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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI LUIZ FERNANDO DA SILVA JUNIOR HAVERÁ TV PÚBLICA NO BRASIL? Análise do papel da TV Educativa brasileira para compreensão dos rumos da TV Pública SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

LUIZ FERNANDO DA SILVA JUNIOR

HAVERÁ TV PÚBLICA NO BRASIL?

Análise do papel da TV Educativa brasileira para compreensão dos rumos da TV Pública

SÃO PAULO

2013

LUIZ FERNANDO DA SILVA JUNIOR

HAVERÁ TV PÚBLICA NO BRASIL?

Análise do papel da TV Educativa brasileira para compreensão dos rumos da TV Pública

SÃO PAULO

2013

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Sheila Schvarzman

S584h Silva Junior, Luiz Fernando da Haverá TV Pública no Brasil? Análise da TV Educativa brasileira para compreensão de rumos da TV Pública / Luiz Fernando da Silva Junior

2013. 117f.: 30 cm. Orientadora: Drª Sheila Schvarzman. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f.94-97.

1. Comunicação. 2. Televisão. 3. TV Pública. 4. TV Educativa. 5. Audiovisual. 6. Cultura. I. Título. CDD 302.2

LUIZ FERNANDO DA SILVA JUNIOR

HAVERÁ TV PÚBLICA NO BRASIL?

ANÁLISE DO PAPEL DA TV EDUCATIVA BRASILEIRA

PARA COMPREENSÃO DOS RUMOS DA TV PÚBLICA

Aprovado em 27 de Agosto de 2013

Profa. Dra. Sheila Schvarzman

Prof. Dr. Laurindo Lalo Leal Filho

Prof. Dr. Gelson Santana

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Sheila Schvarzman

Dedico este trabalho ao meu pai, meu primeiro e eterno

mestre. Seus ensinamentos estarão sempre comigo.

AGRADECIMENTOS

Sheila Schvarzman. Pela generosidade ao compartilhar seu vasto conhecimento no

campo do audiovisual. Um privilégio tê-la como orientadora.

Luiz Fernando Garcia e Ismael Rocha. Pela confiança de ambos conferida a mim,

que vem me permitindo constante crescimento profissional e pessoal, cuja trajetória

atual culmina na conclusão deste mestrado.

Teresa Otondo. Pela sabedoria compartilhada em tantos anos de trabalhos

realizados na Fundação Padre Anchieta e pela honra de ter aceitado meu convite

para a fase de qualificação deste mestrado. Suas indicações foram extremamente

valiosas, somente ampliando minha admiração por você.

Paulo Cunha. Seu apoio e amizade foram fundamentais para chegar a esta etapa

de minha vida acadêmico-profissional. Eternamente grato.

Rogério Ferraraz e demais competentes professores do Mestrado em Comunicação

da Anhembi Morumbi. Por acreditarem em mim, na pertinência do meu tema de

estudo e na possibilidade de contribuição à instituição.

Thais Carrapatoso. Por tantas discussões e informações sobre o tema televisão e

TV pública, que tanto contribuíram para ampliar minha visão sobre o assunto e que

estão presentes neste trabalho. Muito grato em ter uma profissional como você ao

meu lado.

Demais colegas da ESPM e Fundação Padre Anchieta. Por manter a eterna

perseverança em oferecer sempre o melhor, sem temer obstáculos.

Minha família e amigos. Contribuição de vida. Sem vocês eu não seria ninguém.

À TV Cultura. Por me permitir crer que é possível trabalhar por uma causa dentro do

meio televisivo.

“A televisão é um influente meio de comunicação. Tem imensa capacidade de

mobilizar e influir na opinião pública. Por isso especial atenção deve ser dada

ao seu papel em favor da democracia. É essencial, para preservar nossa

liberdade política, que tenhamos acesso a uma variada gama de informação,

debate e expressão, necessária para uma plena e responsável participação

da sociedade. A televisão é o principal meio pelo qual os valores culturais são

transmitidos na sociedade moderna. Junto com jornais e revistas, a televisão

é o espelho da vida política e social na sociedade e janela pela qual vemos os

outros.”

Relatório Tongue, Parlamento Europeu, 1996 1

1 Apud Otondo, 2012, p.59

RESUMO

Esta dissertação tem como foco analisar o papel da TV educativa brasileira para compreensão de rumos que esta pode vir a assumir no cenário audiovisual brasileiro como TV pública, bem como obstáculos a enfrentar neste percurso. A onipresença da televisão nos lares brasileiros e o uso frequente e relevante que a população faz deste meio levaram à busca pelo entendimento de sua utilização para o intercâmbio cultural e a difusão de informações em nosso país. A pesquisa levou a estabelecer relações entre as origens da TV pública brasileira e europeia, bem como as limitações que a própria cultura televisiva nacional impõe ao desenvolvimento do modelo no país. Mais especificamente, a trajetória da introdução do conceito de TV pública no Brasil é analisada a partir do caso TV Cultura de São Paulo – não somente por entendermos ser esta a mais relevante emissora educativa em atividade no país, mas especialmente por ter sido a responsável por introduzir a discussão do conceito de televisão pública ao cenário brasileiro. Os dez anos definidos para estudo mais aprofundado da TV educativa paulista – 1998 a 2008 - representam a aproximação da referida emissora com o mercado publicitário e mudanças de relações de gestão com o governo do Estado de São Paulo, ambos os fatos com impactos diretos e indiretos em decisões de programação. Por meio da observação dos caminhos traçados pela TV Cultura, desde a sua criação e com maior ênfase ao período acima referido, a dissertação investiga o papel do meio TV no atual estágio da comunicação social e, mais especificamente, observa o desenvolvimento de uma TV pública brasileira frente aos desafios impostos pelas mudanças nas relações midiáticas da atualidade. “Haverá TV pública no Brasil?” Neste trabalho assumo o risco em indicar papéis que as TVs educativas devam assumir para implantação, de fato, do conceito no país, alicerçado pelos conhecimentos fornecidos por dois anos de estudo para conclusão deste mestrado, aliados aos mais de dez anos que dediquei profissionalmente à TV Cultura de São Paulo. Palavras-chave: Televisão. TV Pública. TV Educativa. Audiovisual. TV Cultura.

ABSTRACT

This research focuses on analyzing the role of Brazilian educational television for understanding directions that it may come to assume in Brazilian audiovisual scenario as public TV, as well as obstacles to face in this route. The ubiquity of television in Brazilian homes and the frequent and relevant use of this media to the population led to the search for understanding of its use for cultural exchange and dissemination of information in our country. The investigation led to establish relationships between the origins of Brazilian and European public television as well as the limitations that national television culture itself imposes on development this concept in Brazil. More specifically, the path of the introduction of public TV concept in Brazil is analyzed from the case Cultura TV from São Paulo - not only because we believe that this is the most relevant educational broadcaster working in this country, but especially for having been responsible for introducing the discussion about the concept of public television to the Brazilian scenario. The ten years set for further study of this educational television - 1998-2008 - represent the approach of that broadcaster with the advertising market and changes in management relations with the government of the State of São Paulo, both facts with direct and indirect impacts in programming decisions. By observing the paths traced by Cultura TV, since its inception, and with greater emphasis on the period mentioned above, the dissertation investigates the role of media TV in the current stage of social communications and, more specifically, observes the development of a Brazilian public television and the challenges posed by changes in media relations today. “There will be public TV in Brazil?” In this research I assume the risk of indicating papers that the educational TVs should take to implement, in fact, the concept in our country, supported by the expertise provided by two years of study to complete this master’s degree, combined with more than ten years professionally dedicated to Cultura TV from São Paulo. Key-words: Television. Public TV. Educational Television. Audio-visual. Cultura TV.

SUMÁRIO

Introdução ....................................................................................................... 1

Capítulo I : O contexto do lançamento e do desenvolvimento da

TV pública em nosso país ............................................................................ 12

1.1 A TV pública: como se deu a formulação do conceito ........................... 17

1.2 Breve história da televisão enquanto meio de comunicação e

informação no Brasil e impactos na trajetória da TV educativa ................... 20

1.3 O papel do meio TV no Brasil e o espaço para a TV pública ................ 34

Capítulo II : A TV Pública no Brasil e a cultura televisiva nacional .......... 41

2.1 Origens: cinema documentário, cinema educativo. TV educativa,

TV pública .................................................................................................... 43

2.1.1 O Brasil descobre a educação via audiovisual ................................ 48

2.1.2 E a educação chega à televisão ..................................................... 54

2.2 Limitações da TV educativa brasileira: análise da telenovela na

construção da indústria televisiva nacional .................................................. 58

2.2.1 O distanciamento do público e da TV educativa ............................. 64

2.3 Programação infantil é a maior vocação da TV educativa? ................... 66

Capítulo III : TV Cultura de São Paulo: êxitos e vícios (1998-2008) .......... 74

Considerações finais .................................................................................... 85

Referências bibliográficas ........................................................................... 94

Apêndices ...................................................................................................... 99

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEPEC – Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais

ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações

ANDI – Agência de Noticias dos Direitos da Infância

BBC – British Broadcasting Company

CONAR - Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária

DNP - Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural

DRO - Departamento de Receitas Operacionais

DTH – Direct-to-Home

DVD – Digital Versatile Disc

DVR – Digital Video Recorder

ELETROS – Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos

EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações

FCC - Federal Communications Commission

FPA – Fundação Padre Anchieta

GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas

HDTV – High Definition Television

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAF - Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

INCE – Instituto Nacional do Cinema Educativo

INC – Instituto Nacional de Cinema

MEC – Ministério da Educação (no caso da Rádio MEC, a sigla quer dizer Música,

Educação e Cultura)

MTV – Music Television

NBC – National Broadcasting Company

PBS – Public Broadcasting Service

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

RAI – Radiotelevisione Italiana

RPTV – Rede Pública de Televisão

RTP – Rádio e Televisão Portuguesa

TVE – Televisión Española

TVE/RJ – TV Educativa do Rio de Janeiro

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Figura 1 – Campanha Programação 2008 TV Cultura ................................ 66

Figura 2 – Imagem dos canais por gênero de programas ......................... 69

Figura 3 – Intersecção dos Setores............................................................. 93

1

INTRODUÇÃO

2

INTRODUÇÃO

“Ninguém gosta da televisão. Só o povo.”

Alvin Toffler

Certamente, ao abordar o século XX, entre menções a grandes guerras e

transformações socioeconômicas, os livros de História terão sempre que incluir

citações referentes aos avanços dos meios de comunicação no período.

Uma sucessão de inventos permitiu, nesse curto espaço de tempo – ao

considerar a presença do Homem sobre a Terra -, aproximar povos e levá-los a

possibilidades de interação e comunicação como nunca antes possíveis.

Se o início do século XX trouxe o deslumbramento com o cinema -, não

somente como entretenimento audiovisual, mas especialmente como possibilidade

de divulgação de eventos à distância e de perenidade dos mesmos -, a chegada do

século XXI viria a proporcionar, por meio da integração digital, o rompimento de

fronteiras e eliminação de distâncias.

Na metade do século, os lares de diversas partes do mundo se encantavam

ou, ao menos, almejavam ter acesso a mais um avanço criado pelo homem: a

televisão. Em pouco mais de cinquenta anos, a TV viria a suceder telefones, rádios e

geladeiras como o mais desejado e adquirido aparelho doméstico, especialmente

nos domicílios brasileiros.

Sua concepção criativa alimenta-se do cinema, ao possibilitar também a

difusão à distância de formas de manifestação artística e cultural. Difere, entretanto,

pela maneira de difundi-las, ao utilizar sinais eletromagnéticos, e também por sua

presença doméstica e suas funções relacionadas ao consumo.

Ainda que a Alemanha do entre guerras tenha sido a primeira a realizar

transmissões televisivas, em 1935, pode-se afirmar que a Inglaterra veio a ser a

nação a mais rapidamente apropriar-se daquele novo meio de comunicação.

Pioneira na transmissão contínua de conteúdos televisivos, em 1936 entrou no ar

aquela que é considerada a primeira emissora de televisão: a inglesa BBC.

Além da inovação proporcionada pelo serviço diário de TV aberta, a BBC

também já introduzia, naquele momento, o conceito de “TV pública”. Tal

conceituação traduz-se, resumidamente, neste trabalho, por meio da formulação

adotada pela Fundação Padre Anchieta/TV Cultura de São Paulo, a partir de 2004,

3

que indica ser pública “uma televisão compromissada com a população, com

equilíbrio de independência do poder político e do poder de mercado.” 2

Foi a mesma TV Cultura, emissora educativa do Estado de São Paulo, a

responsável por importar da Inglaterra o termo “TV pública” para uso nacional,

meados da década de 1980. A utilização do termo, em apresentação pública, é

percebida a partir da participação do diretor-presidente em exercício na ocasião,

Roberto Muylaert, em simpósio realizado na USP-ECA, em junho de 19893. Seu

objetivo com a adoção da definição era diferencia-la do entendimento comum

vigente, até hoje, de serem as TVs educativas sinônimos de TVs Estatais.

Pautadas pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo regime militar entre

1964 e 1985, as TVs educativas brasileiras – entre elas a TV Cultura - “foram

criadas com vocação formalmente educacional, com foco para o ensino à distância.”,

ressalta Milanez (2007, p.33).

Duas importantes questões emergem do parágrafo anterior: a educação

televisiva como parte do projeto de desenvolvimento do regime militar e o foco

restrito de tal programação à educação instrucional, com evidente oposição às

características de entretenimento intrínsecas ao meio TV. Braga (1999) afirma a

respeito do segundo item que

“Duas ‘lógicas’ diferentes presidem o funcionamento da Educação e da TV. Objetivos, procedimentos, estruturas, institucionalização, a própria história – da escola e da televisão – são tão diversos que a expectativa é a do desencontro.” (BRAGA apud CARNEIRO, 1999, p.13)

A oposição entre educação e entretenimento encontra-se evidenciada em parte da

formulação do conceito da TV educativa como “negação da televisão comercial”, a

qual ressalta Carneiro.

“Manifesta-se na produção de programas educacionais pela adoção de formas racionais e analíticas eficazes do ponto de vista didático, em detrimento da perspectiva de utilizar recursos dramáticos popularizados pelo cinema e pela televisão comercial. Traduz-se no modelo clássico de programa pedagógico identificado como extensão escolar, que entrou em conflito com as expectativas, do receptor, do divertimento na televisão.” (CARNEIRO, 1999, p.17)

2 Definição utilizada em materiais de apresentação elaborados e divulgados pela TV Cultura de São Paulo em 2004.

3 Simpósio acadêmico denominado “20 Anos de TV Pública em São Paulo”, cujos conteúdos apresentados foram organizados

em livro de mesmo nome, organizado por Leal Filho e constante na bibliografia desta presente dissertação.

4

Ainda que indicasse não haver intenção de substituição das salas de aula

pela programação televisiva educativa e nem mesmo concorrer quantitativamente

com as TVs comerciais - como explicitado, por exemplo, em documento de 1979

voltado a determinar diretrizes para a TVE-RJ publicado por Milanez (2007, p.97) -, a

TV educativa brasileira tinha um papel a cumprir junto ao governo ditatorial vigente:

difundir sua ideologia.

“Como consequência desse ambiente político, as emissoras

educativas brasileiras guardam as marcas dos anos da ditadura.”

(MILANEZ, 2007, p.33)

Logo, após o encerramento do período ditatorial, especificamente a TV

Cultura buscou meios para demonstrar à sociedade credibilidade e segurança em

relação a definições internas da emissora, sejam de gestão ou editoriais. A adoção

do conceito de “TV pública” aliada ao lançamento de novos programas somente

possíveis pós-ditadura, como Roda Viva (1986- )4 – programa sucessor do Vox

Populi, produzido pela mesma emissora - tinham objetivo de afastar a imagem de

Estatal e de fragilidade institucional proveniente da percepção da população em

geral quanto ao funcionamento de órgãos públicos. Destaca Otondo (2008) que

“Quando a televisão se identifica com o governo, não é pública. Se esta afirmação é verdadeira, poderíamos dizer que não existe televisão pública na América Latina. Teríamos a rigor televisão estatal, com todos os seus conhecidos ‘defeitos’: estrutura centralizada, subordinação financeira, burocracia administrativa, programação subordinada a interesses políticos e de governo, cargos preenchidos por indicação, controle da informação e nenhuma transparência nas contas. A questão, no entanto, não é tão simples assim. Não existe uma definição ou receita pronta do que venha a ser uma televisão pública, nem um modelo único que se adapte a qualquer país.” (OTONDO, 2008, p. 44)

A difícil tarefa de estabelecer uma definição ao termo “serviço público de

televisão” merece destrincha-lo, como o fez Leal Filho, a partir de seus estudos

sobre a TV pública na Europa:

4 N.A.: os programas televisivos aqui citados apresentam, entre parênteses, o ano da primeira veiculação de material inédito e

da última. No caso de ainda estar sendo estar em produção de materiais inéditos, somente estará indicado o primeiro ano.

5

“Trata-se, em primeiro lugar, de um serviço, o que indica a existência de uma necessidade da população, que precisa ser atendida. E público, porque, segundo os idealizadores do modelo, é um atendimento especial que não pode ser feito por empresas comerciais ou órgãos estatais. Os veículos prestadores desse serviço devem ser públicos e, por isso, mantidos total ou parcialmente pelo público. Só assim seriam capazes de dar conta da sua vocação cultural.” (LEAL FILHO, 1997, p. 18)

De forma mais abrangente, pode-se entender as características de um serviço

público de televisão como aquele que atende aos princípios básicos estabelecidos

pelo Broadcasting Unit Research, órgão independente de pesquisas mantido pela

BBC, no documento “The Public Service Idea in British Broadcasting – Main

Principles” 5:

1. Universalidade geográfica: os serviços devem ser oferecidos para todo o conjunto da população, assim existe o direito de acesso aos serviços de água ou recepção dos correios. 2. Apelo universal: os serviços devem ser oferecidos para todos os gostos e interesses. 3. Universalidade de pagamento: pelo menos a principal organização de radiodifusão deve ter seus serviços pagos por todos os usuários. Leal Filho destaca ser este o único meio de evitar os riscos de quebra de independência. 4. Independência: distância dos interesses particulares e principalmente do “governo do dia”. 5. Identidade nacional e comunidade: os produtores devem ter uma preocupação especial com os sentimentos de identidade nacional e comunitária. 6. Minorias: atenção especial deve ser dada às minorias, especialmente as menos favorecidas. 7. Competição: deve ser estimulada para encorajar a competição por bons programas, mais do que por números. 8. Criação: devem servir mais para dar liberdade aos projetos dos produtores, do que para restringi-los.

Mais de 70 anos depois do início de suas primeiras transmissões, a British

Broadcasting Corporation tem buscado se manter fiel a sua missão e é sinônimo de

programação de alta qualidade, como atesta Leal Filho, Leal Filho (1997) apud

Rocha (2003, p. 12) indica ser “a televisão britânica um padrão de qualidade a ser

seguido pelas demais TVs públicas no mundo”.

Seguindo esse caminho, a Europa viu, durante a segunda metade do século

XX, outras emissoras públicas iniciarem suas transmissões e também alcançar

5 LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A melhor TV do mundo. São Paulo: Summus, 1997 p. 60-63

6

relevância internacional, tais como a italiana RAI (1954), a portuguesa RTP (1955), a

espanhola TVE (1956), entre outras.

Qual razão de, apesar da forte relação de nosso país com a Europa, a história

nos mostrar que, de maneira geral, a televisão educativa brasileira não atingiu,

plenamente, o conceito de pública e nem as mesmas proporções de suas coirmãs

europeias?

O cenário social, político e econômico do pós-guerra na Europa e a

percepção das possibilidades que a televisão, como meio abrangente e doméstico,

poderia fornecer em apoio à reconstrução das sociedades atingidas diretamente

pelo conflito (como pode ser visto no Capitulo 2.1, pág. 43), oferecem evidente

resposta ao questionamento, mas não o abrange plenamente.

No Brasil, diferente de sua origem europeia, o meio TV foi implantado a partir

do modelo privado/comercial, importado por Assis Chateaubriand diretamente dos

Estados Unidos e totalmente financiada pelo que eram grandes empresas nacionais.

Na América do Norte, a TV já nasceu com valores e formato comercial, com as

primeiras transmissões da NBC, apenas três anos após a pioneira BBC de Londres.

Pouco mais de uma década depois, “Chatô” inaugurou a TV Tupi, em São Paulo,

colocando também o Brasil em atuação no mercado televisivo mundial, mas

seguindo o modelo americano, este voltado para o interesse comercial e sem

vínculo político com a sociedade e com políticas públicas.

Somente após 1964 o Brasil ingressou nesta modalidade educativa. Foram os

governos estaduais que perceberam o potencial do meio TV para expandir seus

projetos de formação escolar e da identidade nacional. Em 1969 foram iniciadas as

transmissões da TV Cultura de São Paulo, ainda hoje reconhecida como uma das

mais importantes emissoras educativas sul-americanas e com relevância

internacional.

Ao longo dos anos, outras tantas surgiram - incluindo a recente TV Brasil

(2007), diretamente relacionada ao Governo Federal -, sempre ligadas a alguma

instância de governo e percebidas, em geral, como autoras de produções de

questionável qualidade e como possíveis espaços para acomodação de interesses

da máquina governamental.

A partir dos argumentos apresentados se evidencia a necessidade de, já

neste momento introdutório da dissertação, esclarecer os termos “TV educativa” e

7

“TV pública”, para que este trabalho não contribua para perpetuar confusões que

existem até hoje sobre o papel e o lugar da TV pública.

Através de consulta ao conteúdo disponível em site da ABEPEC – Associação

Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais6, conjuntamente à

observação de legislação voltada a telecomunicações e análise de artigos de

especialistas foi possível observar o que compõe o denominado, atualmente,

“campo público de televisão”. Seria este formado pelas TVs que atuam como

educativas, culturais, universitárias e comunitárias, tendo em comum entre elas sua

condição jurídica sem fins lucrativos.

Por este entendimento, o campo público de televisão seria apenas a junção

de todas as emissoras não-comerciais. Mas tal informação não contribui,

integralmente, para o entendimento do que seriam “público” e “educativo”, focos

deste trabalho.

Se o conceito fosse tão simples, bastando apenas não ter fins lucrativos e

apresentar programação que contivesse mínimo interesse público, por que o tema

“TV pública” mereceria tanto espaço em acalorados debates e fóruns? Pode-se

afirmar que o conceito de TV pública pode englobar os tipos de emissoras indicados,

mas isso não quer dizer que cada uma das atuações televisivas - entre educativas,

comunitárias, estatais e outras -, automaticamente as tornam “públicas”.

O conceito de “televisão pública” adotado por este trabalho abrange os

demais indicados anteriormente, tais como os publicados pela Fundação Padre

Anchieta e pela Broadcasting Unit Research – vide páginas 03 e 05,

respectivamente -, além das definições englobadas pelo denominado “Relatório

Tongue” 7, que indica, segundo Otondo, que

“(...) o setor público de televisão é um espaço onde o cidadão informado encontra a representação plural da sociedade, pode expressar suas próprias opiniões e participar do debate comum que forma a opinião pública. (...) E acrescenta ainda as principais características que distinguem a televisão pública (...):

Acesso universal a todos os cidadãos;

Referência identitária dos cidadãos nacionais e europeus 8;

Acesso a variada gama de opinião, debate e informação detalhada;

Ampla gama de programas à escolha;

6 www.abepec.com.br. Acessado em Novembro/2011

7 Desenvolvido pela Comissão de Cultura, Educação, Esportes e Mídia do Parlamento Europeu, em 1996. Buscava estabelecer

as bases politicas e legais para regulamentar e garantir uma televisão pública forte na era digital. 8 Relatório desenvolvido para a comunidade europeia

8

Independência política, editorial e financeira” (OTONDO, 2012, p.58-59)

A análise de cada um dos pontos destacados anteriormente, voltados ao

entendimento do conceito de “TV pública”, permite confirmar as considerações

estabelecidas aqui, ao observar: o acesso restrito a assinantes por parte das

emissoras do grupo em questão, exceto as educativas, por serem de sinal aberto; as

relações diretas com órgãos governamentais em todos os casos, em maior ou menor

proporção; e as limitações oferecidas quanto à variedade de programação e

possibilidade de emissão de opiniões variadas.

Confirma-se também que, ainda que as emissoras educativas – grupo do qual

faz parte a TV Cultura – apresentem, atualmente, programação que “não tem um

caráter estritamente educativo, como ocorria no início das transmissões dessas

emissoras”, como indica Fradkin (2007), isso não é suficiente para considera-las

“TVs públicas”.

Portanto, percebe-se que, passados mais de 40 anos do lançamento da TV

Cultura, algumas questões vitais ainda carecem de uma profunda reflexão: quais

caminhos a vislumbrar para a televisão pública neste país? Com a ampliação dos

meios de comunicação, maior acesso da população a informações das mais

diversas fontes, há relevância em oferecer conteúdos informativo-educacionais? Se

o conceito de “pública” é ser uma emissora voltada à sociedade, cabe discutir sua

integração político-estatal? Se a TV Pública só funcionaria com total independência

não somente governamental, mas também em relação às regras impostas pelo

mercado, como entendem diversos estudiosos, quais podem ser suas bases de

sustentação econômico-financeira? Ainda estaria a população disposta a financiar

um serviço público de televisão em nosso país? Caso positivo, qual tipo de emissora

pública?

Tais questionamentos dão margem a diversos desdobramentos, incluindo a

discussão do futuro do próprio mercado independente de produção audiovisual

brasileiro, tão sedento de espaço para desenvolvimento e exibição de seus

trabalhos, mas historicamente excluído das programações das grandes emissoras. E

que, sobretudo, se vê em meio a uma ininterrupta transformação no ambiente

midiático, gerada não apenas pelo meio TV.

