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87 HOMEM E SOCIEDADE Unidade II CULTURA, CULTURAS – CIÊNCIA, RELAÇÕES HUMANAS, SÍMBOLOS E COMUNICAÇÃO 5 AS RELAÇÕES HUMANAS DEPENDEM DE VALORES E REGRAS Objetivos Todos nós enfrentamos diariamente situações em que existe a necessidade de conhecermos e nos conformarmos com as regras. Outras vezes, somos responsáveis por criá-las ou, até mesmo, por zelar pela conduta de todos. Compreender como e por que a sociedade cria regras, ou qual sua importância em nossas relações sociais, cria habilidades de relacionamento com o grupo, promovendo integração e bem-estar. Evitar conflitos ou solucionar as situações conflituosas exige um amadurecimento que pode ser obtido com as reflexões propostas nesse item. Introdução As relações sociais em qualquer cultura são mediadas por valores, normas e regras. Assim, quando nos relacionamos uns com os outros, precisamos recorrer a formas de conduta que orientem nosso comportamento e que nos tornem menos individualistas e mais coletivistas. Se cada um de nós obedecesse apenas aos impulsos pessoais o tempo todo, ou aos instintos de nossa espécie, fazendo apenas aquilo que “der na telha”, não seria possível existir sociedade, pois cada um gostaria de fazer prevalecer sua própria vontade e não a dos outros. Esse é o papel das regras sociais, que aprendemos repetitivamente durante a vida, até que se tornem hábitos. O que torna possível essa educação para agir de acordo com as regras de uma sociedade é a socialização. Aprendemos regras do mundo doméstico, da escola, do convívio com amigos, do trabalho, da religião etc. Em cada universo social existem os valores que são mantidos pelo grupo e fazem parte das condutas pessoais. As regras não existem apenas no tratamento com os outros, elas fazem parte também de todo o universo cultural de forma a organizar a vida. Para dar exemplos – como preparar alimentos, servir e comê-los, como tomar banho e manter a higiene pessoal, como arrumar uma casa, como se vestir para cada ocasião social, como se comportar no trabalho, tudo em nossa cultura possui uma regra ou uma forma de normalizar o comportamento, que é transformada em hábito.

Homem e Sociedade Unid II

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    Unidade IICULTURA, CULTURAS CINCIA, RELAES HUMANAS, SMBOLOS E COMUNICAO

    5 AS RELAES HUMANAS DEPENDEM DE VALORES E REGRAS

    Objetivos

    Todos ns enfrentamos diariamente situaes em que existe a necessidade de conhecermos e nos conformarmos com as regras. Outras vezes, somos responsveis por cri-las ou, at mesmo, por zelar pela conduta de todos. Compreender como e por que a sociedade cria regras, ou qual sua importncia em nossas relaes sociais, cria habilidades de relacionamento com o grupo, promovendo integrao e bem-estar.

    Evitar conitos ou solucionar as situaes conituosas exige um amadurecimento que pode ser obtido com as reexes propostas nesse item.

    Introduo

    As relaes sociais em qualquer cultura so mediadas por valores, normas e regras. Assim, quando nos relacionamos uns com os outros, precisamos recorrer a formas de conduta que orientem nosso comportamento e que nos tornem menos individualistas e mais coletivistas.

    Se cada um de ns obedecesse apenas aos impulsos pessoais o tempo todo, ou aos instintos de nossa espcie, fazendo apenas aquilo que der na telha, no seria possvel existir sociedade, pois cada um gostaria de fazer prevalecer sua prpria vontade e no a dos outros.

    Esse o papel das regras sociais, que aprendemos repetitivamente durante a vida, at que se tornem hbitos. O que torna possvel essa educao para agir de acordo com as regras de uma sociedade a socializao. Aprendemos regras do mundo domstico, da escola, do convvio com amigos, do trabalho, da religio etc. Em cada universo social existem os valores que so mantidos pelo grupo e fazem parte das condutas pessoais.

    As regras no existem apenas no tratamento com os outros, elas fazem parte tambm de todo o universo cultural de forma a organizar a vida. Para dar exemplos como preparar alimentos, servir e com-los, como tomar banho e manter a higiene pessoal, como arrumar uma casa, como se vestir para cada ocasio social, como se comportar no trabalho, tudo em nossa cultura possui uma regra ou uma forma de normalizar o comportamento, que transformada em hbito.

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    Por isso, de uma cultura para outra tudo isso se modica, e quando mudamos de uma cultura para outra precisamos nos adaptar s novas solues para a vida pessoal e coletiva.

    Principais conceitos

    Regras, valores, normas, hbitos, socializao.

    Valores e regras desenvolvimento

    O que nos torna humanos no apenas a inteligncia, mas o conjunto de nossas capacidades biolgicas somado s nossas tendncias de comportamento social. Para participar de um grupo precisamos abrir mo da maior parte dos impulsos individualistas e do que a nossa natureza, por meio de seus instintos, nos ordena.

    Para isso, necessrio entrar em uma lgica que pressupe uma forma de controle do grupo sobre os indivduos. Esse controle se d por meio da aplicao das normas e dos valores sociais.

    Normas e valores so orientaes para a conduta social e prevalecem em um grupo social. Os valores so responsveis por noes coletivas que possibilitam aos indivduos considerar/julgar as atitudes dos outros como boas ou ruins, certas ou erradas, justas ou injustas, comportamentos desejveis e indesejveis.

    J as normas nos ajudam a diferenciar entre condutas prprias ou imprprias. As regras so conjuntos de normas que regulam o nosso comportamento. Para todas as ocasies sociais, aprendemos a segui-las e, sem perceber, exigimos dos outros que tambm o faam.

    Lembrete

    Valores so modelos de referncia para a nossa moral, enquanto as normas garantem que nosso comportamento seja adequado ao do grupo.

    No existe necessidade de que todos os indivduos concordem e obedeam a totalidade do conjunto de valores e normas de seu grupo social. Muitas vezes, discordamos de alguns valores que orientam a conduta das pessoas e procuramos seguir um senso prprio.

    Mas, na maior parte do tempo percebemos que certos valores prevalecem em nossa sociedade, e que no possvel individualmente mud-los. importante lembrar tambm que a sociedade dinmica, e que, ao longo do tempo, os valores e as normas tendem a mudar de acordo com a vontade coletiva.

    At a dcada de 1960 era considerada imoral a atitude de um casal de namorados se beijar na boca em pblico. Atualmente, essa norma est bastante exibilizada. Ainda nesse assunto, sabido que a virgindade feminina era um valor social. As mulheres tinham que se casar virgens obrigatoriamente. A virgindade deixou de ser um valor.

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    Mas o que exatamente uma regra?

    Vamos comear com o auxlio do Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa.

    Regra s.f. 1 aquilo que regula, dirige, rege; princpio, norma, preceito 2 norma, frmula que indica o modo apropriado de falar, pensar, agir em determinados casos (r. de gramtica, de um jogo) 3 aquilo que foi determinado, ou se tem como obrigatrio pela fora da lei, dos costumes etc.; lei, princpio, norma (r. de conduta, de boa educao); (...) (HOUAISS, 2009).

    O que possvel perceber nessa denio de nosso dicionrio sobre a regra?

    Para nosso estudo, importante ressaltar que h duas dimenses das regras. Uma de carter formal, que est relacionada com normas e leis. o conjunto de regras como as leis de um povo, ou as regras de um tipo de jogo.

    H tambm as regras mais informais, que no esto registradas de forma escrita e que no precisam ser estudadas ou conhecidas pela escrita. So as regras que permeiam nossa vida cotidiana, que regulam nossa conduta.

    Lembrete

    Existem diferentes universos de regras. As regras de jogos, que so necessrias conhecer apenas para poder jogar ou torcer, e as regras do cotidiano social, que precisamos aprender para poder viver em coletividade.

    Ser que podemos equivaler hbitos a regras? Vamos pensar nisso! Hbitos so formas repetitivas e regulares de fazer certas coisas. Quando a maioria dos indivduos de uma sociedade possui os mesmos hbitos, eles passam a ser compreendidos como regras.

    Pois bem, nossa cultura est cheia de hbitos que aprendemos com os outros. Comer com talheres ou palitos, tomar banho em chuveiros ou de imerso, horrios de refeies, dormir em camas ou redes, e uma innidade de coisas dirias que nos ocupam.

    Quando uma regra insistentemente repetida, ela se transforma em hbito, ento percebemos que no precisamos pensar em como eu devo fazer isso, mesmo? Quer dizer que essas aes como o jeito de comer, dormir ou tomar banho so regras?

    De certa forma sim! Quando voc testemunha algum em sua cultura fazendo as coisas habituais, como preparar alimentos ou mesmo escrever de outra forma que no aquela usual, a tendncia voc se manifestar e reprimir o comportamento do outro. Claro que isso depende da situao e da intimidade possvel, mas, no geral, nos espantamos, por exemplo, se uma pessoa em um jantar no familiar resolve

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    pegar os alimentos servidos mesa com as mos, ou se leva seu prprio talher que est sendo usado na tigela comum para se servir.

    Transformamos algumas regras em hbitos, e alguns hbitos em regras. Tudo depende de qual situao est sendo analisada.

    Lembrete

    As regras se transformam em hbitos quando repetimos exaustivamente seu uso e deixamos de pensar que esse comportamento uma forma de regrar a vida coletiva.

    Para cada cultura existe apenas um nico conjunto de valores e normas? Sim e no. Ocorre que existem valores e regras muito gerais, que nos do noo de como agir em qualquer situao.

    Entretanto, quando participamos de grupos dentro dessa cultura, como grupos religiosos, prossionais, esportivos, acadmicos etc., percebemos que a cada mbito social correspondem valores e normas especcos para aquele contexto.

    Lembrete

    H regras e normas que devem ser seguidas por todos os indivduos de uma sociedade, e h aquelas que so aplicadas apenas a alguns grupos especcos. Clubes, instituies religies, associaes e partidos so bons exemplos desses grupos.

