prende grupo com armas e crack em favela (sic); P/2 do 6º BPM realiza prisão de meliante mediante mandado; P/2 do 6° BPM realiza prisão de integrante do MST por porte ilegal de arma; P/2 do 6° BPM realiza prisão de homicida; AIFU – Mais um flagrante de exploração de adolescentes.

95

A Polícia Militar divulga os detalhes sobre cada prisão, inclusive o nome

completo dos delinqüentes. Não é raro que, ao atender ao chamado “bip”, os repórteres

sejam recebidos na delegacia e conduzidos à sala do delegado, onde está a espera da

imprensa o preso, algemado e posicionado atrás de uma pilha de drogas apreendidas,

armas, ou a foto da vítima. O delinqüente recebe instruções do delegado ou policial

para posar com cara de “mau” para fotos e filmagens. Também é comum que,

diariamente, a Polícia Militar convoque os jornalistas para fotografar ou filmar os

cadáveres de vítimas da violência.96

O resultado é evidente. Nas capas de jornais e no noticiário policial na

televisão, confere-se destaque para as imagens sensacionalistas. Depois de receber

críticas sobre as fotos “sangrentas”, o jornal Tribuna do Paraná, cuja linha editorial

prioriza as notícias policiais futebolísticas, prometeu, publicamente, ponderar nas

imagens e nas manchetes apelativas. Um ano depois do anúncio, o jornal exibe fotos

de cadáveres sob ângulos um pouco mais tímidos e adota manchetes como: “Chuva de

95

BOLETIM DIÁRIO DA SALA DE IMPRENSA DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Disponível em: <www.pr.gov.br/pmpr/saladeimprensa>. Acesso em: 4 set. 2012. 96

JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ. Disponível em: <http://paranaonline.com.br/editoria/crimes/news>.

Acessado em: 4 set. 2012.

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bala e três prisões; Assassinato com pedradas na cabeça; Mulher desce o porrete e

mata ladrão; Mata o irmão com nove facadas em Almirante Tamandaré; Viola túmulos

para manter vício.”97

Os jornais e programas policiais recebem diariamente a influência dos

interesses da Polícia Militar e da Polícia Civil. A manipulação se dá, em um primeiro

momento pelas distorções que os policiais fazem do caso concreto, a fim de atrair a

atenção da imprensa e mostrar serviço. A polícia eficiente – que prende, castiga, e

mata elementos da “escória” da sociedade – dá, ao povo, a impressão de um governo

do estado bom. Ao mesmo tempo em que a administração faz seu marketing indireto,

os próprios policiais conseguem tirar uma “casquinha” da situação. Um exemplo

simples: só nas eleições de 2008, 111 policiais militares e 34 policiais civis foram

candidatos a prefeito, vice-prefeito ou vereador, no Paraná.98

A fim de ganhar audiência, a direção dos jornais ou as emissoras de rádio ou

televisão fazem a opção pelo noticiário apelativo, que atrai a atenção do público,

interessado em saber os detalhes sórdidos do crime, com suas facetas mais cruéis.

Por vezes, a falta de rigor ético jornalístico é o que vende no mercado da

comunicação. Não fosse assim, a Globo, emissora com estrutura física, tecnológica e

de recursos humanos invejáveis, não dedicaria o horário nobre às novelas e a

programas como o “Linha Direta”. Aliás, o programa, que era sucesso de audiência

desde 1.999, era o nível máximo da executivização, na opinião do professor Nilo

Batista. Ele lembra de episódios como o de Marcos “Capeta”, assaltante morto em um

confronto com a polícia, dias depois de ter sua biografia criminal exposta no programa

policial. Ele:

Foi morto numa casa situada em local ermo, isolada, e portanto facilmente situável. Seu corpo tinha 22 orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo, além de uma aparentemente desnecessária lesão contusa na região cervical. Das quatro armas que a polícia disse ter encontrado no local, uma não disparava (exame negativo para pólvora combusta), e as outras três (dois revólveres 38 e uma pistola 380) estavam parcialmente carregadas: mas a metralhadora ponto 50 da encenação do Linha Direta simplesmente não existia. O numeroso bando também estava reduzido a um garoto de 14 anos, com pelo menos oito lesões de projéteis de arma de fogo.

99

97

JORNAL TRIBUNA DO PARANÁ. Disponível em: <http://paranaonline.com.br/editoria/policia/news>. Acessado em: 5 set. 2012. 98

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/midia/catalogo.htm>. Acessado em: 5 set. 2012. 99

BATISTA, Nilo. Prefácio a MENDONÇA, Kléber. A punição pela Audiência – um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj, 2002. p. 14-15.

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51

No prefácio do livro de Kleber Mendonça, ex apresentador do Programa Linha

Direta”, “A Punição pela Audiência – um estudo do Linha Direta”, o professor Nilo

Batista menciona o linchamento de outro “bandido” do programa policial: “No sábado

de verão em que escrevo este prefácio, noticia-se o linchamento, pelos presos da

carceragem policial de Cabo Frio, de Ronaldo Josias de Souza, ocorrido seis horas

após sua prisão. O homicídio de que ele era acusado, ocorrido ano passado em João

Pessoa, fora exibido pelo programa Linha Direta, da Rede Globo, na noite de quinta-

feira.”100

O professor concorda com o ponto de vista de Kleber Mendonça, de que o

programa Linha Direta fez sucesso porque reuniu os dois produtos de maior audiência

da emissora: o telejornalismo e a telenovela. “E a partir do „lugar de autoridade‟ do qual

o programa se investia, na mistura de dados reais e dados ficcionais (na dramatização

de um crime que muitas vezes não foi presenciado por ninguém) se encaminha, de

forma grosseiramente óbvia, a despertar a indignação dos telespectadores,

convocados a informar algo sobre o paradeiro do vilão, que escapou às conseqüências

de seu bárbaro cometimento.”101

Propositadamente ou não, os programas policiais apelativos e sensacionalistas

influenciam a opinião da massa de telespectadores, leitores e ouvintes, sobre a

punição a que devem ser submetidos os autores de tantas “atrocidades”. Por sua vez,

os oportunistas de plantão, com a intenção de posar de herói, debatem, manipulam,

modificam, editam, aprovam leis penais cada vez mais rígidas. Foi assim,

principalmente, a partir de 90, a década da inflação legislativa na área penal e

processual penal.

2.6 ASPECTOS DA INFLUÊNCIA DA IMPRENSA NO DIREITO PENAL E PROCESSO

PENAL BRASILEIRO

2.6.1 Sensacionalismo

Existem diferentes linguagens de propagação da informação, algumas

proclamadas isentas de qualquer aspecto que envolva emocionalmente a subjetividade

100

BATISTA, Nilo. Prefácio a MENDONÇA, Kléber. A punição pela Audiência – um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj, 2002. p. 14-15. 101

Id.

