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Gourmet Internacional aborda as influências dos povos que emigraram para o Brasil ao longo dos séculos e, ainda que mal sucedidos no intento de permanecer, deixaram como marca indelével de sua presença o modo como lidam com a alimentação.
Citation preview
internacional
A cozinha dos
imigrantes no Brasil
anuário 2012
Gourmet
Cozinha une oceanos e exalta diferenças. Negócio da gastronomia.
Porque comer é central. Yes, nós não tínhamos banana. Imigrantes
formam o paladar brasileiro. À mesa com italianos, libaneses, japoneses,
portugueses, armênios, alemães, espanhóis e franceses. A paixão
pelo churrasco. Marcas da moderna gastronomia brasileira.
Albino Castro. Dácio Nitrini. Fouad Naime. J. A. Dias Lopes.Mario de Almeida. Pola Galé.
Ano 1 | nº 1 | R$ 14,90
2
Cozinha une oceanos e exalta diferençasEclético cardápio nacional não renega a origem
por Albino Castro
o pintor holAndês AlBert eckhout (1610-1665) retrAtou, entre 1637
e 1644, no recife de MAurício de nAssAu, os cocos originAlMente
trAzidos dA índiA pelos portugueses. o quAdro está eM copenhAgue
e integrA A coleção do Museu nAcionAl dA dinAMArcA.
ApresentAção
Ingredientes do Novo Mundo transformaram o
paladar europeu, no século XVI, com a introdu-
ção nas cozinhas do Velho Mundo, por exemplo,
de batata, milho e tomate. Muitos são os ale-
mães que acreditam que a kartoffel, a batata, é o mais
antigo dos alimentos dos povos germânicos. Inúme-
ros ainda são os italianos capazes de jurar que o pomo-
doro, o tomate, base do sugo que dá sabor às massas
e pizzas, seja genuinamente napolitano — e que tipi-
camente veneziana é a matéria-prima da tradicional
polenta, o milho, popularíssimo também há séculos
na Península Ibérica. O pão de milho está mais pre-
sente no Norte de Portugal e na região espanhola da
Galícia do que mesmo no Brasil. Mas já nos primeiros
anos da presença da Espanha e de
Portugal nas Américas muitos itens
da cozinha européia foram trazidos
para cá — bem como frutas de ori-
gem asiática e africana. Como ba-
nana, coco, manga, cana-de-açúcar
e carambola. É provável que muitos
de nossos compatriotas também
acreditem, erradamente, que os co-
queiros dominassem a paisagem
das praias do sul da Bahia quando
lá aportou Pedro Álvares Cabral. Os
coqueiros só chegariam às praias do
Brasil décadas depois, trazidos da Índia.
A influência da gastronomia da Europa no Brasil
se intensificou a partir de 1808, com a transferên-
cia de Lisboa para o Rio de Janeiro da Corte Imperial
portuguesa de Dª– Maria I (1734-1816) e do filho, então
príncipe regente D. João VI (1767-1826). Única metró-
pole de todas as Américas a ser capital de um Império
europeu, onde o sol, à época, nunca se punha, o Rio de
Janeiro ainda hoje é profundamente lusitano à mesa. A
europeização aumentaria mais ainda nas Américas, do
Canadá ao Uruguai, com o desembarque no continente
de milhões e milhões de imigrantes entre meados dos
séculos XIX e XX. Principalmente em metrópoles como
Nova York, São Paulo e Buenos Aires — e, por isso, as
três cidades, das quais apenas uma é capital nacional,
são à mesa uma síntese da própria história da emigra-
ção dos povos europeus, bem como do Oriente Médio
e do Extremo Oriente. As massas, do
spaghetti à lasanha, desde os anos
1930 se tornaram a pièce de résistan-
ce dos almoços de domingo dos pau-
listas. São Paulo é a mais italiana das
capitais do País — e também a mais
libanesa e japonesa. Onde o quibe e o
Sushi há décadas freqüentam, lado a
lado, as mesas de buffet da cidade.
Esta edição de GOURMET Inter-
nacional é consagrada ao eclético
3GOURMET
As vendedorAs BAiAnAs de AcArAjé
são personAgens seMpre presentes nA
extensA oBrA do MAis BAiAno de todos os
Argentinos, cAryBé, Apelido que o ArtistA
portenho hector BernABó (1911-1997)
gAnhou nA infânciA no rio de jAneiro.
cAryBé nAsceu eM lAnús, nA grAnde
Buenos Aires, e se trAnsferiu eM 1950 pArA
sAlvAdor. tinhA o título de oBá de xAngô
— posto honorífico do cAndoMBlé.
cardápio nacional que, sobretudo
em São Paulo, foi influenciado
pelo paladar de povos de todo o
mundo, porém, jamais renegou
os primeiros séculos de sua cozi-
nha, nas quais fortes são as influ-
ências dos portugueses, índios e
africanos — que originaram o que
conhecemos como cozinha dos
Bandeirantes. As Entradas e Bandeiras avançaram
a oeste, entre os séculos XVI e XVIII, nos territórios
vizinhos à área delimitada para o Brasil no Tratado
de Tordesilhas. Chegaram até a Cordilheira dos An-
des, no início do século XVII, e há quem acredite que
estiveram no Pacífico. Mas, por ordem dos espanhóis,
que na ocasião eram soberanos do Brasil, retornaram
à margem esquerda do Rio Paraná e se embrenharam
na Amazônia. Portugal fez parte da coroa de Espanha
de 1580 a 1640. Bandeirantes conquistaram cinco
dos 8,5 milhões de metros quadrados do atual terri-
tório brasileiro. Foram eles os primeiros a misturar
elementos da cozinha portuguesa aos ingredientes
nativos, difundindo o hábito dos índios de comer nas
refeições a fari-
nha de mandio-
ca — origem da
brasileiríssima
farofa.
P r i m o rd i a l
também nos
fundamentos da
cozinha do Brasil dos primeiros séculos é o tempero
africano — dominante nas casas das famílias vindas
da metrópole. Foi na Bahia que povos trazidos como
escravos da África criaram, sob várias influências,
uma requintada culinária, mesclando ingredientes
indígenas, africanos, portugueses e indianos. As ca-
ravelas portuguesas que deixavam os portos da Índia,
com destino a Lisboa, atracavam em Salvador, o que
aconteceu até os anos 1960, quando Portugal perdeu
os três últimos territórios indianos — Goa, Damão e
Diu. Muitos elementos da apimentada cozinha baiana
são diretamente inspirados nas milenares tradições
dos povos do Oceano Índico. Deixaram ainda marcas
na cozinha baiana alguns itens das regiões africanas
de hegemonia islâmica, como a Nigéria e o Daomé,
atual Benin — influenciados, talvez, pelos poucos es-
cravos de origem muçulmana. Um dos exemplos é o
cuzcuz, na versão salgada paulista, atribuída nor-
malmente aos Bandeirantes como seus criadores,
ou à maneira nordestina adocicada. Ambas são asse-
melhadas ao cuscuz das regiões do Magreb, no norte
da África, e ao da ilha italiana da Sicília — herança,
provavelmente, do período de mais de dois séculos, de
827 a 1060, em que esteve sob controle dos muçulma-
nos da dinastia persa dos Abassides. Outro exemplo
é o acarajé, que tudo indica tem origem no falafel,
massa frita à base de fava, muito comum no Oriente
Médio e em quase toda a África.
Bom proveito!
Primordial na cozinha do Brasil é também o tempero africano
4
Sumário
Apresentação2 Cozinha une oceanos e exalta diferenças
Negócio 6 porque comer é central
72 Grandes redes de um cardápio universal
73 Almanara
74 America
75 Gendai
76 Graal
77 ráscal
História12 Yes, nós não tínhamos banana
18 É de churrasco que o gaúcho gosta
Imigrantes22 Imigrantes formam paladar brasileiro
26 Itália — Una cucina brasiliana cem por cento italiana
34 Japão — A comida do Japão desafia os tempos
40 Líbano — A montanha que inspirou a cozinha dos cedros
44 Fouad naime — segredos são mantidos em família
MAior dos ícones dA cozinhA
itAliAnA, o spaghetti, plurAl de
spaghetto, que significA cordão,
conquistou há quAse ceM Anos
o pAlAdAr BrAsileiro.
Muitos duvidAM, eM toM de AnedotA, que BAcAlhAu tenhA cABeçA,
MAs Aqui ApresentAMos de corpo inteiro A pAixão dos portugueses.
5GOURMET
drAMáticA iMAgeM dA
eMigrAção pArA As AMéricAs, no
porto de lA coruñA, nA região
espAnholA dA gAlíciA, quAndo
Mulheres eMpurrAM os próprios
BAús, nos Anos 1930, eM BuscA
de uM sonho que fez MilhAres
de gAlegos vireM pArA o BrAsil
— onde deixAriAM MArcAs
no pAlAdAr do pAís. espAnhóis
fundArAM eM sAlvAdor uM
dos cluBes MAis populAres dA
BAhiA, o gAlíciA e. c. (flâMulA Ao
lAdo), lendário deMolidor de
cAMpeões.
quAdro A FeiRA i, de tArsilA do AMArAl (1886-1973),
MostrA coM cores fortes e trAços ModernistAs o
Mundo encAntAdo de nossos MercAdos Ao Ar livre.
heróis nacionais de alguns dos países que mais influenciaram o paladar brasileiro através dos seus imigrantes nos séculos xix e xx.giuseppe
gAriBAldiisABel
lA cAtólicAd. Afonso henriques
Béchir ii chehAB
otto vonBisMArck
nApoleãoBonApArte
iMperAdorMutsuhito
48 portugal — À mesa em portugal como no Brasil
51 Leite — É portugal falando para o mundo
54 Alemanha — Muito além da salsicha e da salada de batatas
60 espanha — Caballeros, paella para todos!
66 França — Le BrÉsIL uma obsessão francesa
Turismo 78 Glamour volta aos hotéis pelo talento dos chefs
Colunas32 J. A. Dias Lopes — Bom trabalho dos nossos rapazes
46 Dácio nitrini — o forno e os sabores das esfihas da Luz
70 Mario de Almeida — As ostras quentes do chef peyrot
Última Página80 o homem é o que come
6
Analisar a população de uma cidade, de um
país ao longo do tempo, é uma perspecti-
va promissora para identificar como são
saciadas as necessidades alimentares em
diferentes locais e épocas. Mais do que o paladar, fo-
ram a geografia, a economia e a religião a nos compe-
lir dietas, induzir à formulação de receitas e a deter-
minar as culturas e animais a serem domesticados.
Durante a maior parte da história, esses e outros fa-
tores fizeram a moldagem constante das preferências
ao meio, não o contrário.
Está à mesa boa parte do registro do passado. Em
nossa vida nutricional alguns aspectos foram de tal
maneira determinantes que, ao constatá-los, revisita-
mos milhares de anos. A conservação dos alimentos
tem início no uso do fogo, e a vanguarda na liofiliza-
ção passa pelo uso das especiarias e pela pasteuriza-
ção, do homem das cavernas ao astronauta, da Pré-
-História à Modernidade.
E se a mesa diz tanto sobre as contingências e pos-
sibilidades do passado, o que dirá sobre o Brasil con-
temporâneo? Ou mantida a ordem: o que diz a respeito
da mesa o sétimo Produto Interno Bruto do mundo,
dono de uma moeda forte, economia estável, às mar-
Porque comer é centralEconomia saudável altera cardápio do brasileiro
neGóCIo
por Fábio Caldeira Ferraz
7GOURMET
Porque comer é centralEconomia saudável altera cardápio do brasileiro
ABrigAdos eM uM BAr de uMA cidAde toMAdA pelo
silêncio e pelo sono, os notívAgos de nighthAWks têM
nA BeBidA dAs xícArAs nAdA MAis do que o pretexto
pArA uMA interAção distAnte. já, Ao lAdo, eM AutoMAt
é A xícArA queM fAz As vezes de AcoMpAnhAnte eM uM
BAr vAzio. novAMente, o consuMo do AliMento pArece
existir Ali pArA Atender A outrA finAlidAde, eM nAdA
ligAdA À refrescânciA proporcionAdA por uM chá frio
ou conforto de uMA xícArA de cAfé quente. AMBos
os quAdros, o priMeiro feito eM 1942 e o segundo eM
1927, são de AutoriA do pintor reAlistA AMericAno
edWArd hooper (1882-1967).
8
neGóCIo
gens do pleno emprego e terceiro maior exportador
agrícola — em verdade, segundo, uma vez que os euro-
peus são contabilizados em conjunto? Especialmente
porque o cenário é de rápida transição.
Mantida a tendência, em poucos anos nossos
hábitos serão compatíveis com os verificados em
países mais desenvolvidos, sobretudo nos Estados
Unidos. A exemplo dos americanos, estamos comen-
do mais fora de casa. No
ano passado, de cada R$
100 gastos com alimen-
tação — “investidos”, dirá
o gourmand —, R$ 31 re-
ferem-se à aquisição de
refeições preparadas fora
do lar ou no mercado de
food service, como prefere a Associação Brasileira
das Indústrias de Alimentação (ABIA). Nas contas da
entidade, o faturamento praticamente dobrou nos
últimos anos.
Na América de 2010, o food service chegou a 48%
dos dispêndios feitos pela população — um total de
vendas de US$ 529 bilhões. Para aquinhoar uma fra-
ção dos R$ 75 bilhões vendidos no Brasil de 2010, 1,4
milhão de estabelecimentos — entre hotéis, restau-
rantes, bares, lanchonetes, padarias, deliveries, ca-
fés, sorveterias e outros pontos de refeições rápidas —
mantiveram 6 milhões
de postos de trabalho e
investiram em produtos
e serviços condizentes
com as necessidades do
brasileiro de hoje. Que é
majoritariamente urba-
no, com renda crescen-
te, acossado pela falta
de tempo, com muitas
dificuldades logísticas
e de hábitos alimenta-
res amplos: apreciador
do junk food e da comi-
da saudável, do tradi-
cional arroz com feijão
e da culinária étnica, da simplicidade e da alta gas-
tronomia.
Parte disso foi possível pela incorporação de equi-
pamentos e processos que reduziram o tempo de fei-
tura dos pratos. O Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) observou em estudo o que mui-
tos já perceberam — mesmo estabelecimentos mais
sofisticados minimizaram sensivelmente o tempo
de espera. Nos 1970, a de-
pender da escolha no res-
taurante, o cliente pode-
ria aguardar por até duas
horas a iguaria. Duas dé-
cadas depois, o “bon appé-
tit” do garçom era pronun-
ciado 15 minutos após a
escolha — desempenho relativamente próximo ao de
uma lanchonete ou restaurante por quilo.
A boa performance econômica do food service en-
contra causa e efeito também no barateamento relativo
dos ingredientes e na expansão das redes de atendi-
mento. Outro elemento externo com aparente influên-
cia sobre o tema é o aumento da participação das mu-
lheres na População Economicamente Ativa (PEA). A
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
de 1971, reconhece apenas 23% da PEA como do gênero
feminino. Em 2008, o percentual era de 43,6%.
Motivada por ques-
tões materiais e cultu-
rais, a ida das mulheres
ao mercado de trabalho
parece ter sepultado a
ordem anterior, calcada
na pontualidade da reu-
nião familiar à mesa,
no preparo da refeição
pelas mãos da principal
figura feminina da casa
e na qual a opção “co-
mer fora” era entendida
como luxo ao qual só
eventualmente se podia
recorrer. Na ordem atu-
Duas décadas depois, o “bon appétit” do garçom era dito 15 minutos após a escolha
MercAdo de AliMentAção no BrAsil (eM r$ Bilhões)*
* Vendas da indústria de alimentação por canal. Fonte: ABIA.
Varejo Food Service
200
140
180
120
80
60
40
20
02005 2006 2007 2008 2009 2010
160
100
9GOURMET
al, o mercado de alimenta-
ção fora do lar persegue a
massificação da oferta, o
rápido acesso e satisfação
do desejo, a celebrização
de personagens do seg-
mento, como empresários
e chefs, e o enaltecimento
acrítico de marcas.
Mesmo com todos
os estímulos ao barate-
amento, a coluna direi-
ta do cardápio continua
desagradando a muitos.
Safras recordes no cam-
po, demanda aquecida e
ampliação da oferta têm
se mostrado incapazes
de estabilizar os preços.
Capitais como São Paulo
e Rio de Janeiro já osten-
tam estabelecimentos com
valores acima dos pratica-
dos em países de renda per
capita bem superior à bra-
sileira — e isso vale tanto
para restaurantes de pri-
meira linha quanto para
lanchonetes.
Publicado todos os
anos pela revista semanal
inglesa The Economist, o
Índice Big Mac, ao lado,
compara entre os países
o valor do famoso sanduíche da rede americana
McDonald’s, considerando o postulado pela teoria
da paridade do poder de compra, que busca auferir
quanto uma determinada moeda pode comprar glo-
balmente. Em valores absolutos, o lanche por cá só
não é mais caro que na Suécia, Suíça e Dinamarca,
respectivamente, US$ 7,64, US$ 8,01 e US$ 8,31, con-
tra US$ 6,16. O indicador de 2011 aponta ainda o real
como a moeda mais valorizada entre os países do
mundo em relação ao dólar
— 149%.
Longe de minimizar os
problemas cambiais ou os
preços no mercado mundial
de commodities, em alta re-
nitente desde 2008, comer
fora de casa por aqui impli-
ca obrigatoriamente lidar
com questões locais que en-
gordam a conta — e a lista
de inflacionantes é enorme,
a despeito de quem a faça.
Acadêmicos, empresários e
representantes de entidades
do segmento responsabili-
zam, no front externo, três
grandes grupos pelo cerne
do problema. Carga tribu-
tária, legislação e infra-es-
trutura têm pressionado a
subida dos preços, ainda não
ao ponto de fazer recuar as
taxas de crescimento do food
service, mas de impedir uma
expansão mais rápida, na
opinião da Associação Brasi-
leira de Bares e Restaurantes
(Abrasel). Para a entidade, o
ritmo médio de ampliação
de 18% ao ano, verificado en-
tre 2005 e 2010, poderia ser
maior não fosse o trio.
É dificílimo sustentar a
viabilidade financeira de um food service em grandes
centros urbanos do País. O empreendedor precisa li-
dar com uma carga tributária que sorve anualmente
de 35% a 40% de toda a riqueza produzida pelo setor
privado, um Estado sempre disposto a legislar. Dos lo-
cais nos quais as pessoas devem ou não fumar à forma
como é oferecido o couvert. Somado ao encarecimen-
to dos imóveis, aos imprescindíveis gastos com segu-
rança, a uma logística que, para se viabilizar, se vale
DINAMArCA
SuíçA
SuéCIA
BrASIL
EStADoS uNIDoS
HoNG KoNG
Us$ 8,31
Us$ 8,01
Us$ 7,64
Us$ 6,16
Us$ 4,07
Us$ 1,94
Índice Big Mac
o índice Big MAc the econoMist, A pArtir de 2011, pAssou
A AnAlisAr tAMBéM A relAção de vAlor entre As MoedAs
dos MAis de ceM pAíses pesquisAdos, tendo o dólAr coMo
divisA de referênciA, e não ApenAs o preço do lAnche eM
vAlores ABsolutos nestA MoedA. o reAl é A MoedA MAis
soBrevAlorizAdA do Mundo Ante o dólAr — 149% —, enquAnto
o sAnduíche BrAsileiro, nos cálculos dA revistA BritânicA, é o
quArto MAis cAro do Mundo, e o de hong kong, o MAis BArAto.
o topo do ranking é ocupAdo pelA dinAMArcA.
10
neGóCIo
dos fretes mais caros do
mundo e às dificuldades
de manter um ponto co-
mercial em endereços
com escassez de vagas
para carros. De cem esta-
belecimentos abertos, na
capital paulista, apenas
três completam dez anos.
Trinta e cinco fecham em
12 meses, uma tragédia
para um dos ramos que,
atualmente, mais atrai
novos empreendedores.
Outra lista de ingre-
dientes ajuda, no front
interno, a salgar os pre-
ços. “Falta de planejamento, falta de profissionalismo
e, principalmente, muitos empresários acham que
abrir um restaurante é ter alguém que cozinhe bem, o
que tem se comprovado bastante errado”, afirma Mar-
celo Traldi, professor de Gastronomia
do Centro Universitário Senac e autor
do livro Tecnologias Gerenciais de Res-
taurantes. Ele defende a melhora do
quadro a partir da experiência da maio-
ria dos bons chefs, que tem se associa-
do a pessoas com visão de gestão, divi-
dindo assim as tarefas de acordo com a
especialização de cada um.
Não obstante o inadiável ganho de
eficiência, os agentes do mercado de
food service sabem que ainda há muito
espaço para expansão. A experiência
americana ensina que o crescimento
da renda da população tende a ser re-
vertido em maior consumo no segmen-
to — exatamente o que ocorre por aqui.
A própria crise pela qual passam Euro-
pa e Estados Unidos tem sido bastante
didática. A readequação dos hábitos
alimentares não está acompanhando o
agravamento do cenário econômico. Ou
seja, menos empregos e menor renda não têm feito as
pessoas voltarem, necessariamente, a comer em casa.
Nos últimos três anos, houve um recuo de apenas 2%
nos gastos dos americanos com a alimentação fora do
lar, o que sugere uma certa consolidação
dos hábitos atuais.
Talvez estejamos diante de uma ir-
reversível mudança — a exemplo da in-
corporação ao cotidiano de celulares
e computadores domésticos. Como no
passado, fatores externos hegemônicos
moldaram as “necessidades” alimenta-
res — a novidade agora está no alcance
global do modelo, que se mostra a ex-
pressão maior de uma conquista. Enri-
quecemos de subjetividade algo objeti-
vo e primário como o ato de comer. Hoje
ele se mantém central não somente por
que desejamos ingerir um conjunto de
nutrientes que satisfaçam as demandas
do organismo, mas, sobretudo, porque
perseguimos o prazer dos sabores, as
experiências dos locais onde fazemos
refeições e as relações com quem divi-
dimos a mesa. Comíamos, no passado,
movidos pela fome; agora, por desejo.
trintA e dois quAdros coM uMA
pinturA de lAtA de sopA cAMpBell’s
forAM suficientes pArA suscitAr, eM
1962, o deBAte soBre enAlteciMento
Acrítico dAs MArcAs pelA
puBlicidAde e pelAs Artes. A fAMosA
oBrA do ArtistA Andy WArhol (1928-
1987) foi ApoiAdA forMAlMente
pelA fABricAnte do enlAtAdo,
contriBuindo pArA consolidAr
A pop Art nos estAdos unidos dA
contrAculturA.
Almoço e jantar
refrigerantes, cervejas e outros
Sanduíches e salgados
Agregadas e outras
Café da manhã
distriBuição dos gAstos coM food service
Fonte: IBGE/POF 2003 e ABIA.
