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MINISTÉRIO DA SAÚDE Brasília - DF 2015 Hemocomponentes Guia para o uso de 2ª edição 1ª reimpressão

Guia para uso de hemocomponentes - …bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_uso_hemo... · total em hemocomponentes eritrocitários, plasmáticos e plaquetários. Figura 1 – Produtos

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  • MINISTRIO DA SADE

    Braslia - DF2015

    HemocomponentesGuia para o uso de

    2 edio

    1 reimpresso

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    MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeDepartamento de Ateno Especializada e Temtica

    Braslia DF2015

    HemocomponentesGuia para o uso de

    2 edio

    1 reimpresso

  • 2008 Ministrio da Sade.Esta obra disponibilizada nos termos da Licena Creative Commons Atribuio No Comercial Compartilhamento pela mesma licena 4.0 Internacional.

    permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: .

    Tiragem: 2 edio 2014 1 reimpresso 2015 1.300 exemplares Nota: Correo, a 2 ed. (2014) no foi verso eletrnica como consta informado na publicao. Houve impresso de 5.000 exemplares.

    Elaborao, distribuio e informaes:MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeDepartamento de Ateno Especializada e TemticaCoordenaoGeral de Sangue e HemoderivadosSAF Sul, Trecho 2, Edifcio Premium, torre 2, sala 202CEP: 70070600 Braslia/DFTel.: (61) 33156149Site: www.saude.gov.brE-mail: [email protected]

    Capa, projeto grfico e diagramao: Fabiano Bastos

    Editora responsvel:MINISTRIO DA SADESecretariaExecutivaSubsecretaria de Assuntos AdministrativosCoordenaoGeral de Documentao e InformaoCoordenao de Gesto EditorialSIA, Trecho 4, lotes 540/610CEP: 71200040 Braslia/DFTels.: (61) 33157790 / 33157794Fax: (61) 32339558Site: http://editora.saude.gov.brE-mail: [email protected]

    Equipe editorial:Normalizao: Francisca Martins PereiraNota: Esta obra foi publicada em 2014 pela CoordenaoGeral de Sangue e Hemoderivados, subordinada na poca ao Departamento de Ateno Hospitalar e de Urgncia. Nesta edio (2015), alterouse a vinculao da Coordenao, passando ser subordinada ao Departamento de Ateno Especializada e Temtica.

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    Ficha Catalogrfica

    Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Especializada e Temtica.

    Guia para uso de hemocomponentes / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Departamento de Ateno Especializada e Temtica. 2. ed., 1. reimpr. Braslia : Ministrio da Sade, 2015.

    136 p.: il.

    ISBN 9788533421615

    1. Componentes do sangue. 2. Transfuso de sangue. 3. Anlise qumica do sangue. I.Ttulo.

    CDU 612.1

    Catalogao na fonte CoordenaoGeral de Documentao e Informao Editora MS OS 2015/0552

    Ttulos para indexao:Em ingls: Guide for the use of hemocomponentsEm espanhol: Gua para el uso de hemocomponentes

  • Sumrio

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7

    1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    2 Arsenal teraputico no suporte hemoterpico . . . . . . . . . . . . 15

    2.1 A produo dos hemocomponentes . . . . . . . . . . . . . . 17

    2.1.1 Concentrado de hemcias. . . . . . . . . . . . . . . . 20

    2.1.2 Concentrado de plaquetas. . . . . . . . . . . . . . . . 20

    2.1.3 Plasma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    2.1.4 Crioprecipitado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    2.1.5 Concentrado de granulcitos . . . . . . . . . . . . . . 23

    3 O uso clnico de hemocomponentes. . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    3.1 Concentrado de hemcias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    3.1.1 Indicaes e contraindicaes . . . . . . . . . . . . . 31

    3.1.2 Dose e modo de administrao . . . . . . . . . . . . . 34

  • 3.2 Concentrado de plaquetas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    3.2.1 Indicaes e contraindicaes . . . . . . . . . . . . . 34

    3.2.2 Dose e modo de administrao . . . . . . . . . . . . . 39

    3.3 Plasma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    3.3.1 Indicaes e contraindicaes . . . . . . . . . . . . . 41

    3.3.2 Dose e modo de administrao . . . . . . . . . . . . . 45

    3.4 Crioprecipitado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    3.4.1 Indicaes e contraindicaes . . . . . . . . . . . . . 48

    3.4.2 Dose e modo de administrao . . . . . . . . . . . . . 49

    3.5 Concentrado de granulcitos . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

    3.5.1 Indicaes e contraindicaes . . . . . . . . . . . . . 50

    3.5.2 Dose e modo de administrao . . . . . . . . . . . . . 52

    4 Transfuso de hemocomponente em pediatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    4.1 Transfuso de sangue total (ST) . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    4.2 Transfuso de concentrado de hemcias (CH) . . . . . . . . . 60

    4.3 Transfuso de plaquetas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

    4.4 Transfuso de plasma fresco congelado (PFC). . . . . . . . . 67

    4.5 Transfuso de crioprecipitado . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    4.6 Transfuso de concentrado de granulcitos (CG) . . . . . . . 68

    5 Procedimentos especiais para os hemocomponentes . . . . . . . . 71

    5.1 Desleucocitao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

    5.2 Irradiao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

    5.3 Lavagem com soluo salina . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    5.4 Fenotipagem de antgenos eritrocitrios. . . . . . . . . . . . 75

    5.5 Aquecimento de hemocomponentes . . . . . . . . . . . . . 75

  • 6 Transfuso macia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    7 Transfuso de concentrado de hemcias em pacientes crticos . . . 87

    8 Expansores plasmticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

    8.1 Coloide natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

    8.2 Colides semissintticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

    9 Reaes transfusionaisimediatas . . . . . . . . . . . . . . . . . 109

    10 Comit transfusional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

    Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

    Equipe tcnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

  • Apresentao

  • 9

    A CoordenaoGeral de Sangue e Hemoderivados (CGSH) do Ministrio da Sade com a misso de elaborar polticas que promovam o acesso da populao ateno hematolgica e hemoterpica com segurana e qualidade desenvolve suas aes em consonncia com os princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade (SUS).

    Na busca constante da integralidade, universalidade e equidade na disponibilizao dos servios hematolgicos e hemoterpicos, a CGSH vem implementando estratgias na busca da melhoria contnua dos servios de hemoterapia. Nesta linha, o Programa Nacional de Qualificao dos Servios de Hemoterapia (PNQH), alm de gerar melhorias tcnicas e gerenciais, propese tambm a atingir todas as especialidades mdicas com vistas ao aperfeioamento da qualidade da assistncia hemoterpica prestada.

    Para tanto, o Guia para o Uso de Hemocomponentes que, aliado s outras estratgias de ao governamental, tem o propsito de colaborar para o aumento da segurana transfusional por meio do uso mais qualificado dos hemocomponentes, minimizando os efeitos inerentes da utilizao destes, e, consequentemente, ampliar o acesso da populao queles produtos, uma vez que esperada uma reduo na prescrio mdica.

    Para que o presente Guia pudesse refletir o que h de mais atual na literatura nacional e internacional sobre o tema e a experincia de profissionais atuantes na rea foi indispensvel a participao da Hemorrede Nacional pblica e privada, da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria, da Associao Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, da Associao de Medicina Intensiva Brasileira e da Sociedade Brasileira de Anestesiologia.

    Dentro desta construo coletiva, esperamos que este Guia tornese ferramenta importante e cotidiana de consulta para os prescritores de transfuses, na diversificada realidade de desenvolvimento de nosso Pas, considerando que incipiente a formao hemoterpica nas grades curriculares dos cursos de medicina. Assim, daremos mais um passo para o fortalecimento da qualidade na assistncia hemoterpica brasileira.

    Coordenao-Geral de Sangue e Hemoderivados

  • 1 Introduo

  • 13

    A transfuso de sangue e hemocomponentes uma tecnologia relevante na teraputica moderna. Usada de forma adequada em condies de agravos da sade pode salvar vidas e melhorar a sade dos pacientes. Porm, assim como outras intervenes teraputicas, pode levar a complicaes agudas ou tardias, como o risco de transmisso de doenas infecciosas entre outras complicaes clnicas.

    O uso de sangue e hemocomponentes uma prtica cara para o SUS, que necessita e utiliza tecnologia de ponta e recursos humanos altamente especializados, e tem seu fornecimento diretamente relacionado doao voluntria e altrusta. Tais particularidades tornam indispensvel a racionalizao na utilizao dos hemocomponentes, considerando sempre a segurana do doador, do receptor e a disponibilidade de acesso.

    Com o propsito de refletir uma medicina transfusional de ponta sero abordados neste guia o arsenal teraputico disponvel, as indicaes e contraindicaes dos hemocomponentes, a transfuso peditrica, as principais condutas frente s reaes transfusionais imediatas e o importante papel dos comits transfusionais na prtica hemoterpica. Neste contexto, a elaborao destas diretrizes servir de auxlio para os mdicos prescritores na escolha do momento e do hemocomponente mais adequado para uma transfuso.

    Com intuito de ser um Guia de uso rotineiro na prtica da medicina transfusional seu contedo tem formato com explanaes concisas e destaque para as principais e mais atuais referncias nos temas abordados.

    Esperamos que este documento sirva de estmulo para que o grupo mdico discuta, de forma crtica, segura e com bases cientficas, a utilizao da teraputica transfusional, entendendo quais as diretrizes para tal conduta so relevantes frente ao risco inerente do uso do sangue e que o mesmo oriundo do ato voluntrio e solidrio da populao brasileira.

  • 2 Arsenal teraputico no suporte hemoterpico

  • 17

    Os hemocomponentes e hemoderivados se originam da doao de sangue por um doador. No Brasil, este processo est regulamentado pela Lei n 10.205, de 21 de maro de 2001, e por regulamentos tcnicos editados pelo Ministrio da Sade. Toda doao de sangue deve ser altrusta, voluntria e no gratificada direta ou indiretamente, assim como o anonimato do doador deve ser garantido.

    Para a obteno destes produtos, os servios de hemoterapia so estruturados em rede, com nveis de complexidade diferentes, a depender das atividades que executam. Servios mais completos executam todas as etapas do ciclo do sangue, que correspondem captao de doadores, triagem clnica, coleta de sangue, ao processamento de sangue em hemocomponentes, s anlises sorolgicas e imunohematolgicas no sangue do doador, ao armazenamento e distribuio destes produtos e transfuso.

    As tcnicas de processamento atuais permitem a produo e o armazenamento de diferentes hemocomponentes em condies adequadas para preservao de suas caractersticas teraputicas, possibilitando que o receptor receba, em menor volume, somente elementos sanguneos dos quais necessita, o que minimiza os riscos inerentes teraputica transfusional. Deste modo, a partir de uma nica doao, vrios pacientes podero ser beneficiados de forma mais segura.

    2.1 A produo dos hemocomponentes

    Hemocomponentes e hemoderivados so produtos distintos. Os produtos gerados um a um nos servios de hemoterapia, a partir do sangue total, por meio de processos fsicos (centrifugao, congelamento) so denominados hemocomponentes. J os produtos obtidos em escala industrial, a partir do fracionamento do plasma por processos fsicoqumicos so denominados hemoderivados. A Figura 1 apresenta os produtos originados a partir do sangue total.

    Existem duas formas para obteno dos hemocomponentes. A mais comum a coleta do sangue total. A outra forma, mais especfica e de maior complexidade, a coleta por meio de afrese1.

