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Entrevista exclusiva: Como é praticada a medicina ayurveda na Índia Parte I Holismo Dicas para viver com saúde plena através de terapias naturais Gilberto Coutinho especial para o Vya Estelar O terapeuta naturopata Gilberto Coutinho que assina esta coluna quinzenal no Vya Estelar, mostra como é praticada a medicina ayurveda na Índia, onde ficou durante dois meses Gilberto Coutinho: "Foi muito especial e emocionante estudar e praticar yoga na Índia"

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Entrevista exclusiva: Como é praticada a medicina ayurveda na Índia

Parte I

HolismoDicas para viver com saúde plena através de terapias naturais

Gilberto Coutinho especial para o Vya Estelar

O terapeuta naturopata Gilberto Coutinho que assina esta coluna quinzenal no Vya Estelar, mostra como é praticada a medicina ayurveda na Índia, onde ficou durante dois meses

Gilberto Coutinho: "Foi muito especial e emocionante estudar e praticar yoga na Índia"

Ao fundo, templo na cidade de Madurai, Estado de Tamilnadu - Sul da Índia

Nesta primeira entrevista ao Vya Estelar, que será dividida em duas partes, o terapeuta naturopata Gilberto Coutinho, conta suas experiências e impressões sobre a medicina ayurveda e o yoga praticados na Índia. Ele ficou durante dois meses naquele país entre cursos e viagens. Maravilhado com sua cultura, filosofia de vida, templos e ritos sagrados, tirou mais de

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cinco mil fotos. De lá, trouxe centenas de livros especializados em ayurveda, remédios - e claro! - uma grande bagagem de conhecimento que será publicada nesta coluna.

Na segunda parte desta entrevista, Gilberto irá nos contar onde esteve e as suas impressões sobre a cultura daquele país.

Vya Estelar – A estada na Índia por dois meses lhe trouxe lições para a sua profissão de Naturopata especializado em “Medicina Indiana Ayurveda”?

Gilberto Coutinho – Na “School of Ayurveda and Panchakarma”, no Estado de Kêrala, tive a grande oportunidade de estudar e praticar o Ayurveda como ele é tradicionalmente ensinado e praticado na Índia, sob a dedicada orientação e supervisão de dois eminentes vaidyas (médicos ayurvédicos) indianos, Dr. Rajesh Deven e Dra. Sapna, e do professor brasileiro, Dr. Luiz Guilherme Corrêa Neto. Visitei uma indústria farmacêutica “Asoka Pharmaceuticals”, na cidade de Kannur, especializada na produção de medicamentos ayurvédicos (que se baseiam em formulações clássicas) e pude informar-me como são preparados; também um importante e interessante hospital ayurvédico “Arya Vaidya Sala Kottakkal”, na cidade de Malappuram, que recebe estrangeiros de diversas nacionalidades, tanto para estudo quanto para tratamentos de saúde.

Hospital “Arya Vaidya Sala Kottakkal” – Malappuram - Distrito de

Kerala - Sul da Índia

“Asoka Pharmaceuticals” - Kannur - Distrito de Kerala - Sul da Índia

Vya Estelar – O Ayurveda ensinado e praticado no Brasil apresenta alguma diferença daquele vivenciado na Índia?

Gilberto Coutinho – Não existirá grande diferença para aquele que estuda numa boa escola de Ayurveda e for orientado por professores experientes e com amplo conhecimento teórico-técnico. Como em qualquer outra área da ciência, é sempre necessário escolher uma escola séria e idônea com professores competentes, éticos, gabaritados e comprometidos com os

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verdadeiros ensinamentos do Ayurveda. Tive a oportunidade de estudar com excelentes professores indianos e brasileiros. No Brasil, existem muito bons professores e profissionais. Mas é sempre interessante e enriquecedor “beber” os conhecimentos na fonte, neste caso, onde o Ayurveda nasceu.

Vya Estelar – Como os profissionais que trabalham com a Medicina Ayurveda na Índia lidam com a ética? No Brasil, esse trabalho se pauta pelos mesmos princípios?

Gilberto Coutinho – Na Índia, tive contato com professores doutores (vaidyas) e terapeutas sérios, éticos, dedicados, generosos, humanos e detentores de grande conhecimento da medicina Ayurveda, o que me chamou muito a atenção. A ética é universal. Todo profissional de saúde deve pautar o seu trabalho no conhecimento, no estudo, no respeito, na generosidade, na sabedoria e na dedicação contínua.

Vya Estelar – Quais os cursos que você fez na Índia?

Gilberto Coutinho – Fiz três importantes cursos. “Panchakarma Therapy and Ayurvedic Massage” (Terapia Panchakarma e Técnicas de Massagem Ayurvédica), “Ayurvedic Beauty Therapy” (Tratamentos Ayurvédicos de Beleza) e “Ashtanga Yoga and Meditation” (Ashtanga Yoga e Meditação).

Vya Estelar – De alguma forma, tal aprendizado mudará a conduta dos tratamentos que você realiza?

Gilberto Coutinho – Estudar o Ayurveda e o Yoga, no Sul da Índia (Kêrala), com professores altamente gabaritados e experientes foi dignificante, pois tenho um grande amor, admiração e respeito por essas duas ciências. Em fevereiro de 2008, completaram-se 21 anos que estudo e pratico, regularmente, o Yoga. No aspecto pessoal e profissional, pude ampliar muito os meus horizontes. Adquiri novos conhecimentos, mais experiência profissional e tive a oportunidade de aperfeiçoar aqueles que já possuía. Uma vez estudado, em loco, o Ayurveda e o Yoga, como são ensinados e praticados tradicionalmente em seu país de origem, passa-se a ter uma consciência muito maior da importância de se preservarem os ensinamentos clássicos, a essência e a pureza dessas ciências milenares. Antes de estudar na Índia, havia em mim essa grande preocupação e cuidado; agora, sinto-me muito mais preparado para essa missão.