2%7%
26%
23%
42%
12
hIstórIA
Yes, nós não tínhamos bananaCozinha brasileira se beneficiou das rotas lusitanas
Os relatos são inúmeros e as fontes as mais
diversas. De cronistas, padres, senhores
de engenho, humanistas a viajantes e até
corsários. As nacionalidades dos autores
formam outro mosaico. São franceses, ingleses, ale-
mães, italianos, espanhóis e portugueses. Com base
no testemunho dos viajantes que estiveram no Brasil
entre os séculos XVI e XIX, é possível determinar a
trajetória da cozinha brasileira. Todos reportam, em
detalhes, os hábitos alimentares, a culinária e os in-
gredientes utilizados no decorrer dos séculos. Assim,
o encontro do Velho com o Novo Mundo expõe suas di-
ferenças através dos primeiros contatos e, a partir daí
vão trocar experiências em técnicas de preparo, sabo-
res e misturas. Um exemplo, bem sucedido, é a “mesti-
çagem” da cozinha indígena com a portuguesa. Na fal-
ta de azeite de oliva, temperavam-se pratos com óleo
de peixe-boi; na ausência de farinha de trigo, faziam-
-se bolos à moda portuguesa, com a fina farinha de
mandioca — chamada de carimã. Quando vinho de uva
era um artigo raro, colonos e viajantes apreciavam as
bebidas indígenas, fermentados feitos de mandioca,
milho e de variados frutos nativos. Cada povo extraiu
o melhor da troca. Os europeus ampliaram o paladar
com as iguarias indígenas como a tanajura frita, as
rãs, os cágados, as cobras e o bicho-de-taquara. Já os
quArto AliMento MAis consuMido no
Mundo, cultivAdA eM cercA de 130 pAíses,
A BAnAnA teM origeM no sudeste Asiático,
nAs regiões que coMpreendeM hoje MAlásiA,
indonésiA e filipinAs. cientes dAs fAcilidAdes
de cultivo nos trópicos, os portugueses
iniciArAM o plAntio sisteMático no pAís já
no século xvi. o Alto retorno oBtido pelos
Agricultores consolidou A culturA, fAzendo
do BrAsil o segundo MAior produtor
MundiAl dA AtuAlidAde. tAMAnhA foi A
ABundânciA dAs colheitAs, eM certAs épocAs,
que os preços despencAvAM drAsticAMente,
dAí A expressão BrAsileiríssiMA “preço de
BAnAnA”. A crônicA políticA tAMBéM se
vAleu do fruto pArA clAssificAr Alguns
regiMes políticos dA AMéricA lAtinA pouco
institucionAlizAdos, dAí “repúBlicA dAs
BAnAnAs”. Ao lAdo, A versão pop dA BAnAnA
bY Andy WArhol (1928-1987). A ilustrAção
foi usAdA coMo cApA do lp THe VeLVeT
UNDeRGROUND & NiCO, de 1967.
por Camila taquari
13GOURMET
Yes, nós não tínhamos bananaCozinha brasileira se beneficiou das rotas lusitanas
14
hIstórIA
índios não gostaram muito das plantas e animais tra-
zidos pelos portugueses. Criavam galinhas para ven-
dê-las, mas não as comiam.
A formação da cozinha brasileira também se bene-
ficiou das rotas marítimas lusitanas entre o Oriente,
a América, a Europa e as Ilhas Atlânticas, nas quais
se transportavam plantas
e animais. Os portugue-
ses foram responsáveis,
no século XVI, por uma
forma de “intercâmbio”
botânico, com ampla di-
fusão de espécies nati-
vas, ao redor do globo.
Para o Brasil, foram tra-
zidas espécies asiáticas,
européias e africanas, e
daqui seguiram para os
quatro cantos do globo,
pelas viagens comerciais,
provocando permanentes
transformações na ali-
mentação, agricultura e
economia do mundo.
A paisagem litorânea
nordestina, no início do
século XVI, não ostentava os esplêndidos coqueirais,
já que a planta asiática ainda não havia sido trazida
pelos portugueses. Assim como as mangas e jacas,
frutas da Índia que só chegariam dois séculos depois.
Uma das primeiras a serem plantadas aqui, a banana,
nativa do sudeste asiático, provavelmente percorreu
um caminho mais rebuscado, veio da Ilha de São Tomé,
na África, também colonizada pelos portugueses. A
cana-de-açúcar, mais um exemplar da Ásia, chegou
ainda no século XVI e gerou todo um ciclo econômico,
além de impulsionar o transporte em larga escala dos
africanos, que também deram um toque especial na
culinária brasileira, com seu paladar mais apimenta-
do. Com as especiarias oriundas da Índia, como gen-
gibre e pimenta-do-reino, criaram alguns dos pratos
baianos mais famosos, cujos sonoros nomes, apesar
dos ingredientes asiáticos, denotam imediatamente
as raízes africanas. Como a moqueca, acarajé, bobó,
caruru e vatapá.
De Portugal vieram, laranjas, limões, marmelos,
figos e melões, assim como couves, alfaces, salsi-
nha, coentro e diversos legumes e verduras. Além
dos animais nativos, empregados na alimentação
Especiarias vindas da índia, como o gengibre e a pimenta-do-reino,
criaram pratos baianos
jeAn-BAptiste deBret (1768-1848)
MontA uM flAgrAnte-síntese
dA interAção entre senhores e
escrAvos, de cAsA-grAnde e senzAlA,
do BrAsil iMperiAl, nA AquArelA
UN DÎNeR BRÉSiLieN, produzidA eM
1827. exlorAção, Afeto, indiferençA,
funcionAlidAde, pertenciMento. A
relAção entre os personAgens não
perMite siMplificAções, é nuAnçAdA,
coMplexA e contrAditóriA
eM seu âMAgo.
indígena, os portugueses
introduziram as vacas,
porcos, cabras, carneiros
e galinhas. Tudo isso di-
versificou o cardápio bra-
sileiro. A troca de culturas
gastronômicas acontecia
predominantemente nas
costas brasileiras, já que o interior, carente de atrati-
vos imediatos, permaneceu quase inexplorado até as
expedições dos Bandeirantes. Os desbravadores pau-
listas partiram do Campo de Piratininga, atual Pateo
do Collegio, em São Paulo, somente no final do século
XVII e avançaram em direção ao sertão. Alargaram o
espaço geográfico e, segundo Gilberto Freyre (1900-
1987), construíram um país: “É uma civilização, a bra-
sileira, saída dos grandes arrojos Bandeirantes, sem
os quais não teria o Brasil adquirido sua vastidão em
espaço físico”, afirma o célebre sociólogo pernambu-
cano na obra Brasil Açucareiro.
A ausência de mulheres européias nas expedições
levou à miscigenação de portugueses com índias, que
acabou se mostrando essencial para a sobrevivência
deles e decisivo para a adaptação dos colonizadores à
alimentação nativa. Ao redor das casas, cultivavam vi-
16
nhedos, trigais, marmeleiros, goiabeiras, pessegueiros,
bem como desenvolviam a criação de animais domésti-
cos e as pastagens de engorda de gado. Os índios eram
seus guias nas incursões pelo sertão e, em suas costas,
carregavam farinha de milho, feijão, utensílios de cozi-
nha e munições para se defender. Mas o principal ele-
mento dessa longa lista era a farinha de mandioca, tão
apreciada pelos índios e uma espécie de personagem
épica da alimentação brasileira. Nativa do sudoeste
da Amazônia, já era utilizada pelos índios tupis. O uso
foi difundido sob diversas
formas na época dos bandei-
rantes. Além da farinha e do
beiju, era utilizada nos bolos
de carimã, polvilhos, gomas
e bebidas fermentadas. Até
hoje, a mandioca é um ali-
mento dos mais importan-
tes, sustentando pessoas não
só na América Latina, mas
também na África e Ásia. A farinha, não sem motivo,
recebeu do historiador potiguar Luís da Câmara Cascu-
do (1898-1986), a qualificação de “rainha do Brasil”, no
livro História da Alimentação no Brasil.
Os bandeirantes aprenderam, pelos caminhos, a
consumir todo tipo de alimentos silvestres: o coração
do palmito, cará, pinhão, amendoim, pacova, jenipa-
po, sapoti, cambuci, jabuticaba, jabuti e maracujá.
Também usavam o mel como um excelente néctar. Já
em épocas de escassez, devoravam pequenas larvas
retiradas da taquara ou do pau-podre, ovos de pássa-
ros, larvas de borboletas e gafanhotos. Para evitar que
a situação se repetisse, plantavam roças de subsistên-
cia no percurso. Colhiam, no caminho de volta, milho,
feijão, abóbora, cará e batata-doce, entre outros legu-
mes. A variedade de carnes, provenientes das caçadas
dos índios, incluía veado, caititu, preguiça, taman-
duá, queixada, capivara, tatu, anta, paca, cutia, gam-
bá, macaco e, literalmente, cobras e lagartos. Com os
índios também aprenderam a comer o peixe fresco
enrolado em folhas de bananeira, assado ou cozido.
O milho e derivados ocupavam papel fundamental na
dieta, dando origem ao angu, canjica, curau, pipoca
e, entre outras delícias, a festejada pamonha. Nascia,
assim, durante as Entradas e Bandeiras, a culinária
paulista.
José de Alcântara Machado (1875-1941) escreveu
em Vida e Morte do Bandeirante: “Ao contrário do
que acontecia no Nordeste, os portugueses e mame-
lucos, moradores da Vila de Piratininga, de vida mais
simples, adotaram a cozinha indígena: consumiam
feijão, palmito, angu de fubá, canjica.” A primeira
refeição do Bandeirante era a jacuba, mistura de fa-
rinha de milho diluída em
água ou cachaça, adoçada
com rapadura. A integração
entre índios e portugueses
deu origem também à cozi-
nha caipira de São Paulo, pro-
duzindo um cardápio exten-
so que contempla salgados
e doces, característicos da
cozinha paulista. Exemplo é
o trivial das segundas-feiras nos bares da capital — o
consagrado virado à paulista. Outros clássicos são o
cuscuz paulista, o pastel, que tem origem remota na
China, a galinhada, o angu, a paçoca de carne-seca ou
de amendoim, o frango caipira ou recheado com faro-
fa, o pernil com farofa, a canjica, o curau, a pamonha,
a marmelada, a goiabada — e muito mais.
Na suas buscas por terra, ouro e índios, os Bandei-
rantes chegaram às Minas Gerais, no final do século
XVII. Levaram os hábitos alimentares para a província
e deram contribuição fundamental na formação da co-
zinha mineira. Procuravam, sempre, carregar alimen-
tos secos e duráveis. Quando pousavam, logo fixavam
o caldeirão em uma corrente, sobre um couro inteiro
de boi em chão batido e começavam a cozinhar o fei-
jão com toucinho, que daria origem ao feijão tropeiro
— prato representativo dessas jornadas. A maneira de
preparar consistia em feijão cozido que, depois de se
retirar o caldo, era refogado em gordura de porco, à
moda portuguesa, e misturado com farinha de man-
dioca. Um prato autenticamente bandeirante, que
muitas vezes se faz acompanhar de frango em suas
inúmeras versões — ao molho pardo, com ora-pro-nó-
Bandeirantes aprenderam a consumir todos os tipos
de alimentos silvestres
hIstórIA
17GOURMET
bis, com quiabo, ao lado do angu e da couve refogada.
Assim como o leitãozinho assado, o milho canjiquinha
com costelinha, a lingüiça e o lombo, sempre prepara-
dos, em Minas Gerais, em panelas de pedra-sabão. Já
no café da tarde não podem faltar broas de fubá ou de
milho, pão de queijo, bolo de fubá, biscoito de polvilho
e sequilhos. Até hoje, quem visita qualquer fazenda
mineira, pode degustar o trivial variado, composto de
feijão refogado na banha de porco, lingüiça, torresmo
e angu. Aos domingos se deliciar com lombo de porco
cApA produzidA pelo pintor
holAndês AlBert eckhout
(1610-1665) pArA A céleBre edição
de 1648 dA HiSTORiA NATURALiS
BRASiLiAe, de AutoriA de georg
MArcgrAve (1610-1644) — que erA
Médico, nAturAlistA, AstrônoMo,
cArtógrAfo e MAteMático. foi o
priMeiro trAtAdo de etnogrAfiA,
lingüísticA indígenA, zoologiA e
BotânicA BrAsileirAs — puBlicAdo
conjuntAMente coM o trABAlho
soBre ervAs MedicinAis do Médico
WilleM piso (1611-1678). A oBrA de
MArcgrAve docuMentA A florA e
os espéciMes vivos encontrAdos
no jArdiM zooBotânico do
pAlácio de friBurgo, construído
por MAurício de nAssAu (1604-
1679) — e AtuAl pAlácio dAs
princesAs, sede do governo
de pernAMBuco.
ou galinha assada, acompanha-
da de couve e farinha de milho.
De sobremesa, algumas colhe-
res de compota de cidra ou de
goiaba. Também o doce de leite,
acrescido de uma fatia de queijo-
-de-minas — fresco ou curado.
Se o típico cardápio mineiro
se manteve praticamente inalte-
rado ao longo dos séculos, o mes-
mo não se pode dizer da culinária
paulista, à qual os imigrantes do
final do século XIX tentaram se
acostumar — não sem grande es-
tranheza. Desembarcados aqui
para trabalhar na lavoura cafeeira, no final do século
XIX, europeus e asiáticos se depararam com o impres-
cindível arroz com feijão, ingredientes trazidos pelos
colonizadores, mas casados no mesmo prato nas Améri-
cas. Encontraram também outras variedades de origem
européia preparadas com ingredientes locais. Mas, ao
longo do século passado, europeus e asiáticos acaba-
riam por influenciar decisivamente o paladar nacional
— sem que se perdesse a contribuição das etnias forma-
doras da nacionalidade brasileira e de nossa mesa.
18
É de churrasco que o gaúcho gostaE todo o Brasil também aprendeu a apreciar
hIstórIA
por evanildo silveira
19GOURMET
Caminhoneiros gaúchos popularizaram em todo
País o churrasco
eM ciMA do pingo, cAvAlo, o gAúcho AtrAvessA os
pAMpAs e As coxiAs, enfrentA frio, vento MinuAno e
chuvA. nuncA ABAndonA o pAgo nAtAl e, coMo nA
oBrA do escritor érico veríssiMo (1905-1975), jAMAis
rejeitA uMA BoA pelejA. A ilustrAção À esquerdA é do
ArtistA cAriocA getulio delphiM.
De um buraco no chão na imensidão dos
pampas gaúchos às mesas de sofistica-
dos restaurantes nas maiores cidades do
mundo. Não há como negar a trajetória
de sucesso do churrasco. Durante muito tempo, foi
um símbolo da comida de gaúcho, tão típico quanto
o chimarrão, a bombacha e as boleadeiras. A carne
assada no espeto é tradição há mais de três séculos
no Rio Grande do Sul. Com o tempo, no entanto, mais
precisamente a partir de meados do século passado, o
churrasco começou a se a espalhar pelo Brasil afora,
virou sinônimo de confrater-
nização dos amigos no final
de semana e hoje é uma pai-
xão nos quatro cantos do país.
E muito além. Também pode
ser saboreado em diversas
partes do planeta, em países
tão diferentes quanto os Esta-
dos Unidos e a China.
O sucesso começou pelas mãos dos caminhoneiros
gaúchos, que transportavam mercadorias por todo o
país e estimularam o surgimento de churrascarias à
beira das estradas. Eram estabelecimentos que ser-
viam rodízio, ou espeto corrido, como se diz no Rio
Grande do Sul, sistema criado para que não faltasse
nenhum tipo de carne aos clientes. A exportação des-
se modo de preparar a carne também se deve aos gaú-
chos, principalmente empresários, donos de churras-
carias que, em busca da ampliação de seus negócios,
abriram filiais em outros Estados e em outros países.
É o caso, por exemplo, da rede Fogo de Chão, nas-
cida no Rio Grande do Sul em 1979, quando os irmãos
Jair e Arri Coser abriram o primeiro restaurante em
Porto Alegre. Sete anos depois, inauguravam a pri-
meira casa em São Paulo, em Moema, na zona sul da
capital, e em 1997, a marca chegava aos Estados Uni-
dos. Hoje, a rede tem mais estabelecimentos fora do
que dentro do Brasil. São sete unidades em território
nacional. Três em São Paulo e mais uma em Brasília,
Belo Horizonte, Salvador e Rio de Janeiro. Dezesseis
nos Estados Unidos, com previsão de abrir uma nova,
ainda em 2011, em Las Vegas, e outra no ano seguin-
te em Orlando, na Flórida. Com faturamento anual
de cerca US$ 170 milhões, o controle da rede Fogo de
Chão não pertence mais aos irmãos Coser. Foi adqui-
rido, em agosto de 2011, pela gestora de fundos de pri-
vate equity GP Investments.
Os apreciadores da rede, no entanto, podem ficar
tranqüilos, pois a mudança de
dono não vai implicar em alte-
ração na maneira de servir e
na qualidade do churrasco ofe-
recido aos clientes. É o que ga-
rante Jandir Dalberto, dirigen-
te da Fogo de Chão, no Brasil.
E ele fala com a propriedade de
quem ingressou na casa há 20 anos, como garçom, e
conhece todos os detalhes da operação. Dalberto afir-
ma que, diferentemente de outras churrascarias, com
buffets repletos de peixes e frutos do mar, Fogo de
Chão concentra-se no principal: a carne. “Nossa força
reside justamente nos cortes de primeira, dos quais se
destacam a picanha, o bife ancho, a costela premium,
a fraldinha, a costeleta de cordeiro e o exclusivo shoul-
der steak — primeiro corte nobre da parte dianteira do
boi”, orgulha-se Dalberto.
Qualidade também é a preocupação número um
da rede Rubaiyat, com cinco restaurantes, três em
São Paulo, um em Madri e um em Buenos Aires, este
com o nome de Cabaña Las Lilas. A história começou
em 1951, quando o jovem Belarmino Iglesias desem-
barcou em Santos, vindo de uma pequena aldeia da
Galícia, região espanhola ao norte de Portugal. Em
São Paulo, Iglesias lavou pratos, trabalhou como aju-
dante de garçom e maître na churrascaria A Caba-
na, uma das melhores da cidade, localizada na época
na Avenida Rio Branco. Foi convidado por seus pa-
trões, em 1957, para ser sócio de uma nova casa, o
Rubaiyat, inaugurado naquele ano na Avenida Vieira
de Carvalho, no centro da capital paulista.
20
hIstórIA
teve vertiginosA Ascensão eMpresAriAl eM são pAulo o espAnhol gAlego BelArMino iglesiAs,
proprietário dos restAurAntes ruBAiyAt, verdAdeiros teMplos dAs cArnes. ele chegou Ao
BrAsil eM 1951 e foi trABAlhAr lAvAndo prAtos nA churrAscAriA pAulistAnA A cABAnA. seis Anos
depois, já erA proprietário do RUBAiYAT — que então tinhA uM só endereço, À AvenidA vieirA de
cArvAlho. As cAsAs de iglesiAs serveM cArnes vindAs diretAMente dA FAZeNDA RUBAiYAT.
Cinco anos depois, Iglesias já era o único dono da
churrascaria. O Rubaiyat da Vieira de Carvalho fe-
chou as portas em 1998. Mas as outras três casas do
grupo em São Paulo mantêm a marca da família Igle-
sias — alta qualidade no prato, oferecendo ao cliente o
melhor produto e um atendimento cordial e caloroso.
Belarmino Iglesias Filho está atualmente à frente
dos negócios da rede. Os Iglesias, além dos restau-
rantes, são proprietários da Fazenda Rubaiyat, em
Dourados, no Mato Grosso do Sul. “Há um trabalho
na fazenda, inclusive genético, que resulta numa se-
leção de bovinos, suínos, frangos, javalis de ótima
qualidade para o corte”, explica Iglesias Filho.
Nas vastidões desabitadas, o gado pastava solto e o
pampeano aprendeu a aproveitar ao máximo tudo o que
o boi tinha a oferecer como alimento. O sangue conser-
vado, por exemplo, servia de tempero, e a gordura garan-
tia a maciez. A receita era simples, como a forma de vida
dos gaúchos campeiros. Primeiro, era feito um grande
buraco na terra e acendia-se um fogo com o que houves-
se disponível. Depois, a carne era transpassada por um
pedaço de pau, o espeto, colocada inclinada sobre o fogo
e virada lentamente até ficar no ponto desejado.
Essa maneira de assar a carne era comum — e ain-
da é — na região do campo. Mas há outras pequenas
variações, dependendo da região do Rio Grande do
Sul. Na fronteira, por exemplo, usa-se mais a grelha
do que o espeto, influência de argentinos e uruguaios.
Na Serra Gaúcha, quase sempre, a carne é assada em
espetos deitados sobre duas varas horizontais, apoia-
das em forquilhas, que correm junto às bordas de uma
vala, a uma altura média de 60 centímetros. A carne é
movimentada, permitindo um assado uniforme.
Há ainda outra forma de fazer churrasco, pouco
comum, que é adotada em al-
gumas regiões quando se tem
pressa e não há espetos. A carne
é jogada diretamente nas bra-
sas, e depois de pronta, é só tirar
algum carvão que tenha gruda-
do e saborear o assado. Posso
assegurar que fica bom, pois
na minha infância, passada na
zona rural do Rio Grande do Sul,
provei a carne preparada dessa
forma. E, mesmo atualmente,
depois de tantos anos distante
das terras gaúchas, sempre que
saboreio um churrasco, me volta
à memória a imagem do hori-
zonte amplo dos pampas, alguns
cavaleiros ao redor do fogo e a
indescritível sensação de liber-
dade, que só um menino conse-
gue sentir.
usa-se muito mais a grelha do que o espeto nas regiões de fronteira devido à influência de nossos vizinhos argentinos e uruguaios
22
Imigrantes formam paladar brasileiroVilas operárias italianas consagraram a macarronada
por Albino Castro
luMinoso sAlão dA
confeitAriA glóriA, no
centro histórico de
recife, propriedAde do
liBAnês Aziz rABAy, que
tAMBéM erA dono, nA
cApitAl pernAMBucAnA,
do HOTeL GLóRiA e
dAs LOjAS ReUNiDAS
GLóRiA. locAlizAdA no
núMero 200 dA ruA
novA, esquinA coM
A ruA pAlMA, onde,
AtuAlMente, existe
uMA dAs lojAs dA rede
exóTiCA CALçADOS. foi
nA CONFeiTARiA GLóRiA
que seriA AssAssinAdo,
eM 26 de julho de 1930,
o então presidente dA
provínciA dA pArAíBA,
joão pessoA, que hoje
dá noMe À cApitAl
do estAdo. ele erA
cAndidAto A vice-
presidente dA repúBlicA
nA chApA de getúlio
vArgAs e foi Morto pelo
desAfeto político
joão dAntAs.
IMIGrAntes
Apadrinhados pelo casal imperial, D. Pe-
dro I (1798-1834) de Bragança e Dª– Maria
Leopoldina (1797-1826), da Corte austrí-
aca de Habsburgo, os alemães foram os
primeiros imigrantes que desembarcaram no Brasil,
em 1824, dois anos depois de nossa Independência.
Um outro alemão se tornara uma figura lendária
quando aqui esteve por duas vezes, Hans Staden, em
1548 e 1549, o aventureiro que quase virou o jantar
de índios canibais que habitavam o litoral paulista,
após ter caído prisioneiro em São Vicente e sido leva-
do para Ubatuba pela tribo dos tupinambás. Staden
escapou milagrosamente de ir para o caldeirão dos
canibais e escreveu o célebre livro Duas Viagens, pu-
blicado, em 1557, na Alemanha, narrando a odisséia
que viveu no País. Quase três séculos depois, quando
chegaram os primeiros imigrantes compatriotas de
Staden, já não havia canibalismo no Brasil. Os ale-
mães se fixaram em São Leopoldo, no Vale do Sino,
próximo a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O Bra-
sil, desde então, nunca mais parou de receber imi-
grantes de todos os pontos do mundo. Temos hoje
uma nova leva de imigrantes provenientes de países
da América Latina, mas também da Ásia, Oriente
Médio e da Europa — estes, principalmente, depois
da crise econômica que sacode o continente.
Os imigrantes encontraram um país independen-
te e uma nacionalidade forte. Mas, integrando-se à
nova nação, também deixaram marcas definitivas no
nosso caráter e na nossa cultura. Sobretudo à mesa.
