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Alex Yosuke Araujo Yamasaki IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA Centro Universitário Toledo Araçatuba 2015

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA · improbidade administrativa e seus sujeitos, as espécies de atos de improbidade administrativa e suas possíveis sanções, além

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Alex Yosuke Araujo Yamasaki

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2015

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Alex Yosuke Araujo Yamasaki

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA

Monografia apresentada como exigência para a

conclusão do Curso de Direito, do Centro

Universitário Toledo, sob orientação da Prof.

Camila Paula de Barros Gomes.

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2015

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Prof.ª Camila Paula de Barros Gomes

Prof. Milton Pardo Filho

Prof. Euller Xavier Cordeiro

Araçatuba, ____ de ____________ de 2015.

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2015

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A Deus, primeiramente, pelos caminhos em

minha vida delineados com ímpar sapiência.

À minha família, meu alicerce e inspiração,

triunfante diante de dificuldades singulares, a

quem garanto eterno amor e gratidão.

À minha namorada, de rara paciência e

inteligência incomparável, que torna leve os

mais árduos dias e com quem tenho a

felicidade de dividir minhas experiências.

Aos meus amigos, indispensáveis em minha

vida, com os quais divido histórias no passado

e as dividirei no futuro, dignos de toda minha

fidelidade.

A todos com quem tive a oportunidade de

trabalhar: 1ª e 2ª Vara da Justiça Federal de

Araçatuba, Procuradoria Geral do Estado de

São Paulo – Regional de Araçatuba e

Defensoria Pública do Estado de São Paulo –

Regional de Araçatuba, locais onde pude

ganhar experiência e aprender lições não só

sobre direito, mas sobre a vida, adquirindo

amigos por quem sempre terei enorme estima.

À minha orientadora Prof. Me. Camila Paula

de Barros Gomes que, gentilmente, auxiliou-

me neste período tão importante.

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“Se você é neutro em situações de injustiça,

você escolhe o lado do opressor” (Desmond

Tutu).

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A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA

Alex Yosuke Araujo Yamasaki

Orientadora: Camila Paula de Barros Gomes

O presente trabalho tem como pretensão precípua o estudo legal, doutrinário e jurisprudencial

de três institutos que possuem como finalidade a manutenção da res pública, através do

resguardo dos princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência),

estabelecendo coerções em diferentes esferas do direito aos agentes públicos que infringirem

tais normas basilares da administração. Aborda-se a dicotomia entre a aplicação da Lei dos

Crimes de Responsabilidade (Lei nº 1.079/1950 – que abrange apenas a determinados agentes

políticos) e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992 – que abrange a

totalidade dos agentes públicos), explanando-se as origens e finalidades dos institutos e

demonstrando-se os argumentos positivos e negativos à aplicação de ambas as regras.

Ademais, são aduzidas as inovações trazidas pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº

135/2010, que alterou a Lei das Inelegibilidades – Lei Complementar nº 64/1990), versando-

se sobre as modalidades de inelegibilidade relativas à improbidade administrativa.

Palavras-Chave: Improbidade Administrativa, Crimes de Responsabilidade, Ficha

Limpa, Agentes Públicos, Agentes Políticos, Inelegibilidades.

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ADMINISTRATIVE MISCONDUCT AND THE CLEAN RECORD LAW

Alex Yosuke Araujo Yamasaki

Advisor: Camila Paula de Barros Gomes

The present work has as main purpose the study of legal, doctrinal and jurisprudential aspects

of three institutes that aim the maintenance of the State, through safeguarding of the principles

set out in Article 37 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil from 1988

(legality, impartiality, morality, publicity and efficiency), establishing constraints in different

spheres of the Right to public officials who violate such essential principles of administration.

The dichotomy between the implementation of the Responsibility Crimes Law (Law number

1.079/1950 – covering only certain politicians) and the Administrative Misconduct Law (Law

number 8.429/1992 – which covers all public officials) is explained, as the origins and

purposes of these institutes and there is the demonstration of the positive and negative

arguments to the application of both rules at the same time. Moreover, the innovations

brought by the Clean Record Law (Complementary Law number 135/2010, which amended

the Law of ineligibility – Complementary Law number 64/1990) are explained, as the

modalities of ineligibility on administrative misconduct.

Key-Words: Administrative Misconduct, Responsibility Crimes, Clean Record, Public

Officials, Political Agents, Ineligibility.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC ................... Ação Declaratória de Constitucionalidade.