    1 Afrese um procedimento caracterizado pela retirada do sangue do doador, seguida da separao de seus componentes por um equipamento prprio, reteno da poro do sangue que se deseja retirar na mquina e devoluo dos outros componentes ao doador.

  • 18

    No Brasil, as bolsas de sangue total coletadas devem ser 100% processadas de acordo com a legislao vigente. O processamento feito por meio de centrifugao refrigerada, por processos que minimizam a contaminao e proliferao microbiana, nos quais se separa o sangue total em hemocomponentes eritrocitrios, plasmticos e plaquetrios.

    Figura 1 Produtos originados a partir do sangue total

    Fonte: adaptado de Brasil (1998).

    Em funo das diferentes densidades e tamanhos das clulas sanguneas, o processo de centrifugao possibilita a separao do sangue total em camadas (Figura 2), sendo que as hemcias ficam depositadas no fundo da bolsa. Acima delas formase o buffy coat (camada leucoplaquetria), ou seja, uma camada de leuccitos e plaquetas. Acima do buffy coat fica a camada de plasma que contm plaquetas dispersas.

  • 19

    Figura 2 Separao do sangue total em camadas aps a centrifugao

    Fonte: Brasil (1998).

    Solues anticoagulantespreservadoras e solues aditivas so utilizadas para a conservao dos produtos sanguneos, pois impedem a coagulao e mantm a viabilidade das clulas do sangue durante o armazenamento. A depender da composio das solues anticoagulantespreservadoras, a data de validade para a preservao do sangue total e concentrados de hemcias pode variar. O sangue total coletado em soluo CPDA1 (cido ctrico, citrato de sdio, fosfato de sdio, dextrose e adenina) tem validade de 35 dias a partir da coleta e de 21 dias quando coletado em ACD (cido ctrico, citrato de sdio, dextrose), CPD (cido ctrico, citrato de sdio, fosfato de sdio, dextrose) e CP2D (citrato, fosfato e dextrosedextrose).

    As solues aditivas so utilizadas para aumentar a sobrevida e a possibilidade de armazenamento das hemcias por at 42 dias em 4 2C. Um exemplo de soluo aditiva o SAGM composto por soro fisiolgico, adenina, glicose e manitol.

  • 20

    2.1.1 Concentrado de hemcias

    O concentrado de hemcias (CH) obtido por meio da centrifugao de uma bolsa de sangue total (ST) e da remoo da maior parte do plasma. O CH tambm pode ser obtido por afrese, coletado de doador nico. Nesse caso, frequentemente o procedimento permite a obteno de duas unidades em um nico procedimento (coleta de hemcias duplas). Seu volume varia entre 220mL e 280mL.

    Assim como o ST, o concentrado de hemcias deve ser mantido entre 2C e 6C e sua validade varia entre 35 e 42 dias, dependendo da soluo conservadora. Os concentrados de hemcias sem soluo aditiva devem ter hematcrito entre 65% e 80%. No caso de bolsas com soluo aditiva, o hematcrito pode variar de 50% a 70%.

    Os CH podem ser desleucocitados com a utilizao de filtros para leuccitos ou desplamatizados pela tcnica de lavagem com soluo salina fisiolgica preferencialmente em sistema fechado.

    2.1.2 Concentrado de plaquetas

    O concentrado de plaquetas (CP) pode ser obtido a partir de unidade individual de sangue total ou por afrese, coletadas de doador nico. Cada unidade de CP unitrios contm aproximadamente 5,5 x 1010 plaquetas em 5060mL de plasma, j as unidades por afrese contm pelo menos 3,0 x 1011 plaquetas em 200300mL de plasma (correspondente de 6 a 8 unidades de CP unitrios).

    Dois mtodos diferentes so utilizados para a obteno de plaquetas pela centrifugao de sangue total. O primeiro consiste na centrifugao do sangue em duas etapas. Na primeira etapa, feita uma centrifugao leve, em que se obtm o plasma rico em plaquetas (PRP); este plasma novamente centrifugado, desta vez em alta rotao, para a obteno do CP.

    O segundo mtodo baseiase na extrao do buffy coat, ou camada leucoplaquetria, geralmente com a utilizao de extratores automatizados de plasma e com o uso de bolsas top and bottom. O sangue total submetido centrifugao, visando separao da camada leucoplaquetria. O plasma sobrenadante transferido para uma bolsasatlite, pela sada superior (top) da bolsa e o concentrado de hemcias extra

  • 21

    do pela sada inferior (bottom) da bolsa. A camada leucoplaquetria permanece na bolsa original.

    O buffy coat de cada bolsa pode ser agrupado com outros por meio de metodologia estril, seguido de sedimentao ou centrifugao para a separao e transferncia das plaquetas para uma bolsasatlite, onde ficam armazenadas em pool. Este mtodo possibilita a reduo no teor de leuccitos contaminantes em aproximadamente 90% (1 log).

    2.1.3 Plasma

    O plasma fresco congelado (PFC) consiste na poro acelular do sangue obtida por centrifugao a partir de uma unidade de sangue total e transferncia em circuito fechado para uma bolsa satlite. Pode ser obtido tambm a partir do processamento em equipamentos automticos de afrese. constitudo basicamente de gua, protenas (albumina, globulinas, fatores de coagulao e outras), carboidratos e lipdios. completamente congelado at 8 horas aps a coleta e mantido, no mnimo, a 18C negativos, sendo, porm, recomendada a temperatura igual ou inferior a 25C negativos. Sua validade se armazenado entre 25C negativos e 18C negativos de 12 meses. Se mantido congelado a temperaturas inferiores a 25C negativos sua validade de 24 meses. O congelamento permite a preservao dos fatores da coagulao, fibrinlise e complemento, alm de albumina, imunoglobulinas, outras protenas e sais minerais, e mantm constantes suas propriedades. O componente assim obtido contm 70UI de Fator VIII/100mL e, pelo menos, quantidades semelhantes dos outros fatores lbeis e inibidores naturais da coagulao.

    O plasma isento de crioprecipitado (PIC) aquele do qual foi retirado, em sistema fechado, o crioprecipitado. Deve ser armazenado temperatura de, no mnimo, 18C negativos, sendo, porm, recomendada temperatura igual ou inferior a 25C negativos. Sua validade a mesma do PFC e seu volume aproximado de 150mL a 200mL. depletado de FVIII, fibrinognio e multmeros de alto peso molecular de Fator de von Willebrand, embora contenha a metaloproteinase responsvel por sua metabolizao.

    O plasma fresco congelado de 24 horas (PFC24) o hemocomponente separado do sangue total por centrifugao entre 8 e 24 horas aps a coleta e congelado completamente, no mximo em uma hora, atingin

  • 22

    do temperaturas iguais ou inferiores a 30C negativos. Deve ser armazenado temperatura de, no mnimo, 18C negativos, sendo, porm, recomendada temperatura igual ou inferior a 25C negativos. Sua validade a mesma do PFC e seu volume aproximado de 200 a 250mL. Apresenta uma reduo varivel de alguns fatores da coagulao em relao ao PFC, principalmente fatores V e VIII, porm esta reduo no tem significado clnico, portanto possui as mesmas indicaes que o PFC.

    A unidade de plasma deve apresentar volume superior a 180 mL, quando utilizado para fins transfusionais, alm de no conter anticorpos eritrocitrios irregulares de importncia clnica.

    2.1.4 Crioprecipitado

    O crioprecipitado (CRIO) uma fonte concentrada de algumas protenas plasmticas que so insolveis a temperatura de 1C a 6C. preparado descongelandose uma unidade de PFC temperatura de 1C a 6C. Depois de descongelado, o plasma sobrenadante removido deixandose na bolsa a protena precipitada e 1015mL deste plasma. Este material ento recongelado no perodo de 1 hora e tem validade de 12 meses.

    O crioprecipitado contm glicoprotenas de alto peso molecular (Quadro 1) como de Fator VIII, Fator VIII:vWF (fator von Willebrand), fibrinognio, Fator XIII e fibronectina. Cada bolsa contm 15mL de crioprecipitado com aproximadamente 80150 unidades de Fator VIII, pelo menos 150mg de fibrinognio e cerca de 20%30% (5075U) do Fator XIII presente na bolsa inicial de PFC. Aproximadamente 40%70% (100150U) do fator de von Willebrand presente na unidade inicial de PFC recuperado no crioprecipitado.

    Quadro 1 Fatores de coagulao e sua meia vida presente numa bolsa de crioprecipitado com volume de 1015mLFatores de coagulao Quantidade/bolsa Meiavida (horas)Fibrinognio 150250mg 100150Fator VIII 80150U 12Fator von Willebrand 100150U 24Fator XIII 5075U 150300

    Fonte: Brbara de Jesus Simes

  • 23

    Cada crioprecipitado dever conter no mnimo 80UI de Fator VIII e 150mg de fibrinognio e cada pool deve conter os mesmos fatores multiplicado pelo nmero de bolsas que o compe.

    2.1.5 Concentrado de granulcitos

    Os concentrados de granulcitos (CG) so hemocomponentes obtidos por afrese de doador nico, por meio de mquinas separadoras de clulas, de fluxo contnuo ou descontnuo, cujo rendimento de coleta pode ser melhorado pela utilizao de doadores estimulados com a administrao de fator estimulador de colnias de granulcitos (GCSF) e corticosterides.

    Cada concentrado deve conter no mnimo 1,0 x 1010 granulcitos em 90% das unidades avaliadas, em um volume final inferior a 500mL, (geralmente 200300mL) incluindo anticoagulante, plasma e tambm resduo do agente hemossedimentante utilizado no procedimento de coleta. Alm dos granulcitos, usualmente estes concentrados contm outros leuccitos e plaquetas e cerca de 2050mL de hemcias.

    Como a funo dos granulcitos se deteriora mesmo durante curto armazenamento, os CG devem ser transfundidos assim que possvel aps a coleta, e, se for inevitvel, seu armazenamento deve ser em temperatura entre 20C e 24C, em repouso e por, no mximo, 24 horas. Para transporte deste hemocomponente, recomendase o uso de recipientes prprios, com produto refrigerante comercial que assegure a manuteno desta temperatura.

    O Quadro 2 apresenta os principais hemocomponentes disponveis como arsenal teraputico, suas caractersticas e temperatura de armazenamento. Cabe destacar que as indicaes clnicas para os respectivos hemocomponentes sero objeto dos captulos seguintes.

  • 24

    Quadro 2 Principais hemocomponentes disponveis como arsenal teraputico.

    Hemocomponente Formas de obteno Caractersticas Temperatura de armazenamentoConcentrado de hemcias (CH)

    Centrifugao do sangue total (ST), removendose o plasma da massa eritrocitria da bolsa ou por afrese de doador nico.

    Eritrcitos e pequena quantidade de plasma.Hematcrito: em torno de 70%.Volume aproximado: 220/280mL.

    2C a 6C.

    Concentrado de plaquetas (CP)

    Centrifugao de uma unidade de sangue total ou por afrese de doador nico.

    CP obtida de ST: > 5,5 X 1010 plaquetas por bolsa. pH a 6,4. Volume aproximado 50mL a 60mL.CP obtida por afrese: > 3,0 X 1011 plaquetas por bolsa.Volume aproximado: 200mL a 300mL.

    22 2C, sob agitao constante.

    Plasma fresco congelado (PFC)

    Centrifugao do sangue total e congelado completamente em at 8 horas depois da coleta do sangue.

