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Texto escrito para a disciplina de História da Filosofia Contemporânea II, sobre a dialética hegeliana, da consciência à consciência-de-si.
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1. INTRODUÇÃO
Em filosofia, sabemos o quanto Hegel é considerado como um filósofo de
difícil interpretação e assimilação, sendo, por isso, muito mal interpretado. Um dos
temas mais controversos dele é sua dialética, que levou a dois movimentos
históricos posteriores entre os pensadores: os hegelianos de direita, que
consideraram o caráter político do Estado como fim absoluto; e os hegelianos de
esquerda, que mantiveram a forma do movimento dialético proposto. O movimento
dialético de Hegel é frequentemente apresentado como contendo três etapas: tese,
antítese e síntese; porém, a palavra "síntese" parece encerrar uma ideia de fim, o
que parece não ser o caso, pois muitos consideram a etapa final como especulativa.
Como afirma Ferreira (2013, p. 168), essa dialética pode ser entendida como
um "sistema de compreensão da realidade", onde o filósofo trabalha dentro de um
processo em que as contradições levam a uma síntese dessas oposições. Na obra
Fenomenologia do Espírito, Hegel se utiliza de uma alegoria para explicar suas
etapas, em que há o encontro entre duas consciências; essa é a famosa Dialética do
Senhor e do Escravo.
No presente trabalho, nos propomos a explicar, em linhas gerais e de forma
bastante resumida, devido à grandiosidade da obra não caber em um breve artigo, o
funcionamento dessa dialética e de sua "síntese" como especulativa, baseando-se
na alegoria proposta por Hegel.
2. DA CONSCIÊNCIA À CONSCIÊNCIA-DE-SI
2.1. A Consciência
Em um primeiro momento de formação da consciência do homem em seu
estado natural, há apenas a apreensão dos objetos sensíveis conforme são
apresentados a ele, que Hegel chama de certeza sensível. É uma certeza por não
haver qualquer contraposição a ela; esse homem está inteiramente na experiência
que tem do mundo objetivo, e por isso o modo como tal mundo se apresenta é
tomado como verdade, havendo a noção de espaço como infinito e sem a noção de
tempo. Ele vê o mundo como é, e tudo é, sem conceituação, apenas presença. Essa
imediatez com o mundo permite que o homem esteja inserido nisto que Hegel
chama de puro ser.
Por estar, de certa forma, aderido ao espaço, não há ainda uma mediação de
si com o mundo, isto é, não há algo que identifique-o como diferença, tendo o
espaço como finito; também não há qualquer noção de tempo, devido à falta de
comparação na diferenciação dos períodos: esse homem é um com o espaço, e está
na imediaticidade temporal. “Eu só estou ali como puro este, e o objeto, igualmente
apenas como puro isto” (Hegel, p. 74). No entanto, o puro ser anuncia ao homem a
diferença, evidenciando-a dentro de sua relação com o mundo e as coisas.
Uma certeza sensível efetiva não é apenas essa pura imediatez, mas é um exemplo da mesma. Entre as diferenças sem conta que ali se evidenciam, achamos em toda a parte a diferença-capital, a saber: que nessa certeza ressaltam logo para fora do puro ser os dois estes já mencionados: um este, como Eu, e um este como objeto. (Hegel, p. 75)
Assim, o homem e seu ambiente são imediatos, porém, essa certeza sensível
é dada mediante o outro da coisa, i.e., as coisas são, assim como ele é, mas há algo
que as concebe como sendo, e estando também dentro de um que é: o Eu.
2.2. A Percepção
Em um segundo momento, o homem passa à percepção. Pelo contato
constante com o mundo, percebe que há mudanças naquilo que observa, mas que
isto não causa nele qualquer mudança. Nesse momento, a consciência se percebe
diferente do mundo, mas também começa a perceber que percebe, ou seja, como as
coisas se modificam, passa a notar que, além de não ser modificado por elas, ainda
assim elas mudam. Por essa constante mudança, passa a delimitá-las e defini-las
em termos gerais para organizar-se nesse mundo. Como o puro ser apenas é, e por
ser, é pura positividade, a partir do momento em que o homem começa a definir o
que é, afirma nele sua negatividade. Entretanto, como afirma Hegel (p. 83), “é ao
mesmo tempo um negar e um conservar. O nada, como nada disto, conserva a
imediatez e é, ele próprio, sensível; porém é uma imediatez universal”. Assim, da
diferenciação a partir do negativo, a consciência é capaz de dar definição às coisas
singulares, e então passa a determinar suas propriedades, que fazem do singular
um universal a partir de conceitos, i.e., o singular que era condicionado às coisas no
aqui e agora passa a ser um universal pelas variadas definições, um universal
incondicionado. Como as propriedades são apenas determinações negativas e
universais dos objetos singulares, ambas são conceitos, abstrações, mas o homem
as entende como sendo tão verdadeiras quanto o era a certeza sensível.