9

O presente trabalho busca, ao longo de cada capítulo, respostas a tais

indagações primordiais, com a finalidade de analisar o papel da TV educativa

brasileira para compreensão de rumos que esta pode vir a assumir no cenário

audiovisual brasileiro como TV pública. Bem como obstáculos a enfrentar neste

percurso.

O primeiro capítulo deste estudo estabelece a relação entre Estados

autoritários e o desenvolvimento tecnológico do meio TV, nas décadas de 1930 e

1960. Tal conexão será observada no Brasil e em outros países e está presente na

essência da TV pública. O capítulo também apresenta, brevemente, as fases de

desenvolvimento da TV no Brasil, a partir do momento de sua chegada ao país, com

ênfase no foco deste estudo, a evolução da TV educativa nacional relacionando-a

com contextos históricos.

A abordagem deste primeiro capítulo busca não apenas o entendimento do

papel do meio TV, mas também o entendimento de sua utilização para o intercâmbio

cultural e a difusão de informações em nosso país.

O segundo capítulo busca estabelecer pontos de contato entre as origens da

TV pública no Brasil e na Europa – neste último caso, mais precisamente, na sua

origem inglesa. Para tanto, instituiu-se um recorte de duas décadas específicas: as

de 1930 e 1960, nas quais, respectivamente, iniciaram as transmissões públicas da

BBC na Inglaterra e da TV Cultura no Brasil – as emissoras pioneiras na instituição

do modelo nos respectivos países.

É possível, ao analisar a trajetória das produções audiovisuais em ambos os

períodos referidos, observar relações estreitas entre o pensamento cinematográfico

dominante em cada um dos dois momentos em foco e a formação dos conteúdos

dos serviços públicos de televisão. Mais precisamente, os movimentos do cinema

documentário encontram ecos na construção da televisão educativa, podendo essa

ser percebida como a herdeira dos propósitos educativos dos documentários da

primeira metade do século XX.

É possível também, ao observar a trajetória das produções audiovisuais ao

longo do desenvolvimento da indústria televisiva nacional, levantar e analisar

hipótese de que além dos documentários, outros dois gêneros de programação, em

especial, estabeleceram as possibilidades de atuação – e limitações - da TV pública

brasileira: o infantil e a telenovela.

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Os programas infantis representam o maior êxito em audiência e crítica da TV

educativa brasileira – especialmente na década de 1990. A virada do século -

possivelmente pela diversificação tecnológica dos meios de comunicação, aliada à

baixa renovação de conteúdos exibidos – apresenta grave declínio dos índices.

E por último, mas não menos importante, o referido capítulo traz subsídios

para aferir que o alcance das novelas no Brasil seria um dos mais fortes motivos

para a reduzida participação do modelo público de televisão no país, ao modelar a

indústria televisiva.

Este trabalho utiliza a TV Cultura de São Paulo como um foco investigativo e

em especial em seu terceiro capítulo, a ela dedicado. A educativa paulista foi

escolhida não apenas por ser a mais relevante quanto à produção e repercussão

junto público e crítica – observada por meio de pesquisas e premiações nacionais e

internacionais -, mas especialmente por ser esta a emissora que introduz no Brasil

os conceitos de TV pública.

O referido capítulo engloba, em especial, a observação da TV Cultura no

período entre 1998 e 2008. Os dez anos foram definidos para estudo mais

aprofundado por representarem o período de aproximação paulatina da emissora

com o mercado publicitário, buscando novas fontes de receitas complementares à

dotação orçamentária decrescente proveniente do Governo do Estado de São Paulo,

bem como mudanças de relações de gestão entre a emissora e o governo.

Além disso, foi justamente nesse período que passei a trabalhar na TV

Cultura, em sua área voltada à captação de receitas. Assim, desse trabalho faz parte

também o meu testemunho de uma experiência onde todas essas questões faziam

parte da ordem do dia.

Os principais operadores conceituais desta dissertação encontram-se nas

visões históricas de Teresa Otondo (2012), Laurindo Leal Filho (2006 e outros),

Sheila Schvarzman (2004) e Sérgio Mattos (2010) e em conceituações teóricas de

autores como Gelson Santana (2007), Jean-Louis Missika (2006), Dominic Wolton

(2008) e Zygmunt Bauman (2008), entre outros.

O trabalho utiliza estas referidas fontes, entre outras, para indicar o paralelo

entre a TV comercial e a pública, onde a primeira volta-se ao telespectador-

consumidor e a segunda tem a missão voltada ao telespectador-cidadão.

Como metodologia adotada, a dissertação se utilizou, em especial, de análise

e estudo comparativo entre os documentos listados na bibliografia, relacionados às

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áreas de televisão e produção audiovisual; e do levantamento de referências

internacionais – históricas e atuais – de canais de TV pública através de bibliografia

e documentação especifica, de materiais audiovisuais e documentários.

Por fim, em síntese, o conjunto de conteúdos desta dissertação propõe-se a

contribuir com o questionamento mais amplo que pode ser percebido neste estudo:

quais os rumos para a televisão pública no Brasil?

12

CAPÍTULO I

13

CAPÍTULO I: O CONTEXTO DO LANÇAMENTO E DO DESENVOLVIMENTO DA

TV PÚBLICA EM NOSSO PAÍS

Setembro de 1950. Fatos e mitos se entrelaçam e marcam a história do início

das primeiras transmissões oficiais de conteúdos televisivos no país.

Segundo Mattos (2010, p. 87) “os primeiros anos da televisão, tanto da Tupi

de São Paulo como da Tupi do Rio, foram marcados pela falta de recursos e de

pessoal e de improvisações”. O primeiro dia não poderia ter sido diferente.

Nos estúdios preparados pela equipe de Assis Chateaubriand para a

inauguração da TV Tupi de São Paulo, as primeiras transmissões daquele marcante

décimo oitavo dia do mês de Setembro iniciariam ao som e imagem do Cisne Branco

com orquestra de Georges Henry - também diretor da emissora -, e encerrariam com

o Hino da TV 9, a ser entoado por Hebe Camargo. Uma alegada rouquidão a levou à

substituição, rapidamente, pela atriz Lolita Rodrigues (RIXA, 2000), já indicando as

necessidades intrínsecas ao momento daquele novo meio, com suas atuações ao

vivo e importações de formatos, artistas e técnicos do cinema, teatro e rádio.

Enquanto isso, populares tinham acesso à novidade em bares, lojas e

calçadas da capital paulista. 200 aparelhos foram importados, às pressas, por

Chateaubriand – alguns diriam “contrabandeados” (JÚNIOR, 1998 apud MATTOS,

2010, p. 86) -, e dispostos nas ruas, após um engenheiro da NBC – em colaboração

ao lançamento da Tupi -, alertá-lo de que não haveria quem pudesse assistir às

transmissões, por falta de equipamentos entre a população. (MORAIS, 2001, p. 500)

Apesar desta data oficial de “lançamento”, a nova invenção que viria a

rapidamente conquistar o país, no entanto, já havia chegado a estas terras há mais

tempo.

Segundo Rixa (2000, p. 28), consta que, ainda em 1936 – ano em que a

Europa já via surgir a BBC, ressalta-se -, Roquete Pinto realizou transmissões

experimentais de imagens no Rio de Janeiro, com relativo sucesso.

9 Hino da Televisão (Música de Marcelo Tupinambá e Letra de Guilherme Almeida). “Vingou, como tudo vinga/No teu chão,

Piratininga/A cruz que Anchieta plantou:/Pois dir-se-á que ela hoje acena, /Por uma altíssima antena/Em que o cruzeiro poisou./E te dá, num amuleto,/O vermelho, branco e preto/Das contas do teu colar./E te mostra, num espelho,/O preto, branco e o vermelho/das penas do teu cocar. (RIXA, 2000, p. 101). Segundo Braune (2007, p.20), por meio desta canção, Chateaubriand fez alusão aos índios que tanto admirava – daí viriam as TVs Tupi, Itacolomi, Anhanguera, entre outras -; além das três cores da bandeira do Estado de São Paulo.

14

Mas foi em 1939 que o grande público fluminense pôde estar em contato com

aquela tecnologia que viria a ser descrita, anos à frente, no discurso de

Chateaubriand na ocasião de inauguração da Tupi, não somente como “uma

máquina que dá asas à fantasia mais caprichosa”, mas também como aquela que

mais teria capacidade de “influir na opinião pública” (SACRAMENTO, 2010, p. 19).

Sob patrocínio do Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural

(DNP) do Governo Getúlio Vargas em associação com a Repartição de Correios do

III Reich, foram realizadas demonstrações de televisão em um pavilhão da Feira de

Amostras do Rio de Janeiro daquele ano. Tal relação entre Estados autoritários e o

desenvolvimento tecnológico do meio TV poderá ser observada no Brasil e em

outros países – o que somente reforça a percepção de “Chatô”, citada

anteriormente.

Percebe-se, ao longo da história, que os meios audiovisuais partem de um

mesmo princípio e se acrescentam, complementam e se provocam. França (2009)

comenta que

“Apesar dos alarmistas, que estão sempre anunciando o fim disto e daquilo, a experiência histórica vem mostrando que novos meios não vêm substituir formas anteriores, mas provocar modificações e adaptações, reconfigurando continuamente o ambiente midiático de uma sociedade. Diferentes mídias se alimentam e se estimulam reciprocamente; a TV tem sabido conviver bem com a internet, se apropriar de seus recursos e estabelecer com ela uma relação não de concorrência, mas de extensão.” (FRANÇA, 2009, p. 28)

No processo de desenvolvimento do audiovisual - da fotografia à televisão,

passando pela indiscutível importância do cinema e incluindo as possibilidades

provenientes da Internet -, apresenta-se a busca do Homem pela eternidade do

momento e por apresentar acontecimentos ocorridos e/ou realizados à distância,

para outros.

Segundo a professora doutora e pesquisadora Laura Loguercio Cánepa

(2010), “ao levantarmos as origens do cinema, é difícil estabelecer datas e nomes

inaugurais, pois o cinema é parte de um processo longo, amplo e ramificado de

experiências no campo da projeção de imagens”.

Por meio de observação da sucessão dos estudos e experimentos de Niépce,

Daguerre, Edison, Lumière e Melliès, entre outros, alcança-se a proximidade da

chegada do século XX e o início do hoje denominado “primeiro cinema”. Tais nomes

15

citados anteriormente abrangem estudos realizados em fotografia (imagem estática)

e cinema (imagem em movimento) ao longo de mais de um século de história, tendo

como marco a apresentação, em 1895, do cinematógrafo dos irmãos Lumière.

Por mais que quase três décadas separem tal acontecimento daquela que é

considerada a primeira demonstração pública da tecnologia da televisão, realizada

em 1923 pelo escocês John Logie Baird, na Inglaterra, a sequência de experimentos

que conduziram àquela data têm registros já em 1873 (MATTOS, 2010, p. 189). Ao

longo dos cinquenta anos que distanciam a descoberta das propriedades

fotocondutoras do selênio até a demonstração de Baird, cientistas americanos,

alemães, escoceses, russos e franceses se sucederam em estudos na busca da

transmissão de imagens por meios elétricos. É notório, como colocado por Miller

(2010 p. 11) que, desde que Graham Bell desenvolveu o telefone, em 1870, “a

televisão sempre fez parte de nossas fantasias”. O próprio inventor, na ocasião, já

elucubrava uma maneira de aliar aquele novo aparato também com a transmissão

de imagens.

Todo esse processo corria em paralelo às descobertas relativas à fotografia e

ao cinema.

Quando a década de 1930 veio a deslumbrar o mundo com exibições de

imagens à distância na Alemanha (1935), Inglaterra (1936) e Estados Unidos (1939)

(RIXA, 2000, p. 20), o desenvolvimento tecnológico do cinema já apresentava, como

grande marco, a sincronização do som e imagem, além de sua já desenvolvida

narrativa clássica. Devido a esse referido avanço tecnológico, o filme “O Cantor de

Jazz” (1927), com Al Jolson, maravilhou as plateias das salas escuras, tanto quanto

os lares viriam a se maravilhar com suas pequenas “caixas com imagens” nos anos

seguintes.

O momento histórico que contempla 1914 a 1945, com a sucessão de guerras

e acontecimentos internacionais que fortaleceram os conflitos mundiais, se, por um

lado provocou avanços tecnológicos, por outro levou à descontinuidade de

produção. O cinema clássico refletiu o período “entre – guerras” em diversas

localidades, tais como EUA, França, Itália, Rússia e Japão. A recém-chegada

televisão, no entanto, viu suas transmissões interrompidas em quase todos os locais

aos quais havia chegado na década de 30 - com exceção da Alemanha, onde foi

mantida pelo Reich, como arma de propaganda e integração até 1943. Fábricas de

televisores voltaram-se à produção de materiais bélicos e as emissoras,

16

essencialmente presentes em território europeu, viram seus recursos técnicos e

humanos reduzidos ou até inexistentes.

17

1.1 A TV PÚBLICA: COMO SE DEU A FORMULAÇÃO DO CONCEITO

Os momentos históricos que vieram a originar os serviços públicos de

televisão apresentam convergências ideológicas e políticas, com forte atuação do

Estado: tanto a Europa da década de 1930 quanto o Brasil de 1960 foram marcados

por regimes autoritários.

O entendimento de que a mídia televisiva criaria a oportunidade de difusão de

assuntos de interesse do Estado diretamente aos lares dos cidadãos a tornou,

rapidamente, alvo dos olhares dos governantes. Por meio de projetos educacionais

conjuntos, programas se espalharam em emissoras de TV, com aval, desejo e

participação do Estado – seja na Europa ou no Brasil.

A TV educativa começou a ser desenhada em meio ao entre guerras, período

em que o rádio era, senão o único, o principal meio de comunicação na maioria dos

países. Segundo o sociólogo Dominique Wolton (1996) apud Vidigal (2006, p. 24)

foram três ideias do entre guerras que contribuíram para a formulação do conceito

da TV pública europeia – e, por conseguinte, mundial: 1) A busca de controle por

parte do poder público em relação aos meios de comunicação de massa, por serem

vistos como “perigosos”. 2) O sentimento vigente de “repúdio ao modelo comercial

americano surgido nos Estados Unidos durante o (primeiro) conflito mundial” (ibid).

3) A ideia de que, se bem utilizada, a televisão poderia vir a ser um instrumento de

democratização cultural.

“Na prática, o rádio e depois a televisão vinham somar-se aos empreendimentos culturais responsáveis por gerar e disseminar a riqueza linguística, espiritual, estética e ética dos povos e nações. Eles se colocavam no mesmo setor da sociedade em que estavam localizadas as universidades, as bibliotecas e os museus, e a população os reconheciam desta forma, distante da esfera dos negócios e da política de partidos ou grupos. A constatação de que a BBC é chamada por muitos britânicos de ‘tia’ e a RAI é a mamma de parte dos italianos reforça a ideia de que essas emissoras integram o patrimônio cultural de suas respectivas nações.” (LEAL FILHO, 1997 apud VIDIGAL, 2006, p.25)

Vale ressaltar que, mesmo com o entendimento de que a televisão iniciou suas

operações, com regularidade, na Europa do entre guerras, sua permanência

somente viria a ser contabilizada, de fato, a partir do final da década de 1940,

quando foram retomadas as transmissões na maioria dos países afetados pelo

18

conflito mundial. Tal constatação em haver relação próxima entre os conceitos

adotados pelas emissoras e o período de guerras, bem como a percepção de

proximidade entre o ressurgimento da TV e o momento de sua chegada ao Brasil,

em 1950, permitem aferir influências nas decisões sobre a formação da televisão

brasileira.

No final dos anos 1940, três modelos estavam estabelecidos: o estatal, na

União Soviética – já em serviço diário a partir de 1951; o comercial, nos Estados

Unidos – lançado em 1939; e o público, na Inglaterra. Pelo distanciamento territorial

com as localidades em que ocorreram os conflitos de guerra, os serviços de

televisão não foram totalmente interrompidos nos dois primeiros países citados,

diferente do que ocorreu na Inglaterra (retomados em 1946) ou na Alemanha (só

reativados em 1952).

Vidigal (2006) cita a década de 1950 para a televisão europeia como o

período de “dominação da televisão de serviço público”, que consistia em oferecer

programas educativos, mas populares. Mas o controle político ainda era exercido,

vindo a despertar, posteriormente, sentimentos de desconfiança sobre como

deveria, de fato, ser tal serviço (VIDIGAL, 2006, p. 28).

Carneiro (1999) ressalta que foi em 1967, nos Estados Unidos, que foi

cunhada a nova denominação de “TV Pública” para substituir o conceito de

“educativa”.

“(...) a Comissão Carnegie constatou que o termo ‘televisão educativa’ estava fortemente ligado à concepção de televisão didática, voltada ao ensino formal, o que ‘afasta dos canais educativos muitos dos que mais poderiam aprecia-los’. Propôs a criação de um sistema de televisão educativa como uma nova denominação: Televisão Pública.” (CARNEIRO, 1999 p.57)

No entendimento da referida Comissão, cita Carneiro (ibid), “qualquer

televisão pode ser considerada educativa”, visto a capacidade do receptor em

aprender sem um programa determinado e com sua própria experiência de vida.

“Tanto a televisão comercial quanto a não-comercial informam, estimulam percepções, desafiam padrões e influem sobre julgamentos. A capacidade de aprender com programas de televisão independe da intenção de ensinar na produção dos mesmos.” (CARNEIRO, 1999 p.57)

19

“Deploramos qualquer noção de que a televisão educativa não tenha a

possibilidade de divertir quando se dirige ao seu público”, dizia a Comissão, segundo

Carneiro (ibid), que prosseguia indicando que “a educação, no verdadeiro sentido do

termo, ajuda-nos a conseguir uma satisfação progressivamente maior com o nosso

trabalho e com nosso divertimentos.”

Tal entendimento entre didatismo e aprendizagem foi fundamental para

composição de conteúdos que viriam a cumprir as funções educacionais das

emissoras, mas também atender às características do meio televisão.

Seria somente na década de 1980 que, na Europa, tomaria força outra

importante discussão: a de que deveria se desvincular a televisão da política e, por

consequência, do Estado, vindo a proporcionar liberdade ao serviço público

(VIDIGAL, 2006). Ressalta-se que, também no Brasil, mesmo com a existência de

TVs educativas desde o final dos anos 1960, somente no inicio da década de 1990

tal discussão e adoção do conceito de “pública” entrou em pauta. Até então,

trabalhava-se somente com a denominação de “educativa”.

Segundo Wolton (2008), a atuação de emissoras públicas e privadas é

benéfica em prol da democracia. “A mídia é a condição da igualdade de democracia

para o cidadão”, indica. No Brasil, no entanto, o sociólogo destaca um cenário

particular, onde uma emissora privada exerce parte do papel público, por sua

hegemonia:

“No Brasil então, em função do seu estilo [generalista], é a Globo [Rede Globo de Televisão] que acaba cumprindo um papel público, apesar de ser uma rede privada. Mas isso não é suficiente, porque, se os diretores da Globo hoje tratam de uma temática mais ou menos de interesse geral, isso poderá deixar de existir. O mais importante é que as grandes democracias devem criar televisões públicas para que elas possam coexistir com as televisões privadas. Isso custa menos do que investir em armas.” (WOLTON, 2008, em entrevista ao portal MidiaComDemocracia)

Deve-se ressaltar, entretanto, que, ainda que incluam campanhas sociais em

meio a seus produtos televisivos – tais como ações incentivadas ou divulgadas pela

Rede Globo em suas telenovelas -, há nítida diferença nas intenções entre a TV

educativa e a comercial. No caso da segunda, mantem-se o objetivo principal de

alcance de audiência e ampliação de investimentos publicitários, por conseguinte.

20

1.2 BREVE HISTÓRIA DA TELEVISÃO ENQUANTO MEIO DE COMUNICAÇÃO E

INFORMAÇÃO NO BRASIL E IMPACTOS NA TRAJETÓRIA DA TV EDUCATIVA

Para efeito comparativo, a partir daqui, com objetivo de visualizar a

correspondência entre a evolução da TV e os contextos históricos, este estudo

tomará como base a classificação de Mattos (2010, p. 84) para as fases de

desenvolvimento da TV no Brasil e, em especial, o foco desta dissertação: a TV com

cunho educativo. Para tanto, o referido autor leva em consideração acontecimentos

que servem como ponto de referência para o início de cada fase, bem como o

“desenvolvimento da televisão dentro de nosso contexto sócio-econômico-político-

cultural”.

a. Fase Elitista (1950-1964). No momento em que mundo sentia as

consequências do pós-guerra, culminando com o surgimento da chamada Guerra

Fria, a televisão se restabelecia nos lares ao longo do globo e chegava pela primeira

vez na América Latina.

O televisor era um bem almejado, mas de alcance restrito à elite brasileira,

passando a simbolizar não somente a modernidade como também status. “O preço

de um televisor era três vezes maior que o da mais sofisticada radiola da época,

pouco menos que um carro”. (MATTOS, 2010, p.45)

Nesse período os lares brasileiros – mais corretamente falando, São Paulo e

Rio de Janeiro -, viram surgir outras quatro importantes emissoras: a Paulista (1953-

1965), futura TV Globo (1965-); a Record (1953-); a Excelsior (1960-1970); e a

Cultura (1960-1967), que, apesar de manter o mesmo nome e posição em lineup 10

após sua reconstituição como canal educativo em 1969, trata-se aqui de canal

cultural criado e administrado pelos Diários Associados de Chateaubriand.

A hegemonia do eixo Rio-São Paulo, ainda existente, em relação a produções

audiovisuais, tem inicio por razões obvias, devido às restrições tecnológicas

vigentes. Vale ressaltar a ausência, até então, da possibilidade futura de

10

Termo técnico em inglês utilizado em televisão para indicar uma sequência de canais.

21

transmissões via satélite 11, implicando em exibição de programas somente nas

regiões em que as emissoras encontravam-se instaladas.

Segundo Rixa (2000), “muitos anos se passariam até que algumas vantagens

do videoteipe fossem reconhecidas.” Entre os destaques proporcionados pela nova

tecnologia se encontravam a possibilidade de reprisar programas em horários

diferentes, bem como preservar imagens para futuras gerações

Enquanto o espaço cultural brasileiro assistia a tal desenvolvimento

tecnológico, a vida política do país caminhava para seu período mais controverso:

de autoritarismo extremo, com a instituição do golpe militar que depôs o presidente

João Goulart, em 1964. Segundo Caparelli (1982) apud Mattos (2010, p. 94) três

importantes acontecimentos se entrelaçaram e se uniram à nova ordem política

nacional, conduzindo o meio TV a um novo momento no país:

“Declínio dos Associados, primazia da Excelsior e acordo Time/Life (com a TV Paulista/TV Globo) têm um elo em comum, representado pela criação de um modelo brasileiro de desenvolvimento, apoiado no capital estrangeiro, aliado a grupos nacionais, no que se convencionou chamar escândalo Globo-Time/Life.” (CAPARELLI, 1982 apud MATTOS, 2010, p.94)

Por fim, a busca pelo Estado em regulamentar o setor emergente também

explicita a nova ordem em curso: o Código Brasileiro de Telecomunicações, de

1962, ainda hoje em vigor, atribui decisões unilaterais ao Poder Executivo quanto a

sanções das concessões públicas, o que, segundo Priolli apud Mattos (2010, p.92),

constitui-se em projeto de “inspiração militar, plenamente identificado com as teses

de integração nacional, segurança e desenvolvimento”.

E é nesse contexto que as bases da TV de cunho educativo e não comercial

começam a ser formatadas no Brasil. Em meio à percepção da força crescente da

televisão como possibilidade de integração e disseminação ideológica, o Governo do

Estado de São Paulo aproxima-se da TV Cultura de Chateaubriand, iniciando o que

viria a ser conhecido, posteriormente, como “telecursos” – educação à distância por

meio da televisão. Não é necessário dar asas à imaginação para perceber que a

11

As primeiras transmissões via satélite foram realizadas entre Europa e Estados Unidos, em 1962, pela BBC. No Brasil, tal

tecnologia passou a ser utilizada a partir de 1970 e o primeiro programa a fazer uso pleno do novo recurso foi o Jornal Nacional (01 de Setembro de 1970), primeiro a ser exibido em rede nacional no país.

22

educação pela TV destinou-se a atender ao que o Estado de então entendia como

sendo adequado à população naquele momento histórico.

b. Fase Populista (1964-1975). O Brasil entrava em seu “período negro”,

ditatorial, que trazia reflexos do Estado Novo de Getúlio Vargas.

O país vivia um novo momento político-social, voltado à implantação de um

modelo econômico com objetivos declarados de desenvolvimento nacional, centrado

em rápida industrialização e utilização de tecnologia e capital externos. A televisão

brasileira passou a ser percebida pelo regime como ingrediente fundamental na

difusão não apenas de sua ideologia como também de produtos que simbolizavam o

desenvolvimento econômico almejado.

Mas seriam os Atos Institucionais decretados pelo governo militar que mais

fortemente viriam a modificar o setor de telecomunicações em seu modelo vigente

até então. Em 1967, o AI-4 retirou a possibilidade de pessoas jurídicas e

estrangeiras viessem a participar de sociedade ou direção de empresas de

radiodifusão, entre outras determinações restritivas. A censura prévia chegaria em

1968 e permaneceria até 1979, com a instituição do AI-5.

Mattos (2010, p.99) destaca que, no entanto, “não foram só os governos de

exceção que procuraram interferir no conteúdo da televisão. Essa prática continua

sendo uma máxima em todos os outros”.

Em meio àquele regime ditatorial vigente, o país viu surgir suas primeiras

emissoras voltadas a oferecer programação exclusivamente educativa. A TVE de

Pernambuco e a TV Cultura de São Paulo foram ao ar, praticamente, no mesmo

período. No entanto, a relevância nacional e internacional e os avanços em estrutura

e em programação da segunda, renderam-lhe o reconhecimento como sendo a

pioneira no país.