    Rico em fatores de coagulao (V, VII e IX) e fibrinognio.Volume aproximado: > 180mL

    18C negativos. Recomendada 25C negativos ou inferior.

    Plasma isento do crioprecipitado (PIC)

    Plasma fresco congelado do qual foi retirado, em sistema fechado, o crioprecipitado.

    Depletado de FVIII, fibrinognio e multmeros de alto peso molecular de Fator de von Willebrand, embora contenha a metaloproteinase responsvel por sua metabolizao.Volume: 150mL a 200mL.

    18C negativos. Recomendada 25C negativos ou inferior.

    continua

  • 25

    Hemocomponente Formas de obteno Caractersticas Temperatura de armazenamentoPlasma fresco congelado de 24 horas (PFC24)

    Plasma fresco congelado separado a partir de 1 unidade de sangue total por centrifugao, entre 8 e 24 horas aps a coleta, e congelado completamente, no mximo em uma hora, atingindo temperaturas iguais ou inferiores a 30C negativos.

    Apresenta reduo varivel de fatores V e VIII, em relao ao PFC.Volume aproximado: 200mL a 250mL.

    18C negativos. Recomendada 25C negativos ou inferior.

    Crioprecipitado (CRIO)

    Frao de plasma insolvel em frio, obtida a partir do PFC.

    Glicoprotenas de alto peso molecular como de Fator VIII, Fator VIII:vWF (fator von Willebrand), fibrinognio, Fator XIII e fibronectina.Volume aproximado: 15mL.

    18C negativos. Recomendada 25C negativos ou inferior.

    Concentrado de granulcitos (CG)

    Afrese de doador nico.

    Deve conter, no mnimo, 1,0 x 1010 granulcitos. Contm outros leuccitos, plaquetas e cerca de 20mL a 50mL de hemcias. Volume aproximado: 220mL.

    Devem ser transfundidos assim que possvel aps a coleta. Se inevitvel, armazenar entre 20C e 24C, em repouso, e por, no mximo, 24 horas.

    Fonte: Brbara de Jesus Simes

    concluso

  • 3 O uso clnico de hemocomponentes

  • 29

    A Hemoterapia moderna se desenvolveu baseada no preceito racional de transfundirse somente o componente que o paciente necessita, baseado em avaliao clnica e/ou laboratorial, no havendo indicaes de sangue total. A maioria das padronizaes de indicao de hemocomponentes est baseada em evidncias determinadas atravs de anlise de grupos de pacientes, nunca devendo ser empricas ou baseadas somente na experincia do profissional mdico envolvido. As indicaes bsicas para transfuses so restaurar ou manter a capacidade de transporte de oxignio, o volume sanguneo e a hemostasia.

    Devemos ressaltar que as condies clnicas do paciente, e no somente resultados laboratoriais, so fatores importantes na determinao das necessidades transfusionais. Sabemos tambm que apesar de todos os cuidados, o procedimento transfusional ainda apresenta riscos (doena infecciosa, imunossupresso, aloimunizao), devendo ser realizado somente quando existe indicao precisa e nenhuma outra opo teraputica.

    Como o procedimento transfusional apresenta risco potencial, a deciso deve ser compartilhada pela equipe mdica com o paciente ou seus familiares, se este no tiver condio de entendimento, os riscos devem ser discutidos e todas as dvidas devem ser esclarecidas. Em situaes relacionadas com crenas religiosas existem orientaes especficas que devem ser discutidas com o mdico hemoterapeuta do servio. recomendvel que o paciente formalize atravs da assinatura de um Termo de Consentimento Livre Esclarecido sua cincia e autorizao para o procedimento transfusional.

    Princpios que devem ser considerados pelo mdico antes da deciso de transfundir o paciente:

    a indicao de transfuso deve ser feita exclusivamente por mdico e baseada principalmente em critrios clnicos;

    a indicao de transfuso poder ser objeto de anlise por mdico do servio de hemoterapia;

    toda a transfuso traz em si riscos, sejam imediatos ou tardios. os benefcios da transfuso devem superar os riscos; os critrios de indicaes de transfuso contidos neste Guia levam

    em considerao evidncias disponveis na literatura mdica, porm este Guia no tem a pretenso de prever todas as situaes.

  • 30

    Consideraes gerais sobre a transfuso A requisio do produto hemoterpico deve ser preenchida da for

    ma mais completa possvel, prescrita e assinada por mdico e estar registrada no pronturio mdico do paciente.

    No existe contraindicao absoluta transfuso em pacientes com febre. importante diminuir a febre antes da transfuso, porque o surgimento de febre pode ser um sinal de hemlise ou de outro tipo de reao transfusional.

    rara a necessidade de aquecer um produto hemoterpico antes da transfuso. Quando indicada, deve ser feita de forma controlada, com aquecedores dotados de termmetro e alarme sonoro, sob orientao e monitoramento de profissional responsvel.

    Nenhuma transfuso deve exceder o perodo de infuso de 4 horas. Quando este perodo for ultrapassado a transfuso deve ser interrompida e a unidade descartada.

    No deve ser adicionado nenhum fluido ou droga ao produto hemoterpico a ser transfundido.

    Os Concentrados de Hemcias (CH) podem ser transfundidos em acesso venoso compartilhado, apenas, com cloreto de sdio 0,9% (SF). desnecessrio diluir o CH antes da infuso. O hematcrito do concentrado de hemcias permite geralmente bom fluxo de infuso.

    Todo o produto hemoterpico deve ser transfundido com equipo com filtro de 170 capaz de reter cogulos e agregados.

    Finalmente, qualquer orientao quanto conduta para transfuso de determinados hemocomponentes atravs da determinao de critrios, protocolos ou guias de utilizao nem sempre levam em considerao variaes e caractersticas individuais dos pacientes, portanto, estas orientaes no devem ter a inteno de suplantar a avaliao criteriosa e individualizada do profissional mdico envolvido com o tratamento do paciente que leva em considerao situaes clnicas particularizadas e/ou especiais, porm devem servir como orientao bsica no processo decisrio.

  • 31

    3.1 Concentrado de hemcias

    3.1.1 Indicaes e contraindicaes

    A transfuso de concentrado de hemcias (CH) deve ser realizada para tratar, ou prevenir iminente e inadequada liberao de oxignio (O2) aos tecidos, ou seja, em casos de anemia, porm nem todo estado de anemia exige a transfuso de concentrado hemcias. Em situaes de anemia, o organismo lana mo de mecanismos compensatrios, tais como a elevao do dbito cardaco e a diminuio da afinidade da hemoglobina (Hb) pelo O2, o que muitas vezes consegue reduzir o nvel de hipxia tecidual.

    Transfuso de concentrado de hemcias em hemorragias agudasA fisiologia do sangramento e a resposta hemorragia so situaes bem conhecidas. O volume sanguneo normal corresponde a aproximadamente 8% do peso corpreo (4,8 L em indivduo adulto com 60kg). As perdas sanguneas podem ser classificadas em:

    Hemorragia classe I perda de at 15% do volume sanguneo Hemorragia classe II perda sangunea de 15% a 30% Hemorragia classe III perda de 30% a 40% Hemorragia classe IV perda maior que 40%

    Pacientes com hemorragia classe III e IV podem evoluir para bito por falncia mltipla de rgos se no forem submetidos a esquemas de ressuscitao na primeira hora. A transfuso de CH est recomendada aps perda volmica superior a 25% a 30% da volemia total.

    O hematcrito (Ht) no bom parmetro para nortear a deciso de transfundir, uma vez que s comea a diminuir uma a duas horas aps o incio da hemorragia. Em hemorragias agudas o paciente deve ser imediatamente transfundido quando apresentar sinais e sintomas clnicos, como os a seguir:

    Frequncia cardaca acima de 100 bpm a 120 bpm. Hipotenso arterial. Queda no dbito urinrio. Frequncia respiratria aumentada. Enchimento capilar retardado (> 2 segundos). Alterao no nvel de conscincia.

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    Transfuso de concentrado de hemcias em anemia normovolmica

    De modo geral, anemias em que o nvel de Hb superior a 10 g/dL (Ht superior a 30%) so bem toleradas e s excepcionalmente requerem transfuso. Inversamente, quando a Hb inferior a 7 g/dL existe grande risco de hipxia tecidual e comprometimento das funes vitais. Neste caso, o paciente se beneficia com a transfuso de CH. Entre 7 e 10 g/dL de Hb, a indicao de transfuso fica na dependncia da avaliao do estado clnico do paciente.

    Um exemplo o que ocorre em pacientes com doenas pulmonares obstrutivas crnicas que devem ser mantidos com Hb acima de 10 g/dL. Do mesmo modo, pacientes com cardiopatias isqumicas agudas, parecem se beneficiar com nveis de Hb acima de 9 a 10 g/dL. Em pacientes acima de 65 anos de idade, sintomticos, aceitvel transfundir com nveis de Hb < 9 g/dL.

    Recentemente tem sido aceito, com alto grau de evidncia, a indicao de transfuso de CH se nveis de Hb estiverem abaixo de 7 g/dL somente se o paciente no apresentar sinais clnicos de hipxia tecidual ou sintomas como dor precordial, taquicardia no responsiva a reposio volmica, etc, mesmo em pacientes de terapia intensiva.

    Nos pacientes cirrgicos estveis no perodo psoperatrio, sem sinais de hipxia tecidual ou consumo aumentado de O2, nveis de Hb de 8 g/dL so aceitveis.

    Do ponto de vista prtico, anemias de instalao crnica, que cursam com normovolemia, so muito melhor toleradas do que anemias de instalao aguda.

    Em situaes de anemia, sempre que possvel, devese considerar outras formas de intervenes teraputicas, tais como reposio de ferro ou o tratamento com eritropoetina, antes da transfuso.

    De maneira ideal, a deciso da realizao da transfuso de CH deve ser baseada em uma constelao de fatores clnicos e laboratoriais, tais como: idade do paciente, velocidade de instalao da anemia, histria natural da anemia, volume intravascular e a presena de cofatores fisiolgicos que afetam a funo cardiopulmonar.

    Alguns aspectos devem ser levados em considerao e a transfuso deve ser considerada nas seguintes situaes:

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    Anemia aguda: para aliviar sintomas de descompensao clnica relacionados com a perda de sangue.

    Anemia crnica: para aliviar sintomas relacionados com a diminuio do volume de hemcias, quando outras intervenes teraputicas, tais como reposio de ferro, cido flico ou vitamina B12 ou o tratamento com eritropoetina, ou ambas, foram insuficientes.

    A transfuso de concentrado de hemcias no deve ser considerada nas seguintes situaes:

    Para promover aumento da sensao de bemestar. Para promover a cicatrizao de feridas. Profilaticamente. Para expanso do volume vascular, quando a capacidade de trans

    porte de O2 estiver adequada.Compatibilidade ABO e RhD

    A compatibilidade ABO e RhD para a transfuso de hemcias pode ser vista no Quadro 3, abaixo.

    Quadro 3 Compatibilidade ABO e RhD para transfuso de CH*ABO/RhD do paciente Hemcias compatveisO RhD positivo O RhD positivo / O RhD negativoA RhD positivo A RhD positivo / A RhD negativoB RhD positivo B RhD positivo / B RhD negativoAB RhD positivo AB RhD positivo / O RhD positivo /

    A RhD positivo / B RhD positivo / AB RhD negativo / O RhD negativo / A RhD negativo / B RhD negativo

    O RhD negativo O RhD negativoA RhD negativo A RhD negativoB RhD negativo B RhD negativoAB RhD negativo AB RhD negativo / O RhD negativo /

    ARhD negativo / B RhD negativo

    Fonte: Dante Mario Langhi Jr* Em casos de urgncia, possvel transfundir hemcias RhD positivo para pacientes RhD negativos.