23GOURMET
hAviA nA ensolArAdA e tropicAl sAlvAdor, durAnte quAse todo o século pAssAdo,
almacenes e pastelarías por todA A cidAde, cujos proprietários e eMpregAdos
erAM, invAriAvelMente, iMigrAntes espAnhóis dA região dA gAlíciA — coMo
eM Buenos Aires, Montevidéu e hAvAnA. tAMBéM todAs As pAdAriAs dA cApitAl
BAiAnA erAM de gAlegos. nA MArAvilhosA foto AciMA, ApArece, eM 1917, Atrás do
BAlcão, o joveM rAMiro cAstro losón, de suspensórios, nuM almacén dA prAçA
flor dos veterAnos, Ao lAdo dA celeBrAdA BAixA dos sApAteiros, inspirAdorA do
coMpositor Ari BArroso (1903-1964). don rAMiro, coMo seriA reverenciAdo MAis
tArde, erA nAturAl de xunqueirAs, AldeiA próxiMA de vigo. os presuntos que
ApAreceM expostos vinhAM diretAMente dAs AldeiAs dA gAlíciA.
Os italianos, brava gente, começaram a chegar quase
no final do século XIX, para, em grande parte, substi-
tuir, nas plantações de café, a mão-de-obra escrava. A
abolição da escravatura levou para as cidades quase
todas as famílias de origem africana e o campo ficara
vazio. Os italianos praticamente passaram a ocupar as
antigas senzalas. Mas só por poucos anos. Eles acaba-
riam sendo os grandes protagonistas da Revolução In-
dustrial do Brasil — através de empreendedores como
Francesco Matarazzo e de milhares de operários. Popu-
larizam-se rapidamente os salões de festas dos novos
endinheirados italianos na região da atual Avenida
Paulista. Também se multiplicaram em poucos anos as
peninsulares vilas operárias espalhadas por toda cida-
de, semelhantes às de Turim, Genova e Milão, ocupan-
do os bairros do Bixiga, Lapa, Luz,
Bom Retiro, Moóca, Brás, Belém e
Vila Prudente. Nasceu assim, nos al-
moços de domingo, a macarronada
da mamma, feita com massa casa-
reggia, produzida em casa, acompa-
nhada muitas vezes por vinho de garrafão, com gosto
de uva, como se dizia na Serra Gaúcha — e que servia
para matar a saudade do Bel Paese.
Das vilas operárias italianas, com a ajuda dos ca-
pitães da indústria, surgiram dois dos mais amados
clubes brasileiros, o Corinthians, criado em 1910,
e o Palestra Itália, em 1914, atual Palmeiras, ambos
fundados no Bom Retiro, bairro que, a partir do final
dos anos 1930, passou a ser o endereço de milhares
de judeus que fugiam às perseguições na Europa. O
Palestra Itália é dissidência do Corinthians. Há tam-
bém o querido Juventus, da Moóca, fundado, em 1924,
pelo Conde Rodolfo Crespi (1874-1939), natural do Pie-
monte, que homenageou os dois tradicionais clubes
de Turim, capital da sua região — no nome, o Juventus,
24
vendidAs já esMAgAdAs
e prepArAdAs coM
especiAriAs, pArA AléM
de BAnhAdAs nos
deliciosos Azeites de
olivA liBAneses, As
AzeitonAs do pAís dos
cedros são ApreciAdAs
eM todo o Mundo pelo
seu sABor ligeirAMente
AMArgo e próprio
pArA ser degustAdo
nA coMpAnhiA dA
coAlhAdA secA. os
BrAsileiros cAdA vez
MAis ApreciAM As
AzeitonAs do líBAno.
Libaneses e japoneses encontraram a barreira da língua, alfabeto e dos
ingredientes para a cozinha
IMIGrAntes
preto e branco, e, na cor, o Torino, que é grená. O Cru-
zeiro, de Belo Horizonte, também foi Palestra Itália —
o clube mineiro e o paulista foram obrigados a trocar
o nome durante a Segunda Guerra Mundial, quando
o Brasil, aliado aos Estados Unidos, se bateu em solo
italiano contra os exércitos da Itália e da Alemanha.
Ergueu a Copa Jules Rimet, em 1958, em Estocolmo,
na Suécia, nossa primeira conquista mundial, um fi-
lho de italianos, o capitão Bellini, nascido em Itapira,
no interior de São Paulo. Bellini tem hoje 82 anos e é
meu vizinho no bairro paulistano de Higienópolis. Fi-
guravam entre os 22 jogadores que foram ao Mundial
de 1958 mais cinco oriundi: De Sordi, Dino Sani, Ma-
zola, apelido de José Altafini, Dida, cujo sobrenome
era Santa Rosa, e o laureadíssimo Zagallo.
Nenhum outro país contribuiu tanto para a mesa
brasileira como a Itália. Até mesmo a expressão “ter-
minar em pizza”, hoje muito malvista, por significar
impunidade aos crimes de corrupção, tem origem, nos
anos 1950 e 1960, nas in-
termináveis brigas entre
torcedores, associados,
conselheiros e dirigentes
do Palmeiras, que, por fim,
se abraçavam e iam todos
comer pizza. Mas, se os
italianos foram os pri-
meiros a impor a cozinha,
também conquistaram o
paladar brasileiro os imi-
grantes libaneses e japo-
neses — que encontraram,
nos primeiros anos, mais
dificuldades de adaptação
por causa da barreira da
língua e do alfabeto, bem
como para encontrar os
ingredientes de seus pra-
tos. O quibe está em todo
o País. Também o Sushi.
E o que dizer da contri-
buição dos alemães? Sal-
sichas, saladas de batatas
e cerveja são uma paixão
nacional. Impossível imaginar a Semana Santa sem
o bacalhau à mesa — o mais português dos pratos por-
tugueses. Espanhóis trouxeram a Paella — e não só.
Forte também a presença da cozinha chinesa, difun-
dida no Brasil, porém, na versão mais simplificada.
Armênios estão presentes em São Paulo na Luz e em
Santana — cozinha próxima à libanesa e à síria. Num
só bairro de São Paulo, o Bom Retiro, encontra-se um
típico e barulhento restaurante grego, o Acrópoles, e
vários locais onde é possível comer especialidades ju-
daicas da Europa Central.
Tenho um carinho muito especial pelos imigran-
tes e pela cozinha que trouxeram de memória nas su-
focantes terceiras classes dos navios provenientes da
Europa e da Ásia. Eu mesmo sou neto e filho de imi-
grantes — de pai espanhol e mãe libanesa. O meu avô
paterno, Ramiro Castro Losón, foi dono de almacenes
em Salvador e o meu avô materno, Aziz Rabay, pro-
prietário da Confeitaria Glória, no Recife.
26
Una cucina brasiliana cem por cento italiana Cardápio peninsular no Brasil é cosa nostra
O processo de imigração italiana, princi-
palmente para São Paulo, influenciou de
forma definitiva aspectos culturais e há-
bitos dos brasileiros, destacadamente na
culinária. O cheiro do molho da macarronada aos
domingos, o aroma da pizza saindo do forno a lenha,
o perfume do panettone, que traz as lembranças do
Natal, cada prato típico italiano penetrou na vida de
milhões de brasileiros e tornou-se parte do país que
os acolheu.
As festas celebradas todos os anos pela comunida-
de ítalo-brasileira — entre elas San Gennaro, que em
português é chamado de São Januário, San Vito, Nos-
sa Senhora Achiropita e Nossa Senhora Casaluce — fi-
zeram fama pela fartura de comidas típicas e atraem
descendentes de todas as nacionalidades, refletindo
a unanimidade do gosto pela culinária trazida do Bel
Paese e popularizada pelos oriundi.
A cozinha italiana no Brasil começou a difundir-
-se entre os anos de 1890 e 1930, com a chegada do
segundo grande grupo de imigrantes italianos, com
perfil de mão-de-obra mais capacitada e trazendo re-
cursos próprios. Presidente da Federazione Italiana
Cuochi (FIC) para o Brasil e América Latina, Bruno
Stippe, afirma que os italianos naquela época não en-
contraram grandes obstáculos para adaptar a cozinha
peninsular aos ingredientes encontrados no Brasil.
por Amarilis Bertachini
ItáLIA
uM dos pAis do RiSORGimeNTO, A reunificAção dA itáliA
nA segundA MetAde do século xix, GiUSeppe GARiBALDi
(1807-1882), foto Ao lAdo, não conseguiu incluir A suA nice
nAtAl no reino de sAvoiA. nice continuA Até hoje frAncesA.
gAriBAldi é considerAdo herói de dois Mundos por ter se
BAtido pelos repuBlicAnos, não só nA europA, MAs tAMBéM
no BrAsil, quAndo, Ao lAdo do gAúcho Bento gonçAlves,
lutou pelA independênciA do rio grAnde so sul. foi cAsAdo
coM A BrAsileirA AnitA, nAscidA nA locAlidAde cAtArinense
de lAgunA, e Aprendeu, nos pAMpAs, A sABoreAr A cArne
AssAdA Ao Ar livre. fiel À origeM fAMiliAr genovesA, tinhA,
poréM, coMo prAto preferido o SpAGHeTTi AL peSTO —
espAguete que Até MeAdos do século xx erA seco Ao sol,
coMo nA foto ABAixo, nA MeMorável nápoles, porto de
pArtidA de MilhAres de itAliAnos que pArA cá vierAM.
28
A maior parte dos imigrantes foi atraída para São
Paulo pelas oportunidades de trabalho, e muitas famí-
lias italianas tiveram influência marcante no desen-
volvimento cultural, comercial e industrial do Estado,
como os Papaiz, Bauducco, Comolatti, Fasano e Ma-
tarazzo. O avô de Bruno Stippe, o siciliano Francesco
Stippe, trabalhou como cozinheiro do Conde Matara-
com a abertura das importações no Brasil. “Antes,
mesmo os restaurantes italianos tinham que fazer
uma cozinha mista, porque só podiam usar os ingre-
dientes disponíveis no mercado interno. O Terraço
Itália, o Fasano, o Ca’d’Oro, todos faziam cozinha hí-
brida”, diz Bruno Stippe. Com o acesso a ingredientes
genuinamente italianos foi possível desenvolver uma
cozinha mais próxima da peninsular.
Calcula-se que vivam hoje no Brasil
aproximadamente cerca de 30 milhões de
italianos e descendentes. Há quem afirme
que só no Estado de São Paulo, exista algo
em torno de 35 mil de estabelecimentos
que oferecem algum tipo de prato italiano
no cardápio. Incluem-se, aí, até lanchone-
tes que às quintas-feiras servem uma la-
sanha da mamma.
Preocupado em conservar a originali-
dade da culinária dos ancestrais, Bruno
Stippe trouxe para o Brasil, em 2006, a
FIC, em que estão cadastrados cerca de
cem chefs que tiveram comprovadas as
contribuições à gastronomia italiana e
que se enquadraram em determinados cri-
térios, entre eles, o de serem profissionais
que praticam cardápios com pelo menos
30% da autêntica cozinha do Bel Paese.
Foi também o cuidado em preservar as raízes da
cozinha italiana que fez de São Paulo, em 2010, a
primeira cidade do mundo, fora da Itália, a receber o
selo de autenticidade e qualidade chamado Ospitali-
tà, por meio da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio,
Indústria e Agricultura de São Paulo. O certificado foi
entregue a 30 restaurantes paulistas reconhecidos
como autenticamente italianos.
Para ter direito ao selo, Erica Bernardini, diretora
de marketing da Câmara, diz que o restaurante preci-
sa atender a pelo menos dez requisitos básicos. Entre
eles, é preciso que o cardápio, além de escrito em por-
tuguês, também esteja em italiano — e sem erros gra-
maticais. Outro item importante é que o restaurante
deva ter pelo menos uma pessoa que saiba falar ita-
liano. A carta de vinhos deve oferecer um mínimo de
30% de rótulos italianos e, pelo menos, 5% têm que ser
zzo e morava na casa do patrão. Ao casar-se, em 1931,
alugou um imóvel no Bixiga, com duas canchas de
bocha, onde, junto com sua moradia, acabou montan-
do uma pensão para servir refeições e proporcionar
diversão para os italianos. “A culinária era a única
rota de fuga que o italiano tinha, no Brasil, para se
lembrar da casa dele”, conta Bruno Stippe. O negócio
prosperou e, em 1940, Stippe transferiu sua residên-
cia e deixou o imóvel exclusivamente para o restau-
rante. O endereço é o mesmo onde está até hoje a can-
tina C... Que Sabe!, agora administrada pela terceira
geração da família Stippe, servindo pratos típicos da
Itália meridional.
A culinária italiana passou por mudanças mais ex-
pressivas nos últimos 15 anos, explica Bruno Stippe,
itAliAníssiMo spAghetti Al sugo, Molho À BAse de toMAte, coM folhAs de
basilico, o MAnjericão, é uM clássico dA dietA MediterrâneA. vAi BeM nos
diAs de priMAverA e verão. e por que não tAMBéM no outono e no inverno?
ItáLIA
30
DOC (Denominazione di Origine Controllata). O azeite
deve ser o extra-virgem italiano e o cardápio deve con-
ter 50% ou mais de pratos originais da Itália, ou seja,
a receita tradicional não
pode ser modificada e deve
manter o nome. “Esse é um
dos pontos fortes do cer-
tificado, porque se perdeu
muito da tradição devido à
imigração que precisou fa-
zer adaptações na culinária
italiana no Brasil”, explica
Erica Bernardini. A cada ano serão concedidos novos
selos e será reavaliada a manutenção dos já premia-
dos. A cantina C... Que Sabe! foi um dos 30 estabeleci-
mentos certificados em 2010.
Para o gourmand Silvio Lancellotti, filho de sicilia-
nos e também jornalista, a influência italiana na mesa
brasileira começa antes dos grandes movimentos da
imigração. Tem início na metade do século XIX, quan-
do vieram imigrantes hoteleiros a convite de gente im-
portante do Brasil, principal-
mente para São Paulo e Rio de
Janeiro. Foram eles, segundo
Lancellotti, que trouxeram o
sorvete e começaram a impor-
tar alguns produtos da Itália.
O gourmand também faz
questão de registrar outro
momento histórico, que foi a
sofisticação dos estabelecimentos italianos a partir
dos anos 1950. Ele credita a mudança principalmen-
te à chegada da família Tatini, vinda da Toscana em
1954, cujo restaurante, em São Paulo, é administrado
atualmente pela terceira geração. “Eles trouxeram
conceitos novos como, por exemplo, o uso de frutos
do mar, que antes eram quase desprezados. Ninguém
comia vongole, os pescadores jogavam fora, assim
como o linguado, que era um peixe considerado muito
feio. Também não se usava creme na cozinha e pou-
cos restaurantes faziam sua própria massa”, conta
Lancellotti, acrescentando: “O conceito de finalizar
alguns pratos à mesa também veio com os Tatini.”
Em associação à ideia de uma nova cozinha fran-
cesa no Brasil, teve início também aqui a nova cozi-
nha italiana, mais bonita na apresentação dos pratos,
buscando a estética além do sabor. Lancellotti lembra
que não há uma única culinária italiana, mas, sim, di-
ferentes cozinhas regionais, que totalizam cerca de 40
estilos diferentes, cada um com sua peculiaridade, in-
gredientes, receitas e até modos de preparo distintos.
“O Ca’d’Oro era uma cozinha lombarda, com caracte-
rísticas da cidade de Bergamo” — afirma Lancellotti.
“Giancarlo Bolla, do restaurante LaTambouille, veio
da Liguria, cuja capital é Genova, e trouxe elementos
daquela região. Massimo Ferrari, ex-dono do Mas-
simo, atualmente no comando da rotisseria Felice e
Maria, é uma mistura das regiões do Piemonte, no
extremo norte da Itália, onde se encontra Turim, com
a Calábria, ao sul, em frente à Sicília. É uma combina-
ção sofisticada, mas de duas gastronomias completa-
mente diferentes”, conclui Lancellotti.
“Ninguém comia vongole, e linguado era um peixe considerado muito feio”
típicA cAntinA dA itáliA MeridionAl, C... QUe SABe! segue no BixigA
pAulistAno soB o coMAndo dA quArtA gerAção dA fAMilíA siciliAnA
stippe — deseMBArcAdA eM são pAulo eM 1932, Ano dA revolução
constitucionAlistA pAulistA. tAMBéM no cArdápio está estAMpAdA A
fidelidAde Às origens verificAdA no visuAl do sAlão. A cAntinA ostentA
o selo ospitAlitÀ, honrAriA concedidA pelA câMArA ítAlo-BrAsileirA de
coMércio, indústriA e AgriculturA de são pAulo, Aos estABeleciMentos
coMproMetidos coM indicAdores de quAlidAde e procedênciA de
produtos. cArdápio eM itAliAno e uM maître que fAle o idioMA de dAnte
Alighieri (1265-1321) são dois itens fundAMentAis pArA oBter o selo.
ItáLIA
31GOURMET
Já é tradição enfrentar fila domingo em São Paulo
em todos os restaurantes
Antonio BuonerBA, o toninho, proprietário do jArdiM de nApoli,
de são pAulo, fez históriA nA trAdicionAl cozinhA itAliAnA Ao criAr, Aqui, A
receitA de polpettone, nA versão alla parmigiana, coM Molho de toMAte e
queijo. toninho pAtenteou o prAto, MAs não iMpediu que dezenAs
de concorrentes copiAsseM o delicioso invento.
A transformação da culinária originalmente pra-
ticada pelos imigrantes incluiu a fusão com ingre-
dientes tipicamente brasileiros, resultando em uma
versão abrasileirada de pratos italianos. Como cappel-
letti recheado com carne-seca — embora exista uma
deliciosa carne-seca na Sicília. Também a lasanha de
alho-poró e nhoque de mandioquinha. Muitos restau-
rantes italianos no Brasil também seguem a moda da
cozinha mediterrânea, reconhecida como uma comi-
da saudável, rica em carboidratos e farta em peixes,
frutas e muito azeite de oliva.
“A cozinha italiana começou a se modernizar a
partir de 1970. Tornou-se mais leve, as massas pas-
saram a ser feitas com menos farinha, os molhos
ficaram mais elaborados e menos pesados”, conta
Joaquim Saraiva de Almeida, Presidente da Associa-
ção Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo
(Abrasel-SP). Ele ressalta que hoje a culinária italiana
está tão disseminada no Brasil que é comum encon-
trar no cardápio de qualquer restaurante uma varie-
dade de pelo menos meia dúzia de massas.
Apesar da grande concorrência e de tantas evolu-
ções, há sempre aqueles que se destacam e cujos pra-
tos não se alteram ao longo do tempo. Um dos ícones
da tradição italiana em São Paulo é o restaurante Jar-
dim de Napoli, que ficou famoso pelo Polpettone alla
Parmigiana, um prato criado ao acaso pelo proprie-
tário, Antonio Buonerba, o Toninho. Apesar de ter o
título registrado e patenteado, o prato — uma grande
almôndega recheada com
mozzarella e coberta com
molho de tomate e parme-
são ralado — é imitado em
dezenas de restaurantes
paulistanos que tentam re-
produzir a receita.
A fórmula desse prato
que virou um sucesso co-
meçou quando Toninho, filho do casal de imigrantes
italianos que fundou o restaurante, tentava descobrir
um aproveitamento para as sobras de filé mignon usa-
do no preparo de outros pratos. “Fui criado na cozinha
com a minha mãe. Trabalhei anos nessa receita até
chegar ao ponto ideal. O polpettone na Itália é diferen-
te, é um bolo de carne recheado com legumes e vai ao
forno. O meu é alla parmigiana, com molho e queijo”,
conta Toninho. O Jardim de Napoli chega a vender
até 400 polpettones por dia nos finais de semana. E
é preciso chegar cedo para conseguir um lugar. Caso
contrário, será necessário aguardar um bom tempo
na fila, quase sempre cercado
de grandes, famintas e baru-
lhentas famílias de origem
italiana, que tomam vinho,
conversam e se confraterni-
zam enquanto esperam uma
mesa livre.
Aliás, fazer fila aos domin-
gos nos restaurantes italianos
já se tornou uma tradição na capital paulista. Seja uma
simples cantina, seja um estabelecimento requintado,
moderno ou conservador, tenha um chef ou simples-
mente um cozinheiro, todos estão à espera de um bel
piatto di pasta, para acompanhar a alegria do fim de
semana na maior cidade italiana fora da Itália.
32
proprietário e diretor de redAção
dA revistA GOSTO, o jornAlistA
j. A. diAs lopes, fundAdor tAMBéM
de GULA, é colunistA do jornAl
O eSTADO De S.pAULO. foi editor
de VejA e correspondente dA
revistA eM roMA. visitou coMo
enviAdo especiAl vários pAíses.
é historiAdor dA gAstronoMiA,
conhecedor de vinhos e Mestre
nA cozinhA e À MesA.
os romanos se divertem ao contar uma piada sobre
a suposta fragilidade cultural do povo americano.
dizem que na primeira semana de junho de 1944,
após invadir a capital da itália e libertá-la da dominação na-
zista, o general Mark clark (1896-1984), comandante do 5º
exército dos estados unidos e das tropas aliadas na segunda
guerra Mundial, quis conhecer os monumentos da cidade.
chamou um dos seus oficiais, que havia morado em roma,
e pediu para acompanhá-lo. quando o jeep em que estavam
parou diante das ruínas do coliseu, clark exclamou: “Mas
que belo trabalho fizeram aqui os nossos rapazes!”
eles também criticam o gosto dos americanos à mesa,
sobretudo o hábito de colocar creme de amendoim no pão
e ketchup na pizza. em compensação, os rapazes do general
podem ter contribuído para enriquecer a mesa da capital
italiana, ajudando a criar o clássico molho alla carbonara,
usado em certas massas: penne, espaguete, bucatini e ver-
micelli. leva guanciale (bochecha de porco defumada) frito
na banha ou azeite, misturado com ovos batidos, creme de
leite (opcional), pecorino (queijo de ovelha), parmesão rala-
dos e pimenta-do-reino.
A versão mais aceita sustenta que a receita surgiu ca-
sualmente no final da segunda guerra Mundial. quando
os americanos entraram em roma, a cidade estava na pe-
núria, só a tropa de clark dispunha de alimentos. combi-
nando dois ingredientes da ração militar — ovo e bacon —,
acrescentando-os à massa cozida al dente, um cozinheiro
local teria criado o prato.
uma variação dessa teoria localiza o nascimento da re-
ceita em uma trattoria romana. soldados aliados entraram
ali levando ovo, bacon e noodles. o cozinheiro os preparou
separadamente. fartos daqueles sabores invariáveis, os es-
trangeiros misturaram tudo.
um punhado de autores discorda da versão. Afirma que
os rapazes do general não inventaram nada. A receita se-
ItáLIA
ria “evolução” de uma mais antiga, chamada caccia (quei-
jo de cabra ou ovelha) e uova (ovo), originária da região do
lazio, onde se encontra roma, ou da vizinha Abruzzo, que
os carbinai (produtores do carvão vegetal, daí o nome do
prato) levavam na marmita. preparavam-na na véspera e a
comiam fria. durante a ocupação de roma pelos alemães,
muitas famílias da cidade foram para as montanhas de
Abruzzo, nas quais teriam conhecido a receita de caccia e
uova. outra explicação para o nome alla carbonara: o há-
33GOURMET
por J. a. dias lopes
Bom trabalho dos nossos rapazes A gafe do general americano e a criação do prato romano
versão exuBerAnte do SpAGHeTTi ALLA
CARBONARA, coM dois ovos fritos
soBre o queijo pecorino rAlAdo e
MuitA piMentA do reino. A receitA
teriA surgido cAsuAlMente no finAl
dA segundA guerrA MundiAl. hAviA
escAssez de AliMentos eM roMA. MAs
os soldAdos AMericAnos tinhAM
ovos e BAcon. foi o suficiente. os
roMAnos entrArAM coM o spaghetti.