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dos seus destinatários, e outras que aguçam a sensibilidade dos destinatários

propositalmente, dentre estas, o sensacionalismo.102

Vieira, aponta que:

O sensacionalismo é uma forma diferente de passar uma informação; uma opção por assuntos que podem surpreender, capazes de chocar o público; uma estratégia dos meios de comunicação que trabalham com a linguagem-clichê, vulgar, compacta, conhecida como lugar-comum, de fácil compreensão por aquele que a recebe. A linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicação constroem um modelo informativo que torna difusos os limites do real e do imaginário. Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira. Esse mundo-imaginação é envolvente e o leitor ou telespectador se tornam inerentes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional.

103

Batista, assevera que:

Sensacionalismo transgride radicalmente com os idéias de neutralidade da imprensa. As técnicas sensacionalistas valem-se da exploração e manipulação intensa e deliberada das emoções primárias (sensações) do leitor, do ouvinte ou do telespectador, em geral induzindo baixo nível de reflexão crítica ou intelectiva a respeito dos fenômenos (“fatos”) reportados.

104

Diante da política lucrativa do sensacionalismo, a banalização da violência, o

espetáculo do crime, o fascínio da transgressão da norma, ocupam um lugar cativo na

estrutura do extraordinário.105

Vieira, afirma que:

A valorização da violência, o interesse pelo crime e pela justiça penal é uma prática enraizada na mídia, que encontra seu melhor representante no jornalismo sensacionalista. Utilizando-se de um modo próprio da linguagem discursiva, ágil, coloquial e do impacto da imagem, promove uma banalização e espetacularização da violência.

106

O apelo emocional, o que desprende os destinatários da notícia da

racionalidade das informações, junto com a notícia de foco criminal, torna-se uma

102

BATISTA, Nilo. Novas tendências do Direito Penal. vol. I. 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004. p.252. 103

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 52. 104

BATISTA, Nilo. Op. cit. p.256. 105

MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e Criminologia: O Papel do Jornalismo nas Políticas de Exclusão Social. São Paulo. Editora Malheiros, 2003.p. 131. 106

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Op. cit., p. 55.

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extraordinária maneira para a mídia agregar destinatários e lucro, conforme relata

Glassner:

Do ponto de vista de jornalistas e editores, um (sic) história de crime ideal – isto é, do tipo que merece lugar de destaque e com certeza prende a atenção dos leitores e telespectadores, com vários elementos que a distinguem de outros atos violentos. As vitimas são inocentes, pessoas simpáticas; o criminoso é um bruto sem sentimento. Os detalhes do crime, embora chocantes, são fáceis de repetir.

107

O sensacionalismo insere uma perspectiva lucrativa aliada ao apelo emocional

na forma de espalhar a informação. Em suma, a notícia é vista como uma verdadeira

mercadoria, conforme Gomes:

A mídia retrata a violência como um “produto espetacular” e mercadeja sua representação. A criminalidade (e a presunção penal), assim, não somente possui valor para uso político (e, especialmente, para uso “do” político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação. São mercadorias da indústria cultural de massa, gerando, para se falar de efeitos já aparentes, a sua banalização e a da violência.

108

O sensacionalismo cria um ciclo de manipulação de forma emocional dos

telespectadores, capaz de influenciar não apenas sobre a forma de informação, como

também no que se refere ao conteúdo original da informação.

2.6.2 Televisão

A televisão impressiona, por determinar além da notícia, uma série de outros

fatores que dão guarida àquilo que está ocultamente sendo sustentado. Desde os

apresentadores, passando pelo discurso, a estrutura do que é escrito, a opinião dos

especialistas, tudo é minuciosamente ordenado para otimizar a propagação da

informação desejada.

Um dos motivos que contribuem para a construção dessa máquina midiática

seria, para Bourdieu:

107

GLASSNER, Barry. Cultura do medo. Trad. Laura Knapp. São Paulo: Editora francis, 2003. p.76-77. 108

GOMES, Luiz Flávio. Mídia, Segurança Pública e Justiça Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.07.

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O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob pressão do campo econômico por intermédio do índice de audiência. E esse campo muito heterônomo, muito fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele próprio, uma pressão sobre todos os outros campos, enquanto estrutura.

109

Não é por acaso a escolha da televisão como um dos instrumentos de

influência da imprensa no direito e processo penal brasileiro. O sistema televisivo conta

com alta tecnologia, quando talvez a maior, disseminação da informação jornalística

entre a população brasileira. Deve-se acrescentar que a televisão conta com a

característica própria de combinar a notícia escrita, a notícia sonora e a imagem

sincronizadas num veículo de grande alcance, quando não, o de maior difusão na

atualidade. Nesta esteira:

A televisão é o fenômeno social e cultural mais impressionante da história da humanidade. É o maior instrumento de socialização que jamais existiu. Nenhum outro meio de comunicação na história havia ocupado tantas horas da vida cotidiana dos cidadãos, e nenhum havia demonstrado um poder de fascinação e de penetração tão grande.

110

É evidente que o capitalismo neoliberal orienta, para não dizer que obriga, os

meios de comunicação no exercício do jornalismo de mercado, baseado num impulso

econômico. Enuncia Bourdieu que: “Pode se pensar também nas censuras

econômicas. É verdade que, em última instância, pode-se dizer que o que se exerce

sobre a televisão é a pressão econômica”.111

Contudo, não é só isso que move os meios de comunicação, televisão, para as

notícias criminais. Afirma Batista que:

A posição estratégica da questão na mídia está muito distante da suposição ingênua – ainda que não necessariamente falsa – de que o sangue sempre aumenta as vendas. O discurso criminológico midiático pretende constituir-se em instrumento de análise dos conflitos sociais e das instituições públicas, e procura fundamentar-se numa ética simplista (a “ética da paz”) e numa histórica ficcional (um passado urbano cordial; saudades do que nunca existiu [...] O maior ganho tático de tal discurso está em poder exercer-se como discurso e lei e ordem com sabor “politicamente correto”.

112

Além da ideologia do capitalismo neoliberal, existe uma inclinação da imprensa,

especialmente a televisionada, em ser, além de um veículo de informação e

109

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. p.77. 110

FERRÉS, Joan. Televisão Subliminar. Porto Alegre: Artmed.1998. p.13. 111

BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p.19. 112

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acessado em: 6 set. 2012.

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concretização da democracia, uma espécie de criadora e emanadora de discursos

próprios da esfera penal.

A procura da notícia que atraia seus destinatários segue um princípio, que, de

acordo com Bourdieu seria “o princípio de seleção é a busca do sensacional, do

espetacular. A televisão convida à dramatização, o duplo sentido: põe em cena, em

imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importância, a gravidade, e o caráter

dramático, trágico.”113 Assim, a imagem que a televisão carrega, destarte, deve conter

todas as figuras atrativas, bem como os enunciados que sugerem a interpretação

pretendida.