O surgimento da TV educativa no Brasil – o termo TV pública somente viria a

ser importado pela TV Cultura no início da década de 1990 - era consequência do

entendimento de sua possibilidade de repercussão de ideias, proveniente da fase

anterior. Foi o Governo do Estado de São Paulo que buscou, em meio à crise

financeira que se iniciava no grupo Diários Associados, adquirir a concessão do

canal 2, reestruturando sua programação anteriormente cultural e voltando-a, em

1969, a assumir conteúdo educativo.

23

O país vivia a mais importante crise de legitimidade do poder de sua história,

no qual se destacava ser “um momento de consolidação de um modelo econômico

inserido em um projeto político que excluía qualquer tipo de participação

democrática”, afirma Leal Filho.

“A criação da TV educativa é uma clara decisão política neste cenário. É neste capitulo da história da televisão que a atuação do regime militar, até então discreta, indireta, torna-se explícita.” (LEAL FILHO, 1988, p. 33)

Mas, se por um lado, o Estado avançava sobre o meio, não somente nas TVs

educativas, o período destaca-se também pelo início do processo de

profissionalização das emissoras, em detrimento do improviso reinante em sua fase

introdutória no país. Os padrões vigentes na administração norte-americana foram

adotados em emissoras brasileiras, provocando reflexos na programação veiculada

e nos modelos de atuação nos bastidores.

A presente hegemonia da Rede Globo de Televisão, que provocaria o

desenho de modelo do mercado televisivo e publicitário nacional, começou a ser

forjada no cenário desta época. Abastecida nos padrões de qualidade de

programação em ascensão na Excelsior e sob respaldo do regime, a Globo pôde

aproveitar a situação vigente e ocupar o espaço deixado pelos Diários Associados -

já em declínio no final da década, por dificuldades financeiras provenientes de

dívidas elevadas e impostos não recolhidos. A TV Excelsior viria a ter sua licença

cassada em 1970, por alegada insolvência financeira, mas, de fato, por conhecida

boa relação com o governo democrático pré-regime militar. O acordo Time/Life

somente foi eliminado após plenamente absorvido pela emissora emergente, TV

Globo (ex-TV Paulista), permitindo que já houvesse usufruído da experiência

gerencial e do capital estrangeiro.

O período também apresenta como destaque a construção da Rede Nacional

de Televisão, da Embratel, que permitiu o alcance de suporte tecnológico necessário

para que as redes passassem a ter características nacionais.

“a integração cultural se fez graças a uma rede física de telecomunicações montada pela ditadura militar e usada pelas emissoras globais (grifo do autor) para unificar o mercado de consumo nacional de bens materiais e simbólicos.” (LEAL FILHO, 2006, p.117)

24

Pode-se considerar, com as devidas proporções inerentes a um regime

ditatorial, que as intervenções do governo militar sobre as telecomunicações

proporcionaram certos resultados positivos ao setor: a televisão brasileira

profissionalizou-se e obrigou-se a observar critérios de qualidade técnica de

produção, investimentos em infraestrutura e formação, bem como se expandiu

territorialmente.

No entanto, deve-se acrescentar ao tema que os desequilíbrios que ainda

hoje são perceptíveis no campo da radiodifusão brasileira têm raízes no regime

militar que, como indica Otondo,

“após 64 desenvolveu um sistema de televisão educativa baseado num projeto tecnocrático de comunicação social como instrumento para complementar massivamente o precário sistema formal de ensino.” (OTONDO, 2012, p.152)

c. Fase do Desenvolvimento Tecnológico (1975-1985). Foi a censura

imposta pela ditadura que elevou o gênero Telenovelas à posição em que se

encontra até hoje na cultura nacional. Segundo Mattos (2010, p.110), tratava-se de

uma “espécie de compensação para a população, pois até 1975 a programação da

televisão era extremamente castrada pela censura.”

Tal cenário altamente restritivo e contraditoriamente produtivo para o meio TV

manteve-se até 1978, quando foi interrompido, oficialmente, o período de censura na

imprensa. O Brasil vivia, então, o inicio do processo de abertura política, sob

pressões da sociedade e entidades civis.

Pode-se considerar que este momento permitiu às TVs educativas, em

especial à TV Cultura, encontrar sua real vocação e vislumbrar seu papel como TV

pública. A abertura democrática possibilitou àquele modelo de emissora, não

dependente do mercado, ousar em seus programas e oferecer espaço a debates e

questionamentos – formatos pouco destinados a oferecer índices de audiência

almejados pelas emissoras comerciais. Nesse contexto, vai ao ar, pela primeira vez,

um dos programas mais emblemáticos no formato debate jornalístico no país: o

Roda Viva (Cultura: 1986- ).

Considera-se que as políticas protecionistas do governo militar foram “a mais

importante força motriz por trás do desenvolvimento da televisão brasileira,

25

especialmente da TV Globo” (MATTOS, 2010, p.122). Não menos importante deve-

se considerar o mercado publicitário na condução das tomadas de decisão quanto

aos rumos das emissoras e de suas produções. Historicamente o meio TV absorve

cerca de 60% de todo o investimento publicitário no país 12.

d. Fase da Transição e da Expansão Internacional (1985-1990). Este curto

período de tempo destaca-se por ser caracterizado pela transição política entre os

regimes militar e civil. A Nova República também receberia o respaldo das redes de

televisão, como ocorrido junto aos governos anteriores, e vice-versa.

Dois pontos se mostram os mais relevantes no período retratado: as

modificações trazidas ao setor de telecomunicações com a promulgação da

Constituição de 1988; e o começo do fortalecimento da utilização de concessões

públicas de rádio e televisão como moeda de troca política.

Uma verdadeira “corrida” às concessões públicas de canais mostrou-se como

uma rápida reação da classe política ao Artigo 223 da nova Constituição. As novas

diretrizes ao setor estabeleciam normas para outorga e renovação de autorizações

para utilização de canais de TV e rádio. Em especial, tais normas repassavam o

poder de decisão ao Congresso Nacional e não somente ao presidente ou ao

ministro das comunicações – como determinado anteriormente.

Entre tais concessões, dezenas de TVs educativas foram criadas nos mais

diversos cantos do país, em modelos de gestão que as aproximavam, em maior ou

menor grau dos governos federal, estadual ou municipal.

Mas, independente do questionável uso político da nova Carta, seus textos

apresentaram avanços significativos ao setor de telecomunicações. Além de revogar

e impedir qualquer tipo de censura prévia às produções, a Constituição de 1988

também deliberava quanto ao propósito das produções exibidas, indicando deverem

ter finalidades educativas e culturais. A briga pela audiência, consequência direta da

busca por investimentos publicitários, afastaria as redes comerciais deste princípio,

evidenciando o distanciamento entre os modelos privado e público de televisão no

país – a despeito da legislação.

A fase aqui retratada se encerra com o rápido governo Collor, mas os pontos

de destaque do período permanecem em voga até hoje – e cada vez mais fortes.

12

Mídia Dados 2011

26

e. Fase da Globalização e da TV Paga (1990-2000). Amplamente divulgado

pelo meio TV, que também mais uma vez, serviu para ambos os lados – situação e

oposição, o impeachment de Fernando Collor de Melo é um dos mais importantes

acontecimentos políticos da história recente do país.

No campo específico da telecomunicação a chegada ao Brasil de um único

canal iniciou uma nova etapa para a televisão brasileira e sobre como os brasileiros

viriam a se relacionar com ela: em 1990 foi inaugurada, em terras nacionais, a MTV-

Music Television.

Mais do que trazer ao país uma marca já consagrada e desejada pelos jovens

em dezenas de países, a MTV apresentou ao mercado publicitário e ao público

telespectador um novo conceito: o de canal segmentado. Sua programação,

diferente das emissoras disponíveis até então, voltava-se a atender a somente um

público específico, com total alinhamento conceitual em toda a sua produção.

O relativo êxito comercial e de audiência da MTV em nosso país foram

suficientes para consolidar as decisões de dois grandes grupos da comunicação

brasileira a ingressar na modalidade de TV por Assinatura.

No entanto, antes de completar uma década de atuação no Brasil, o mercado

de TV por Assinatura nacional estava estagnado. Durante cerca de cinco anos o

crescimento do número de assinantes era vegetativo, mantendo-se por volta de três

milhões de domicílios em todo o país.

Entende-se que tal estagnação no crescimento de assinaturas foi reflexo das

limitações do poder aquisitivo brasileiro da época. O perfil dos assinantes nacionais,

ainda hoje, é predominantemente formado por integrantes das classes

socioeconômicas A e B.

Somente em meados dos anos 2000 o crescimento voltou a ser significativo,

como parte das consequências do Plano Real. Hoje o mercado engloba cerca de 12

milhões de domicílios assinantes, o que corresponde a uma penetração de cerca de

20% dos domicílios nacionais. Tal índice mostra-se irrelevante ao ser comparado

com países vizinhos: a Argentina apresenta participação de cerca de 60%; e a

Venezuela, ainda que menos desenvolvida que o Brasil, alcança valor semelhante

ao brasileiro 13.

13

Mídia Fatos 2011

27

Uma consequência do Plano Real foi o aumento do poder aquisitivo das

classes C, D e E. Tal ocorrência provocou reflexos na audiência dos canais, atentos

em ampliar seus alcances junto a essa população emergente, que adquiria mais e

mais aparelhos de televisão, entre tantos outros bens de consumo.

“No final do século XX e entrada do XXI que a bandeira do ‘direito de ter direitos’ é desfraldada, e indivíduos das classes populares assumem como legitima a pretensão de acesso a bens de consumo, bem como a substituição de um lugar apenas de escuta por – também – um lugar de fala.” (FRANÇA, 2009, p.42)

França (2009) destaca que, naquele momento, sistemas de crédito em lojas

populares ofereciam acesso a aparelhos eletrônicos que “povoam casas e barracos

onde faltam condições elementares de sobrevivência e bem-estar”. As classes

populares, de fato, emergem, circulam, adquirem. E passam a reivindicar – passiva e

ativamente – suas presenças em seu principal veículo de comunicação: a televisão.

E não à toa a TV educativa brasileira apresenta aqui dois momentos

relevantes de sua trajetória. A década 1990 trouxe o maior destaque quanto à

relevância de programação da TV Cultura de São Paulo, com programas premiados

e de repercussão, tais como Castelo Rá-Tim-Bum (1993), Cocoricó (1996- ) e Ensaio

(1990- ). E o final da década também marcaria a emissora, com sua abertura ao

mercado publicitário – seguida por muitas outras educativas em todo o país. Tal

decisão foi fruto de problemas financeiros da Fundação Padre Anchieta, aliados ao

novo modelo econômico proveniente da implantação do Plano Real.

Aquele momento se apresentava como uma oportunidade sem precedentes

para ampliar os faturamentos das redes. E nesse sentido surge mais um dos

destaques deste período: a queda de qualidade da programação, que acaba por

gerar mobilização da sociedade civil e intervenções governamentais – ainda que em

proporções infinitamente inferiores ao do período ditatorial.

Instituições como Fundação Abrinq, Conselho Nacional de Regulamentação

Publicitária (CONAR), Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), Agência

de Noticias dos Direitos da Infância (Andi) e o Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF) redigiram códigos de ética, levantaram discussões junto a

formadores de opinião e solicitaram atenção governamental à chamada “baixaria na

TV”. A ocasião se encontra bem retratada nas seguintes palavras de Freire (2009):

28

“Jornalistas, intelectuais, artistas e políticos reclamavam da falta de escrúpulos das emissoras na hora de cortejar o publico das classes C e D – segmento populacional que abraçara, com ímpeto notável, as ofertas de compra a crédito de aparelhos de TV, desde a implantação do Plano Real, em 1994.” (FREIRE, 2009, p.53)

O resultado foi a revisão de posturas das emissoras, com a aceitação e

formulação de códigos auto regulamentadores e utilização de indicações claras ao

público quanto à adequação de conteúdos e faixas etárias de programas em

exibição. Esse momento culmina com a campanha “Quem financia a baixaria é

contra a cidadania”, que gera repercussão direta no decréscimo de investimentos

publicitários em programas que são apontados como parte de tal listagem de baixa

qualidade.

Tal movimento da sociedade, de certa forma, acabou por beneficiar as TVs

educativas, que receberam acréscimos em seus índices de audiência. A TV Cultura,

como a principal produtora de conteúdos da rede educativa no país - repassados a

demais emissoras educativas brasileiras -, passa a ser vista mais fortemente pela

população, segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha, como “local

seguro para crianças e adolescentes”, bem como “emissora que mais contribui para

a cultura e educação dos telespectadores” 14. Por exibirem programação da Cultura

de São Paulo, emissoras educativas em todo o país também recebem reflexos de tal

percepção proveniente das produções paulistas.

Vale ressaltar, entretanto, que o período de “baixaria” na televisão brasileira

do final da década de 1990 não diferia de ocorrências em décadas anteriores,

segundo destaca Priolli apud Mattos (2010). O que pode ser percebido é que a

postura da sociedade vinha se modificando, a cada ano em que se afastava do

fantasma paralisante do regime ditatorial das décadas de 1960 e 1970.

“Ao Ratinho, ao Leão (Lobo) dos anos 90, portanto, correspondem o Wilton Franco de ‘O Povo na TV’, nos anos 80, o Wagner Montes dos anos 70 e o Jacinto Figueira Junior (Homem do sapato branco) dos anos 60, entre outros nomes que a poeira do tempo já cobriu. Todos contentaram o duvidoso cetro de ‘reis da baixaria’, mas não devem ser tomados como sinônimo de televisão popular, a despeito do vasto publico que conquistaram. Isso porque, enquanto desconheciam limites para o que é razoável e sensato pôr no ar, outros animadores, de mesma origem social e voltados para os

14

Instituto Datafolha 2003-2005.

29

mesmos telespectadores, contiveram-se em padrões aceitáveis.” (PRIOLLI, 1999 apud MATTOS, 2010, p. 145)

Rapidamente, percebe-se que não é a entrada das classes mais populares

mais firmemente no jogo da audiência da televisão que, obrigatoriamente, necessita

da desqualificação da programação. Na verdade, os programadores é que não

sabiam como falar com esse perfil de público. E buscaram atingi-lo de forma

simplória e desconsiderando o desejo inerente de ascensão nessa população

emergente.

O cenário promissor para o setor, com constante aumento de domicílios com

TV, maior poder aquisitivo da população, permanente participação de investimentos

publicitários, entre outros fatores, provoca o encerramento do período com a

inclusão de mais um marco: a utilização das concessões de canais como moeda de

troca política atinge patamares sem precedentes nos governos anteriores. Apenas

no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso foram outorgadas cerca de

1800 novas licenças de retransmissoras, sendo 260 delas destinadas – diretamente

– a políticos.

f. Fase da Convergência e da Qualidade Digital (2000-2010). Os avanços

tecnológicos trazidos pela rede mundial de computadores, especialmente a partir de

meados da década anterior, apresentaram impactos diretos sobre o meio TV.

Já na virada do milênio, falar que a “TV do futuro” seria digital era não

perceber que essa televisão já estava entre nós. A TV digital encontrava-se em

terras brasileiras sob diversas formas e não sob uma única, que pudesse ser

intitulada dessa maneira.

O destaque do período, neste sentido, tomou a forma das (in)decisões

governamentais quanto ao padrão a ser adotado para transmissão digital de

televisão no Brasil. Os primeiros testes para escolha de um padrão digital foram

iniciados pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) em 1999 e, apesar

das expectativas de definições em, no máximo, um ano, somente oito anos depois a

decisão foi tomada. Decretou-se que o Brasil, apesar das críticas, desenvolveria seu

próprio padrão digital, tomando como base a tecnologia em utilização no Japão.

Novamente, como ocorreu no momento da escolha do sistema a cores na década de

1970, o país decidiu por ter um sistema próprio e único no mundo, podendo-se

30

considerar tal nova decisão como contraditória com o atual cenário de convergência

e de globalização.

Mas falar em televisão digital no Brasil e relacioná-la somente a essa questão

anteriormente citada significa restringi-la ao que estava em curso quanto à TV

aberta. Recursos interativos e alta qualidade de imagem e de som, dois dos mais

alardeados fatores de inovação que seriam trazidos pela nova TV digital já se

encontravam disponíveis há anos aos assinantes de PayTV no país - especialmente

os de serviços de transmissão Direct-to-Home (DTH) oferecidos pela SKY Brasil15.

Também aparelhos intitulados DVRs (digital vídeo recorders) há mais de dez

anos são oferecidos aos assinantes brasileiros pelas operadoras de TV por

assinatura, possibilitando não somente gravar programas, mas pausar e recuar em

real-time.

A possibilidade de definir se deseja assistir a um programa naquele momento

ou a algum outro, sob comando do telespectador, também é uma realidade na TV

por Assinatura nacional, seja com o recurso do Pay-Per-View ou do Vídeo On

Demand 16.

E o advento e expansão da banda larga no país, também diretamente

relacionada às empresas de telecomunicações e de TV por assinatura, levaram mais

recursos para os computadores pessoais, possibilitando o acesso a vídeos e

recursos interativos também via internet.

A indústria especializada na produção de aparelhos de TV iniciou o novo

milênio com a apresentação da Web TV, integração entre televisão e internet em um

mesmo aparelho. Ainda pouco presentes nos lares brasileiros, conceito por trás de

tais aparelhos já se encontra bem difundido e em uso, especialmente via

computadores.

Por fim, a TV aberta digital brasileira, após anos e anos de indefinições e

testes – que se utilizaram, apropriadamente, do caráter de experimentação inerente

à TV Pública, onde diversos testes e discussões tiveram espaço, com especial

participação da TV Cultura de São Paulo -, caminha lentamente para a utilização das

possibilidades da nova tecnologia.

15

A SKY Brasil viria a ser incorporada pela DirecTV em 2007, ainda que mantida sua razão social na América Latina. 16

Sistema no qual os que assistem à televisão podem adquirir uma programação específica, a qual desejem assistir,

comprando, por exemplo, o direito a assistir a determinados eventos, filmes ou outros programas. A programação é vista ao mesmo tempo para todos os que a compraram, ao contrário de sistemas de vídeo em demanda (VOD), que permitem ao usuário do serviço ver a programação no momento que quiser.

31

Inicialmente lançado em São Paulo, em 2007, e já presente em diversas

cidades brasileiras, o uso restringe-se a alguns programas de algumas das

principais redes de televisão, utilizando-se do recurso de transmissão em alta

definição (HDTV) – apenas uma das possibilidades que a TV digital pode oferecer,

como pode ser percebido pelas menções nos parágrafos anteriores.

Até 2016, conforme decreto que instituiu o padrão digital brasileiro, os sinais

analógicos e digitais irão conviver no país. A partir dessa data, as emissoras de todo

o país devem trocar seus sistemas de transmissão definitivamente.

Os investimentos necessários para a troca são considerados elevados, não

somente para as emissoras, mas também para a população. Em relação às

emissoras, não somente novos equipamentos de transmissão têm de ser adquiridos,

mas também processos, estrutura e técnicos devem aderir ao novo modo de

produção. A maior qualidade de imagem e som oferecida pela TV digital também

implica em modificar estruturas cenográficas e formatos de captação. Tudo ficará

mais visível.

Para o público, assistir a tal evolução tecnológica implica em renovar seus

aparelhos de televisão. De nada adiantará ter o sinal digital disponível, mas captá-lo

em aparelhos não habilitados a decodificá-lo.

Em meio a comentários sobre erros, acertos ou expectativas superestimadas

de adesão da população – mais por parte do governo e menos da indústria – é fato

que o processo de transição do meio analógico ao digital no país está em

andamento e é inevitável que venha a se fortalecer na pauta social brasileira.

Segundo afirma Cosette Castro apud Mattos (2010):

“A TV digital brasileira entra na pauta social como uma oferta diferenciada de transmissão e de produção de conteúdos audiovisuais para os canais abertos e, em pouco tempo, se tornará realidade em todo o país. Isso porque exige transformações profundas tanto na área tecnológica (compra de equipamentos) quanto na produção de conteúdos digitais interativos que incluam a população na nova cultura digital.” (CASTRO, 2009 apud MATTOS, 2010, p.173)

Pode-se inferir, no entanto, que, talvez o ano de 2016 venha a ser o marco

somente para a finalização da transição por parte das emissoras. A observação de

32

dados divulgados pela Eletros 17 indica que ainda há um longo caminho para que a

TV digital, de fato, seja utilizada pela população brasileira. Dos cerca de 87 milhões

de aparelhos em uso no Brasil em 2010, apenas sete mil são de tecnologias mais

avançadas 18 e, consequentemente, habilitados a exibir os recursos diferenciados

que a transmissão digital oferece.

g. Fase da Portabilidade, Mobilidade e Interatividade Digital (2010-). Os

avanços tecnológicos provenientes da última década provocarão o fortalecimento do

ambiente de convergência multimídia e consequente reflexo na produção de

conteúdos. Nesta nova configuração, é possível perceber que o conteúdo torna-se

mais relevante do que a plataforma de exibição.

O novo cenário midiático apresenta uma nova forma de interação do receptor

com os conteúdos produzidos pelas redes, reforçando seu novo papel decisor

quanto ao momento de acessar os conteúdos exibidos, bem como de compartilhá-

los.

Como exemplo evidente, destaca-se que, hoje, um único aparelho de

telefonia celular também acessa a internet e programas de TV e rádio, faz download

de músicas e vídeos, além de armazenar dados. E ainda permite que o usuário

assuma também ele o papel de transmissor e fonte de informações, ao habilitá-lo a

compartilhar seus conteúdos com demais usuários.

Frente a esse novo modelo, o setor passa por uma reconfiguração ampla e

irreversível.

O mais evidente à população em geral encontra-se na convergência de

serviços. Assinantes passam a receber serviços conjuntos de televisão, telefonia e

internet, provenientes de uma mesma operadora e sob uma mesma conta. Tal

modelo de prestação de serviços, denominado Triple Play, já vem sendo utilizado

por operadoras como NET e TVA, desde o período anterior aqui retratado.

O que se destaca, contudo, no caso mencionado, são os seus bastidores. O

oferecimento de tais serviços conjuntos ocorre por uma necessidade de mercado e,

por trás dos mesmos, encontra-se a ocaso do setor de telecomunicações frente às

novas tecnologias de comunicação de voz. A internet, neste sentido, é mais que

uma revolução tecnológica. Sua chegada e difusão, incluindo em especial, recursos

17

Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos 18

Mídia Dados 2011

33

de voz como o difundido Skype, veio a determinar a limitação da telefonia fixa. Esse

fato, aliado ao crescimento devastador da telefonia celular, praticamente obrigou as

grandes empresas de telecomunicações a buscar novos rumos de atuação.

Tais rumos respondem pela denominação de “fusões empresariais”. Hoje,

todas as operações de TV por Assinatura brasileiras, sem exceção, possuem

relações – em maior ou menor grau acionário – com empresas de

telecomunicações. Como exemplos, a associação de Telefónica e TVA; e Embratel

com NET.

A busca por esse setor é estrategicamente pensado. Ao longo de duas

décadas, as empresas de TV por assinatura seguem construindo uma consistente

rede de fibras e cabos que permitem a transmissão de dados cada vez maiores e

com mais agilidade ao usuário. A busca das empresas de telecomunicações em

incorporar tal infraestrutura é absolutamente lógica.

Também outro ponto merece destaque no novo cenário de convergência em

andamento: o padrão de TV digital brasileiro permite a transmissão de programação

para celulares, permitindo transformar estes aparelhos em receptores. Esse é um

fator extremamente relevante ao considerar que a quantidade de aparelhos celulares

no país, atualmente, corresponde a quase o dobro do número de televisores em uso.

Diante de tais perspectivas, redes de televisão, operadoras de telefonia,

operadores de TV por assinatura, fabricantes de aparelhos celulares e de

televisores, entre outros, estão em movimentação, desenvolvendo novos produtos e

preparando-se para um novo perfil de usuário. O consumidor de conteúdos

audiovisuais passa a ter, neste cenário, além de ter maior poder de decisão, maior

mobilidade e apresentar maior capacidade de portabilidade. Com isso, sendo ele

mesmo, fonte, receptor e transmissor de conteúdos, assume também um papel

ativo, “participando como agente transformador e construtor da realidade.”

(MATTOS, 2010, p. 186)

34

1.3 O PAPEL DO MEIO TV NO BRASIL

E O ESPAÇO PARA A TV PÚBLICA

Historicamente, entendem os profissionais de televisão que o meio TV, por

essência, atende a três papéis ou categorias: Entretenimento, Informação e Mídia,

como indica Aronchi de Souza (2003). Este último, esclarecendo, refere-se ao papel

da TV em abastecer o público com informações sobre serviços e produtos,

permitindo acesso ao conhecimento dos mesmos e possibilidade de comparações.

Atesta Carneiro (1999) que:

“O modelo de televisão estatal fazia predominar traços educativo-informativos. O de televisão comercial remetia ao entretenimento. A base de organização de cada um deles os mantinha em posições opostas: estado x mercado. Os Estados Unidos criaram o modelo de televisão comercial estruturado dentro das leis de mercado e sustentado pela publicidade. (...) Esse modelo foi seguido pelo sistema de televisão brasileiro.” (CARNEIRO, 1999, p.23)

Ao analisar a presença deste meio de comunicação em um país como o

Brasil, de dimensões continentais e de costumes e comportamentos igualmente

largos e diversos, torna-se nítida a percepção de que a TV brasileira tem que tratar

com seriedade seu potencial de agente transformador.