AssiM teriA nAscido o picAnte Molho
dA cozinhA dA cApitAl itAliAnA.
bito de acrescentar pimenta-do-reino moída, que lembra o
carvão em pó.
segundo a Grande enciclopedia illustrata Della Gas-
tronomia (Selezione dal Reader’s Digest, Milão, 2000), “os
traços deste prato na cozinha romana, antes do final da
segunda guerra Mundial, são vagos ou inexistentes e se
limitam a alguns testemunhos orais, recolhidos porém em
tempos recentes”. Mesmo assim, alguns autores insistem
na sua antigüidade, atribuindo a invenção a ippolito ca-
valcanti (1787-1859), cozinheiro e literato napolitano. ele
teria publicado uma receita semelhante no tratado Cucina
Teorico-pratica, editado pela primeira vez em 1837 e acres-
cido, na edição de 1839, do apêndice Cucina Casarinola
co la Lengua Napolitana.
há também autores que a associam à carboneria, so-
ciedade secreta e política da itália no século xix, com um
complicado simbolis-
mo ritual, difundida
em numerosos países
europeus. entre seus
iniciados figuraram
líderes do movimento
reunificador da itália.
não há provas, porém,
de que preparassem a
receita. o diretor de cinema luigi Magni aumentou a con-
fusão no filme La Carbonara. Ambientou-o na velha roma
papal, colocando em cena a carboneria e uma mulher que
administra uma trattoria renomada pelo prato. Até agora, a
explicação vencedora envolve os rapazes do general.
Molho seria apropriação de nome da sociedade secreta Carboneria
34
A comida do Japão desafia os temposTempurá é herança da presença portuguesa
Restaurantes japoneses se multiplicam em
todo o País e, sobretudo em São Paulo,
onde o tradicional Sushi se tornou, jun-
tamente com o hambúrguer, um dos itens
da preferência de grande maioria de adolescentes e
jovens — exemplo do que acontece nos Estados Unidos
e em vários países da Europa ocidental. O Brasil é um
dos dois países das Américas — o outro é o Peru — que
recebeu imigrantes nipônicos, em 1908, graças a um
acordo firmado com o Imperador do Japão, para a vin-
da de trabalhadores à lavoura cafeeira. A comunidade
japonesa no Brasil conta com aproximadamente 1,5
milhão de pessoas. Só em São Paulo chega a cerca de
800 mil.
Surgiram, assim, os primeiros estabelecimentos
de comida japonesa no bairro paulistano da Liber-
dade. E quando, hoje, os estrangeiros em visita a São
Paulo, perguntam sobre as comidas que não devem
deixar de provar, a resposta, além de churrasco e fei-
joada, costuma ser culinária japonesa. Mas o que leva
a comida do Império do Sol a ser tão apreciada a ponto
de estar incluída entre os pratos típicos nacionais?
iMperAdor do jApão, Aos 14 Anos, Mutsuhito, o
lendário iMperAdor Meiji, foto AciMA, coMAndou
o pAís por 45 Anos (1867-1912) — período eM que
ABoliu o feudAlisMo, BeM coMo o poder dos
sAMurAis, trAnsferiu A cApitAl de kioto, onde
nAscerA, pArA tóquio e foi responsável pelA
grAnde revolução industriAl que levAriA o pAís,
no século pAssAdo, A ser A MAior potênciA de
todA A ásiA. tAMBéM durAnte A erA de Mutsuhito
o jApão consolidou o poder MilitAr no pAcífico.
o soBerAno derrotou dois gigAntes, A chinA, eM
1895, e A rússiA, eM 1905 — AnexAndo, eM 1910, A
coréiA. deve-se A ele A ABerturA do jApão pArA A
europA, principAlMente pArA A AleMAnhA, cujA
constituição AdotAriA eM 1890. A revolução
industriAl jAponesA desAlojou do cAMpo grAndes
populAções. Muitos jAponeses, AindA no período
iluMinAdo de Mutsuhito, eMigrAriAM pArA o
hAvAí, peru e BrAsil. coM o iMperAdor Meiji, o jApão
coMeçou A se ABrir novAMente pArA o Mundo. o
pAís ficArA fechAdo pArA os estrAngeiros desde A
expulsão, eM 1633, dos portugueses e A proiBição
do cristiAnisMo. grAçAs Às revoluções dA erA
Mutsuhito, A sofisticAdA gAstronoMiA jAponesA
pôde ser ApreciAdA universAlMente.
JApão
• Colaborou neste trabalho a jornalista e chef de cozinha Camila Taquari.
35GOURMET
oBrA, AciMA, o RiACHO DA pRimAVeRA, do pintor jAponês tAizi hArAdA, é título de uMA
cAnção infAntil, HARU NO OGAwA, e fAlA do Brilho dA corrente de uM riAcho que flui
MAnsAMente durAnte A priMAverA — nuMA épocA eM que erA possível ver cAMArões,
cArAnguejos e BArrigudinhos se MoviMentAndo. considerAdo uM dos MAis sensíveis
pintores conteMporâneos, hArAdA, de 71 Anos, retrAtA uM jApão AindA forteMente rurAl,
MAs que foi se ModificAndo coM A industriAlizAção desde A erA Mutsuhito, poréM, seM
jAMAis perder o requinte dA cozinhA.
36
Cada família japonesa
tem uma história, como a do
pai da cineasta Tizuka Ya-
masaki, Tosio Yamasaki, que
veio ao Brasil com um pro-
pósito diferente. “Ele chegou
um pouco antes da Segun-
da Guerra Mundial. Nasceu
em Tiba, província vizinha a
Tokio. Tinha cerca de 20 anos,
acabara de fazer um curso
técnico de agronomia e não
veio como imigrante, mas na
aventura de fazer fortuna no
Brasil”, lembra Tizuka.
A artista Tomie Ohtake,
nascida na família Nakaku-
bo há quase um século, em
Kyoto, no Japão, em 1913,
se tornou uma espécie de
embaixadora das artes e da
cultura de seu país no Bra-
sil. Ela chegou ao País em 1936 para visitar um dos
cinco irmãos. Impedida de voltar, no início da Segun-
da Guerra, Tomie optou por ficar no Brasil. Casou-se
e teve dois filhos, Ricardo e Ruy Ohtake, que conquis-
taram um espaço importante na arquitetura brasilei-
ra. Conviveu aqui com outras comunidades, inclusive
morou muitos anos na então italianíssima Moóca. E
até hoje tem como prato favorito o bife guarnecido
com dois ovos fritos. “Nunca me esqueço do Bife a Ca-
valo que comi quando desembarquei no Brasil.”
A bordo do Kasato Maru, primeiro navio de imi-
gração japonesa a aportar no País, vieram 781 cam-
poneses. Ao desembarcarem no Porto de Santos, eram
encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes, em
São Paulo, e depois levados de trem para as fazendas
de café no interior do Estado. Lá, a vida árdua ia desfa-
zendo a expectativa de acumular dinheiro rapidamen-
te, à medida que recebiam os primeiros pagamentos,
com os descontos da parcela da viagem, gastos com
alimentos e remédios.
A dificuldade da maioria dos imigrantes, formada
por agricultores, de se adaptar ao paladar brasileiro
acabou por levar a uma
inestimável contribuição à
cozinha do País. Os japone-
ses introduziram no cardá-
pio nacional mais de 50 ti-
pos de prato. Dando ênfase
às verduras e aos legumes.
Um povo que tinha, segundo Tizuka Yamasaki,
como alimentação diária o arroz branco sem sal e
sem gordura, um pedaço de peixe e algumas verdu-
ras, não conseguia se adaptar ao feijão com arroz e
às carnes muito temperadas. “A maior dificuldade de
minha família, assim como dos imigrantes japoneses
em geral, era a falta de verduras e pescados, já que
eles eram deslocados para o interior, onde o acesso
aos frutos do mar era difícil. Achavam estranho ter
de usar a banha de porco, tão comum na alimentação
do brasileiro da época. Como também era estranho o
excesso de gordura, presente na carne-seca e morta-
dela. Sem contar a farinha de milho, que eles diziam
raspar a garganta”, recorda Tizuka.
A única saída era começar a plantar as próprias
verduras. A cineasta narra que, nos raros momentos
de folga do trabalho no cafezal, os japoneses passa-
ram a cultivar a horta, e alguns anos mais tarde, se
tornaram responsáveis pelo chamado Cinturão Verde
em torno de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, plan-
tando verduras e legumes para serem consumidos pe-
los habitantes das grandes cidades.
JApão
Japoneses chegaram no Kasato Maru e foram
para as fazendas de café
tizukA yAMAsAki, nAscidA eM
porto Alegre, é AutorA do
MeMorável filMe GAijiN — OS
CAmiNHOS DA LiBeRDADe, de 1980,
que nArrA A chegAdA Ao BrAsil de
uM grupo de jAponeses no início
do século xx pArA trABAlhAr
nAs fAzendAs de cAfé de são
pAulo. A cineAstA de 62 Anos foi
forteMente influenciAdA nA suA
oBrA pelos drAMAs vividos pelAs
fAMíliAs de iMigrAntes jAponeses
— coMo Aconteceu coM os
próprios AntepAssAdos.
37GOURMET
toMie ohtAke iMigrou do jApão
pArA o BrAsil já coM 21 Anos e
principiou A cArreirA nAs Artes
plásticAs ApenAs Aos 40 Anos
coM trABAlhos eM pinturA,
grAvurA e esculturA. ser uMA
ArtistA tArdiA não A iMpediu de se
tornAr reconhecidA coMo uMA
dAs principAis representAntes
do ABstrAcionisMo no pAís.
recorrenteMente optA por não
noMeAr As telAs, trAnsferindo
Ao ApreciAdor A incuMBênciA do
BAtisMo, cAso do quAdro ABAixo.
Com os portugueses, o ato de fritar se estendeu às receitas salgadas e caiu no gosto japonês, nascendo assim o saboroso tempurá
Os japoneses, assim que conseguiram, passaram
a comprar ou arrendar lotes de terras das fazendas
cafeeiras falidas, após a crise, de outubro de 1929, da
Bolsa de Nova York. Plantaram variedades de cultu-
ras que não eram populares no Brasil, entre as quais
muitas frutas, legumes e verduras. Foi o caso do mo-
rango e até mesmo da uva itália, que apesar do nome
foi introduzida no País, na década de 1940, pelos ja-
nam a cena. Mas logo se entregaram à arte criada por
uma sabedoria milenar. Antiga e contemporânea ao
mesmo tempo. Torna a experiência, para muitos, irre-
sistível a qualidade e o frescor dos ingredientes soma-
dos à pouquíssima gordura nos modos de preparo e à
troca dos molhos espessos por temperos leves e sutis.
O sucesso do Sushi e da culinária japonesa, segundo
Tizuka Yamasaki, veio a calhar com o culto à comida
poneses. Muitos imigrantes traziam nos
navios mudas na bagagem.
Acabaram por se adaptarem os japo-
neses ao novo País e se integraram à so-
ciedade que os acolheu. Mas o ingresso
de Sushis, Yakisobas e Tempurás no car-
dápio nacional levaria muito mais tem-
po. Mais de 70 anos após a chegada dos
primeiros imigrantes do Japão, o Brasil
contava apenas com 20 restaurantes tí-
picos. Todos concentrados na região da
Liberdade. Antes só era possível expe-
rimentar comida japonesa em pensões
instaladas no mesmo Bairro da Liberda-
de, nas quais jovens vindos do interior
de São Paulo se hospedavam. Lá, eles ti-
nham todas as refeições servidas à moda
japonesa, com algumas adaptações à co-
zinha brasileira.
Seriam inaugurados no final da déca-
da de 1980 os primeiros estabelecimentos
de cozinha japonesa fora da Liberdade.
Porém, o grande avanço aconteceu na dé-
cada seguinte, quando se multiplicaram
rapidamente por toda cidade. Atraiu um
número crescente de adeptos a percepção
de que se trata de uma culinária de sabor
marcante e saudável, quando comparada
a outras cozinhas. A maior concentração
de restaurantes japoneses do País já não
está na Liberdade, mas, sim, na região
paulistana dos Jardins.
Os brasileiros em geral, desacostu-
mados à culinária japonesa, desconfia-
ram dos pratos de porções delicadas, nos
quais, quase sempre, os peixes crus domi-
38
JApão
saudável. “Acho que foi uma oportunida-
de ímpar”, avalia a cineasta. E tem toda
razão. Uma oportunidade ímpar para os
brasileiros, que podem apreciar, cotidia-
namente, as delícias de uma das cozi-
nhas mais sofisticadas do mundo.
Considerado por muitos um dos
pratos mais representativos da gastro-
nomia japonesa, o Tempurá tem uma
longa história, conhecida por poucos, e
que começa em 1543, quando os navega-
dores portugueses desembarcaram em
Tanegashima, ao sul do Japão. O relato
do grupo, ao voltar para casa, atrairia
para o arquipélago outros portugueses,
como o escritor Fernão Mendes Pinto e
o jesuíta São Francisco Xavier, que aportaram em ter-
ritório japonês, em 1549, com a missão de converter
os japoneses à fé cristã. Os religiosos jesuítas cultiva-
vam o hábito de não consumir carne vermelha durante
a Quaresma, que, em latim, denomina-se ad tempora
quadragesimae. Os portugueses comiam, no período,
um prato composto de verduras, legumes e frutos do
mar fritos. Os japoneses já
conheciam a fritura, intro-
duzida pelos chineses nos
séculos VII e VIII, mas a téc-
nica só se popularizou com a
chegada dos missionários. O
ato de fritar, com a chegada
dos portugueses, se esten-
deu a outras receitas salga-
das, caiu em domínio público, logo, o nome Tempurá
foi adotado pelos japoneses. A união dos dois povos,
mesmo tendo durado menos de um século, foi intensa
e deixou raízes profundas até na culinária.
O bolinho de arroz temperado com vinagre, sal e
açúcar, e combinado com peixes ou verdura, é o prato
do cardápio japonês mais popular em todo mundo. Re-
ceita chinesa que era, na verdade, um método de con-
servação de peixes por meio da fermentação, ganhou
especial importância no Japão, por volta do ano de 676,
quando o consumo de carne e leite foi proibido pelos
preceitos budistas. Feito, inicialmente, em camadas
alternadas de peixe, sal e arroz, o Sushi só mudou a
aparência por volta de 1700, quando passou a ser pre-
parado em molde de madeira.
O cozinheiro Hanaya Yohei experimentou, por volta
do século XVIII, usar peixe fresco em vez da versão em
conserva, dando origem a um parente mais próximo do
atual Sushi. Dois estilos básicos do prato surgiram com
a mudança. O tipo Kansai, da
cidade de Osaka, e o Edo, anti-
go nome de Tóquio. Osaka era
a capital do arroz e ali criou-
-se um Sushi enrolado que
acrescentava ao arroz outros
ingredientes. Já em Tóquio, a
localização da baía favorecia
o uso de peixe fresco, nascen-
do o Nigirizushi — pedaços de peixe servidos sobre bo-
linhos de arroz temperados e moldados com as mãos.
A presença no cardápio brasileiro da culinária
japonesa é tão forte como no resto da vida nacional
do País. Personagens como a artista plástica Tomie
Ohtake e a cineasta Tizuka Yamasaki são referências
brasileiras em todo o mundo. Da mesma maneira que
no Japão, a passagem dos portugueses deixaram in-
deléveis marcas no idioma do país, no qual palavras
usuais de nosso idioma são utilizadas com o mesmo
sentido — como biscoito, botão, capa, copo, órgão, pão,
sabão, tabaco e obrigado.
o sAshiMi, uMA dAs
delíciAs jAponesAs,
conquistA eM todo o
Mundo, inclusive no
BrAsil, o pAlAdAr dos que
ApreciAM A cozinhA do
pAís do iMpério do sol.
A diferençA do sAshiMi,
peixe cru fAtiAdo, pArA
o trAdicionAl sushi,
MAis populAr dAs
especiAlidAdes nipônicAs,
está no Bolinho de Arroz.
o sushi levA o cereAl e o
sAshiMi, não.
Cozinheiro inovou ao trocar no Sushi o peixe
em conserva pelo fresco
40
A montanha que inspirou a cozinha dos cedrosD. Pedro II abriu as fronteiras do Brasil para os libaneses
quAse isolAdA, no Alto do Monte
líBAno, síMBolo dA nAcionAlidAde
liBAnesA, está A cAtedrAl cAtólicA
MAronitA, dA cidAde de BechArré,
Ao norte do pAís. os cristãos dA
MontAnhA liBAnesA enfrentArAM
por cercA de Mil Anos restrições
pArA circulAr livreMente pelA
costA MediterrâneA e, AssiM,
nAsceu A esplêndidA cozinhA À
BAse do que erA possível criAr
e cultivAr nAs cidAdes e AldeiAs
situAdAs próxiMAs Aos picos
nevAdos. uMA culináriA que é
festejAdA hoje eM todo o Mundo
e cujos fundAMentos são A cArne
de cArneiro, trigo e As hortAliçAs.
erA de BechArré o extrAordinário
poetA giBrAn khAlil giBrAn (1883-
1931), de fAMíliA cAtólicA MAronitA,
Autor, eM 1924, de O pROFeTA. viveu
eM Boston e novA york. escreveu
eM árABe e inglês e foi Autor
de poeMAs definitivos soBre o
sAgrAdo Monte líBAno.
LíBAno
por Albino Castro
41GOURMET
iluMinAdo príncipe dA MontAnhA liBAnesA, o cAtólico
MAronitA Béchir ii chehAB (1767-1850) é considerAdo o
grAnde ideAlizAdor dA ModernA nAcionAlidAde do pAís dos
cedros, herdeirA dA AntigA feníciA. ele se BAteu coM todAs
As forçAs pelA independênciA dA nAção — então soB o jugo
dA dinAstiA otoMAnA islâMicA dA turquiA. Béchir ii chehAB
governou o Monte líBAno por 52 Anos — de 1788 A 1840.
do pAlácio de Beit ed-din, A cAsA dA fé, construído por ele,
nA região do chouf, A 17 quilôMetros Ao sul de Beirute,
enfrentou os turcos e AcABou derrotAdo. pAgou cAro
pelo pAtriotisMo, sendo Morto, eM 1850, nAs MAsMorrAs de
istAMBul. forAM iMplAcáveis, depois de enforcAdo o príncipe
Béchir ii chehAB, As perseguições dos turcos nos Anos
seguintes contrA os cristãos do líBAno, síriA e ArMêniA — e
deterMinArAM A eMigrAção destes pArA o BrAsil. e, coM os
cristãos perseguidos, deseMBArcou Aqui A requintAdA
gAstronoMiA liBAnesA.
Herdeiros da gloriosa Fenícia, nação que há 4 mil
anos, superando os hieróglifos egípcios e os
cuneiformes dos povos semitas, assírios e da Ba-
bilônia, legou ao mundo o primeiro alfabeto no
qual cada letra correspondia a um som, que usamos até hoje,
os primeiros imigrantes do Líbano que aqui chegaram, por
volta de 1880, se tornaram mascates e acabariam, na prática,
por criar em poucos anos o mercado interno nacional, trans-
portando em lombo de burros e vendendo mercadorias de um
ponto a outro do Brasil. Os primeiros imigrantes libaneses,
quase todos cristãos, desembarcaram no Brasil, fugindo das
perseguições muçulmanas movidas e incentivadas pela “Su-
blime Porta”, então sede em Istambul dos sultões da dinastia
otomana que controlava todo o Oriente Médio. O Imperador D.
Pedro II (1825-1891), ao visitar o país, em 1877, ficou penaliza-
do com a triste situação dos cristãos e autorizou a vinda de-
les para o Brasil. O bíblico Líbano é a única nação de maioria
cristã entre os países de língua árabe — idioma originário das
tribos da Península Arábica e no qual foi revelado ao Profeta
Mohamed o livro sagrado do Alcorão. A requintadíssima culi-
nária libanesa, chamada cá, erradamente, de “árabe”, chegou
com os imigrantes e hoje está integrada ao cardápio brasileiro.
Principalmente o quibe, maior estrela da cozinha do Líbano,
facilmente encontrado em qualquer esquina do País.
Popularíssimos são também o tabule, originário, assim
como quibe, da cidade libanesa de Zahlè, a esfiha, os charuti-
nhos de repolho e de folha de uva, a kafta e os deliciosos patês
de berinjela, coalhada seca, pimentão e grão-de-bico — encontra-
dos facilmente em pontos simples e sofisticados. Sobretudo em
42
uMA refeição
liBAnesA coMeçA
coM o mezzè, As
entrAdAs, reunindo,
quAse seMpre eM
pequenAs porções,
As diferentes pAstAs
— não podendo
fAltAr o BABAgAnuch
À BAse de BerinjelA,
o hoMus coM
grão-de-Bico, e A
coAlhAdA secA.
lugAr de honrA
ocupAM tAMBéM
o quiBe cru e o
tABule — coMo no
trAdicionAl mezzè,
Ao lAdo, do AráBiA,
de são pAulo. Alguns
restAurAntes de
Beirute e de zAhlè
chegAM A oferecer
mezzès coM MAis de
70 especiAlidAdes.
LíBAno
São Paulo. A gastronomia do País dos Cedros possui
na capital paulista endereços que podem rivalizar com
restaurantes de Beirute, capital do Líbano, bem como
de Paris, Londres e Nova York. É paulistano o Arábia.
E também a Brasserie Victoria, que mantém uma cozi-
nha mais próxima da original libanesa, assando, por
exemplo, o melhor quibe da cidade, e o Hotel Maksoud
Plaza, onde se come quibe cru e tabule à zahliota. Des-
taques ainda para o Miski, o Folha de Uva e a rede Al-
manara [ver também página 73], sucessora, nos anos
1950 e 60, do antigo Tarbouche, da região da Rua 25 de
Março, tradicional reduto de comerciantes libaneses e
seus descendentes. O Tarbouche inovou nos anos 1950
ao introduzir o sistema de rodízio, que, ao contrário do
que se possa imaginar, não foi copiado das churrasca-
rias. O rodízio é uma das características libanesas, pri-
vilegiando o mezzè libanais, a vinda à mesa de vários
pratos, frios e quentes,
em pequenas porções.
O mezzè teria origem
na antiga Fenícia — na
era dos primeiros nave-
gadores e comerciantes
da História. A mitologia
atribui à filha de Hiram,
Rei de Tiro, capital fení-
cia, ao se casar com um
habitante da outra mar-
gem do Mediterrâneo, o
nome dado ao continen-
te europeu. A filha de Hi-
ram se chamava Europa.
Curiosa é a origem
da culinária libanesa,
sendo um país banha-
do, de norte a sul, pelo
Mediterrâneo, mas no
qual é quase nenhuma
a influência dos fru-
tos do mar nos pratos
tradicionais — embora
exista em alguns car-
dápios de São Paulo, ci-
dade sempre em busca de inovações gastronômicas,
e mesmo em Beirute, um bizarro quibe cru à base de
salmão, que substitui a carne de carneiro ou de vaca.
O que conhecemos como gastronomia libanesa tem
origem nas comunidades cristãs do Monte Líbano e
lá não chegavam os frutos do mar. Cristãos viveram
isolados por mais de mil anos nas montanhas desde
o início, no século VII, da conquista dos territórios do
Oriente Médio pelos exércitos islâmicos — e, por isso,
a sua cozinha se baseia ainda hoje no que era possí-
vel encontrar longe da costa que era controlada pelos
muçulmanos. Lá nos altos do Monte Líbano era possí-
vel a criação de carneiros, plantar o trigo, bem como
verduras e legumes. O trigo, especialmente amas-
sado, conhecido em francês como blé concassé, está
presente no cotidiano da cozinha dos cristãos. Seja no
quibe e na salada de tabule, mas também, claro, nas
44
estrelA de priMeirA grAndezA dA cozinhA do
líBAno, o quiBe está seMpre presente no diA-A-
diA do pAís — nAs versões cruA, fritA (Ao lAdo),
Ao forno, cozido nA coAlhAdA À ModA ArMêniA
ou grelhAdo, conhecido coMo quiBe Michuí.