Os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão devem-se ao fato

de que a imagem tem particularidade de poder produzir o que os críticos literários

chama de efeito de real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver.114 Neste

sentido, a escolha do que vai ser exibido é essencial ao desenvolver da imprensa

televisiva. Se por um lado a busca da lucratividade em conjunto com a afirmação dos

discursos criminológicos da mídia impõe uma determinada práxis, por outro lado, os

cuidados que revestem a propagação da notícia devem servir de ferramenta a conter

da imprensa.

A noticiabilidade de um acontecimento sempre depende dos interesses e das

necessidades das empresas jornalísticas e da comunidade profissional dos jornalistas:

se, por um lado, os critérios de relevância são flexíveis e variáveis quanto à mudança

de certos parâmetros, por outro, são sempre considerados em relação à reforma de

operar do meio de comunicação que produz a informação.115

Entretanto, anterior a divulgação da notícia, até mesmo anterior a sua seleção,

ocorre uma censura especial feita entre os próprios jornalistas, a circulação circular,

que resulta no nivelamento, ou seja, toda a informação desenvolvida tende a ser igual.

Mas a parte mais determinante da informação, isto é, essa informação sobre a

informação que permite decidir o que é importante, o que merece ser transmitido, vem

em grande parte dos outros informantes. E isso leva a uma espécie de nivelamento, de

homogeneização das hierarquias de importância.116

113

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. p.25. 114

Ibid., p.28. 115

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acessado em: 20 set. 2012. 116

BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p.35-36.

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2.6.3 Reprodução de Estigmas

A exclusão do ambiente social de determinadas pessoas é fato histórico,

enquanto que a existência das instituições que ofereciam esta separação perpetua-se

até hoje. Como exemplo temos o desaparecimento da figura do leproso como mal a ser

excluído, porém a perpetuação das instituições, ou seja, a subsistência dos

mecanismos de exclusão social. O objeto pode ter mudado, mas a institucionalização

continua: “A lepra se retira, deixando sem utilidade esses lugares obscuros e esses

ritos que estavam destinados a suprimi-la, mas sim a mantê-la a um distância

sacramentada, a fixá-la numa exaltação diversa. Aquilo que sem dúvida vai

permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se manterá ainda numa época

em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que

tinham aderido à personagem do leproso; é o sentido dessa exclusão, a importância no

grupo social desta figura insistente e temida que se põe de lado sem se traçar à sua

volta um círculo sagrado.”117 Desaparecida a lepra, apagado o leproso da memória,

essas estruturas permanecerão.

Freqüentemente nos mesmos locais, os jogos da exclusão serão retomados

estranhamente semelhante aos primeiros, dois ou três séculos mais tarde. Pobres,

vagabundos, presidiários e „cabeças alienadas‟ assumirão o papel abandonado pelo

lazareno, e veremos que a salvação se espera dessa exclusão, para eles e para

aqueles que excluem. Com um sentido inteiramente novo, e numa cultura bem

diferente, as formas subsistirão, essencialmente, essa forma maior de uma partilha

rigorosa que é a exclusão social, mas reintegração social.118

Na relação que existe entre a imprensa e o direito e processo penal, um dos

fenômenos mais significativos é a reprodução, perpetuação, em larga escala, de certos

sinais pré-existentes na sociedade, com carga axiológica negativa própria, distintivos

de algumas pessoas vítimas de exclusão de um grupo social, no caso, para a figura

daqueles que estão submetidos à jurisdição. Estes sinais são conhecidos como

estigmas. Sobre o assunto o autor Bacila conceitua estigma como um sinal ou marca

que alguém possui, que recebe um significado depreciativo.119

117

FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva,1997. p. 06-07. 118

Ibid., p. 07. 119

BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: Um Estudo sobre os Preconceitos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p. 24.

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Os estigmas funcionam como mecanismos decisivos no ato de interpretar e

aplicar a norma. O autor Bacila salienta que:

Contendo um aspecto objetivo, que é a marca (sexo, condição social, defeito físico, religião, etc.), e outro subjetivo (valoração negativa ou depreciativa), o estigma fere a igualdade entre as pessoas e a aplicação do direito. Logo, os estigmas podem ser vistos como meta-regras que afetam o exercício de toda a população na interpretação das regras penais.

120

Se o acusado é foco da atividade jornalística da imprensa, goza de algumas

dessas atribuições, tende-se a ser objeto de um pré-julgamento pela sociedade com

base na valoração depreciativa que acompanha tais sinais, o que ocasiona a exclusão,

a neutralização. Afinal, o estigma não deixa de representar uma forma de neutralizar o

inimigo, isto é, quando estigmatiza alguém, diminui-se artificialmente o valor da pessoa.

O mecanismo ganha amplitude quando da publicidade do processo penal, vez

que facilita esta separação, diferenciação que ocorre entre os possíveis transgressores

da norma e aqueles que cumprem a norma, de forma que o juízo de valor ultrapassa a

esfera sancionadora para a esfera particular, o que estigmatiza os alvos.121

A imprensa ao veicular os acusados de práticas sancionadas penalmente, os

meios de comunicação, tanto ocasionalmente quanto voluntariamente, estabelecem

estereótipos discriminatórios. O próprio uso de palavras como réu, acusado, indiciado,

suspeito, passam a carregar sinais em si mesmos, tornando-se “lugares-comuns” na

atividade processual do Estado geradora da condenação.

Tal fenômeno tende a negação dos acusados, quando não ocorre uma saliente

transformação simbólica da pessoa do acusado em um monstro, baseada na visão

maniqueísta da imprensa, dramatizada, o que lhe formaliza como o inimigo da

sociedade a ser combatido.122

Esta discriminação negativa importa em políticas criminais diferentes para os

estigmatizados, espécies abrasileiradas da política criminal “tolerância zero”, além de

rigores maiores, encontrados na interpretação da norma penal e/ou processual penal,

para concessão de benefícios ao acusado.123

120

BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: Um Estudo sobre os Preconceitos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p. 19. 121

Id. 122

Ibid., p. 43. 123

BATISTA, Nilo. Novas Tendências do Direito Penal. vol. I. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Renavan, 2004. p. 45.

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A veiculação e exploração dos estigmas por parte da imprensa é o

direcionamento e seletividade da atividade policial discricionária, nas palavras do autor

Bacila:

[...] Como a polícia não pode atender nem de longe à demanda da criminalidade real, ela seleciona as pessoas que estão vulneráveis. Este é um filtro mais importante envolvido com a cifra oculta: o descobrimento ou não do fato, a atitude da polícia e a atitude da pessoa da vítima. Não há uma categoria especial de pessoa que prática delitos, mas há pessoas que são selecionadas, por serem mais vulneráveis.

124

Portanto a idéia de estigmatização, correlacionada com a decorrente criação de

uma parcela da população selecionada e, mais vulnerável à polícia, implica na

existência, conseqüentemente, de segmentos da sociedade mais sujeitos ao cárcere

do que outros. Fato este que contribui para um circulo vicioso em que os estigmas são

recriados em si próprios.