ADI .................... Ação Direta de Inconstitucionalidade.

CF/1988 ............. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

LC ...................... Lei Complementar.

LIA .................... Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429 de 02 de junho de 1992.

STF .................... Supremo Tribunal Federal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10

I – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ......................................................................... 12

1. O dever de probidade dos agentes públicos ................................................................... 12

2. Definição de improbidade administrativa ...................................................................... 15

3. Evolução histórica da improbidade administrativa ........................................................ 17

4. Sujeitos dos atos de improbidade................................................................................... 22

4.1 Passivo ..................................................................................................................... 22

4.2 Ativo ......................................................................................................................... 23

5. Espécies de atos ímprobos ............................................................................................. 25

5.1 Improbidade por enriquecimento ilícito ................................................................... 25

5.2 Improbidade por atos lesivos ao erário .................................................................... 27

5.3 Improbidade por violação a princípios da administração pública ............................ 30

6. Sanções aplicáveis ......................................................................................................... 32

7. Natureza jurídica da improbidade administrativa .......................................................... 34

II – CRIMES DE RESPONSABILIDADE ......................................................................... 36

1. Definição dos crimes de responsabilidade ..................................................................... 36

2. Condutas ........................................................................................................................ 37

3. Sujeitos dos crimes de responsabilidade ........................................................................ 38

4. Natureza jurídica dos crimes de responsabilidade ......................................................... 41

5. O impeachment .............................................................................................................. 45

6. Sanções .......................................................................................................................... 46

7. A Lei de Improbidade Administrativa e a Lei nº 1.079/1950 ........................................ 47

III – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA.................... 51

1. Surgimento da Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar nº 135/2010 ......................... 51

2. A Lei da Ficha Limpa e o STF – ADCs 29 e 30 e ADI 4.578 ....................................... 53

3. A essência da inelegibilidade segundo a Lei da Ficha Limpa ....................................... 57

4. Inelegibilidade decorrente de condenação à suspensão dos direitos políticos por

ato doloso de improbidade administrativa ..................................................................... 59

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 65

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem como pretensão precípua a análise da Lei de

Improbidade Administrativa à luz da Constituição Federal de 1988, com a qual ocorreu o

surgimento de diversos mecanismos de controle e fiscalização, possibilitando maior proteção

à res publica e repressão em caso de negligência.

Com esta abordagem, o desígnio é tornar límpida a abrangência de agente público

segundo a LIA, explanando a incidência desta lei e dos crimes de responsabilidade (Lei nº

1.079/1950), ainda que em seu artigo 2º a Lei nº 8.429/1992 designe agente público como

“todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,

nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,

mandato, cargo, emprego ou função” relacionado ao Poder Público.

Além disso, tem por função precípua estabelecer uma correlação da LIA com a Lei da

Ficha impa (Lei Complementar nº 135/2010), demonstrando os efeitos recíprocos

relacionados à improbidade e às inelegibilidades.

Portanto, divide-se o presente estudo em três capítulos com o intuito de que seja feita

análise da improbidade administrativa no que tange à sua evolução, conceituação e

peculiaridades, posteriormente sendo elaborado um comparativo com os crimes de

responsabilidade e finalmente demonstrar reciprocamente a repercussão desta norma em

relação à emergente Lei da Ficha Limpa.

Para atingir este objetivo, no primeiro capítulo será dissecada a Lei de Improbidade

Administrativa, introduzindo-se a partir do tracejamento da evolução histórica das normas

voltadas aos hoje denominados atos de improbidade administrativa até a concepção da lei

retromencionada, expandindo o dever de probidade dos agentes públicos, a conceituação da

improbidade administrativa e seus sujeitos, as espécies de atos de improbidade administrativa

e suas possíveis sanções, além da natureza jurídica destes atos.

No segundo capítulo versar-se-á sobre os crimes de responsabilidade previstos na Lei

1.079/1950, em análise crítica do instituto e de suas peculiaridades, abordando as condutas,

seus respectivos sujeitos, as sanções decorrentes da prática dos crimes supracitados, do

mesmo modo como sua natureza jurídica, além da definição e procedimento do impeachment.