Vya Estelar - Quais foram suas impressões sobre:

- Yoga

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Estátua de Shiva em Haridwar - *Haridwar - Norte da Índia

Foi muito especial e emocionante estudar e praticar Yoga na Índia, pois me considero um yogue e tenho Shiva como meu grande mestre. Era um velho e esperado sonho. Ao estudar “Ashtanga Yoga e Meditação”, tive a grande oportunidade de aperfeiçoamento, de esclarecer algumas dúvidas, aprender novas técnicas, praticar o Yoga como é tradicionalmente ensinado e praticado lá pelas renomadas escolas de Yoga e ver como o povo indiano e os yogues vivenciam no dia-a-dia as suas tradições e o Hinduísmo. Viajando do Sul em direção ao Norte do país, visitei diversos e importantes templos dedicados a Shiva e um muito belo dedicado à Deusa “negra” Kali, que, no Hinduísmo, é responsável por destruir as ilusões. Foi muito emocionante. Hospedei-me também na cidade de Rishikesh (próxima dos Himalayas, num pacífico resort entre as montanhas), uma das mais populares e espirituais cidades da Índia, juntamente com Haridwar (Norteda Índia), por onde passa o rio sagrado Ganges.

Visitei por alguns dias o rio Ganges e a importante cidade de peregrinação Haridwar (a 30 km de Rishikesh), onde 100% da população são vegetarianos. Observava atentamente as montanhas, os inúmeros templos às margens do rio Ganges, os yogues e as pessoas orarem e se banharem em suas águas quase cristalinas. Entre um vale de montanhas, banhei-me e orei, como fazem tradicionalmente os yogues e os hindus, nas águas limpas, meio azuladas e geladas do rio Ganges.

Um belo templo à margem do rio Ganges - Haridwar

- Massagem ayurveda

No Ayurveda, a massagem é empregada com propósitos profiláticos e terapêuticos, como parte integral dos tratamentos de saúde. Existem diversas e importantes técnicas de massagem ou de terapia de oleação

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externa (abhyanga). Foi muito interessante observar os médicos e os terapeutas indianos aplicarem as diferentes técnicas de massagem (abhyanga) para o corpo todo, as pernas e a cabeça, e aprender com eles. Os óleos vegetais utilizados nas massagens podem ser puros ou medicados (com extrato de plantas medicinais), porém específicos para cada constituição psicofisiológica (Vata, Pitta ou Kapha) e de acordo com problemas de saúde que se deseja combater.

- Beleza/ayurveda

Para o Ayurveda, a beleza interior e a exterior encontram-se intimamente relacionadas. A beleza reflete a harmonia entre o interior (qualidades do ser, valores pessoais, estado emocional e habilidades) e o exterior (forma, vitalidade, magnetismo). Reflete a saúde geral do organismo e os cuidados apropriados que se deve ter com o corpo e a saúde diariamente.

*As cidades de Haridwar e Rishikesh encontram-se localizadas à beira do rio Ganges e são consideradas importantes centros de peregrinação. Rishikesh, situada entre as montanhas, tornou-se mundialmente conhecida em 1968, quando os Beatles estiveram lá para um retiro espiritual, com o guru indiano Maharishi Mahesh Yogi (criador da Meditação Transcendental), em seu centro de meditação. Já em Haridwar, acontece a cada doze anos um dos mais importantes festivais do Hinduísmo, o Khumba Mela (Khumb, "pote" e Mela, "festival).

Gilberto Coutinho é terapeuta naturopata com formação em Medicina Tradicional Indiana

Entrevista exclusiva: Faça uma viagem relaxante pelas maravilhas da Índia

Parte II

Gilberto Coutinho especial para o Vya Estelar

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Na primeira parte desta entrevista exclusiva ao Vya Estelar, - o terapeuta naturopata Gilberto Coutinho, falou de suas experiências e impressões sobre a medicina ayurveda e o yoga praticados na Índia.

O terapeuta naturopata Gilberto Coutinho que assina esta coluna quinzenal no Vya Estelar, conta em detalhes como foi sua viagem à Índia, onde passeou durante dois meses

Templo de* Lótus (Bahai) dedicado à paz em New Delhi - capital da Índia

Na segunda parte desta entrevista, Gilberto nos conta onde esteve e as suas impressões sobre a cultura daquele país.

Vya Estelar - Qual foi a sua sensação ao chegar à Índia?

Gilberto Coutinho - Após muitas horas de vôo (cerca de 18 horas), numa viagem que transcorreu bem, o grupo do qual eu fazia parte estava bastante ansioso e feliz. Finalmente, iríamos aterrissar em solo indiano; para a maioria, era a primeira visita a esse país fascinante. Era noite e, da janela do avião, pude observar o grande arquipélago que constitui a cidade de Mumbai todo iluminado. Era uma visão impressionante e eu não queria perder nenhum detalhe. Já passava da meia-noite, quando aterrissamos no Aeroporto Internacioal de Mumbai (Índia). Ainda dentro do avião, pude sentir o cheiro de poluição que vinha lá de fora, o que me chamou muito a atenção.

Vya Estelar – Como é a cidade de Mumbai?

Gilberto Coutinho - Capital do Estado de Maharashtra, é a maior cidade da Índia, com uma população atual estimada em 14 milhões de habitantes. Mumbai é um importante centro comercial, industrial e de entretenimento e

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abriga importantes instituições financeiras. Ao circular de carro por ela, observei um trânsito intenso, agitado e barulhento (geralmente, atrás dos auto rickshaws, veículos motorizados de três rodas muito comuns na Índia, e dos automóveis é comum ler-se: **“Por favor, buzine.”), recentes e grandes construções (viadutos, edifícios, revitalização de avenidas etc.); tive a impressão de que a cidade passa por grandes transformações e desenvolvimento. É nessa metrópole que se encontra Bollywood, a indústria de cinema e televisão.

A cidade possui um porto e um dos maiores do Mar Arábico, por onde trafega um número elevado de passageiros e cargas. Aí, o custo e o padrão de vida são elevados. Originalmente um arquipélago composto de sete ilhas, Mumbai, após 1817, foi totalmente reformulada e, graças a grandes projetos de engenharia civil, todas as ilhas foram unificadas, transformadas em um único terreno. Em 1995, o governo local rejeitou a versão do nome da cidade “Bombay”, que os ingleses haviam dado, e passou a chamá-la como era antes conhecida: Mumbai.

Vya Estelar - Qual foi o roteiro de sua viagem pela Índia?