    A tendncia de um pequeno grupo social estabelecer seu prprio conjunto de valores, que pode estar em acordo com a sociedade, como pode estar em grande desacordo.

    Tudo depende da relevncia e da legitimidade que esse grupo possa adquirir perante o resto da sociedade. Quando ele se torna muito inuente, pode mudar coisas consideradas impossveis. importante ressaltar que, estando ou no de acordo com o conjunto de valores, necessrio que ele exista. a partir de um modelo que os indivduos e os grupos podem estabelecer concordncia ou discordncia com a totalidade da sociedade.

    Lembrete

    O consenso, em relao aos valores, obtido quando a grande maioria da sociedade concorda com alguma atitude e lhe atribui importncia.

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    As normas e os valores precisam ser mantidos, e, para isso, h uma espcie de vigilncia. Existem vrios nveis de vigilncia que a sociedade cria para zelar pelo cumprimento dos valores e das normas. Um o institucional. Existem instituies para punir quem no se comporta adequadamente, como escolas, prefeituras, a polcia, as leis e a jurisdio, alm do Estado.

    Tambm existe outro nvel de vigilncia, que o convvio social. Em todos os nossos contatos podemos observar como as pessoas julgam todo o tempo a conduta uns dos outros. Frases como: mas tambm, mereceu!, fulano muito fofoqueiro, eu no faria isso, voc pode me explicar por que fez isso? entre tantas outras, so uma forma que os indivduos demonstram que preciso que todos participem de alguma forma do conjunto de valores, e que as normas devem valer para todos. Os que no seguem as normas e os valores so repreendidos, e recebem um tipo de punio moral, psicolgica.

    Ento, vamos retomar um pouco nesse ponto. Vimos que h uma norma mais geral, que h normas que valem apenas em alguns grupos, e que os grupos que conseguem se tornar mais inuentes podem determinar, para os outros, algumas normas e valores.

    possvel armar que o estabelecimento de normas e valores em uma sociedade sempre resultado de uma disputa em torno do consenso? Sim, a sociedade est o tempo todo debatendo sobre seus prprios valores, e a maior parte deles dicilmente um consenso absoluto, mas apenas corresponde a uma maioria.

    Aprendemos o jogo social de seguir regras desde muito cedo. Alm, claro, da educao oferecida pelos pais, que nos proporcionam a primeira socializao em nossas vidas, temos outras formas de introjetar1 a lgica das regras. Os jogos so bons exemplos disso. Para participar, aprendemos desde cedo que necessrio seguir as regras, do contrrio, o jogo no se desenrola. E se as regras de um jogo mudassem sempre e a cada vez que fosse jogado, no seria mais esse mesmo jogo, mas um jogo diferente.

    Observe que lento o processo de mudana de valores em uma sociedade. E para que ele acontea, necessria a participao, a discusso, os exemplos contrrios, at que o coletivo perceba que no tem nada a perder, que no acabaria o jogo se abrisse mo de um ou outro valor ou se transformasse essa ou aquela regra.

    Dentro de pequenos grupos sociais essa mudana mais fcil. O coletivo torna-se mais acessvel a todos que participam, e vivel um debate constante. Em clubes, empresas, associaes, escolas, a mobilizao para a discusso um processo mais rpido e mais efetivo.

    J para mobilizar toda a sociedade, o processo bem mais lento, pois pode haver um longo perodo de transio sem muito consenso em torno de determinado valor ou norma. Da, o que normalmente ocorre muito conito em relao a como todos devem agir.

    1 Introjeo designa em psicologia e, mais especicamente, na teoria psicanaltica o processo pelo qual a criana incorpora os valores dos pais e da sociedade, transformando-os em seus (WIKIPEDIA).

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    As regras enquadram o comportamento humano, no sentido de que no permitem qualquer forma de conduta o tempo todo. Muitas vezes os indivduos no podem fazer certas coisas como de fato gostariam, e acabam abrindo mo de suas vontades em funo do que os outros iriam falar ou pensar.

    Mas, as regras so, necessariamente, algo que aprisiona ou limita os indivduos? No! Seguir regras um atributo humano, e tudo em nossa cultura depende delas. A linguagem falada/escrita um conjunto de regras. No seria possvel nos comunicarmos se no as segussemos. Para formular qualquer pensamento em sua mente, voc precisa recorrer linguagem que aprendeu. Voc j percebeu que pensamos por meio de palavras? E que se no houvesse palavras, seu pensamento seria algo absolutamente incomunicvel?

    A lngua, como todas as formas de linguagem, um corpo repleto de regras que garantem a produo de sentido pela sua ordem lgica e gramatical. Permitindo aos seres humanos o uso dessa lgica na produo e ordenao de seus pensamentos, emoes e expresses, de forma individual ou coletiva. Os princpios lgicos dessa ordem so as regras que ela contm (PASSADOR, 2003).

    Ento, a exemplo da linguagem, podemos dizer que tudo, mas tudo mesmo, em nossa cultura uma aplicao de regras. Para falar uma lngua, necessrio dominar todas as regras de formulao do pensamento a partir de frases com coerncia, coeso e de acordo com a norma dessa lngua. Apenas assim, possvel comunicar tudo o que passa em nossa mente.

    Lngua e cultura no existem separadamente. Uma depende da outra, pois sem o desenvolvimento de uma lngua, os indivduos de um grupo no se comunicariam, e sem a cultura a linguagem seria limitada s necessidades de nosso instinto.

    At mesmo para expressar sentimentos como cime, amor ou dio, no o fazemos a partir de algo inato em nosso ser, e sim a partir da forma como aprendido em nossa cultura que correto faz-lo. Os sentimentos so inatos, mas a forma que encontramos para express-los no so. Vamos pensar em exemplos?

    Pois bem, vamos falar de amor materno. Ser que algo que toda mulher tem dentro dela? Infelizmente no. O amor materno um valor reforado socialmente, e que algumas mulheres seguem com maior rigor e outras menos. Instinto materno seria mais apropriado para falarmos de natureza. Se amor fosse algo natural, ser que encontraramos bebs abandonados em lixeiras e em outros locais imprprios, como comum vermos em noticirios?

    Est bem, voc pode argumentar que nesses casos o desespero foi maior que o amor dela por seu beb, mas ento possvel que a condio social/cultural se sobreponha a sentimentos inatos?

    Sim, e muitos bebs so abandonados no apenas for falta de condio material da me para cri-lo; comum mulheres de classes sociais privilegiadas, por questes morais, acabarem optando por essa prtica. Moral, dinheiro ou tantas outras coisas podem se sobrepor ao amor materno natural? Apenas

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    entendendo que esse sentimento resultado de um valor social, podemos explicar tantas excees. Na hora de tomar uma deciso, os valores so ponderados, e a moral pode prevalecer sobre o amor ou a vontade pessoal.

    As lnguas so parte das culturas e, como os demais sistemas culturais (religio, economia, moral, arte, etc.), guardam relao intrnseca com as formas de vida e pensamento culturais. O fato de serem ordenadas a partir de regras, que se constituem como seus princpios de ordenao lgica, assim como qualquer sistema simblico, revela que as culturas como um todo so ordenadas a partir de regras, que se constituem como seus princpios de ordenao lgica, possibilidade de produo e troca de signicados compartilhados e, portanto, de comunicao e compreenso (PASSADOR, 2005).

    Bem, continuaremos falando sobre outro sentimento, o cime. Em cada cultura, reforado que em alguns contextos considerado apropriado sentir cimes. Em nossa cultura, em que a forma de casamento monogmica, muito comum vermos cenas de cime de namorados e de casais.

    Os parceiros expressam com certa naturalidade esse sentimento frente aos outros, e em certa medida so apoiados em suas atitudes. A monogamia uma regra e pressupe a delidade conjugal. Pois bem, existem culturas onde a regra de casamento a poligamia.2

    Ser que esse tipo de coisa acontece? No! Em lugares onde o casamento pressupe vrios parceiros legalmente constitudos, as cenas de cime conjugal no so vistas, e, de fato, as pessoas so estimuladas desde cedo a reprimir esse tipo de atitude.

    Assim, como o amor e o cime, todos os sentimentos humanos recebem inuncia da cultura de um povo para que adquiram expresso. A expresso de sentimentos humanos recebe uma forte carga da cultura de cada povo.

    Esses so exemplos de como, ao longo da vida, os indivduos respondem s inuncias de sua cultura e transformam em coisas naturais as regras que so sociais, ou seja, externas a cada um de ns. As regras se tornam hbitos, e, por isso, quando estes so confrontados com hbitos de outras culturas, surge uma tendncia a considerar errado o que apenas estranho.

    Lembrete

    Se os valores so um conjunto de ideias que um grupo social considera desejvel no comportamento de seus indivduos, as normas so regras de conduta baseada nesses valores.

    2 A poligamia uma instituio presente em muitas sociedades, e supe que o casamento pode e deve se realizar entre um marido e mais de uma esposa (poliginia) ou, ainda, uma esposa e mais de um marido (poliandria).

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    O mesmo acontece no mundo do trabalho. Cada um de ns se habitua s regras e formas de procedimento em certa organizao, e, ao mudarmos de emprego, seja com outras funes, seja em outra empresa, precisamos passar por um perodo de adaptao, e isso uma forma de socializao.

    As regras so a garantia do grupo social de que cada um de ns tome atitudes, a maior parte do tempo, de acordo com a conveno coletiva, e no com os impulsos pessoais. Ao repetirmos os hbitos sociais, realizamos a possibilidade de convivncia em grupo, evitando atitudes conituosas e individualistas que exigiriam uma constante negociao das partes envolvidas at chegarem a um acordo. J pensou como isso tornaria impossvel a sociedade?

    5.1 As mudanas de regras e valores

    O conjunto de valores e regras de uma cultura est em constante transformao.