No terceiro e último capítulo será feita uma abordagem da improbidade administrativa

em relação à Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), partindo de sua gênese a

analisando sua constitucionalidade e sua ligação com a improbidade administrativa,

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explanando as vedações impostas aos agentes públicos em campanhas eleitorais e a correlação

estabelecida entre a improbidade administrativa e a viabilidade de aplicação ou não das

inelegibilidades previstas na Lei da Ficha Limpa ao tratar-se de atos dolosos ou culposos de

improbidade.

Finalmente, expõem-se as conclusões obtidas ao contemplar o ordenamento jurídico e

os argumentos trazidos neste estudo sobre a reciprocidade de efeitos da LIA e da Lei da Ficha

Limpa, demonstrando a importância destas normas no ordenamento jurídico pátrio.

O método de pesquisa utilizado para a conclusão do presente trabalho fora o

documental, além de pesquisas elaboradas para que fosse possível a elucidação das teorias

demonstradas atinentes à comparação ou exemplificação.

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I – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

1.1 – O dever de probidade dos agentes públicos

Anteriormente ao alicerçamento de uma sociedade civil, pairava entre os homens o

denominado estado de natureza, isto é, uma condição humana caracterizada pela ausência de

regras para que pudessem ser traduzidos os interesses de todos de maneira igualitária e,

consequentemente, de um ente central – o estado – que pudesse executar o cumprimento

destas regras.

Neste diapasão, Francisco Correa Weffort (2006, p. 56) demonstra, de acordo com o

pensamento de Thomas Hobbes, que o homem, em sua particularidade e dentro do contexto

do estado natural, possui três causas principais de discórdia – e três propósitos com as

desavenças criadas: a competição, que se vencida levaria a uma preponderância do vencedor

sobre o vencido; a desconfiança, que ao ser abatida geraria a segurança para si, e; a glória, que

ocasionaria engrandecimento da reputação, como bastante para deixar um ser em situação de

predominante sobre os demais.

Hobbes, ainda, em sua filosofia, aduz, segundo o pensamento de Plauto, que “Lupus

est homo homini non homo” – lobo é o homem para o homem, não o homem –, mais

conhecido como “o homem é o lobo do homem”, pois não é possível decifrar os pensamentos

dos indivíduos, nem deduzir suas possíveis intenções, atitudes e reações, prevalecendo então o

instinto animal de atacar para sobreviver, de tomar os benefícios alheios para si. A partir desta

concepção torna-se imprescindível a criação de uma instituição de poder comum, isto é, de

um Estado, de um pacto ou contrato social através do qual se abdica da liberdade ao passar

seu controle a esta entidade.

Conforme explicita Dalmo de Abreu Dallari, conforme pensamentos de Aristóteles, o

homem é, na essência, um ser sociável:

O antecedente mais remoto da afirmação clara e precisa de que o homem é um ser

social por natureza encontra-se no século IV a.C., com a conclusão de Aristóteles de

que “o homem é naturalmente um animal político”. Para o filósofo grego, só um

indivíduo de natureza vil ou superior ao homem procuraria viver isolado dos outros

homens sem que a isso fosse constrangido. Quanto aos irracionais, que também

vivem em permanente associação, diz Aristóteles que eles constituem meros

agrupamentos formados pelo instinto, pois o homem, entre todos os animais, é o

único que possui a razão, o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto (2011,

p. 21).

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Contudo, ainda que em sociedade, os homens que obtivessem poder ocasionalmente

teriam sede por maior supremacia, por maior glória, corrompendo-se e tornando o pacto

ineficaz. Nesta linha de raciocínio, Gilberto Cotrim assevera que:

Em sua obra “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, Rousseau

glorifica os valores da vida natural e ataca a corrupção, a avareza e os vícios da

sociedade civilizada. Exalta a liberdade que o homem selvagem teria desfrutado na

pureza do seu estado natural, contrapondo-o à falsidade e ao artificialismo da vida

civilizada (2006, p. 279).

Ademais, Jean-Jacques Rousseau defende o estado natural do homem e critica os

meios eleitos pela sociedade para educar os indivíduos, ao elucidar que a corrupção paira

sobre o homem devido à sociedade, e não à sua origem, que é pura.