Moretzsohn afirma que:

E assim vão se consolidando as metáforas biológicas do discurso higienista, que expressam a naturalização dos conflitos sociais, simplificados a partir de estereótipos (bandidos” versus “cidadãos de bem”) que reproduzem o senso comum a respeito e deixam ilesa a estrutura radicalmente segregadora e violenta da própria sociedade que produz o crime e a exclusão.

125

2.6.4 Formação da Opinião Pública

Os meios de comunicação de massa gozam de um nível privilegiado com

relação à opinião pública, o autor Bourdieu analisa a questão:

A televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população. Ao insistir nas variedades, preenche-se esse tempo raro com vazio, com nada ou quase nada, afastam-se as informações pertinentes que deveria possuir o cidadão para exercer seus direitos democráticos.

126

Além de poder interferir nos reais significados da opinião pública, a imprensa

substitui aqueles legitimados socialmente para manifestar e, porque não dizer formar, a

124

BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: Um Estudo sobre os Preconceitos. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p. 07-08. 125

MORETZSOHN, Sylvia. Imprensa e Criminologia: O Papel do Jornalismo nas Políticas de Exclusão social. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p. 19. 126

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. p. 23.

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opinião pública de um determinado grupo. Bourdieu analisou este comportamento dos

meios de comunicação com relação ao universo político (eleitores) concluindo que:

[...] a imprensa, sobretudo a televisiva (e comercial), age no mesmo sentido que a pesquisa de opinião, com a qual ela própria deve contar: embora pode servir também de instrumento de demagogia racional tendente a reforçar o fechamento sobre si do campo político, a pesquisa de opinião instaura com os eleitores uma relação direta, sem mediação, que descarta todos os agentes individuais ou coletivos (tais como os partidos ou os sindicatos) socialmente delegados para elaborar e propor opiniões constituídas; ela despoja todos os mandatários e todos os porta-vozes de sua pretensão (partilhada pelos grandes editoria listas do passado) ao monopólio da expressão legítima da opinião pública e, ao mesmo tempo, de sua capacidade de trabalhar em uma elaboração crítica (e por vezes coletiva, como nas assembléias legislativas) das opiniões reais ou supostas de seus mandantes.

127

A construção da opinião pública, por meio dos meios de comunicação de

massa, acaba por se dar de uma forma de impossibilita o questionamento, limitando o

processo de comunicação, ora autora Vieira indaga que:

E como se constrói a opinião pública na sociedade? Os receptores das mensagens da mídia ao são parceiros de um processo de intercâmbio comunicativo recíproco, mas participantes de um “processo estruturado de transmissão simbólica.” Os meios de difusão maciça, imprensa, rádio, televisão, e outros, são meios de informação ainda unilateral, chamados sem razão de „comunicação‟ (que supõe retorno, encontro, feedback).”

128

A opção dada aos destinatários da informação não é criar uma convicção

própria, mas tão somente escolher pelas possibilidades de escolha previamente

selecionadas e impostas pelos veículos de comunicação, o que transforma qualquer

manifestação coletiva, opinião pública, numa falácia. Em suma, o jogo retórico dos

meios de comunicação em massa que produz um discurso auto-sustentável.

A imprensa, após selecionar um fato que entende por ser mais relevante,

transforma-o em acontecimento procurando chamar a atenção do grande público:

comenta-o detalhadamente, classifica e julga os autores do crime, e a opinião pública

reage exigindo a condenação, como forma de justiça. Interagindo, o meio informativo

divulga a opinião pública, exigência de justiça por ela mesma incitada, contra o infrator

da lei.129

127

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. p. 115. 128

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 54. 129

Ibid., p. 58.

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Quanto ao paradoxo da imagem da criminalidade e opinião pública utilizado

pela mídia na fundamentação do discurso da criminalização mais severa, a autora

Vieira afirma que:

Logo, se imagens da realidade produzem efeitos reais, então seria desnecessário agir sobre a realidade para produzir resultados concretos, porque ações sobre a imagem da realidade seriam suficientes para criar efeitos reais na opinião pública, por exemplo, ações sobre a imagem da criminalidade tem sido suficientes para criar efeitos reais de alarme social, necessário para campanhas de lei e ordem desencadeadas com o objetivo de ampliar o poder político e legitimar a repressão penal, em épocas de crise social.

130

A formação da opinião pública por parte da imprensa impõe a acepção dos

valores ditados pelos meios de comunicação, situação esta agravada pelo fato de que,

por vezes, os destinatários da informação não têm outras fontes de informação para

fazer um juízo de valor sobre a notícia recebida.

2.7 OS MEIOS E CONSEQÜÊNCIAS DO PROCESSO LEGISLATIVO MOVIDO

PELOS INTERESSES EXTERNOS AO DIREITO PENAL

Há mais de uma década, a legislação penal brasileira praticamente só sofreu

alterações diretamente ligadas aos assuntos explorados pela mídia, em grande escala.

Na opinião de René Dotti, fatores externos às ciências jurídicas, determinam como

deve ser a lei penal no Brasil. A legislação do “pânico”, ou do “terror”, como prefere

chamar o professor, revela um Direito Penal fora de controle.

Não obstante as múltiplas e fecundas atribuições do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e a qualificação acadêmica e científica de vários de seus integrantes, o trabalho do órgão vem sendo sistematicamente boicotado em duas frentes: a) pelas intercorrentes e autônomas iniciativas de uma legislação pontual, oriunda de outros setores do próprio Governo, da pressão de grupos sociais e do Congresso Nacional, todos envolvidos num combate virtual da criminalidade astuciosa e violenta com uma legislação de conjunto; b) pela falta de uma liderança intelectual à frente do Ministério da Justiça, ocupada nas duas últimas gerações por políticos que, evidentemente, não têm mérito intelectual e muito menos currículo específico para administrar com sensibilidade e competência as questões do sistema penal.

131

O motor do processo Legislativo tem algumas peças: os grupos econômicos

privilegiados, o objetivo eleitoreiro dos parlamentares e da administração federal, a

sociedade civil organizada – ONG‟s, Comissões de Direitos Humanos, sindicatos e

130

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 87. 131

DOTTI, René Ariel. A Crise do Sistema Penitenciário. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/depen/pdf/renedotti.pdf p .1>. Acessado em: 20 set. 2012.

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centrais sindicais, movimentos dos excluídos, entre outros, além da Igreja e da mídia.

Todos estão unidos em torno de um objetivo, que é a redução dos índices de

criminalidade. Ao mesmo tempo, todos estão dominados pela crença de que a violência

da sociedade deve ser combatida pela violência da lei.