“Enquanto a TV tiver o poder e o papel que desempenha na sociedade brasileira e seguir operando sem controle, não haverá democracia plena no Brasil. Continuaremos sendo um país dividido entre uma minoria de cidadãos de primeira classe, informados por fontes amplas e diversificadas, e a maioria da população, de segunda classe, que tem a televisão como única janela para o mundo.” (LEAL FILHO, 2006, p.12)

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD 2009,

realizada pelo IBGE, mais de 95% dos domicílios brasileiros possuem, pelo menos,

um aparelho de televisão. Tal indicador coloca este aparelho como o segundo

principal aparelho doméstico nas residências deste país, superado somente pelo

quase onipresente fogão (98,5%). Vale ressaltar que diferenças regionais afastam

ainda mais a televisão de outros bens duráveis de uso doméstico vistos por muitos

como essenciais, tais como geladeiras e máquinas de lavar roupas.

35

Em pouco mais de seis décadas, os lares brasileiros foram invadidos por este

meio de comunicação. Em 1970, somente ¼ dos domicílios possuíam um aparelho

de televisão. O número de aparelhos não chegava a 4,5 milhões. Hoje, segundo

publicado no Mídia Dados 2011, a partir de estimativa da Eletros, são mais de 87

milhões de televisores em uso por todos os cantos deste país, o que equivale a 1,5

aparelho por domicílio, em média.

Acima disso, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, em 1997, aliada a

dados coletados pela TV Cultura de São Paulo entre 2003 e 2005, indica que a

população brasileira reconhece a importância deste meio quanto ao acesso a

informações e à integração nacional. Segundo os dados das referidas pesquisas, o

brasileiro acreditava ser possível aprender com a televisão e estava disponível para

isso.

Seria possível imaginar um cenário diferente? Segundo dados do Indicador

Nacional de Alfabetismo Funcional, INAF 2001, realizado pelo Instituto Paulo

Montenegro, não somente a TV supera todas as demais possibilidades de práticas

culturais entre a população brasileira, incluindo “ouvir rádio”, “ir a exposições e

feiras”, cinemas e museus, bem como é, destacadamente, o principal meio para

busca de informações. Segundo a referida pesquisa, 56% da população têm na TV a

fonte primordial de informações sobre assuntos da atualidade. Tal índice apresenta

variações pouco significativas entre as classes socioeconômicas e também ao

observar níveis de alfabetismo.

O cenário desenhado aqui pouco se alterou nos últimos anos. E o papel das

emissoras - como concessões públicas que são e como importantes meios de

desenvolvimento nacional -, estaria sendo cumprido?

Segundo Barbosa (2010), “a quase onipresença dessa mídia (TV) se acentua

ainda mais diante do pouco alcance das demais.”

“A caracterização das mídias, em especial a televisiva, como privilegiadas agentes propagadoras em larga escala de cultura, informação e educação, é estudada já há várias décadas. Nos anos 70, começa a se firmar, principalmente na Europa a ideia de que é preciso preparar o cidadão para lidar com conteúdos dos meios de comunicação.” (BARBOSA, 2010, p.45)

36

A observação conjunta da onipresença da televisão nos lares brasileiros e do

uso frequente e relevante que a população faz deste meio reforça a percepção de

seu papel para o intercâmbio cultural e a difusão de informações em nosso país.

A Constituição de 1988 indica que os princípios das produções e

programação de emissoras de rádio e TV no Brasil devem atender a finalidades

educativas, artísticas, culturais e informativas; bem como, entre outros, o respeito

aos valores éticos e sociais da pessoa e da família; e o estímulo à produção

independente e regionalizada. De maneira geral, desconsiderando as restrições que

o período trouxe, essa já era a visão dos legisladores também na década de 1960,

quando o meio TV iniciava seu processo de fortalecimento no país:

“DECRETO Nº 52.795 DE 31 DE OUTUBRO DE 1963 REGULAMENTO DOS SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO CAPÍTULO II Da Finalidade dos Serviços Art. 3º - Os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural, mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interesse nacional, sendo permitida, apenas, a exploração comercial dos mesmos, na medida em que não prejudique esse interesse e aquela finalidade.”19

No entanto, qualquer sondagem pouco aprofundada permite visualizar a

distância entre a intenção da legislação vigente e sua aplicação prática. Quantas

emissoras brasileiras e quanto da programação televisiva nacional, de fato, atendem

a esses princípios?

Ressalta-se aqui, ainda, como indicado por Campanella (2011), que qualquer

análise sobre a importância do meio televisão no Brasil deve ir “além de apreciações

quantitativas”:

“(...) ela (a Televisão) não é uma simples ‘torradeira com imagens’ 20. Para Roger Silverstone, a televisão é um conector basilar do mundo individual do sujeito com o social que o cerca. Segundo o pesquisador, ‘estudar televisão é o mesmo que estudar o cotidiano’ (Silverstone, 1989: 77). Resgatar a sua história é fundamental para a melhor compreensão das dinâmicas sociais, políticas e econômicas envolvendo o indivíduo e a sociedade na qual está inserido.” (CAMPANELLA, 2011, p.254)

19

Trecho da Constituição brasileira de 1988 referente à regulamentação e finalidade de serviços de radiodifusão. 20

Definição de Mark Fowler, presidente da FCC (Federal Communications Commission) responsável pela desregulamentação

do mercado televisivo americano durante o governo de Ronald Reagan (MILLER, 2009: 14 apud CAMPANELLA, 2011, p. 254)

37

Somam-se a isso o novo momento da comunicação social em que estamos

inseridos e suas consequências mais evidentes: em um mundo invadido pelas

mídias sociais, o poder de decisão passará, cada vez mais, ao receptor da

mensagem, sendo ele mesmo um novo emissor. Trata-se de uma nova configuração

midiática, resumidamente apresentada no trecho a seguir:

“Programas televisivos remetem a desdobramentos, maiores informações e mesmo possibilidade de interação no site da empresa ou no blog do apresentador. Usuários assistem no YouTube a um programa que não puderam assistir na televisão, ou recortam e reproduzem pelo mundo cenas gravadas e veiculadas pela televisão.” (FRANÇA, 2009, p.49)

Martín-Barbero (1995) apud Carneiro (1999) ressalta que o modelo mecânico

de comunicação, que via a iniciativa da comunicação toda ao lado do emissor e o

receptor restrito apenas a reações aos estímulos enviados, apresentava o “receptor

apenas como um recipiente vazio para se depositar os conhecimentos originados ou

produzidos em outro lugar.” Acrescentando, Carneiro reforça que

“Diversas mediações cognitivas, culturais, situacionais, estruturais, ocorrem no processo de recepção além daquelas ligadas ao meio televisivo e à intencionalidade do emissor. Nesse processo de negociação há mediação da família, grupos de amigos, escola e outras instituições.” (CARNEIRO, 1999, p. 52)

Neste sentido, o sociólogo francês Jean-Louis Missika apud França (2009),

utilizando-se da distinção entre paleo e neotevê, apresentada por Umberto Eco, em

seu artigo TV: A Transparência Perdida, de 1983, diz que

“Na paleo-televisão, o cenário televisivo funcionava como um espaço sagrado, protegido, distanciado, falando para um telespectador-aluno. A neo-televisão simula a convivência democrática: compreensão e cumplicidade entre emissores e receptores constituem seus princípios de base. Não é mais a televisão que fala ao telespectador, mas, por um jogo de espelhos, o telespectador que fala a si mesmo e de si mesmo.” (MISSIKA, 2006, p.13-14 e 25 apud FRANÇA, 2009, p.29)

Missika (2006) acrescenta a essa visão ainda o que França (2009) coloca

como “um aprofundamento e um acabamento do processo de identificação trazido

38

pela neo-tevê”: a pós-televisão. Nela, não mais haveria a diferença entre aquele que

está e aquele que assiste a programação televisiva. Na pós-televisão, em curso, a

televisão “deixa de falar sobre o mundo e passa a falar de si própria, criar seus

acontecimentos, constituir as novas celebridades.” (FRANÇA, 2009, p.48)

Se tais recentes inovações tecnológicas e mudanças no uso das mídias

provocaram - e ainda provocarão mais – alterações nos papéis de emissor e

receptor das mensagens, como será o funcionamento e repercussão da

programação televisiva desta nova era da comunicação? Estaria o meio TV fadado a

assumir somente uma de suas três vertentes, o entretenimento? E mais

especificamente, qual o papel, de fato, relevante a uma TV pública, atualmente, visto

que a sociedade possui outras formas de interação e acesso aos conteúdos que ela

mesma considera relevantes a sua formação?

“Nesta perspectiva crítica, o lugar da recepção era apontado como de passividade, alvo dos bombardeios ideológicos da televisão comercial. Caberia a uma prática educativa proteger os ‘ingênuos’ telespectadores. O educativo consistiria em preparar os ‘incautos’ telespectadores para se defenderem dos efeitos da televisão.” (CARNEIRO, 1999, p.50)

Carneiro (1999) ressalta que a expansão da tecnologia da televisão demanda

novas exigências ao produzir programas.

“Trata-se de não apenas formar receptores críticos, mas também motivar os jovens para produção de mensagens – que se caracterizem por entreter, pela utilidade social, pela qualidade e pela criatividade.” (CARNEIRO, 1999, p.51)

Nesse processo em curso de “midiatização” em que, segundo França (2009)

“diferentes mídias e múltiplos recursos tecnológicos imprimem uma nova dinâmica

na vida social (...) e atuam em forte convergência”, poderia uma programação

voltada a fornecer subsídios educacionais e culturais à população tratar seu público

ainda como um telespectador-aluno? Ou, melhor caracterizando: como um sujeito

que buscaria na televisão sua principal fonte de conhecimento, a ponto de justificar

os investimentos financeiros e a própria existência de canais com tais características

de programação?

Tais questionamentos presentes neste trabalho permitem perceber que, se a

televisão tornou-se indispensável ao público brasileiro, por ser parte da construção

39

de identidades, difusão de culturas e modismos e seu principal meio para acesso às

informações, o mesmo não se pode afirmar quanto à atual TV educativa nacional.

Mesmo considerando que uma emissora educativa não traçaria suas metas

de aferição de sucesso na medição de audiência, mas em dados qualitativos – entre

prêmios e indicações de sua utilização na educação da sociedade -, esta também é

importante indicador. E os números de audiência das TVs educativas brasileiras,

tomando-se como base a mais expressiva, a TV Cultura de São Paulo, não são

animadores: alcançam entre um a dois pontos, em média, considerando 24 horas de

medição. E tais valores vêm sofrendo redução ano a ano.

Comparativamente, a segunda maior emissora comercial do cenário televisivo

atual, a Record, apresenta audiência geral média de 12 pontos. Cada ponto de

audiência representa cerca de 50 mil telespectadores na Grande São Paulo.

A missão de uma emissora pública somente é e será cumprida frente ao

alcance de audiência. É fato que, sem haver quem a utilize, não há razão em sua

existência.

No entanto, ao assumir ser o meio TV, como indica França (2009, p.32), o

carro-chefe da cultura de massa e que ambos – TV e massa - são marcados pela

“lógica do entretenimento”, uma TV com propósitos primordialmente educacional-

informativos pode vir a sobreviver frente a tantas opções de acesso a informações

do mundo atual?

Paradoxalmente, portanto, a busca pela audiência, em uma televisão pública,

é limitada por sua própria razão de existir. Se sua programação tornar-se ampla

demais - como em telenovelas emblemáticas da cultura de massa -, em busca de

maior público telespectador, corre risco de não cumprir seus objetivos educativos,

descambando para o simples lazer televisivo. Se fizer o contrário, segmentando-se

ao extremo dos telecursos, pode ter seus conteúdos não assistidos ou pouco

assistidos – às vezes nem mesmo justificando os investimentos financeiros atrelados

a tais produções audiovisuais. É possível encontrar um caminho alternativo?

“A premissa de que uma televisão ‘séria’, sem mass appeal, poderia atrair grande audiência esbarrou na resistência dos receptores para aceitar televisão educativa.” (CARNEIRO, 1999, p.51)

Carneiro (1999) acrescenta ainda citação de Roberto Muylaert em 1994,

então diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, que indica que “os que mais

40

precisam de ajuda na própria formação intelectual e na formação educacional das

suas crianças não buscam o canal de melhor programação.” Tal questão, ressalta a

referida autora, aponta a um círculo vicioso, onde a televisão educativa restringia-se

a pequenos grupos, com maior escolaridade e acesso a cultura.

Entretanto, percebe-se que a relação entretenimento com

educação/informação já apresentou momentos de êxito na história da TV educativa

brasileira, podendo-se considerar o mais relevante – até hoje - em repercussão de

crítica e de público o programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum (Cultura: 1993). Nele,

noções dos mais diversos conhecimentos voltados ao público entre três a seis anos

foram embalados com argumentos voltados à diversão do pequeno telespectador.

“A busca pelo entretenimento, pelo prazer, tem raízes mais profundas, e é – conforme apontado, sobretudo no discurso sobre uma ‘pós-modernidade’ – um dos traços da sociedade contemporânea.” (FRANÇA, 2009, p.33)

Talvez a sociedade já tenha apontado o caminho para alcance de uma TV

pública por meio de seu entendimento quanto ao meio TV: “o traço da diversão, do

lúdico é tão forte e marcante na televisão que ultrapassa os gêneros marcadamente

inscritos na categoria entretenimento e penetra no antes sisudo campo da

‘informação’” (FRANÇA, 2009, p.34).

E, talvez, na informação veiculada sob a forma de entretenimento – que vem

sendo conhecida pelo termo infotainment - se encontre a justificativa para sua

existência e sua manutenção financeira custeada pela sociedade – seja via

governamental ou publicitária, ou ambos.

Estaria a TV educativa fadada a fazer parte da categoria “paleo-televisão" –

em rumo à extinção?

41

CAPÍTULO II

42

CAPÍTULO II. A TV PÚBLICA NO BRASIL E A CULTURA TELEVISIVA

NACIONAL

Como indicado no capitulo anterior, o entendimento de que a mídia televisiva

criaria a oportunidade de difusão de assuntos de interesse do Estado diretamente

aos lares dos cidadãos a tornou, rapidamente, alvo dos olhares dos governantes. O

presente capítulo e suas subdivisões buscam estabelecer relações entre gêneros

audiovisuais com as origens da TV pública e as limitações que a própria cultura

televisiva brasileira impõe ao desenvolvimento deste modelo no país.

Entre os gêneros, ao observar a trajetória das produções audiovisuais ao

longo do desenvolvimento da indústria televisiva nacional, é possível levantar e

analisar hipótese de que documentários, infantis e telenovelas, em especial,

estabeleceram as possibilidades de atuação da TV pública brasileira.

“Há muita semelhança entre gêneros e formatos na televisão no que se refere ao estudo de gênero no campo da Biologia. Assim como na Biologia existem os gêneros e as espécies, em televisão coexistem os gêneros e os formatos. Pode-se fazer uma analogia, com as devidas diferenças, entre as espécies da Biologia com os formatos da televisão. Na Biologia, várias espécies constituem um gênero; os gêneros, agrupados, formam uma classe. Em televisão, vários formatos formam um gênero de programa; esses gêneros de programa, agrupados, formam uma categoria.” (ARONCHI DE SOUZA, 2003)

Neste sentido, Aronchi nomeia as Categorias como “Entretenimento”,

“Informação”, “Publicidade” e “Outros”. Nelas, podem-se destacar gêneros como

Telenovelas, Infantis, Filmes e Musicais, na primeira categoria; Telejornais e

Documentários, na segunda; Filmes publicitários e programas religiosos, entre

outros, na terceira e quarta, respectivamente.

43

2.1. ORIGENS: CINEMA DOCUMENTÁRIO, CINEMA EDUCATIVO

TV EDUCATIVA, TV PÚBLICA

O estudo do cinema documentário educativo - estabelecido igualmente em

período próximo à criação da TV educativa na Europa -, permite observar sua

influência em relação ao estabelecimento dos conceitos que formariam as bases dos

serviços públicos de televisão.

Ao analisar o que denomina de programação do gênero “realidade”, que viu

florescer na década de 1990 formatos televisivos híbridos - tais como docudramas,

seriados-documentários e programas de comportamento e observação -, o jornalista

e escritor Brian Winston apud Nunn (2009) ressalta que:

“O documentário (...) possui uma longa tradição na produção televisiva que está fortemente arraigada nas convenções da programação educativa realista. Na Grã-Bretanha, essa história está firmemente ligada ao imperativo do serviço público de radiodifusão de educar e informar, além de entreter.” (WINSTON, 1995, apud NUNN, 2009, p. 91)

Foi o escocês John Grierson, na mesma Inglaterra e período próximo ao

surgimento da BBC (1932), que iniciou o movimento que viria a fazer parte do

modelo do serviço público de televisão: o cinema documentário.

Ao final da década de 1920, Grierson sugeria a junção de questões sociais e

individuais para a realização de um cinema comprometido com a educação. Nichols

(2005, p. 119) cita Grierson como aquele que “impulsionou o patrocínio

governamental de documentários na Inglaterra dos anos 30 da mesma forma como

Dziga Vertov fizera em toda a década de 1920 na União Soviética”.

“O objetivo supremo de Grierson era a educação para a cidadania”, conforme

indica Da-Rin (2006, p. 65) em definição que converge integralmente com aquelas

adotadas posteriormente pelas mais diversas emissoras públicas ao redor do globo.

No Brasil, notoriamente, encontra-se na explicitação da missão da TV Cultura

de São Paulo, adotada em seus Estatutos, que diz que “promover a formação crítica

44

do homem para a cidadania através da educação, cultura, arte, informação e

entretenimento é a Missão da Fundação Padre Anchieta.”21

Segundo entendimento de Grierson, o cinema seria “um instrumento para a

transformação da sociedade pela via educativa” (Da-Rin, 2006, p. 93) e sugere a

junção de questões sociais e individuais para um cinema comprometido com a

educação da população.

Em meio a suas intenções educacionais, Grierson percebeu o potencial do

cinema para difusão mais ampla junto à população. Suas observações o levaram a

comparações entre os cinemas americano e soviético que o permitiriam forjar as

bases do que seria o cinema documentário tradicional: “a oposição entre o cinema

americano (com apelo sentimental) e o soviético (visto como ‘o individualismo

submetido a questões sociais e políticas’)” (DA-RIN, 2006).

No cinema soviético do início do século XX destacavam-se a montagem e a

temática com finalidade social. Da-Rin (2006) ressalta ainda seu romantismo

revolucionário e conteúdo político explícito como sendo pontos restritivos na visão

griersoniana do que seria o cinema documentário. A observação do cinema

americano destacou a habilidade na aplicação de métodos dramáticos para a

inserção de mensagens ideológicas.

Na busca por estabelecer os princípios do documentário educativo, decidiu,

então, por aplicar os “métodos dramáticos e inspiradores” adotados pelo cinema

americano, mas em prol da educação pública. Para Grierson, os filmes deveriam ser

produzidos buscando estabelecer “uma ponte entre o cidadão e sua comunidade”.

(GRIERSON, 1933 apud DA-RIN, 2009, p. 68)

Ressalta Nichols (2005, p. 123), entretanto, que “o reconhecimento do

documentário como forma cinematográfica passa a ser menos uma questão de

origem ou evolução desses elementos diferentes 22 do que sua combinação num

determinado momento histórico. Esse momento aconteceu na década de 1920 e

começo da de 1930”.

“O exibidor de atrações, o contador de histórias e o poeta da fotogenia condensam-se na figura do documentarista como orador que fala com uma voz toda sua no mundo que todos compartilhamos.” (NICHOLS, 2005, p. 134)

21

Definição utilizada em materiais de apresentação elaborados e divulgados pela TV Cultura de São Paulo em 2004. 22

Os elementos aos quais Nichols se refere são a experimentação poética, o relato narrativo de histórias e a oratória retórica.

45

Foram defensores da chamada cidadania participativa, como John Grierson,

que provocaram nos governos o reconhecimento do potencial promocional do

cinema no sentido da formação e no apoio a ações para “enfrentar as questões mais

difíceis da época, como inflação, pobreza e a Depressão de 1929”. (NICHOLS,

2005, p. 134)

“As soluções para esses problemas variaram muito, da Inglaterra democrática à Alemanha nazista, dos Estados Unidos do New Deal 23

à Rússia comunista, no entanto, em todos os casos, a voz do documentarista contribuiu de maneira significativa para estruturar o projeto nacional e propor maneiras de agir.” (ibid)

De acordo com a historiadora Manuela Penafria apud Colucci (2007),

entende-se que:

“As primeiras experiências com a imagem documental, registrando cenas do cotidiano, eventos sociais e atividades urbanas do final do século XIX, serviram para mostrar que a base do documentário assenta-se nas imagens recolhidas de onde decorrem os acontecimentos.” (COLUCCI, 2007, p. 23)

Nichols (2005, p. 122) ressalta não existir uma “linha direta da chegada da

estação do trem de Louis Lumière à chegada de Hitler a Nuremberg (em O triunfo da

vontade)” e nem mesmo haveria como estabelecer uma relação direta entre o

fascínio de “convencer o público a agir” (ibid) com o deslumbramento causado pelo

movimento das produções audiovisuais.

Nesse sentido, destaca Colucci (2007) que “ao reivindicar uma abordagem e

uma capacidade de intervenção no mundo histórico e na nossa visão de mundo”, os

documentários falam diretamente de realidades sociais e históricas, o que, para

Nichols, traria poder instrumental capaz de alterar relações de ação e consequência.

“Eles são veículos de dominação e consciência, poder e conhecimento, desejo e

possibilidade”. (NICHOLS, 1991 apud COLUCCI, 2007, p. 26)

Tais reflexões encontram referência no entendimento de Grierson quanto ao

papel do cinema, especificamente, do documentário:

“Arte é uma coisa; e quem está interessado nisto, eu sugiro, deve procurá-la onde haja espaço para sua criação; diversão é outra

23

Nome dado à série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo do Presidente

Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana atingida pela Grande Depressão.

46

coisa; educação, no que concerne ao professor, outra; propaganda, outra; e o cinema deve ser concebido como um meio, como a escrita, capaz de muitas formas e muitas funções. Um propagandista profissional bem pode se interessar por ele.” (GRIERSON, 1933 apud DA-RIN, 2006, p. 68)

Nota-se, aqui, o espaço claramente destacado para que o governo

percebesse o documentário, na definição de Grierson, como “um meio atraente e

dramático que pudesse interpretar as informações do Estado” ao cidadão comum.

(GRIERSON, 1942, apud DA-RIN, 2006, p. 66).

Logo, ao destacar o potencial de difusão de ideias do documentário, ao

abordar sua interpretação educacional e não sua interpretação política ou estética,

Grierson encontrou um modelo para tornar o cinema documentário financiável. Aos

educadores, em complemento ao Estado, proporcionaria um “meio atraente e

dramático que interpretasse a natureza da comunidade” (ibid). Unia-se, assim,

potencial de público e financiamento. “E assim fechava-se o ciclo econômico” (ibid).

Ramos (2005, p. 170) indica que essa proposta documentária pensada como

um modo de produção com recursos do Estado “ocorre em países diversos na

década de 1930, como Inglaterra, Itália, Alemanha e Brasil”.

As futuras TVs educativas desses e outros países viriam a encontrar nesta

mesma fonte a sua argumentação econômica alguns anos depois. Com objetivos

educacionais, aparente distanciamento político e, por esse motivo, com consequente

apoio da comunidade, também elas demonstrariam seu potencial de difusão aos

governantes e de atenção do Estado – especialmente em períodos de regimes

autoritários, preocupado com a chamada “integração nacional”.

Ressalta-se que na origem do cinema educativo, ainda que a Inglaterra da

década de 1930 vivesse um regime democrático - mas envolta em regimes

autoritários emergindo em diversos países do continente europeu -, a relação

cinema, educação e interesses do Estado também se estabeleceu. Segundo Ramos,

os filmes da chamada escola documentarista inglesa, em busca de sua função

social, são feitos por cineastas “com visões de mundo à esquerda do espectro

ideológico” e seria justamente a relação com a educação que os permitiria trabalhar

com tais valores dentro do Estado britânico, “em boa parte dos anos 1930, geridos

por governos de direita”. (RAMOS, 2005, p. 171)

Ramos destaca ainda que, naquele momento, o discurso do cinema educativo

trazia inerente a percepção do receptor de suas verdades “como um polo passivo.

47

Esse polo recebe e tira proveito da condescendência de quem o educa”. (RAMOS,

2005, p. 173). Podendo ser relacionada como herdeira desse pensamento, a

televisão educativa também assim viria a entender o papel de seus

usuários/telespectadores. A inexistência de um departamento voltado a pesquisas

formais e frequentes até 2004 na TV Cultura de São Paulo – que pode ser

destacada como aquela que possui infraestrutura mais avançada e completa entre

as educativas nacionais – evidencia a vigência de entendimento de um espectador

passivo também nesse modelo de televisão. Alia-se a isso, a cultura vigente até

período recente na emissora paulista de que os indicadores de audiência também

não deveriam ser observados, para que não influenciassem em decisões internas

sobre programação e, eventualmente, na possibilidade de reduzir a qualidade em

busca de maior quantidade de telespectadores.

Percebe-se, portanto, que a visão de Grierson sobre o cinema documentário,

em menores ou maiores proporções, virá a influenciar e permanecer no

desenvolvimento do gênero, pelo menos, até a metade do século XX. Definido,

acima de tudo, por ele, como sendo o documentário “um tratamento criativo da

realidade” - segundo indicado em seus textos denominados First Principles of

Documentary (1932) -, pode-se notar, como destaca Colucci (2007), sua influência

em produções televisivas e, em especial, na construção da televisão educativa.

48

2.1.1 O BRASIL DESCOBRE A EDUCAÇÃO VIA AUDIOVISUAL

“A visão do documentário tendo como missão educar as massas está no

embasamento ético que sustenta o discurso documentarista na primeira metade do

século XX”, segundo Fernão Ramos (2005, p.170).