Segredos são mantidos em famíliapor fouad naime*
LíBAno
saborosas sopas que esquentam as noites geladas nas
regiões dos milenares cedros, que remontam os tem-
pos da mítica Fenícia.
A ausência de frutos do mar no menu libanês tem
origem também nas restrições de caráter religiosas
dos muçulmanos que, como os judeus, consideram
“impuros” esses alimentos. O que explica o fato de
que, mesmo dominando por mais de mil anos a costa
libanesa, os muçulmanos de três diferentes dinastias
— omeyades, de Damasco, abassides, de Bagdá, e oto-
manos, de Istambul — jamais introduziram à mesa,
ao contrário dos povos cristãos da outra margem
do Mediterrâneo, camarões, lulas, ostras, lagostas e
polvos. O peixe é permitido, porém, comido com bas-
tante parcimônia. Os muçulmanos gostam mesmo é
de carneiro, geralmente, cozido e misturado com ar-
roz, prato principal, nas mesquitas, em todas as datas
festivas, inclusive, antes e depois do santo ramadã. O
costume de comer arroz com carneiro, com as mãos,
também é observado por todas as etnias religiosas do
mosaico libanês. Tradição praticamente desconheci-
da no Brasil. Mesmo entre as comunidades de origem
síria, egípcia, armênia e palestina — que, como a li-
banesa, são de maioria cristã. Ironicamente, para os
muçulmanos, que desde o ressurgimento, em 1948, do
moderno Estado de Israel, transformaram os judeus
em principal alvo inimigo, é mais fácil encontrar um
banquete à base de arroz com carneiro em comemo-
rações das famílias hebraicas, de origem sefaradita,
que para cá fugiram, entre os anos 1950 e 1970, para
escapar das implacáveis perseguições religiosas na
Síria, Egito e mesmo no Líbano.
A hora da refeição é sagrada para os libaneses. todos
os acontecimentos da vida, alegres ou tristes, são
compartilhados em torno de uma mesa. A amizade
e o amor se medem, freqüentemente, pelo prato, reforçan-
do o provérbio que diz que “quanto mais comeres na casa
de alguém, mais o aprecia-
rás”. vem daí a insistência,
muitas vezes constrangedo-
ra, dos convites.
os segredos das receitas
de família passam de gera-
ção para geração. Ainda hoje,
toda jovem esposa, de qual-
quer classe social, deve pre-
parar, diariamente, dois ou
três pratos típicos libaneses
para o exigente marido — provavelmente “mal-acostuma-
do” às delícias feitas pela mãe. As receitas variam ligeira-
mente entre uma região e outra. os produtos básicos são
a carne de carneiro, o berghoul, o trigo seco ao sol, o arroz,
as lentilhas, o tomate, a berinjela e o grão-de-bico. quase
todas as casas, no campo, têm à porta o
jurn — o pilão de pedra que serve para
preparar os pratos de carne. geralmente
quibe ou kafta. A carne é misturada aos
45GOURMET
* o jornAlistA liBAnês fouAd nAiMe é proprietário e
diretor de redAção dA revistA MensAl CARTA DO LíBANO,
editAdA eM são pAulo, coM circulAção nAcionAl.
esplêndido instAntâneo do céleBre studio zAhliotA fAkhoury, de 1929, MostrA As duAs MArgens
do rio BArdAuni, que cortA A MíticA cidAde liBAnesA de zAhlè, coM os centenários restAurAntes e
cAfés, provAvelMente no finAl dA MAnhã de uM doMingo, depois dA MissA, MoMento de degustAr
o quiBe cru, que será AssAdo, depois, pArA o AlMoço, AcoMpAnhAdo do inconfundível sABor
AdocicAdo do arak, A AguArdente de uvA AroMAtizAdA coM Anis. Ao longo dAs MArgens plácidAs
do rio de zAhlè, nAscerAM Alguns dos prAtos MAis sABorosos dA cozinhA liBAnesA, coMo o quiBe,
nAs diferentes forMAs, e o tABule, AMBos À BAse de trigo Moído.
demais ingredientes e batida com uma pá de madeira — a
mdaqqa. cada família fazia, no passado, o próprio pão que
era consumido na casa. os talheres só apareceram em me-
ados do século xix.
sentavam-se, à noitinha, ao redor de uma grande
bandeja de cobre ou madeira onde estavam dispostos os
pratos, cuja preparação, feita pela mãe da família, levava,
quase sempre, o dia todo. depois das preces usuais, ritu-
al seguido por todas as confissões religiosas, os dedos se
juntavam, apertando um pedaço de pão, e, em seguida,
era molhado nas comidas colocadas sobre pratos de cerâ-
mica. faziam-se as refeições habitualmente em silêncio. o
momento era solene. e o alimento representava o fruto de
um elaborado trabalho. estavam sempre presentes à mesa,
principalmente nas casas camponesas, as azeitonas, a la-
bne, a coalhada, os queijos, os pires contendo os patês de
grão-de-bico e de berinjela, a yakhne, a mjaddara, o arroz
com lentilha e tabule. As frutas secas apareciam para ado-
cicar o paladar. As favas ou manúche, servidas pela manhã,
calavam o estômago muitas vezes por todo o dia.
os doces no líbano são geralmente à base de massa fo-
lheada e mel — uma herança dos séculos de ocupação do
país pelos turco-otomanos. Atraem legiões de apreciadores
os enormes pratos de cobre guarnecidos de losangos afo-
gados no mel. o nascimento de um bebê é festejado com
o meghlé, espécie de pó-de-arroz que, supostamente, trará
à criança sorte e prosperidade. para preparar o tradicional
maamoul, um doce com tâmaras, pistaches ou amêndoas,
consumido durante a páscoa, as mulheres se reúnem numa
das casas vizinhas e cada uma leva a receita da avó —
a rainha do maamoul.
46
o forno armênio da rua são lázaro não existe desde
meados dos anos 1970. fez parte de minha vida.
levei muitas vezes esfihas para assar. Antes, as-
sistia em casa a um ritual de pura gastronomia afetiva. o
bom naco de capa de filé fresco era lentamente passado no
moedor a manivela por duas vezes para depois ser tempe-
rado por minha mãe. tomate
fresco picado sem sementes
e sem pele, filetes de cebola
branca, algum alho amassado,
sal, pimenta síria e, às vezes,
um toque de canela só para dar
aroma. todo o recheio era colo-
cado numa forma de alumínio,
coberto por um pano branco,
amarrado nas pontas e imediatamente levado por mim à
padaria armênia. era só dobrar a esquina e andar uns 50
metros pela mesma calçada.
Morávamos numa travessa da são lázaro, na estreita e
curta rua francisco sá Barbosa, que dava para a rua can-
tareira, aquela do Mercadão. era uma vila de casas térreas
geminadas, corredor de entrada lateral, portão de ferro. tí-
picas residências operárias dos anos 1920. Algumas estão
o forno e os sabores das esfihas da Luzos armênios eram os mestres no bairro paulistano
diretor de jornAlisMo dA
ReDe GAZeTA de televisão,
coM sede eM são pAulo,
dácio nitrini foi diretor do
SBT e dA ReDe ReCORD. Atuou
tAMBéM nA TV CULTURA,
O eSTADO De S.pAULO e nA
FOLHA De S.pAULO.
lá até hoje. nossos vizinhos eram na maioria armênios. em
segundo lugar vinham japoneses que vendiam verduras e
frutas no Mercadão e alguns libaneses e italianos. todos
nos dávamos muito bem. uma solidariedade emocionante.
naquela época nem sabia ser um “turcaliano” genuíno.
Agora o sou assumido. Meus avós paternos, nasceram na
velha bota. os nitrini são toscanos de vagli sotto, paese
perto de lucca. Meu lado “turco” ficou escondido no regis-
tro oficial. falta nele o sobrenome materno, infelizmente.
Minha mãe, era uma caram, filha do ourives libanês ga-
briel, nascido em Beirute. Meus bisavós se chamavam nur
e Abdulah. impossível não amar esfihas, quibes, folhas de
uva, zátar, azeite e coalhadas. fazem parte do meu cardápio
desde que nasci. Assim como os deliciosos pratos italianos
que via sendo meticulosamente preparados por minhas
tias. A massa caseira enrolada
no ferrinho, o fusilli, longo ma-
carrão furado, a pastiera di gra-
no na sobremesa. o cálice de
licor perfumado strega...
A padaria armênia nem placa
tinha. não era conhecida por um
nome. produzia pão pita, rosca de
gergelim, pão folha e esfihas, au-
tênticas esfihas de carne, abertas e fechadas. funcionava to-
dos os dias. Mas o sábado era especial. nos anos 1950, armê-
nios da luz se encontravam ali para falar da vida e de negócios.
Alguns tinham fabriqueta familiar de sapatos nos po-
rões das casas em que moravam. eu mesmo, aos 12 anos,
fui aprendiz na calçados infantis tio, do boníssimo seu le-
von Akralian, que mal falava português e tratava sua meia
dúzia de operários como filhos.
por dÁcio nitrini
ArMênIA
A padaria dos armênios nem placa tinha. Produzia esfiha, pão pita e rosca de gergelim
47GOURMET
outros tinham que batalhar duro.
vendiam especiarias nas feiras. poucos
eram ricos. vinham de carro. lembro
bem que os simca chambord jangada
estavam na onda, chamavam a atenção
pelos desenhos dos arcos do palácio da
Alvorada nas portas. era juscelino, claro.
geralmente traziam mulheres e fllhos. carregavam
enormes tigelas, cobertas por panos brancos, transbordan-
do de recheio preparado em casa. entregavam a tigela para
o dono da padaria, um egípcio de
origem armênia, casado com uma
negra de olhos verdes. ela falava
muito pouco, sempre em árabe.
ou seria armênio? ele escrevia
o nome da família num papel e
o colava com fita durex na vasi-
lha. o recheio era levado para os
fundos da padaria. tudo ficava
à vista. A massa era aberta, cortada em pequenas rodelas.
os auxiliares numa rapidez de artista circense preenchiam
os bocados com a carne, dispondo-os em uma longa e larga
pá de madeira coberta de farinha. As esfihas escorregavam
para dentro do forno a lenha. Assavam em minutos. saíam
fumegantes, crocantes e macias. sabor de mãe. o chei-
ro bom invadia a rua. niguém resistia. rapidamente eram
retiradas, dispostas em bandejas de papelão grosso, prote-
gidas por folhas de um resistente papel rosa. o pacote era
amarrado com barbante branco. na saída, compravam pão
pita e roscas cobertas por sementes de gergelim. Minassian,
Baghdassarian, paloulian, Messegian, krikorian, Bougikian,
Agop, Manucha, george, Archaluz, stepan, Avediz e farid.
Mas também havia fujiwara, sakamoto, Miura e nagamine.
Bem com nitrini, pisaneschi, zechinatti, panella e roma.
naqueles anos 1950, a luz tinha um refinado risto-
rante na rua são caetano, hoje conhecida como rua das
noivas. era o Ao jardim Toscano, dirigido com mão forte
pela proprietária, dona nella.
não havia como comer melhor
na região. era o ponto alto da
elite do bairro. Aniversários, ca-
samentos, vitória do time do
clube Araguaia... tudo era co-
memorado lá na prestimosa
dona nella, que havia trazido
uma raridade à cidade, difí-
cil de encontrar em toda a são paulo. um cremoso café
expresso extraído de uma máquina a vapor, reluzente,
com a marca em neon verde, gaggia. pessoas atraves-
savam a cidade para degustar apenas um cafezinho ali.
havia fila no caixa e no balcão. tudo isso também se es-
fumaçou. exatamente no mesmo local está um acanhado
il Giardino. não me atrevi a entrar.
Mas ainda resiste bem no coração da luz um oásis que
pode matar nossa sede por boas e originais esfihas armê-
nias. um forno com mais de 40 anos. sente-se a uma das
mesas do effendi, na rua dom Antonio de Mello, 77. viva
o que resta de uma cidade ingênua, sem pressa, com vozes
em árabe, armênio, japonês, italiano. faça isso enquanto
espera a sua esfiha ser assada. é lá onde ainda levo as mi-
nhas, mantendo a receita dos caram.
Esfihas escorregavam para dentro do forno a lenha e
assavam em minutos
o forno de esfihAs e de pães tipo pitA erA uM
sucesso nos Anos 1950 e 1960, no BAirro dA
luz, e reuniA ArMênios, liBAneses e itAliAnos.
As esfihAs, Ao contrário dos quiBes, são
BAstAnte coMuns eM todo o oriente Médio.
são prepArAdAs de diferentes MAneirAs.
especiAlMente nA ArMêniA e nos Antigos
territórios do pAís BíBlico do Monte ArArAt,
ocupAdos hoje pelA turquiA.
48
À mesa em Portugal como no BrasilA aventura da pesca do bacalhau nas águas geladas
o pAinel de Azulejos dA pescA do BAcAlhAu,
Ao lAdo, locAlizAdo nA vilA portuguesA do
tochA, freguesiA de cAntAnhede, próxiMA
A coiMBrA, siMBolizA A AventurA lusitAnA,
desde o século xv, de pescAr eM águAs
A Muitos quilôMetros Ao norte de seu
território o ingrediente do prAto nAcionAl
— A BACALHOADA à pORTUGUeSA. desde A
erA dos descoBriMentos o BAcAlhAu não
pode fAltAr nA MesA dos portugueses. o
noMe do pescAdo esteve durAnte Muitos
Anos entre As priMeirAs denoMinAções
AtriBuídAs Ao continente AMericAno. é fArtA
A docuMentAção do estAdo português
eM que, referindo-se À AMéricA do norte,
ApArece coMo terrA do BAcAlhAu o AtuAl
cAnAdá. os portugueses, nA rotA do
BAcAlhAu, chegArAM eM 1472 À iMensA ilhA
cAnAdense dA terrA novA — 20 Anos Antes,
portAnto, de cristóvão coloMBo descoBrir
oficiAlMente A AMéricA. portugueses
enfrentAM Até hoje As águAs gelAdAs do
cAnAdá, groenlândiA e noruegA pArA pescAr
o BAcAlhAu.
por Fábio Caldeira Ferraz
portUGAL
Portugal é o único país cujo ingrediente prin-
cipal do prato nacional, a célebre Bacalhoa-
da à Portuguesa, precisa ser pescado e sal-
gado a muitas milhas ao norte da sua costa
atlântica. Contraria assim Portugal a lógica segundo
a qual os pratos nacionais são sempre baseados —
como na cozinha libanesa — em produtos facilmente
encontrados dentro das fronteiras do país. E torna
evidente a vocação marítima da nação que embarcou
nas caravelas, no final da Idade Média, e deu mundos
ao mundo. Também na Espanha o bacalhau tem lugar
de honra na gastronomia, como o clássico Bacalao a
Vizcaína ou a Bilbaína, tipicamente de Bilbao, capital
do País Basco, ou na Itália, onde, em Roma, às sextas-
-feiras, é dia de saborear, no almoço, o Baccalà ai Ceci,
o bacalhau com grãos-de-bico. O primeiro é acompa-
nhado de fatias de pimentão. O outro tem o tomate
como principal elemento do molho, semelhante ao
usado nas massas. Mas em nenhum dos dois países o
bacalhau é o prato nacional.
Identificar entre nós os traços da cultura portu-
guesa, mais de 500 anos após o épico desembarque
de Pedro Álvares Cabral, em Porto Seguro, na Bahia,
é um empreendimento arriscado, notadamente se o
autor os persegue no campo da gastronomia. Talvez
d. Afonso henriques (1108-1185), o conquistAdor, foi o fundAdor e o
priMeiro rei de portugAl — MAis Antigo pAís dA europA coM fronteirAs
consolidAdAs. o MonArcA enfrentou os exércitos dA própriA Mãe,
dª teresA, filhA do iMperAdor Alfonso vi de cAstelA e león, nA MeMorável
BAtAlhA de são MAMede, A 24 de junho de 1128, junto Ao cAstelo de
guiMArães, pArA tornAr independente dA gAlíciA o então condAdo
portucAlense. e, por isso, guiMArães, região do Minho, é considerAdA
o Berço de portugAl. fundAdor dA pátriA lusitAnA há quAse 900 Anos,
d. Afonso henriques, que nAsceu e Morreu eM coiMBrA, estendeu
os doMínios portugueses Até o sul do pAís e inspirAriA, AtrAvés dAs
conquistAs, As dinAstiAs que o sucederAM A lAnçAr portugAl eM BuscA
de novos Mundos. uM dos MAiores síMBolos do espírito desBrAvAdor
lusitAno é A BACALHOADA à pORTUGUeSA, cujo ingrediente principAl só
é encontrAdo nAs águAs gelAdAs do Atlântico norte.
50
Produtos vindos de todo o Império enriqueceram a
cozinha portuguesa
o BAcAlhAu é sAlgAdo e vendido seM cABeçA. e, por isso,
eM toM de BrincAdeirA, Aqui e eM portugAl, Muitos duvidAM
que o peixe tenhA uMA.
portUGAL
estabelecer o exato limite no que se refere às coisas de
comer e beber seja apenas isso, traçar uma fronteira
— uma linha imaginária a separar Estados, como nos
ensina a Geografia Política. Obviamente estão a His-
tória e os indicadores atuais sobre a alimentação em
ambos os países a nos evidenciar elementos próprios
de parte a parte. Não ao
ponto de negar os eviden-
tes elos dos dois povos.
Pelo contrário. Embora
aparentemente distintos,
nesses elementos tam-
bém estamos todos.
De ambos os países
pode se dizer, de pronto,
serem diametralmente
opostas algumas preferências. Portugal mantém-se
há séculos um voraz consumidor de frutos do mar. São
predominantes no cotidiano do país Ibérico os mo-
luscos e os peixes — com destaques para o bacalhau e
outros pescados salgados. Longe da costa, e em menor
escala, suínos e aves são relevantes na rotina gastro-
nômica, assim como novilhos, cordeiros, cabritos e a
caça de faisão, lebre, perdiz e javali. O Brasil, por sua
vez, paulatinamente foi cedendo à mesa maior espaço
à carne bovina.
Não foi o peixe a prosperar juntos aos paladares no
Novo Mundo português, a partir de 1530, quando aqui
chegaram os primeiros rebanhos de gado. As levas ini-
ciais de bovinos, trazidas de
Cabo de Verde, arquipélago a
oeste do continente africano,
tinham a função de meio de
transporte e força de tração
ou motriz para apoiar os tra-
balhos agrícolas nas recém-
-criadas vilas coloniais. Os dois pólos de receptação
dos animais, São Vicente, em São Paulo, e Salvador,
na Bahia, com o crescimento do rebanho e, principal-
mente, com a expansão da cultura de cana-de-açúcar,
no entanto, passaram a irradiar sertão adentro, nos
anos seguintes, o gado e os vaqueiros. Os territórios
que viriam a se tornar as regiões Nordeste e Centro-
-Oeste já abrigavam, no início do século XVII, as pe-
cuárias de corte e de leite. Distantes do litoral e sem
a estrutura necessária para praticar a pesca com uma
escala considerável nos rios, mestiços e portugueses
passaram a recorrer cada vez mais à carne bovina e de
outros animais criados pelas famílias sertanejas para
fins de subsistência — como porcos e aves.
Enquanto Portugal figu-
ra hoje como o maior consu-
midor de bacalhau do mun-
do, com uma importação
anual de cerca de 60 mil to-
neladas, a pecuária fez do
Brasil o detentor do maior
rebanho mundial, princi-
pal exportador e o terceiro
maior consumidor. Entre
as carnes, a bovina responde por, aproximadamente,
40% do mercado interno. Os peixes equivalem a ape-
nas 5%, mesmo sendo nossa uma das mais extensas
faixas litorâneas do mundo e nossa a maior reserva
de água doce. Esse percentual seria ainda menor não
fosse a influência católica que tem no pescado o ali-
mento adequado das sextas-feiras e dias santos. São
evidentes também as divergências quanto aos pendo-
res para bebidas alcoólicas entre as nacionalidades. O
vinho segue mais apreciado lá, e a cerveja uma paixão
nacional por aqui.
Há certamente os pontos de convergências entre
os paladares. Têm origem portuguesa os doces à base
de ovos, como os deliciosos
Fios de Ovos e Chuviscos, bas-
tante apreciados na região de
Campos, no norte fluminense.
Também é lusitano o Toucinho
do Céu, que mistura magistral-
mente ovos e amêndoas, e as
mais variadas compotas. É português, sim, senhor, o
mais antigo restaurante brasileiro, o tradicionalíssi-
mo Leite [página ao lado], símbolo da boa gastrono-
mia de Pernambuco, com endereço na Praça Joaquim
Nabuco, quase às margens do Rio Capibaribe. O Leite,
às vésperas de completar 130 anos, continua sendo o
orgulho da grande comunidade portuguesa de Recife
e uma referência gastronômica no País.
51GOURMET
é Portugal falando para o mundo o leite é o mais antigo restaurante do Brasil
ReCiFe
Azulejos dA fAchAdA do LeiTe, nA prAçA joAquiM
nABuco, no recife, forAM restAurAdos durAnte A
últiMA reforMA do restAurAnte. tAMBéM A cAlçAdA
receBeu As pedrAs portuguesAs.
diz muito sobre portugueses e brasileiros ser lusitano
o mais antigo dos restaurantes do país, o Leite, no
coração do recife histórico, às vésperas de completar
130 anos. Austero e imponente como um solar português,
com azulejaria lusitana à meia parede na vasta fachada que
ocupa o quarteirão mais nobre da praça joaquim nabuco,
célebre abolicionista pernambucano, freqüentador assíduo
do restaurante, o tradicionalíssimo Leite, fundado em 1882,
testemunhou a ascensão e queda de modismos da alta socie-
dade pernambucana — e de suas intrigas políticas e sociais.
foi após almoçar no leite, em 26 de julho de 1930, que seria
assassinado pelo desafeto joão dantas o então governador
paraibano joão pessoa, ao chegar, uma quadra adiante, à
confeitaria glória, na esquina das ruas nova e palma. o Lei-
te, instituição secular dos gourmands da metrópole fundada
por Maurício de nassau, pratica uma cozinha lusitana com
naturais concessões afrancesadas na ementa, bem como às
influências dos ingredientes e temperos nordestinos. um sin-
cretismo que se tornou fórmula de sucesso.
A gloriosa história do decano dos restaurantes brasilei-
ros mereceu um livro da jornalista pernambucana goretti
soares, O Leite ao Sabor do Tempo, publicado em 2002 por
ocasião do aniversário de 120 anos do estabelecimento
— e ganhará agora uma segunda edição, organizada pela
própria autora, atendendo encomenda do proprietário do
estabelecimento, o beirão Arménio ferreira diogo, de 78
anos, nascido na localidade de pinheiro de lafões, freguesia
do distrito de viseu, Beira interior, ao norte de portugal. ele
está à frente do Leite desde 1953. “A alma do restaurante é
o seu Armênio”, afirma goretti soares, acrescentando: “ele
mantém o Leite por amor e devoção.” A casa foi fundada
por outro português originário das Beiras, Armando Manoel
leite de frança, a quem se deve o nome do restaurante. Ar-
ménio ferreira diogo prepara as filhas para assumir o Leite,
e, certa vez, disse a uma delas: “o Leite não está aqui para
fazer dinheiro, e, sim, para fazer história”. Bem haja!
52
portUGAL
notável sAlão do seculAr tAvAres, uM dos restAurAntes MAis Antigos e noBres de
todA A europA. fundAdo eM 1784, À ruA dA MisericórdiA, Ao chiAdo, BAirro centrAl
de lisBoA, o tAvAres está presente eM vários MoMentos dA oBrA do escritor
português eçA de queiroz (1845-1900). o restAurAnte do chiAdo é conhecido, eM
lisBoA, coMo o tAvAres rico. e o tAvAres poBre é o fArtA Brutos, À ruA dA esperA, no
BAirro Alto, trAdicionAl reduto coMunistA. o escritor josé sArAMAgo foi uM de
seus ilustres clientes.