    No possvel manter indenidamente o mesmo conjunto de valores e regras, porque tudo em uma cultura se transforma com o tempo. Se h uma transformao de hbitos, por exemplo, no uso da tecnologia, isso ter impacto em outros mbitos da vida social, assim como na famlia ou no trabalho.

    Voc pode estar se perguntando: mas hbitos no uso da tecnologia podem mudar valores familiares? Sim! muito claro isso em nossa prpria cultura. Os membros de uma famlia tendem a empregar cada vez mais tempo interagindo com aparelhos eletrnicos do que com os prprios familiares. Por conta da importncia dada tecnologia, o ritmo das relaes familiares face a face perdeu espao na vida das pessoas.

    Com relao aos valores e s regras no mundo do trabalho, h uma grande quantidade de transformaes, que vo desde as exigncias na formao at os hbitos que precisam ser coibidos por superiores, como o desperdcio de tempo das pessoas com a interatividade social eletrnica.

    Lembrete

    Uma transformao de valores leva outra, porque a cultura funciona em conjunto. um todo interligado e no h como isolar algum de seus aspectos e garantir que no haver mudanas.

    Segundo Laraia (2006), as mudanas podem resultar de dois fatores principais, internos e externos.

    As transformaes so geradas a partir da vida coletiva de um povo que se transforma dinamicamente com o tempo, mesmo sem qualquer inuncia de eventos ou povos externos a ela. O choque de geraes um bom exemplo para perceber esse fenmeno. Mas, muitas vezes, so transformaes mais lentas para serem notadas e que podem ser aceleradas com eventos histricos como uma grande descoberta tecnolgica ou mesmo uma guerra.

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    J as externas so mais repentinas e normalmente resultam do contato com uma cultura alheia. Um caso exemplar em nossa histria foi a chegada dos europeus ao continente americano, na poca das Grandes Navegaes, a partir de 1500 d.C.

    Dizer que um caso exemplar se justica, pois hoje h um intenso contato entre culturas do mundo todo, a ponto de tornar mais difcil para as pessoas leigas perceberem os impactos de uma cultura sobre outra.

    J no caso dos povos nativos das Amricas, os chamados indgenas, as transformaes decorrentes do contato com culturas alheias foi um fato inegvel. Isso ocorreu devido ao isolamento dos indgenas, que viviam em nosso continente h sculos, sem qualquer influncia de povos no americanos.

    Atualmente, no to ntida essa inuncia, pois quase no existem mais povos isolados, e as culturas passaram a ter cada vez mais valores que so mundiais, sendo o processo de inuncia perceptvel apenas para os estudiosos das cincias sociais.

    Portanto, as inuncias que resultam de fatores externos continuam a acontecer com frequncia em nosso mundo cada vez mais globalizado.

    A diferena que atualmente h uma confuso sobre as fronteiras. No h mais como armar o que apenas interno e aquilo que, sem sombra de duvidas, algo apenas externo.

    Lembrete

    A palavra tradio deriva do latim traditio, que signica transmisso, algo que transmitido do passado ao presente. Por isso, chamamos de tradio cultural um conjunto de valores e prticas que se mantm e atravessa muitas geraes.

    O importante em diferenciar essas fronteiras compreendermos que fazemos parte de um processo de transformaes que tendem a ampliar a consolidao de valores mundiais, mas que no impedem de haver regras e valores locais. Anal de contas, nossa vida cotidiana se faz, ainda, no convvio com o nosso povo e com o nosso lugar.

    Essa questo das tendncias que denominamos de globalizao ser tratada de forma mais aprofundada na prxima unidade.

    Por enquanto, nos interessa compreender como essa dinmica de transformaes de valores e regras ocorre, e quais seus impactos na vida de cada um de ns individualmente.

    As regras e os valores se formam conjuntamente. Sim, no possvel aplicar regras que ferem valores, como no possvel manter valores se no h regras a eles associados.

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    Pois bem, em cada sociedade h uma enormidade de valores que podem estar presentes em pequenos grupos ou comunidades, mas que no, necessariamente, representam o conjunto dessa sociedade. Entretanto, sempre h uma norma vigente, um desses conjuntos de valores que atravessa toda a sociedade, independentemente de sexo, classe social ou religio.

    o que denominamos de valores predominantes ou valores vigentes. Eles se encontram dispersos na sociedade e so defendidos pela maioria de seus membros. Eles, portanto, caracterizam uma cultura.

    A transformao desse conjunto predominante de valores o nosso foco de interesse nesse momento. Como que uma sociedade vivencia a transformao de valores que so to importantes para a maioria de seus membros?

    Toda transformao de valores acarreta em consequncias desagradveis para algumas pessoas. Isso porque h um controle social sobre nosso comportamento individual. Quando algum age de forma considerada inadequada ou imoral, ca sujeito a punies de ordem pessoal. Essas punies atingem a vida desses indivduos por meio da desmoralizao pblica, do isolamento ou mesmo da perseguio moral.

    Ser chamado de nomes vexatrios e humilhantes, receber tratamento desprezvel ou ser ignorado so recursos de punio moral que o grupo pode utilizar quando algum age fora dos padres convencionais.

    Nesse momento, torna-se claro quem so os conservadores, aqueles que defendem a manuteno de uma ordem de valores; e quem so os inovadores, que apesar dos custos para sua vida pessoal e social assumem as consequncias em nome das mudanas.

    Lembrete

    O processo de transformao de valores e regras pode gerar duas reaes bsicas no grupo social: os que as aceitam (podemos cham-los de inovadores); e os que as rejeitam (podemos cham-los de conservadores).

    Segundo Laraia (2006), a sociedade pode ser vista como um palco de embate entre essas duas tendncias e as primeiras pretendem manter os hbitos inalterados, muitas vezes atribuindo aos mesmos uma legitimidade de ordem sobrenatural. As segundas contestam a sua permanncia e pretendem substitu-los por novos procedimentos.

    Esse autor chama ateno para o fato de que ir contra regras morais vigentes coloca a sociedade em situaes de conito.

    Assim, uma moa pode hoje fumar tranquilamente em pblico, mas isto somente possvel porque antes dela numerosas jovens suportaram as

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    zombarias, as recriminaes, at que estas se esgotaram diante da nova evidncia. Por isto, num mesmo momento possvel encontrar numa mesma sociedade pessoas que tm juzos diametralmente opostos sobre um novo fato (LARAIA, 2006).

    Os conservadores representam a ordem de valores que est instituda e, portanto, tm apoio e poder para julgar e reprimir os inovadores. E para obter transformao, os inovadores precisam enfrentar as situaes de constrangimento at que sua conduta no seja mais percebida como uma ameaa ao grupo.

    Como todo sistema, a cultura e os valores vigentes tambm tm dois nveis de existncia, que so o ideal e o real. O ideal corresponde quilo que as pessoas idealizam, portanto, no algo concreto, mas uma abstrao, uma construo mental.

    J o real corresponde forma como as pessoas colocam em prtica, de fato, os valores vigentes. Sabe aquela velha frase: na prtica a teoria outra?3 Apesar de seus equvocos, essa frase nos serve para ilustrar a questo de como a sociedade, s vezes, bastante dbia.

    que mesmo entre os defensores da moral vigente, possvel perceber que h muitas excees, e, ainda muitas vezes, as regras sendo aplicadas de forma equivocada. Vamos pensar em um exemplo bem simples para uma colocao que pode lhe parecer to complicada: o caso da regra de delidade matrimonial.

    Em nossos valores vigentes, idealmente o casamento deve ser uma instituio monogmica, dentro da qual os parceiros devem manter esse preceito da delidade. Entretanto, mesmo entre pessoas muito conservadoras, no incomum encontrarmos casos de indelidade, que muitas vezes so conduzidos de forma muito danosa afetivamente e moralmente para o outro cnjuge.

    O ideal um, a prtica outra.

    Mas os valores no so referentes apenas a esse tipo de questo relacionada moral sexual ou de comportamento em pblico. Todo tipo de ideia que carrega consigo uma importncia para nossa conscincia um valor.

    Vamos citar exemplos bem atuais. A preservao do meio ambiente passou a ser um valor para a humanidade quando se percebeu a falta de sustentabilidade do modelo que utiliza de forma abusiva os recursos do meio ambiente, gerando poluio, extino e desequilbrio.

    H aspectos da vida social em torno dos quais no existe um consenso de valores, e possvel encontrarmos coisas opostas. Por exemplo, sobre o tema trabalho, podemos levantar uma multiplicidade

    3 Essa frase representa certas falcias sociais, uma vez que essa diviso inexistente e foi construda pela sociedade que d supremacia a resultados prticos, no discutiremos aqui todo o problema que envolve tal armao pelo senso comum. Mas importante que voc saiba que ela est sendo usada como recurso de lgica e no no seu sentido literal, e que as ideias embutidas nela so errneas.

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    de valores, como dignidade e esperana, realizao e motivao. Mas tambm encontramos o trabalho relacionado a valores como sofrimento, mal necessrio, martrio.

    Voc consegue pensar em outros exemplos que ilustrem essa ideia sobre as regras e valores de nossa sociedade atualmente? Faa esse exerccio por alguns instantes. Relacione aspectos de nossa vida social, como a famlia, as amizades, o lazer, e procure fazer uma lista dos valores relativos a cada um deles.

    Depois de fazer isso, voc vai perceber como os valores vo mudando com o passar do tempo e como necessrio que se compreenda esse movimento da cultura em torno dos valores e das regras.

    Toda cultura sofre uma constante transformao, a cultura algo vivo e dinmico. Por mais que uma sociedade parea congelada, h sempre algumas coisas que mudam com o tempo.

    Estar preparado para entender as mudanas de nossa poca, e se posicionar como indivduos capazes de construir uma opinio um grande desao.

    Concluindo, cada sistema cultural est sempre em mudana. Entender esta dinmica importante para atenuar o choque entre as geraes e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que fundamental para a humanidade a compreenso das diferenas entre povos de culturas diferentes, necessrio saber entender as diferenas que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este o nico procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirvel mundo novo do porvir (LARAIA, 2006).

