Habilidades Sociais Ajustamento Empatia

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    HABILIDADES SOCIAIS E AJUSTAMENTO:

    O DESENVOLVIMENTO DA EMPATIA1

    Eliane Falcone Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Alguns indivduos so capazes de compreender acuradamente os estados

    internos de uma outra pessoa e de demonstrar essa compreenso de forma sensvel e

    apropriada. Por essa razo, eles so considerados mais habilidosos socialmente.

    A habilidade de ler as emoes e perspectivas dos outros, acompanhada de

    uma disposio genuna para compreender, sem julgar e de demonstrar essa

    compreenso de tal maneira que a outra pessoa se sente compreendida e validada,

    conhecida como empatia (Guerney, 1987; Nichols, 1995).

    A empatia engloba componentes cognitivos, afetivos e comportamentais.

    O componente cognitivo da empatia caracteriza-se pela adoo de perspectiva,

    que compreendida como a capacidade de inferir acuradamente os sentimentos e

    pensamentos de algum. O componente afetivo da empatia caracteriza-se por uma

    tendncia a experimentar sinais de simpatia e de compaixo pelos outros, alm de

    preocupao genuna com o bem estar da pessoa-alvo. Essa tendncia conhecida

    como comportamento pr-social. O componente comportamental da empatia

    caracteriza-se por transmitir, de forma verbal e no verbal, um reconhecimento

    explcito dos sentimentos e da perspectiva da outra pessoa, de tal maneira que ela se

    sinta realmente compreendida ( Barrett-Lennard, 1993; Davis, 1980,1983 a, 1983b;

    Egan, 1994; Feschbach, 1992, 1997; Ickes, 1997; Eisenberg, Murphy & Shepard,

    1997). Para que um comportamento seja considerado emptico, necessria a

    presena desses trs componentes.

    Estudos sobre os efeitos sociais da empatia mostram que ela est relacionada

    a interaes sociais mais gratificantes, a casamentos mais duradouros, a maior

    sucesso profissional, alm da reduo de conflitos interpessoais e de rompimento

    (Brems, Fromme & Johnson, 1992; Burleson, 1985; Davis & Oathout, 1987; Ickes &

    Simpson, 1997; Long & Andrews, 1990).

    Por outro lado, os indivduos no empticos parecem carecer de inteligncia

    social e podem se tornar prejudicados no trabalho, na escola, na vida conjugal, nas

    1 Falcone, E., Habilidades sociais e ajustamento: O desenvolvimento da empatia. Em

    R.R.Kerbauy (Org.) Sobre Comportamento e Cognio: Conceitos, pesquisa e

    aplicao, a nfase no ensinar, na emoo e no questionamento clnico. So Paulo:SET Editora Ltda. Vol. 5, 2000.

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    amizades, nas relaes familiares, alm de correrem o risco de viver margem da

    sociedade (Goleman, 1995; Ickes, 1997).

    As diferenas individuais na capacidade para manifestar comportamento

    emptico so mais bem explicadas pelos estudos sobre desenvolvimento e

    aprendizagem social.

    Os estudos sobre desenvolvimento propem que os seres humanos j nascem

    predispostos a desenvolver empatia, para assegurar a sobrevivncia. As expresses

    emocionais so fontes importantes de informao social e regulam a reao da

    criana no convvio social (Thompson, 1992).

    O desenvolvimento da empatia parece ocorrer dentro de um continuum,

    comeando com manifestaes consideradas pr-empticas, que aparecem na forma

    de uma manifestao emocional ressonante, tal como um contgio emocional. No final

    desse continuum encontram-se as manifestaes empticas, envolvendo

    interpretaes acuradas de sinais afetivos e cognitivos mais sutis das outras pessoas

    (Thompson, 1992).

    Com apenas 1 semana de vida os bebs manifestam mal estar e pranto em

    resposta ao som dopranto de outro beb,embora no produzam nenhuma resposta

    semelhante frente a um som simulado de igual intensidade (Barnett, 1992; Hoffman,

    1992).