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    3.1.2 Dose e modo de administrao

    Deve ser transfundida a quantidade de hemcias suficiente para a correo dos sinais/sintomas de hipxia, ou para que a Hb atinja nveis aceitveis. Em indivduo adulto de estatura mdia, a transfuso de uma unidade de CH normalmente eleva o Ht em 3% e a Hb em 1 g/dL. Em pacientes peditricos, o volume a ser transfundido para obteno dos mesmos resultados deve ser de 10 a 15mL/kg.

    O tempo de infuso de cada unidade de CH deve ser de 60min a 120 minutos (min) em pacientes adultos. Em pacientes peditricos, no exceder a velocidade de infuso de 2030mL/kg/hora. A avaliao da resposta teraputica transfuso de CH deve ser feita atravs de nova dosagem de Hb ou Ht 12 horas (h) aps a transfuso, considerando tambm a resposta clnica. Em pacientes ambulatoriais, a avaliao laboratorial pode ser feita 30min aps o trmino da transfuso e possui resultados comparveis.

    3.2 Concentrado de plaquetas

    3.2.1 Indicaes e contraindicaes

    Os concentrados de plaquetas (CP) unitrios contm aproximadamente 5,5 x 1010 plaquetas em 5060mL de plasma, j as unidades por afrese contm, pelo menos, 3,0 x 1011 plaquetas em 200300mL de plasma (correspondente a 68U de CP unitrios).

    Basicamente, as indicaes de transfuso de CP esto associadas s plaquetopenias desencadeadas por falncia medular, raramente indicamos a reposio em plaquetopenias por destruio perifrica ou alteraes congnitas de funo plaquetria.

    a) Plaquetopenias por falncia medularA discusso inicial que surge quanto indicao de transfuso de CP em pacientes portadores de plaquetopenias associadas falncia medular (doenas hematolgicas e/ou quimioterapia e radioterapia) referese utilizao de transfuses profilticas.

    Nas situaes de plaquetopenias por tempo determinado, frequentemente associadas a mtodos teraputicos para doenas oncolgicas ou

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    oncohematolgicas, como quimioterapia, radioterapia e transplante de clulas progenitoras hematopoiticas, indicase a transfuso profiltica:

    se contagens inferiores a 10.000/L na ausncia de fatores de risco; se inferiores a 20.000/L na presena de fatores associados a even

    tos hemorrgicos como febre (>38C), manifestaes hemorrgicas menores (petquias, equimoses, gengivorragias), doena transplante versus hospedeiro (GVHD graft versus host disease), esplenomegalia, utilizao de medicaes que encurtam a sobrevida das plaquetas (alguns antibiticos e antifngicos), hiperleucocitose (contagem maior que 30.000/mm), presena de outras alteraes da hemostasia (por exemplo, leucemia promieloctica aguda) ou queda rpida da contagem de plaquetas.

    Alguns trabalhos identificam duas situaes especiais: Pacientes peditricos toleram contagens plaquetrias mais baixas,

    definindose como critrio de indicao de transfuso de CP contagens inferiores a 5.000/L em pacientes estveis;

    Pacientes adultos portadores de tumores slidos teriam maior risco de sangramento quando submetidos quimioterapia e/ou radioterapia associados necrose tumoral, sendo indicado transfuso de CP se contagens inferiores a 20.000/L.

    Em situaes em que a plaquetopenia por falncia medular tem um carter crnico (por exemplo, pacientes portadores de anemia aplstica grave ou sndrome mielodisplsica), os pacientes devem ser observados sem transfuso de CP. Esta estaria indicada profilaticamente somente se contagens inferiores a 5.000/L ou se inferiores a 10.000/L, na presena de manifestaes hemorrgicas.

    Estudos recentes demonstraram que em situaes de plaquetopenias por falncia medular associada ao transplante autlogo de clula hematopoitica seguro no transfundir CP mesmo se contagens inferiores a 10.000/L na ausncia de sangramento se for possvel manter um controle rigoroso do paciente com disponibilidade imediata de transfuso se surgirem manifestaes hemorrgicas menores. Esta conduta diminui o risco de refratariedade plaquetria, o custo hospitalar relacionado ao procedimento e o consumo de CP, sem comprometer a segurana do paciente.

  • 36

    b) Distrbios associados a alteraes de funo plaquetriaPacientes portadores de alteraes da funo plaquetria raramente necessitam de transfuses de CP. Nas situaes de disfunes congnitas como trombastenia de Glanzmann (deficincia congnita da GPIIb/IIIa), sndrome de BernardSoulier (deficincia da GPIb/IX), sndrome da plaqueta cinza (deficincia dos grnulos alfa) etc., a ocorrncia de sangramentos graves pouco frequente. A recomendao teraputica de transfuso de CP prprocedimentos cirrgicos ou invasivos e no caso de sangramentos aps utilizao, sem resultados, de outros mtodos como agentes antifibrinolticos e DDAVP (1deamino8Darginina vasopressina).

    Frequentemente, em pacientes submetidos a procedimentos cardacos cirrgicos, com utilizao de circulao extracorprea por tempos superiores a 90120min, a funo plaquetria pode estar comprometida, por mecanismos associados ativao plaquetria, desencadeando sangramento difuso intraoperatrio. Nesta situao, mesmo com contagens superiores a 50.000/L, est indicada a transfuso de CP.

    c) Plaquetopenias por diluio ou destruio perifricaQuatro situaes importantes podem ser caracterizadas neste grupo, no qual temos uma diluio da concentrao das plaquetas ou um consumo aumentado e/ou destruio por mecanismos imunes:

    Transfuso macia: esperase uma contagem de plaquetas inferior a 50.000/L se aproximadamente duas volemias sanguneas forem trocadas do paciente. Nesta situao, recomendase a transfuso de CP se a contagem for inferior a 50.000/L e se inferior a 100.000/L na presena de alteraes graves da hemostasia, trauma mltiplo ou de sistema nervoso central;

    Coagulopatia intravascular disseminada (CID): nesta situao, a reposio de plaquetas e fatores de coagulao desencorajada, pois no h evidncias de efeitos benficos profilaticamente, porm, em presena de sangramentos, mesmo que sem gravidade no momento, devese iniciar a reposio de fatores de coagulao (PFC) e de CP objetivando contagens superiores a 20.000/L;

    Plaquetopenias imunes: a mais frequente forma de plaquetopenia imune a prpura trombocitopnica imune (PTI), associada presena de autoanticorpos antiplaquetas. Nesta situao, a transfuso de CP

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    restrita a situaes de sangramentos graves que coloquem em risco a vida dos pacientes. A teraputica de reposio deve ser agressiva e sempre associada a formas de tratamento especfico como altas doses de corticides e imunoglobulina.

    Dengue Hemorrgica: a trombocitopenia que acompanha os casos de dengue hemorrgica causada pela presena de anticorpos que, dirigidos contra protenas virais, apresentam reao cruzada contra antgenos plaquetrios. Na prtica, esta plaquetopenia se comporta como a da PTI, portanto no h indicao para a transfuso profiltica de CP independentemente da contagem de plaquetas no sangue perifrico. A transfuso profiltica de CP tambm no est indicada nas trombocitopenias que podem acompanhar a Leptospirose e as Riquetsioses.

    d) Procedimentos cirrgicos ou invasivos em pacientes plaquetopnicosExiste uma grande variedade de dados associados a indicaes de transfuso de CP em pacientes plaquetopnicos submetidos a procedimentos cirrgicos ou invasivos, porm a dificuldade de comparao entre os trabalhos leva a uma dificuldade de definio de critrios conclusivos. Existe um consenso que contagens superiores a 50.000/L so suficientes para a maioria dos casos, exceto para procedimentos neurocirrgicos e oftalmolgicos para os quais nveis mais elevados so exigidos (superiores a 80.000 a 100.000/L).

    O Quadro 4, a seguir, demonstra diferentes critrios de indicao para transfuso de CP em situaes cirrgicas especficas que podem ser utilizados como orientao de conduta. Cabe ainda ressaltar que, nestes procedimentos, a habilidade do profissional que os executa relevante na ocorrncia de complicaes.

    Quadro 4 Indicao de transfuso para procedimentos cirrgicos e/ou invasivosCondio Nvel Desejado (/L)Puno lombar para coleta de lquor ou quimioterapia

    pacientes peditricos pacientes adultos

    superior a 20.000/Lsuperior a 30.000/L

    Bipsia e aspirado de medula ssea superior a 20.000/LEndoscopia digestiva

    sem bipsia com bipsia

    superior a 20.000 40.000/Lsuperior a 50.000/L

    Bipsia heptica superior a 50.000/Lcontinua

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    Condio Nvel Desejado (/L)Broncoscopia com instrumento de fibra ptica

    sem bipsia com bipsia

    superior a 20.000 40.000/Lsuperior a 50.000/L

    Cirurgias de mdio e grande porte superior a 50.000/LCirurgias oftalmolgicas e neurolgicas superior a 100.000/L

    Fonte: Marcelo Addas Carvalho

    Na prpura trombocitopnica trombtica (PTT) e na plaquetopenia induzida por heparina (PIH) a indicao de transfuso de CP est restrita a situaes de sangramento grave, colocando em risco a vida do paciente. A transfuso profiltica mesmo para realizao de procedimentos invasivos e/ou cirrgicos deve ser evitada, pois alguns trabalhos cientficos demonstram piora do quadro clnico ou risco de ocorrncia de fenmenos tromboemblicos.

    Compatibilidade ABO e RhDAs plaquetas possuem antgenos ABO na sua superfcie e nveis de expresso variveis individualmente. Existem evidncias de que a transfuso de CP ABO incompatveis reduz, aproximadamente, 20% o incremento da contagem ps transfusional e parece ser mais relevante quando os ttulos de anticorpos naturais presentes no receptor so elevados associado alta expresso do correspondente antgeno nas plaquetas do CP, situao esta pouco frequente. O significado clnico da transfuso de CP ABO incompatvel parece pouco relevante. Contrariamente, existem evidncias de que a transfuso de CP ABO incompatveis desenvolva refratariedade de causa imune associada aloimunizao com maior frequncia quando comparada com transfuses de plaquetas ABO idnticas. Em resumo, devese preferir transfuso de CP ABO compatvel, porm, se esta no for possvel, optar por transfuses de unidades ABO incompatveis em pacientes que no necessitaro de suporte crnico.

    A aloimunizao contra o antgeno RhD est associada contaminao por hemcias dos CP. Alguns estudos demonstram a ocorrncia desta aloimunizao em aproximadamente 10% dos pacientes RhD negativos transfundidos com CP RhD positivos, esta menos frequente em pacientes oncohematolgicos e peditricos e nos que recebem CP obtidos por afrese (pela menor contaminao por hemcias) e pode

    concluso

  • 39

    ser evitada utilizandose imunoprofilaxia antiD (imunoglobulina antiD).

    3.2.2 Dose e modo de administrao

    A dose preconizada de 1 unidade de CP para cada 7 a 10 kg de peso do paciente, porm podese considerar tambm a contagem de plaquetas desejada dependendo da presena ou ausncia de sangramento como segue:

    Transfuses teraputicas (contagem desejada superior a 40.000/L): Adultos > 55kg de peso dose mnima de 6,0 x 1011 (810U de CP

    unitrios ou 1U CP obtidos por afrese). Pacientes 1555 kg de peso dose mnima de 3,0 x 1011 (46U de

    CP unitrios ou 0,51U CP obtidos por afrese). Crianas < 15 kg dose de 510 mL/kg.

