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Carolyn R. Miller Angela Paiva Dionisio Judith Hoffnagel [ORGANIZAÇÃO]

Gênero Textual Agência e Tecnologia

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Trecho livre do livro de Carolyn R. Miller

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Page 1: Gênero Textual Agência e Tecnologia

Carolyn R. MillerAngela Paiva DionisioJudith Hoffnagel[organização]

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Parábola Editorial

Editor: Marcos Marcionilo

Capa E projEto gráfiCo: Andréia Custódio

imagEm da Capa: 123rf/ Volodymyr Grinko

rEvisão: Karina Mota

ConsElho Editorial: Ana Stahl Zilles [Unisinos] Angela Paiva Dionisio [UfPE] Carlos Alberto faraco [UfPr] Egon de Oliveira rangel [PUC-SP] Gilvan Müller de Oliveira [UfSC, Ipol] Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela] Kanavillil rajagopalan [Unicamp] Marcos Bagno [UnB] Maria Marta Pereira Scherre [UfES] rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP] roxane rojo [UNICAMP] Salma Tannus Muchail [PUC-SP] Stella Maris Bortoni-ricardo [UnB]

Direitos reservados àParábola Editorialrua Dr. Mário Vicente, 394 - Ipiranga04270-000 São Paulo, SPpabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263home page: www.parabolaeditorial.com.bre-mail: [email protected]

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-7934-046-8

© do texto: Carolyn R. Miller, 2012.

© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, agosto de 2012.

Editora univErsitária ufPE

rEitor: prof. anísio BrasilEiro dE frEitas dourado

viCE-rEitor: prof. sílvio romEro marquEs

dirEtora da Editora ufpE: profª maria josé dE matos luna

Comissão Editorial

prEsidEntE: Profª Maria José de Matos Luna

titularEs: Ana Maria de Barros, Alberto Galvão de Moura filho, Alice Mirian Happ Botler, Antonio Motta, Helena Lúcia Augusto Chaves, Liana Cristina da Costa Cirne Lins, ricardo Bastos Cavalcante Prudêncio, rogélia Herculano Pinto, rogério Luiz Covaleski, Sônia Souza Melo Cavalcanti de Albuquerque, Vera Lúcia Menezes Lima.

suplEntEs: Alexsandro da Silva, Arnaldo Manoel Pereira Carneiro, Edigleide Maria figueiroa Barretto, Eduardo Antônio Guimarães Tavares, Ester Calland de Souza rosa, Geraldo Antônio Simões Galindo, Maria do Carmo de Barros Pimentel, Marlos de Barros Pessoa, raul da Mota Silveira Neto, Silvia Helena Lima Schwamborn, Suzana Cavani rosas.

EditorEs ExECutivos: Afonso Henrique Sobreira de Oliveira e Suzana Cavani rosas

tradução: Ana regina ferraz Vieira, Benedito Gomes Bezerra, Edmilson de Albuquerque Borborena filho, Judith Hoffnagel (responsável) e Leonardo Mozdzenski.

rEvisão: Angela Paiva Dionisio, Ana regina ferraz Vieira, Edna Guedes de Souza, Glaucy ramos figueiredo, Karina falcone, Leonardo Mozdzenski, Normanda da Silva Beserra, Váleria Severia Gomes.

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5Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................... 11

parte I -

1. GêNeRO cOmO aÇÃO sOcIal ......................................................... 211.1. Classificando o discurso ................................................................... 221.2. Situações retóricas recorrentes ....................................................... 281.3. Teorias hierárquicas de sentido ....................................................... 321.4. Implicações ...................................................................................... 38

2. cOmUNIDaDe ReTóRIca: a base cUlTURal DOs GêNeROs ... 43

parte II -

3. blOGaR cOmO aÇÃO sOcIal: Uma aNálIse DO GêNeRO weblog 593.1. O kairós do blog ................................................................................. 62

Sumário

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6 Gênero textual, agência e tecnologia carolyn r. Miller

3.2. Definindo o blog como gênero .......................................................... 693.3. Conteúdo semântico ou substância ................................................. 703.4. Características formais .................................................................... 723.5. Ação pragmática ............................................................................. 743.6. Gêneros ancestrais: de onde veio o blog? .......................................... 773.7. Exigência e a ação social do blog ...................................................... 84