    Com cerca de dois a trs meses de idade, o beb comea a realizar uma sincronia

    afetiva com a me, atravs do jogo cara-a-cara. Com o passar do tempo, ocorre uma

    associao entre o sorriso da meea excitao prpria do beb. As expresses da

    me so convertidas em sinais poderosos para as expresses positivas do beb. Essa

    coincidncia de expresses prazerosas materna e infantil constitui a base para outras

    formasmais sofisticadas de empatia me-filho no futuro (Thompson, 1992).

    Com cinco meses, os bebs j podem discriminar expresses faciais de alegria,

    raiva, surpresa e outras emoes (Eisenberg, Murphy & Shepard, 1997; Thompson,

    1992).Em torno de 1 ano de vida os bebs so capazes de experimentar a mesma

    emoo manifestada por outra pessoa.Nesse estgio, a criana atua como se, o que

    ocorreu com o outro, tambm estivesse ocorrendo com ela (Hoffman, 1992;

    Thompson, 1992). Hoffman (1992) cita um exemplo de um beb de 11 meses que, ao

    ver um menino chorar, coloca o dedo na boca e esconde a cabea no colo da me, do

    mesmo modo que o faz quando se lamenta.

    Com cerca de 1 ano e 6 meses a criana j est consciente de que no a outra

    pessoa, emboraaindaconsidere os estados internos do outro como iguais aos seus(Hoffman, 1992). Nessa fase, a criana j comea a demonstrar preocupao com o

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    outro. Assim, quando algum est chorando, ela oferece o seu ursinho de pelcia.

    Esse comportamento de buscar soluo para o sofrimento do outro diminui o mal estar

    pessoal (Hoffman, 1992).

    Entre 2 e 3 anos, a criana comea a perceber que os outros possuem estados

    internos, subjetivos, diferentes dos dela. E que esses estados merecem ateno

    (Hoffman, 1992; Thompson, 1992). Entre 4 a 5 anos, ela comea a identificar as

    emoes e os desejos dos outros de forma mais acurada. Nessa fase, a criana

    reconhece que as crenas das outras pessoas podem serdiferentes das dela.Alm

    disso, ela j consegue explicar o comportamento dos outros, atravs da inferncia do

    que eles esto pensando (Eisenberg, Murphy & Shepard, 1997).

    Entre 9 e 11 anos, a criana j reconhece a comunicao verbal enganosa

    (quando as pessoas simulam ou tentam esconder as emoes) (Eisenberg, Murphy &

    Shepard, 1997).

    Na adolescncia o indivduo comea a formar conceitos sociais sobre as

    dificuldades de um grupo ou classe. quando surge a motivao para reduzir as

    dificuldades de grupos carentes(Hoffman, 1992).

    Estudos sobre aprendizagem social sugerem que o comportamento social possui

    um forte componente aprendido (Bandura, 1979; Caballo, 1991, 1993; Collins, &

    Collins, 1992; Del Prette & Del Prette, 1999; Matos, 1997).

    Atravs do contato com os pais, a criana pode aprender habilidades e valores

    importantes para uma boa interao social. Posteriormente, na escola, ela ir avaliar

    as prprias habilidades e a sua aceitao no grupo, ao se comparar com os colegas

    (Matos, 1997).

    Uma variedade de estudos tem relacionado algumas prticas parentais de

    educao com a aprendizagem de comportamento emptico e no emptico.

    Crianas que foram positivamente apegadas a suas mes costumam ser mais

    responsivas empaticamente aos sentimentos dos outros, mais cooperativas,

    entusiastas, persistentes e eficientes (Barnett, 1992; Matas, Arent & Stroufe, 1978;Stroufe, Fox & Pancake, 1983). O grau de responsividade parental ao pranto da

    criana e a todas as suas expresses de mal estar, bem como os padres de

    intercmbio verbal, so fatores apontados como influentes na vinculao do beb com

    a me (Barnett, 1992).

    A empatia parental tambm pode influenciar no desenvolvimento de

    habilidades empticas nos filhos atravs da modelao. Pais emocionalmente

    expressivos, que respondem com simpatia e preocupao aos sentimentos de

    impotncia e mal estar da criana, esto ensinando os filhos a expressar sentimentos

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    sem inibio e a responder empaticamente ao mal estar dos outros (Feshbach, 1992;

    Tomkis, 1963).