    Transfuses profilticas (contagem desejada superior a 25.000/L): Adultos > 55 kg de peso dose mnima de 4,0 x 1011 (68U de CP

    unitrios ou 1U CP obtidos por afrese). Pacientes menores dose 1U de CP unitrios para cada 10 kg de

    peso.

    A dose de plaquetas pode ser calculada de maneira mais detalhada ou precisa, identificandose o incremento plaquetrio desejado (IP) e levandose em conta a volemia sangunea (VS) e o sequestro esplnico estimado (aproximadamente 33%), utilizandose para isso a frmula abaixo:

    Dose (x109) = IP x VS

    F

    onde:IP incremento plaquetrio desejado (x109/L)VS volemia sangunea (L)F fator de correo (0,67)

    Doses menores (1,5 x 1011 ou 34U de CP unitrias) podem ser utilizadas nos casos de transfuses profilticas em pacientes estveis sem sangramento e mantidos em ambiente hospitalar com acompanhamento prximo. Nesta situao, a necessidade transfusional mais frequente, porm tem se demonstrado bastante segura.

  • 40

    O tempo de infuso da dose de CP deve ser de aproximadamente 30min em pacientes adultos ou peditricos, no excedendo a velocidade de infuso de 2030mL/kg/hora. A avaliao da resposta teraputica a transfuso de CP deve ser feita atravs de nova contagem das plaquetas 1 hora aps a transfuso, porm a resposta clnica tambm deve ser considerada. Em pacientes ambulatoriais, a avaliao laboratorial 10min aps o trmino da transfuso pode facilitar a avaliao da resposta e possui resultados comparveis. Dois indicadores podem ser calculados e so teis no acompanhamento da eficcia transfusional principalmente em transfuses profilticas:

    Recuperao plaquetria R (%)

    R =IP x VS x 100

    dose (x109)

    onde:IP incremento plaquetrio desejado (x109/L)VS volemia sangunea (L)

    Incremento corrigido da contagem (ICC)

    ICC = IP x SC

    dose (x1011)

    onde: IP incremento plaquetrio desejado (x109/L)SC superfcie corporal (m2)

    Utilizando estes indicadores, definese como uma transfuso de CP eficaz resultados de R(%) superiores a 30% em 1h e a 20% em 2024h aps a transfuso ou de ICC superiores a 7,5 em 1h e a 4,55,0 em 2024h. Esta avaliao til na prtica clnica para o diagnstico de refratariedade plaquetria.

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    3.3 Plasma

    3.3.1 Indicaes e contraindicaes

    As indicaes para o uso do plasma fresco congelado (PFC) so restritas e correlacionadas a sua propriedade de conter as protenas da coagulao. O componente deve ser usado, portanto, no tratamento de pacientes com distrbio da coagulao, particularmente naqueles em que h deficincia de mltiplos fatores e apenas quando no estiverem disponveis produtos com concentrados estveis de fatores da coagulao e menor risco de contaminao viral. Portanto, as indicaes so:

    a) Sangramento ou risco de sangramento causado por deficincia de mltiplos fatores da coagulaoHepatopatia: a reduo na sntese dos fatores da coagulao (I, II, VII, IX e X) diretamente correlacionada ao grau de dano do parnquima heptico e evidenciada laboratorialmente pelo alargamento do Tempo de Protrombina (TP), um fator predisponente ao sangramento em pacientes com hepatopatia. No entanto, o distrbio de coagulao na doena heptica complexo, relacionado tambm a anormalidades em plaquetas, fibrinlise e inibidores da coagulao, alm de disfibrinogenemia. O paciente hepatopata, entretanto, raramente sangra na ausncia de fatores predisponentes como cirurgia, bipsia heptica ou ruptura de varizes de esfago.

    A utilizao de PFC com o intuito de prevenir hemorragia nestes pacientes pode ser feita, mas corrige incompletamente o distrbio da hemostasia e no consenso, pois as alteraes plaquetrias e vasculares parecem ser mais importantes nesta circunstncia. No h evidncias que indiquem a eficcia da transfuso de PFC antes da realizao de procedimentos invasivos com o objetivo de prevenir complicaes hemorrgicas. Nestes casos, a utilizao de tcnica cirrgica cuidadosa realizada por profissional experiente na realizao do procedimento parece ser o principal fator para prevenir tais complicaes.

    A resposta ao PFC imprevisvel na hepatopatia e no existe correlao entre alterao do TP e risco de sangramento. Evidncias sugerem que no h benefcio da reposio de PFC em pacientes com TP alargado sem sangramento. Hepatopatas com sangramento ativo, por outro lado, podem se beneficiar da reposio de fatores da coagula

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    o a partir do PFC. Por sua vez, o Complexo Protrombnico eficaz na correo da deficincia de fatores de coagulao no hepatopata. No entanto, sua associao com eventos trombticos desencoraja o uso nestes pacientes.

    Coagulao Intravascular Disseminada (CID): este grave distrbio da hemostasia, associado septicemia, perda macia de sangue, injria vascular grave ou presena de veneno de cobras, lquido amnitico e enzimas pancreticas na circulao desequilibra o mecanismo da coagulao. Todos os fatores da coagulao esto diminudos na CID, mas o Fibrinognio, FVIII e FXIII so os mais afetados. O quadro clnico apresentado pelo paciente varia de sangramento microvascular importante a apenas alteraes laboratoriais. O tratamento da condio desencadeante a abordagem adequada para estes pacientes, mas a transfuso de PFC associada reposio de outros hemocomponentes (Concentrado de Plaquetas e Crioprecipitado) est indicada quando h sangramento. No paciente sem hemorragia a transfuso de hemocomponentes no se justifica.

    b) Sangramento severo causado por uso de anticoagulantes orais an-tagonistas da vitamina K (Warfarina) ou necessidade de reverso ur-gente da anticoagulaoSangramento relacionado ao excessiva da Warfarina, evidenciada por alargamento do TP padronizado pelo INR (International Normalized Ratio) pode ser corrigido por uma srie de medidas como a suspenso do anticoagulante, administrao oral ou parenteral da vitamina K e transfuso de PFC ou de Complexo Protrombnico (Concentrado de Fatores II, VII, IX e X), de acordo com a gravidade do quadro apresentado pelo paciente.

    A utilizao do PFC (15mL/kg a 20mL/kg) em pacientes com sangramento importante relacionado anticoagulao oral pode ser feita para reverter rapidamente seu efeito. Recomendase a associao de administrao de vitamina K.

    Quando disponvel, o Complexo Protrombnico prefervel ao PFC, por apresentar menor risco de transmisso de agentes infecciosos.

    c) Transfuso macia com sangramento por coagulopatiaA depleo dos fatores de coagulao no comum em pacientes submetidos transfuso macia a no ser quando apresentam distrbio

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    associado da coagulao. A coagulopatia no trauma complexa resultando do efeito da perda sangunea, acidose, hipotermia, consumo, fibrinlise e diluio. No um fenmeno frequente e parece estar associada principalmente ao retardo na adoo de medidas eficazes de ressuscitao. Correlacionase principalmente ao trauma grave e pode estar presente no paciente com perda sangunea superior a 40% da volemia sangunea mesmo antes do incio da reposio de hemocomponentes. A diluio para nveis crticos ocorre aps a perda de mais de 1,2 volemia para os fatores da coagulao e 2 volemias para plaquetas e a reposio de fluidos utilizando cristaloide na abordagem inicial da ressuscitao pode agravar este efeito. A hipotermia, relacionada imobilizao do paciente em baixa temperatura ambiente (salas climatizados, por exemplo) por sua vez, retarda as reaes enzimticas da cascata da coagulao, potencializando o efeito da hemodiluio. O consumo dos fatores de coagulao, at agora entendido como CID, pode estar relacionado principalmente s alteraes no local da injria vascular, envolvendo alteraes moleculares a partir da clula endotelial.

    A prescrio sistemtica de PFC em pacientes recebendo transfuso de grandes volumes de CH por sangramento, utilizando frmulas automticas de reposio no tem se mostrado eficaz na preveno de distrbios da coagulao nesses pacientes. Por outro lado, embora o tempo de protrombina (TPAP) e o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) no apresentem boa correlao com a necessidade de reposio, sua alterao um critrio mais racional para guiar a indicao e monitoramento da transfuso. Alguns autores tm sugerido que a tromboelastografia (TEG) e a tromboelastometria rotacional (ROTEM) poderiam monitorar a coagulopatia relacionada a situaes de transfuso macia associada ao trauma de forma mais fidedigna e em tempo real.

    A avaliao clnica do paciente com a correo de outros distrbios que afetam o mecanismo de hemostasia (plaquetopenia, leses anatmicas, hipotermia, hipo ou disfibrinogenemia) deve fazer parte do manuseio do paciente.

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    d) Sangramento ou profilaxia de sangramento causado por deficincia isolada de fator da coagulao para a qual no h produto com me-nor risco de contaminao viral (concentrado de fator da coagulao) disponvelAplicase especialmente para deficincia de Fator V. Na deficincia congnita de Fator XI (hemofilia C), o uso do PFC a opo teraputica disponvel no Brasil para pacientes com sangramento associado a esta deficincia, ou antes, de procedimentos invasivos. No entanto, embora existam apresentaes de Concentrado de FXI fora do Pas, seu uso no consensual em funo da associao com complicaes trombticas.

    e) Prpura trombocitopnica trombtica (PTT)A utilizao do PFC como lquido de reposio na plasmafrese teraputica considerada tratamento de primeira linha para pacientes com PTT. Est comprovado que o PFC fonte da metaloprotease (ADAMTS13) que metaboliza o fator de von Willebrand e cuja deficincia est relacionada ao acmulo de multmeros de alto peso molecular observado nestes pacientes, responsvel pelo estado de ativao plaquetria e consumo. A adoo de esquemas de reposio de PFC em regime de plasmafrese diria representou grande impacto na histria natural da PTT reduzindo a mortalidade de 90% para taxas inferiores a 30%, em alguns estudos.

    f) Plasma isento de crioprecipitado (PIC) e plasma fresco congelado de 24 horas (PFC24) O PIC no tem todos os fatores da coagulao. Seu uso clnico pode estar restrito a reposio volmica na plasmafrese em pacientes com PTT, em detrimento do PFC. No entanto, no h evidncias que comprovem melhores resultados do que com o uso do PFC. O PFC24, por sua vez, apesar de apresentar uma diminuio dos nveis de fatores da coagulao pode ser usado nas mesmas situaes clnicas com indicao para reposio destes fatores.

    O uso inadequado do plasma (PFC, PFC24 e PIC) relacionado a indicaes incorretas e imprecisas e para as quais h alternativas mais seguras e eficazes frequentemente resulta em exposio desnecessria do paciente aos riscos transfusionais. Na transfuso de plasma, alm dos riscos associados contaminao com vrus e outros patgenos transmissveis pelo sangue, merecem especial ateno as complicaes

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    transfusionais relacionadas a anafilaxia e reaes alrgicas, leso pulmonar aguda associada a transfuso (TRALI), hemlise a partir de anticorpos presentes no plasma transfundido e sobrecarga volmica associada a transfuso (TACO). Existem algumas situaes clnicas reconhecidas como de uso inapropriado para o plasma, descritas a seguir.