Sempre que um crime choca a sociedade brasileira, o Estado edita leis penais

mais rígidas para “acalmar os ânimos” do povo. Como se o fenômeno da violência não

fosse, em parte, fruto da omissão e incompetência dos poderes públicos. A

criminalidade “tem raízes muito mais profundas que uma análise rápida pode expor: a

problemática social, a perspectiva de ascensão célere no meio marginal, impensável

com o dispêndio de trabalho honesto, a excessiva procura por drogas, a ganância, o

desprezo pelas gerações futuras, tudo produzindo o crescimento desordenado da

marginalidade, em contraposição às dificuldades do Estado em preservar a segurança

dos cidadãos, seja pelo não aparelhamento e pela má remuneração daqueles dela

encarregados, como pela visão míope do problema.”132

Partindo do estudo dos aspectos externos e internos à mídia que determina a

publicação de determinados assuntos, com mais ou menos atenção na imprensa, e do

papel de interlocutora de interesses econômicos e políticos que a mesma assume

como legitimadora de idéias que resultam em leis penais cabe a abordagem sobre

como, na década de 90 e hodiernamente, o processo aconteceu, na prática. Um

excelente exemplo é a Lei de Crimes Hediondos.

2.8 O DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – A RESPOSTA NA ÚLTIMA

DÉCADA

2.8.1 Roberto Medina, Daniela Perez, Candelária e Nardoni

Em primeira análise, a Lei de Crimes Hediondos fez cumprir um mandamento

constitucional:

Art.5º. ... XLIII - a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes de drogas afins, o terrorismo

132

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas Alternativas: Comentários à Nova Lei 9.714, de 25 de novembro de 1.998, que altera dispositivos do Código Penal. Curitiba: Juruá, 1.999. p. 179.

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e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os

executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.133

O termo “crime hediondo” foi inovado pela Constituição Federal de 1988, que

determinou o tratamento penal mais severo a algumas espécies de crimes, tais quais a

tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e os definidos como crimes

hediondos. Os três primeiros são assemelhados aos crimes hediondos, por serem

insuscetíveis de anistia e graça, além de serem inafiançáveis.

Na redação original da Lei 8072/90 foram considerados crimes hediondos o

latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e na forma

qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte,

envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado

pela morte, genocídio, tentados ou consumados.

O que motivou a edição da lei, originalmente, foi a onda de seqüestros que fez

vítimas como o diretor do Bradesco, Beltran Martinez; o publicitário Luiz Salles; o

empresário Abílio Diniz, do grupo Pão de Açúcar; e o publicitário Roberto Medina, do

Rock‟n Rio, irmão do Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Rubens Medina. Face à

repercussão de seqüestros na mídia e à pressão popular, o legislador editou, “a toque

de caixa”, a Lei de Crimes Hediondos, que hoje é questionada duramente pela

doutrina, como será abordado a adiante com o auxílio da Lei 11.464 de março de

2.007, que dá redação ao art. 2º da Lei nº 8.072/90, que relata sobre os crimes

hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal.

O interesse direto na Lei 8.072/90, no ato de sua edição, era de um grupo

economicamente favorecido, atordoado face aos seqüestros registrados pela imprensa,

que atuou como legitimadora da reivindicação restrita a uma classe social que, nem de

longe, representa a maioria da população. O objetivo de empresários e políticos, que

se tornaram alvo de seqüestradores, era coibir a prática do crime, barrar a violência

urbana, prevenir novas ocorrências semelhantes.

O legislador, obviamente, estava consciente de que a lei não atenderia à

reivindicação. Contudo, a resposta mais rápida foi a edição de leis.

O que, em verdade, gerava esta postura ideológica? De um lado, o medo difundido, pelos meios de comunicação social, de que a comunidade, como

133

BRASIL. Constituição Federal do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 set. 2012

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vítima dessas ações criminosas, não teria mais possibilidade de dominá-las, de refreá-las. De outro, a desconfiança generalizada de que os órgãos institucionalizados de controle não tinham mais capacidade de reagir, presos às complicações de suas engrenagens, amarrados à sua própria burocracia, incapazes, portanto, de responder, pronta e imediatamente, às ações delinqüências.

134

Na opinião do professor João Garcez Ramos, a Lei de Crimes Hediondos “foi o

fruto inequívoco da pressão de órgãos de comunicação de massa, concessões de

serviço público titularizadas por indivíduos de alto poder econômico e político, que se

viram, nem determinado momento, atormentados pela idéia de virem a ser vítimas de

crimes patrimoniais violentos, sobretudo a extorsão mediante seqüestro.”135

A cobertura do seqüestro do empresário Roberto Medina, no dia 6 de junho de

1990, não durou os 16 dias em que ele ficou em cativeiro. Os brasileiros

acompanhavam passo a passo, pelos jornais, revistas, rádio e televisão, o extermínio

dos integrantes da quadrilha. Duas semanas depois do sequestro, Maurinho Branco foi

morto pela Polícia Federal. Dos outros 17 envolvidos, 15 também foram mortos, ou nos

presídios ou depois de sair da cadeia. Dois ainda estão presos, cumprindo pena.

Onze anos depois, o seqüestro do empresário ainda rendeu uma entrevista de

destaque na Revista Época.136 Roberto Medina contou o terror vivido em cativeiro, o

sofrimento dele e da família, prolongado por anos. “Medina acompanhou o fim de cada

um dos seqüestradores pelos jornais. Mentor do crime, o professor de educação física

Nazareno Tavares, ex-instrutor do general João Figueiredo e do ex-governador Moreira

Franco, foi assassinado em 1.997, ao deixar o presídio em que cumpria pena em

regime semi-aberto.” É inevitável que ele, como vítima, passe o resto de seus dias

tomado pelas lembranças da violência e pelo sentimento incontrolável de vingança.

Qualquer ser humano sentiria o mesmo. Contudo, a sociedade brasileira, como um

todo, viveu, de longe, as amargas experiências do empresário. A mídia teve papel

fundamental na “contaminação”da opinião pública.

A reportagem da revista Época uniu o relato do empresário do Rock‟n Rio a

outros episódios de seqüestros, que aconteceram depois da edição da Lei dos Crimes

Hediondos. O banqueiro Sérgio Bezerra de Menezes foi sequestrado no fim de 2.001.

O executivo disse que enquanto estava no cativeiro “só tinha noção do que estava

134

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sobre a lei 8072/90. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 35. 135

RAMOS, João Gualberto Garcez. Textos Selecionados: A inconstitucionalidade do Direito Penal do Terror. Curitiba: Juruá,1991. p.40. 136

NOGUEIRA, Paulo. Silencie por medo. Época, Rio de Janeiro: Globo, n. 190, 07 jan. 2002. n. 190. p. 16.

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acontecendo quando os carcereiros ligavam a TV para assistir ao Cidade Alerta, com

Luiz Datena, da Rede Record, o que ocorria todos os dias” O banqueiro ainda declarou

à revista: “esse programa policial é o Jornal Nacional dos bandidos. É assim que eles

se informam sobre os crimes praticados na cidade.”