4. QUesTões Da blOGOsfeRa paRa a TeORIa De GêNeRO ........ 874.1. Introdução ....................................................................................... 874.2. Reexaminando o blog pessoal ........................................................... 914.3. Explorando o blog político ................................................................ 964.4. O discernimento de gêneros na internet .......................................... 106

parte III -

5. a escRITa NUma cUlTURa De sImUlaÇÃO: O ethos online 115

6. expertise e aGêNcIa: TRaNsfORmaÇões DO ethos Na INTeRaÇÃO seR hUmaNO-cOmpUTaDOR ................................... 137

6.1. O ethos de sistemas especialistas ...................................................... 1406.2. O ethos dos agentes inteligentes ....................................................... 1496.3. O mundo fechado como lugar de morada ........................................ 158

7. O QUe a aUTOmaÇÃO pODe NOs DIzeR sObRe a aGêNcIa? ... 1617.1. Uma experiência de pensamento ..................................................... 1647.2. Performance/performatividade ......................................................... 1707.3. Audiência/endereçamento .............................................................. 1727.4. Interação/interatividade .................................................................. 1747.5. Conclusão ........................................................................................ 177

RefeRêNcIas ...................................................................................... 179

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7Agradecimentos

Agradecimentos

Agradecemos às editoras listadas abaixo a permissão para traduzir para o português e publicar no Brasil os seguintes textos:

“Genre as Social Action”. Quarterly Journal of Speech 70 (maio de 1984): 151-167.

“Rhetorical Community: the Cultural Basis of Genre”. Genre and the New Rhetoric. Aviva Freedman and Peter Medway (orgs.). Taylor and Francis, 1994, 67-78.

“What Can Automation Tell Us about Agency?” Rhetoric Society Quarterly 37: 2 (2007): 137-157.

“Blogging as Social Action: a Genre Analysis of the Weblog”, com Dawn Shepherd. Into the Blogosphere: Rhetoric, Community, and Culture of Weblogs. Laura Gurak, Smiljana An-tonijevic, Laurie Johnson, Clancy Ratliff and Jessica Reyman (orgs.). University of Minne-sota Libraries, 2004.

“Expertise and Agency: Transformations of ethos in Human-Computer Interaction”. The Ethos of Rhetoric. Michael Hyde (org.). University of South Carolina Press, 2004, 197-218.

“Writing in a Culture of Simulation: Ethos Online”. The Semiotics of Writing: Transdiscipli-nary Perspectives on the Technology of Writing. Patrick Coppock (org.). Turnhout, Belgium: Brepols, 2001, 253-279.

“Questions for Genre Theory from the Blogosphere”, com Dawn Shepherd, in Theories of Genre and their Application to Internet Communication. Janet Giltrow and Dieter Stein (orgs.), John Benjamins Publishing, 2009, 263–290.

As OrgAnizAdOrAs

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11Introdução

Introdução

As questões que discuto nos ensaios coletados neste livro — questões sobre gênero, agência e tecnologia — surgem todas da disciplina e da tradição da retórica e nela se fundamentam.

Como prática, a retórica é tão antiga quanto a raça humana, se acreditamos com Kenneth Burke que somos “seres que, por nature-

za, respondem a símbolos” e que nossas interações uns com os outros são sempre, pelo menos em parte, instigações simbólicas para a cooperação (Burke, 1969: 43).

Como disciplina, a retórica é ao mesmo tempo antiga e bastante nova. É muito antiga porque se baseia nas tradições clássicas da Grécia e da Roma antigas e em suas discussões sobre como o uso linguístico e a persuasão afetam as relações so-ciais e políticas. É nova, pelo menos na academia de língua inglesa, porque essas discussões antigas e suas continuações em épocas sucessivas não tinham lugar no currículo até mais ou menos 40 anos atrás. Contudo, a base para esse interesse renovado e para o desenvolvimento conceitual foi dada em obras publicadas ori-ginalmente nos anos 1950 por estudiosos de linguagem e de argumentação com interesses filosóficos, como Kenneth Burke nos Estados Unidos, Stephen Toulmin na

Tradução: Judith

Hoffnagel

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Grã-Bretanha e Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca na Bélgica. Burke afirmou que “onde houver persuasão há retórica. E onde houver ‘significado’, há persuasão” (Burke, 1969b: 172); Toulmin nos mostrou que a compreensão humana é avançada não pela lógica, mas pela argumentação (Toulmin, 1958); e Perelman e Olbrechts- -Tyteca nos ensinaram que a argumentação é essencial para a liberdade humana (Pe-relman e Olbrechts-Tyteca, 1919). A retórica se concentra nos aspectos e implicações situados e endereçados (em vez de nos universais e eternos), no performativo (em vez de no filosófico) e no ético (em vez de no lógico) da comunicação, sejam orais ou escri-tos, verbais ou visuais, mediados ou diretos.