    Justificativas imprecisas para o uso do plasma, como melhorar e acelerar processos de cicatrizao ou recompor sangue total antes da utilizao devem ser abandonadas e no so reconhecidas como indicao aceitvel.Alm disso, o tratamento de coagulopatias corrigidas apropriadamente com administrao de vitamina K, crioprecipitado, ou reposio de fatores especficos da coagulao a partir de hemoderivados deve ser feito a partir da utilizao das medidas especficas, visando maior eficcia teraputica e menor risco.

    Deve ser ressaltado como contraindicao o uso de PFC, PIC ou PFC24 nas seguintes situaes:

    Como expansor volmico e em pacientes com hipovolemias agudas (com ou sem hipoalbuminemia).

    Em sangramentos sem coagulopatia. Para correo de testes anormais da coagulao na ausncia de

    sangramento. Em estados de perda protica e imunodeficincias.

    Compatibilidade ABO e RhDNo h necessidade da realizao de provas de compatibilidade antes da transfuso de PFC/PIC/PFC24. Os componentes devem ser preferencialmente ABO compatveis, mas no necessariamente idnticos. As complicaes relacionadas hemlise por transfuso de plasma incompatvel so incomuns, porm doadores do grupo O podem apresentar ttulos altos de anticorpos antiA e antiB. O sistema Rh, por sua vez, no precisa ser considerado.

    3.3.2 Dose e modo de administrao

    O volume a ser transfundido depende do peso e da condio clnica e hemodinmica do paciente. A utilizao de 1020mL de PFC por quilo de peso aumenta de 20% a 30% os nveis dos fatores de coagulao do paciente, chegando a nveis hemostticos.

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    Embora no haja correlao direta entre alteraes de tempo de protrombina (TPAP) e de tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) e risco de sangramento, quando utilizada na correo de deficincia de mltiplos fatores da coagulao, a reposio de PFC deve ser monitorizada laboratorialmente. O TPAP maior que 1,5 vezes o ponto mdio da variao normal e/ou o TTPa maior do que 1,5 vezes o limite superior do normal, podem ser usados como parmetro para reposio, de acordo com a situao clnica do paciente.

    Quando for utilizado para correo de deficincias de fatores isolados da coagulao (V ou XI, por exemplo), considerar o objetivo da reposio, a meiavida do fator reposto (Quadro 5), e o nvel basal do fator no paciente para definir o intervalo entre as doses. A normalizao dos testes da coagulao ou o controle do sangramento devem ser considerados como parmetro para parada da reposio de PFC.

    Para definir o intervalo entre as doses de PFC, devese considerar o objetivo da reposio e conhecer a deficincia que se deseja corrigir, respeitando a meiavida do (s) fator (es) da coagulao que se deseja repor. Para fatores com meiavida longa (FXI, por exemplo) a repetio da dose a cada 24 horas por vrios dias pode produzir um grande aumento nos nveis plasmticos do paciente. A reposio de fatores com meiavida curta, por outro lado, pode necessitar de repetio mais frequente da dose calculada para o paciente. Portanto, a definio do intervalo entre as doses est correlacionada com o objetivo da reposio de PFC.

    Quadro 5 Concentrao e meiavida dos fatores de coagulao presentes no PFC

    Fator Concentrao PFC (UI/mL)*Meiavida em horas Nvel hemosttico

    Fibrinognio 267 100150 1mg/mLFator II 80 5080 4050%Fator V 80 1224 1030%Fator VII 90 6 1020%Fator VIII 92 12 30100%Fator IX 100 24 2060%Fator X 85 3060 1040%Fator XI 100 4080 2030%Fator XIII 83 150300 10%F vW 80 24 2050%Protena C 8

    continua

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    Fator Concentrao PFC (UI/mL)*Meiavida em horas Nvel hemosttico

    Protena S 1222 Fibronectina 2472 AT III 100 4560

    Fonte: Luciana Maria de Barros Carlos

    Antes de ser utilizado para transfuso, o PFC deve ser completamente descongelado em banhomaria a 37C ou em equipamentos apropriados para este fim. Caso seja descongelado em banhomaria, deve ser envolto em saco plstico, de modo a evitar o contato direto da bolsa, especialmente do ponto de entrada, com a gua. O banhomaria deve ser limpo diariamente e a gua deve ser substituda. Uma vez descongelado, deve ser usado o mais rpido possvel, em, no mximo, 6 horas aps o descongelamento se mantido temperatura ambiente ou at 24 horas se mantido em refrigerao (26C). Depois de descongelado no pode haver recongelamento.

    Imediatamente antes da infuso a unidade de PFC deve ser examinada. Bolsas com sinais de vazamento quando submetidas presso e alteraes de cor no podem ser utilizadas para transfuso. A presena de precipitados, filamentos de fibrina e turbidez pode estar relacionada contaminao bacteriana e as bolsas que apresentarem estas alteraes tambm no devem ser utilizadas. Bolsas com aspecto leitoso associado lipemia tambm devem ser descartadas do uso para transfuso.

    Na transfuso de plasma, todos os cuidados relacionados transfuso de hemocomponentes devem ser seguidos criteriosamente. A conferncia da identidade do paciente e rtulo da bolsa antes do incio da infuso e uso de equipo com filtro de 170 a 220 nm so medidas obrigatrias. O tempo mximo de infuso deve ser de 1 hora.

    concluso

  • 48

    3.4 Crioprecipitado

    3.4.1 Indicaes e contraindicaes

    O crioprecipitado (CRIO) est indicado no tratamento de hipofibrinogenemia congnita ou adquirida (

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    Repor Fator XIII em pacientes com hemorragias por deficincia deste fator, quando no se dispuser do concentrado de Fator XIII industrial purificado.

    Repor Fator de von Willebrand em pacientes que no tm indicao de DDAVP ou no respondem ao uso de DDAVP, quando no se dispuser de concentrados de Fator de von Willebrand ou de concentrados de Fator VIII ricos em multmeros de von Willebrand.

    Compatibilidade ABO e RhDO crioprecipitado contm anticorpos ABO, portanto sempre que possvel utilizar componente ABO compatvel. Quando no houver disponibilidade de bolsa ABO compatvel, todos os grupos ABO sero aceitos para transfuso, exceto em crianas. Raramente, a infuso de grandes volumes de crioprecipitado ABO incompatvel pode causar hemlise. Com a infuso de volumes menores, podese observar o teste de antiglobulina direto (TAD) positivo.

    3.4.2 Dose e modo de administrao

    Antes da infuso, o crioprecipitado deve ser descongelado entre 30C e 37C no prazo de at 15 minutos e transfundido imediatamente. O descongelamento em banhomaria deve ser realizado utilizando bolsa plstica e protegendo contra contaminao bacteriana. Se o produto descongelado no for utilizado imediatamente, poder ser estocado por at 6 horas, em temperatura ambiente (2024C) ou por at 4 horas quando o sistema for aberto ou realizado em pool (obedecendo ao primeiro horrio da primeira unidade).

    Cada unidade aumentar o fibrinognio em 510mg/dL em um adulto mdio, na ausncia de grandes sangramentos ou de consumo excessivo de fibrinognio. O nvel hemosttico de 70100 mg/dL. As unidades de CRIO so infundidas por meio de filtro padro de transfuso (170).

    O clculo da quantidade de bolsas necessria para correo de hipofibrinogenemia depender da natureza do episdio de sangramento e da gravidade da deficincia inicial. O clculo do nmero de unidades de CRIO necessrio para correo da queda de fibrinognio (nveis inferiores a 70100mg/dL) est descrito abaixo:

  • 50

    Peso (kg) x 70 mL/kg = volume sanguneo (mL). Volume sanguneo (mL) x (1,0 hematcrito) = volume plasm

    tico (mL). mg de fibrinognio desejado = [nvel de fibrinognio desejado

    (mg/dL)] fibrinognio inicial (mg/dL) x volume plasmtico (mL) / 100 mL/dL.

    Nmero de bolsas necessrias = mg de fibrinognio desejado dividido por 250 mg de fibrinognio/bolsa.

    Esse clculo assume que 100% do fibrinognio administrado so recuperados no espao intravascular, porm convm lembrar que a quantidade em cada bolsa pode ser varivel.

    Outra forma mais prtica para tratar os pacientes com hipofibrinogenemia ou disfibrinogenemia e deficincia de Fator XIII o clculo de 1.01.5 bolsas de crioprecipitado por cada 10kg de peso do paciente com a inteno de atingir nvel de fibrinognio hemosttico de 100mg/dL, reavaliando a cada 34 dias.

    A quantidade de crioprecipitado pode ser diminuda quando houver administrao concomitante de concentrado de hemcias e/ou de plaquetas porque estes produtos contm 24mg de fibrinognio/mL, que corresponde a 2U de crioprecipitado.

    3.5 Concentrado de granulcitos

    3.5.1 Indicaes e contraindicaes

    Ainda hoje no est totalmente definido se, mesmo grandes doses de granulcitos, so teis em debelar infeces e aumentar a sobrevida de pacientes neutropnicos imunossuprimidos para, com segurana, se dizer que existem benefcios que superem os riscos desta teraputica cara. Antes da indicao de transfuso de concentrado de granulcitos (CG), considerar o uso de alternativas farmacolgicas como, por exemplo, o GCSF e GMCSF.

    Pacientes neutropnicos: as transfuses de CG so tipicamente utilizadas em pacientes neutropnicos, geralmente com neutrfilos abaixo de 500/L, com hipoplasia mielide de recuperao provvel, porm no para os prximos 57 dias, que apresentem febre por 24 a 48 horas

  • 51

    e estejam com infeco bacteriana ou fngica documentadas por culturas ou por infeco parenquimatosa progressiva noresponsiva ao uso de antibioticoterapia adequada.

    Portadores de disfuno de neutrfilos: so tambm candidatos a receber transfuses de granulcitos os pacientes com graves defeitos hereditrios da funo neutroflica, como os portadores de doena granulomatosa crnica, durante episdios infecciosos que coloquem em risco suas vidas. Como so poucos os casos, a eficcia destas transfuses parece ser convincente no manuseio individual de pacientes com infeces bacterianas ou fngicas recorrentes noresponsivas teraputica, lembrandose, entretanto, que por serem indivduos cujo sistema imunolgico usualmente normal, a aloimunizao pode se tornar um problema significante.

    Uso profiltico: a eficcia das transfuses profilticas de granulcitos somente foi demonstrada quando a dose utilizada era grande, sendo seus efeitos considerados modestos com riscos altos e anlise custoeficcia muito elevada. Podese dizer, portanto que, com base nas evidncias disponveis, no se pode recomendar a transfuso profiltica de granulcitos como prtica rotineira, embora seja aceitvel como medida de suporte, sobretudo na fase neutropnica do transplante de medula ssea alognico e da induo do tratamento da leucemia mielide aguda (LMA), seja como profilaxia primria de infeces ou como profilaxia secundria para prevenir reativao de infeces graves (por exemplo, fngicas) com alto risco de recorrncia. Nestas situaes, as transfuses profilticas de CG podem limitar o perodo de neutropenia reduzindo subsequentemente suas complicaes.