Tal entendimento também inclui o cenário brasileiro, com especial atenção à

criação do Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), em 1936. Instituto oficial,

o INCE foi precursor do cinema educativo no Brasil e procurou introduzir em sala de

aula, por meio da imagem, assuntos de interesse do Estado.

O nome de seu primeiro diretor encontrará espaço em qualquer estudo

histórico sobre audiovisual no Brasil. Foi Roquette-Pinto o responsável pelo

lançamento da primeira rádio nacional – atual Rádio MEC -, na década de 1920,

bem como se registram como suas as primeiras experimentações de televisão, no

Brasil dos anos 1930. Sua participação até 1947 frente ao INCE marcaria o

desenvolvimento do cinema documentário educativo no país, em sua maior parte

produzido pelo cineasta Humberto Mauro.

Sheila Schvarzman (2004) indica que “parte significativa dos temas filmados

era relacionada com as preocupações e relações pessoais de Roquette-Pinto”. Tal

ponto assume maior importância ao relaciona-lo com a inexistência de um conselho

de educadores, ainda que previsto na constituição do projeto original.

“Os filmes são pensados para o aprendizado, mas não como extensão estruturada do programa escolar ou material didático e pedagógico e sim para uma audiência maior (...). Não raro eram realizados filmes “populares” em 16mm para escolas (...) e, posteriormente, copiados em 35mm para a exibição nos cinemas, como complemento nacional.” (SCHVARZMAN, 2004 p.230)

Tal definição de objetivos das produções aliada às necessidades financeiras

de implantação de recursos nas escolas, envolvendo equipamentos de projeção e

treinamento, também contribuíram para a consequente limitação quanto ao uso dos

filmes em salas de aula.

“Certamente o cinema não era a prioridade das escolas. Esses entraves deixam clara a distância entre as dimensões grandiosas do projeto e suas limitações práticas.” (SCHVARZMAN, 2004 p.221)

49

Carvalhal (2008, p.21) destaca que, desde os primórdios da utilização de

meios audiovisuais como ferramentas educativas até hoje, no Brasil, “o cinema

nunca foi visto pelo setor educacional como fonte de conhecimento, porque os

professores ainda veem a produção cinematográfica meramente como diversão e

entretenimento, subutilizando seus recursos”. Atrelado a esse ponto, relatos da

época da introdução do cinema educativo no país indicam que havia nítido receio

dos docentes em relação ao uso desses recursos tecnológicos em sala de aula.

“A iniciativa para utilizar o recurso fílmico era isolada no universo escolar. Partia de mestres considerados modernos e inovadores, motivados a enriquecer a aula, tirando o educando da mesmice.” (CARVALHAL, 2008, p.180)

Nota-se, portanto, que o cinema educativo era percebido apenas como

recurso ilustrativo, complementar aos assuntos tratados em aula. A motivação do

aluno ocorria muito mais em função da novidade da imagem em movimento do que

pelo possível acréscimo que o novo recurso poderia trazer a sua educação formal.

No entanto, destaca-se também que:

“Ao mesmo tempo, a ilustração permitiu ao aluno vivenciar realidades distantes, conhecer culturas diferentes e adquirir novas experiências, possibilitando compará-las, já que a imagem em movimento era novidade e a TV ainda não havia consolidado seu papel na sociedade como o meio de comunicação existente mais acessível.” (CARVALHAL, 2008, p.181)

Tal percepção de que, além da busca pela contribuição na educação formal, o

cinema educativo também tinha objetivos de difusão cultural encontra respaldo no

pensamento de Roquette-Pinto a respeito. Seu papel decisório no INCE foi

fundamental para o percurso que os meios audiovisuais e a educação viriam a trilhar

desde então. Schvarzman ressalta que:

“O Ince, pensado como um instrumento de informação e aprendizagem para populações diversas (...), veicula não só a mentalidade saneadora da época pelos feitos do Estado, mas também as descobertas dos cientistas e as medidas e conhecimentos que se acreditavam necessários para fazer emergir o homem brasileiro em toda a sua potência.” (SCHVARZMAN, 2004, p.198)

50

Em nítida sintonia com a ideologia griersoniana vigente no cinema

documentário da primeira metade do século XX, Roquette indicava também acreditar

que a transformação do homem somente poderia ocorrer por meio da educação. E a

junção com os meios audiovisuais trazia a ampliação de seu potencial de difusão e

contribuição à integração nacional.

E nesse ponto, encontra-se mais uma convergência entre o pensamento e

atuação de John Grierson na Inglaterra e a história do cinema educativo brasileiro: a

formação do binômio Educação e Estado.

Parte integrante do Estado Novo de Getúlio Vargas, o INCE manteve-se ativo

por mais 30 anos. Schvarzman (2004) dividiu sua história em duas fases, sendo a

primeira referente ao período em que foi dirigido por Roquette-Pinto (1936-1947); e a

segunda, após sua saída e até a transformação em Instituto Nacional de Cinema

(INC), em 1966. Segundo a pesquisadora, os filmes produzidos, em especial no

primeiro período, correspondiam ao objetivo de “criar um novo país, (...) pelas

imagens de seus vultos históricos, suas riquezas naturais, suas descobertas

cientificas e tecnológicas.” (SCHVARZMAN, 2004, p.16)

A busca pela integração nacional é parte dos objetivos do regime centralizado

e autoritário instituído por Getúlio.

“Como o cinema educativo surgiu a partir da visão oficial do Estado, foi decisivo para que diversas gerações de educadores deixassem de adotá-lo como um recurso pedagógico.” (CARVALHAL, 2008, p.25)

O uso do audiovisual como instrumento para integração e formação de uma

identidade nacional, não por acaso, viria a encontrar novo cenário propício no

regime ditatorial instituido em 1964. A mais notável diferença, no entanto, está no

uso de uma outra plataforma: a emergente e mais abrangente televisão.

Segundo Schvarzman (2004), a fase de atuação do Ince que alcança a

chegada não somente da televisão no Brasil - mas também da TV educativa -, será

marcada pela mudança na estratégia de construção nacional, que passa a ser

voltada ao enfoque econômico e desenvolvimentista.

“O INCE, tal como fora concebido se torna um anacronismo. A expectativa que se assentava sobre o cinema e a educação desaparece.” (SCHVARZMAN, 2004, p.307)

51

O que justifica o abandono progressivo do projeto de cinema educativo se tais

filmes demonstravam poder contribuir com o aprendizado de forma ampla, visto que

suas exibições não se restringiam a escolas, mas também eram apresentados em

“centros operários, agremiações esportivas e sociedades culturais”, além de salas

de cinema, como destaca Schvarzman (2004)?

Vale ressaltar que tal fator encontra mais um ponto de convergência com o

cinema de Grierson e sua formação de um sistema de exibição paralelo para o

cinema educativo na Inglaterra, em escolas, sindicatos, associações. (DA-RIN, 2006)

Décadas depois, já a partir de 1997, tal conceito voltaria a ser utilizado de

forma regular e organizada: a atuação presencial do Canal Futura, emissora

educativa privada gerida pela Fundação Roberto Marinho, utiliza-se desta mesma

base, ao oferecer sua programação para exibição em instituições em todo o país. As

denominadas ações de Mobilização Comunitária têm como foco escolas, creches,

presídios, centros de saúde, organizações do terceiro setor, entre outras,

contabilizando mais de 2.000 locais de exibição em todo o país 24.

Tal informação, entretanto, poderia fazer o leitor presumir que o cinema

educativo - e o INCE, por consequência - permaneceria em pleno desenvolvimento

ao longo dos mais de 30 anos englobados pela citação anterior. Não foi o que

ocorreu. Os últimos anos da instituição, anteriores a sua transformação em Instituto

Nacional de Cinema podem ser, facilmente, denominados como de uma atuação em

decadência.

Também vale destacar que a conjuntura político-social havia mudado ao

longo daqueles trinta anos de atuação do INCE. O governo de Getúlio, agora em seu

segundo mandato, não mais apresentava o mesmo interesse pelo cinema educativo

e nem mesmo os dirigentes do período acreditavam em seu potencial como recurso

didático. Mesmo as tentativas de desenvolver uma indústria cinematográfica

nacional haviam fracassado em meio a esse tempo. E o advento da televisão

mudaria esse cenário profundamente.

É possível, portanto, perceber a relação entre o cenário histórico e a

formulação dos objetivos da TV educativa nacional, cujas bases começaram a ser

instituidas no início dos anos 1960. Sua programação teria conteúdo

primordialmente educativo, mas também buscaria aliar questões culturais –

24

Informação publicada em materiais de divulgação do Canal Futura.

52

reafirmando o entendimento de Roquette-Pinto em relação à indissociação entre

cultura e educação.

Se as novas possibilidades apresentadas pelo meio televisão já encantavam

o poder instituído desde os anos 30, quando as primeiras experimentações

televisivas foram realizadas no país, também foram percebidas por Roquette-Pinto.

Segundo Milanez (2007), em 1952 - portanto, após sua saída do INCE -, ele esteve

envolvido em estudos para lançamento de uma primeira TV com finalidades

educativas no país, com sede no Rio de Janeiro.

A ser chamada “TV Roquette-Pinto”25, a emissora educativa não chegou a ser

lançada, por questões políticas não esclarecidas, ainda que já houvesse a

concessão pública para sua operação e avançadas negociações para compra de

equipamentos.

Aliadas as características continentais do país, as baixas taxas de

alfabetização e a pobreza vivenciada por quantidade considerável da população, tais

dados permitem perceber o impacto que a televisão viria provocar na sociedade

brasileira em geral, quanto ao acesso irrestrito a informações e à educação.

Havia um projeto político do regime ditatorial, formado em 1964, por trás da

televisão educativa e programação que nela foi constituída, destaca Leal Filho

(1988). Centralização e controle eram os objetivos, ainda que não explícitos, desse

processo implantado na educação formal do período de 1960 e inicio da década

seguinte, indica Leal Filho (1988).

“Nele constata-se a significativa redução de recursos públicos na educação formal e um elevado incremento nas dotações para a implantação de uma sofisticada rede de telecomunicações (...). Trata-se do abandono da escola em favor dos cursos através do rádio e da televisão.” (LEAL FILHO, 1988, p.26)

Os meios eletrônicos se tornaram parte fundamental do projeto ideológico

dominante no período, superando as limitações que o projeto anterior oferecia. As já

indicadas possibilidades concretas de centralização de informações a serem

transmitidas e o controle permitido pelo formato de emissão que o meio permitia

mostravam-se mais eficientes aos propósitos do novo regime.

25

Segundo Milanez, em “TVE: cenas de uma história”, livro lançado pela Fundação Roquette Pinto, em 2007, e que aborda as origens da referida instituição do canal educativo do Rio de Janeiro.

53

Os novos “ares” de modernidade que o recurso tecnológico trazia, aliado a

sua abrangência e características domésticas, faziam da televisão o alvo lógico para

intervenções do regime ditatorial de 64.

Marília Franco apud Carvalhal (2008) estabelece relação mais próxima ainda

entre a nova e mais limitada fase do cinema educativo com a propagação da TV.

“A inserção do cinema nas décadas de 1930 e 40 foi um recurso sofisticado demais para fazer parte de uma reforma educacional que precisava, antes de tudo, construir escolas e colocar alunos dentro delas.” (FRANCO, 1987 apud CARVALHAL, 2008, p.93).

Perceber a TV educativa como herdeira direta dos objetivos do cinema

educativo é estabelecer que as intenções não pereceram, mas se adaptaram a um

novo cenário social e tecnológico. E o binômio Estado e Educação permanecia.

Fortemente.

“No inicio, as concessões dos canais de TV eram feitas pelo governo com a condição de que as emissoras tivessem atrações culturais e educativas. Concertos clássicos e populares, balés, festivais e teleteatros demonstravam a preocupação com o nível da programação. Mas com o crescente consumismo, a concorrência e as guerras de audiência, este acordo foi aos poucos esquecido por quase todas as estações.” (RIXA, 2000, p.253)

54

2.1.2 E A EDUCAÇÃO CHEGA À TELEVISÃO

Foi em um canal comercial, através de aliança estabelecida com a Secretaria

de Educação do Estado de São Paulo, que a primeira programação educativa pela

televisão foi ao ar na América do Sul. Em 1961, a TV Cultura de Chateaubriand

iniciou a transmissão dos programas TV Escola, voltados à preparação de

telespectadores para admissão ao então denominado ginásio.

O governo fazia, ali, sua primeira incursão no novo meio, participando não

somente nas definições de suas normas e regulamentações, mas efetivamente na

produção de seu conteúdo.

Em seguida, a TV Rio e a TV Record de São Paulo também viriam a incluir

cursos de formação em suas programações. O “Curso de Madureza Ginasial”,

exibido pela TV Cultura de “Chatô” em 1963, já trazia ali as bases do formato

“telecurso”, aliando aulas televisivas, apostilas e atividades presenciais realizadas

em telecentros.

Ramos (2005, p.35) ressalta que, na metade da década de 1960, o “mote

educativo torna-se uma fachada anacrônica, mas necessária”. Pode-se entender por

anacrônica, pois a fase de educação por meio do cinema já havia encontrado as

mais diversas restrições por parte dos professores. E por necessária porque o novo

regime ditatorial – e aqui se relembra o primeiro momento de busca pela relação

educação e audiovisual, o Estado Novo – precisava de um modo abrangente para

propagar sua ideologia e unificar o país em torno da mesma.

A nova ordem social e econômica instituída pelo regime pós-64 em busca de

um programa de desenvolvimento nacional assumiu, inicialmente, uma política de

descentralização de incentivos a fim de reduzir desigualdades entre regiões e

cidades (MATTOS, 2010, p.39).

“Os meios de comunicação de massa se transformaram no veiculo através do qual o regime poderia persuadir, impor e difundir seus posicionamentos, além de ser a forma de manter o status quo após o golpe. A televisão, pelo seu potencial de mobilização, foi mais utilizada pelo regime, tendo também se beneficiado de toda a infraestrutura criada para as telecomunicações.” (ibid).

Naquele momento, em meio ao estabelecimento de um regime autoritário no

país – assim como ocorrera no Estado Novo -, percebe-se que:

55

“O Estado, além de aumentar sua participação na economia como investidor direto de uma série de empresas públicas, passou a ter a sua disposição, além do controle legal, todas as condições para influenciar os meios de comunicação através das pressões econômicas.” (MATTOS, 2010, p.40)

Não por coincidência, encontra-se neste mesmo período um perceptível

incremento de investimentos governamentais no setor de telecomunicações no país,

entre os quais se destaca a criação da Embratel (Empresa Brasileira de

Telecomunicações), em 1965. Seus objetivos principais estavam na interligação do

país via micro-ondas e a possibilidade de utilização de satélites de comunicações.

O êxito das cerca de 10 horas semanais de programação educativa exibida a

partir de convênio estabelecido entre o Governo do Estado de São Paulo e a TV

Cultura de Chateaubriand, em 1963, viria a ser o marco inicial para a incursão, de

fato, do Estado no meio TV. Em 1967, o governador de São Paulo Roberto de Abreu

Sodré criou a Fundação Padre Anchieta, que viria a adquirir, em seguida, a

concessão da TV Cultura dos Diários Associados – já em dificuldades financeiras,

agravadas pelo cerco militar e, posteriormente, pela morte de “Chatô”.

A proposta inicial da FPA já se baseava no escopo público e suprapartidário

da BBC de Londres. Assim como em sua predecessora inglesa, sua administração

seria entregue a um conselho misto com representantes de instituições públicas e

privadas, aqui ligadas à educação e cultura em São Paulo, tais como USP, Unicamp,

PUC, entre outras.

A nova TV Cultura, agora emissora educativa e mantida com dotações

orçamentárias do Governo de São Paulo, seria levada ao ar, pela primeira vez, em

15 de Junho de 1969. Não surpreende que o primeiro programa a ser exibido pela

TV educativa brasileira tenha sido, justamente, um documentário. Planeta Terra

(1969- ) trazia informações sobre fenômenos da natureza e, pode-se assim dizer,

trazia ali o tom da nova emissora. O cinema educativo invadiria os lares da

população paulista e promoveria o equilíbrio entre educação e entretenimento, para

atingir o máximo de pessoas possível, agora através de um novo meio de

comunicação.

Assim, a televisão passava a também, como o cinema educativo anterior a

ela, a perseguir um papel como atividade extraescolar. Não havia a pretensão de

substituir a educação formal, mas complementá-la, assumindo papel de difusora

cultural, de informação e de apreensão da realidade.

56

Mas é importante ressaltar que, se pelo lado de seus desenvolvedores a

educação via televisão tinha tais propósitos, a instalação da TV educativa no país

em meio ao cenário vigente também atendia aos objetivos políticos e econômicos do

regime. Os dirigentes e parte da intelectualidade nacional acreditavam na televisão

como “moderno método de educação de massa” (DOS SANTOS, 1998 apud

ROCHA, 2006, p.84), que ampliaria as condições para o aceleramento econômico

almejado pelo Estado e que encontrava barreiras no baixo grau de escolaridade da

população em geral. Segundo citado por Rocha (2006, p.84), no final da década de

1960, a taxa de analfabetismo brasileira encontrava-se por volta de 60%.

As intervenções do Estado na TV Cultura, nesse período, seriam

relativamente frequentes – culminando com a morte de seu diretor de jornalismo,

Vladimir Herzog, nas dependências do DOI-CODI 26, em 1975. Somente a partir de

1986, com o fim do regime, a emissora perderia seu vinculo com a produção e

veiculação de uma programação “chapa-branca” (KUNSCH, 1999 apud VIDIGAL,

2006, p.87). A emissora iniciaria, de fato, somente naquele momento, seu processo

de construção de uma TV pública nacional.

Mattos (2010) destaca ainda que as empresas de radiodifusão sempre

estiveram sob controle oficial, seja por meio da concessão de licenças e alocação de

frequências ou pelo uso das legislações vigentes, que permitiam maior ou menor

intervenção estatal em conteúdos e condutas das emissoras.

“O ‘milagre econômico’ brasileiro ocorreu durante o Governo Médici (1969-1974), um período de dura repressão política e de controle dos meios de comunicação, através da censura policial, a Lei de Segurança Nacional e do Ato Institucional Nº 5.” (MATTOS, 2010, p.45).

É notório que os meios de comunicação, em especial, a televisão, eram vistos

como agentes da modernização pelo regime, mas a despeito de interferências,

também o setor se beneficiou do desenvolvimento do período.

Paradoxalmente, o mesmo desenvolvimento econômico almejado pelo Estado

de exceção e bem recebido pelos meios de comunicação, também provocaria o

afastamento da televisão de seus princípios educativos e culturais, indicados pela

26

Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna

57

Constituição. Sua abrangência, aliada ao aumento do poder de consumo pela

população e do processo de urbanização, provocaram a ampliação do investimento

publicitário no meio TV no período, fortalecendo o padrão comercial na televisão

brasileira.

Compreender como fazer a televisão funcionar como veiculo pedagógico é

uma tarefa árdua, que não por menos já levanta discussões fervorosas há mais de

70 anos.

“As relações de aprendizagem que envolvem cinema e escola, portanto, indicam a aproximação entre os campos da educação e da arte cinematográfica, que encontram interseção no escopo da natureza de suas atividades, uma vez que a história cultural ocupa lugar central em ambas as constituições. A educação veicula e produz a cultura, ou seja, as práticas culturais só são possíveis devido à possibilidade humana de se educar” (FORQUIN, 1993 apud CARVALHAL, 2008, p.2).

Prosseguindo, Carvalhal acrescenta que

“O cinema, como produto e produtor de cultura, tem participação e importância na construção das relações sociais, econômicas e experiências culturais do indivíduo. A aproximação entre educação e cinema quanto ao seu escopo cultural, apresenta-se, dessa forma, como uma possibilidade para compreender o cinema enquanto veículo pedagógico, principalmente considerando-o um recurso propiciador da educação formal.” (CARVALHAL, 2008 p.29)

As citações de Carvalhal (2009) e Forquin (1993) - que permitem ser,

perfeitamente, extrapoladas para a substituição das menções ao cinema, por sua

forma mais ampla, o audiovisual –, possibilitam visualizar essa televisão educativa e

social, em foco e em busca. As pistas oferecidas pelo cinema – em especial na sua

atuação educativa - e pela própria história apontam caminhos. Resta decifrá-las. E

respeitá-los.

58

2.2 LIMITAÇÕES DA TV EDUCATIVA BRASILEIRA: ANÁLISE DA TELENOVELA

NA CONSTRUÇÃO DA INDÚSTRIA TELEVISIVA NACIONAL

A observação conjunta da onipresença da televisão nos lares brasileiros e do

uso frequente que a população faz deste meio reforça a percepção de seu papel

para o intercâmbio cultural e a difusão de informações em nosso país.

Nesse contexto, analisar o processo de construção do imaginário simbólico

nacional torna-se fundamental para entendimento de tal relação estabelecida pelo

público telespectador brasileiro e as telenovelas. Produto industrial por excelência,

por seu caráter seriado e diário, a telenovela simboliza o predomínio da lógica

industrial sobre a produção televisiva.

Segundo destaca Santana (2007), enquanto o imaginário ocidental baseia-se

na escrita, no Brasil esse processo salta diretamente do oral para o imagético,

produzindo uma falha nos modos de produção simbólica. O autor ressalta que

“O imaginário do inacabado na cultura brasileira estabeleceu também uma recepção inacabada. O domínio tecnológico mediatizou os tipos de configuração do inacabado que tomaram forma no país. E tornou possível, nas mídias, as construções icônicas e, através destas, a modelação das formas de consumo.” (SANTANA, 2007, p.22)

As telenovelas, portanto, são resultado direto dessa característica da cultura

brasileira, ao se basear em reflexo e não na reflexão como experiência de mundo. O

processo interrompido que pode ser denominado “imaginário do inacabado” –

apropriando-se das palavras do referido autor - torna-se peça-chave para

entendimento da relevância que a televisão e seu produto cultural de maior

importância no país, a telenovela, foi capaz de atingir.

O jornalista Leandro Narloch (2005) traduz tais colocações ao indicar que

“No Brasil, porém, a TV chegou antes de o povo se alfabetizar. Adicione a isso o fato de que fazemos parte de uma tradição católica, mais oral que letrada. Em vez de interpretar diretamente a Bíblia, como acontece entre os protestantes, preferimos a cultura oral: ouvir o padre falar. Em vez de escrever diários, preferimos contar o caso para a vizinha. Em vez de ler romances, assistimos a novelas.” (NARLOCH, 2005)

59

O autor de novelas Gilberto Braga, em entrevista a Narloch (ibid), acrescenta,

com a propriedade de dezenas de novelas bem-sucedidas em seu currículo, que

“’A maior parte do público não tem bagagem cultural para um entretenimento mais consistente do que a telenovela, e uma boa parte que tem essa bagagem teve um dia cansativo, quer espairecer’, diz Gilberto Braga. ’Não estou dizendo que uma telenovela precise ser idiota, mas não pode exigir reflexão demais’.”. (NARLOCH, 2005)

Desta forma, a TV, rapidamente, no Brasil, deixaria de ser percebida não

somente como “uma máquina que dá asas à fantasia mais caprichosa” - como

descrita por Chatô em seu discurso de inauguração da Tupi em 1950

(SACRAMENTO, 2010, p.19) -, mas também como aquela que mais teria

capacidade de “influir na opinião pública”. (ibid)

“A conexão entre televisão, novelas e identidade nacional é amplamente reconhecida na bibliografia sobre o caso brasileiro, em títulos que apontam o objetivo da ‘integração nacional’ que guiaram os investimentos públicos na época do regime militar e reconhecem a ligação entre televisão e a reprodução da ideologia dominante.” (HAMBURGER, 2005, p.154)

Neste sentido, a novela teria extrapolado “as intenções iniciais dos militares

com sua censura rigorosa e sua política oficial de televisão à serviço da integração

nacional.” (HAMBURGER, 2005, p.19)

Não por acaso, a novela contemporânea, com linguagem coloquial, surge no

mesmo ano do lançamento do Jornal Nacional (Globo: 1969-), ambos em busca de

mostrar a ‘vida como ela é’ e assim criar proximidade com o público. Este era o ano

de lançamento também da TV educativa no Brasil, que seguiu outra linha, mais

elitizada.

Nesta conjuntura de proximidade de relações entre estado e o meio TV,

Hamburger destaca que seria este primeiro telejornal com transmissão em rede

nacional, lançado sob forte censura, o tipo de programa mais próximo do que os

militares imaginaram como ideal de “integração nacional” e não os folhetins

eletrônicos.

“Nem mesmo os profissionais de esquerda, oriundos do teatro e do cinema, que procuraram realizar uma agenda ‘nacional-popular’ na

60

televisão comercial, teriam noção da escola formadora de consumidores que a novela viria a se tornar, ao difundir o uso de eletrodomésticos, moda e costumes.” (HAMBURGER, 2005, p.2)

É possível, portanto, levantar a hipótese de que a televisão tenha contribuído

para legitimar a noção de que a inclusão social plena poderia se dar através do

consumo.

Nota-se que o horário principal de exibição de novelas privilegia o

contemporâneo, podendo ser associado ao maior potencial de consumo que essa

opção temporal propicia. Esse potencial mercadológico, por sua vez, potencializa a

audiência da novela, pois reforça os laços de identificação do público com o seriado,

relacionando a narrativa ao cotidiano.

Segundo Adorno (1997), na Indústria Cultural, tudo se torna negócio.

“Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e

programada exploração de bens considerados culturais”. O que era mecanismo de

lazer, ou seja, arte, se tornou um meio eficaz de manipulação.

Hamburger (2005, p.51) ressalta que “as teorias de Adorno para conceituar as

relações dos produtos da indústria cultural e consumidores permanecem válidas no

Brasil do final do século XX. A indústria se utilizaria do envolvimento emocional em

lugar do distanciamento teoricamente necessário para a apreciação crítica.”