    Ser conservador sempre pode transformar uma pessoa em inexvel e preconceituosa. Por outro lado, no reetir sobre as mudanas e abraar todas as novas causas pode transformar uma pessoa em algum pouco convel para tecer julgamentos, por incapacidade de se posicionar.

    Um bom caminho para saber se posicionar, em relao s atitudes muito simples do cotidiano at as questes que colocam em risco a ordem das coisas, tentar ponderar considerando os seguintes aspectos.

    As mudanas/inovaes beneciam a quem e por qu?

    As mudanas/inovaes prejudicam a quem e por qu?

    Assim, podemos considerar, de forma mais justa, a necessidade ou no da defesa das inovaes ou da manuteno da ordem.

    Observao

    Na antropologia, a discusso a respeito da manuteno da tradio cultural ou de sua transformao tem uma longa lista de autores e pesquisas.

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    Normalmente, a importncia dessa discusso se deve aos fenmenos do contato entre diferentes culturas, a que denominamos contato cultural ou contatos intertnicos. Os cientistas procuram compreender qual o impacto desse contato com o diferente em uma tradio.

    Leia o trecho, a seguir, em que o autor Mrcio Pereira Gomes coloca algumas observaes importantes.

    Alm do aspecto fsico, a cultura se reproduz, para usarmos um raciocnio tautolgico, por meios prprios, culturais. O principal meio cultural de reproduo a transmisso de signicados culturais no s de gerao a gerao, mas no espao de uma mesma gerao, no cotidiano. Isso se d por meio da linguagem e do comportamento ensinado, emulado e aprendido pelos novos membros da coletividade. Ao transmitir os signicados que a caracterizam, a cultura ao mesmo tempo se mantm. No processo de transmisso, que se d no tempo, ela pode criar novos signicados e, portanto, mudar. A cultura tem meios e instituies de autopreservao e conservao que lhe permitem funcionar com estabilidade e, por conseguinte, dar conana aos indivduos que a vivenciam. So meios de conservao a lngua, entendida aqui como o compartilhamento dos signicados das palavras para a transmisso de mensagens; os modos de educao, formais e informais, que tambm podemos chamar de enculturao4, isto , o tornar-se membro de uma cultura; as maneiras de sociabilidade; as instituies como casamento e famlia. Os rituais de solidariedade social, e muito mais. (GOMES, 2009)

    Sntese

    Para ser possvel a vida em sociedade, precisamos de valores comuns e regras que orientem nossa conduta pessoal. Ao longo de nossas vidas, aprendemos constantemente as formas mais adequadas de conduta em cada ambiente social por meio dos processos de socializao.

    Os valores e regras esto em constante mudana, e so uma importante referncia para o comportamento dos indivduos em relao s suas conscincias. Cada indivduo procura agir de acordo com o que entende ser correto, tambm emite julgamentos ou toma exemplos alheios como lies de boa conduta social.

    importante voc saber que esse assunto que envolve normas, regras, valores de extrema importncia em nossas relaes sociais, e envolve reaes que podem ser muito expressivas emocionalmente. Ou seja, ao defender um conjunto de valores, ao defender uma tradio ou simplesmente algo considerado muito importante, as pessoas podem se deixar levar por fortes emoes e se tornarem agressivas, ou com raiva, ou intolerantes, ou ainda muito sensveis e abaladas.

    4 Enculturao o mesmo que endoculturao, conceito utilizado.

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    Em muitos campos de atuao prossional isso faz parte de experincias que so quase cotidianas. Advogados, psiclogos, veterinrios, educadores fsicos, publicitrios, administradores, educadores, nutricionistas, mdicos, sioterapeutas, enm, para listar apenas uma pequena amostra, todos esses prossionais em seu contato com o pblico, e ao aplicar ou indicar um procedimento prossional, podem se deparar com conitos de interesses e valores que j esto institudos, ou as verdades locais.

    A forma como as pessoas organizam seu universo social, como orientam sua conduta com os outros, consigo mesmo ou com os animais resultado de um sistema de valores estabelecido sobre tradies, costumes, regras que so herdadas. Esse conjunto que orienta a conduta das pessoas pode ter um carter muito local, ser muito especco de um tipo de comunidade, ou ter uma abrangncia mais universal.

    A cincia e seus procedimentos no defendem que seja papel de um prossional impor outra perspectiva s pessoas. Mas quando essa perspectiva que j est instituda prejudicial sade, s boas relaes sociais, ou natureza, se faz necessrio um trabalho de dilogo, de esclarecimento. Nem tudo que tradicional necessariamente bom para todos.

    E o inverso tambm verdadeiro. A cincia depende da expanso do conhecimento. Muitas vezes aspectos de uma tradio podem colaborar para a boa atuao prossional e ampliar o conhecimento sobre um tema.

    Portanto, o que vale no nal de tudo a tica do prossional. O respeito ao outro no pode ser abandonado mesmo quando se faz necessria alguma mudana em seu universo de valores.

    Saiba mais

    Se voc quiser aprofundar suas leituras sobre esses temas, tente os links abaixo:

    Valores e normas, publicado por Caderno de Sociologia.

    GIDDENS, A. Sociologia. 5. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2007, pp. 22-23. Trecho Disponvel em:. Acesso em: 19 abr. 2011.

    Regina Aparecida Freitas da Costa Diniz. Uma reexo sobre a tica, multiculturalismo e educao:

    DINIZ, R. A. F. da C. Uma reexo sobre a tica, multiculturalismo e educao. In: NET SABER. Net Saber. Disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2011.

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    Conceitos bsicos de sociologia e antropologia, ferramentas para pensar.

    CONCEITOS BSICOS DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA, ferramentas para pensar. Texto disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2011.

    Para ler um documento muito interessante de uma comisso da UNESCO, que discute a prtica cientca e as tradies culturais, no contexto de uma prossionalizao transdisciplinar (que abrange diferentes cincias), leia: Cincia e tradio perspectivas transdisciplinares para o sculo XXI.

    Berger, R. et alii. Cincia e tradio perspectivas transdisciplinares para o sculo XXI. Texto disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2011.

    Turquia mantm tradio de tratar psorase com peixe mdico, reportagem disponvel no G1:

    TURQUIA MANTM TRADIO DE TRATAR psorase com peixe mdico. G1. 2009. Disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2011.

    Sobre sustentabilidade e aproveitamento de recursos ambientais:

    SILVA, W. C. C. et alii. Identidade cultural: sustentabilidade em comunidades tradiconais. In: X JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSO JEPEX 2010 UFRPE: Recife, 2010. Recife. Anais... Disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2011.

    Sugesto de leitura complementar

    GOMES, M. P. Antropologia: cincia do homem, losoa da cultura. So Paulo: Contexto, 2009.

    PASSADOR, L. H. A noo de regra: princpio da cultura, possibilidade de humanidade. in GUERRIERO, S. Antropos e psique: o outro e sua subjetividade. So Paulo: Olho dgua, 2005.

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    6 CADA POVO UMA CULTURA, CADA CULTURA UMA SENTENA: A DIVERSIDADE CULTURAL

    Objetivo

    Tentar compreender outra cultura um exerccio muito parecido com o de tentar compreender o outro, ou seja, algum que pensa bem diferente de voc.

    Entrar em contato com diferentes perspectivas ou formas de reagir ao contato com as diferenas culturais traz um aprendizado maior do que pode parecer. Possibilita uma exibilidade pessoal para compreender que, ao aceitar o ponto de vista do outro, pode-se enriquecer a viso de mundo pessoal.

    Assim quando aprendemos a compreender o diferente, desde outra pessoa at outro povo.

    Aprender com o relativismo cultural essa possibilidade de se colocar no lugar do outro, ampliar as possibilidades de solues criativas.

    Introduo

    Existe uma tendncia no senso comum a classicar as diferentes culturas em graus evolutivos. Frases como: que povo atrasado!, isso sim um povo evoludo! so corriqueiras em nosso cotidiano. Mas dicilmente nos questionamos sobre o que estamos considerando para julgar algum dessa forma.

    A antropologia entrou nesse debate na segunda gerao de pesquisadores5, que ao conhecer mais profundamente a diversidade cultural por meio da pesquisa de campo, apontou a impossibilidade de tais julgamentos.

    Principais conceitos

    Etnocentrismo, relativismo, diversidade cultural, alteridade, cultura evoluda versus cultura primitiva, endoculturao, aculturao.

    Ao formar uma coletividade, o ser humano desenvolve hbitos de convvio e solues para sua vida social que podem ser extremamente variados. A isso denominamos diversidade cultural. Nossa reao perante as diferenas de comportamento de um lugar para outro podem ser orientadas de duas formas: ou pelo etnocentrismo ou pelo relativismo cultural. Neste item sero abordadas a rejeio do diferente (representada pelo etnocentrismo) e a aceitao do diferente (representada pelo relativismo).

    5 A chamada primeira gerao de antroplogos inclui os primeiros pesquisadores do sculo XIX, que jamais saram da Europa para conhecer os povos sobre os quais teorizavam. J a chamada segunda gerao chegou logo depois, a partir dos primeiros anos do sculo XX, e praticavam a pesquisa de campo, que supe a permanncia entre os membros da cultura observada.

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    Estamos o tempo todo em contato com universos culturais diferentes do nosso, seja com outros povos, seja com costumes regionais. Por isso, importante exercitarmos nossa capacidade de relativizar as diferenas, considerando a perspectiva a partir da qual o outro v o mundo.

    A antropologia nega a existncia de culturas em estgios de evoluo ou primitivismo, e desenvolveu o relativismo cultural para reetir sobre as diferenas entre as muitas culturas humanas.

    6.1 A diversidade cultural

    Vamos nos dedicar a reetir sobre a diversidade cultural.