    Neonatos spticos: importante assinalar o uso de transfuso de CG em neonatos spticos cuja mortalidade sabidamente elevada. Nestes casos, os estudos so bastante heterogneos e no permitem uma concluso definida sobre sua eficcia em reduzir mortalidade sem aumentar a morbidade, sendo na prtica raramente utilizados. Possveis candidatos a estas transfuses so crianas com forte evidncia de sepse bacteriana ou fngica, com contagem de neutrfilos inferior a 3000/L e estoque medular diminudo de precursores neutroflicos maduros.

    contraindicao ao uso de transfuses de granulcitos a inexistncia de possibilidade teraputica para a patologia de base, sendo tambm irreal transfundir granulcitos em receptores dos quais no se espera

  • 52

    recuperao da medula ssea (MO) em um perodo razovel de tempo. Alm disso, em razo do risco de graves efeitos adversos e de sua provvel ineficcia, estas transfuses esto tambm contraindicadas nos pacientes aloimunizados para os antgenos HLA e/ou de neutrfilos, quando no for possvel a obteno de granulcitos compatveis. tambm contraindicao transfuso de CG a presena de graves anormalidades respiratrias.

    Compatibilidade ABO e RhDEm geral, os CG apresentam importante quantidade de hemcias que devem ser ABO compatveis com o plasma dos receptores, sendo obrigatria a realizao de teste de compatibilidade entre as hemcias do doador e o soro/plasma do receptor da transfuso. Alm disso, idealmente os receptores RhD negativos devem receber granulcitos de doador RhD negativo.

    3.5.2 Dose e modo de administrao

    Existe consenso na literatura de que a eficcia das transfuses de concentrados de granulcitos est na dependncia direta da dose administrada. Recomendase que, em adultos, a dose utilizada seja superior a 2,0 x 1010 granulcitos, iniciada aps breve observao clnica caso a caso e repetida diariamente at que a infeco seja debelada, ou o nmero absoluto de neutrfilos retorne a pelo menos 500/L (recuperao medular) ou se observe toxicidade inaceitvel das transfuses de CG. Para uso profiltico, so recomendadas transfuses de doses de CG em dias alternados.

    Considerando que os CG contm grande nmero de linfcitos, obrigatria sua irradiao a fim de se prevenir a doena do enxertocontrahospedeiro associada transfuso (DECHAT).

    Para melhor aproveitamento transfusional, evitar aloimunizao HLA dos receptores e reduzir as reaes transfusionais ideal que haja compatibilidade HLA entre doador e receptor de CG. Esta uma situao desejvel, porm de difcil execuo. Pode ser obtida pela realizao de tipagem HLA de doadores e receptores, triagem laboratorial para anticorpos antiHLA ou antineutrfilo em receptores, seleo de doadores com HLA idntico ao receptor e pela realizao de prova de compatibilidade prtransfusional entre os leuccitos do doador e o

  • 53

    soro do receptor. Se o paciente no aloimunizado contra antgenos do sistema HLA, a coleta de granulcitos usualmente feita de doadores relacionados; devese, entretanto, evitar o uso de membros da famlia como doadores de granulcitos para pacientes candidatos transplante de medula ssea alognico aparentado, pelo risco de aloimunizao. O uso de CG HLAcompatvel geralmente reservado para receptores aloimunizados para o sistema HLA cujos marcadores indiretos so a refratariedade transfuso de doses adequadas de plaquetas e/ou no elevao do nmero de neutrfilos aps transfuso de doses tambm adequadas de CG.

    Se o receptor negativo para o citomegalovrus (CMV), recomendase o uso de CG provenientes de doadores soronegativos para o CMV.

    Os concentrados de granulcitos devem ser administrados em ambiente hospitalar, sob superviso mdica, utilizandose filtrospadro de transfuso de 170200m, lentamente em 1 a 2 horas de infuso (1,0 x 1010/hora). No podem ser utilizados filtros de microagregados e nem filtros para leucorreduo porque ambos removem leuccitos.

    A prmedicao com paracetamol ou corticosterides apropriada para prevenir recorrncia de reaes transfusionais adversas em pacientes que j tenham apresentado sintomas como calafrios e febre, entretanto prmedicao profiltica rotineira no necessria. prtica comum separar a administrao de transfuso de concentrados de granulcitos e a infuso de anfotericina B por cerca de 6 a 8 horas a fim de diminuir a ocorrncia de reaes adversas pulmonares mais graves.

    Dose recomendada para neonatos: 1,0 x 109 polimorfonucleares/kg/transfuso em 1015mL/kg/transfuso.

    Dose recomendada para adultos e crianas maiores: 1,0 x 1010 polimorfonucleares/m2. Usualmente em adultos se utiliza a dose de 2,03,0 x 1010 polimorfonucleares/transfuso.

  • 4 Transfuso de hemocomponente

    em pediatria

  • 57

    A indicao de transfuso em Pediatria segue os mesmos princpios da transfuso em adultos, no que concerne ao cuidadoso balano de riscos e benefcios.

    Os guidelines disponveis representam as opinies dos autores e incorporam dados baseados em evidncia quando ela existe. A literatura cientfica em transfuso neonatal quase sempre orientada pela prtica e definida por consenso.

    No universo da hemoterapia peditrica, os recmnascidos prtermo representam um grupo de especial interesse, porque so os mais frequentemente transfundidos nas unidades de cuidado tercirio.

    Para uso neste captulo, sero consideradas as seguintes definies: Recmnascido (RN): at 28 dias de vida. RN prtermo (RNPT): nascido at o ltimo dia da 37 semana de

    gestao.

    Por possurem programas transfusionais especficos, no so objeto deste Guia as indicaes de transfuses nas anemias hemolticas congnitas ou adquiridas.

    4.1 Transfuso de sangue total (ST)

    Quase sempre, a transfuso de sangue total no oferece benefcios em relao transfuso de hemocomponentes, da o seu uso extremamente restrito. O ST pode ser reconstitudo pela combinao de uma unidade de concentrado de hemcias (CH) com uma unidade compatvel de plasma fresco congelado (PFC).

    Indicaes Exsanguneo transfuso para:

    Doena Hemoltica do RN Hiperbilirrubinemia com risco de kernicterus

    Bypass cardiopulmonar: conduta muito controversa. No h evidncias do benefcio do ST como prime dos circuitos.

    Oxigenao atravs de Membrana Extracorprea (ECMO): no h protocolos definitivos. Muitos servios utilizam o ST reconstitudo para o prime.

  • 58

    Exsanguneo Transfuso (ET)

    A exsanguneo transfuso tem como objetivos remover as hemcias ligadas aos anticorpos e o excesso de bilirrubina.

    Doena Hemoltica do Feto e do RN (DHF / DHRN)Aloanticorpos maternos dirigidos contra antgenos eritrocitrios do feto so produzidos aps exposio de eritrcitos incompatveis durante a gestao ou em transfuso prvia. A maioria dos casos de anemia fetal grave e que requer tratamento intratero causada pelos anticorpos antiD, antic ou antiK1 (Kell). Isohemaglutininas IgG ABO, que podem ocorrer independente de estmulo prvio, podem causar DHRN, mas no comprometem o feto durante a gestao. AntiD ainda um dos anticorpos mais comumente associados DHRN, embora a profilaxia com RhIG tenha reduzido dramaticamente a sua incidncia.

    A DHF/DHRN resulta da destruio extravascular, no bao e no sistema reticuloendotelial, de hemcias fetais ligadas IgG. Esta destruio imunomediada aumenta os nveis sricos de bilirrubina indireta. Durante a gestao, so eliminados, pela me, metablitos e bilirrubina indireta que passam pela placenta. Aps o nascimento, o RN a termo no capaz de metabolizar a bilirrubina de forma eficiente, devido imaturidade da funo heptica, se expondo ao risco de desenvolver encefalopatia bilirrubnica ou kernicterus.

    Metade dos RN RhD positivos com anticorpos maternos detectveis so pouco ou nada afetados e no requerem tratamento, enquanto 20% so gravemente afetados no tero. Destes, metade tem hemlise significativa antes de 34 semanas de gestao e necessita de transfuso intrauterina.

    A incompatibilidade ABO a causa mais comum de DHRN acometendo 0,7% a 2% dos RN. Altos ttulos de anticorpos IgG so mais comuns em indivduos do grupo O. Consequentemente, os RN de mes do grupo O so os mais afetados pela DHRN. Ainda que mes com altos ttulos de antiA ou antiB sejam mais susceptveis a ter RN afetados, o diagnstico da DHRN nem sempre guarda uma relao direta com o ttulo do anticorpo. Um alto ttulo de IgG antiA ou antiB na me uma evidncia importante, mas a sua ausncia no exclui o diagnstico.

  • 59

    Seleo do HemocomponenteO Quadro 6 apresenta os esquemas na seleo dos hemocomponentes para Exsanguneo Transfuso (ET) e Transfuso Intrauterina (IT).

    Quadro 6 Seleo de CH para Exsanguneo Transfuso (ET) e transfuso intrauterina (IT)

    Seleo de CH para ET Seleo de CH para ITCompatibilidade ABO/RhD

    Grupo O negativo*, ausentes os antgenos eritrocitrios implicadosouABO/RhD tipo especfico, ausentes os antgenos eritrocitrios implicados

    Grupo O negativo*, ausentes os antgenos eritrocitrios implicados

    Compatibilidade com o soro materno

    Compatvel Compatvel

    Tipo de anticoagulante e Ht

    CPDA ou AS com remoo do sobrenadante

    CPDA ou AS com remoo do sobrenadante

    Reconstituio de ST Hemcias plasma reduzidas para Ht final de 4050%** + PFC grupo AB ou compatvel

    Validade Menos de 5 dias*** Menos de 5 dias***Status para citomegalovrus (CMV)

    Risco reduzido = negativa para CMV ou desleucocitado

    Risco reduzido = negativa para CMV ou desleucocitado

    Irradiao gama (25Gy)

    Irradiado Irradiado

    HbS Negativo Negativo

    Fonte: Raquel Baumgratz Delgado* Se ET indicada na ABODHRN hemcias do grupo O com baixos ttulos de plasma antiA e antiB devem ser usadas ou hemcias do grupo O suspensas em plasma AB. **Embora no haja consenso, hemcias plasmareduzidas com Ht de 5060% so adequadas para ET.***Ou hemcias lavadas.

    Dose de administrao (volume)Duas trocas de volemia removem cerca de 85% das hemcias e 2545% da bilirrubina srica. O volume transfundido deve ser ajustado para atingir o mais alto Ht pstransfusional, dependendo de cada situao clnica. RN a termo: 2 x 85mL/kg (160mL/kg) e RNPT: 2 x 100mL/kg (200mL/kg)

    Volume a ser transfundido (mL) =

    volemia (mL) x Ht desejado Ht pr transfusionalHt da unidade de CH

  • 60

    4.2 Transfuso de concentrado de hemcias (CH)

    Consideraes geraisA anemia fisiolgica das primeiras semanas de vida autolimitada, geralmente bem tolerada e requer tratamento somente se sintomtica. Para os RNPT, esta queda dos nveis de Hb tende a ser mais acentuada.

    Assim sendo, os critrios para transfuso de pacientes menores de 4 meses de vida so diferentes em relao s crianas mais velhas, pelos seguintes motivos:

    Constituem o grupo mais transfundido no universo peditrico. Possuem pequena volemia. Apresentam produo diminuda de eritropoetina (EPO) endge

    na em resposta anemia, no caso dos RNPT. Apresentam anemia fisiolgica da infncia mais acentuada. Possuem sistema imune ineficiente na formao de anticorpos em

    resposta aos antgenos eritrocitrios.

    Para os pacientes com mais de 4 meses de vida, as orientaes para transfuso de hemcias seguem as mesmas diretrizes para os adultos e devem se basear em sinais e sintomas e no somente em exames laboratoriais.