Se pelos caminhos dos ingredientes mais popula-
res portugueses e brasileiros, em alguns pontos, se
distanciaram, foram reservadas às técnicas de prepa-
ro dos pratos, à capacidade de incorporação dos ele-
mentos naturais de outros povos e, sobretudo, à for-
mação cultural semelhante a condição de elementos
de coesão luso-brasileira.
Do modo lusitano de trabalhar os ingredientes
surgiu a feijoada, “o primeiro prato brasileiro”, como
classifica Luís da Câmara
Cascudo (1898-1986), em
História da Alimentação no
Brasil. “O cozido português
que originou a feijoada”,
acrescenta o antropólogo po-
tiguar, reúne “carne de vaca,
fresca e seca, paio, salsicha, presunto, toucinho, lom-
bo de porco, couve, repolho, rábanos, cenouras, bata-
tas, nabos, vagens, abóbora, feijão-branco.” Cascudo
observa que a reprodução do prato no Brasil ao longo
do tempo foi sendo modificada — caso da substituição
do feijão-branco pelo preto ou fradinho, mais “popu-
lares por aqui”, e da elimina-
ção de alguns legumes e car-
nes — contudo, sem nunca
perder de vista a “tentativa
de obter refeição única” do
cozido.
Antes do Novo Mundo,
portugueses já conheciam a
experiência da interação, ain-
da que forçada, com outros
povos. Os registros sobre a
formação do país identificam
a presença de fenícios, gre-
gos, cartagineses, romanos,
mouros, judeus e nórdicos.
Aclimatar-se aos rigores de
trópicos dominados por índios exigia flexibilidade. In-
corporar ao cotidiano, simultaneamente, índios e negros
escravizados, bania de vez qualquer desejo de ortodoxia
gastronômica. “Dentro da extrema especialização de
escravos no serviço doméstico das casas-grandes, re-
servavam-se sempre dois, às vezes três, indivíduos aos
trabalhos de cozinha”, conta-nos Gilberto Freyre (1900-
1987), na monumental obra Casa Grande & Senzala,
para logo a seguir apontar que “várias comidas portu-
guesas ou indígenas foram no Brasil modificadas pela
condimentação ou pela técnica culinária do negro.”
Vale citar também que o europeu não manifestou
quaisquer pudores ao trazer espécies de plantas e
animais de outros continentes para cá ou exportá-los
para o seu, enriquecendo a cozinha da Metrópole com
a diversidade presente no Impé-
rio. Os fatos sugerem, portanto,
uma integração gastronômica,
não apenas por conveniência,
mas por vontade própria.
Algo certamente faz um bra-
sileiro sentir como experiência
única estar em um tradicional restaurante lisboeta,
como o Tavares, a escolher um prato entre os muitos de
uma ementa secular. Não será nunca experiência inu-
sitada. Os ingredientes, o modo de preparo, os aromas,
o sabor sempre vão trazer a impressão de estar diante
de algo próximo, familiar, quase brasileiro.
Fronteiras das cozinhas de Portugal e do Brasil são
praticamente inexistentes
54
Muito além da salsicha e da salada de batatasGastronomia alemã acima de tudo — como no hino
prussiAno, coMo frederico,
o grAnde, e o pAi dA ModernA
filosofiA, iMMAnuel kAnt, o
chAnceler otto von BisMArck (1815-
1898), reunificou, eM 1871, grAnde
pArte dos territórios dA AleMAnhA
de nossos diAs. priMeiro Ministro do
iMpério AleMão, de 1862 A 1890, ele dá
noMe Ao sABoroso BiFe A BiSmARCk
coM dois ovos fritos servidos
eM ciMA dA cArne, que tAMBéM
conheceMos, no BrAsil, coMo filé A
cAvAlo. A prússiA de BisMArck, por
ironiA ou trAgédiA, hoje não fAz MAis
pArte dA AleMAnhA. é uM enclAve
russo nos Bálticos desde o finAl dA
segundA guerrA MundiAl.
ALeMAnhA
Natural de um distrito rural de um peque-
no município do interior do Rio Grande
do Sul, tenho entre as mais agradáveis
lembranças de minha infância e adoles-
cência os churrascos em família ou a campo aberto,
nos torneios de futebol do nosso time ou nas quer-
messes da escola onde aprendi as primeiras letras.
O espeto de carne assada no braseiro vinha sempre
acompanhado de uma salada de batatas — o tubérculo
cozido misturado com uma maionese caseira e ovos,
também cozidos. Por muito tempo, para mim essa re-
feição era sinônimo de comida gaúcha. Só bem mais
tarde aprendi que a salada de batatas é, na verdade,
uma contribuição dos imigrantes alemães para a
nossa gastronomia. Assim como as cucas que minha
mãe fazia nos aniversários e festas de família — ou a
qualquer pretexto ou sem razão nenhuma — e que eu
também jurava que eram coisas de gaúcho. Hoje, sei
que é de gaúcho, sim, porque foi incorporada ao cardá-
pio dos pampas, mas que a origem está do outro lado
do Atlântico. Há outros pratos, no entanto, sobre os
quais poucos têm dúvida de que são tipicamente ale-
mães, como joelho de porco, chucrute e salsicha, sem
esquecer as bebidas, como por exemplo, a cerveja.
O hino alemão tem uma estrofe que conclama o
povo germânico com o brado “Deutschland übber
alles”. Alemanha acima de tudo. O mesmo brado
poderia ser adotado na gastronomia, Deutschküch
übber alles. Cozinha alemã acima de tudo. Um pou-
co de história ajuda a entender a popularização da
por evanildo silveira
55GOURMET
os iMigrAntes AleMães forAM os priMeiros A chegAr Ao BrAsil, eM 1824, ApenAs dois Anos depois dA independênciA. eles tiverAM coMo
MAdrinhA A dª MAriA leopoldinA de áustriA, nossA iMperAtriz dª leopoldinA (1797-1826), esposA de d. pedro i, que pertenciA À corte
vienense e erA protetorA dos povos de línguA AleMã. As guerrAs nApoleônicAs, concluídAs eM 1808, destruírAM o que restAvA do
sAcro iMpério roMAno gerMânico e levArAM À ruínA Milhões de AleMães. Alguns deles vierAM pArA As colôniAs no rio grAnde do sul
— enfrentAndo uMA longA viAgeM, coMo se vê, AciMA, nA tocAnte AquArelA de ritA BroMBerg Brugger. descendente dos priMeiros
viAjAntes, elA é AutorA de DiáRiO De Um imiGRANTe, uM relAto dA AventurA dos pioneiros, puBlicAdo eM 2000. os AleMães AcABAriAM por
trAnsforMAr eM pAixão nAcionAl A cervejA e A iMprescindível sAlAdA de BAtAtAs que AcoMpAnhA o churrAsco.
56
frAncisco krieger, uM
dos proprietários do
trAdicionAl restAurAnte
AleMão wiNDHUk, de são
pAulo, é descendente
de uMA fAMíliA AleMã
rAdicAdA há MAis de ceM
Anos eM sAntA cAtArinA.
o wiNDHUk é uMA dAs
Melhores opções dA
cozinhA gerMânicA eM
todo o BrAsil.
ALeMAnhA
gastronomia alemã no
Brasil, por onde se es-
palhou principalmente
a partir da região Sul.
Em 2014, ano da Copa
do Mundo no País, se-
rão comemorados os
190 anos da chegada dos
primeiros imigrantes da
Alemanha ao território
nacional. Desconside-
rando desembarques
isolados anteriores,
como o do astrônomo e
cosmógrafo Meister Jo-
hann, conhecido como Mestre João, da frota de Pe-
dro Álvares Cabral, e a do escritor Hans Staden, no
século XVI, que foi aprisionado por índios no litoral
paulis ta, os alemães começaram a chegar ao Brasil
em maior número a partir de meados do século XIX.
Estima-se que até a Segunda Guerra Mundial vieram
aproximadamente 300 mil. Dirigiram-se em maior
número para o Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, Para-
ná, São Paulo, Rio de Janeiro
e Espírito Santo, em regiões
de clima mais próximo ao que
estavam acostumados na Eu-
ropa. Hoje, os alemães no País
somam cerca de 5 milhões,
entre imigrantes e descendentes. A expansão das úl-
timas décadas deve-se principalmente à vinda de inú-
meras indústrias alemãs. E a acordos firmados entre
os dois países, que fizeram do Brasil um dos maiores
parceiros comerciais da Alemanha.
A gastronomia germânica no País é apreciada em
toda parte, porque muitos dos ingredientes são co-
muns às duas culturas. É o caso do porco e da batata —
campeões do consumo. Também o pão, a couve, a mos-
tarda e o repolho, do qual se faz o famoso chucrute,
o sauerkraut, uma conserva fermentada da verdura.
De típico, eles ainda contribuíram para introduzir no
Brasil o gosto pelos embutidos, como as salsichas, as
mortadelas e os salsichões. Entre os pratos alemães
mais conhecidos e apre-
ciados, que podem ser
degustados nos bons
restaurantes de cozinha germânica no Brasil, estão a
weisswurst (salsicha branca), o kassler (costeleta de
porco), o eisben (joelho de porco), o mit rotkohl (mar-
reco assado) e a bockwurst (salsicha feita de vitela e
de porco, servida com mostarda quente). Não faltam
doces e geléias. Dá água na boca só de imaginar so-
bremesas como o apfelstrudel, uma tradicional torta
folhada de maçã e que hoje
incorporou outras frutas. Há
ainda as cucas ou kuchen,
uma espécie de bolo-pão com
cobertura doce, que na minha
memória funciona como as
madeleines do escritor fran-
cês Marcel Proust (1871-1922)
— sem a pretensão de ter o mesmo talento, é claro, e a
käsetorte, uma torta de ricota.
O catarinense Francisco Krieger, filho de imigran-
tes, e proprietário, juntamente com o irmão Valfrido,
do restaurante de comida alemã Windhuk, um dos
mais tradicionais de São Paulo, fala um pouco sobre
a origem histórica da gastronomia da terra dos pais
e avós. “Muitos dos pratos alemães nasceram da ne-
cessidade de armazenamento de alimentos, principal-
mente por conta de épocas de baixa temperatura e de
guerras”, ensina Krieger. “Daí é que vem a variedade
de molhos, queijos, manteiga, pães, embutidos, con-
servas, patês e geléias, chegando a centenas de tipos
diferentes.” Para acompanhar as refeições, a cerveja
São cinco milhões no Brasil de alemães e seus descendentes
58
oBrA kONSeRVeNmACHeRiNNeN retrAtA, eM 1879, AleMãs
durAnte o exAustivo trABAlho eM uMA fáBricA de conservAs
— uM trAço dA industriAlizAção AcelerAdA dA AleMAnhA
Após A unificAção. o quAdro é do pintor iMpressionistA MAx
lieBerMAnn (1847-1935). está eM leipzig, nA AntigA AleMAnhA
orientAl, no MuseuM der Bildenden künste.
ALeMAnhA
ainda é insubstituível. Considerada inicialmente um
verdadeiro alimento, a cerveja é parte da cultura ale-
mã, integrando a própria refeição, e, ao contrário do
que muita gente acredita, é servida quase sempre ge-
lada na Alemanha. Mas, como as garrafas são grandes
e existem copos de até um litro, a bebida esquenta ra-
pidamente e assim deixa a impressão de que é servida
em temperatura ambiente.
Foram os alemães que ele-
varam a cerveja à condição
de paixão nacional no Brasil.
Que o digam os promotores da
Oktoberfest, em Blumenau,
Santa Catarina, que todos os
anos, desde 1976, abrem um
largo sorriso com a visita de
milhares de turistas. Estiveram na cidade catarinense,
em 2011, nada menos do que 560 mil turistas. A culi-
nária alemã, como não podia deixar de ser, tem uma
história ligada à do país e do povo.
O ambiente e os sabores alemães podem ser apre-
ciados no restaurante dos irmãos Krieger, nascido
como bar em 1948, no Bairro de Moema, na Zona Sul
da capital paulista. O estabelecimento foi fundado por
Rolff Stephan, um dos tripulantes do navio alemão
Windhuk, que dá nome à casa. A história conta que
a embarcação de passageiros fazia a rota Alemanha-
-África do Sul, quando não pôde retornar à Europa,
devido ao início da Segunda Guerra Mundial. Depois
de inúmeras tentativas de voltar para casa, a tripula-
ção decidiu atracar, em 1939, no porto brasileiro de
Santos, em São Paulo. O Brasil até então se mantinha
neutro no conflito. Com a de-
claração de guerra de Getúlio
Vargas à Alemanha e à Itália,
em 1942, imigrantes dos dois
países passaram a ter restri-
ções no Brasil. Foram proibi-
dos jornais e escolas alemãs, e
clubes típicos tiveram de mu-
dar de nome, como, por exemplo, o Germânia, que se
tornou Pinheiros, em São Paulo. O mesmo aconteceu
aos italianos. A tripulação de cerca de 250 pessoas
do Windhuk, presa no porto de Santos, seria enviada
para um campo de concentração construído em Pin-
damonhangaba, no Vale do Paraíba, e lá ficou até o
final da guerra, em 1945.
Os alemães do Windhuk não chegaram a sofrer
maus tratos no campo de concentração brasileiro e,
quase todos, ao final do conflito, preferiram perma-
necer no País. “Somente um tripulante voltou para
a Alemanha. Os demais ficaram e refizeram a vida
por aqui”, recorda Krieger, concluindo: “Era muito
difícil, naqueles primeiros anos do pós-guerra, com
a Alemanha arrasada e com a dramática falta de em-
prego, alguém voltar para casa”. O restaurante que os
tripulantes do Windhuk criaram no Bairro de Moema
é, hoje, uma referência obrigatória da gastronomia
alemã em todo o País. O Windhuk está quase sempre
com a lotação esgotada. O restaurante, nos fins de se-
mana, é frequentado por muitas famílias de origem
germânica da capital paulista. E o atendimento, nes-
ses momentos, é em língua alemã. Idioma que ainda
hoje os descendentes dos primeiros imigrantes que
aqui chegaram, em 1824, preservam em várias cida-
des do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Como os
Krieger, do Windhuk, e os Wolffenbüttel, da família
do escritor gaúcho Fausto Wolff (1940-2008).
tripulação do navio Windhuk ficou presa em
Pindamonhangaba
60
o MurAl, ABAixo, elABorAdo pelo ArtistA rAMón sArABiA,
eM 1968, pArA o trAdicionAlíssiMo restAurAnte LOS
CARACOLeS, uM dos MAis Antigos dA europA, especiAlizAdo
eM frutos do MAr e locAlizAdo no centro histórico de
BArcelonA. fundAdo eM 1835, no solAr de núMero 14
dA cArrer d’escudellers, onde se encontrA Até hoje, eM
pleno corAção do MedievAl BAirro gótico dA cApitAl dA
cAtAlunhA, é, possivelMente, uM dos Melhores endereços
eM todA A espAnhA pArA degustAr A pAellA — especiAlidAde
originAdA nA vizinhA vAlenciA, cidAde dos BorgiA, fAMíliA
de pApAs, e pArte históricA dos paisos catalans. iMperdível A
pAeLLA LOS CARACOLeS. o restAurAnte tAMBéM é conhecido
coMo cAsA BofArull, porque há cinco gerAções A fAMíliA
BofArull, retrAtAdA no MurAl de sArABiA, é proprietáriA
de LOS CARACOLeS.
espAnhA
61GOURMET
Caballeros, Paella para todos!Prato que une as Espanhas mesmo nas guerras civis
por pola Galé *
* O jornalista Pola Galé foi Diretor de Jornalismo da TV Cultura, de São Paulo.
rAinhA dA espAnhA que, no MesMo Ano de
1492, expulsou os MuçulMAnos de grAnAdA,
últiMo cAlifAdo islâMico dA penínsulA
iBéricA, e descoBriu As AMéricAs, isABel I, lA
cAtólicA, (1451-1504), AciMA, retrAtAdA nuMA
oBrA de 1500 do pintor juAn de flAndes,
AMAvA As frutAs. AusterA e severA, cAsAdA
coM fernAndo de ArAgón, se AliMentAvA
quAse seMpre À BAse de frutAs e, segundo os
BiógrAfos, MArAvilhAvA-se, A cAdA regresso
Ao porto de sevilhA dos gAleões de cristóvão
coloMBo, que trAziAM espécies tropicAis do
novo Mundo — coMo A goiABA, ABAcAxi,
pinhA e MAMão. forAM os reis cAtólicos, isABel
i e fernAndo, que recuperArAM A hegeMoniA
dA europA cristã soBre os MuçulMAnos Após
A quedA, eM 1453, de constAntinoplA, A AtuAl
istAMBul, eM poder islâMico.
62
Ao perfumar a cozinha com o cheiro de
alho em azeite de oliva bem quente, pode
ter certeza: você está diante de uma bela
tradição herdada dos países do Mediter-
râneo. Se o hábito é comum nos países europeus, na
Espanha ele se transforma em ato obrigatório em to-
das as cozinhas da terra de Cervantes, Goya e Picasso.
A crise econômica na Península Ibérica no final do
século XIX fez com que muitas famílias espanholas vies-
sem para a América na esperança de vida melhor. De-
sembarcaram no Brasil trazendo suas tradições na mala
e na alma. Os primeiros registros da chegada dos imi-
grantes espanhóis no porto de Santos são de 1884. Esta-
beleceram-se em cidades como Rio
de Janeiro, Salvador e São Paulo,
mas vieram principalmente para
o interior paulista na busca de tra-
balho nas lavouras de café. Levan-
tamento de 1920 mostra que, dos
220 mil espanhóis no Brasil, 80%
viviam em terras paulistas.
A presença espanhola nestas
terras é mais antiga. Padre Anchie-
ta — o apóstolo do Brasil, fundador
da cidade de São Paulo, por exem-
plo, era espanhol das Ilhas Caná-
rias. E nosso país foi também co-
lônia espanhola entre 1580 e 1640,
durante a União Ibérica, quando
a Coroa portuguesa esteve em po-
der dos reis de Castela — Filipe II,
III e IV. Foi nesse período que os
espanhóis fundaram, na Paraíba,
a cidade da Filipéia de Nossa Se-
nhora das Neves, em homenagem
ao Rei Filipe II. A Filipéia passaria
a se chamar Fredericstadt, Cidade
Frederica, durante a ocupação ho-
landesa, depois Cidade da Paraíba
e, por fim, João Pessoa.
No fluxo migratório do final do século XIX para o
XX, a maioria dos espanhóis vinha do sul, da Andalu-
zia, e do extremo noroeste, da Galícia. Os primeiros
se adaptavam melhor ao campo, enquanto os outros
preferiam a cidade. A atividade urbana principal era o
comércio de alimentos como chorizos caseiros, azeite,
azeitonas e queijos. Em Salvador, nessa época, os ar-
mazéns de secos e molhados, padarias, confeitarias e
bares ostentavam nomes como Pérez, Fernández, Gon-
zález. Em São Paulo e no Rio de Janeiro também era
freqüente a presença de um espanhol atrás do balcão
da mercearia. Entre a Primeira e a Segunda Guerra
Mundial, a imigração para cá ficou paralisada, porém
foi retomada no pós-guerra e até o final dos anos 1950.
As famílias que aqui chegavam traziam a devoção
à boa comida e ao futebol. Sim, ao futebol, esporte que
por ali sempre foi paixão nacional — juntamente com
AlMoço de despedidA de eMigrAnte, eM 1956, nuM fogar de gAlegos, uM
lAr, nA provínciA de pontevedrA, retrAtAdo por virxilio vieitez (1930-2008).
renoMAdo fótogrAfo gAlego, nAscido nA MesMA pontevedrA, eM soutelo
de Montes, AldeiA próxiMA À provínciA de orense, vieitez docuMentou,
coM rArA sensiBilidAde, de 1955 A 1965, A trágicA divisão dAs fAMíliAs
gAlegAs cAusAdA pelA eMigrAção. veio de pontevedrA grAnde pArte dos
mozos dA gAlíciA que eMBArcArAM pArA sAlvAdor, nA BAhiA, Montevidéu,
Buenos Aires e hAvAnA.
espAnhA
64
as touradas. O Corinthians atraiu, em São Paulo, a
simpatia da comunidade. Os imigrantes formaram em
Santos o Espanha — atual Jabaquara. Os galegos, na
Bahia, não deixaram por menos e fundaram o Galícia
Esporte Clube, que chegou a ser chamado de Demo-
lidor de Campeões. Não há outra explicação, senão a
influência espanhola, para o grito que até hoje toma
conta dos estádios quando um jogador dribla outro e a
torcida se manifesta com um sonoro “Ooolééé”.
Mas é o gosto pela comida que mais mostra a alma
espanhola. Não é à toa que o país tem a mania nacional
do tapeo, hábito unânime de beliscar tapas antes das
refeições, ou seja, um tira-gosto para acompanhar a
bebida, de preferência vinho. Visitar um amigo ou ami-
ga, na Espanha, e recusar a comida oferecida é falta de
educação. Comida, enfim, chega a ser o sentido da vida
de muitos espanhóis. O movimento dos bares e restau-
rantes de Madri é prova incontestável. Como dizem por
lá: de cada três euros que o madrilenho ganha, dois são
para bares e restaurantes, e um para manter a casa.
Vieram ao Brasil, na leva de imigrantes do pós-
-guerra, dois nomes que se transformaram em ilustres
representantes da gastronomia espanhola — o andaluz
Francisco Ríos Domínguez, toureiro fundador do res-
taurante Don Curro em 1958, e o galego Belarmino Igle-
sias, fundador do Rubaiyat há 52 anos, ambos em São
Paulo. Belarmino especializou o restaurante para as
carnes e já por muitos anos é considerado pelas revis-
tas de gastronomia como a melhor churrascaria de São
Paulo. Mesmo assim, os Iglesias não conseguem esque-
cer o paladar espanhol e gradualmente foram incluin-
do embutidos, Paella e pescados na ementa de seus res-
taurantes. O maior e mais requintado deles, o Figueira,
se transformou em um cartão-postal culinário de São
Paulo. O estabelecimento, montado embaixo de uma
grande figueira, tem o DNA da Espanha. Peixes e frutos
do mar são preparados na brasa, fornos especiais e a
la plancha — na chapa. O pescado é hábito diário espa-
nhol. Na Catalunha, País Basco, Andaluzia, Astúrias e
Galícia, principalmente, fazem parte de receitas tradi-
cionais como Pulpo a la Gallega, fritada de mexilhões,
merluza ao molho verde, salmão a la ribereña, atum à
moda basca, peixes grelhados, gambas y lagostines en
la plancha, e, entre tantos outros, o célebre Bacalao Al
Pil Pil — tradicional prato basco de Bilbao. Mesmo as
cidades interioranas recebem diariamente o pescado
do mar, uma frota de caminhões-frigorífico que tem
prioridade nas estradas que cortam a Espanha.
Mas nenhuma outra casa é tão entrañablemente
espanhola como o Don Curro, que se tornou sinônimo
de Paella na capital paulista. Quem administra hoje o
restaurante são os filhos do fundador, Rafael e José Ma-
ria Domínguez. A Paella foi criada pelos camponeses de
Valencia. O tacho largo, baixo e com alças, empresta o
nome ao prato. A Paella, juntamente com o jamón, é a
marca culinária espanhola mais difundida pelo mundo.
E nasceu da necessidade. Os valencianos saíam para
o trabalho no campo e levavam de casa azeite, arroz
e sal. No campo, caçavam algo, como lebre ou perdiz,
colhiam legumes e faziam uma fogueira. Misturavam
tudo na paella e comiam ao redor da panela coletiva.