Gilberto Coutinho – Mumbai é uma das principais portas de entrada e de saída da Índia. Durante a minha viagem, estive algumas vezes nessa cidade. Kozhikode, também conhecida como Calicut, com cerca de 933 mil habitantes, situa-se na costa ocidental da Índia, no Estado de Kêrala – Sul da Índia. Em Kozhikode, uma vam esperava para nos levar até Kannur (ou Cannanore), onde permanecemos durante todo o mês de janeiro estudando Medicina Ayurveda na “School of Ayurveda & Panchakarma”, acoplada ao “Mascot Beach Resort”, localizado de frente para o belo Mar Arábico, onde, às tardes, eu observava o mar e o pôr de um grande e belo sol vermelho-dourado. No início de fevereiro deste ano, com o término do curso, viajei para o belo Estado de Tamil Nadu, onde conheci vários templos e cidades, dentre as quais:

Templos

(1) Chennai (antigamente conhecida como Madras, capital e a maior do Estado de Tamil Nadu; é um centro industrial, comercial e portuário na Baía de Bengala; na época da colonização inglesa, era considerada a mais importante da Índia, por ter sido a sede da “Companhia Inglesa das Índias Orientais”.);

(2) Madurai (muito antiga, com belos templos, segunda maior do Estado de Tamil Nadu, localizada no Sul do país, nas margens do rio Vaigai);

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(3) Rameswaram (considerada pelos Hindus um dos lugares mais sagrados da Índia e um importante centro de peregrinação; de acordo com o belo épico “Ramayana”, Rameswaram foi o lugar onde o príncipe Rama construiu uma ponte de rochas sobre o mar de Bengala em direção a Sri Lanka para resgatar a sua esposa, que tinha sido seqüestrada pelo demônio Ravana; esse é também o lugar onde o sábio Rama orou a Shiva para ser absolvido do pecado de ter matado Ravana; por causa disso, a cidade ganhou o nome de “Rameswara”, que significa “Senhor de Rama”, em referência a Shiva.

O famoso e belíssimo templo de Rameswaram foi construído no século XII e reconstruído no século XVII; sua entrada principal tem 38 metros de altura e um grande corredor com 1200 pilares esculpidos em granito preto, considerado o maior da Índia e com o teto todo pintado de mandalas coloridas); e (4) Tiruchchirappalli (ou Tiruchirapalli), localizada à margem do rio Kaveri, com cerca de 898 mil habitantes.

Depois, fui em direção ao Norte, onde conheci também as cidades de (5) New Delhi (capital da Índia, Estado de Haryana);

(6) Jaipur (no Estado de Rajasthan);

Palácio dos Ventos (Hawa Mahal) na Cidade Rosa de Jaipur - Noroeste da Índia

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(7) Agra (no Estado de Uttar Pradesh, onde estão os belíssimos Taj Mahal e o Agra Fort); (8) Haridwar e (9) Rishikesh (ambas situadas no Estado de Uttaranchal e próximas do Himalayas), dentre outras.

Vya Estelar – Quais são os atrativos da cidade de Kozhikode?

Gilberto Coutinho - Kozhikode é uma cidade muito interessante e bela, da qual gostei muito. Nela visitei uma região antiga, cujas ruas inteiras eram dedicadas a um primoroso e curioso artesanato variado (roupas típicas, bijuterias, ornamentos de casa, quadros, mobiliários, antiquários, livrarias etc.) e à venda de belas estátuas de vários tamanhos dos diversos deuses da Índia. Eram necessárias muitas horas para se ver e fotografar tudo. Fiquei impressionado com tanta riqueza de detalhes e cores da arte local. Informaram-me que, no século XV, a cidade foi um importante porto comercial, onde estiveram os navegadores portugueses: Vasco da Gama (em 1498, ao descobrir uma rota para o Oriente, aportou na praia de Kappad, próxima da cidade) e Pedro Álvares Cabral (em 1500).

Vya Estelar – Quais impressões mais marcantes dessa viagem? O que mais o emocionou? Era a Índia que você imaginava?

Gilberto Coutinho – A Índia que visitei não é diferente daquela que elaborei em minha mente em todos os momentos de estudo e leitura, dos livros, das revistas, dos contos e das histórias yogues, dos diversos documentários de TV. Mas, sem a menor dúvida, muito mais completa, bela e emocionante. Para mim, cada dia nesse país era um presente muito especial do Criador. Lembrava-me dos familiares, amigos e pacientes com os quais gostaria de estar compartilhando toda essa experiência.

Diversas “coisas” emocionaram e impressionaram muito: a riqueza cultural e a arquitetônica dos inúmeros templos; a bela peça teatral “Surya” (O Sol) em Kannur; o folclore (a fantástica dança Kathakali, que engloba arte, religião e filosofia, no tradicional Teatro Kathakali, na cidade de Kochi, no Estado de Kerala; os espectadores chegam algumas horas antes de iniciar a apresentação, assistem, em silêncio, aos artistas se automaquiarem de forma impressionante e se vestirem); os diferentes tipos de músicas e instrumentos musicais; o artesanato; a arte; a pintura, a tapeçaria; a culinária, os festivais; o ritual do Theyyam; a grandiosa arte marcial indiana Kalarippayattu; o Templo Bahai (construído em 1986 em New Delhi, dedicado à paz, à oração e à igualdade entre os povos, no formato de uma grande *flor de lótus branca, símbolo nacional da Índia, cercado por piscinas de água azulada e um belo e amplo jardim florido e arborizado; o fantástico e impressionante observatório arquitetônico de instrumentos astronômicos “Jantar Mantar” (termo derivado das palavras Yantra =

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instrumento e Mantra = fórmula ou cálculo; significa literalmente “instrumento de cálculo”) em Jaipur, construído entre 1727 e 1733, pelo erudito Maharaja (rei) Jai Singh II; o Palácio do Vento (Hawa Mahal) na cidade vermelha de Jaipur (capital do Estado de Rajasthan) com suas inúmeras janelas, entre outros aspectos.

Vya Estelar – O que lhe chamou a atenção em relação ao comportamento dos indianos?

Gilberto Coutinho – Educação, generosidade, simplicidade, inteligência, benevolência, amizade (companheirismo), alegria, religiosidade e fé.

Vya Estelar - Você presenciou um ritual religioso chamado “Theyyam”, onde um sacerdote, após uma longa preparação ritualística, incorpora a “consciência divina” e caminha entre as chamas do fogo. Poderia nos falar mais a respeito disso?