Segundo a clássica definição de Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco

Pasquino (1998, p. 292), “a corrupção é uma forma particular de exercer influência: influência

ilícita, ilegal e ilegítima”. Já no entendimento de De Plácido e Silva (2010, p. 393), corrupção

é “derivado do latim corruptio, de corumpere (deitar a perder, estragar, destruir, corromper),

etimologicamente possui o sentido de ação de depravar (corrupção de menores), de destruir

ou adulterar (corrupção de alimentos)”. Completando tais conceitos, Flávia Schilling aduz

que:

Corromper é, desta forma, desnaturalizar, desviar uma coisa do fim para o qual

naturalmente tende. No aspecto individual, supõe-se uma natureza humana sendo

desviada de seu curso. No aspecto social, supõe-se uma sociedade com normas

claras, gerais e operantes, com as leis homogeneamente compreendidas e aceitas

com o ato corruptor vinda a degradar o estado das coisas (1999, p. 45).

Marco Antônio Teixeira e Vera Maia, consoante Renato Janine Ribeiro (2000),

destacam:

como nos vários sistemas de governo, o tema corrupção teve significados

diferenciados. Na tirania e na monarquia não havia separação entre bem público e

bem privado, portanto a corrupção estava associada a algum modo de traição à pária,

como nos desvios de conduta (basicamente sexuais) ou na acusação de mulheres,

consideradas corruptas ao tentarem assumir papéis fora daquilo que a sociedade lhes

passava como expectativa de boa conduta. A corrupção, da maneira como nós a

conhecemos, é um fenômeno da moderna República. Segundo o autor, o regime

democrático, inevitavelmente, conviverá com algum grau de corrupção por diversas

razões: a primeira razão decorre do fato de a democracia pautar-se pelo sentimento

de tolerância à diversidade, não havendo nenhum grau de afeto superior que

padronize o comportamento das pessoas, como ocorria em épocas passadas quando

se transformava em corrupção tudo aquilo que fugia dos padrões definidos pelo

próprio grupo. O segundo fator que explica a corrupção decorre da supremacia da

sobrevivência individual (busca do dinheiro) em relação ao espaço coletivo (mundo

do afeto). Nas estruturas (Estado) em que deveriam ser realizadas as produções de

bens públicos, o interesse privado tem prevalecido (2001).

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Portanto, traça-se tal paralelo sobre o ser humano tanto em seu estado natural quanto

em plena existência de uma sociedade e um estado para evidenciar que a corrupção ou as

características que a ela pudessem suscitar sempre existiram, não importando o modelo de

punição adotados, por seu caráter subjetivo, isto é, por não estar impreterivelmente inerente a

todos os homens e por ser algo que, sob uma mesma conjuntura, pode tornar-se característica

de um indivíduo e de outro, não.

Assim, no Brasil, a corrupção é decorrente da fraca educação social e ética que

ocasionam o descaso com a coisa pública, sendo implicitamente – e até explicitamente –

aceita por boa parte da população, que não toma as providências cabíveis e nem se mostra

descontente neste cenário.

Ao haver aceitação da corrupção por uma sociedade democrática, José Álvaro Moisés

(apud XAVIER, 2012) discorre seus efeitos não somente na vinculação estatal direta:

Os efeitos da aceitação da corrupção afetam a qualidade da democracia: diminuem a

adesão ao regime, estimulam a aceitação de escolhas autoritárias, influenciam

negativamente a submissão à lei e a confiança interpessoal, e inibem tendências de

participação política (2010, p. 35).

Contrapondo estes conceitos e na atual conjuntura de nosso país, presume-se que, ao

se tratar de um Estado Democrático de Direito, seus agentes tratem a administração e os bens

públicos, ao mesmo tempo em que com eficiência, com honestidade, boa-fé, zelo e

respeitando os princípios que os regem.

Portanto, na lição de Wallace Paiva Martins Júnior (2009, p. 66), “quem administra

interesse alheio tem o dever de geri-lo como se administrasse o próprio, com diligência,

cuidado, atenção e, sobretudo, vinculação à finalidade do interesse que tutela”.

Já Waldo Fazzio Júnior, ao tratar sobre o dever de probidade dos agentes públicos,

discorre da seguinte maneira:

O dever de probidade ou de honestidade no trato da coisa decorre do dever

constitucional de agir conforme os princípios da moral na Administração Pública,

isto é, com boa-fé, fidelidade à verdade, respeito a toda pessoa humana, sem causar

danos a quem quer que seja, sem dilapidar o patrimônio público, sem usar do cargo

ou função apenas para benefício próprio ou extrair vantagens egoísticas (apud

NORT, 2011, p. 9).