Até hoje, contudo, a disciplina da retórica não se ajusta confortavelmente ao sis-tema típico de departamentalização das instituições americanas de educação superior, e essa condição afetou seu crescimento e sua saúde, bem como sua relação com o mo-vimento internacional dos estudos de gênero. A retórica tem sido mais forte em depar-tamentos de comunicação e departamentos de inglês, embora, em ambos os casos, seja normalmente um elemento minoritário dentro de departamentos dominados pelas ci-ências sociais (no primeiro caso) e pelos estudos literários (no segundo).

Os departamentos de inglês foram desenvolvimentos do século XIX, originados do ensino das línguas clássicas e concentravam-se principalmente nas literaturas verná-culas da Inglaterra e dos Estados Unidos. Mas esses departamentos também ensinaram a escrita e a fala pública a um contingente cada vez maior de estudantes que, no século XIX, buscou a educação superior sem ter tido uma boa preparação nas escolas de nível médio. E o que é hoje reconhecido como a “renascença” da retórica começou nos anos 1960 com tais estudantes, em número crescente, incluindo os estudantes do programa governamental de entrada livre para os ex-militares do período pós-Segunda Guerra Mundial. A retórica se tornou útil como uma disciplina que podia informar e funda-mentar metas instrucionais, embora houvesse concorrência para esse papel por parte da psicologia educacional, dos estudos literários e eventualmente da linguística aplicada (contudo, como disciplina, a linguística não tem se envolvido muito com o ensino da escrita nos Estados Unidos). A retórica foi redescoberta por vários estudiosos nos anos 1960, em parte como uma fonte de inovação intelectual, e em parte como uma maneira de dar prestígio humanístico ao trabalho de baixo status da instrução básica (Crowley, 2003; Vandenberg, 2003). Devido ao crescimento das matrículas e à quase universal exigência de uma disciplina de escrita (composition) no nível universitário, oportunidades e interesses para o estudo da retórica têm crescido constantemente nos últimos 40 anos, mas a retórica é apenas uma das várias disciplinas que têm fundamentado o crescimento do ensino da escrita e o estudo das mídias populares nos departamentos de inglês.

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13Introdução

Departamentos de comunicação se separaram dos departamentos de inglês no início do século XX para ganhar autonomia em um currículo focado no discurso públi-co e na história do discurso público britânico e americano (discursos políticos e discur-sos sobre políticas públicas de líderes nacionais). Esse foco exclusivo mudou, também nos anos 1960, em resposta a mudanças nas estruturas de autoridade e legitimação durante esse período e também em resposta ao reconhecimento de que a oratória não era mais o único modo de comunicação pública influente, com os meios de comunica-ção de massa, a música popular, o protesto público e os movimentos sociais exercendo influência crescente sobre a agenda política e cultural. A primeira virada nos estudos retóricos foi a publicação, em 1965, de Rhetorical Criticism, de Edwin Black, e a se-gunda foi o Projeto Nacional de Desenvolvimento de Retórica, organizado pela Speech Communication Association, em 1970, e apoiado pelo National Endowment for the Humanities, que resultou em um importante volume de position papers. A questão cen-tral foi “qual é o esboço essencial de uma concepção de retórica útil na segunda metade do século XX?” (Bitzer e Black, 1971: v) .

O gênero tem histórias diferentes nesses dois contextos acadêmicos. Mesmo nos de-partamentos de inglês, houve duas influências no pensamento sobre gênero. Uma é o formalismo, que os estudos de composição/escrita absorveram de sua coabitação com os estudos literários, obtendo como resultado comum a redução de gênero a “modo” ou padrão organizacional. Boa parte do ensino da escrita no fim do século XIX e começo do século XX foi organizada na base desses modos descontextualizados: descrição, nar-ração, exposição e argumentação (Connors, 1981). A segunda influência foi o foco in-sistente no desenvolvimento intelectual e na instrução de estudantes adolescentes nas convenções e nos propósitos mais maduros da escrita. Esse foco na pedagogia encorajou uma compreensão de gênero mais sensível, social e retoricamente, uma vez que ajuda diretamente na compreensão e socialização do processo de aprendizagem das conven-ções discursivas coletivas. O gênero fornece uma maneira de trazer a prática social para o contexto instrucional e encoraja uma atenção cuidadosa às normas e convenções.