2.3. A Força e o Entendimento
A partir do último movimento, a percepção abstrata é ultrapassada pela
consciência, que passa ao entendimento, tendo o universal incondicionado por
objeto. O homem da consciência ainda não se reconhece nos objetos, mas tem
como apreensão a multiplicidade das coisas em-si e que nelas há uma
singularidade. A essa passagem do universal ao particular, e do particular ao
universal, Hegel chama de força: "as diferenças, postas como independentes,
passam imediatamente à sua unidade e sua unidade imediatamente ao seu
desdobramento; e esse novamente, de volta, à redução". Essa força, por seus
contrastes e pela expansão das diferenças, leva o homem a descobrir o interior das
coisas, e como afirma Meneses (1992, p. 44):
Esse interior supra-sensível é o reino calmo das leis - tão calmo que chega a ser tautológico -, porém perturbado pela própria explicação tautológica que postula um mundo invertido, oposto ao mundo contemplado. No entanto, esses dois mundos são um só e o mesmo.
Essa multiplicidade de diferenças é apenas superficial, pois a duplicidade dos
mundos é apenas uma inversão: enquanto um é acessível pela percepção sensível,
o outro é postulado e acessível apenas pela imaginação, que passa a compreender
a ideia de infinito. Nesse momento, a consciência já pode distinguir o que não é
distinto, tornando-se consciência-de-si.
Eu me distingo de mim mesmo e, neste movimento, é para mim, imediatamente, que o distinto não é distinto. Sou o Homônimo que me expulso de mim mesmo, sou o Heterônimo que não difiro de mim mesmo. A consciência de um outro ou de um objeto é necessariamente consciência-de-si num outro. (Meneses, 1992, p. 53)
Conclui-se que a consciência das coisas apenas torna-se possível para uma
consciência-de-si, mas o homem só poderia chegar a ela através de todo o processo
de superação e conservação das etapas anteriores: a certeza sensível, a percepção,
e o entendimento; e a partir dele é que Hegel inicia o desenrolar da dialética do
Senhor e do Escravo, a alegoria proposta para explicar o que ocorre no encontro
entre duas consciências-de-si.
3. A DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO
A consciência-de-si, por trazer para dentro de si o objeto externo e
desvanecê-lo, é uma carência, é desejo. Por necessidade, o homem encontra os
objetos e os modifica, transformando a positividade pura da natureza em
negatividade. Tal inquietude só é aplacada quando ele encontra outra consciência-
de-si.
No momento em que dois homens com suas consciências-de-si se
encontram, há um confronto para a transformação, por eliminação, do outro, para
manter sua autenticidade como única consciência-de-si. Porém, em dado instante,
um deles reconhece que o outro é o mesmo, mas independente, e a partir do
reconhecimento da igualdade, percebe na eliminação do outro a morte de si mesmo,
desistindo do confronto por medo da própria destruição.
Por sua abdicação da liberdade em favor da própria conservação, um deles
torna-se escravo; o outro comprova sua autenticidade tornando-se mestre e senhor.
Enquanto o escravo é para-outro, produzindo e agindo sempre a favor de outro, o
senhor é para-si, apenas satisfazendo-se com as produções do escravo. Do senhor,
há apenas a constante satisfação dos desejos, mas no escravo haverão mudanças
que o elevarão a um status de superioridade com relação ao senhor, pois no próprio
medo e conservação já há o início do desenvolvimento de um ser-para-si.
Como o escravo já não vive mais na necessidade imediata de satisfação de
seus desejos, passa a ter que adiá-los, e assim tem noção do que é o tempo, e
como pode organizar-se. Além disso, sua produção a favor do senhor faz com que, a
partir do trabalho que modifica a natureza, haja também uma transformação de si
mesmo, produzindo cada vez mais e de maneira mais elaborada uma diferenciação
que gera a cultura em sua diversidade. Assim, em certo ponto haverá uma maior
autonomia do escravo diante do senhor, que torna-se dependente do escravo por
não ter aprendido a produzir, mas apenas a consumir o que é produzido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, Fernando G. A Dialética Hegeliana: Uma Tentativa de Compreensão. Revista Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013.
HEGEL, Georg W. F. Fenomenologia do Espírito: Parte I. Trad. Paulo Meneses. Petrópolis: Vozes, 1992. 271 p.
KOJÉVE, Alexandre. Introdução à Leitura de Hegel. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto: EDUERJ, 2002. 558 p.
MENESES, Paulo. Para ler a Fenomenologia do Espírito: Roteiro. São Paulo: Edições Loyola, 1992. 210 p.