A observação dos critérios de classificação social baseados em consumo

também é reveladora do papel que este assume em uma dinâmica social.

Sobre tal assunto, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2008) indica que,

na sociedade de consumo, as pessoas são, ao mesmo tempo, consumidores e

mercadorias. E todos habitam o mesmo espaço social chamado “mercado”.

Nesse contexto, Hamburger (2005, p.20) observa que a novela, como obra

audiovisual, “resulta em multidiálogo e faz mediação da relação entre produtores e

receptores”.

“Profissionais especialistas em comentar a TV, figurinistas, músicos que compõem as trilhas, pesquisadores de mercado e outros profissionais podem ser considerados mediadores nesse processo de produção de significados.” (HAMBURGER, 2005, p. 20)

Dezenas de publicações impressas e online, além de programas em canais

de televisão, são disponibilizadas ao público a cada dia, alimentando-se dos

61

personagens, personalidades e argumentos televisivos e, ao mesmo tempo,

retroalimentando a atratividade do próprio meio.

Tal público-alvo da programação televisiva e de suas derivações, segundo os

pesquisadores, estaria, de modo geral, principalmente na parcela da população

enquadrada nos critérios que definem as classes médias, B e C. Entre as duas, a

classe C seria considerada a mais significativa, dada a combinação de lealdade e

abertura ao consumo apresentada por seus membros.

A utilização, em visão mais ampla, dos critérios de classificação social,

construídos a partir de itens de consumo, para visualizar os públicos das

programações televisivas e basear tomadas de decisões também se mostra

relevante para percepção da atuação das emissoras de televisão.

Complementa-se tal visão, a utilização de São Paulo como base para

observação da audiência geral, tomando-o como representação da audiência

nacional. Tal utilização dá-se exclusivamente pelo peso socioeconômico da região e

não por sua representatividade superior na composição da audiência.

O pesquisador Homero Sanchez, fundador do Departamento de Pesquisa da

Globo em 1971 e seu responsável até 1982, citado por Hamburger (2005), indica

que essa percepção em privilegiar a atenção a certas classes se daria por alguns

motivos, como:

“Primeiro, porque o sujeito da classe C é otimista; segundo, porque vive o presente e terceiro, porque teve dois grandes pais, um que foi o Getúlio e o outro que foi o nosso querido presidente Juscelino Kubitschek, que inventou a compra de objetos em 12, 24 e 36 prestações. A partir desse momento a classe C entrou no mercado e começou a comprar mais que as classes A e B. (...) Esse sujeito da classe C é consumidor por excelência. Ele acha que deve viver o mundo de hoje, já que a vida é muito difícil. Ele brinca o carnaval, faz o possível para tirar férias fora e gasta de qualquer jeito, pois, mesmo se ele não prosperar, o dinheiro vai valer menos” (SANCHEZ apud HAMBURGER, 2005, p.53)

Por mais que a citação do pesquisador seja datada de 1988 e a classe média

brasileira tenha sofrido consistentes alterações nos últimos anos, sua percepção

geral sobre a mesma ainda permanece válida. O que diferencia a classe C atual

daquela está na busca não mais por produtos das classes superiores, mas por

aqueles que lhe conferem status, mas de acordo com sua própria cultura.

62

Revelam-se ainda distorções de dados de pesquisa de classes sociais na

composição da audiência. Segmentos DE desprovidos de aparelhos televisores são

desconsiderados, mesmo que haja acesso por meio de pontos coletivos de

assistência. Além disso, também se pode destacar certa discriminação de regiões

geográficas: os índices se baseiam em regiões metropolitanas, desconsiderando

cidades não metropolitanas e população rural.

“Em uma sociedade que herdou do passado colonial escravocrata uma desigualdade que se reitera em barreiras discriminatórias, a ignorância sintetiza e marca a superioridade de quem domina as mínimas regras da cultura erudita.” (HAMBURGER, 2005, p.71)

Nesse contexto socioeconômico, a televisão assumiria papel estratégico para

um público sedento de informação, ao ser reconhecida como veículo que pode

informar e ensinar sobre o significado e as maneiras de usar novos produtos.

Consumidores de classes DE procuram se instruir e demonstrar domínio

sobre repertório letrado, organizando pequenas bibliotecas, declarando ler a revista

Veja e assistir a TV Cultura, conforme pesquisas realizadas por veículos de

comunicação.27

As novelas sinalizam a modernização da comunidade nacional, com a

renovação constante de meios de comunicação e transporte. E o movimento da

modernização também estaria a conduzir a população às grandes cidades,

representadas, constantemente, na dramaturgia, por São Paulo e Rio de Janeiro.

“Além da paisagem urbana, a flexibilização das relações de gênero também marcam essa evolução rumo à modernidade. Mulheres que estudam, trabalham, optam por deixar maridos e namorados provedores, que não aceitam a autoridade patriarcal à antiga, reforçam a ideia de que essa modernização ofereceria liberdade.” (HAMBURGER, 2005, p.152)

Segundo Hamburger, acompanhar ou assistir a uma novela é incorporar a

trama ao cotidiano e, de certa forma, participar da dinâmica social que vai definindo

os rumos da narrativa. Enquanto escrevem os autores estabelecem interlocuções,

mesmo que fictícias, com os telespectadores.

27

Pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha e Mídia Dados

63

No entanto, justamente pelas “falhas” apontadas por Santana (2007) no

processo de produção simbólica da cultura brasileira, as configurações da telenovela

são diretas e simples, visando o alcance da maior quantidade de telespectadores

possível.

64

2.2.1 O DISTANCIAMENTO DO PÚBLICO E DA TV EDUCATIVA

Não por acaso, a novela contemporânea, com linguagem coloquial, surge no

mesmo ano do lançamento do Jornal Nacional (1969- ), ambos em busca de mostrar

a “vida como ela é” e assim criar proximidade com o público. Este era o ano de

lançamento também da TV educativa no Brasil, que seguiu outra linha, mais

elitizada.

Um dos dados mais relevantes a considerar, a partir da análise dos estudos

de Hamburger (2005) e demais autores citados, encontra-se na atenção em

“desnaturalizar” a existência da novela, o que indica ser necessário perceber as

diversas etapas da história desse fenômeno de comunicação capaz de atingir um

público nacional, composto por telespectadores das mais diversas idades, ambos os

sexos, classes sociais distintas e das mais diversas regiões do país. Essa

“desnaturalização” deve ser considerada no estudo da televisão como um todo, pois

a indústria televisiva brasileira, tal qual se encontra, é resultado de processos e atos,

e não de acontecimentos naturais. Fruto de decisões e não de ocorrências.

Assim sendo, os programas jornalísticos, entre telejornais e debates,

poderiam, então, ser tomados como a alternativa para inclusão da TV educativa

neste cenário televisivo brasileiro?

O atual formato adotado pelas grandes redes de televisão nacional na

apresentação de seus programas jornalísticos, em confronto com o padrão mantido

pela TV Cultura e outras emissoras educativas, indica que não.

Inaugurado, em especial, pelo telejornal Aqui, Agora, lançado pelo SBT em

1991, o padrão observado atualmente busca a proximidade dos apresentadores e

repórteres junto ao telespectador. A utilização de recursos de linguagem coloquial e

o afastamento da anterior formalidade das bancadas dos telejornais são cada vez

mais frequentes nos mais diversos canais.

Hamburger (2005, p. 123) ressalta que a estrutura do Aqui, Agora, em

diversos momentos, o aproximava das novelas: “historias são contadas de maneira

fragmentada, distribuídas em blocos do programa com direito a ganchos

intermediários e chamadas nos intervalos”.

Vale ressaltar que, apesar de sua trajetória relativamente curta, o “legado” de

tal telejornal mantem-se visível na atual programação televisiva, notoriamente em

produções como Cidade Alerta (Record: 1995-) e Brasil Urgente (Bandeirantes:

65

2001- ). Mas em menor escala, seu tom informal encontra-se desde o programa

Leitura Dinâmica (RedeTV: 1999- ) até a recente atuação de Thiago Leifert frente ao

Globo Esporte (Globo: 1978- ).

A ascensão econômica da classe C pode ser vista como parte fundamental de

tais decisões de atuação jornalística por parte das emissoras. Segundo dados do

IBGE, pela primeira vez na história, a classe média brasileira predomina sobre as

demais. Sua participação alcança 52% da população, frente aos 21% e 25% das

classes AB e DE, respectivamente.

“No final do século XX e entrada do XXI que a bandeira do ‘direito de ter direitos’ é desfraldada, e indivíduos das classes populares assumem como legitima a pretensão de acesso a bens de consumo, bem como a substituição de um lugar apenas de escuta por – também – um lugar de fala”. (FRANÇA, 2009, p.42)

No entanto, a TV educativa nacional mantem seus padrões históricos no

tratamento da programação jornalística, privilegiando o debate, a profundidade de

informações e a densidade de tratamento das mesmas. Consequentemente,

aproxima seus programas de um perfil de telespectador de classes superiores e de

menor participação no universo televisivo como um todo.

Ao mesmo tempo, sabe-se que a novela ocupa, atualmente, o espaço da

educação nos lares, incluindo não somente a construção e divulgação de moda e

comportamentos, mas incorporando campanhas socioeducativas – e com maior

visibilidade e repercussão.

Logo, pode-se incluir a novela também como uma das causas da redução da

importância do jornalismo da TV educativa, um de seus pilares, visto que seu papel

de serviço público ficou ainda mais reduzido frente ao alcance da TV comercial.

Portanto, fica ainda aberta a questão: para que é necessário um canal

educativo, com modelos de programação que não privilegiam a fidelização, que é

distante da lógica do telespectador-consumidor e que possui pequena abrangência?

66

2.3 PROGRAMAÇÃO INFANTIL É A MAIOR VOCAÇÃO DA TV EDUCATIVA?

Duas “lógicas” diferentes presidem o funcionamento da Educação e da TV.

Objetivos, procedimentos, estruturas, institucionalização, a própria história – da

escola e da televisão – são tão diversos que a expectativa é a do desencontro.

José Luiz Braga (2009) 28

A campanha publicitária de lançamento da programação 2008 da TV Cultura

trazia como um dos seus principais destaques a nova versão da série infantil Vila

Sésamo (2008). O tom utilizado no conteúdo da referida campanha, sintetizado pelo

slogan adotado a partir de então pela emissora também em suas chamadas

televisivas, reflete o entendimento da instituição de qual seria a função da TV

pública: “A TV que faz bem”.

Figura 1. Peça impressa, página dupla. Campanha Programação 2008 TV Cultura. Agência EOU.

“Televisão não deve ser só alienação, não deve ser só perda de tempo. Televisão tem que educar, informar, divertir de forma inteligente. Tem que fazer bem. E a TV que faz bem não se restringe

28

Citação retirada do prefácio escrito pelo professor do programa de pós-graduação em Comunicação da Unisinos para o livro “Castelo Rá-Tim-Bum, o educativo como entretenimento”.

67

à sala de TV: acompanha os telespectadores até quando não estão assistindo. Seus valores seguem com eles no dia-a dia, no trabalho, na escola, no estádio de futebol, no trânsito. É acreditando nisso que nós, da TV Cultura, fazemos TV. E procuramos, a cada dia, fazer bem feito. Nossa nova programação traz o melhor do telejornalismo, do entretenimento e da educação. Mais informação responsável, mais diversão inteligente, mais cidadania. Com certeza, vai lhe fazer bem.”29

O conceito de “fazer bem” adotado pela emissora paulista, explicitamente, a

partir desta campanha, apresenta percepções emocionais e racionais (operacionais),

como pode ser observado no texto acima. E também permite observar sobre quais

bases a emissora constrói sua imagem aos seus públicos, sejam telespectadores,

anunciantes, imprensa ou governo, entre outros.

O insight para a construção do conceito “TV que faz bem” foi extraído,

primeiramente, de resultados de pesquisa realizada em 2004 pelo Instituto

Comsenso, por solicitação da FPA, para avaliação da imagem da TV Cultura. Ao

abordar telespectadores usuais e não usuais da emissora, a pesquisa apontou que

esta era associada à imagem de “TV do Bem”. Além desta, a Cultura foi relacionada

com os atributos positivos “confiável”, “amigável”, “familiar”, “ética” e “inteligente”.

Aliados a dados de pesquisas de avaliação realizadas pelo Instituto

Datafolha30, avaliações realizadas por periódicos do mercado publicitário31,

informações provenientes de atendimentos aos telespectadores – sejam via

telefone, cartas ou site -, além de percepções internas dos colaboradores, tais

atributos permitiram aos colaboradores da FPA visualizar, com clareza, as

expectativas da sociedade em relação à TV Cultura. Em síntese, a partir destes

dados, traduzidos no texto de campanha aqui apresentado, estão: oferecer

programas de qualidade, que contribuam para a cidadania e para o conhecimento;

realizar bom uso do dinheiro público, retornando o investimento à população através

de programação adequada às expectativas da população quanto ao conteúdo e

qualidade do mesmo; produzir com apuro técnico, com cuidado em relação aos

conteúdos e informações apresentadas, ter confiabilidade, enfim.

A campanha aqui utilizada como referência torna-se emblemática, entre

outras tantas veiculadas ao longo dos anos, não somente por assumir uma postura

29

Texto principal de peça publicitária impressa da campanha anual de programação da TV Cultura veiculada em 2008. 30

Pesquisas de avaliação de imagem da TV Cultura realizadas pelo Instituto Datafolha em 2003 e 2005. 31

Avaliações realizadas anualmente pelo jornal Meio & Mensagem junto ao mercado publicitário, sobre os meios de comunicação, entre eles emissoras de televisão aberta e fechada, rádio, jornais, revistas e sites.

68

diferenciada para a TV educativa frente a demais emissoras abertas, mas por ter o

teor de sua comunicação construído a partir de percepções externas sólidas, pela

primeira vez desde a origem da FPA. Os dados que a formulam foram obtidos a

partir de pesquisas com metodologia e abrangência, que tomaram forma a partir de

criação de núcleo interno desenvolvido para tal finalidade – até então também

inédito na instituição.

Planejada para marcar o início das intervenções em programação da gestão

Paulo Markun (2007 a 2010), a campanha permite observar que, apesar de indicar

“nova programação”, tal lançamento apresenta grande maioria de programas apenas

repaginados, com novos apresentadores ou cenários ou mudanças de horários, tais

como Roda Viva (1986- ) com nova apresentação da jornalista Lilian Witte Fibe;

Vitrine (1990-201232) com Sabrina Parlatore; ou Jornal da Cultura (1986- ) com nova

cenografia e inserções de conteúdo da francesa TV5. A exceção, com conteúdo

totalmente inédito - ainda que seja “herança” de produção da gestão anterior

(Marcos Mendonça, 2004-2007) -, não surpreendentemente encontra-se em um

programa infantil: o Vila Sésamo (2008).

O investimento em programação infantil própria ou via aquisição de terceiros

é notório na história da TV Cultura. A importância de tal gênero de programação

para a emissora torna-se evidente não somente por meio de sua atenção ao

desenvolvimento de formatos e de seus êxitos de público e de crítica, mas em

especial pelo espaço oferecido aos infantis em sua grade diária de programação.

Historicamente, a TV Cultura oferece a maior participação de espaço a programas

infantis entre todas as emissoras de televisão abertas: em média, 09 horas diárias

de programação.

Para efeito de comparação, atualmente, a principal emissora aberta brasileira,

a TV Globo, oferece apenas 03 horas semanais de programação infantil em sua

grade, aos sábados. Durante muitos anos, a composição de sua grade era formada

por cerca de duas horas e meia diárias dedicadas a programas do gênero, entre

títulos como Xuxa no Mundo da Imaginação (2002-2004) ou TV Globinho (2000- ).

A figura a seguir também permite visualizar como a imagem da TV Cultura

encontra-se atrelada, em especial, a quatro gêneros de programação: Educativos,

Infantis, Desenhos e Documentários. Considerando os três primeiros como

32

Em 2012, o conteúdo do Vitrine foi absorvido pelo programa diário Metrópolis, retirando o título da grade de programação da emissora.

69

fundamentalmente voltados ao público infanto-juvenil, referendam-se também por

esta percepção de afinidade os alicerces da formação da imagem que emissora

possui junto a seu público telespectador usual.

Figura 2. Imagem dos Canais por Gênero de Programas33

Aqui, vale ressaltar que, sendo a TV Cultura de São Paulo a principal

fornecedora de conteúdo e referência às demais emissoras educativas brasileiras,

ao lado da recente TV Brasil, as colocações e dados aqui apresentados não se

encerram nela mesma, mas permitem que os extrapolem para a visão do público em

geral em relação à atuação da TV educativa no país.

Para o telespectador, a Cultura ofereceria as condições para inseri-lo sempre

em meio a conteúdos de qualidade, mesmo durante os intervalos de programação.

Essa percepção, fornecida em pesquisas, levou à indicação de que a programação

infantil da Cultura era utilizada por pais e responsáveis como uma espécie de “babá

eletrônica”. Ao avalizar a exibição de conteúdos infanto-juvenis com cunho

educacional e reconhecer a controle exercido pela emissora sobre os conteúdos de

seus intervalos comerciais, pais se sentiriam tranquilizados em permitir que o público

33

Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, em 2005, com entrevistados que costumam assistir a TV Cultura.

70

infantil permanecesse em frente à TV, mesmo que sem a necessidade de sua tutoria

direta. Ainda assim, pesquisas Ibope34 apontaram para a maior presença de público

adulto junto a público infantil, em horários de programação infantil, na TV Cultura.

Tal dado permite inferir que pais e responsáveis acompanham a programação

educativa com seus filhos, utilizando-a como aliada no desenvolvimento das

crianças.

O fato de esta campanha ter como um de seus carros-chefes uma série

infantil com conteúdo inédito não surpreende. Facilmente pode-se perceber que os

alicerces da “TV que faz bem” ou “TV do bem” encontram-se em programas

emblemáticos como Castelo Rá-Tim-Bum (1993), Mundo da Lua (1990), Cocoricó

(1996- ), Roda Viva (1986- ), Ensaio (1990- ) e mesmo nas origens da emissora,

pelo pioneirismo, do primeiro Vila Sésamo, co-produção entre Cultura e Globo, de

1972 a 1977.

No entanto, quais os limites que o meio TV apresenta para alcance das

expectativas educacionais almejadas não somente pelos telespectadores de TVs

educativas, mas pelos próprios produtores destes conteúdos?

Fuenzelida (1992) apud Carneiro (1999) afirma que seria “irreal” exigir que a

televisão desempenhasse objetivos acadêmicos da escola ou da universidade. Para

tanto, seria exigida uma linguagem analítica específica da escola, oposta às funções

de entretenimento intrínsecas à linguagem audiovisual.

O êxito da série Castelo Rá-Tim-Bum, seja em audiência, repercussão de

público e crítica e vendas de produtos licenciados, permite coloca-lo em posição na

qual a televisão educativa nacional encontra o equilíbrio entre a função genérica do

meio TV em entreter e o objetivo especifico deste modelo de programação de

contribuir para a formação do telespectador. A série de 90 episódios, integralmente

produzida em 1993 e repetida incontáveis vezes até a data atual, mantem-se como o

maior índice de audiência já alcançado por produções da TV Cultura, com 12 pontos

aferidos pelo Ibope em 1997. A repercussão de seu formato é percebida também em

revisões de programação em outras emissoras abertas, comerciais, no período, tais

como a substituição dos programas da apresentadora Xuxa Meneghel (Xou da Xuxa,

1986-2003) pela série infantil de bonecos TV Colosso (1993-1997), na Globo; e o

lançamento da TV Cruj (1997-2003), parceria do SBT com a Disney.

34

Ibope/Telereport – GSP – 2006. Universo Mulheres com crianças de 2 a 9 anos de idade.

71

A citação de outras tantas produções próprias no gênero infantil das

emissoras educativas brasileiras pode sugerir, pela quantidade ou memória do leitor,

que há solidez e consistência no oferecimento da grade de programação deste tipo

de conteúdo. Ao lado do referido Castelo, do Rá-Tim-Bum (1989) que o originou em

nova forma de construir os quadros educativos, Bambalalão (1977), Ilha Rá-Tim-

Bum (2001), entre outros da TV Cultura de São Paulo, encontram-se títulos como A

Turma do Pererê (1999) e O Menino Maluquinho (2006), produzidos pela TVE-RJ;

Catalendas (1996), da TV Cultura do Pará; e Pandorga (1998), produzido pela TVE-

RS; todos exibidos pela Cultura de São Paulo e RPTV.

No entanto, a quantidade de reapresentações e a descontinuidade das

produções, com exceção em especial para o Cocoricó (1996), com 17 anos de

produções anuais contínuas, demonstra a instabilidade na manutenção do gênero,

seja pela eterna e necessária busca do equilíbrio entretenimento e informação, seja

pelas limitações financeiras das TVs educativas brasileiras em geral, visto suas

restrições de audiência e consequentemente de seus potenciais de captação de

recursos próprios junto a anunciantes.

Carneiro (1999) destaca que hoje “a sobrevivência da televisão educativa

sustentada apenas com recursos públicos está ameaçada.” E a oposição entre

educação e entretenimento é “enfocada a partir da conceituação inicial de televisão

educativa como negação da televisão comercial”. O que gera um cenário de difícil

superação para as emissoras educativas e que remete à essência do modelo de

televisão em questão.

“Vê-se que o cinema educativo e a televisão educativa recusaram a matriz dramática popularizada pelo cinema e expandida na televisão. A perspectiva critica exacerbou a separação entre educação e a cultura de massa. Recusava-se divertimento, sedução narrativa. Propostas de treinamento especializado na escola, com base em parâmetros externos e ideológicos, visavam a alterar as expectativas do receptor-aprendiz diante da televisão-divertimento.” (CARNEIRO, 1999, p. 18)

E abre-se, novamente, um questionamento primordial que permeia esta

dissertação: no atual contexto da televisão aberta e sua dependência do binômio

audiência e investimentos publicitários, há espaço para produção e veiculação de

programas essencialmente educativos?

72

São as crianças brasileiras as que, historicamente, permanecem por mais

tempo, diariamente, frente à televisão. Em média, anualmente, os brasileiros de 04 a

11 anos assistem a cerca de 5 horas por dia de programas televisivos35.

Pesquisa realizada pela UnB – Universidade de Brasília, em 2004, com

crianças e adolescentes entre 06 e 15 anos de idade, indica que o que mais

desejam encontrar na televisão é “entretenimento” e “aprendizagem sobre si e sobre

o mundo”. A TV que mais gostariam de assistir teria sua grade de programação

formada por desenhos, filmes, novelas e programas informativos.

Carneiro (1999, p.37) aponta que, no entanto, “as críticas mais frequentes

quanto ao uso da televisão no ensino têm sido a não exploração das amplas

possibilidades oferecidas pela televisão, à sua redução a simples veículo de

exposição professoral, ainda que ancorada em materiais audiovisuais.”

Em resumo, há um distanciamento entre o que é oferecido pelos produtores e

o que esperado pelos telespectadores, de maneira geral.

Levando novamente aos êxitos de produção deste gênero pela TV educativa

brasileira, mais precisamente a TV Cultura de São Paulo, observa-se que manter-se

no mesmo caminho de repetição ou readaptação de seus formatos bem sucedidos,

como Castelo, Cocoricó e Vila Sésamo, também apresenta um cenário futuro

limitante.

A maioria das produções infantis oferecidas pelas TVs educativas nacionais e

voltada a crianças de três até seis anos de idade, segundo especialistas em

programação. E, não raramente, as grades horárias das emissoras educativas

negligenciam o público adolescente e pré-adolescente, não possibilitando, assim, a

progressão natural e a manutenção da fidelidade conquistada com sua grade infantil.

Com a aceleração no processo de desenvolvimento da criança e do pré-

adolescente, a programação da indústria cultural como um todo se tornou mais

complexa, nos últimos anos. Os programas tem que ser mais elaborados, levando o

telespectador infanto-juvenil a fornecer maior atenção à narrativa e maior esforço

para reter e analisar detalhes.

Enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, indica como

“criança” toda aquela que tem até 12 anos de idade incompletos, é notório que o

perfil do público infantil vem sofrendo mudanças ao longo dos anos. Tal fator

35

Midia Fatos 2011

73

apresenta impacto direto sobre a faixa de programas que se considera como infantil

e que é o principal foco de produção de conteúdos aqui relacionados.

Relatório da Unesco36 posterior ao Estatuto, datado de 2000, já apontava

como pré-adolescentes os indivíduos a partir dos 10 anos de idade. Destaca-se, no

mesmo relatório, também o fato de o grupo entre 07 a 10 anos indicar características

como “diferenciação maior entre realidade e fantasia”, “busca por seguir histórias

mais complexas” e “interesse maior por programas de adultos”.

O atual contexto de produções oferecidas pelas emissoras mostra-se, assim,

limitado e com ausência de planejamento de continuidade e fidelização dos

telespectadores.

Como parte do cumprimento da função básica das emissoras educativas - a

formação para a cidadania -, observa-se que a atenção ao fornecimento de

conteúdos infantis torna-se inquestionável. A relativa independência do mercado

anunciante, por contar com o financiamento por recursos públicos, permite às

emissoras educativas a construção de formatos narrativos voltados a grupos

restritos de audiência, que seriam incompatíveis com a razão comercial das

emissoras fora deste modelo de subsídio governamental.

A visão em longo prazo de formação de público e sua fidelização para demais

produtos de sua programação permite visualizar, claramente, a necessidade de

atenção à grade infantil para perenidade de qualquer emissora educativa. No

entanto, percebe-se que devem ser respeitadas as características do meio TV e, em

especial, as expectativas do “receptor-aprendiz”.