    Vimos, nos itens anteriores, que a cultura um fenmeno produzido pelo ser humano, mas que depende da conduo da coletividade, ou seja, ela construda socialmente, e no herdada biologicamente. Isso faz com que em cada lugar e em cada poca histrica, exista uma imensa diversidade de regras, smbolos e formas de conduzir a vida coletiva. o que chamamos de diversidade cultural.

    Podemos considerar algumas consequncias deste fato. O primeiro deles, que em cada cultura o ser humano desenvolve respostas e solues, s vezes, completamente originais e diferentes para sua vida em sociedade. Isso acontece tanto em relao s tcnicas de sobrevivncia e transformao da natureza sua volta, como nas regras de convvio social.

    Vimos anteriormente em outros itens, que mesmo em meio ambientes muito semelhantes, podemos encontrar exemplos de formas culturais bastante diferentes entre si.

    A outra consequncia da diversidade cultural que, quando colocadas em contato, as diferenas culturais suscitam reaes que podem ir da simples admirao ou humor at o dio mais violento. Quando essa reao ao diferente faz com que as pessoas julguem a sua prpria cultura como sendo superior outra, chamamos a isso etnocentrismo.

    Etnocentrismo uma viso do mundo em que o nosso prprio grupo tomado como centro de tudo e todos os outros so pensados e sentidos a partir dos nossos valores, nossos modelos e nossas denies do que a existncia.

    No plano intelectual, esse pensamento pode ser visto como a diculdade em aceitar que a diferena de lgicas e sentidos possa existir; no plano afetivo, o etnocentrismo pode ser percebido em sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc.

    Para compreender o conceito de etnocentrismo, vemos que etno vem da palavra etnia, que signica um povo que compartilha a mesma base cultural lngua, tradies, religio e centrismo signica colocar no centro. Portanto, praticar o etnocentrismo o mesmo que colocar minha prpria cultura como centro do mundo, a partir da qual todas as outras so comparadas inferiormente, nunca se igualando superioridade da minha.

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    Todos ns somos, em alguma medida, etnocntricos, pois natural preferirmos nosso prprio modo de encarar o mundo ao de qualquer outro povo. Portanto, guardadas as devidas propores, o etnocentrismo nada mais que uma forma de valorizar a prpria identidade cultural.

    Mas o etnocentrismo pode ser um problema quando se torna uma forma sistemtica e repetitiva para enfrentarmos a diferena, pois assim nos tornamos incapazes de ser exveis e admitir novas formas de solucionar as coisas.

    Ou pior ainda, quando o etnocentrismo se torna to radical que uma etnia deseja exterminar a outra simplesmente por no tolerar seus costumes e sua forma de encarar o mundo, ou quer dominar o outro, sufocando suas regras, leis e costumes at que nada de sua originalidade tenha sobrevivido.

    Atualmente, temos vrios exemplos de guerras tnicas no mundo, tanto guerras de fato para citar a Bsnia, ou a Chechnia quanto guerras que acontecem por causa do imperialismo cultural, que quando uma cultura se impe sobre outras exercendo inuncias no cotidiano e se utilizando do mercado, dos meios de comunicao ou qualquer outra forma de participar dos hbitos de seus indivduos e inuenci-los a agir de outra forma.

    O fato de que o homem v o mundo atravs de sua cultura tem como consequncia a propenso em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendncia, denominada etnocentrismo, responsvel em seus casos extremos pela ocorrncia de numerosos conitos sociais.

    O etnocentrismo, de fato, um fenmeno universal. comum a crena de que a prpria sociedade o centro da humanidade, ou mesmo a sua nica expresso. As autodenominaes de diferentes grupos reetem este ponto de vista. Os Cheyene, ndios das plancies norte-americanas, se autodenominavam os entes humanos; os Akuwa, grupo Tupi do Sul do Par, consideram-se os homens; os esquims tambm se denominam os homens; da mesma forma que os Navajo se intitulavam o povo. (...)

    Tais crenas contm o germe do racismo, da intolerncia, e, frequentemente, so utilizadas para justicar a violncia praticada contra os outros (LARAIA, 2006).

    A diversidade cultural pode ser encontrada no apenas de um povo para outro, de um lugar para outro, mas, por exemplo, dentro de um mesmo pas. Aqui no Brasil, conhecemos o fenmeno dos regionalismos, que so costumes que mudam de uma regio para outra, e como resultado temos um pas rico em culturas locais.

    Alm disso, sentimos as diferenas culturais entre pessoas que moram em grandes centros urbanos e aquelas que habitam em pequenas cidades do interior. Mudam alguns aspectos da cultura brasileira entre esses diferentes ambientes sociais (de uma regio para outra, da cidade para o campo).

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    possvel perceber a diversidade cultural quando um grupo social tem diculdades em aceitar o modo dos outros fazerem as coisas.

    Os cidado urbanos, tendem a achar atrasadas as localidades em que ainda no chegaram os shopping centers, as grandes avenidas, os viadutos, o aglomerado humano e cultural das grandes cidades. A vida no interior tem outros hbitos, outro ritmo, outras preocupaes cotidianas. Assim, de forma etnocntrica, as pessoas tendem a achar que falta agitao, opo, como se no houvesse o que fazer em um lugar menos denso populacionalmente.

    A diversidade cultural existe em dois nveis, de uma grande cultura para outras e dentro de uma mesma cultura. Esses nveis so percebidos na experincia social quando se sente que, independentemente do Estado de origem, temos muita coisa em comum, que nos faz em pertencer a um mesmo complexo cultural, uma nacionalidade.

    Lembrete

    A diversidade cultural existe tanto de um povo para outro ou de uma nao para outra, como dentro de uma mesma cultura.

    Entretanto, de uma regio para outra ou de um tipo de ambiente social para outro, existem variaes que tornam esse povo nico, especial. Existe uma imensa variao possvel dos hbitos culturais dentro de um nico pas: o uso da linguagem, a alimentao, o trato social, o tipo de humor etc.

    Na linguagem antropolgica, quando estamos lidando com uma pessoa com hbitos diferentes do nosso, com outra cultura, estamos perante o outro. Esse outro pode ser algum que no fala a minha lngua, que no se veste como eu, mas tambm pode ser algum que compartilha muitos hbitos semelhantes aos meus, e outros nem tanto.

    A nossa capacidade em nos relacionar com o outro chamada de alteridade. Essa capacidade nos torna pessoas mais exveis e mais criativas em solues, pois ampliamos nosso universo de viso do mundo, saindo da prpria casca.

    Alteridade (ou outridade) a concepo que parte do pressuposto bsico de que todo homem social interage e interdepende de outros indivduos. Assim, como muitos antroplogos e cientistas sociais armam, a existncia do eu-individual s permitida mediante um contato com o outro (que em uma viso expandida se torna o Outro a prpria sociedade diferente do indivduo).

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    Dessa forma eu apenas existo a partir do outro, da viso do outro, o que me permite tambm compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado que estou pela experincia do contato (WIKIPEDIA. Alteridade. Disponvel em: , acesso em 02 de novembro de 2010).

    Quanto mais fechados em nosso prprio universo cultural menos possibilidades temos de compreender a riqueza humana em criar diferentes perspectivas para uma mesma questo.

    Voc consegue perceber em seu cotidiano essa diculdade de adaptao a novos ambientes sociais/culturais? Quando a gente comea a frequentar um novo crculo social, por causa de trabalho, ou religio, ou amizades, enm, independente da motivao que temos para estar l, existe uma diculdade inicial que entender o outro.

    Para compreender a importncia de aprofundar a reexo sobre o contato com o outro ou com a diferena, leia esse trecho, a seguir, em que a autora Neusa M. M. de Gusmo, demonstra que os tempos mudaram, e isso exige uma conduta diferente por parte da sociedade.

    Se no passado o outro era de fato diferente, distante e compunha uma realidade diversa daquela de meu mundo, hoje, o longe perto e o outro tambm um mesmo, uma imagem do eu invertida no espelho, capaz de confundir certezas, pois no se trata mais de outros povos, outras lnguas, outros costumes. O outro, hoje, prximo e familiar, mas no necessariamente nosso conhecido. O desao da alteridade assim, mais contundente agora do que no passado, em que a imposio pela fora era suciente para denir hierarquias e papis, subjugando em nome de princpios cientcos, morais e religiosos (GUSMO, 1999).

    Voc considera o brasileiro etnocntrico?

    Pense um pouco sobre essa questo. Normalmente o brasileiro se julga pouco patriota e muito aberto s inuncias externas. O brasileiro sabe que aceita a presena de outros povos de forma muito mais cordial que a populao de muitos outros lugares. Pensando assim, nos falta etnocentrismo, bem verdade.

    Entretanto, o brasileiro se julga o povo mais receptivo, informal e alegre do mundo. Isso uma forma de etnocentrismo. Negamos a outros povos a alegria, nos colocando como superiores nessa questo.

    Ou, ainda, podemos lembrar que em relao aos outros povos da Amrica Latina, o brasileiro se considera melhor ou superior. Por isso, somos etnocntricos sim! E vale lembrar que o etnocentrismo pode acontecer dentro de um mesmo pas, como o nosso, que comporta diferentes regies culturais.

    O paulista, por suas prprias razes, se considera melhor ou mais trabalhador que o carioca, e vice-versa; nordestino ou baiano virou apelido pejorativo no Centro-Sul, utilizado de forma

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    preconceituosa e ofensiva. Os baianos por sua vez, acusam os paulistas de serem um povo sem tradies prprias ou identidades, e assim seria possvel seguir com muitos exemplos. Todas essas so formas de etnocentrismo.

    Veja o que Roque de Barros Laraia coloca sobre o assunto: Comportamentos etnocntricos resultam tambm em apreciaes negativas dos padres culturais de povos diferentes. Prticas de outros sistemas culturais so catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais (LARAIA, 2006).

    Existe uma oposio ao etnocentrismo? Sim, o que chamamos de relativismo cultural.