Corroborando e acrescentando a tal argumento, José Afonso da Silva elabora sua

própria definição de probidade, ao citar Marcelo Caetano:

A probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir a

Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem

aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de

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outrem, a quem queira favorecer” (apud NORT, 2011, p. 9).

Destarte, a probidade é um encargo dos agentes públicos, ao agirem com honestidade,

boa-fé e respeitando os princípios éticos e morais que os abrangem, sobrepondo o interesse

público, que a eles cabe administrar, ao interesse particular, ao passo que a correta

administração encontra previsão inclusive na LIA, que reforça os princípios dispostos no

caput do artigo 37 da CF/1988, sejam estes: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a

publicidade e a eficiência.

Nos dizeres de Cármen Lúcia Antunes Rocha, a probidade “conta com um fundamento

não apenas moral genérico, mas com base de moral jurídica, vale dizer, planta-se ela nos

princípios gerais de direito” (2000).

Traçando um paralelo entre a moralidade e a probidade administrativa, Maria Sylvia

Zanella Di Pietro (2014, p. 901) as diferencia, ao explanar que inicialmente as expressões são

sinônimas, quando tratam da linha de conduta a ser adotada pelos agentes públicos.

Entretanto, ao tratar-se da improbidade como ato ilícito, deixa de existir tal semelhança,

passando a improbidade a incorporar o princípio da moralidade, possuindo um sentido mais

amplo e preciso, sendo a lesão à moralidade administrativa apenas uma das espécies previstas

no gênero improbidade administrativa da Lei nº 8.429/1992.

Ratificando esta perspectiva, José Afonso da Silva, complementando pensamento de

Marcelo Caetano, aduz da seguinte maneira:

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu

consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão dos

direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o

„funcionário servir a administração com honestidade, procedendo no exercício das

suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrente em proveito

pessoal ou de outrem a quem queira favorecer‟. O desrespeito a esse dever é que

caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade

administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade

qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem

(2004, p. 650).

1.2 – Definição de improbidade administrativa

De Plácido e Silva (2010, p. 716) explana etimologicamente a improbidade, relatando

que o termo é “derivado do latim improbitas (má qualidade, imoralidade, malícia),

juridicamente, liga-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má

índole, mau caráter”.

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Aduz o mesmo autor (2010, p. 716) que na Roma antiga, a improbidade ocasionava a

ausência de aestimatio – estimação em latim –, sem a qual os indivíduos se tornavam homines

intestabiles, isto é, inábeis homens cuja capacidade ou idoneidade deixara de existir para a

prática de determinados atos que necessitassem de valores íntegros.

Ao expor-se o dever imposto ao administrador quanto a ser probo e respeitar não

somente o direito vigente, mas também a ética profissional, notável se faz que improbidade

administrativa, então, é retratada como antônimo da probidade. Também na lição de Plácido e

Silva, como acepção de ímprobo entende-se:

Mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador. É atributivo da

qualidade de todo homem ou de toda pessoa que procede atentando contra os

princípios ou as regras da lei, da moral e dos bons costumes, com propósitos

maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de boa fama (2010, p.

716).

Dispõe o artigo 37 da CF/1988 em seu parágrafo quarto, que “os atos de improbidade

administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a

indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei,

sem prejuízo da ação penal cabível”.

Apesar de listar os eventuais corolários, o dispositivo constitucional retro não

conceitua, caracteriza ou sequer delimita a essência dos atos de improbidade administrativa,

ou seja, firma uma norma constitucional de eficácia limitada, necessitando de regulamentação

através de uma lei a ser criada, o que acabara por ocasionar, portanto, dificuldades aos

estudiosos e doutrinadores quanto à sua clara definição.

Tal omissão pode ser elucidada da seguinte forma: foi delineado pelo constituinte um

esboço de tratamento à improbidade administrativa, descrevendo de forma mais específica e

completa as consequências dos atos de improbidade, o que fora inovação relativamente às

Constituições anteriores, mas em relação aos atos em si, a abordagem acabara por ser ampla

em demasia e de pendente delimitação.

Portanto, não havendo definição legal dos atos de improbidade administrativa, Mauro

Roberto Gomes de Mattos trata a nebulosidade envolta neste contexto da seguinte forma:

Ao deixar de definir o conteúdo jurídico do que venha a ser o ato de improbidade

administrativa, a lei 8.429/92 permitiu ao intérprete uma utilização ampla da ação de

improbidade administrativa, gerando grandes equívocos, pois possibilitou que atos

administrativos ilegais, instituídos sem má-fé, ou sem prejuízo ao ente público

fossem confundidos com os tipos previstos na presente lei.