Pode-se até mesmo não se chegar à conclusão que a vocação das emissoras

educativas estaria em oferecer conteúdos infantis, mas a presença dos mesmos na

programação de tais canais mostra-se essencial para o cumprimento de sua missão

de formação e para a sustentação da imagem almejada pela TV educativa,

permitindo o alcance de percepção como TV pública, por conseguinte.

36

Unesco, Brasília, 2000, 2ª edição. Pesquisas adaptadas para a criança brasileira – Carsson

74

CAPÍTULO III

75

CAPÍTULO III: TV CULTURA DE SÃO PAULO: ÊXITOS E VÍCIOS.

“A Globo, líder de audiência há anos, não consegue traduzir os números do Ibope em simpatia

e confiança. Não consegue ser, carinhosamente, chamada de ‘tia’ pelo público, como acontece

com a BBC britânica. Uma familiaridade conquistada ao longo de décadas de cumplicidade

não com governos ou anunciantes, mas com o público telespectador.”

Laurindo Leal Filho (2006)

Afirmo, correndo pequeno risco de incorrer em erro, que o caso mais próximo

da “tia” inglesa no Brasil encontra-se na TV Cultura de São Paulo.

Mas, facilmente, percebe-se que a emissora educativa brasileira apresenta

uma situação antagônica à citada acima: a simpatia e confiança depositadas pelo

público, detectadas em toda e qualquer pesquisa de opinião – algumas citadas ao

longo deste trabalho – não se refletem em índices significativos de audiência.

Por que a “tia” nacional, parenta distante da britânica, não apresenta uma

situação como ocorre na Inglaterra, onde uma mesma emissora agrupa

consideráveis indicadores qualitativos e quantitativos?

A pesquisadora Fatima Pacheco Jordão, responsável pela coordenação da

área de pesquisas da Fundação Padre Anchieta entre 2005 e 2010, utilizava,

internamente, um descritivo simples para analisar a ocorrência “Audiência baixa x

Apreço alto” percebida na TV Cultura, como se dizia internamente. A emissora seria

uma bela praça, vista como bem cuidada, parte da história de todos, mas não

atraente o suficiente para que alguém decida sentar no banco e aprecia-la por muito

tempo. Mas sua relevância histórica é o suficiente para que se deseje a manutenção

do espaço, ainda que não se tenha a intenção de usa-lo um dia.

Leal Filho (2006) indica que a programação cuidadosa, séria e respeitosa é o

que construiu e mantém o êxito alcançado pela BBC. Essa é a parte mais visível de

sua atuação.

E a Cultura também não seria assim?

Acredito que, melhor que estabelecer uma cronologia ou destacar programas

realizados ou exibidos pela emissora paulista - já em boa parte citados nos capítulos

anteriores -, vale mais levar o leitor a buscar lembrar-se qual programa recente da

Cultura consegue enumerar em uma breve lista mental. Com base nas pesquisas

que tive acesso ao longo de meus dez anos de trabalhos dedicados à Fundação

Padre Anchieta (1998 a 2008), ressalto que em questionamentos espontâneos sobre

76

lembrança de programação, inevitavelmente, as respostas se dirigiam a programas

de longa data em exibição, com raras exceções a algo de criação mais recente.

Castelo Rá-Tim-Bum, Roda Viva, Vitrine, Cocoricó e Mundo da Lua surgiam em

qualquer lista. Todos estes são lançamentos da primeira metade década de 1990 ou

anterior, caso do Roda Viva (1986- ). E tal afirmação pode fazer o leitor deste

trabalho supor que nada de novo foi produzido nos últimos anos na emissora.

Somente nos últimos anos do período aqui retratado (1998-2008) podemos

destacar produções inéditas e relevantes em diferentes gêneros, entre outras: o

novo Vila Sésamo (2008); a série jovem sobre literatura Tudo que é sólido (2008); o

musical da periferia Manos e Minas (2007- ); e Balanço Social (2006-2010),

agraciado com Prêmio Ethos de melhor programa sobre responsabilidade social já

em seu primeiro ano de exibição, em 2006.

Se a grade de programação da emissora paulista ainda oferece novidades de

qualidade ao telespectador, quais razões levam à baixa atratividade junto ao

público?

Com propriedade de quem vivenciou a estrutura organizacional da Fundação

em três diferentes gestões37 e pôde, como responsável pelas Relacões

Internacionais da instituição, conhecer a fundo outras emissoras de atuação

semelhante em outros países, Otondo (2012, p.242) afirma que “quatro pontos

afetam, em última análise, a programação e consequentemente a audiência (da TV

Cultura): o financiamento, a composição do Conselho, o processo sucessório e a

falta de transparência em todas as atividades da Fundação.”

Minha visão soma-se à citada por Otondo, ainda tenha atuado em outro

período e com outras atribuições na Fundação. O recorte específico de dez anos

que utilizo (1998-2008) abrange não somente o período em que pude testemunhar o

funcionamento da Fundação Padre Anchieta in loco, como seu colaborador na

Diretoria de Marketing e Vendas. Tal período foi especialmente definido por oferecer

uma visão dois importantes marcos para a instituição: o início oficial de sua abertura

ao mercado publicitário em 1998 e a assinatura de contrato de gestão com o

Governo do Estado em 2008. Ambas as decisões implicaram em redefinições de

gestão e produção.

37

A jornalista Teresa Otondo foi colaboradora da Fundação Padre Anchieta entre 1993 a 2004, abrangendo as gestões dos seguintes diretores-presidentes da instituição: Roberto Muylaert (1986-1995), Jorge da Cunha Lima (1995-2004) e Marcos Mendonça (2004-2007)

77

Minhas atribuições como gerente geral da área de Marketing da Fundação,

permitiram ter acesso a informações e realizar estudos que levam aos mesmos

quatro pontos indicados por Otondo (2012). Vale aqui analisar, brevemente, cada

um deles, destacando seus impactos diretos e indiretos sobre a programação da

emissora, bem como seu distanciamento e aproximação dos conceitos de TV

pública.

1. Financiamento: ainda que definido por lei, em vigor desde 1967, que obriga o

Estado a prover verba anual para funcionamento da Fundação, o montante

não é determinado pela legislação, mas votado ano a ano pela Assembléia.

Tal indefinição em relação à dotação orçamentária anual reflete-se em

instabilidade institucionalizada. A negociação de valores é realizada,

desgastantemente, a cada ano, impedindo qualquer planejamento a médio e longo

prazos, seja em gestão ou em programação. E ressalta-se, com olhos de quem viu

os acontecimentos internamente, que, ainda que definida pela Secretaria de Cultura

e aprovada pelo Legislativo, a dotação anual pode ser contingenciada e não liberada

em qualquer momento.

Leal Filho (2006) aponta ainda outro lado, preocupante, que esta relação

pouco definida de financiamento permite:

“São duas faces do prisma, que nos remetem à questão do controle e do financiamento da televisão. Ou, de forma mais simples, a ideia corrente de que quem paga controla e, ao controlar, determina os padrões da programação, seu ritmo, sua organização, impondo, por exemplo, uma absoluta falta de limites entre jornalismo, publicidade e relações públicas.” (LEAL FILHO, 2006, p.15)

Aqui, a percepção de um “abismo” entre Inglaterra e Brasil é inevitável. A BBC

trabalha com estabilidade de financiamento e consequente planejamento de longo

prazo de suas produções. Sua dotação é proveniente de cada cidadão britânico para

que possa acessar a programação televisão, seja via televisão, vídeo ou DVD,

computadores ou mobile, com taxa anual 38 equivalente a atuais R$ 440,00, em

conversão cambial de fevereiro 2013.

38

www.bbc.co.uk, valor de 145,50 libras esterlinas convertido em reais em cotação de fevereiro 2013.

78

Tal formato de financiamento da emissora britânica permite desenvolvimento

de cronograma de produção quinquenal, acessível a qualquer cidadão em seu site e

outros materiais de divulgação. A participação do público não somente é possível

em decisões internas, como incentivada. Comitês permanentes são espaços para

que o telespectador exerça seu papel cidadão junto à emissora.

2. Composição do Conselho Curador: ainda que a representatividade de

entidades do Estado não seja majoritária, 20 entre 47 Conselheiros, como

destaca Otondo (2012, p. 242), pode-se dizer que a força política proporciona

um grau de influência preponderante e consequente maior poder de

articulação em torno de temas de interesse.

Além disso, seu modelo de gestão, envolvendo um conselho curador

abrangente e que tem intuito de refletir a sociedade mostra-se excessivamente

amplo e moroso e, por vezes, distante da realidade da emissora. Não raramente os

membros do Conselho deliberam sobre manter ou não produções na grade da

emissora a partir de um compilado de imagens produzido exclusivamente para tais

reuniões.

3. Processo sucessório: três ciclos máximos de três anos cada é o determinado

para cada diretor-presidente da FPA. Internamente, diz-se que o primeiro ano

é voltado a entender onde está, o que fazer e o quanto terá de verba para

isso. O segundo ano, a lançar produções e mostrar serviço. O terceiro, à

busca pela reeleição ou por outra ocupação.

A limitação aqui percebida reflete-se em entraves na produtividade da

emissora, em especial, pela renovação de quadros diretivos que, constantemente,

as novas gestões impõem. A consequência evidente é observada em programas

descontinuados e projetos inacabados.

Sem entrar no mérito se uma nova gestão avaliaria os projetos da anterior

como não adequados por algum motivo, sabendo-se que o processo de produção de

televisão exige investimentos consideráveis de tempo e recursos até a finalização e

exibição, o fato de oferecer apenas três anos para a garantia de construção de

projetos mostra-se inviável. Observando as produções das ultimas três gestões,

79

todas elas sem reeleição de seus presidentes, um ciclo se repete quanto a oferecer

novos projetos em meio ao segundo ano de atuação e a descontinuidade parcial na

gestão seguinte.

Não raramente há revisão da estrutura organizacional da FPA e não somente

de parte do quadro de colaboradores. O impacto direto na produção é perceptível:

muda-se a cadeia de comando, muda-se o modo de produção, reiniciam-se

processos, cria-se morosidade e maior dificuldade no engajamento da mão-de-obra

produtora, que possivelmente verá esta revisão ocorrer, novamente, após três anos,

com uma possível nova gestão.

4. Falta de transparência: apesar de almejar ser percebida como “pública”,

sinônimo de emissora voltada à sociedade, a Cultura não possui mecanismos

para participação efetiva do público em suas atividades, a não ser como

telespectador ou eventual espectador em programas de auditório, como Viola

Minha Viola (1985- ) ou Sr. Brasil (2005- ).

Observa-se que seu atendimento à audiência é praticamente pro forma, não

recebendo atenção devida dos dirigentes da emissora e consequente aplicação de

recursos. Não raramente o atendimento é operado por estagiários, que pouco

podem oferecer em relação à consistência do serviço.

Os programas da TV Cultura, por mais de trinta anos, foram desenvolvidos

sem observação de dados de pesquisas, seja de qual modelo, e mesmo atenção

aos indicadores de audiência atingidos, com consequente desconhecimento da

adequação na aplicação dos recursos financeiros. Ressalta-se que, como TV

educativa, os indicadores de audiência não devem ser tomados como balizadores

para argumentação de vendas publicitárias, como ocorre nas TVs comerciais, mas

observados e controlados para aferição constante do cumprimento de sua missão.

Serão indicadores de acesso aos conteúdos e não de potencial de consumo.

Também em divergência com a almejada BBC, os dados orçamentários e

investimentos realizados pela FPA não são de domínio público, contribuindo para

incertezas quanto a adequação de sua aplicação e possibilidades de intervenções

políticas não declaradas em definições de programação.

Ressalta-se que tal quadro também aponta a ausência de alcance de outro

patamar, importante a um serviço público, o democrático, com mecanismos que

80

permitam a real participação da audiência nas decisões do Conselho Curador. E tal

questão remete aos primórdios da Fundação, segundo atesta Leal Filho (1988).

Os quatro pontos destacados e seus desdobramentos permitem perceber

que, na TV educativa paulista, as contradições e ambiguidades existentes na

relação cultura e Estado apresentam-se, claramente, no funcionamento da emissora.

Destaca Leal Filho que “ali estão presente o paternalismo, o populismo e as

diferentes formas de resistência a essas práticas, num caldeirão em permanente

ebulição” (LEAL FILHO, 1988, p. 73).

“Trata-se de ‘injetar cultura no homem’, não se questionando quem injeta, nem como ela é injetada.” (LEAL FILHO, 1988, p.71)

São inúmeras as contradições e instabilidades que se sucedem em ciclos e

se repetem ao longo de mais de 40 anos. De tempos em tempos, cada uma das

fases se (re)apresenta.

Em sua dissertação de mestrado apresentada a PUC-SP, publicada em nova

versão no livro “Atrás das Câmeras”, em 1988, Leal Filho já discutia as formas nas

quais a sociedade civil e a política se encontravam refletidas na gestão e na

programação da Cultura, em suas primeiras duas décadas de atuação. O

surpreendente é que pouco se alterou ao longo dos 25 anos que separam o referido

texto e a emissora hoje.

Seus primeiros anos seguiram uma atuação paternalista e professoral,

condizentes com o projeto do regime militar que investiu na emissora educativa. A

adoção de um modelo que entendia que os cidadãos deveriam receber cultura para

crescimento impunha uma visão particular de uma elite cultural a todo o conjunto

social. A exibição de programação cultural, associada ao erudito, entre óperas,

concertos e debates, limitava sua abrangência e atratividade a um público seleto e

restrito.

“No modelo desenvolvimentista, a TV estava a serviço dos objetivos do Estado que fazia uso instrumental da comunicação. A TV educativa é fruto dessa orientação. As instituições lideravam os processos e guiavam as pessoas.” (OTONDO, 2012, p. 276)

A gestão Roberto Muylaert (1986-1995) pode ser vista como conciliatória, ao

apresentar os maiores êxitos até hoje na junção Educação e Entretenimento, nos

quais se destacam os infantis Rá-Tim-Bum, Castelo Rá-Tim-Bum, Mundo da Lua e

81

Cocoricó. A percepção, ao final do período ditatorial vigente, era ser necessário um

formato que aproximasse a atuação de massa de uma TV aberta e sua missão

segmentada em educação.

A gestão seguinte, de Jorge da Cunha Lima (1995-2004), retoma o

paternalismo embalado nos conceitos do denominado “Jornalismo Público”. No

Manual de Redação da emissora no período, a Cultura se propõe a apresentar não

somente e apenas as notícias de claro interesse público, mas as mesmas deveriam

ser aprofundadas para que o telespectador médio as compreendessem. Tal

propósito, ainda que nobre, demonstra clara visão da elite em relação a uma

população necessitada e desprovida de capacidade de compreensão.

O populismo de massa se fez presente na gestão Marcos Mendonça (2004-

2007), em que o foco estava em ampliar a audiência em constante declínio, inclusive

nas até então estáveis audiências da programação infantil. A controversa chegada

da apresentadora Silvia Poppovic à programação da emissora após uma carreira de

programas popularescos em outros canais abertos e uma tentativa frustrada de

produzir uma versão da série mexicana Chaves foram marcantes no período,

internamente.

A visão do funcionamento destes dez anos específicos de gestão e

programação, complementar aos demais dados expostos nos capítulos anteriores,

permite perceber uma possível explicação para as crises e insucessos da emissora.

Leal Filho destaca, em texto ainda extremamente atual, que a causa estaria no fato

de que

“seu projeto nunca levou em conta as distinções reais existentes na sociedade ao nível de relações de produção, preferindo considera-las desníveis culturais capazes de serem equilibradas através da veiculação de ‘cultura’.” (LEAL FILHO, 1988, p.28)

Esse distanciamento em relação à sociedade a qual a Cultura almeja ser vista

como pertencente, ao buscar o conceito de TV pública, viria a ser parte intrínseca da

grave crise financeira vivida pela emissora no inicio da gestão Cunha Lima, com o

advento do Plano Real, em 1995.

As novas relações econômicas estabelecidas pelo plano quanto à contenção

da inflação levaram a revisões dos investimentos do Governo do Estado,

impactando em cortes na dotação orçamentária da Fundação Padre Anchieta nos

anos seguintes ao referido plano econômico.

82

Como destacado anteriormente, tais cortes e contingenciamentos de verbas

governamentais à Fundação encontram amparo legal.

A extrema limitação de recursos financeiros afetou as linhas de produção da

emissora, levando-a não somente à dispensa de pessoal, mas à redução de

produção, mantendo em sua grade um alto número de reapresentações de

programas. Praticamente apenas seus programas jornalísticos mantinham-se

inéditos no ar.

Diversas modalidades de captação de recursos próprios foram procuradas

pela Fundação, na ocasião, visando reequilibrar seu quadro financeiro, sem

sucesso, entre elas: foundraising (modalidade de arrecadação de doações, tanto de

pessoa jurídica quanto física) e implantação de modelo semelhante ao da BBC, com

arrecadação de recursos para a emissora em contas de serviços públicos. Esta

última foi vetada pela Câmara em 1997.

A captação de recursos próprios junto ao mercado publicitário viria ser a

alternativa implantada, com êxito, após deliberações junto ao Conselho Curador e

definições de processos auto-regulamentadores que visavam preservar os conceitos

inerentes à Missão da Fundação.

Em 1999, a TV Cultura passou a oferecer seus intervalos de programação

para veiculação de mensagens publicitárias, nos mesmos modelos praticados pelas

demais emissoras, exceto por haver restrições de conteúdos possíveis de serem

exibidos. Resumidamente, suas normas indicavam que nenhuma peça com

excessivo apelo de vendas viria a ser veiculada.

Na ocasião, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha apontou para

aceitação dos telespectadores em relação à veiculação de mensagens publicitárias

na TV Cultura (72% de aprovação dos entrevistados que perceberam as mudanças

nos intervalos). Tal fato ocorreu devido a dois pontos, segundo a mesma pesquisa: a

percepção de que os recursos seriam reinvestidos em programação de qualidade e

também 80% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que “não é

qualquer propaganda que passa na TV Cultura, existem regras para a preservação

da qualidade dos comerciais.”39

Vale ressaltar que, anteriormente ao período retratado, recursos próprios já

compunham o orçamento da Fundação, em escala bastante reduzida frente à

dotação governamental e futuras arrecadações com publicidade. Já em 1995, o

39

Pesquisa Datafolha, 2003

83

denominado DRO-Departamento de Receitas Operacionais era responsável por

negociações que envolviam desde produções para terceiros, como a TV

Assembleia; até licenciamentos de produtos, especialmente do Castelo Rá-Tim-

Bum.

Os pontos destacados neste capítulo também se evidenciaram nas

dificuldades quanto ao plano de captação de recursos próprios: a emissora era

percebida pelo mercado anunciante como instável e extremamente vulnerável a

movimentações politicas. Sua programação apresentava, naquele momento, poucos

destaques e inovações.

Sua relevância e consequente apelo comercial encontravam-se

exclusivamente em sua história e imagem consolidada quanto à qualidade de

programação, referendada por prêmios e resultados positivos em pesquisas. No

entanto, isso não era suficiente para decisões de investimentos relevantes nos

planos de mídia de grandes anunciantes.

Falhas de compreensão da missão por parte da equipe comercial e das

restrições inerentes à emissora – que poderiam ser utilizadas como forças ao

diferencia-la de demais emissoras abertas – foram vistas em ações junto ao

mercado anunciante. Campanhas com apelo varejista, ainda que buscando o uso de

humor, e textos que explicitavam o distanciamento com o público foram vistos

interna e externamente. Uma das peças publicitárias preparadas pela emissora, mas

rejeitada antes de seu lançamento dizia: “Cultura: quem tem, vê” – em clara relação

com as visões paternalistas que a emissora assume de tempos em tempos ao longo

de sua existência.

O lançamento de programas consistentes como o jornalístico Conversa Afiada

com Paulo Henrique Amorim (1999-2002) e Ilha Rá-Tim-Bum (2001), permitiram

melhor posicionamento e percepção da Cultura junto aos anunciantes e agências de

publicidade.

A participação de recursos próprios no orçamento geral chegou a alcançar o

relevante patamar de cerca de 30% do total, possibilitando novas produções e

investimentos em equipamentos.

Os processos sucessórios foram decisivos para a instabilidade da atuação

comercial da Cultura. Cada gestão apresentava seu entendimento próprio de como a

Cultura deveria atuar e se apresentar ao mercado, bem como quais tipos de

84

programas deveria vir a ser produzidos e patrocinados - como pôde ser observado

nos descritivos de modelos de atuação dos três gestores aqui retratados.

A instabilidade politica interna afetou não somente as relações com o

mercado, mas também com o governo do Estado. A crise econômica global de 2008,

aliada ao início de nova gestão (Paulo Markun, 2007-2010), acabou por fragilizar a

captação de recursos próprios ao mesmo tempo em que se ampliava a participação

do governo em decisões internas da Fundação.

Tal movimento governamental culminou com a assinatura de Contrato de

Gestão, em 2008, em modelo semelhante ao aplicado entre Radiobras e TVE-RJ e

ao qual gestões anteriores da FPA se opunham.

Otondo (2012) atesta que o Contrato de Gestão foi aprovado por unanimidade

pelo Conselho Curador e estabelecia metas e contrapartidas a serem alcançadas

pela Fundação, condicionando, assim, a liberação de verba. Em análise de tais

condições inclusas neste primeiro Contrato de Gestão, aqui referido, tive a

oportunidade de perceber que as metas a serem alcançadas pela Fundação eram

pouco claras, possibilitando leituras ambíguas e importante margem para discussões

sobre seus alcances e consequentes impedimentos na liberação de verbas. Tais

dificuldades viriam a ocorrer ao longo dos anos seguintes da gestão Markun.

Otondo (2012, p.260) cita que, para o Conselheiro da FPA e ex-presidente da

Radiobrás Eugenio Bucci, o contrato de gestão seria “democrático e representa uma

ferramenta importante para controle e transparência da verba pública, mas não deve

servir como regulador do dinheiro público destinado à comunicação e cultura.”

Otondo (ibid) destaca ainda que se a discussão permite observar a viabilidade

deste modelo “como forma de garantir independência e estabilidade financeira da TV

Cultura, é preciso observar também a outra ponta – a sua validade, para responder

para que serve e a quem deve servir uma televisão pública.”

Conclui-se, que se no período ditatorial, a Fundação Padre Anchieta teve sua

orientação oscilando entre o liberal e o autoritário, “nunca conseguindo uma feição

própria”, como destacou Leal Filho (1988, p.14), a grande diferença, hoje, encontra-

se na existência do Estado democrático e não exatamente em novas definições e

modelos de atuação internos. Ou seja, internamente a FPA permanece com suas

contradições e oscilações históricas. Foi o país que mudou e possibilitou que novas

percepções externas em relação à atuação da TV Cultura permitissem almejar ser

vista como TV pública.

85

CONSIDERAÇÕES FINAIS

86

CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para quê e para quem fazemos televisão pública? Que televisão queremos para os

nossos filhos? Como fazer isso? A televisão pública é necessária? Estas interrogações

remetem, sem dúvida, a um projeto maior, um projeto de sociedade.

Teresa Otondo (2012)

Haverá TV pública no Brasil?

Entender suas origens, desde as primeiras incursões do modelo na Europa

até as razões que levaram à importação do termo TV pública para o Brasil pela

educativa TV Cultura de São Paulo, na década de 1990, foram pontos fundamentais

para a busca de respostas para este que é o questionamento central desta

dissertação.

No contexto trilhado por esta dissertação, levanta-se o questionamento não

somente no sentido de já existir alguma, mas também de vir a existir uma emissora

que, um dia, alcance os propósitos que delineiam o conceito em foco.

Criadas como parte do modelo de desenvolvimento adotado pelo regime

militar vigente entre 1964 e 1985 , as TVs educativas brasileiras tinham vocação

para o ensino à distância e papel a cumprir na difusão da ideologia do governo

ditatorial em vigor.

Naquele momento, da mais importante crise de legitimidade do poder da

história do país, o meio TV foi percebido como fator-chave para o projeto de

integração nacional adotado pelo regime militar, cercando a televisão em meio a um

modelo político que excluía a participação democrática.

A intervenção do Estado com propósitos políticos e ideológicos junto a meios

de comunicação, no entanto, não é exclusividade nem deste período histórico e nem

mesmo deste país. Também se observa a presença do binômio Estado e educação

via meios de comunicação nas emissoras públicas europeias.

Ao longo das mais de quatro décadas que este estudo contempla, em

especial, desde o lançamento da pioneira TV Cultura, em 1969, outras diversas

emissoras educativas foram criadas, sempre com alguma relação com os governos,

sejam Federal, Estaduais ou Municipais. A mais recente, a TV Brasil (2007) -

87

diretamente relacionada ao Governo Federal e que incorporou e substituiu a TVE-RJ

-, pode ser percebida como o resgate dessa história iniciada há mais de 40 anos, em

que o Estado busca desenvolver um veículo de comunicação de massa como

instrumento sociocultural a serviço de seus interesses.

Em comum, as emissoras educativas brasileiras, com raras exceções, são

percebidas como autoras de produções de questionável qualidade e como possíveis

espaços para acomodação de interesses da máquina governamental, em suas mais

diversas instâncias e propósitos.

Havendo relação tão próxima entre tais emissoras e os governos e a

possibilidade de estarem colocadas a seu serviço e interesses, como podemos

considerar que o conceito de TV pública estaria presente, em algum grau, entre as

emissoras educativas nacionais?

Para onde vai a TV pública no Brasil foi a pergunta que deu origem a esta

dissertação, levando a permear seu titulo. O questionamento é amplo, incluindo até

mesmo a dúvida de haver uma emissora no país que possa assumir tal titulação,

como referido anteriormente.

Entendendo a TV pública como um novo patamar possível de ser atingido

pelas educativas e que não há apenas um único conceito ou forma de atuação que a

caracterizaria, pode-se entender que as emissoras educativas brasileiras atingem

em níveis e momentos diferentes a tal conceituação.