Gilberto Coutinho – Fui assistir a dois tipos de Theyyams em diferentes lugares. O primeiro ocorreu durante a noite no interior de uma floresta, diante de dois pequenos templos sob a guarda de sacerdotes. Eu não sabia bem ao certo o que iria presenciar naquela noite; apenas que era uma festa religiosa e mística. Quando cheguei, já havia muitas pessoas (idosos, jovens e crianças) sentadas e em pé ao redor de dois pequenos templos completamente iluminados por lamparinas e por uma grande fogueira. Todos esperavam ansiosos pelo início das apresentações que, tradicionalmente, acontecem durante a noite toda até o amanhecer. Pude perceber que era um momento muito especial e emocionante para todos que estavam ali. Fiquei maravilhado com o que vi, pois nunca tinha presenciado nada semelhante.

Theyyam ou Kaliyattam

Theyyam ou Kaliyattam é um antigo ritual muito popular no Sul da Índia (especialmente no Estado de Kerala), que engloba dança, música e prática religiosa. As apresentações ocorrem de acordo com o calendário lunar Malayalam, e as datas variam de ano para ano. Reflete aspectos importantes da cultura tribal tradicional que antecede a influência da cultura dos drávidas (conjunto de povos do sul da Índia e do norte do Sri Lanka). Fui informado de que existem cerca de 450 tipos diferentes de Theyyams.

Após um período de intensa preparação envolvendo abstinência, jejuns, orações, recitações de mantras e confinamento solitário, o sacerdote (geralmente, vestido de vermelho e dourado, com ornamentos sobre a

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cabeça, nos braços e nas pernas e, às vezes, com a sua roupa cercada por pequenas tochas de fogo) se identifica com uma divindade em particular e passa a receber homenagens de outros sacerdotes que cuidam dos templos e o reverenciam. Durante esse “elevado” estado de consciência em que se encontra, acredita-se, tal sacerdote adquire poderes sobrenaturais. Ele fala em dialetos antigos, move-se de um lado para o outro inquieto, pula e anda sobre as chamas da fogueira repetidas vezes sem se queimar, realiza curas e abençoa seus devotos.

Theyyam: antigo ritual muito popular no qual o sacerdote pula e anda sobre as chamas da fogueira repetidas vezes sem se queimar

Segundo as informações do agente turístico que me acompanhava, esse não é um caso de possessão; o sacerdote perde temporariamente sua identidade física e incorpora a consciência da divindade cultuada durante a apresentação. Alguns sacerdotes cantam e tocam instrumentos (uma espécie de corneta e tambores), oram e invocam a divindade a ser recebida e, posteriormente, prestam-lhe homenagens, oferecendo flores, incensos, alimentos e chamas de fogo.

Kalarippayattu: arte marcial indiana

Vya Estelar – Como foi sua experiência com a arte marcial indiana?

Gilberto Coutinho – Kalarippayattu é o nome da antiga e poderosa arte marcial indiana pertencente à classe dos Kshatriyas (guerreiros), peculiar ao Estado de Kerala e considerada a mãe de todas as outras artes marciais. Visitei a residência e a escola de um renomado mestre em Kannur. Fiquei

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maravilhado com o treinamento das crianças (havia também meninas, embora poucas) e dos adultos.

O treinamento era intenso e envolvia alongamento; exercícios de flexibilidade, de força e resistência; saltos; posições de Yoga; manejo de bastões longos de madeira e de espadas; movimentos de ataque e defesa pessoal etc. A vontade era muito grande de retirar a minha camisa e de cair no chão de terra socada da escola e treinar com as crianças, pois, como Hatha Yogue, estava ansioso para exercitar também o meu corpo.

Então, pedi permissão ao mestre para treinar com as crianças. Ele consentiu. Foi muito divertido treinar e brincar com elas. Percebendo o meu interesse, para minha surpresa, o mestre Prasad convidou-me para a lição de algumas técnicas de luta e de defesa com bastão longo de madeira. Foi uma experiência muito enriquecedora e gratificante. Ele, filho de outro grande mestre de Kalarippayattu (autor de um dos mais completos e importantes tratados a respeito dessa arte e ciência na Índia), gentilmente fez uma dedicatória no exemplar do livro que adquiri, de autoria de seu pai.

Teatro solar: “Surya” (O Sol)

Vya Estelar – Você assistiu a alguma peça teatral?

Gilberto Coutinho – “Surya” (O Sol) era o seu nome. Foi um belo espetáculo. Fiquei surpreso com a pedagogia, muito interessante e refinada, empregada para ensinar aos jovens a importância da preservação e do cultivo das tradições védicas, encenada na data em que se comemora o dia do sol (na primeira quinzena do mês de janeiro). Muito aplaudidos, os atores e dançarinos interagiram e dançaram com a platéia ao som de uma alegre e estimulante música tradicional indiana; caíam pétalas de rosas e diversos balões coloridos do alto do teto do teatro. Eu e meus amigos de curso ficamos impressionados com o profissionalismo e a competência dos jovens atores indianos nessa encenação de altíssimo padrão e bom gosto, com recursos audiovisuais modernos.

Culinária indiana

Vya Estelar – O que você tem a dizer a respeito da culinária indiana?

Gilberto Coutinho – É uma culinária aromática e muito saborosa. A Índia é um país muito vasto e cada Estado possui uma gastronomia bastante própria e diversificada.

Em geral, empregam-se muitos condimentos: asa fétida, curry (nome que

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os britânicos deram à masala), feno-grego, gengibre, coentro, cominho, mostarda em grão, pimenta malagueta e preta, açafrão-da-Índia, canela, cardamomo e cravo; ghee (manteiga purificada), masala (mistura de especiarias, cuja receita costuma diferenciar em cada cozinha), raita (molho de iogurte misturado com especiarias e alguns tipos de hortaliças utilizado para diminuir o sabor apimentado dos pratos), panir (espécie de requeijão ou coalhada que se usa como condimento), arroz basmati (grão comprido), shapati (pão sem fermentação, muito popular), vegetais (cozidos ou crus) e algumas hortaliças, molhos agridoces (preparados com frutas, hortaliças e especiarias), lentilha (dal), garam masala (masala picante), gram (farinha de grão-de-bico ou de lentilha), samosa (variedade de empanados, consumidos como aperitivos) etc.