Paella transformou-se de coletivo num prato festivo. E
notável foto de uM grupo folclórico de
cAntAres e dAnçAs gAlegAs nA BAhiA de
1953. ApresentAvAM-se eM sAlvAdor, Aos
doMingos À tArde, nA AntigA sede do centro
espAnhol dA BAhiA, no corredor dA vitóriA,
Após interMináveis AlMoços, nos quAis não
fAltAvAM o vinho de jerez, As empanadas e
o cocido. tocAvAM As trAdicionAis gAitAs,
herAnçA celtA, e BAilAvAM muñeiras, priMA-
irMã do vira português, e A dAnçA dos
Arcos. ApAreceM, Ao centro, À direitA, o
cAsAl MAriA helenA e rAMiro cAstro freAzA,
vindos de pontevedrA, e hoje BisAvôs de
vários BAiAnos.
espAnhA
65GOURMET
é sempre o homem quem a prepara nas festas e reuni-
ões familiares. Surgiu daí a versão romântica da origem
do nome Paella, que seria a corruptela de para ella — o
homem apaixonado cozinha para ela, a mulher amada.
Embora nascida da rusticidade da vida no campo,
a Paella se sofisticou. Passou a ter ingredientes do
mar, outras carnes e verduras, ultrapassou os limites
de Valencia para se transformar num prato nacional
e extrapolar as fronteiras do país. Dizem os cozinhei-
ros espanhóis que, em cada região do país, se faz uma
Paella diferente. E cada cida-
de tem uma à sua maneira. E
cada casa tem seu jeito parti-
cular de fazer o prato ao gos-
to da família. Os restaurantes
espanhóis, no Brasil, também
preparam o prato cada um à
sua moda, seja no Shirley, no
bairro carioca do Leme, na Taberna, do Centro Espa-
nhol da Bahia, em Salvador, ou no paulistano Don
Curro. O certo é que a Paella é uma unanimidade na
Espanha, e mesmo quando o país esteve em guerra ci-
vil, nos anos 1930, o prato continuou sendo o símbolo
da gastronomia nacional de todos os espanhóis.
Mas de um modo geral, os espanhóis e seus des-
cendentes brasileiros tiveram motivos para comemo-
rar a boa comida nos últimos anos. Alimentos mais
sofisticados começaram a chegar com a abertura das
importações no início dos anos 1990. Teve-se, assim,
acesso mais fácil a ícones da culinária espanhola
A pAellA é o único
prAto que uniu
por séculos
As diferentes
preferênciAs dA
espAnhA — MuitAs
vezes divididA
eM frAtricidAs
guerrAs civis.
o prAto nA
versão originAl
vAlenciAnA é A
fusão de vários
ingredientes.
Arroz, AçAfrão,
ervilhA, porco,
frAngo, cAMArão
e outros frutos
do MAr.
Em todas as regiões da Espanha se faz um tipo
diferente de Paella
como o jamón Ibérico alimentado com bellota, o Pata
Negra, o melhor presunto cru do país. A abertura tam-
bém aumentou a oferta de vinhos da Rioja e da Ribera
del Duero, embora os preços ainda assustem um pou-
co se comparados aos dos portugueses. Outro fato im-
portante é que a cozinha espanhola ganhou destaque
internacional nos últimos anos. Ferran Adrià revolu-
cionou a gastronomia com suas espumas e esferas
no El Bulli, ganhou todos os prêmios importantes do
mundo e transformou os chefs espanhóis em grandes
celebridades. Vieram, em con-
seqüência, restaurantes com
novidades, modernidades e
adaptações a nossas matérias-
-primas como o Eñe, do Rio de
Janeiro e de São Paulo.
Esperamos que o modismo
estimule também a abertura de
novos restaurantes no Brasil com comida clássica es-
panhola, diversificada e, por que não?, simples e a pre-
ços mais em conta. Que venham os cocidos madrileños
(com grão-de-bico), os gazpachos (sopa fria à base de
tomate), os cochinillos (leitõezinhos de leite), as migas
de Aragón (pão duro em lascas umedecido, temperado
com azeite e alho) e Lacón con Grelos (pernil de porco
com um tipo de couve). Tudo isso seguindo ao pé da le-
tra o que se entende por gastronomia. A arte de trans-
formar o ato de comer num momento de grande prazer.
É o que todas as mães e abuelas espanholas já fazem
em suas casas em qualquer parte do mundo.
66
uMA dAs MAis fAMosAs
oBrAs do irrequieto pós-
ModernistA holAndês,
vincent vAn gogh (1853 –
1890), teM título coMprido
e coMpleto. chAMA-se
o terrAço do cAfé, nA
prAçA do fóruM, Arles,
À noite — reprodução
Ao lAdo. A telA foi
concluídA eM seteMBro
de 1888. sete Meses depois
que vAn gogh trocou
pAris por Arles, no sul
dA frAnçA, onde se
desluMBrou coM As cores
do cAMpo dA provence.
o pintor holAndês
cAptou MAgicAMente
o espírito dos cAfés
frAnceses – MArcA de uMA
gAstronoMiA requintAdA
e que, Após séculos de
supreMAciA, continuA A
ser referênciA pArA A AltA
cozinhA. de BerliM e novA
york A londres e Milão.
o cAfé que inspirou o
ArtistA continuA coM As
portAs ABertAs e roteiro
oBrigAtório pArA queM
visitA Arles. chAMA-se
AgorA, coM justiçA, cAfé
vAn gogh. desde os Anos
1990 A fAchAdA possui
tons verdes e AMArelos.
próxiMos Às cores
originAis escolhidAs por
vAn gogh.
FrAnçA
67GOURMET
LE BrÉsIL uma obsessão francesaPaixão de Villegagnon aos chefs da nouvelle cuisine
nAscido nA ilhA frAncesA dA córsegA, vizinhA À itAliAnA
sArdenhA, NApOLeãO BONApARTe (1769-1821), filho de pAis
coM AscendênciA dA noBrezA itAliAnA, é considerAdo
por Muitos o MAior personAgeM dA históriA dA frAnçA.
ele detestAvA o requinte dA cozinhA frAncesA e preferiA
A siMplicidAde dA culináriA peninsulAr — eMBorA
durAnte o período eM que ocupou o bel paese os
lAticínios, coMo MAnteigA e creMe de leite, pAssArAM A
ser usAdos coMo Molho de MAssAs, principAlMente, Ao
norte de roMA. deve-se A nApoleão BonApArte A criAção
dA coMidA enlAtAdA — invenção do frAncês nicolAs
Appert, eM 1808, pArA Melhor trAnsportAr AliMento
pArA os soldAdos nos MAis diferentes fronts. A
invenção dA coMidA eM lAtA foi uM sucesso, poréM, não
iMpediu A débâcle nApoleônicA nA rússiA, eM 1812, e, eM
1815, eM WAterloo, AtuAl BélgicA, diAnte de ingleses e
prussiAnos. e AindA por ciMA, por ironiA, A inovAção
AcABou por ser pAtenteAdA pelA inglAterrA.
A França foi o primeiro país a ter sua gas-
tronomia declarada Patrimônio Imaterial
da Humanidade pela Organização das Na-
ções Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco). Apesar de o reconhecimento ser
recente, essa arte pioneira é muito antiga, e começou
a ser desenvolvida na Idade Média. Primeiro, veio a
descoberta dos ingredientes e, depois, a sabedoria
dos primeiros gourmands que identificaram as me-
lhores maneiras de elaborar os pratos. Nos banque-
tes oferecidos a reis e rainhas, através dos séculos,
muitos desses pratos passavam por testes decisivos,
antes de chegar à mesa dos nobres. Depois, caíam no
gosto popular. Uma das principais determinantes
para a evolução sempre foi a natureza. As diversas
regiões do território da França, das montanhas aos
campos e ao litoral, reúnem tudo que é necessário
para uma gastronomia extremamente rica, e até hoje
qualquer uma das cozinhas francesas, seja a clássi-
ca, a regional, seja a nouvelle cuisine, encanta o mun-
do com a art de vivre.
Inclui-se a admiração pela cultura francesa como
uma das muitas marcas deixadas no Brasil pelos por-
tugueses. Pode-se perceber em todas as áreas a influ-
ência dos franceses. Desde a chegada ao Rio de Janeiro
da esquadra do Almirante Nicolas Durand de Villegag-
non, que se estabeleceu em duas ilhas da Baía de Gua-
nabara e na região da atual Praia do Flamengo. Uma
• Colaborou neste trabalho a jornalista e chef de cozinha Camila Taquari.
68
FrAnçA
céleBre froide d’Agneu, cordeiro frio, dA glAMurosA BrAsserie lipp, que
ocupA o núMero 151 do BoulevArd sAint-gerMAin dês prés, nA MArgeM
esquerdA do rio senA, defronte Ao lendário cAfé deux MAgots. fundAdA
pelo AlsAciAno leonArd lipp, eM 1880, freqüentArAM A BrAsserie lipp
escritores coMo MArcel proust, André gide, Antoine de sAint-exupéry,
AlBert cAMus, jeAn-pAul sArtre e André MAlrAux.
troisgros e Suaudeau trouxeram na bagagem
ensinamentos de mestres
das ilhas tem hoje o nome
de Villegagnon e a outra é
a Ilha do Governador, onde
se encontra o Aeroporto do
Galeão. Fundaram uma co-
lônia, dedicada ao comércio
e ao abrigo de protestantes,
que ficou conhecida como
França Antártica e durou de
1555 a 1560, quando foram
expulsos pelos portugueses.
Muitos viajantes gostaram
da experiência de se deliciar
com as novidades dos trópi-
cos. Foi assim que começou
o cruzamento de culturas
que se pode saborear até
hoje. Frutas como o abacaxi
surpreendiam os recém-chegados. André Thevét (1516-
1590), no Singularidades da França Antártica, cita a
fruta como “excepcionalmente boa de se comer, tan-
to por sua doçura quanto por
seu sabor”. O caju, a fruta e a
castanha, também agradava,
assim como a goiaba ou araçá
brasileiro, o mamão, manga-
ba, umbu, a mandioca, batata-
-doce, cará, taioba, as favas,
amendoim, abóbora, milho,
palmito, pimentas nativas, entre carnes de caça e pei-
xes de água doce e salgada.
Alguns desses ingredientes até hoje são os favo-
ritos dos chefs franceses que chegaram ao Brasil nos
últimos 30 anos e deram nova vida à gastronomia no
País. Claude Troisgros e Laurent Suaudeau, por exem-
plo, trouxeram na bagagem, sólida formação técnica
clássica e ensinamentos de seus mestres. A paixão
por mandioquinha, mandioca, jabuticaba, maracujá,
cajá, banana e palmito é um traço comum entre esses
profissionais, que aqui lançaram um novo conceito de
cozinhar, preferindo os produtos frescos e da estação.
Pode-se dizer que foram os precursores da valorização
da cozinha nacional. O pâtissier Fabrice Le Nud, fun-
dador da pâtisserie Douce
France, ao chegar, ficou
muito impressionado com
o tamanho e o sabor dos
maracujás. Com o cupua-
çu, recheia tortas, trufas e
faz um magnífico sorvete.
O encanto é semelhante
ao registrado, nos idos de
1550, por Jean de Léry, que
elogiava inúmeros ingre-
dientes, entre eles a taio-
ba, espécie de couve, com
folhas largas, um dos atra-
tivos da época, que teve a
chance de provar, como
sopa, na Ilha de Villegag-
non, então reduto francês.
Quando, em 1815, o Rio de Janeiro foi elevado a ca-
pital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,
já eram observadas na sociedade carioca os hábitos
inspirados na elegância e bom
gosto franceses — cultivados
pela Rainha da França Catarina
de Medici, italiana de Florença,
responsável pela introdução
de boas maneiras e etiquetas à
mesa, além do uso do garfo. Fo-
ram então, sob inspiração fran-
cesa, inaugurados novos estabelecimentos comerciais
de todos os gêneros: mercearias de secos e molhados,
as primeiras padarias, confeitarias e restaurantes. As
confeitarias francesas e italianas serviam empadas re-
cheadas de camarão, frango ou carne de porco, tortas,
frango assado, doces e sorvetes. Também dispunham
de serviço de buffet para festas e reuniões em casa.
Fundou-se a primeira Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios do Brasil. Destacava-se a presença
de um grande artista francês, o pintor Jean-Baptiste
Debret (1768-1848), que registrou algumas das mais
importantes imagens do cotidiano no Brasil colonial.
Inspirado nos losangos dos regimentos bonapartis-
tas, Debret desenhou a primeira bandeira brasileira e
69GOURMET
Pereira Passos espelhou-se em Haussmann para criar
a Belle Époque carioca
desde os Anos 1980 trABAlhAndo no BrAsil, o chef frAncês
eMMAnuel BAssoleil, incorporou Às criAções vários ingredientes
dA cozinhA do pAís. MAs AchA que A culináriA frAncesA não
precisA AcoMpAnhAr A ModernidAde.
a coloriu com o verde
da Casa de Bragança,
uma homenagem ao
Imperador D. Pedro I
(1798-1834), e, o ama-
relo dos Habsburgo,
em reverência à aus-
tríaca Imperatriz D.
Leopoldina. Ao con-
trário do que muitas
escolas ensinam hoje
às crianças, o verde
empregado por De-
bret não represen-
taria as riquezas de
nossas matas, e nem o
amarelo, os tesouros
minerais do Brasil.
Mas essa não foi a única influência francesa sobre
o pendão nacional. Com a Proclamação da Repúbli-
ca, foi a vez do positivismo de Augusto Comte (1798-
1857) acrescentar à nossa bandeira a frase “Ordem e
Progresso”.
Com a ascensão de uma classe média, a partir do
Segundo Reinado, o Rio de Janeiro viu seus comer-
ciantes aderirem à cultura da França, vestindo-se e
degustando cardápios à moda francesa. Nos menus os
restaurantes apresentavam
os pratos em língua france-
sa: Badejo à la Brezilienne,
Asperges Sauce Mousseline
e Dinde Farci, além dos pa-
tês e sortidas sobremesas,
dessert assorti. Eram mui-
to consumidos os vinhos
franceses como Sauterne,
Bordeaux e o próprio Champagne. Entre 1880 e 1920,
o Rio de Janeiro conheceu o ápice da cultura france-
sa com a Belle Époque. O prefeito Francisco Pereira
Passos (1836-1913) espelhou-se no seu colega francês
Barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891), o ar-
quiteto que revolucionou Paris, quando prefeito, na
segunda metade do século XIX, abrindo grandes bou-
levards, na margem direita do Sena, e construindo a
célebre L’Opéra da capital francesa. Nesse cenário de
desenvolvimento, as elites carioca e paulista, enri-
quecidas pelo café, promoveram a publicação de uma
literatura culinária, que privilegiava receitas com
maionese, suflês, molho béchamel, filet mignon, cas-
soulets, potages (sopas), e,
entre os doces, bavaroises
de frutas e savarin.
Misturando ingredien-
tes locais, os chefs inova-
ram com purês e gratins de
mandioquinha, jabuticaba
com foie gras, peixes ao
molho de maracujá ou com
banana grelhada. Maravilhas da cozinha contempo-
rânea. O festejado chef Emmanuel Bassoleil, instala-
do no Brasil desde a década de 1980, defende que a
cozinha francesa não precisa acompanhar a moder-
nidade, pois foi sempre a base para outras vanguar-
das gastronômicas. Impossível não se perfilar diante
da mesa francesa.
70
no outono de 1981, Le Vivarois resplandecia de novo.
esse restaurante parisiense, indecifrável na forma,
decorado em metal, mármore e essências de ma-
deira clara, tinha como dono e chef uma figura muito espe-
cial: claude peyrot, que vagava
entre seus fogões e clínicas de
repouso psiquiátrico, mas era o
favorito dentre todos os demais
chefs de cozinha estrelados de
paris. seu talento criador e uma
capacidade de execução sem
par fizeram-no um dos grandes
do século passado — desde que
estivesse de bem com a vida.
era o caso naquela tarde ainda cálida, quando este jorna-
lista levou dois colegas, especialistas mais consagrados e
exigentes, para o que deveria ser uma seção de taxonomia
culinária e acabou em uma experiência memorável.
naquela beirada do Bois de Boulogne, quando a Avenida
victor hugo se desvencilha das grandes fachadas coloridas
As ostras quentes do chef Peyrot uma refeição inesquecível no parisiense le vivarois
A carta do Vivarois era curta, incompleta, e as sugestões
vinham do maître
coMentAristA dA
ReDe GAZeTA de
televisão, o jornAlistA
MArio de AlMeidA
foi vice-presidente,
diretor de redAção
e correspondente
eM pAris dA GAZeTA
meRCANTiL. tAMBéM
dirigiu As revistAs iSTOÉ
e GOURmeT. foi editor
de VejA.
das grifes e vira um canto residencial — muito caro e meio
chato —, podia-se comer algo que estava bem acima da
cuisine bourgeoise, como os franceses batizam o trivial fino
criado no século xix por suas tataravós, mas que também
não pode ser classificado hoje como nouvelle cuisine. cha-
ma-se isso fusion. fala-se que foi inventada na califórnia,
mas claude peyrot é o seu verdadeiro criador — e, por isso,
tantos cozinheiros estrelados iam ao Vivarois, madrugada
adentro, para festejar peyrot depois de fecharem suas casas.
o salão claro e envidraçado da victor hugo era defen-
dido por jacqueline, mulher do patrão, muito simpática e
competente a receber a clientela, entre meias explicações
sobre o humor do chef, que raramente subia de sua cozi-
nha no subsolo. Mas na visita inesquecível foi claude que
oficiava soberano. estava no auge, tinha notas altíssimas e
recendia confiança. dava-se a provas cada vez que um gar-
fo subia do prato à boca. tinha
gênio, inclusive na instabilida-
de. o restaurante, por exemplo,
nunca trabalhou aos sábados
e domingos porque o homem
gostava de passar o fim de se-
mana com a família.
A carta do Vivarois era cur-
ta e incompleta. As sugestões
eram recitadas pelo maître
d’hôtel. Mas o melhor era só para iniciados. o que era o nos-
so caso, pois o franco francês andava fraquíssimo e o menu
do almoço, a 185 francos sem vinho, equivalia a 25 dólares.
tratava-se, portanto, de ir direto ao ponto. claude peyrot é
o inventor das ostras mornas sobre um leito de espinafre,
servidas individualmente sobre a concha, sob um lençol
por mario de almeida
FrAnçA
71GOURMET
de especiarias e curry. isso figura nesses tem-
pos em milhares de cardápios e pode ser enco-
mendado em quase todas as línguas. essa era,
pois, a entrada obrigatória dos conhecedores e
freqüentadores habituais. ostras da Bretanha,
gordas pela estação, de preferência belons nú-
mero 2. o vinho: Mersault les genevrires-des-
sus 1970.
Aguardávamos aquelas ostras discutindo exatamente
sobre a clarividência de pedir Mersault, quando a pequena
procissão de garçons e de comis surgiu com os pratos de-
baixo daquelas tampas prateadas, os cloches. foi quando
se descobriu que nosso chef dos fogões gauleses estava
em dia de gala. para começar,
eram nove em cada porção.
ora, pratos com nove ostras,
em paris, sabe-se há gerações,
só no prunier, e frescas. Além
disso, havia naquele reluzen-
te disco de faiança branca até
mais execução do que criação.
Bichos supimpas, perfumados
ao cardamomo, noz-moscada e
um fio de curry para acender papilas gustativas sem der-
rubar a percepção do vinho. os espinafres, como se cada
folha tivesse merecido andar sozinha à caçarola, presa a
uma pinça, para 15 segundos de imersão, tinham gosto e
aroma intactos.
serviço de restaurante em paris é coisa séria. obcecado
pelos detalhes, chef peyrot fez da sua brigada um modelo
de precisão. executada a entrada, comis precisos recolhiam
despojos e detritos enquanto a procissão reaparecia, desta
vez com a segunda pedida, também ausente do cardápio:
coq au vin de pommard. pode parecer exagero, e é mesmo:
o galo de monsieur peyrot é diferente de tudo. para come-
çar, os vinhos de pommard têm aquela cor profunda de ter-
ra, e, no entanto, aquele galo tinha carnes visíveis e consis-
tentes — da cor que devem ser as carnes de aves. nada de
tonalidades escuras.
coq au vin é prato caipira,
legítimo plat canaille, como os
franceses chamam carinhosa-
mente a mesa popular, com
suas receitas de miúdos, con-
servas e cozidos. pois a bela
arte de claude peyrot transfor-
mou a mesa do povo numa fes-
ta de modernidade. desossada,
bem apresentada, a ave estava acompanhada de minúscu-
la e perfumada mousse de azedinha. o conjunto, por reco-
mendação do sommelier, ficou ainda melhor na presença
de um tinto potente, que então apenas desbravava alguns
endereços parisienses e custava, na mesa, menos de 200
francos (30 dólares): côte-rôtie, exemplar capitoso e par-
ticularíssimo da vizinhança do châteauneuf-du-pape, mis-
tura de uvas syrah com 20% de brancas viognier no começo
da fermentação para quebrar o teor alcoólico.
Coq au Vin é prato caipira, legítimo plat canaille, como
os franceses chamam
A frAnçA é uM dos MAiores produtores e
consuMidores de ostrAs. tAMBéM outros pAíses
dA europA, coMo portugAl, espAnhA, BélgicA e
holAndA, cultivAM os cAprichosos Moluscos.
cAnAnéiA, no litorAl sul de são pAulo, e
floriAnópolis, cApitAl de sAntA cAtArinA, são
produtores de ostrAs no BrAsil. existe Até uM
roteiro turístico eM floriAnópolis, cAMinho
dAs ostrAs, nA freguesiA de riBeirão dA ilhA.
72
neGóCIo
Grandes redes de um cardápio universalMarcas mostram diversidade da gastronomia no País
Falkenburg inovou, em 1951, a produção de
sorvete no rio de Janeiro
por Luiz Voltolini
Algumas conquistas do século XX fo-
ram determinantes para chegarmos
ao perfil atual do mercado de alimen-
tação fora do lar. Destaque para a melhora
dos padrões de higiene na manipulação dos
ingredientes e preparação dos pratos, a frag-
mentação e automatização dos processos
produtivos, a segmentação dos mercados e,
claro, o surgimento das
grandes redes de varejo.
o início da história das
redes, no Brasil, coube a
um americano – robert
Falkenburg, hoje com 85
anos, tenista vencedor do torneio Wimble-
don dos anos de 1948 e 1949. A Falkenburg
Sorvetes inovava, em 1951, ao produzir com
máquinas as massas geladas feitas a partir
de receitas importadas dos estados Unidos.
o empreendedor, em 1952, muda o nome
do estabelecimento para Bob’s e abre uma
unidade na mítica Copacabana, àquele ins-
tante cenário preferido da juventude carioca
seduzida por bossa nova e rock’n roll. o Bob’s
populariza o cachorro-quente, o hambúrguer,
o milk-shake e o sundae. A mesma Copacaba-
na recebe, em 1979, a primeira unidade do
mcDonald’s do país. A rede chegou, em al-
guns anos da década passada, a ser o maior
empregador privado no Brasil, superando a
Volkswagen.
A entrada maciça de
empresários brasilei-
ros no segmento se dá
nos anos 1980 e 1990,
dando origem a marcas
célebres, como Ameri-
ca, Gendai e Ráscal. outro fenômeno, nesse
período, se sucede no mercado interno. res-
taurantes já consagrados iniciam ousados
projetos de expansão, que, mais tarde, os
alçariam à condição de rede — caminho per-
corrido com sucesso pelo Almanara e Graal.
os muitos elementos que constituíram as
redes nacionais estão nas histórias desses
cinco campeões.