Se o caso paradigmático nos estudos da escrita tem sido o escritor estudante no-vato, o caso paradigmático nos estudos de comunicação tem sido o adulto experiente, normalmente em posição de poder, como, por exemplo, o presidente. O trabalho de Black desafiou os pressupostos críticos prevalentes, incluindo o uso formulaico das ca-tegorias aristotélicas, tais como os gêneros atenienses de oratória jurídica, deliberativa e epidíctica. Black argumentou que a ênfase em discursos únicos por falantes únicos restringiu a atenção sobre uma área que, de direito, pertence à retórica: “A avaliação retórica das políticas — isto é, a estimativa das relações entre... políticas e convenções linguísticas e argumentativas” (Black, 1978: 78); ele afirmou que o instrumentalismo

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crítico detalhado ofereceu nenhuma perspectiva cultural ou histórica. Black insistiu que atenção fosse dada ao que ele chamou de “congregações” de discurso que são similares quanto às situações em que ocorrem, às estratégias que empregam e aos efeitos que provocam sobre suas audiências através do tempo (Black, 1978: 133-134). Os gêneros foram entendidos por Black, e por outros que adotaram essa perspectiva, como formas culturais explanatórias que podiam tanto restringir quanto potencializar a performance de um retor particular. O trabalho mais notável nesse sentido foi a coletânea apresenta-da num congresso em 1976 sobre “‘Significant Form’ in Rhetorical Criticism”, organi-zado por Karlyn Kohrs Campbell e Kathleen Jamieson (1978). Contudo, o interesse em gênero diminuiu nos anos 1980 e 1990, em parte por causa do compromisso crítico com os modos como performances particulares produzem inovação em vez de conformi-dade, e em parte por causa da crescente influência dos métodos de estudos marxistas e culturais sobre o estudo do poder social e as práticas discursivas de grande escala.

“Gênero como ação social” foi, originalmente, o capítulo teórico da minha tese de doutorado (Miller, 1980). Nele, discuti a exigência intelectual da noção de gênero dentro do campo da comunicação oral no começo dos anos 1980. Ao reler esse ensaio depois de mais de 30 anos, vejo que muito pouco do seu contexto retórico é ainda rele-vante e também que pouco da literatura citada neste ensaio é ainda útil para se pensar gênero. Eu me imaginei falando, como realmente estava, para uma comunidade de estudiosos que parecia não estar escutando, porque naquele tempo o centro da aten-ção crítica tinha se voltado para outro lugar. Mas fui ouvida por uma audiência muito diferente — estudiosos, como Charles Bazerman, nos estudos da escrita e outros, como John Swales, na linguística aplicada, uma comunidade que eu não conhecia (Bazer-man, 1988; Swales, 1990). Mesmo assim, é bastante interessante para mim que aqui-lo que tem provado ser útil para os outros neste ensaio não são as refutações detalha-das dos detratores da crítica a gênero ou das propostas sobre a estrutura hierárquica da comunicação. Ambas me pareciam tão importantes na época, mas são realmente as posições gerais sobre gênero que o inserem nas práticas comunicativas cotidianas das comunidades discursivas. O que faz essa concepção de gênero ser especificamente retórica é seu foco em exigência como a principal força interpretativa e motivadora.

“Comunidade retórica: a base cultural dos gêneros” foi minha discussão teórica de gênero 10 anos depois. Nesse momento, eu estava começando a conhecer uma audiên-cia não prevista para a noção de gênero como ação social e tentei, nesse ensaio, conectar essa noção com parte do trabalho que vinha fazendo nesse intervalo, particularmente sobre a ideia de comunidade, que tinha se tornado um tópico de amplo interesse, par-tindo dos conceitos de “comunidade interpretativa”, de Stanley Fish (1980), de “comu-nidade discursiva”, de Patrícia Bizzell (1987) e do conceito linguístico da “comunidade

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15Introdução

de fala” (Nystrand, 1982). Mais uma vez, eu queria perguntar o que a perspectiva da retórica podia adicionar de diferente e como podemos pensar as maneiras como os gêne-ros “pertencem” a uma comunidade, como Swales disse (1990: 9). Também eu estava começando a apreciar a promessa metodológica de gênero como um conceito distinto do “nível médio” que podia fazer a mediação entre agência e estrutura, entre posições de sujeito e ideologias. Nessa posição intermediária, gênero pode se tornar não apenas poderosamente descritivo, como também verdadeiramente explicativo.