Não bastasse o engano Legislativo da edição da Lei dos Crimes Hediondos, o

legislador repetiu o erro e alterou a lei para atender à reivindicação do povo brasileiro

noveleiro e profundamente envolvido com drama da escritora Glória Perez. A Lei

8930/94 incluiu o homicídio qualificado ao rol de crimes hediondos, depois de uma

campanha conduzida pela novelista, mãe da atriz global assassinada no dia 28 de

dezembro de 1.992, Daniela Perez, e conseguiu mais de um milhão e trezentas mil

assinaturas em projeto de lei de iniciativa popular.

A cobertura jornalística e pseudojornalística da morte de Daniela Perez foi

recorde. No dia 29 de dezembro de 1.992, a notícia de renúncia do então presidente

Fernando Collor de Mello foi ofuscada pelas manchetes dando conta do assassinato.

Nos jornais mais populares, as manchetes, facilitavam a informação para os milhões de

brasileiros viciados nas novelas globais: “O Bira matou a Yasmim” A ficção e a

realidade ficaram embaralhadas. O autor Guilherme de Pádua, que interpretava o

personagem Bira na novela “De corpo e Alma”, escrita pela mãe da atriz, confessou o

assassinato no dia seguinte: O corpo da atriz foi encontrado com várias perfurações

num matagal da Barra da Tijuca.137

Todos os passos da investigação policial, da instrução processual e do

julgamento foram manchete nos jornais impressos e na televisão. Na semana anterior

ao julgamento de Paula Thomaz, a mulher do ator e co-autora do homicídio doloso, a

Revista Manchete escolheu como destaque de capa: “Guilherme de Pádua e Paula

Thomaz – a hora da justiça: mãos unidas no casamento, antes do assassinato de

Daniela Perez”.138 Condenada a 18 anos e 6 meses de prisão, Paula Thomaz foi

recebida do lado de fora do 1º Tribunal do Júri, no Rio de Janeiro, por uma multidão

enfurecida, que gritava: “assassina, assassina”! A sentença foi aplaudida pela platéia.

Guilherme de Pádua foi condenado a 19 de reclusão. A audiência de

julgamento, também no 1º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, demorou 44 horas. Do

137

REDE CBN. Disponível em: <http://www.cbncuritiba.com.br/index.php?pag=noticia&id_noticia=15974&id_menu=41.> Acessado em: 22 set. 2012. 138

SILVEIRA, Joel. A hora da Justiça: mãos unidas no casamento, antes do assassinato de Daniela Perez. Rio de Janeiro: Manchete, 24 ago.1996. n. 2316. p. 12.

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lado de fora, populares faziam um protesto exaltado, pedindo os rigores da justiça,

como foi mostrado no jornal da Rede Record de televisão. A manchete foi a seguinte:

“Protestos, a confusão e revolta no julgamento de Guilherme de Pádua, acusado, junto

com a ex-mulher Paulo Thomaz, pela morte da atriz Daniela Perez, assassinada em

dezembro de 1.992, Guilherme acusou a ex-mulher pela morte da atriz.”139

Sete anos depois do crime, no dia 04 de novembro de 2.001, o programa

Domingão do Faustão, a TV Globo, abriu um generoso espaço para a novelista Glória

Perez. Ela apresentou ao público uma fita cassete com a suposta voz de Guilherme de

Pádua dizendo que a atriz Daniela Perez foi morta porque Deus permitiu e que ela

estava melhor que nós. Indignada com a declaração, a escritora conseguiu a

solidariedade de quem estava na platéia e do número considerável de telespectadores,

que puderam resgatar o ódio e a sede de vingança já quase esquecida.140

A notícia do momento no Brasil era a concessão de liberdade condicional ao

ator-assassino. Pouco mais de uma semana depois, no dia 12 de novembro de 2001, a

Rede TV, mostrou um vídeo no qual Daniela Perez e Raul Gazzola ensaiavam passos

de dança para um futuro show, e no fundo a voz da apresentador Sônia Abraão,

emocionada, lamentava pelos sonhos brutalmente interrompidos pelos assassinos. No

mesmo dia, à noite, o programa de Hebe Camargo, no SBT, abordou o tema, sempre

com a enfática afirmação da apresentadora de que, mesmo conseguindo o indulto, ela

sempre chamaria Guilherme de Pádua de “assassino, assassino!”.

Superada a revolta coletiva com o livramento condicional de Guilherme de

Pádua, o Brasil “veio a baixo” de novo com a notícia da concessão do indulto

presidencial da pena do ator. Com base no Decreto Presidencial nº 3.226, de

29/10/1999, que concede, no item IV do art. 1º, o indulto da pena ao “condenado à

pena privativa de liberdade superior a seis anos, pai ou mãe de filho menor de doze

anos de idade incompletos até 25 de dezembro de 1.999 e que, na mesma data, tenha

cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente.” Guilherme

de Pádua, conseguiu o perdão. Ele preenchia todos os requisitos da lei.

Mais uma vez, uma avalanche de textos indignados na mídia. Na versão on-

line do jornal Correio da Bahia,141 do dia 02 de fevereiro de 2.002, a jornalista Renata

139

AGÊNCIA BRASIL. Disponível em < www.radiobras.gov.br/sionopses.html>. Acessado em: 23 set. 2012. 140

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. Disponível em: <www.observatorio.com.br>. Acessado em: 23 set. 2012. 141

CORREIO DA BAHIA. Disponível em: < www.correiodabahia.com.br>. Acessado em: 23 set. de 2012.

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Matos escolheu o título “Legislação tolerante” para a reportagem sobre o assunto. O

texto começa assim:

“Indignação e revolta. Estes são os sentimentos da escritora Glória Perez, quase dez anos após a morte da filha (...) Depois de muita luta para ver atrás das grades os assassinos confessos de sua única filha, a autora da novela “ O Clone”, da Rede Globo, sofre com a libertação de Paula, que teve sua pena extinta, e com a possibilidade de livramento também de Guilherme, que já desfrutava de liberdade condicional.”

A título de curiosidade, o site do Correio da Bahia tem uma sessão de

participação dos leitores on-line. Entre algumas das participações, sobre o indulto

presidencial do ator está o da aposentada Anásia Moreira, de 53 anos: “É uma injustiça

Paula Thomaz ser solta. Ela tem que pagar pelo crime hediondo que praticou e não

ficar livre novamente como se nada tivesse acontecido”. O autônomo Araquem

Sampaio, de 41 anos, também opinou: Eu acho que os crimes dos país não podem

ficar impunes. Temos que nos unir para mudar a legislação. As pessoas não podem ter

simplesmente suas penas suspensas e deixar que tudo termine em pizza, porque vai

acabar contribuindo para que outros crimes aconteçam.” A aposentada Miltra da Silva,

de 70 anos, conclui o rol de opiniões: A legislação do Brasil deveria ser mais severa

com quem prática crimes bárbaros e de grande violência, como este ocorrido com a

atriz Daniela Perez. Já está na hora do país adotar a prisão perpétua e parar de

conceder tantos benefícios para criminosos. Quem matou tem que passar o resto da

vida na cadeia.”142

Certamente as opiniões disponíveis no site do jornal são apenas uma

amostragem do que pensa a maior parte do povo brasileiro. Aí cabe uma rápida

reflexão. Não é apenas e tão somente para que os índices de criminalidade diminuam,

que a opinião pública pressiona a edição de leis penais mais rígidas. Esse é o interesse

de grupos de poder que estão por trás da escolha dos assuntos que são abordados

pela imprensa de credibilidade e acabam definindo as coberturas pelos programas de

auditório, de entrevistas também os policiais sangrentos. Porém, ainda que

inconscientemente, o anseio do povo não é pela prevenção da violência, é pela

punição exemplar (vingança).