Tal equívoco, como dito, é fruto da falta de uma definição jurídica do ato de

improbidade administrativa, apresentando-se, portanto, como norma de conteúdo

incompleto.

A lei em questão se assemelha à norma penal em branco, por possuir conteúdo

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incompleto e cujo “aperfeiçoamento” fica por conta de quem interpreta a lei de

improbidade administrativa (2010, p. 28).

Diante da lacuna supra e da iminente normatização posterior, a regulamentação da

improbidade administrativa ocorreu no cerne da lei nº 8.429/1992 – a Lei de Improbidade

Administrativa. Entretanto, o mencionado diploma legal de caráter nacional não preceituou,

da mesma forma como o texto constitucional, o que seriam os atos de improbidade

administrativa, explicitando apenas caracterizações abstratas, fazendo restrições de modo a

priorizar exemplificações em oposição a defini-los, de modo que poderiam ser englobadas

condutas não trazidas pelo texto legal e abrange-las de modo mais profundo e cristalino,

impactando estruturalmente tanto as possíveis condutas contemporâneas quanto as futuras.

Apesar dos transtornos envoltos, ilustrados acima, Daniel Amorim Assumpção Neves

e Rafael Carvalho Rezende Oliveira definem por ato de improbidade administrativa:

o ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa,

contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de

acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que

regem a Administração Pública (2014, p. 9).

Por fim, corroborando tal argumentação, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando

Elias Rosa e Walter Fazzio Júnior aduzem:

Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico

para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o

desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem

jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção

de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das

funções e empregos públicos, pelo „tráfico de influência‟ nas esferas da

Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses

da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios lícitos (1997, p. 37).

1.3 – Evolução histórica da improbidade administrativa

O combate à desonestidade, à corrupção e ao descaso com a res publica sempre obteve

dedicação basilar do legislador, notável ao observar-se a trajetória deste entorno no direito,

desde a evolução dos crimes atualmente denominados crimes contra a administração pública,

dos crimes de responsabilidade e com a improbidade administrativa em si.

Como crimes contra a administração pública, a tutela da probidade administrativa deu-

se a partir das Ordenações Filipinas – que são uma compilação normativa utilizada na União

Ibérica entre 1580 e 1640. Com a extinção da União Ibérica, esta norma continuou a viger em

Portugal de acordo com imposição de Dom João IV e, consequentemente, atingiu o Brasil,

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país colônia de Portugal –, este dispositivo legal previa em seu Título LXXI o crime de peita,

que posteriormente, no Código Penal de 1940, seria dividido em duas denominações:

corrupção ativa e passiva, e em seu título LXXIV trazia o atualmente intitulado “concussão”

(DECOMAIN, 2014, p. 11/12).

Após a independência do Brasil diante de Portugal, eclodiu o Código Criminal do

Império do Brasil, que fora sancionado em 1830, tratando em seu título V dos crimes contra a

“boa ordem e administração publica” (crimes de peita, suborno e concussão). O “tesouro

publico e propriedade publica”, englobados pelo crimes de peculato e outros, eram tutelados

pelo título VI deste códex.

Com a transição do período monárquico para o período republicano no Brasil, foi

necessária uma nova legislação, dessarte adveio o Código Penal do período republicano,

aprovado através do Decreto nº 847, na data de 11 de outubro de 1890, repetindo o último

texto legal quanto às condutas contra a “boa ordem e administração publica”, denominadas

abstratamente de “malversações, abusos e omissões dos funccionarios públicos”, tipificando

as condutas de peita ou suborno em seus artigos 214 a 218 e de peculato em seus artigos 221 a

223. A Consolidação das Leis Penais, por sua vez, datada de 1932, aprovada pelo Decreto nº

22.213, de 14 de dezembro de 1932, utilizou a mesma tipificação definida pelo Código Penal

do período republicano, com poucas diferenças em relação ao texto mencionado, mantendo

inclusive o número dos artigos que regulavam os crimes descritos (DECOMAIN, p.

13/14/15).

Por fim, foi sancionado o Código Penal de 1940 através do Decreto-Lei nº 2.848,de 7

de dezembro daquele ano, que vige até hoje e em seu título XI regula os crimes contra a

administração pública.