    Quando somos capazes de avaliar uma cultura alheia, sem utilizar o tempo todo a nossa prpria cultura como parmetro de comparao, estamos relativizando. O relativismo cultural faz parte da antropologia desde meados do sculo XX, quando muitos pensadores passaram a defender que no era correto um cientista julgar algumas culturas como evoludas ou atrasadas em relao s outras. Para isso, usaram argumentos sobre a falta de imparcialidade nesse tipo de pensamento.

    Lembrete

    O relativismo cultural uma atitude que exige que o observador se coloque no lugar do outro para julgar as situaes a partir de uma perspectiva relativa ao outro, e no a si mesmo. Por isso, exige a alteridade.

    Se voc quiser pesquisar um pouco mais sobre etnocentrismo e relativismo cultural, h no portal de vdeos Youtube um bom nmero de trabalhos desenvolvidos. Basta voc colocar em sua busca esses termos, e poder ver como uma questo que envolve diculdades para um relacionamento humano bom e tico.

    Quando julgamos a totalidade de uma cultura como evoluda, sugerimos que ela est avanada ou melhorada em relao s outras que devem seguir esse mesmo rumo de modicaes.

    A pergunta que a antropologia colocou : existe uma nica forma de evoluo cultural? Todas as culturas devem, necessariamente, evoluir na mesma direo? Se a resposta que voc der for armativa, ento, deveremos levantar alguns problemas.

    O que podemos considerar como evoluo?

    O relativismo cultural rompe com a noo de uma histria e uma cultura nicas e comuns a todos os povos, assumindo que cada povo tem sua histria particular, relativa s experincias que cada um viveu naquele tempo e espao em que se inserem (PASSADOR, 2003).

    Podemos dizer que evoluo so conquistas tecnolgicas? Ser que a tecnologia um quesito suciente para garantir que uma cultura seja superior?

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    Nas sociedades de tecnologia avanada, atualmente, os indivduos trabalham pelo menos oito horas dirias para sobreviver, e necessitam de, pelo menos, 15 anos de estudos para garantir um nvel mdio de qualidade de vida. Quanto menor for o investimento de tempo e recursos para os estudos, menor sero os rendimentos garantidos para a famlia. Assim, se no quisermos nos submeter a uma vida materialmente difcil e com poucos recursos, temos que investir bastante em nossa qualicao prossional.

    Essa situao completamente diferente em uma tribo, em que a tecnologia se resume aos instrumentos de sobrevivncia, como arados, machados e teares. Um indivduo de uma tribo brasileira, por exemplo, trabalha, em mdia, trs horas dirias, e no frequenta um dia sequer em escolas. Ele no precisa se preocupar com sua qualidade de vida, pois todos em uma tribo possuem exatamente o mesmo nvel econmico6. Sua qualicao para o trabalho se d durante seus contatos com indivduos mais experientes, e as crianas participam com os adultos de todas as atividades, sendo submetidas desde cedo s estratgias de sua cultura para sobreviver. Como a sociedade no conhece diferenas econmicas, no existe criminalidade, violncia ou problemas sociais, como drogas, prostituio e doenas mentais.

    Voc pode ter uma ideia de como uma economia como a dos ndios, que nos acostumamos a chamar de economia de subsistncia, por no produzir excedentes para o mercado, pode ser encarada de forma muito contrria ideia de misria ou de condio precria. Leia abaixo:

    Os ndios, efetivamente, s dedicavam pouco tempo quilo a que damos o nome de trabalho. E apesar disso, no morriam de fome. As crnicas da poca so unnimes em descrever a bela aparncia dos adultos, a boa sade das numerosas crianas, a abundncia e variedade dos recursos alimentares. Por conseguinte, a economia de subsistncia das tribos indgenas no implicava, de forma alguma, a angustiosa busca, em tempo integral, por alimento. Uma economia de subsistncia , pois, compatvel com uma considervel limitao do tempo dedicado s atividades produtivas (CLASTRES, 1990).

    O trecho demonstra que no h, entre os indivduos das sociedades de economia de subsistncia, qualquer sentimento ou evidncia de escassez ou penria. O autor, Pierre Clastres defende que essas sociedades no so incapazes de desenvolver tecnologia e no desejam produzir excedentes. Para eles, o valor fundamental o tempo livre, e no a riqueza acumulada individualmente (Clastres, 1990).

    Jacques Lizot, que vive h muitos anos entre os ndios Yanomami da Amaznia venezuelana, estabeleceu, cronometricamente, que a durao mdia do tempo que os adultos dedicam todos os dias ao trabalho, includas todas as atividades, mal ultrapassa trs horas. No chegamos, pessoalmente, a

    6 Denomina-se sociedades de economia igualitria os modelos de organizao social e econmica que no geram desigualdades e hierarquia entre os indivduos, em termos de poder econmico; e sociedades de economia desigualitria aqueles modelos que geram essa desigualdade. A nossa sociedade desigualitria. Para aprofundar esse assunto, recomendada a leitura de: GOMES, M. P. Antropologia. So Paulo: Contexto, 2009 (Especialmente o captulo Antropologia Econmica).

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    realizar clculos desse gnero entre os Guayaki, caadores nmades da oresta paraguaia. Mas pode-se assegurar que os ndios homens e mulheres passavam pelo menos a metade do dia em quase completa ociosidade, uma vez que a caa e a coleta se efetuavam, e no todos os dias, entre, mais ou menos, 6 e 11 horas da manh. provvel que estudos desse gnero, levados a efeito entre as ltimas populaes primitivas, resultassem consideradas as diferenas ecolgicas em resultados muito parecidos (CLASTRES, 1990).

    Desse ponto de vista, ser que ainda sustentvel armarmos que a tecnologia o quesito mais importante para formar uma sociedade evoluda? Podemos mesmo sustentar que evoluo pode ser resumida em avano tecnolgico?

    A antropologia defende que isso no possvel, e que precisamos considerar cada aspecto de uma cultura dentro de seu prprio contexto, comparativamente a outras, mas cada uma dentro de seus prprios valores. Portanto, existem tecnologias e tecnologias. Quando o conceito de tecnologia vem associado destruio ambiental, excluso social, ao monoplio de conhecimentos e acumulao de riquezas, podemos armar que acontece evoluo? As cincias sociais armam que no.

    Assim, no podemos generalizar nossas comparaes, no podemos julgar com preconceitos, ou seja, antes necessrio conhecer e ponderar as implicaes e os aspectos de cada trao de uma cultura, como sua tecnologia, seu conhecimento, suas leis ou suas crenas.

    Isso relativizar, analisar cada aspecto de uma cultura de acordo com seu prprio contexto. Por isso, a antropologia nega a existncia de uma hierarquia de culturas, que comearia com as mais primitivas ou atrasadas e iria at o topo das mais avanadas e evoludas.

    Essa escala nica, dentro da qual teramos que encaixar e classicar cada cultura, s faz sentido se aceitarmos que um ndio precisa se transformar no futuro em um operrio, em um executivo engravatado ou em um cientista. As culturas no precisam produzir, necessariamente, o mesmo tipo de sociedade, cada uma vai construindo sua prpria histria e suas prprias solues de mundo. Cada uma evolui ao seu prprio modo.

    Relativizar aceitar outras solues de mundo, sem querer transpor de forma simples essa soluo para um contexto onde ela no se encaixa. Os brasileiros no se adaptam forma de trabalhar dos orientais, mas podem usar seus conceitos, adaptando-os s suas caractersticas, trazendo-os ao seu contexto7.

    Para que voc situe a questo do problema gerado pelo etnocentrismo em nossa sociedade atualmente, veja abaixo algumas colocaes de autores como Everardo ROCHA (O que etnocentrismo, So Paulo: Brasiliense) e Mrcio P. GOMES (Antropologia, So Paulo: Contexto):

    7 H hoje na antropologia um intenso debate sobre o valor do relativismo cultural. Isso porque se considera que seu uso exagerado e se levado risca, impede o debate da tica entre as diferentes culturas. Assim, no poderamos jamais julgar o outro como errado, pois no existiriam princpios ticos universais, como os Direitos Humanos. Mas, guardados esses radicalismos, o relativismo cultural cumpre um importante papel cientco e humano ao valorizar a existncia dos outros.

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    A colocao central sobre etnocentrismo pode ser expressa como a procura de sabermos quais so os mecanismos, as formas, os caminhos e razes, enm, pelos quais tantas e to profundas distores se perpetuam nas emoes, pensamentos, imagens e representaes que fazemos da vida daqueles que so diferente de ns?

    O poder de que fala sobre o outro:

    Quando construmos uma fala sobre o outro, nos colocamos em uma posio central, e esquecemos que algumas coisas podem ser distorcidas em nossa fala. Falar do diferente pode provocar medo, ou raiva.

    A diferena ameaadora porque fere nossa prpria identidade cultural

    No etnocentrismo, uma mesma atitude informa os diferentes grupos. O etnocentrismo no propriedade de uma nica sociedade.

    O etnocentrismo passa exatamente por um julgamento do valor da cultura do outro nos termos da cultura do grupo do eu.

    Aqueles que so diferentes do grupo do eu os diversos outros deste mundo por no poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados pela tica etnocntrica e segundo as dinmicas ideolgicas de determinados momentos.

    A indstria cultural TV, jornais, revistas, publicidade, certo tipo de cinema, rdio est frequentemente fornecendo exemplos de etnocentrismo.

    No universo da indstria cultural criado sistematicamente um enorme conjunto de outros que servem para rearmar, por oposio, uma srie de valores de um grupo dominante que se autopromove a modelo de humanidade.

    Mas, como relativizar ento?

    Relativizar ver as coisas do mundo como uma relao capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um m ou uma transformao.

    Relativizar no transformar a diferena em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas v-la na sua dimenso de riqueza por ser diferena.

    Relativizar olhar para o mundo a partir do ponto de vista do outro.

    Quando vemos que as verdades da vida so menos uma questo de essncia das coisas e mais uma questo de posio: estamos relativizando.