Observação posta, segue a análise da Lei de Crimes Hediondos. Note-se que a

Lei de 94 inclui no rol dos crimes hediondos, além do homicídio qualificado (artigo 121§

142

Id.

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2º, I, II,III,IV, e V), também praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda

que cometido por um só agente.

No dia 23 de julho de 1993, oito menores, com idades entre 10 e 17 anos,

foram executados enquanto dormiam ao lado da Igreja da Candelária, no Rio de

Janeiro. Não havia grupo de interesse por trás desta notícia, já que as vítimas eram de

rua, que, para as classes mais favorecidas e a própria classe média, só se prestam a

pedir esmolas, drogar-se e roubar. Mas o episódio teve ampla cobertura da imprensa.

Um mês depois, no dia 28 de agosto de 1.993, um grupo de 50 policiais armados

invadiu a Favela de Vigário Geral, atirando, em represália a uma emboscada quando

quatro policiais foram mortos. Vinte e uma pessoas morreram, entre elas 13 homens, 6

mulheres e 2 adolescentes. Eram todos trabalhadores sem antecedentes criminais.

Envergonhado e pressionado pela mídia e as entidades de defesa dos direitos

humanos, o Estado “passou a bola” mais uma vez para o legislador, que tratou de

incluir os crimes semelhantes à lista dos hediondos.143

Outra alteração na Lei 8.072/90 foi inclusão da falsificação,

corrupção,adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art.273,

caput e §1º A e B, com redação dada pela Lei 9.677/98), além do crime de genocídio

(Lei 2889/56 art. 1º, 2º, 3º). O escândalo das pílulas de farinha do Laboratório Schering

do Brasil, que deveriam ser comprimidos anticoncepcionais da marca Microvlar, foi o

ponto de partida para uma série de denúncias sobre a comercialização de

medicamentos falsificados. A Vigilância Sanitária tirou o anticoncepcional de circulação

em 1.998. No mesmo ano, a lei já previa a falsificação como crime hediondo.

A própria Lei de Crimes Hediondos virou destaque nos jornais, revistas, rádio e

televisão. O debate demonstrou a dificuldade da discussão sobre temas de Direito

Penal, quando a intenção dos juristas é alterar a lei com base nos princípios

constitucionais, no estudo das diretrizes da Política Criminal no Brasil e na visão da

doutrina sobre a legislação. O ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que propôs a

revisão da lei e abriu o debate nos quatro cantos do país, recorreu a um fato específico,

na tentativa de legitimar a sua tese. Deixando de lado a discussão sobre o princípio da

individualização da pena, ele argumentou, em inúmeras entrevistas, que a revisão seria

a única saída para o caos no sistema penitenciário. Entretanto, não deve-se rejeitar o

143

MORAES, Alexandre. Seminário Nacional da Segurança e a Análise dos Crimes Hediondos. Revista

da Secretaria da Justiça de São Paulo, São Paulo, p. 12.

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fato deque a Lei de Crimes Hediondos provocou a superlotação carcerária, as rebeliões

e as fugas em massa.

De qualquer forma, a estratégia do ministro não deu certo. A imprensa

repassou a informação como quis. A Folha de São Paulo, que deu cobertura diária ao

assunto, noticiou, em tom de crítica: “O ministro da Justiça defendeu a revisão da Lei

como forma de aumentar as vagas nos presídios, já que, com a progressão de regime,

os presos passariam menos tempo encarcerados.”144 O Estado de São Paulo deu

destaque ao debate, com a manchete “Fim do crime hediondo libertará milhares de

presos”.145 Na mesma linha, o jornal Gazeta do Povo divulgou: “Crime hediondo:

mudança na lei penal pode beneficiar dois mil presos no PR.”146 Para acompanhar a

reportagem principal da página, o jornal publicou um quadro ilustrado, com gráficos

didáticos para que o leitor tivesse idéia do número de presos que poderiam ser

colocados em liberdade. O quadro mostrou que “um a cada quatro dos 7,9 mil presos

no Paraná responde por um crime hediondo”. Também mostrou que 50,6% estão

presos por tráfico de drogas, 21,8% por latrocínio, 13,6% por estupro, 9,8% por

atentado violento ao pudor, 2,3% por seqüestro e cárcere privado e 1,9% por extorsão

mediante seqüestro.147

Na mídia, pouco se falou sobre a discussão acerca da (in)constitucionalidade

da lei, a função ressocializadora da pena, a política criminal de prevenção da

criminalidade, entre outros temas já abordados por diversos autores, desde a edição da

referida lei. Em 1.994, o professor Alberto Silva Franco escreveu: “Os sinais

antiliberais, detectados na Lei 8.072/90, não constituem novidade: são reiterações de

velhos agravos tendentes a destruir o arcabouço de um direito penal construído tão

sofridamente nos últimos séculos e a suprimir garantias processuais já incorporadas na

vida do cidadão.(...) É mister, portanto, que se denuncie com eloqüência, esta postura

ideológica que representa um movimento repressivo, quer no direito penal, quer no

direito processual penal, quer ainda na própria execução penal.”148

144

LIMA, Daniela. Ministro de Justiça defende progressão de regime em crimes hediondos. Folha de São Paulo. São Paulo, 20 ago. 2004. p. 6. 145

BRASÍLIA, Mariângela Gallucci de. Fim do crime hediondo libertará milhares de presos. O Estado de São Paulo. São Paulo, 20 ago. 2004. Caderno Brasil. p. 4. 146

VOITCH, Guilherme. Mudança na lei penal pode beneficiar dois mil presos no Paraná. Gazeta do Povo. Curitiba, 21 ago. 2004. Folha Brasil. p. 2. 147

Id. 148

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: notas sobre a Lei 8.072/90. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 54.

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Vários autores denunciaram, como propôs o professor. No entanto, entre os

legisladores e os membros do Executivo, faltou coragem para assumir a postura

contrária diante da opinião pública. Quando era ministro da Justiça, no governo FHC,

Nelson Jobim, atual presidente do STF, chegou a enviar ao Congresso um projeto de

lei autorizando a progressão do regime, mas o governo o retirou após a ocorrência de

dois seqüestros de grande repercussão.