Como afirma Otondo (2008, p.44), “quando a televisão se identifica com o

governo, não é pública. Se esta afirmação é verdadeira, poderíamos dizer que não

existe televisão pública na América Latina.”

A discussão é relativamente recente, não somente no Brasil.

Somente a partir da década de 1980 a Europa veria tomar força as

discussões sobre a necessidade de desvincular a política da televisão, em busca do

alcance de serviço público independente. No Brasil, somente na década de 1990 tal

discussão e adoção do conceito de “pública” entrou em pauta. Até então, trabalhava-

se somente com a denominação de “educativa”.

As recentes tentativas de intervenção do Governo Federal dos conteúdos

trabalhados pelos meios de comunicação por meio de possíveis revisões da lei de

imprensa e mesmo a criação da TV Brasil são indicadores de que ainda há muito a

caminhar nesta discussão.

E a pergunta, então se fortalece: haverá TV pública no Brasil?

88

Para estabelecimento do conceito de TV pública no Brasil não há outro

caminho que não passe pelo da responsabilidade com o potencial do meio televisão,

em especial em um país com as características do nosso: uma nação na qual a

propagação da televisão predominou frente à alfabetização e cuja cultura oral

prevalece sobre a escrita.

Assim sendo, a presença e domínio da televisão como principal difusora de

comportamentos e costumes torna inquestionável a necessidade de tratar com

seriedade seu potencial de agente transformador.

E tal responsabilidade torna-se ainda maior entre as emissoras atuantes no

que se entende como “campo público de televisão”, visto sua razão de existir: estar

voltadas ao benefício da sociedade.

Conforme indicado ao longo desta dissertação e com especial destaque para

os textos formulados pelo “Relatório Tongue” 40 (vide página 07), seria a televisão

pública o espaço para o cidadão expressar suas opiniões, formar o debate essencial

para a opinião pública e encontrar a representação ampla e irrestrita da sociedade.

Percebe-se, portanto, que as características apontadas pelo referido relatório

e que permeiam diversas definições do conceito de TV pública, a definem com

clareza em requisitos básicos a serem cumpridos: primeiramente, a emissora, para

ser pública, tem que ser de regime aberto de transmissão, fornecendo o indicado

“acesso universal a todos os cidadãos”. A emissora deve abranger a identidade

nacional e a diversidade local do país, contribuindo, de fato e direito, para a

integração, mas também para a manutenção de diferenças e costumes entre

regiões. O acesso à informação e a diversidade de programas devem ser amplos e

não voltados a um grupo ou outro. E por fim, a independência editorial é primordial e

para tanto, há de buscar-se independência politica e financeira.

A leitura destes itens demonstraria que nenhuma de nossas emissoras

educativas brasileiras estaria apta a assumir a nomenclatura de pública. No entanto,

assim como percebido em relação ao processo de responsabilidade social

empresarial, a busca pela adoção de rumos aqui se torna extremamente relevante e

não somente o alcance de resultados. Entendem especialistas em terceiro setor,

prosseguindo com a analogia, que se observados todos os critérios para

40

Desenvolvido pela Comissão de Cultura, Educação, Esportes e Mídia do Parlamento Europeu, em 1996. Buscava

estabelecer as bases politicas e legais para regulamentar e garantir uma televisão pública forte na era digital.

89

entendimento do que seria para as empresas a atuação esperada para o conceito de

responsabilidade social, nenhuma atualmente se encaixaria, nem mesmo algumas

aclamadas como a Natura.

No entanto, o fato de terem iniciado seus processos neste sentido e os

impactos em rede observados em todos os públicos de interesse de tais empresas já

torna a ocorrência mais do que louvável.

Assim pode-se perceber o caminho iniciado na década de 1990 pela TV

Cultura e que contaminou, desde então, o entendimento de como deve se portar

uma emissora educativa: almejar ser “pública”, voltando-se ao cumprimento dos

anseios da sociedade, a quem deve sua razão de ser.

Percebe-se, claramente, por meio dos dados contidos neste estudo, que o

caminho é longo e árduo, para todas as emissoras que o buscarem percorrer.

Não se falando das questões internas, jurídicas e burocráticas, que atrelam as

diversas TVs educativas a órgãos governamentais, o distanciamento da sociedade

já seria o suficiente para reforçar a afirmação acima.

Já se evidenciou aqui que as emissoras educativas foram desenvolvidas com

vínculos estatais e políticos, com programação didática, em geral, e aceitas por

grupos restritos da população.

Percebe-se, entretanto, que a sociedade, por meio de indicadores diversos –

como os de audiência – já aponta, há tempos, os caminhos para o alcance de uma

TV pública, que a atenda e que permita sua aproximação: deve-se entender e

respeitar seu entendimento quanto ao meio TV, no qual o traço do entretenimento

ultrapassaria os gêneros televisivos categorizados para tal finalidade e penetraria

mesmo “o sisudo campo da ‘informação’”, como atesta França (2009). A adesão a

programas como Castelo Rá-Tim-Bum, notório em sua repercussão, permite

reafirmar tal objetivos a ser almejados. Obviamente, não haverá o desenvolvimento

de dezenas de “castelos”, que permeariam toda a grade, mas as atenções ao

equilíbrio entre informação e entretenimento e a adoção de postura não professoral

fazem-se primordiais.

A atuação da TV pública e das atuais educativas não deve ser didática,

voltada para o ensino formal, mas atuar em sentido mais amplo, levando em conta a

capacidade do receptor em aprender.

Se na chamada paleo-televisão (vide página 37), o cenário televisivo tratava o

telespectador como aluno, distanciado, a neo-televisão segue em busca do que

90

seria uma “convivência democrática”. Emissores e receptores agem em

cumplicidade e compreensão, refletindo na programação apresentada.

Mas, neste contexto de distanciamento e proximidade, qual o caminho

seguido pelas emissoras educativas nacionais?

Encontram-se ainda longe de atingir tal “convivência” aqui indicada.

Perceber a TV educativa como herdeira direta dos objetivos do cinema

educativo é estabelecer que as intenções originais do Estado não pereceram, mas

se adaptaram a um novo cenário social e tecnológico. Ainda que não houvesse a

pretensão declarada em substituir a educação formal, a televisão foi encarada e

utilizada em busca de um papel como atividade extraescolar, dando prosseguimento

às intenções dos projetos relativos ao cinema educativo anteriores.

O estudo de impactos e do poder instrumental dos gêneros audiovisuais

sobre a cultura televisiva nacional e, mais particularmente, sobre os rumos da TV

educativa brasileira mostraram-se importantes ferramentas para entendimento de

limitações e alternativas de atuação.

A percepção da relação entre emissora educativa e os gêneros televisivos

não é de causa e efeito, mas dos impactos para o cumprimento de seus objetivos e

as limitações que devem ser observadas para busca de caminhos alternativos a

seguir quanto à formulação de programação.

O cinema educativo conduziu ao didatismo que formata a base conceitual da

TV educativa e que, hoje ainda apresenta adesão na formulação da imagem das

emissoras frente ao grande público. E por consequência, o distancia, visto que o

meio TV é percebido como fonte de entretenimento.

Os infantis e telejornais não podem ser negligenciados pelas emissoras

educativas a caminho de serem públicas, pois eles se mostram peças fundamentais

para cumprimento dos quesitos básicos para tanto, sendo a formação para a

cidadania a função primordial de tais emissoras.

Ao mesmo tempo, sabe-se que a novela ocupa, atualmente, o espaço da

educação nos lares, incluindo não somente a construção e divulgação de moda e

comportamentos, mas incorporando campanhas socioeducativas – e com maior

visibilidade e repercussão do que os conteúdos das emissoras educativas, mas

valendo a ressalva de incorporarem o tom emocional da dramaturgia e serem

campanhas pontuais.

91

Tal colocação permite levantar outro questionamento ao longo deste estudo:

como se daria a sobrevivência de um canal educativo, com modelos de

programação que não privilegiam a fidelização e que possui pequena abrangência?

E, sendo assim, como permanecer em um cenário cada vez mais competitivo,

frente ao avanço de outras mídias e tecnologias, com consequentes mudanças

comportamentais? Para onde vai a TV pública no cenário da digitalização dos

meios? Será ultrapassada e “engolida” pelas novas tecnologias, que ameaçam a

atual forma de assistir a programas televisivos?

Missika (2006) relaciona o atual cenário como um “oceano de telas, terminais,

redes, celulares” que permitem acesso a conteúdos audiovisuais a qualquer

momento e lugar. E funcionando também sob demanda do receptor.

As dificuldades já existentes para a sustentação das TVs educativas no

cenário anterior já eram suficientemente avançadas. No cenário digital podem

indicar se tornarem intransponíveis?

Como destaca França (2009), apesar dos alarmistas, a experiência histórica

demonstra que novos meios não vêm substituir os anteriores, mas reconfigurar

constantemente o ambiente midiático. Percebe-se, ao longo da história, que os

meios audiovisuais partem de um mesmo princípio e se acrescentam,

complementam e se provocam.

Fica a necessidade evidente de acompanhamento da sociedade e de seus

anseios, oferecendo à mesma conteúdos e meios de acesso pertinentes a sua

missão, mas adequados às expectativas do público almejado. Um desafio constante

e indiscutível para quem atua com tecnologia.

Logo, percebe-se que não há uma única resposta para o questionamento

sobre o desenvolvimento da TV pública no Brasil. Até mesmo porque não se trata de

uma única pergunta, mas com diferentes vertentes aqui expostas.

Não há uma única resposta e nem havia a pretensão inicial de apontar um

único rumo para o modelo de televisão em nosso país, entre tantas pressões que

interferem e virão a interferir em seus caminhos, sejam politicas, de gestão ou

mesmo de repercussão junto à sociedade a qual se destina primordialmente.

92

No entanto, esta dissertação possibilita indicar para onde a TV pública

necessita se encaminhar, quando almejado o alcance de tal conceito pelas TVs

educativas, para que possam vir a assumir tal modelo de atuação.

Uma TV educativa, para buscar ser “pública”, deve cumprir requisitos básicos

como transparência no uso de recursos públicos ou privados, visto ser esta uma

emissora voltada à sociedade.

Deve haver monitoramento constante das expectativas de seu público

telespectador, para gerenciar adequadamente seus recursos e o cumprimento de

seus objetivos básicos.

Seu modelo de financiamento deve ser hibrido, contemplando não somente

participação indireta da sociedade civil por meio do repasse pelo Estado de recursos

provenientes de seus impostos, mas também diretamente do mercado, ao contribuir

com investimentos publicitários - impedindo, assim, a dependência de um

financiador governamental exclusivamente. A postura frente às dotações

orçamentárias, por serem verbas públicas, novamente deve remeter à total

transparência, permitindo ao cidadão a percepção quanto ao gerenciamento

adequado dos recursos provenientes de seus impostos.

Tal modelo, acredito, se bem gerenciado e com atenta regulamentação -

também, mas não somente -, das relações com o mercado anunciante, permite

visualizar a possibilidade de alcance da almejada independência editorial das

emissoras.

Haverá TV pública no Brasil? Assumo o risco em indicar papéis que as

educativas devam assumir para implantação, de fato, do conceito no país, alicerçado

pelos conhecimentos fornecidos por estes dois anos de estudo para conclusão deste

mestrado, aliados aos mais de dez anos dedicados à TV Cultura.

Utilizando os conceitos amplamente estudados por especialistas no terceiro

setor, acredito que a TV pública deva assumir sua atuação hibrida, em que não

pertence nem ao Primeiro Setor (Estado), nem ao Segundo (Mercado) e nem

tampouco ao Terceiro (Organizações da Sociedade Civil). Mas a todos e a nenhum

ao mesmo tempo. Como uma espécie de Quarto Setor, em atuação que depende

de todos os demais, em intersecção, mas que caminha sem depender e sem ser

controlada exclusivamente por algum dos três.

93

Figura 3. Intersecção dos Setores

Com isso, mostrar-se-á relevante à sociedade a qual se destina,

posicionando-se além de um meio de comunicação e de informação, mas acima de

tudo, como importante elo de fomento e manutenção da discussão da atuação ética

de todo o campo do audiovisual.

Haverá TV pública no Brasil? Pessoalmente, como pesquisador e entusiasta

da missão da TV pública, tenho convicção não somente de que estamos no

caminho, mas também para onde gostaria que este se dirigisse. E espero que este

presente trabalho seja útil neste árduo - mas extremamente necessário -, rumo a ser

trilhado, sem data para acabar e sem manual de instruções a seguir.

94

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99

APÊNDICES

100

APÊNDICE 1: A TELENOVELA COMO PRODUTO CULTURAL

Os temas contemporâneos absorvidos pelos textos da teledramaturgia a partir da

década de 1970 em detrimento às distantes histórias importadas e fantasiosas da

fase anterior demonstram, claramente, a busca da indústria em construção naquele

momento de aproximar-se do cotidiano de seus telespectadores, ao incorporar a

linguagem e o ferramental imagético que este possui.

Não à toa as corridas de automóveis e o futebol foram parte das histórias,

respectivamente, das novelas Selva de Pedra (Globo: 1969-1970) e Irmãos

Coragem (Globo: 1970), grandes sucessos de audiência do período.

As referidas modalidades esportivas se encontravam em momento de grande

repercussão no país. Naquela ocasião, o Brasil alcançava posições mais avançadas

nas disputas automobilísticas internacionais, com destaque às participações

crescentes de Emerson Fittipaldi. Também a seleção brasileira, no período de

exibição de Irmãos Coragem, caminhava para a conquista do título de tricampeão na

Copa do Mundo do México (1970). Sob o êxito de tal relação entre realidade e

ficção, destaca o jornalista Leandro Narloch (2005) que “em 22 de junho daquele

ano, a novela teve mais audiência que o jogo de futebol do dia anterior – a vitória de

4 a 1 do Brasil sobre a Itália na final da Copa do Mundo.”

Outro ponto relevante neste mesmo sentido de incorporação da televisão do

“imaginário do inacabado” nacional encontra-se na questão da construção simbólica

das telenovelas se apropriar, com frequência, de repertórios provenientes de outras

mídias, mantendo-se no campo das imagens.

A novela Roque Santeiro, por exemplo, já em sua primeira versão (1975) –

censurada - indicava forte intenção de apropriações simbólicas de outras mídias,

desde sua abertura que utilizaria a linguagem de Cordel. A segunda versão, exibida

em 1985, e que mantinha a estrutura básica da produção não exibida anteriormente,

viria a incorporar tais intenções com extrema propriedade.

101

Alusões ao cinema e à música popular eram parte intrínseca da construção do

imaginário da novela, podendo ser observadas em pontos como a incorporação do

cancioneiro popular no personagem “Cego Jeremias” e na homenagem a Luiz

Gonzaga, ao utilizar o nome de Asa Branca para denominar a cidade fictícia onde se

passava a história. Também o elenco de um dos ícones do cinema nacional, Deus e

o Diabo na Terra do Sol (1964), tais como Yoná Magalhães e Mauricio do Valle,

também faziam parte do rol de personagens da saga de Roque Santeiro. E em sua

cena final, a mais famosa viúva da teledramaturgia brasileira, vivida por Regina

Duarte, revive o encerramento do clássico Casablanca (1942) ao deixar “Roque”

(José Wilker) entrar no avião e permanecer com seu “Sinhozinho Malta” (Lima

Duarte).

Por mais que pareça contraditório, a princípio, também a cultura literária faz parte da

teledramaturgia nacional, em especial no período de 1975 a 1980, em mais de uma

dezena de novelas exibidas pela Rede Globo. Neste caso, o objetivo primordial não

se encontrava em tornar acessíveis histórias e personagens de nossa literatura ao

público em geral, por seu distanciamento com o imaginário escrito, mas, em

especial, a definição por tal linha de produções era uma tentativa de encontrar

soluções que agradassem ao governo e superassem as limitações impostas pela

censura vigente.

As preocupações nacionalistas e educacionais do regime militar encontraram eco na

televisão por meio da exibição de versões de obras de autores como Machado de

Assis (Helena, 1975), José de Alencar (Senhora, 1975; Sinhazinha Flô, 1978) e Raul

Pompéia (Memórias de Amor, inspirada em “O Ateneu”, 1979), entre outros.

Do mesmo grupo, além de seu notório êxito internacional, a novela Escrava Isaura

(Globo: 1977) apresenta outros pontos de destaque no sentido da incorporação de

elementos de outras expressões, sempre em busca da proximidade com o público.

Por exemplo, destaca-se a abertura da novela, que exibia gravuras do pintor francês

Jean-Baptiste Debret – famoso por retratar personagens e costumes do Rio de

Janeiro da época de D. João VI –, mas que vinham embaladas pela música de Jorge

Amado e Dorival Caymmi.

102

A atenção das emissoras a tais pontos na formatação das telenovelas, entre outros,

forjaram o êxito alcançado pelo gênero junto ao público brasileiro, ao longo de mais

de 50 anos de atuação desde a estreia da primeira novela diária da televisão

nacional: 2-5499 Ocupado (Excelsior: 1963). Segundo Narloch (2005), desde então

“já foram produzidas mais de 400 tramas no país, cada uma com uma média de 200

capítulos. Quase metade do dinheiro que se ganha com televisão no Brasil vem

delas”.

Acrescenta-se ao sucesso do gênero no país a tradição inerente ao produto

telenovela. A professora Maria Lourdes Motter, do Núcleo de Pesquisa em

Telenovela da USP apud Narloch (2005) ressalta que

Essas histórias fazem tanto sucesso porque, apesar de mudarem conforme o gênero, o autor e a época, tratam de questões milenares como encontro, separação, traição, segredo, mistério e disputas. (MOTTER apud NARLOCH, 2005)

Acrescenta-se a isso, o perfil multiclassista desse gênero televisivo, que contribui

para seu alcance e êxito em visibilidade e arrecadação de verbas publicitárias: “a

novela é feita para todos”.

Donas-de-casa e peões. Analfabetos e intelectuais. Adolescentes e octogenários. “A novela é feita para o público médio de 40 milhões de pessoas”, diz Aguinaldo Silva, autor de clássicos como Tieta. “O autor tem a obrigação de respeitar o público criando histórias que certamente serão aceitas por todos.” (NARLOCH, 2005)

E, por último, mas não menos importante: as novelas refletem o mundo em que

vivemos. Mesmo que não seja o cotidiano de um telespectador em específico, em

geral, elementos são introduzidos de forma que o público possa se enxergar em

seus personagens e conflitos.

“Enquanto as novelas mexicanas centram-se no mundo dos ricos, as brasileiras se baseiam na classe média”, diz Mauro Porto, professor da Universidade de Tulane, nos EUA. “Esse realismo causa muito mais identidade com o espectador do que se ele estivesse vendo um filme de Hollywood”, afirma Maria Lourdes. (NARLOCH, 2005)

103

APÊNDICE 2: BREVE HISTÓRIA DAS TELENOVELAS BRASILEIRAS

“Se alguém pensa que telenovela é feita para enganar o povo, está muito enganado.”

Antônio Fagundes - Ator brasileiro

Como explicar que, de produções promocionais de companhias de sabão, as

novelas tenham se transformado no mais popular espaço de interpretação e

representação da nacionalidade?

Produto industrial por excelência, por seu caráter seriado e diário, a telenovela

simboliza o predomínio da lógica industrial sobre a produção televisiva.

A divisão cronológica a seguir utiliza definições de Esther Hamburger, no livro O

Brasil antenado: a sociedade da novela.

Fantasia: décadas de 1950/60

Os textos, até o final da década de 1960, tais como Sheik de Agadir (Globo: 1966-

1967) e O Direito de Nascer (Tupi: 1964-1965), eram importados de países como

Argentina, Venezuela, Colômbia e Cuba, assim como seus roteiristas e diretores.

Companhias como Colgate e Gessy-Lever produziam novelas para rádio e migraram

para TV.

A cubana Gloria Madagan, pioneira nas novelas brasileiras, saiu da Colgate para

dirigir o departamento da Globo até a chegada da fase realista das novelas.

Esse período de intensa experimentação de formatos – e óbvia importação dos

mesmos de outros meios de expressão, tais como o rádio, o teatro e o cinema. A

novela era considerada um gênero “menor”. Teleteatros e programas de auditório

dominavam a programação.

Convenções formais: década de 1970

104

No período em que chegara hora do “país do futuro” acontecer, as novelas – como

Selva de Pedra (Globo: 1972-1973), Irmãos Coragem (Globo: 1970-1971) e Beto

Rockefeller (Tupi: 1969) passaram a ser vitrine do que era significava ser moderno,

seja na moda ou em comportamentos contemporâneos.

Nas décadas de 1970 e 1980, as novelas reproduziriam a ideologia dominante,

representando os ideais da família nuclear, segundo os quais o homem é o provedor

e a mulher responsável pela união da família no universo doméstico.

.

Naquele momento, o crescimento da TV, o videoteipe e as primeiras transmissões

por satélite fizeram com que a televisão brasileira carregasse os mesmos

significados que no imaginário dos Estados Unidos e Europa do inicio do século se

expressaram no cinema.

A ingerência do documentário na narrativa melodramática marca a novela de televisão nesse período. É como se essa referência oferecesse ao drama romântico uma âncora histórica e geográfica capaz de atestar a verossimilhança daquelas tramas: elas se referem ao Brasil contemporâneo. Mostra-se estilos de vida, valores, relações de poder. (HAMBURGER, 2005, p. 89)

Enquanto o espaço cultural brasileiro assistia a tal desenvolvimento tecnológico, a

vida política do país caminhava por seu período mais controverso: de autoritarismo

extremo. Segundo Caparelli (1982) apud Mattos (2010, p. 94) três importantes

acontecimentos se entrelaçam e se unem à nova ordem política nacional,

conduzindo o meio TV a um novo período nacional:

Declínio dos Associados, primazia da Excelsior e acordo Time/Life (com a TV Paulista/TV Globo) têm um elo em comum, representado pela criação de um modelo brasileiro de desenvolvimento, apoiado no capital estrangeiro, aliado a grupos nacionais, no que se convencionou chamar escândalo Globo-Time/Life. (CAPARELLI, 1982 apud MATTOS, 2010, p. 94)

A presente hegemonia da Rede Globo de Televisão, que provocaria o desenho de

modelo do mercado televisivo e publicitário nacional, começou a ser forjada no

cenário desta época. Abastecida nos padrões de qualidade de programação em

ascensão na Excelsior e sob-respaldo do regime, a Globo pôde aproveitar a situação

105

vigente e ocupar o espaço deixado pelos Diários Associados - já em declínio no final

da década, por dificuldades financeiras provenientes de dívidas elevadas e impostos

não recolhidos. A TV Excelsior viria a ter sua licença cassada em 1970, por alegada

insolvência financeira, mas, de fato, por conhecida boa relação com o governo

democrático pré-regime militar.

Expressão Nacional-Popular: década de 1980

Período em que se expandia o sinal e a quantidade de aparelhos, passando a incluir

público anteriormente ausente do meio.

As temáticas das novelas, a exemplo de Vale Tudo (Globo: 1988-1989) e Roque

Santeiro (Globo: 1985-1986), passavam a englobar questões políticas, pertinentes

ao período de busca pela abertura política, que, por consequência, atrairiam o

público masculino para a teledramaturgia. Segundo Hamburger, “a estrutura básica

do melodrama se mantém, mas com limites expandidos.”

Na década de 80 incorporam-se também a ironia e o cinismo, ausentes da década anterior. Referências nacionais tornam-se mais explícitas em vinhetas de abertura. Vide também Pátria Minha, Roda de Fogo, Pantanal, O Salvador da Pátria. Estamos em meio ao processo de abertura democrática e a defesa pelas eleições diretas. Ambas as novelas fazem alusão à corrupção que caracteriza a ordem social e política brasileira. (HAMBURGER, 2005, p. 105)

Pode-se considerar que este momento permitiu às TVs educativas, em especial à

TV Cultura, encontrar sua real vocação e vislumbrar seu papel como TV pública. A

abertura democrática proporcionaria que aquele modelo único de emissora, não

dependente do mercado, pudesse ousar em seus programas e oferecer espaço a

debates e questionamentos – formatos pouco próximos a oferecer índices de

audiência almejados pelas emissoras comerciais.

Ressalta-se que, apesar de possuir teleteatros e mesmo telenovelas em seu

histórico, tais como Meu Pedacinho de Chão (Cultura/Globo: 1972) e Floradas na

Serra (Cultura: 1981), os valores necessários para produção de dramaturgia

inviabilizaram e ainda inviabilizam a participação do gênero, de maneira geral, na

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grade das TVs públicas nacionais frente aos seus baixos orçamentos anuais e ao

apelo publicitário restrito das mesmas, devido ao limitado alcance de audiência.

Novelas de Intervenção: décadas de 1990/2000

Telenovelas que incorporam questões sociais à dramaturgia surgiram devido à

diversificação das opções das telecomunicações.

As discussões da causa dos sem-terra em O Rei do Gado (Globo: 1996-1997), do

consumo de drogas em O Clone (Globo: 2001-2002) e da acessibilidade por parte

de cidadãos com necessidades especiais, retratada em Viver a Vida (Globo: 2009-

2010), são exemplos, entre outros, do novo padrão aliado à teledramaturgia

brasileira.

Pode-se considerar que tal incorporação de serviço público pelas telenovelas seria

uma das causas da redução da importância da TV Pública - por ser este serviço, sua

essência -, visto que seu papel ficou ainda mais reduzido, frente ao alcance de

audiência e cobertura da TV comercial.

Também se destaca que a fase rompe com o modelo da década anterior e seu

nacionalismo. Aqui, as histórias voltam-se ao núcleo familiar, reflexo do perfil da

audiência da TV Aberta e do fortalecimento do consumo da classe C.