    Quando compreendemos o outro nos seus prprios valores e no nos nossos: estamos relativizando.

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    Quando o signicado de um ato visto no na sua dimenso absoluta, mas no contexto em que acontece: estamos relativizando (ROCHA, 1998).

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    O etnocentrismo e o relativismo cultural so formas opostas de agir em relao ao outro. Pode haver uma gradao ao utiliz-los. No devemos ser to etnocntricos a ponto de odiar o outro, e no devemos relativizar princpios que so universais e preservam a integridade de qualquer ser humano.

    O valor da hierarquia para os orientais to fundamental, que muitas vezes no compreendemos sua obsesso em obedec-la. Acabamos chamando a isto de submisso, quando na verdade um fenmeno mais complexo que isto. Se no compreendemos a importncia da hierarquia para os orientais em toda sua profundidade, podemos valorizar uma chea que conduz sua equipe a um trabalho bem sucedido, ou um subordinado que desempenha brilhantemente suas tarefas. Valorizar e respeitar algum superior ou inferior na escala de diviso de tarefas so componentes da hierarquia.

    Quanto mais exposta diversidade cultural, mais exerccios de alteridade uma pessoa precisa desenvolver. Aprendemos a julgar o mundo a partir dos valores de nossa cultura, e isto necessrio em nossas vidas. Mas nenhum de ns possui a totalidade do conhecimento de nossa prpria cultura, e nenhuma cultura isoladamente perfeita. Portanto, a riqueza da diversidade cultural est em mostrar diferentes pontos de vista para questes semelhantes.

    Lembrete

    preciso considerar que em qualquer sociedade todos os indivduos so inuenciados pela viso de mundo de sua cultura para fazer julgamentos.

    A diversidade cultural to importante para a humanidade quanto a diversidade biolgica. Sem o equilbrio e a convivncia entre as diferentes culturas, teramos, com certeza, uma humanidade mais pobre, na qual a troca de experincias se limitaria a repetir sempre as mesmas solues. Respeitar e saber aproveitar a diversidade so desaos para o mundo futuro.

    A seguir, voc tem a oportunidade de ler um trecho do documento produzido pela 31 Conferncia Geral da Unesco, ocorrida em novembro de 2001, em Paris. Trata-se da Declarao Universal sobre a Diversidade Cultural. O documento disponibilizado para consulta eletrnica e apresentado como: um instrumento legal que reconhece, pela primeira vez, a diversidade cultural como patrimnio comum da humanidade e considera sua guarda um imperativo concreto, inseparvel do respeito dignidade humana8.

    8 Traduo livre do original em ingls disponvel em: , acesso em 03 de novembro de 2010.

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    Identidade, diversidade e pluralismo

    Artigo 1 A diversidade cultural, patrimnio comum da humanidade.

    A cultura adquire formas diversas atravs do tempo e do espao. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compem a humanidade. Fonte de intercmbios, de inovao e de criatividade, a diversidade cultural , para o gnero humano, to necessria como a diversidade biolgica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimnio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefcio das geraes presentes e futuras (UNESCO, 2002.).

    Na ltima dcada, a diversidade cultural se tornou um tema importante em muitos setores da sociedade. O tema diversidade pode ser encontrado em artigos que procuram desenvolver novas condutas em muitas esferas de atuao prossional. Como, por exemplo, as reas de gesto e administrao de empresas, educao, publicidade, jornalismo, marketing, arquitetura, design, entre outras.

    Voc pode pesquisar na internet blogs, revistas, pginas corporativas, artigos cientcos em que os termos diversidade cultural estejam envolvidos. Voc poder perceber que tem sido um tema importante na atualidade.

    Voc tambm pode assistir a um pequeno audiovisual disponvel no Youtube, e que se chama exatamente Diversidade Cultural, e trata-se de uma seleo muito boa de imagens da diversidade. Voc vai perceber que ao nal da apresentao, todos ns deveramos car muito satisfeitos com a imensa capacidade humana para a diversidade. Mas o que ns todos percebemos acontecendo em nosso cotidiano, um rpido processo de homogeneizao cultural, ou seja, toda a humanidade segue cada vez mais um mesmo padro.

    muito importante como prossional, e, sobretudo como cidado do mundo, que voc tenha conscincia que a diversidade cultural to importante para a humanidade, quanto a diversidade biolgica importante para a sustentabilidade do planeta.

    O conceito envolvido na questo do etnocentrismo e do relativismo cultural hoje em dia incluso. A diversidade deve ser tratada como um direito de expresso, como um patrimnio humano, e no como fonte de intolerncia entre povos e pessoas.

    H uma famosa frase de um cientista social portugus, nosso contemporneo, que tem sido muito divulgada, e nos d o sentido dessa discusso.

    As pessoas tm direito a serem iguais sempre que a diferena as tornar inferiores; contudo, tm tambm direito a serem diferentes sempre que a igualdade colocar em risco suas identidades. (SANTOS, 1997, pg. 122).

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    Essa frase resume toda a necessidade de discusso sobre diversidade cultural, ou seja, temos que ser tratados como iguais para no sermos inferiorizados, mas tambm temos o direito diferena para no arriscar nossa identidade. interessante voc discutir essa frase com amigos, familiares, colegas de trabalho e poder trocar ideias a respeito.

    A ntegra do texto citado acima est disponvel para visualizao em: .

    6.2 Cultura e viso de mundo

    A cultura humana, em sua diversidade, no se expressa apenas atravs de diferentes formas de vesturio, culinria, hbitos cotidianos e rituais. Pois , sobretudo, atravs dos conceitos que aprendemos em nossa endoculturao que somos capazes de atribuir qualidades e signicados vida.

    Endoculturao se refere aos processos de aprendizado dos valores e hbitos de nossa cultura, do lugar onde nascemos. Voc se lembra do conceito de socializao, no mesmo? A socializao nos capacita a sermos membros de uma sociedade, a nos comportar coletivamente. J a endoculturao um processo em que, alguns valores, ideias, hbitos e crenas de nossa cultura so to internalizados por cada indivduo, que se tornam quase inconscientes. Inconsciente, no contexto, signica que o indivduo no percebe como algo foi aprendido, e esse aprendizado est to inculcado que parece fazer parte de nossa natureza, ou personalidade.

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    Ao passarmos por processos de endoculturao, estamos nos tornando membros desta cultura, sendo aceitos como iguais, por compartilharmos, em grande parte, a mesma viso de mundo. No temos conscincia de que certas condutas foram aprendidas, por isso, passam a nos parecer naturais, pertencentes de nossa prpria vontade e de nossos prprios impulsos.

    A antroploga Ruth Benedict autora de uma frase muito explicativa e potica para denir cultura. Ela arma que cultura so as lentes atravs das quais vemos o mundo.

    Pois bem, em sua armao podemos compreender que entre o mundo que nos rodeia e seu intrprete (nossa mente) existem lentes, uma espcie de ltro que possibilita conceituar, qualicar e dar sentido a tudo que nossa mente apreende. Essa lente nunca neutra, e a cultura a carrega com seus valores. Em cada uma delas, o ser humano interpreta de forma diferente o que v, como entender fenmenos e situaes, como julgar e conceituar tudo que acontece sua volta, e at mesmo em sua prpria mente.

    O que se arma que no existe uma total objetividade na forma como o ser humano observa, apreende e conceitua o mundo. Existem, na verdade, mtodos de conhecimento que podem chegar a uma maior objetividade, como a cincia ou a losoa. J o senso comum e as religies no exigem

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    objetividade, pois so formas de conhecimento atravessadas por valores muito prprios, dos quais no podem abrir mo. No caso do senso comum, as armaes so feitas sem qualquer pesquisa ou indagao; para as religies, existem os princpios de f em preceitos e dogmas que armam verdades sobre o mundo.

    Viso de mundo e senso comum: Quando conversamos sobre o mundo baseados no senso comum, armamos aquilo que nossa cultura nos ensina ser verdadeiro, pois tudo visto atravs de suas lentes.

    Viso de mundo e religio: Quando conversamos sobre o mundo baseados em uma religio, armamos aquilo que nossa f nos ensina ser verdadeiro.

    Viso de mundo e cincia ou losoa: Quando conversamos sobre o mundo baseados na cincia ou na losoa, precisamos aceitar certas verdades, mesmo que no sejam adequadas nossa moral, aos nossos princpios religiosos ou preconceitos.

    Cada cultura possui uma forma especca de ver o mundo. No Mxico, por exemplo, o catolicismo tem uma forte inuncia sobre a cultura popular e um grande sincretismo9 com crenas astecas. Para a populao desse pas, o dia de nados, que na tradio catlica um dia de tristeza pela dor da perda, na cultura mexicana recebe o tratamento de uma festa alegre, com muita dana, msica e culinria. o chamado dia dos mortos, cujas crenas armam que os antepassados adquirem vida e vm visitar os lares de seus entes queridos. Por isso, eles so recebidos com muita alegria e fartura.

    Para o povo havaiano, antes da colonizao inglesa, as erupes vulcnicas eram explicadas como sendo uma forma de comunicao dos deuses com a tribo, e no como fenmeno da natureza.

    Esses povos, e todos os outros com suas caractersticas marcantes, esto errados? Partindo da perspectiva de outras culturas, podemos armar que sim. Partindo da perspectiva de suas culturas, podemos armar que no. Pois viso de mundo a forma como as pessoas interpretam o mundo de acordo com seus valores e reagem da forma adequada ao seu grupo social.

    Existe a possibilidade de mudana nessas vises de mundo? Sim, a cultura algo que est o tempo todo em transformao. Ao entrar em contato com outro povo, vrios tipos de mudanas so possveis, bem como o reforo de antigos valores culturais s vezes esquecidos ou fora de moda.