Alberto Silva Franco previa também a dificuldade de enfrentar a pressão da

mídia: “Se, esta involução não for decididamente contraria, não será aventuroso

predizer que, para justificar, em breve voltarão a ouvir vozes da doutrina a prevenirem

dos perigos de uma exasperação das garantias pessoais, (...). Mas não basta a

denúncia da postura autoritária. É necessário o seu desmonte implacável. E isto poderá

ser feito, sem dúvida, pelo próprio juiz na medida em que, indiferente às pressões dos

meios de comunicação social e à incompreensão de seus próprios colegas, tenha a

coragem de apontar as inconstitucionalidades e as impropriedades contidas na Lei

8.072/90.”149

De fato, a revisão da Lei de Crimes Hediondos, que em 1992 teve como únicos

defensores, no STF, os ministros Marco Aurélio Mello e Sepúlveda Pertence; acabou

provocando um grupo maior dentro do Supremo 12 anos depois. Em 2004, os ministros

Nelson Jobim, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso não temeram a opinião pública e

assumiram, perante a mídia nacional, sua posição favorável à revogação do dispositivo

que impede a progressão de regime para os presos condenados por crimes

considerados hediondos.

A cobertura televisiva do crime cometido pela família Nardoni gerou enorme

repercussão de cunho social, através do uso indiscriminado do sensacionalismo da

mídia. Vejamos, o depoimento de Glória Perez:

Na noite de 27 de março de 2010, em entrevista à Globo News, no momento da leitura da sentença que condenou Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pela morte da menina Isabella Nardoni. Ela acompanhou o julgamento do casal na platéia do plenário do Fórum de Santana, na Zona Norte de São Paulo. “Foi muito bonita a hora da sentença, porque, da sala do júri, a gente

ouvia o público gritando e os fogos explodindo”, disse. (Grifo nosso) Gloria acompanhou a leitura da sentença de mãos dadas com a família da mãe de Isabella, a bancária Ana Carolina de Oliveira. Enquanto o juiz Maurício Fossen lia a decisão, fogos de artifício estouravam do lado de fora do prédio. “Aquelas pessoas que estavam ali não eram apenas curiosos, eram

149

Ibid., p. 53-55.

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pessoas com sede de justiça, carregando cartazes pedindo justiça.” (Grifo nosso).

150

A mídia reproduz estigmas nos jurisdicionados, que causam a revolta popular,

de acordo com a concepção de Bourdieu:

Contribuem para o sensacionalismo pelo menos quatro fatores: a) a definição de temas (pautas), b) a intensidade emocional adotada, c) a exploração artificialmente prolongada de fatos escandalosos e, d) a natureza das emoções do público que se pretende manipular. Uma coisa é manipular a compaixão perante o próximo em prol de causas filantrópicas, por exemplo, outra, muito diferente, é manipular o medo, a revolta ou a ira, quando não a morbidez, como é comum acontecer em reportagens policias.

151

Portanto, evidencia-se que o sensacionalismo acaba por contribuir com a

estigmatização das pessoas selecionadas pelo sistema e que tal mecanismo se perfaz

pela intensidade de emoção utilizada nas reportagens e principalmente pela exploração

dos fatos escandalosos.

150

GLOBO NEWS Disponível em: <http://tudoglobal.com/blog/noticias-24-horas/37911/caso-nardoni-gloria-perez-fala-do-julgamento.html.> Acessado em: 23 set. 2012. 151

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. p. 56.

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3 conclusão

A manipulação dos meios de comunicação no processo penal brasileiro é

evidente. O estudo e a descoberta dos fatos e autores de um crime cabem ao Estado,

respectivamente, à polícia judiciária e à justiça criminal, então a tentativa da mídia de

se sub-rogar nestas funções é ilegítima, e por isso, não há que se justificar suas ações

exteriores à difusão da informação com base na liberdade de informação. Tal liberdade

existe com limitações, expressas nas garantias, direitos e princípios que estão

expostos no ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, a imprensa, além de suprir os direitos e garantias constitucionais

dos jurisdicionados, bem como ferir os princípios do processo penal, influencia

diretamente e indiretamente o processo criminal. Diretamente, eis que a mídia atinge o

andamento de persecuções penais, como por exemplo, o incentivo à legislação

emergencial, anomalia da prisão preventiva e formulação de provas ilícitas e

indiretamente nos casos de discursos propagados, tais como necessidade de norma

penal mais rígida, com a utilização da linguagem sensacionalista, o modo como se

dirige a notícia aos telespectadores, propagação de estigmas, formação da opinião

pública.

O objetivo da pesquisa foi expor algumas das mais relevantes formas

intervenientes no processo penal, principalmente, a manipulação da mídia, como

exaustivamente relatado durante a evolução monográfica.

Tal manipulação ficou exposta em dois momentos. O primeiro na atuação

legislativa e o segundo no processo penal de casos divulgados na mídia.

Nesse primeiro momento, nota-se que não há a menor perspectiva de

alterações eficazes nas áreas defeituosas do sistema penal brasileiro. Diante desta

realidade, o governo aprendeu a usar a lei para driblar a pressão popular por soluções

para a criminalidade. A conduta mais direta e amplamente adotada pelo legislativo é

editar leis, ele próprio, as leis penais que podem “calar”, pelo menos por algum tempo,

a opinião pública, diante do descontrole da violência.

De qualquer maneira, em um contexto de crise, que engloba o desemprego, a

miséria, a falta de acesso à educação, a precarização do trabalho, a edição de leis

penais mais severas não resolve o problema da violência. A lei, sozinha, não impede

que o indivíduo opte pelo crime.

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No segundo momento, durante a instrução criminal, vê-se a atuação dos

instrumentos utilizados pela mídia para impressionar o público, como o

sensacionalismo e a estigmatização. É através do apelo emocional e da manipulação

das informações escandalosas que se alcançam altos índices de audiência e promove-

se, em alguns casos, a pré criminalização dos suspeitos, violando plenamente os

princípios consagrados constitucionalmente, como o da inocência e do devido

processo.

Assim, o discurso político legislativo, em lugar de racionalizar os problemas,

utiliza-se da mídia, e provoca a inflação legislativa e abusa de recursos demagógicos.

De igual modo, a busca por lucros imediatos faz com que a imprensa se utilize dos

escândalos criminais para aumentar o número de telespectadores e leitores, os

agradando por maior tempo e formando a opinião pública. Em conseqüência, a pressão

popular influencia o andamento processual desses casos polêmicos em destaque, até

mesmo no seu julgamento.

Não se nega o poder legítimo de informar, mas a informação completa e

verdadeira, originariamente imparcial, não o que se constata nos noticiários atuais. A

comunicação tem que ser de interesse público, que estimule o debate. Que apresente

um compromisso sério com a formação, a educação e a construção da cidadania. Que

crie, utilize e valorize espaços de mídias alternativos para buscar o envolvimento da

sociedade. Uma comunicação de “mão dupla”, que interaja, que comunique a

diversidade de opiniões. Porém, essa forma imparcial de publicidade nem sempre é a

que agrada a opinião pública e aos patrocinadores.

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