Os dois próximos ensaios aqui incluídos exploram casos mais específicos, focando a questão de como os gêneros surgem e se desenvolvem no novo meio, a internet. “Blo-gar como ação social: uma análise do gênero weblog” começa com algumas questões sobre como o weblog rapidamente ganhou o status de gênero e por que suas caracterís-ticas peculiares foram tão atrativas para tantas pessoas. De novo, se passaram 10 anos desde meu trabalho prévio sobre gênero, e eu resolvi, dessa vez, testar o sistema ana-lítico que tinha oferecido em 1984 e usado antes na minha tese. Como eu tinha pou-ca experiência com blogs, trabalhei com uma aluna da pós-graduação que podia me ajudar a explorar os mistérios retóricos da internet. Adicionamos ao quadro analítico de 1984 alguma atenção ao “kairós”, ou às qualidades do momento cultural específico que o contexto retórico fornece para o nascimento do blog, parcialmente em resposta aos desenvolvimentos de outros estudiosos sobre as conexões entre gênero e kairós (Ba-zerman, 1994; Dunmire, 2000; Schryer, 2002). São poucos os outros estudiosos de gênero, contudo, que têm de uma forma central usado o conceito de exigência, mas a análise que fizemos nesse ensaio me convenceu de que esse conceito permanece como um importante foco explanatório: ele “socializa” os conceitos de intenção e propósito, ligando motivação a convenção e expectativa. Este conceito nos permitiu, também, dar sentido aos traços enigmáticos do weblog e ligar kairós aos traços específicos de conteú-do, forma e ação que vimos lá.

Mas, antes mesmo de terminar esse projeto, demo-nos conta de que ele já estava ultrapassado, e que a mudança de gênero estava ocorrendo mais rapidamente do que podíamos descrever ou compreender. Assim, imediatamente começamos a pensar em um projeto corretivo, em uma oportunidade de ir do caso específico do blog pessoal para um caso contrastivo, o blog político. Poderíamos investigar algumas questões mais conceituais sobre a mudança de gênero: o papel do meio tecnológico no processo e o enigma de como o gênero enquanto força centrípeta, conservadora e convencional pode operar quando forças centrífugas opostas de mudança são tão fortes. Em outras palavras, como o decoro retórico do gênero pode trabalhar em um ambiente de frag-mentação pós-moderno. Outros exemplos contrastivos são tirados de trabalhos ante-riores de Jamieson: a encíclica papal e o discurso presidencial nos Estados Unidos sobre

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o estado da nação. Ambos se fundamentam em instituições de extrema duração e são exemplos de como as convenções legitimadoras deixam de mudar suficientemente. Concluímos, em parte, que o blog não é um gênero, e sim um meio, embora possa ter ocorrido que nos primeiros estágios que ele tenha sido um gênero, quando gênero e meio eram indistintos. E com essa conclusão, creio que eu seja a única estudiosa a ter argumentado contra o status de gênero de um exemplo sob estudo, não apenas uma, mas duas vezes, a primeira vez quando argumentei na minha tese que a Declaração de Impacto Ambiental, autorizada pelo Congresso Americano em seus primeiros anos, entre os anos 1970 e 1975, não era um gênero.