    Quando uma criana causa algum dano em outra e os seus pais levam-na a

    prestar ateno para o mal estar da vtima, estes esto reforando comportamento

    emptico e promovendo condutas pr-sociais (Hoffman, 1982).

    A quantidade de interaes sociais parece estar relacionada a experincias

    empticas. Assim, de acordo com Hoffman (1976, 1982), os pais devem incentivar os

    filhos a viverem experincias variadas e emoes freqentes, com o objetivo de

    estimular a sua sensibilidade frente aos sentimentos alheios. Uma criana

    superprotegida de experincias desagradveis e no estimulada a manifestar

    expresses abertas de mal estar, provavelmente ter dificuldades em empatizar com

    outras pessoas em apuros (Hoffman, 1976, 1982).

    Crianas estimuladas a obter um autoconceito positivo tornam-se mais

    inclinadas a empatizar com os outros do que aquelas que esto preocupadas com

    inadequaes pessoais (Feshbach, 1992; Strayer, 1983).

    A falta de empatia parental, o castigo fsico repetido e a orientao interpessoal

    marcadamente competitiva, constituem os padres de educao que prejudicam a

    aprendizagem da empatia.

    Pais que carecem de empatia so menos sensveis aos sentimentos e

    necessidades de seus filhos e tendem a ter filhos no empticos (Feshbach, 1992).

    Crianas fisicamente maltratadas manifestam mais transtornos e desajustes do

    que crianas no maltratadas. Crianas maltratadas tendem a ser retradas, a ter

    pouca auto-estima e a mostrar padres reativos de hostilidade e agressividade

    (Feshbach, 1992).

    Uma estimulao marcadamente competitiva gera na criana uma

    preocupao excessiva consigo mesma e isso interfere com a disposio para

    responder s necessidades dos outros (Barnett, 1992).

    Uma reviso de estudos feita por Cotton (s/d) aponta algumas prticas deeducao associadas de forma positiva e negativa com o desenvolvimento do

    entendimento e do comportamento emptico. As prticas positivamente associadas

    so: (a) comportamento responsivo, no punitivo e no autoritrio, por parte das mes;

    (b) explicar aos filhos os efeitos de seus comportamentos nos outros; (c) mostrar s

    crianas que elas tm o poder de fazer as pessoas felizes, sendo agradveis e

    generosas com elas; (d) modelar comportamento emptico e cuidadoso; (e) explicar

    criana que machuca ou aborrece os outros por que o seu comportamento

    prejudicial e dar a ela sugestes para corrigir as suas falhas; (f) encorajar a criana emidade escolar a discutir os prprios sentimentos e problemas com os pais. As prticas

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    de educao negativamente relacionadas ao desenvolvimento emptico so: (a)

    corretivos atravs de ameaas e punies fsicas para induzir a criana a agir

    corretamente; (b) comportamento inconsistente com a expresso das necessidades

    desta; (c) situaes em casa onde as mes sofrem abusos fsicos de seus maridos; (d)

    a proviso de recompensas extras ou subornos para eliciar bons comportamentos

    nas crianas.

    Concluindo, mesmo que j exista uma predisposio para o desenvolvimento

    da empatia, os fatores de aprendizagem so determinantes no desenvolvimento e

    refinamento dessa habilidade.

    Embora os padres parentais de educao sejam importantes no

    desenvolvimento da empatia, eles no so suficientes. Primeiro, porque as habilidades

    sociais podem se perder pela falta de uso (Caballo, 1991). Segundo, porque as

    pessoas continuam a desenvolver competncias sociais durante toda a vida, atravs

    de um processo natural de imitao de modelos sociais (Bandura, 1979) e da

    variedade de experincias interpessoais (Hoffman, 1982).

    Se, por alguma razo, essa aprendizagem no ocorre naturalmente, o

    indivduo, ainda assim, pode desenvolver habilidades sociais atravs de treinamento

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