* A flor de lótus é um dos símbolos nacionais da Índia. Tradicionalmente, ela simboliza a "pureza", a "consciência" e "algo de grande valor". Uma semente de lótus, em condições favoráveis, pode germinar num lago fecundo em poucas semanas ou, então, demorar muitos anos, ou até mesmo, milhares de anos para germinar. O "germinar" da semente representa o "nascimento", a "vida", o manifestar da "consciência" para a existência; o "desabrochar" do botão em uma flor representa a "beleza das virtudes humanas" e o despertar da consciência para a sabedoria e a "iluminação". Os antigos sábios, yogues e poetas da Índia tiveram a sensibilidade e uma apurada percepção para comparar o desenvolvimento da flor de lótus com a evolução espiritual do homem e a aquisição dos verdadeiros conhecimentos. Por essas razões, ela também é símbolo do Yoga (representa os preciosos e sábios conhecimentos de sua escola de pensamento, que podem conduzir os seus adeptos à sabedoria e à libertação) e do Ayurveda (os oito ramos da medicina indiana e seus preciosos conhecimentos).

** Durante muitos anos, os indianos desenvolveram um jeito muito peculiar de transitar com os automóveis. Na Índia, realmente, atrás de ônibus, caminhões, auto rickshaws e táxis existe o seguinte dizer: “Por favor, buzine.”. Lá, a direção é à direita do motorista, como na Inglaterra, e o trânsito não funciona de modo "organizado", como se concebe aqui no Brasil e em outros países. Para quem não está acostumado, o trânsito parece bastante confuso, agitado, ameaçador, num emaranhado de automóveis circulando e buzinando sem parar. Muitas vezes, tem-se a impressão de que o caos se estabelece e os automóveis vão-se chocar; mas, no final, tudo parece dar certo. No entanto, durante minha estada na Índia, não presenciei nenhum motorista xingar, fazer gestos obscenos, ficar nervoso ao ponto de descer do carro para brigar. Presenciei, sim, um ou outro motorista fazer algum comentário: "esse cara tá louco de fazer tal

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manobra". A buzina, na Índia, funciona como um sinalizador: "Preste atenção, estou passando..., vou ultrapassar ou me dê passagem".

Gilberto Coutinho é terapeuta naturopata com formação em Medicina Tradicional Indiana

Fonte: http://www1.uol.com.br/vyaestelar/ayurveda_india.htmMaio de 2008 –

Entrevista exclusiva: Faça uma viagem relaxante pelas maravilhas da Índia

Parte IIIGilberto Coutinho especial para o Vya Estelar

Gilberto Coutinho: "Fiquei estupefato com as maravilhas da Índia, fotografava

sem parar"

Na primeira parte desta entrevista exclusiva ao Vya Estelar, - clique aqui - o terapeuta naturopata Gilberto Coutinho, falou de suas experiências e impressões sobre a medicina ayurveda e o yoga praticados na Índia.

Na segunda parte desta entrevista, Gilberto nos conta onde esteve e as suas impressões sobre a cultura daquele país - clique aqui. E nesta terceira e última parte ele narra suas experiências mais curiosas naquele país.

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Vya Estelar - Em seu roteiro de viagem, você incluiu a cidade de Rameswaram. Lá realiza-se um ritual em que um jovem rapaz entra para a comunidade brâmane. Como foi isso?

Gilberto Coutinho - Entre os meus planos de viagem, após o término dos cursos em Kannur, estava o de conhecer outras localidades, como a cidade de Rameswaram, no Estado de Tamilnadu, ao Sul da Índia, cerca de 40 km de Sri Lanka – país da Ásia meridional. Foram necessárias várias horas de conversa, quase sempre exaustivas, com o agente de viagem, o Sr. Praveen que, pacientemente e desejoso de que tudo transcorresse bem, ajudava na elaboração de um interessante roteiro.

Naquela cidade, recomendou a hospedagem numa pousada administrada por brâmanes, o que aguçou a minha curiosidade. Após alguns vôos e viagens de trem, eis que chegamos a essa pequena cidade litorânea, com lojinhas de suvenires e artesanatos, onde se localiza o belo, importante e famoso templo Ramanathaswami, dedicado a Shiva e ao sábio príncipe Rama, com um grande corredor de pilares esculpidos em granito preto. Ainda na lembrança, a vívida e grande emoção da chegada. Um educado senhor brâmane, vestido de roupa tradicional e tecido branco de algodão, usada pelos homens, recepcionou de modo gentil, conduzindo até os aposentos; durante toda a estada na cidade, gentilmente, ofereceu-se como guia.

Cerimônia Upanayana

O grande prédio de dois andares, próximo do templo de Ramanathaswami, simples, como era de se esperar, limpo, com uma energia muito boa, possui corredores, quartos, escadas, salões e janelas. O mesmo senhor brâmane convidou para uma cerimônia de consagração, chamada “Upanayana” (Brahmopadesham, “guardião do conhecimento”), que aconteceria na manhã seguinte, importante para a cultura indiana. Celebrada por um experiente e sábio sacerdote, a cerimônia inclui orações e repetições de mantras sagrados, leituras de trechos de textos védicos, ritual do fogo, oferendas de flores, alimentos, incensos e toques de sinos.

Acompanhado dos pais e familiares, um jovem rapaz, na pré-adolescência, é introduzido na comunidade de brâmanes e recebe o cordão sagrado (símbolo de sua casta), usado transversalmente sobre o peito. Ocorre-me à lembrança o fato de que, desde a minha iniciação ao estudo e à prática do yoga, ano de 1987, passei a nutrir interesse pelos grandes yogues do passado e também pelos brâmanes e suas tradições védicas.

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Tive a grande oportunidade de hospedar-me, por alguns dias, numa comunidade de brâmanes e de participar de alguns de seus rituais sagrados, o que significou a realização de um grande e velho sonho. Maravilhado e feliz diante daquela bela cerimônia, ela parecia-me familiar; a sensação era a de que eu a já a conhecia e estava apenas revivendo-a. Impressionou-me a felicidade e a satisfação dos pais e familiares com tudo o que acontecia.