    IndicaesPara a maioria das crianas, transfuses de CH devem ser consideradas aps perda sangunea de 15% a 20% da volemia.

    Na vigncia de perdas sanguneas agudas, a hemoglobina (Hb) e o hematcrito (Ht) podem no refletir a magnitude da perda. Nestas situaes, os sinais de hipoperfuso palidez, hipotenso, taquicardia e alteraes do nvel de conscincia podem orientar a necessidade transfusional.

    Os Quadros 7 e 8 apresentam as indicaes de transfuses para crianas menores e maiores de 4 meses de idade

  • 61

    Quadro 7 Indicaes de transfuso de CH em pacientes < 4 meses de idadeINDICAES

    1. Hb 35%. Com CPAP/VMI com P mdia 6 a 8 cm H2O.

    4. Hb < 15 g/dL e o paciente: Sob oxigenao de membrana extracorprea Com cardiopatia congnita ciantica.

    Fonte: Raquel Baumgratz Delgado

    Quadro 8 Indicaes de transfuso de CH em pacientes > 4 meses de idadeINDICAES

    1. Perda sangunea aguda 15% da volemia total2. Hb < 8g/dL com sintomas de anemia3. Anemia properatria significativa sem outras teraputicas corretivas

    disponveis4. Hb < 13g/dL e paciente com:

    Doena pulmonar grave Oxigenao de membrana extracorprea (ECMO)

    Fonte: Raquel Baumgratz Delgado

    Seleo do Hemocomponente Preferencialmente hemocomponentes de um nico doador para

    reduzir a exposio (alquotas em bolsas peditricas de pequeno volume preparadas em sistema fechado).

  • 62

    Anticoagulante e solues aditivas de preservao: as concentraes de substncias aditivas presentes no CH so seguras para a maioria da populao peditrica, inclusive RN recebendo transfuses acima de 20mL/kg. O servio hemoterpico deve informar a soluo anticoagulante/preservadora utilizada, especialmente no caso da transfuso de RNPT, mas no h estudos conclusivos que comprovem a necessidade de uso de CH sem substncias aditivas para estes pacientes.

    Compatibilidade ABO: no perodo neonatal e nos pacientes menores de 4 meses de vida, a expresso dos antgenos ABO pode ser incompleta e os anticorpos detectados geralmente so de origem materna. Nesta faixa etria, o que orienta a transfuso de CH a compatibilidade com o soro materno. Para transfuses tipo especficas, testes sensveis devem demonstrar que o soro do RN no expressa os anticorpos maternos contra o seu prprio grupo sanguneo. Para os pacientes maiores de 4 meses, as transfuses de CH devem ser ABO e RhD compatveis, preferencialmente grupoespecficas.

    Pesquisa de anticorpos antieritrocitrios irregulares: o sangue materno geralmente serve de fonte de plasma ou soro para esta pesquisa, que s necessita ser repetida aps os 4 meses de vida do paciente. Se a pesquisa de anticorpos antieritrocitrios irregulares demonstrar a presena de anticorpos clinicamente significativos, a transfuso deve ser feita com unidades que no contenham os antgenos correspondentes.

    Leucorreduo/Desleucocitao: o uso de hemocomponentes desleucocitados menos crtico no perodo neonatal do que na fase adulta, devido imaturidade do sistema imune. Quanto ao risco da infeco pelo CMV, sabese que o RN de me com IgG positiva para CMV tem menor risco do que aquele cujas mes no apresentam o anticorpo. Indicaes especficas para a faixa peditrica incluem: transfuso intrauterina (TI), RNPT com peso < 1200g ao nascimento CMV negativo ou filho de me CMV negativo, ou com status sorolgico para CMV desconhecido.

  • 63

    Irradiao: atualmente, no existe recomendao para a irradiao universal de hemocomponentes para pacientes peditricos. Indicaes especficas para a populao peditrica incluem: transfuso intrauterina (TI), RNPT com peso < 1200g ao nascimento e exsanguneotransfuso aps TI.

    Dose e modo de administraoPara crianas pequenas, a transfuso de 1015mL/kg de peso deve elevar Ht / Hb em aproximadamente 69% / 23g/dL, respectivamente. Transfuses de pequenos volumes, na dose de 515mL/kg, so consideradas para os RNPT que necessitam de transfuses repetidas. O tempo de administrao habitualmente de 2 horas, no devendo exceder 4 horas de infuso. A velocidade de infuso deve ser ajustada de acordo com as condies clnicas do paciente.

    Pode ser realizada a transfuso utilizando buretas graduadas eventualmente com diluio do CH em soluo fisiolgica, porm o tempo de infuso e as condies de armazenamento devem ser garantidos. A utilizao de equipos com filtros de 170 obrigatria.

    4.3 Transfuso de plaquetas

    Consideraes geraisA contagem de plaquetas do RN a mesma da criana e do adulto. O RN a termo dificilmente sangra se plaquetas > 20 x 109/L, j o RNPT necessita de um parmetro mais alto, especialmente nos primeiros dias de vida, quando maior o risco de hemorragia periventricular. Em geral, o nmero de plaquetas de 50 x 109/L considerado hemosttico, a menos que o paciente apresente alguma doena de base.

    IndicaesNo h consenso na literatura especialmente quanto s indicaes da transfuso de concentrado de plaquetas (CP) para os segmentos da populao peditrica. No so objetos deste Guia as situaes especficas de transfuses de plaquetas em pacientes oncohematolgicos. As principais indicaes sugeridas na literatura so descritas nos Quadros 9, 10, 11 e 12 abaixo:

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    Quadro 9 Indicao de transfuso de plaquetas em pacientes > 4 mesesINDICAES

    1. Manter a contagem de plaquetas 100.000/mm para sangramentos em SNC ou preparo de cirurgia de SNC.

    2. Manter a contagem de plaquetas 50.000/mm se sangramento ativo ou se for submetido grande cirurgia.

    3. Transfuses profilticas para pacientes com plaquetas < 10.000/mm.Fonte: Manual da American Association of Blood Banks (ROSEFF, 2006).

    Quadro 10 Indicao de transfuso de plaquetas no RNINDICAES

    1. Contagens de plaquetas < 10.000/mm com falha de produo*.2. Contagens de plaquetas < 30.000/mm.3. Contagens de plaquetas

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    Seleo do hemocomponentes Compatibilidade ABO/RhD: sempre que possvel, plaquetas de

    vem ser ABO e RhD idnticas ao receptor. O uso de plaquetas ABO incompatveis aceitvel para as crianas maiores de 2 anos. J as menores devem receber plaquetas ABO compatveis sempre que possvel, devido sua pequena volemia. Plaquetas do grupo O devem ser evitadas tanto quanto possvel.

    Leucorreduo/Desleucocitao: as indicaes especficas do uso de concentrado de plaquetas desleucocitadas em Pediatria seguem os mesmos critrios estabelecidos para os CH.

    Irradiao: CP transfundidas in utero para tratar trombocitopenia aloimune e transfuses de plaquetas, aps o nascimento, em pacientes que receberam transfuses intrauterinas devem ser irradiadas. Entretanto, no necessrio irradiar plaquetas para prematuros ou RN a termo, a menos que elas sejam de doador aparentado de 1 ou 2 grau.

    Outras indicaes de irradiao podem ser encontradas no captulo Procedimentos Especiais.

    Situaes Especiais Trombocitopenia Neonatal Aloimune (TNA)Resulta da aloimunizao materna aos alelos de antgenos plaquetrios paternos herdados pelo feto e a transferncia de aloanticorpos maternos IgG via transplacentria, com subsequente destruio das plaquetas fetais. TNA habitualmente no diagnosticada antes do nascimento, mas geralmente tem incio durante a gestao. O antgeno plaquetrio implicado em 80% dos casos na populao caucasiana o HPA1a, responsvel pela grande maioria dos casos graves, seguido do HPA5b, HPA3a e HPA1b. Ao contrrio da DHF/DHRN, a TNA ocorre frequentemente na primeira gestao (40% a 60% dos casos em primigestas).

    Aproximadamente metade dos RN de mes com antiHPA1a tero contagens plaquetrias normais e cerca 20% apresentaro trombocitopenia grave com manifestaes hemorrgicas. O risco de hemorragia craniana entre os pacientes gravemente afetados (plaquetas < 50.000/mm) de 10% a 20%, sendo que 25% a 50% destes episdios ocorrem intratero. A taxa de mortalidade global estimada em 1% a 14%. Contudo, a TNA autolimitada, pois os anticorpos maternos vo

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    sendo retirados da circulao do RN e a contagem plaquetria geralmente retorna ao normal em 1 a 3 semanas.

    Ao nascimento, contagens de plaquetas < 50.000/mm obrigam investigao imediata de TNA. Nesta, a contagem de plaquetas da me normal e, portanto diferente da PTI materna. O diagnstico baseiase na demonstrao de incompatibilidade relevante entre o plasma da me e as plaquetas do pai biolgico. Mtodos confirmatrios moleculares so disponveis para alguns dos antgenos plaquetrios e testes sorolgicos para os anticorpos correspondentes so disponveis em alguns laboratrios.

    O tratamento inclui o uso materno de imunoglobulina (IgIV) com ou sem corticide, se a TNA diagnosticada durante a gestao. Aps o nascimento, alta dose de IgIV (400mg/kg/dia) por 3 a 5 dias capaz de aumentar as contagens plaquetrias do RN em 24 a 48 horas. Transfuses profilticas de plaquetas podem ser realizadas para o RN estvel e com plaquetas < 50.000/mm e para o RN instvel com plaquetas > 50.000/mm e, < 100.000/mm. Transfuses teraputicas devem ser realizadas nos episdios hemorrgicos independentemente do nmero de plaquetas. O Quadro 13 apresenta a seleo de plaquetas para transfuso em casos de trombocitopenia neonatal aloimune (TNA).

    Quadro 13 Seleo de plaquetas para transfuso em casos de TNASELEO

    Compatibilidade ABO/RhD1. Plaquetas notestadas para os antgenos podem ser usadas na ausncia de

    plaquetas compatveis especficas.2. Plaquetas compatveis especficas (antgeno negativas) sempre que disponvel. 3. Se plaquetas maternas forem utilizadas, reduzir o volume de plasma da unidade

    transfundida (reduo ou lavagem).Plaquetas desleucocitadasPlaquetas irradiadas para transfuso intrauterina

    Fonte: Raquel Baumgratz Delgado

    Dose e administraoPara a dose preconizada de 5 a 10 mL/kg, para plaquetas randmicas e por afrese, o incremento estimado de 50.000 a 100.000/mm. Para crianas com mais de 10 kg, uma unidade para cada 10 kg deve proporcionar o mesmo resultado. Para as menores, 1 unidade suficiente.

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    4.4 Transfuso de plasma fresco congelado (PFC)

    Consideraes geraisO plasma fresco congelado administrado para corrigir sangramentos por anormalidade ou deficincia de um ou vrios fatores de coagulao, quando os concentrados de fatores especficos no estiverem disponveis, na vigncia de alterao no coagulograma com o Tempo de Protrombina (PT) e/ou Tempo de Tromboplastina Parcial (TTPA) = 1,5x o valor do controle para a idade.

    IndicaesAs indicaes da transfuso de PFC em pacientes peditricos so similares quelas dos adultos, apenas com algumas indicaes especficas para o RN doente. Estas indicaes so baseadas em dados da populao adulta, devido limitada referncia de ensaios clnicos na populao peditrica. O Quadro 14 apresenta as indicaes de P