Com os últimos três ensaios incluídos neste livro, deixam-se o foco sobre gênero e a sequência cronológica da apresentação dos primeiros quatro ensaios. Mas a tensão central sob exame nesses três últimos ensaios é semelhante àquela mediada pelo con-ceito de gênero, a tensão entre agência e estrutura, ou, nesses casos particulares, entre ethos e tecnologia. Ethos é um termo retórico de efeito ou recepção, e agência é normal-mente um termo modernista de experiência e intenção pessoais, mas que podem ser considerados como duas faces da mesma moeda retórica. Em “A escrita numa cultura de simulação: o ethos online”, tentei explorar algumas das dimensões retóricas do que foi, na época, a experiência cada vez mais comum de interagir com outros por meio de uma interface tecnológica: e-mail, grupos de notícias, chat, message boards e as capacidades prolíferas da web 2.0. Eu me perguntei: o que situações como essas, quando podemos in-teragir com um ser humano ou com um algoritmo programador de computador, podem nos dizer sobre como cooperamos, como respondemos às dimensões persuasivas de um texto sobre cuja proveniência podemos apenas fazer suposições? Eu me dei conta de que tais situações não são tão diferentes de nossas interações com textos impressos tradicio-nais, em que o autor só pode ser inferido. E quando notei quão similares são todas essas situações e quão difíceis de distinguir, me dei conta de que as qualidades que acredita-mos ser inerentes ao agente que criou a mensagem são de fato atribuições que fazemos, baseados frequentemente em pistas mínimas. Achamos que estamos detectando um ethos, evidência de caráter, mas de fato estamos fazendo atribuições de caráter, estamos nos engajando em ethopoeia, na construção do ethos que pensamos estar detectando.

“Expertise e agência: transformações do ethos na interação ser humano-compu-tador”, uma continuação do ensaio anterior, estuda duas formas específicas de ethos oferecidas pelas tecnologias com as quais interagimos. Em outro projeto, eu estava es-tudando o ethos de uma variedade de discursos técnicos, isto é, textos discursivos sobre as tecnologias do período da Guerra Fria. Mas depois de escrever sobre a produção de ethos no ensaio anterior, me dei conta de que as próprias tecnologias podiam produzir ethos. Assim, uma vez que os sistemas de computador conhecidos como “sistemas espe-

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17Introdução

cialistas” e seus sucessores conhecidos como “inteligência artificial” servem como in-terlocutores para seus usuários, eles produzem um ethos, ou lhes atribuímos um ethos. E o ethos produzido pelas tecnologias que criamos ou o ethos que atribuímos a esses interlocutores podem nos dizer muito sobre os valores e ideais que nós mesmos mante-mos. Os caracteres que “detectamos” são aqueles que nossa cultura produz.

O ensaio final aqui incluído, “O que a automação pode nos dizer sobre a agên-cia?”, traz questões gerais sobre como interagimos com a tecnologia em uma aplicação específica: a avaliação automatizada de máquinas da escrita estudantil e a avaliação automatizada potencial da performance oral estudantil. Até que ponto professores e estudantes estão dispostos a aceitar um sistema de computador como um agente-au-diência para a escrita estudantil e como um agente avaliador da escrita? A resposta muda se estivermos falando de performance oral em vez de escrita? Minha intuição foi que a resposta não muda, e eu testei essa intuição com 25 professores, usando suas respostas para entender agência como uma atribuição que estamos dispostos a fazer sob algumas condições, mas não sob outras. A situação aqui é semelhante à situa-ção dos dois estudos anteriores, com a exceção de que a avaliação automatizada põe a agência em questão desde o começo, uma vez que não há pretensão ou possibilidade de o interlocutor ser humano. Ver agência como uma atribuição, como eu o faço aqui, é ligá-la mais firmemente à conceptualização retórica de ethos, é exteriorizá-la e negar a possibilidade de uma origem subjetiva. Nesse sentido, é “retorizar” mais plenamente a noção de agência.

Dos três conceitos em destaque nesta obra, a tecnologia é o mais “singular”. O gê-nero e a agência são conceitos que direcionam nossa atenção para o padrão, para a convenção, para a ação, para o caráter e para a comunidade — todos esses conceitos há muito já reconhecidos como essenciais à análise retórica. A tecnologia, no entanto, tem servido no máximo como um “análogo”, como uma base para comparação com a visão instrumental da retórica como techné. Nestes ensaios, tenho usado a tecnologia de duas maneiras analíticas diferentes: primeiro, para testar explicitamente o papel do meio de comunicação e, em segundo, para testar nossas intuições e suposições sobre o que sig-nifica para os humanos sermos “seres que, por natureza, respondem a símbolos”. Nos estudos retóricos, o meio tecnológico da comunicação tem sido considerado normal-mente invisível, inteiramente presumido e, assim, sem qualquer consequência. O surgi-mento de mídias radicalmente novas nos últimos 20 anos tem desafiado essa suposição e, assim, precisamos encontrar maneiras de tornar o meio visível à análise. E no que diz respeito à descoberta do que significa ser o animal que usa símbolos, esse constitui um questionamento contínuo e incessante, que continua a definir os estudos retóricos.