Brâmanes

Vya Estelar - O que são brâmanes?

Gilberto Coutinho - Brâmanes (do sânscrito “Brâhmana”) são membros da casta sacerdotal da sociedade hindu, considerada a mais alta das quatro principais castas.

Historicamente, gozam de uma posição social privilegiada – independente de sua riqueza – e beneficiam-se de inúmeras prerrogativas. Compõem-se, sobretudo, de intelectuais, filósofos e escritores. É dever dos brâmanes, entre outras coisas, estudar e ensinar os Vedas (escrituras sagradas da Índia); meditar diariamente; preservar e realizar os ritos, as tradições e as cerimônias religiosas e sagradas; e auxiliar as pessoas no alcance do crescimento espiritual.

No passado, quando um rei era visitado por um brâmane, o soberano prostrava-se aos seus pés com reverência, por aceitar a superioridade de sua casta, a sua sabedoria e seus conhecimentos. Os brâmanes desempenham uma função muito nobre para a cultura indiana; não precisam se preocupar com o dinheiro e a aquisição de bens materiais, pois o Estado assegura-lhes a subsistência.

Vya Estelar - Como foi a sua visita ao extremo da ilha de Rameswaram, no estreito de Palk?

Gilberto Coutinho - Informaram-me a respeito de um belo lugar no extremo da ilha de Rameswaram, no estreito de Palk (que pertencente à Índia), entre a Índia e o Sri Lanka, onde o Oceano Índico se encontra com o Mar de Bengala. Acordei cedo, fui convidado para o desjejum, antes da realização da cerimônia de iniciação brâmane. No segundo andar, na sala de refeição, estávamos alguns brâmanes, o guia, uma amiga, eu e algumas mulheres que serviam o alimento. Sentamo-nos ao chão, numa roda, e um

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delicioso desjejum vegetariano (que mais parecia um almoço, com direito a saborear ótimos suco e doce indianos) foi servido numa folha verde e fresca de bananeira.

Por volta das dez horas da manhã, avisaram sobre o início da cerimônia. Então, os convidados seguiram para um grande salão todo decorado para a ocasião. Sentamo-nos ao chão, com as pernas cruzadas, como os indianos fazem, e esperamos ansiosos pelo início da consagração. Ao final da cerimônia, todos ali presentes estavam felizes pelo que tinham presenciado e por terem sido agraciados por aqueles momentos. É interessante saber que, para o menino e seus familiares, é uma dádiva o fato de que ele estudará os Vedas sob os cuidados auspiciosos dos sábios brâmanes até atingir a sua vida adulta, quando decidirá se deseja casar ou, então, tornar-se um sacerdote brâmane.

Estreito de Palk

Com o término da cerimônia, alugamos um jipe e partimos para conhecer o estreito de Palk. Viajamos vários quilômetros por uma estrada asfaltada, ladeada por belos pinheiros; depois, por um terreno arenoso e com sinuosidades; o jipe, às vezes, saltava ao passar veloz pelas dunas. Passamos por vilarejos, por nativos e por praias belíssimas até chegarmos ao extremo da ilha de Rameswaram. Ficávamos maravilhados com a beleza indescritível das paisagens e da natureza ao nosso redor. Atravessamos uma ruína, o que restou de uma cidade à beira-mar, totalmente destruída, em 1964, por um grande furacão.

Estava impressionado com o que via. Fui informado de que um trem, repleto de passageiros, foi arrancado dos trilhos e lançado ao mar, por ocasião daquela intempérie. Até que chegamos, extasiados por tanta beleza, ao extremo da ilha, no estreito de Palk, entre a Índia e o Sri Lanka, onde o Oceano Índico se encontra com o Mar de Bengala. Parecia estarmos em uma outra dimensão.

Estupefato, eu fotografava as paisagens: do lado direito, o belo Mar da Índia, azul, agitado, com ondas altas que se quebravam fortemente na areia; do lado esquerdo, o sereno Mar de Bengala, cujas águas mornas e salgadas mais pareciam o azul do céu. Quando me dei conta, a amiga e o guia brâmane já se encontravam banhando no calmo Mar de Bengala, parecendo deliciarem-se com a água. Retirei meu sherwani branco (camisa de manga longa de tecido de algodão que vai até abaixo do joelho; roupa geralmente usada pelos homens) e entrei no mar. Olhava

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para os dois mares, o horizonte e lembrava-me do Brasil, dos meus familiares e amigos.

Mar de Bengala

Não havia ondas no Mar de Bengala. Ora caminhávamos, adentrando o mar, ora boiávamos nas águas serenas e mornas, quando pedi ao senhor brâmane que recitasse alguns mantras e orações védicas. Ficamos ali por algumas horas, nadando, flutuando, ouvindo e recitando mantras e orações védicas. Parecia, realmente, uma outra dimensão, tudo muito emocionante...

O silêncio, o balé aéreo das gaivotas, o sol dourado e a natureza exuberante do Sul da Índia, tudo proporcionava um grande contentamento e paz. Então, o motorista avisou que era preciso retornar, pois, com o pôr-do-sol, as águas do mar invadiriam toda aquela região. Retornamos, deixando para trás todo aquele paraíso com o sol se pondo no horizonte. Algumas vezes, parávamos para apreciar o pôr-do-sol, o mar, os coqueiros, os pinheiros, os vilarejos e os nativos. São momentos inesquecíveis...

Vya Estelar - Como foi a visita ao “Museu Nacional de Mahatma Gandhi” em New Delhi?

Gilberto Coutinho - Extremamente emocionante a oportunidade dessa visita. Desde garoto, a história de Gandhi me chamava a atenção; de alguma forma, eu o admirava e tinha a intuição de que, algum dia, eu conheceria mais a respeito de seus feitos e de sua vida. Adulto, passei a compreender melhor a sua luta e a sua nobre mensagem para a humanidade. Hoje, tenho uma enorme admiração e respeito pela sua grandeza. Compreendo ter sido ele um homem de fibra e de grandes valores, não apenas pela sabedoria de exímio pensador, mas também por ter sido um grande realizador, benfeitor e pacifista. Com suas atitudes, demonstrou amar a Índia, seu povo e a humanidade. É considerado o pai da nação indiana. Creio na sua mensagem da “não-violência” como um exemplo a ser seguido por todos.