73GOURMET
Almanara
restaurante apresentou o Quibe Cru ao grande público de São Paulo
A decisão de manter em atividade o esta-
belecimento da Rua Basílio da Gama, no
centro de São Paulo, certamente foi re-
compensadora
para a família Coury, funda-
dora da rede Almanara. Os
duros primeiros anos pau-
listanos, semelhantes aos
de tantos outros imigrantes
vindos do Líbano, a partir do
final do século XIX, foram
coroados pela transferência, em 1952, do restaurante
para o novo endereço, àquela época um ponto nobre
da cidade, a poucos metros da Praça da República e
da Avenida São Luís, a poucos outros de onde come-
çaria a ser erguido, nos anos seguintes, o que viria a
ser dois dos símbolos da maior metrópole ao sul das
Américas — os edifícios Itália e Copan.
Foi um sucesso e deu fôlego à empresa. Novas uni-
dades foram abertas, anos mais tarde, em shoppings
e bairros ascendentes da
Capital e da Grande São
Paulo, além de uma ou-
tra loja em Campinas, no
interior do Estado. O con-
sumo médio do cliente do
Almanara hoje é em torno
de R$ 40 numa rede for-
mada por dez restauran-
tes que oferece a tradicional comida libanesa — com
algumas concessões ao paladar local. O Almanara foi
eleito, em 2011, pelos próprios clientes, pela terceira
vez consecutiva, o melhor restaurante do que se con-
vencionou chamar de comida “árabe”, de acordo com
o Instituto Datafolha. Há ainda o Almanara Delivery
que já responde por, aproximadamente, 30% do fatu-
ramento da rede.
A prosperidade nos negócios não fez os Coury
mudarem a gestão familiar. Nem centralizarem a co-
zinha, garantindo, assim, ao cliente pratos prepara-
dos na hora e com ingredientes sempre frescos. Cada
unidade da rede tem relativa autonomia operacional
e mantém, como elemento de coesão, um ligeiro inti-
mismo presente no design interior.
Os quatro filhos de Zuhair Coury comandam atu-
almente o negócio iniciado pelo pai. Ele se lançou no
empreendimento, em 1950, em um ponto comercial da
Rua 25 de Março, originalmente movido pela idéia de
atender com as preciosas receitas trazidas do Líbano
pela mãe os imigrantes do País dos Cedros, além de
sírios, armênios e povos de outras nacionalidades do
Oriente Médio.
As iguarias da família Coury fizeram, de fato, mui-
to sucesso junto às comu-
nidades de imigrantes, no
entanto, foi a procura de
brasileiros por aqueles
sabores, então ainda pou-
co conhecidos, que levou
o restaurante a um novo
patamar no cenário gas-
tronômico paulistano. É
atribuída ao Almanara a popularização entre eles de
um dos pratos símbolos da culinária libanesa — o Qui-
be Cru. Claro, para viabilizar o prato, os cozinheiros
do restaurante substituíram a carne do carneiro, mais
cara e difícil de encontrar, pela bovina, há séculos po-
pularíssima por aqui.
Do restaurante original da Basílio da Gama muito
ficou. Lá estão, recém-restaurados, o espelho jateado
do modernista italiano Vitorio Gobbis, o painel a óleo
do também italiano Tulio Costa Giovaneieli, além do
salão principal art déco. À cidade só coube recompen-
sar tamanho cuidado. As instalações do restaurante
inaugural do Almanara são hoje oficialmente patri-
mônio histórico de São Paulo.
74
Outro bom exemplo do empreendedorismo
é a rede Restaurante America, que conti-
nua 100% paulistana. Os fundadores Helio
Mattar, Artur Guimarães e sua esposa Ma-
ria Helena, Luis Guelpi e Paulo Maluhy são paulistas
e a rede não existe fora da Grande São Paulo. Quando
abriu suas portas pela primeira vez em dezembro de
1985, o America alterou definitivamente os hábitos
da gastronomia paulistana. A empresa nasceu e foi
planejada para ser uma rede de restaurantes. A inspi-
ração para a criação do America veio dos diners ame-
ricanos, trazendo à cena um novo conceito em restau-
rantes, o casual dinner.
A inovação completou 26 anos no ano passado, ofe-
recendo qualidade nas re-
ceitas e produtos, servidos
com uma decoração descon-
traída, aconchegante e mo-
derna. Atendimento cordial
e rápido num ambiente com
muita higiene. Esses ingre-
dientes compõem a receita
de sucesso do America e re-
presentam os elementos de uma filosofia única, que
norteia o funcionamento da rede desde a fundação, de-
monstrando preocupação com a satisfação do freguês.
A missão da rede é oferecer um serviço com excelência
de qualidade em refeições fora de casa, satisfazendo e
encantando clientes e funcionários.
O America tem, hoje, 14 lojas na Grande São Pau-
lo, localizadas na Alameda Santos, Alphaville, Moema,
Nove de Julho, Avenida Paulista e nos shoppings Anália
Franco, Bourboun, Center Norte, Eldorado, Higienópo-
lis, Iguatemi, Jardim Sul, Morumbi e Villa-Lobos. Aten-
dem mais de 250 mil pessoas por mês. O America conta
com um quadro de mil funcionários.
A rede oferece ampla variedade de opções: burgers,
sanduíches, massas, grelhados, acompanhamentos,
saladas, sobremesas, sorvetes, frozen yogurt, além
de um vasto buffet de saladas, servido diariamente
na hora do almoço. Sempre atento às tendências e no-
vidades do setor, o cardápio do America está sempre
em renovação. A maioria das receitas é desenvolvida
pelo chef Marcelo Favaro em parceria com
a equipe de desenvolvimento de produtos.
Nem todas são genuinamente brasileiras.
Algumas são tradicionais americanas,
como a receita do Devil’s Food Cake. Mes-
mo a do Frozen Yogurt America, que, em-
bora seja exclusiva, é baseada na clássica
receita original do produto.
As crianças também recebem atenção especial no
America. A garotada encontra cardápio kids, toalhas
de papel com jogos e histórias em quadrinhos, giz de
cera, brindes exclusivos do Fogofino, além do canti-
nho da leitura — uma estante recheada de livros para
que se entretenham lendo enquanto os adultos termi-
nam sua refeição.
Além de fornecer refei-
ção de qualidade, o America
acredita que pode contri-
buir para a melhora do bem-
-estar da população. Desde
novembro de 2001, partici-
pa do Projeto Mesa Brasil,
doando o excedente de ali-
mentos não processados para o projeto do Sesc, que
distribui os alimentos para instituições que auxiliam
pessoas carentes.
o frozen yogurt servido pela rede é baseado na
clássica receita americana
America
neGóCIo
75GOURMET
Gendai
o japonês que conquistou com qualidade as praças de alimentação do País
O surgimento do Gendai marcou uma infle-
xão no mercado paulistano de restaurantes
de comida japonesa, marcadamente con-
centrado, no início dos anos 1990, no nipô-
nico Bairro da Liberdade, em São Paulo, e
detentor de um perfil de atendimento que
exigia dos clientes mais tempo para reali-
zar a refeição, quando comparado à média
dos dias atuais, e que emulava nos modos,
trajes e estética o Japão tradicional.
A idéia inicial era simples — criar uma loja para o
público leigo de produtos e utensílios típicos da culi-
nária japonesa em um ponto comercial fora do conhe-
cido núcleo da comunidade na região central. Meta
realizada com sucesso. A unidade de estréia no Shop-
-ping Morumbi rapidamente mostrou viabilidade fi-
nanceira, o que estimulou o quarteto de empresários,
liderados por Carlos Sadaki e Robinson Shiba, funda-
dor da rede China in Box, a
lançar, apenas dois anos de-
pois, em 1994, desta vez um
restaurante, sob a mesma
marca, no mesmo shopping.
Novamente o negócio
mostrava-se um contrapon-
to ao que existia no merca-
do de então. As premissas
do restaurante reuniam a praticidade da cozinha in-
dustrial, preços mais baixos e rápido atendimento.
Seguiram-se novas inaugurações, nos dois anos se-
guintes, em outros shoppings paulistanos da agora
rede Gendai. A empresa adotou como estratégia de ex-
pansão, ainda em 1996, o sistema de franquia e, nos
dez anos que se seguiram, alcançou outros Estados.
Chegou a enfrentar, em dado momento, problemas
para contratar mão-de-obra especializada. A alterna-
tiva foi treinar por conta própria sushismen. O expe-
diente gerou uma situação incomum. Os clientes da
marca passaram a ver, por trás dos balcões, rostos das
mais variadas etnias produzindo as especialidades
criadas pelo Império do Sol.
O sucesso estimulou a concorrência, que procu-
rou reproduzir o modelo, mas a essa altura o Gendai
já estava um passo a frente. Os sócios Sadaki e Shiba
costuraram um acordo e, em 2007, efetuaram a fusão
das duas empresas, a primeira do tipo entre redes de
franchising do País. O faturamento conjunto de R$ 80
milhões garantiu o ganho de escala, e a conseqüente
redução de custo, para ambas as companhias enfrenta-
rem os concorrentes, que esta altura também inovavam
ao lançar as temakerias e restaurantes que fundiam
no cardápio a gastronomia
nipônica e chinesa.
Preservada a marca no
acordo de fusão, dada a boa
receptividade junto aos em-
preendedores no segmen-
to de franquias, o Gendai
alcançou o número de 44
unidades, no ano de 2011,
divididas em seis Estados, mais o Distrito Federal,
tornando-se a maior rede do segmento no Brasil. Per-
tencem ainda ao grupo as marcas Domburi, também
especializada em comida japonesa, e Owan, cuja pro-
posta reúne em um único cardápio opções diversas
das gastronomias tailandesa e chinesa, além da nipô-
nica. Ambos os restaurantes atuam no segmento de
fast-food.
A fórmula empresarial de sucesso da dupla de des-
cendentes de japoneses e outros sócios, literalmente,
estava escrita. O nome Gendai, sugestão dos pais de
Sadaki, vertido para o português, corresponde a “tem-
pos modernos” — tempos nossos também carentes da
milenar cozinha japonesa compatível com a pressa
dos ponteiros do relógio.
76
A rede Graal surgiu em 1974, tendo como
foco o público das estradas. Os empresá-
rios Manuel Alves e Antonio Eduardo Ro-
cha Alves, irmãos e fundadores da rede,
começaram a investir no setor de combustíveis na
cidade de Registro, no Vale do Ribeira, São Paulo, ao
comprarem o primeiro posto de serviços.
Durante homenagem
prestada pela Câmara de
Santa Cruz do Rio Pardo,
realizada no Icaiçara Clube,
quando receberam o título
de cidadania, em maio de
2009, Manuel Alves expli-
cou que o nome Graal não
foi escolhido apenas por
inspiração religiosa. Graal é o nome dado ao cálice
usado por Jesus Cristo. Manuel Alves conta que, se-
gundo a lenda, o graal era um cálice cravejado com
pedras preciosas. E como tudo aquilo que ele e seu ir-
mão conquistaram é sempre muito precioso, seja pelo
trabalho ou pela vontade, então, decidiram batizar a
rede com o nome de Graal.
Os irmãos Alves, naturais de Portugal, estão no
Brasil há cerca de 50 anos. Eles administram, por
meio da rede Graal, mais de 40 postos de serviços
localizados nas estradas dos principais Estados bra-
sileiros, onde mantêm o restaurante Via Grill, a lan-
chonete Graato Sanduíches, o Route Café, o NYC, que
oferece sanduíches com receitas de Nova York e a pa-
daria Bella Farinha.
O NYC — New York Company, presente em toda a
rede Graal, oferece aos viajantes o sabor especial ins-
pirado nos melhores sanduíches de Nova York.
A Graato Sanduíches é a marca da Graal para a
lanchonete especializada em sanduí-
ches tradicionais. Exemplos: americano
com carne ou presunto, bauru, calabre-
sa, churrasquinho com ou sem queijo,
queijo quente, pão com manteiga na cha-
pa, misto-quente ou frio, mortadela no
pão francês.
A Route Café é a marca própria da ca-
feteria da Graal. Uma verdadeira griffe em café. Grãos
selecionados produzindo um café de ótima qualidade,
que pode ser acompanhado por uma linha própria de
produtos: bolos, tortas, doces e salgados, frappés, chás
diversos e cappuccino. A Graal oferece alto padrão em
café, num ambiente agradável e aconchegante.
No restaurante Via Grill, além de todas as opções
de alimentação nos postos
da rede Graal, não poderia
faltar a churrascaria. O que
seria da estrada sem chur-
rasco? No Via Grill o clien-
te encontra o requinte dos
melhores restaurantes com
a qualidade das carnes no-
bres e cortes especiais das
mais renomadas churrascarias. Um cardápio especí-
fico e diferenciado: carnes grelhadas, rodízio ou à la
carte, além do buffet self-service por quilo com grande
variedade de saladas e sobremesas.
A Graal faz questão de ressaltar que na Bella Fari-
nha, marca das padarias da rede, a farinha faz a dife-
rença. De qualidade incomparável, é a base de todos
os produtos: baguettes, croissants, pães e frios, pão
sovado, doces, bolos caseiros e outras delícias sempre
quentinhas e fresquinhas. Preparados por padeiros
altamente qualificados.
graal
Portugueses criaram nas estradas uma paradinha obrigatória para comer
neGóCIo
77GOURMET
A inspiração da rede Ráscal vem de um gran-
de espaço para alimentação que Roberto
Bielawski e Liane Ralston conheceram na
Alemanha e no Canadá. Em uma viagem
a Berlim, Liane conheceu o restaurante Marché, que
era uma enorme praça abrigada com várias ilhas que
serviam diferentes opções de comidas. Alguns meses
depois, viajando juntos a Toronto, Roberto e Liane co-
nheceram a versão canadense do Marché, bem mais
sofisticada que a de Berlim. Foi em Toronto que decidi-
ram adaptar o projeto para o Brasil, num formato dife-
rente do canadense.
Quando o Ráscal foi inaugurado, em 1994, a in-
tenção do casal Roberto e Liane, era servir opções de
massas, saladas e pizzas em um ambiente que propor-
cionasse interação entre clientes e cozinheiros, onde
comer fosse uma experiência agradável e aconchegan-
te. Até hoje essa é a base do Ráscal. Quem conhece uma
das nove unidades percebe a inspiração. As mesas es-
tão espalhadas entre a ilha de massas, o forno a lenha
e a cozinha aparente. No Ráscal Itaim, Market Place,
Higienópolis, Casa Shopping, Rio Sul e Leblon, é possí-
vel ainda ver os cozinheiros preparando as massas e as
sobremesas. Passados 16 anos, a rede atende por mês
em torno de 180 mil clientes servindo 160 mil buffets.
Só para citar um exemplo da grandiosidade, o Rás-
cal compra mensalmente aproximadamente 21,7 mil
quilos de laranja, 40,5 mil cubos de gelo e 29 mil quilos
de tomate. As receitas da rede são inspiradas no sa-
bor mediterrâneo. Elas são
elaboradas por uma con-
sultora gastronômica que,
diariamente, testa novas
receitas ou busca formas
de melhorar as já existen-
tes. Um dos principais obje-
tivos é surpreender a clien-
tela com novos pratos e garantir sempre o que há de
melhor num mercado em constante mudança.
Os chefs supervisores são todos formados no Ráscal
e têm em média dez anos de casa. Eles são responsáveis
por inserir as receitas nas unidades e atuam juntamen-
te com os cozinheiros para garantir que os clientes en-
contrem a cada visita o mais alto padrão de qualidade.
A gestão do Ráscal é centralizada e há uma equi-
pe de dez sócios — também funcionários da empresa.
Tanto as unidades de São Paulo, como as do Rio de
Janeiro, possuem as mesmas receitas, o que muda é
a freqüência com que aparecem no cardápio rotativo.
Cada loja tem gerente geral e gerente sênior, que são
supervisionados pelo Departamento de Operações, o
qual se reporta diretamente à Diretoria.
Os pratos mais tradicionais do Ráscal são o Polpet-
tone, Ravioli Ráscal, Fettuccine all’Alfredo e Atum com
Gergelim, além da famosa Torta de Maçã. Os clientes
desfrutam, no buffet, de uma coleção de azeites de oliva
de diferentes procedências — Portugal, Espanha, Itália,
Chile, Argentina e Grécia.
Uma das preocupações da rede está em adquirir azei-
tes de marcas confiáveis e das melhores que existem no
mercado. Manter a diversidade tem uma razão especial:
proporcionar aos clientes a oportunidade de degustar
azeites de diversas regiões, com a possibilidade de com-
pará-los entre si. A sugestão da rede é que o cliente sele-
cione mais de um tipo de azeite, coloque no prato e prove,
como entrada, com um pão quentinho. Uma dica é provar
o azeite feito da azeitona arbe-
quina espanhola e, depois, o
azeite italiano: uma verdadei-
ra viagem pelos sabores.
O Ráscal consegue ofe-
recer, no buffet de saladas,
sem perder nunca o precio-
sismo das receitas origi-
nais, um refinado Cuscuz Sírio e um autêntico Risotto
ai Funghi. Ou um Quibe Cru bovino e um Ceviche de
peixe, inspirado na versão peruana. Imperdíveis são
o magnífico grão-de-bico com coalhada seca e os ovos
cozidos de gemas moles e aromatizados com truffa. É
para tirar qualquer um do sério.
Ráscal
Quando o melhor de tudo está nos buffets de saladas
e nos pratos quentes
78
tUrIsMo
Glamour volta aos hotéis pelo talento dos chefsrestaurantes tornam-se referência de requinte nas grandes redes como nos anos dourados
por Fábio Caldeira Ferraz
A espanha de hoje
O Tivoli São Paulo — Mofarrej cedeu à
gastronomia sua parte mais nobre —
a cobertura. Do arranha-céu da Alameda
Santos, no 23º andar, o restaurante Aro-
la Vintetres é um observatório equipa-
do com cozinha. Daqui, as estrelas e os
prédios da capital paulista são uma só
constelação. Já à mesa são as duas estre-
las Guide Michelin do chef Sergi Arola a
iluminar o paladar dos clientes.
Nesse espaço reservado à contemplação e
à leitura atual da típica cozinha espanho-
la, beleza e sofisticação arquitetônicas,
cedem lugar à simplicidade dos modos.
Nada de cotas individuais em pratos. As
iguarias são dispostas em travessas no centro das me-
sas. Ao servir-se, o gourmand é convidado à interação
mais informal com os comensais, algo mais à brasileira.
O próprio cardápio incorpora às receitas do premiado
chef espanhol os elementos nacionais, uma maneira,
segundo Arola, de evitar custos com importações e de
garantir a Fábio Andrade a margem necessária para
AROLA ViNTeTReS proporcionA eM são pAulo AMBiente reservAdo e desluMBrA os olhos e o pAlAdAr .
Tivoli
tropicalizar platillos, pasteles e cocas. Após quase
dois anos de convívio com Sergi, em Madri, o paulis-
tano foi escolhido como o representante do Arola Gas-
tro, em São Paulo.
Hóspedes ou não do Tivoli têm, no Arola Vintetres, um
ambiente reservado e tranqüilo, até mesmo distante da
cidade vertiginosa que assistem se acalmar noite aden-
tro, em meio a vinos e tapas. Não se vive uma noite co-
mum aqui.
Um clássico italiano
Com o restaurante Fasano ocorreu o exato oposto
dos hotéis de luxo de São Paulo. Em vez de investir
em um espaço gastronômico interno à altura do esta-
belecimento, a empresa fundada, em 1902, pelo patriar-
ca milanês Vittorio Fasano construiu a partir da con-
sagrada gastronomia um hotel à sua altura. A aposta
deu certo. Hoje, o Grupo Fasano compreende os hotéis
Fasano e Fasano Boa Vista, ambos em São Paulo, Fasa-
no Rio de Janeiro e, o mais recente, o Fasano Punta del
Este, no Uruguai.
O restaurante liderado pelo chef Salvatore Loi executa,
no térreo do Fasano São Paulo, com toque contempo-
râneo, a cozinha italiana ou, como ensina, as cozinhas
italianas. O menu da casa está dividido em quatro gru-
pos — Capri, Piemonte, Sicília, Al Mare e Umbria —, cada
qual subdividido em aperitivo e quatro pratos. O Fasano
é a prova de que o clássico realizado com maestria per-
manece como umas das melhores receitas de sucesso.
eternamente francês
Único hotel do mundo a ter à frente do restaurante
um chef com três estrelas do Michelin, o Hotel
Le Bristol Paris desenvolveu um perfil tão singular
que é impossível compará-lo aos demais.
A obsessão pela excelência faz o hotel manter dois
salões para o celebrado restaurante — um de inverno,
outro de verão. O primeiro funciona de maio a setem-
bro, o outro de outubro a abril. No menu, o tradicional
da cozinha francesa, com o resgate de pratos e ingre-
dientes que sucumbiram aos modismos.
Ao citar as honrarias do “guia vermelho” do Michelin,
é sempre bom esclarecer que as estrelas pertencem
ao chef, não ao restaurante. O profissional estrelado
carrega-as consigo ao se mudar de estabelecimento.
Contudo, no caso de Le Bristol, as três estrelas con-
cedidas ao francês Eric Frechon, aconteceram exata-
mente quando o chef se transferiu para o hotel — um
delicioso paradoxo.
AtMosferA sóBriA e trAço siMétrico dA decorAção inspirAM convivAs.
jArdiM de MAgnóliAs, o MAior dos hotéis de pAris, visto do restAurAnte de verão.
FasanoLe Bristol
80
úLtIMA páGInA
COnsElhO EdiTORial
Luiz Fernando LevyAlbino CastroAndrea Wolffenbüttel
EdiTOR
Albino Castro
sECRETáRiO dE REdaçãO
Fábio Caldeira Ferraz
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iNTeRNACiONAL é
uMA oBrA do ArtistA
faBio MaRiano,
inspirAdo nos nAvios
que trouxerAM
dA europA e dA ásiA
Milhões de iMigrAntes
que revolucionArAM
A gAstronoMiA
no BrAsil.
rua Acruás, 220 são paulo, sp, 04612-090tel. (55 11) [email protected]@plugeditora.com.br
A BizArrA oBrA VeRãO, AciMA, foi
pintAdA eM 1572, eM BérgAMo, pelo
itAliAno giuseppe ArciMBoldo (1527-
1593), dA escolA de pinturA MAneiristA
e influenciAdo por seitAs ocultistAs.
de fAMíliA origináriA do sul dA
AleMAnhA, viveu Muitos Anos eM
prAgA, MAs nAsceu e Morreu eM Milão.
Churrascarias apresentam no cardá-pio, especialmente nos buffets de salada, o melhor resumo do que se
transformou a cozinha do Brasil depois de quase dois séculos de influência de gas-tronomia de todos os continentes. Inclu-sive dos estados Unidos, de onde vieram dois dos itens dos fast-foods, o hambúrger, nas diferentes combinações, e o cachorro--quente, ambos, porém, de origem alemã. Come-se cada vez mais carnes saborosas. Mas muitas vezes a carne é só um grande detalhe. Churrascarias se transformaram quase em casas de frutos do mar e local onde convivem em harmonia a culinária de vários países do mundo. Do Quibe Cru ao sushi. Influência que chegou até aos restaurantes a quilo freqüentados no al-moço das metrópoles.
A variedade de alimentos, claro, faz parte do ambiente que, mesmo requin-tado, mantém um certo ar delicioso dos tempos em que churrascaria era apenas o templo das carnes na brasa cobertas com uma capa de sal — servidas somente com molho à campanha, arroz branco, farofa, feijão e batatas fritas. somos, enfim, o que comemos. A desregulamentação de hoje das churrascarias parece inspirada nos antigos restaurantes, que manti-nham longos cardápios como listas tele-fônicas e ofereciam do Camarão à Baiana ao pato com Laranja. Mas os tempos são outros. o negócio da gastronomia nunca esteve tão em alta e, por isso, com perdão do trocadilho, comer é capital.
LUiZ FeRNANDO LeVY
O homem é o que come