    Para uma parte dos antroplogos, quando uma cultura se modica em funo do contato com o outro, seja em pequenos aspectos ou mesmo de forma avassaladora, podemos denominar aculturao. Isso acontece quando substitumos valores de nossa cultura original pelos valores de outras culturas. Este caso poderia ser aplicado ao exemplo acima do povo havaiano. Atualmente, aps sculos de colonizao inglesa e depois norte-americana, os havaianos j no explicam erupes como sendo castigos dos

    9 Sincretismo um fenmeno cultural e designa um processo em que um povo mescla diferentes inuncias religiosas e crenas ou misticismos, apesar da no aceitao por parte dos representantes ociais dessas instituies e grupos.

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    deuses. Os ndios brasileiros tambm sofreram alteraes comportamentais, pois foram obrigados a substituir as lnguas nativas pelo portugus, e a nudez pelas roupas europeias. Esses seriam exemplos de aculturao. Entretanto, muitos antroplogos no concordam com essa perspectiva.

    Aculturao signica, literalmente, negar a cultura; perder a cultura. O prexo a ausncia, negao. Utilizado por muitos cientistas sociais para descrever fenmenos de perda de tradies, de referenciais prprios. Mas muitos antroplogos entendem que no existe cultura totalmente pura, isolada ou que no aproveite traos e se deixe inuenciar por outras. Armamos sempre que a cultura dinmica. Pois bem, se formos pensar rigorosamente, qual cultura no seria jamais aculturada? Nenhuma cultura cria sozinha, a no ser por total e completo isolamento, todo o conhecimento e tcnicas de mundo.

    As expresses troca cultural, emprstimo cultural, aculturao, transculturao, acomodao, assimilao, sincretismo e outros termos correlatos foram muito utilizados pelos antroplogos norte-americanos, no sentido de que a cultura dominada adota caractersticas da cultura dominante. Estas categorias, usadas at os anos de 1960, depois caram de moda quando se passou a reetir mais sobre o colonialismo e a dominao (FERRETTI, 2007).

    Apesar desse debate, podemos recorrer corretamente ao conceito de aculturao para muitos fenmenos que pretendemos explicar. Por exemplo, a inuncia da televiso sobre os valores de sociedades tradicionais, como os moradores do campo e das pequenas comunidades rurais, que passam a pensar como os moradores dos grandes centros urbanos.

    Isso seria uma forma de aculturao? Sim, pois esses valores no esto sendo mudados em funo de uma dinmica prpria, ou de necessidades reais, mas de um contato que se impe por meio de um instrumento (televiso) sobre as comunidades locais, que no escolhem temas, produzem programas ou se qualicam para administrar essas empresas de comunicao.

    Voc consegue levantar exemplos de aculturao, ou de assimilao em seu campo de atuao prossional? No? Pois saiba que se trata de um fenmeno de relacionamento entre culturas diferentes, que atinge um grande espectro de prossionais atualmente.

    Saiba mais

    Para quem trabalha com gesto, ou administrao, a questo da cultura organizacional pode ser um elemento de conito e problemas em processos. Se voc quiser fazer uma leitura complementar, tente este link:

    OLIVEIRA, O. V.; FORTE, S. H. A. C. Processo de aculturao em aquisies: estudo de caso de uma grande empresa do setor alimentcio. Artigo disponvel em:

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    Para quem atua no setor de educao, h um sem nmero de artigos publicados no portal Scielo Brasil, que d acesso a publicaes cientcas on-line. Voc pode fazer uma busca sobre educao indgena, ou simplesmente educao multicultural.

    Para quem atua na rea de economia ou direito, h um artigo interessante de Denis Lerrer Roseneld, intitulado Aculturao e integrao, e que est disponvel em: .

    Quem se interessa pela questo social do negro no Brasil, h uma obra rara, e muito importante, de 1942, e disponibilizada digitalmente e na ntegra em um portal chamado Brasiliana Eletrnica, de responsabilidade da UFRJ, na pgina: .

    Alis, para voc que atua na rea de viagens e turismo, ou direito, ou economia, ou mesmo relaes internacionais h nesse portal acima obras de interesse histrico. Vale a pena conferir os ttulos em: .

    Os indivduos se relacionam e interagem socialmente a partir de valores e hbitos culturais. Portanto, quando pessoas de culturas diferentes interagem, correto armar que as culturas esto se relacionando. Leia o texto abaixo de Mrcio P. Gomes.

    Aqui chegamos ao importante tema do relacionamento entre culturas. Podemos dizer, com um pouco de licena potica, que as culturas se relacionam umas com as outras. Por exemplo, a cultura brasileira se relaciona com a cultura norte-americana ou com as culturas indgenas. certo que so os indivduos que se relacionam uns com os outros; mas ao fazerem, ao lado de trocarem bens e produtos, transmitem e recebem valores, ideias, pensamentos, modos de comportamento que so absorvidos, isto , emprestados, de propsito ou at inconscientemente (...) (GOMES, 2009).

    Para aprofundar as questes levantadas pelo contato entre as diferentes culturas, e a interferncia da viso de mundo de um povo, voc pode ler o captulo A cultura condiciona a viso de mundo do homem, no livro Cultura: um conceito antropolgico, de Roque de Barros Laraia, citado na bibliograa.

    Sntese

    A diversidade cultural expressa a innita capacidade humana em produzir diferentes vises de mundo. No existem culturas atrasadas ou avanadas, mas, sim, uma multiplicidade de solues para a vida humana. Somos seres endoculturados e nossa viso de mundo equivale grandemente aos valores

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    de nossa prpria cultura. Podemos reagir ao contato com o outro etnocentricamente ou a partir do relativismo cultural. O etnocentrismo revela a incapacidade de se colocar no lugar do outro, por julg-lo preconceituosamente como inferior. Quando nos colocamos no lugar do outro, estabelecido o que se denomina relao de alteridade. O relativismo cultural e a postura de alteridade agregam valores ao ser humano, e o torna mais exvel ao debate, convivncia e a um tratamento mais justo em relao diferena.

    Saiba mais

    Conceitos bsicos da antropologia e da sociologia:

    7 DIFERENTES CULTURAS, CARACTERSTICAS HUMANAS UNIVERSAIS

    Objetivo

    Diferenciar o que universal no comportamento humano e o que particular.

    Introduo

    O ser humano produz diversidade cultural. Voc pode aprender como importante constatar essa diversidade e se habilitar a lidar com ela em situaes de contato com a diferena.

    Entretanto, o ser humano no apenas diverso. Somos uma espcie que compartilha caractersticas que nos assemelham, nos tornandos iguais e no diferentes. Por isso este item trabalha os conceitos de caractersticas universais.

    Caractersticas universais so aquelas que no se alteram em funo do contexto ou condio momentnea. Caractersticas particulares so aquelas que encontramos apenas em determinados contextos, seja de um lugar para outro, seja de uma poca para outra.

    As culturas humanas so, sem sombra de dvida, plenas em particularidades. Mas dar ateno ao que universalizado em nossa espcie tambm fundamental.

    Principais conceitos

    Simbolizao, estruturalismo, pesquisa de campo, diversidade cultural.

    Diversidade cultural, relaes humanas

    A humanidade sempre conviveu, se espantou e reagiu diversidade cultural. Temos registros de povos muito antigos curiosos por solucionar dilemas, como: teria existido um dia uma lngua

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    universal?, existe uma cultura primeira, que deu incio a todas as outras?, por que os outros povos no acreditam no meu Deus? etc. Na verdade, esses dilemas demonstram, em alguns casos, etnocentrismo, em outros espanto ou indignao, e fazem parte da eterna inquietao humana por responder a tudo. Para a antropologia, esses dilemas apresentam questes equivocadas, pois todas pretendem chegar a uma cultura primordial, perfeita ou que explique que os povos que no a seguiram so inferiores ou errados.

    Para as cincias sociais, o ser humano um animal cultural, ou seja, jamais ser capaz de viver em sociedade sem produzir smbolos, interpretar ao seu modo o mundo que o rodeia, e, assim, produzir uma cultura original. Se vivemos em uma tribo ou em uma grande metrpole como So Paulo ou Nova York, somos o mesmo ser humano e o que muda a forma exterior da cultura que nos rodeia.

    Vamos mudar nossa lgica anterior, que era a de evidenciar a diversidade cultural, e vamos olhar para os recursos e as capacidades humanas que produzem essa diversidade. Em certas culturas, os indivduos adoram a algum ou a algo, que podem chamar de Al ou de Deus, em outras, ainda, no existe um nico deus, mas vrios deuses. Bem, independentemente do nome e da forma como ritualizamos essa f, o que leva o ser humano a xar um nome ou um ritual a nossa capacidade, totalmente idntica para todas as culturas, de ter crenas. Assim, independentemente da forma desenvolvida, somos seres dotados da capacidade de acreditar em coisas que transcendem, que vo para alm da matria.

    Outro exemplo: em certas culturas o trabalho agrcola uma tarefa feminina, e em outras, masculina. Independentemente da forma como cada cultura o faz, temos uma mesma capacidade, a de dividir socialmente as tarefas.

    Seguindo com nossos exemplos, podemos armar que nas tribos no existe a noo de mercado, que uma forma de organizar as trocas materiais, com objetivo de lucro para quem oferece a mercadoria ou o servio. O que eles possuem so as trocas baseadas em escambo, no qual inexiste a moeda, e ambas as partes oferecem algo que consideram de comum acordo, ou seja, equivalentes. Independentemente da forma como realizada existe nossa capacidade de avaliar trocas.

    Apesar de voc achar que isso no existe mais, o escambo ainda uma forma de troca realizada em muitas partes do mundo, e em muitos lugares a moeda algo raro e ausente das relaes sociais.

    Os indivduos que vivem em grandes cidades tm sua disposio uma grande quantidade de meios de comunicao, mas desconhecem realidades sociais que no fazem parte do que chamamos modernidade. De fato, o que nos d a sensao de que o mundo inteiro vive da mesma forma como ns vivemos o etnocentrismo. Ele nos joga numa forma de isolamento de realidades alheias nossa prpria, e nos faz julgar como atrasados os