Museu

A construção principal do museu é um belo prédio branco no estilo inglês, de dois andares, cercado por um amplo e belo jardim arborizado e florido, outras edificações menores, placas informativas e um corredor coberto

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com informações e fotos sobre a sua vida. Internamente, o museu é um primor, arquitetado com extremo bom gosto, combina arte (pinturas, grandes painéis, artesanatos, invenções artísticas e tecnológicas, uma estátua fiel, que parece real, de Gandhi lendo jornal, e outra de sua esposa; ambas em tamanho original; sentados com as pernas cruzadas, trajando roupas brancas de algodão), literatura, tecnologia (imagens e sons) e iluminação. Na primeira galeria, um desenho artístico, muito interessante, com imagens de Gandhi, é projetado num telão, enquanto se ouve um belo poema musicado, onde um verso diz: “Lá vai o cisne solitário...”. Assistindo ao filme e ouvindo atentamente a canção, emocionei-me e não pude conter as lágrimas que escorreram pelo meu rosto.

Quarto de Gandhiji

Visitei o quarto, em que Gandhiji passou seus últimos 144 dias antes de ser assassinado. Vi sua cama de madeira coberta por um tecido de algodão branco, o local onde ele costumava praticar yoga e meditação, seus óculos redondos, o seu tear, o seu cajado, seus sapatos de madeira, seu relógio de bolso e seus talheres. Depois, fiz o mesmo percurso (marcado no chão na forma de pegadas) que ele fez naquela sexta-feira do dia 30 de janeiro de 1948, até a grande área gramada, local de uma pequena sala de oração (em que ele costumava meditar e orar), onde, ansiosamente, centenas de pessoas o esperavam para um discurso e oração, quando ele foi, fatidicamente, assassinado, por volta das 17 horas e 17 minutos.

Vya Estelar - Qual é a relação da moeda indiana com religiosidade?

Gilberto Coutinho - A moeda indiana chama-se rupee (do sânscrito “rupyakam”, “moedas de prata”). Atualmente, um rupee equivale a cerca de 20 reais. Quando cheguei à Índia, ainda dentro do “Aeroporto Internacional de Mumbai”, precisei trocar alguns dólares pela moeda nacional indiana e me surpreendi e emocionei ao ver que todas as notas traziam a efígie de Mahatma Ghandhi.

Retornando ao Brasil, trouxe comigo algumas moedas indianas atuais e antigas de bronze, cobre, níquel e alumínio, com imagens do Rei Imperador George VI, da República da Índia, de Mahatma Gandhi, da flor de lótus (um dos símbolos nacionais da Índia); de Indira Gandhi; moedas de 1818 com imagens de Shiva & Shakti, e de um yogue com as pernas cruzadas na posição de meditação; e uma interessante moeda quadrada muito antiga com desenhos e caracteres que lembram a época das grandes e progressistas civilizações do Indo-Sarasvati (Mohenjo-daro e Harappa),

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dentre outros tipos.

Vya Estelar - Como foi a sensação de visitar o rio Ganges?

Gilberto Coutinho - Conhecê-lo, orar diante dele, banhar-me nele (apesar da água gelada) como fazem, tradicionalmente, os yogues e os hindus, foi gratificante, pois, há muito, eu esperava por isso. O rio Ganges (em sânscrito) ou Ganga (em Hindi), considerado sagrado na Índia, nasce em torrentes no Himalaia central (em sânscrito, significa “morada das neves’), a cerda de 4.200 metros de altitude, e penetra a região das cidades de Rishikesh (em sânscrito, significa “cabelos dos sábios”) e Haridwar, no Estado de Uttaranchal, Norte da Índia, próximo do Nepal e Tibet, atraindo peregrinos e yogues para a suas margens.

Ganges e poluição

Em geral, as pessoas têm a idéia de que o rio Ganges é muito poluído, mas não é assim por toda a sua extensão. Fui informado de que no Estado de Uttaranchal, o governo proíbe o funcionamento de qualquer indústria poluidora nas proximidades desse extenso rio, muitas vezes utilizado para a irrigação. Na cidade de Rishikesh, o rio Ganges desce sinuosamente entre um vale de montanhas arborizadas, cercado de templos, quase cristalino, gelado e numa tonalidade azulada. Cheguei em Rishikesh numa tarde. Tão logo deixei a bagagem no quarto do “Gayatri Resorts”, onde me hospedei, saí rapidamente, ansioso, descendo as ruelas e escadas, para conhecer o rio Ganges.

Ao entardecer, atravessei-o sobre uma alta, extensa e estreita ponte suspensa por longos cabos de aço. Durante a minha estada em Rishikesh, não me cansava de apreciá-lo, vendo-o descer lentamente pelo vasto vale, entre as montanhas, como também não me cansava de observar os inúmeros templos e as pessoas a suas margens.

Ritual: Sacerdote caminha no chão em brasas, num caminho de fogo e não se queima

Vya Estelar - Fale-nos sobre o seu encontro com o sacerdote que incorporou a “consciência divina” no ritual religioso Theyyam?

"Perguntei-lhe se o fogo não tinha queimado as suas pernas e seus pés. Imediatamente, flexionando

Com o término da primeira manifestação de incorporação (clique aqui), o sacerdote se

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uma perna de cada vez, mostrou-me as plantas de seus pés. Pude, então, constatar que não havia nenhuma bolha ou sinal de queimadura. Explicou-me que os sacerdotes, para realizarem a cerimônia de caminhar e pular entre as chamas do fogo, entoam mantras sagrados de proteção e, dessa forma, ficam protegidos contra as queimaduras"

recolheu a sua tenda de lona para se trocar e se recompor. Enquanto isso, um outro sacerdote se preparava para uma próxima incorporação. Nesse intervalo, o guia turístico me chamou para mostrar, nas proximidades, um grupo de sacerdotes artesãos, sentados ao chão, que confeccionavam enfeites e vestimentas. O primeiro sacerdote, já trajando apenas um dhoti branco de algodão (tecido longo amarrado sobre a cintura), com resquícios de maquiagem vermelha na face, já consciente e fora do transe, sai de sua tenda e olha para mim.

Então, eu uni as palmas das minhas mãos no centro do peito e o reverenciei, quando fui convidado por ele para uma conversa em sua tenda.

Conversa com o sacerdote

O guia de viagem serviu de intérprete. Retiramos os sapatos e entramos. Atendendo o convite do sacerdote, sentei-me junto a ele, próximo das roupas e dos instrumentos sagrados que ele utilizara durante a incorporação. Abraçou-me e falou-me em dialeto malayalam que podíamos tirar algumas fotos. Em seguida, quis ver as fotos e ficou admirado. Perguntei-lhe se o fogo não tinha queimado as suas pernas e seus pés. Imediatamente, flexionando uma perna de cada vez, mostrou-me as plantas de seus pés. Pude, então, constatar que não havia nenhuma bolha ou sinal de queimadura. Explicou-me que os sacerdotes, para realizarem a cerimônia de caminhar e pular entre as chamas do fogo, entoam mantras sagrados de proteção e, dessa forma, ficam protegidos contra as queimaduras.

Pareceu-me ser ele uma boa pessoa, sensível, sofrida e com aparência humilde; naquele momento, ostentava um certo olhar tristonho. Ao apresentar-me a sua mãe (que transparecia ser humilde), sorriu e percebi alegria em seu rosto. Mais uma vez, apresentei minhas reverências; despedimo-nos. Senti-me agraciado por essa surpreendente oportunidade. Ainda guardo lembranças vívidas de sua pessoa.

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Vya Estelar - O que vem a ser a astrologia védica?

Gilberto Coutinho - Jyothisha (do sânscrito “jyotis”, “luz” ou “corpo celestial”) é a astrologia tradicional da Índia. Os antigos sábios do Oriente a consideram como uma das ciências mais complexas e completas. Apresenta similaridades com a astrologia ocidental, mas também, diferenças importantes e determinantes. Abrange algumas das crenças indianas como carma, reencarnação, também suas visões culturais sobre o mundo e o significado da existência humana.

Objetivos

Os antigos sábios, reis e terapeutas da Índia recorriam a essa ciência com o intuito de superar dificuldades e problemas, desenvolver força e espiritualidade, encontrar soluções, evitar e combater calamidades, doenças, etc. Na Índia, existe curso superior de Astrologia Védica, e um astrólogo recebe o título de doutor. Fui consultar o astrólogo védico S. Jayadevan em sua casa na cidade de Kannur e fiquei bem impressionado com a sua atuação e suas colocações. Ele parecia enxergar além do mapa astrológico.

Vya Estelar - Fale-nos sobre sua visita ao Taj Mahal

Gilberto Coutinho - Fiquei maravilhado e estupefato com tamanha beleza do Taj Mahal e do Agra Fort. Lembro-me, ao chegar à cidade de Agra, no Estado de Uttar Pradesh, do trânsito caótico, da poluição sonora e do ar e do quanto me encontrava ansioso para conhecê-lo. Ao atravessar o grande portal, avistei-o majestoso ao fundo, compondo a paisagem e a natureza locais, diante um vasto e belo jardim arborizado e florido e de uma comprida piscina azul, onde sua imagem se reflete. Meu coração acelerou de alegria e encantamento. Ao mesmo tempo, minha mente silenciava e se agitava, tamanha a euforia. Fotografei muito, na tentativa de perpetuar aquele momento. Saí de lá à noite, com o céu estrelado e a lua iluminando-o.

Taj Mahal

Taj Mahal é um mausoléu, um dos monumentos mais esplendorosos e conhecidos da Índia. É considerado pela UNESCO como “Patrimônio da Humanidade” e, recentemente, numa celebração em Lisboa, uma das “Novas Sete Maravilhas do Mundo Moderno”. Foi construído com o melhor mármore branco do mundo, entre 1630 e 1652, a mando do

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imperador Shah Jahan, em memória de sua esposa favorita Aryumand Banu Began, que morreu após dar à luz o seu 14º filho; contém inscrições retiradas do Corão, incrustadas com pedras semipreciosas.

Foram necessários cerca de 22 mil homens para a sua construção, vindos de várias regiões do Oriente. O imperador pretendia fazer para ele próprio uma réplica do Taj Mahal na outra margem do rio, em mármore preto, mas acabou deposto antes do início das obras por um de seus filhos, que considerou esse intento uma grande loucura.

Vya Estelar - Como foi sua primeira visita a um templo de Shiva em Kannur?

Gilberto Coutinho - Estava a apenas alguns dias na Índia, quando os professores convidaram os alunos que tivessem interesse para a participação em um curioso festival religioso, a realizar-se num templo dedicado a Shiva, nas proximidades da cidade de Kannur. Um furgão e outros carros nos levaram até ele, às margens de um rio. Já anoitecia, quando chegamos ao local. Nas proximidades do templo, havia uma grande aglomeração de pessoas locais e diversas pequenas lojas de suvenires.

Fotos proibidas

A tradição manda retirar os sapatos e lavar os pés no rio antes de entrar no templo. Assim o fizemos. O festival religioso já tinha começado. Havia muitos sacerdotes e fiéis dentro do templo; e, dentro desse grande templo, outro templo menor com um pequeno altar a sua frente, ao redor dos quais os sacerdotes e os fiéis se ajuntavam. Porque vi um dos meus professores indianos tirar fotos da cerimônia, fiz o mesmo. Após tirar a segunda foto, fui surpreendido com um forte grito de um sacerdote que dizia: “No, no... go out...”, ou seja, “Não, não..., saia...”.

Fiquei um pouco constrangido, pois não sabia da proibição de se fotografar no interior do templo. Desliguei a câmera digital e permaneci no local. O sacerdote se aproximou com cara de zangado e repetiu sobre a proibição, pedindo-me para sair. Expliquei-lhe que desconhecia a proibição e, enfaticamente, pronunciei, olhando em seus olhos: “Shiva também é meu mestre”. Após ter-lhe dito isso, ele foi embora. Uma interessante cerimônia representativa deu início ao redor do pequeno templo e foi finalizada pelo toque de vários tambores e cornetas. Foi uma

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bela e emocionante cerimônia.

Gilberto Coutinho é terapeuta naturopata com formação em Medicina Tradicional Indiana

Fonte:Vya Estelar – UOLhttp://www1.uol.com.br/vyaestelar/holismo.htm