Por derradeiro, quanto aos crimes contra a administração pública, demonstra-se o

ilustre pensamento de Pedro Roberto Decomain, relativamente aos efeitos e intuitos do

legislador ao punir tais condutas:

Sensível a essa realidade, de que a punição criminal é necessária, atende a

fundamento ético inafastável e pode mesmo servir (embora isso seja amplamente

discutido) para prevenir outros ilícitos penais, pelo poder intimidativo da previsão da

pena e da certeza da sua aplicação, o legislador sempre procurou estabelecer

mecanismos que permitissem não só a punição criminal daquele que causasse dano

ao Erário, como também a recuperação, tanto quanto possível, do prejuízo sofrido

(2014, p. 17).

Como crime de responsabilidade, a probidade administrativa é de zelo constitucional

desde a primeira Constituição do país, jurada pelo Imperador a 25 de março de 1824, na qual

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era positivada a responsabilidade dos Ministros no caso dos crimes de peita, suborno,

concussão, ou por qualquer dissipação dos bens públicos, ainda que este dispositivo não

tratasse expressamente da improbidade administrativa. Seguindo esta linha cronológica,

emergiu a democracia no Brasil e passou-se a estabelecer como sujeito ativo o Presidente da

República na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, datada de 24 de

fevereiro de 1891, que em seu artigo 54, item 6, preceituava: “São crimes de responsabilidade

os atos do Presidente que atentarem contra [...] a probidade da administração”. A partir desta

Carta Maior, este crime de responsabilidade esteve previsto no artigo 57, item f, da

Constituição de 1934; no artigo 85, item d, da Constituição de 1937; no artigo 89, inciso V, da

Constituição de 1946; no artigo 84, inciso V, da Constituição de 1967; no artigo 82, inciso V

após a Emenda Constitucional 01/1969 e finalmente no artigo 85, inciso V, da CF/1988, com

o seguinte texto, análogo ao primeiro dispositivo legal supracitado: “São crimes de

responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição

Federal e, especialmente, contra [...] a probidade na administração”.

A partir do conteúdo constitucional que abrange os crimes de responsabilidade, hoje

contido no inciso V do artigo 85 da CF/1988, emergiu a Lei nº 1.079/1950, que regulamenta

tais crimes e será analisada com maior profundidade no capítulo subsequente. Já para os

mesmos crimes, no que tange aos prefeitos municipais, foi editado o Decreto-Lei nº 201/1967.

Galga-se, assim, à gênese da explanada improbidade administrativa como um meio de

concomitantemente ressarcir os eventuais danos causados ao Erário e sancionar os agentes

ímprobos.

Inicialmente, aflorara no âmago do Decreto-Lei nº 3.240, datado de 08 de maio de

1941, Decreto este que sujeitava o agente que cometesse crime que incumbisse em prejuízo à

fazenda pública ao sequestro e à perda de bens. Contudo esta responsabilização seria

vinculada à condenação no âmbito criminal, de modo que não seria sustentável em caso de

extinção da ação ou absolvição do agente (DI PIETRO, 2014, p. 902).

Logo, sendo de notável importância ao ordenamento pátrio, o dispositivo foi atrelado

ao texto constitucional, com a emergência da Constituição dos Estados Unidos do Brasil,

datada de 18 de setembro de 1946, que trazia em seu artigo 141, parágrafo 31, o seguinte

conteúdo:

Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança

individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 31 – Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter

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perpétuo. São ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação

militar em tempo de guerra com país estrangeiro. A lei disporá sobre o sequestro e o

perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso

de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica.

Havendo a previsão constitucional, adveio a Lei nº 3.164, de 01 de junho de 1957,

alcunhada de Lei Pitombo Godói-Ilha, que coibia a sequestro os bens segundo a descrição do

texto supra. Contudo, o enfoque desta lei dava-se a “apenas uma modalidade da espécie

enriquecimento ilícito, estipulando o desapossamento dos bens amealhados mediante o

exercício indevido da função pública” (FAZZIO JÚNIOR; PAZZAGLINI FILHO; ROSA,

1997, p. 30), ou seja, sendo amplo em demasia e utilizando como escopo central o

enriquecimento ilícito em detrimento de outras modalidades. Esta lei incluiu ainda a

legitimidade ativa ao Ministério Público e a qualquer pessoa para a propositura da ação civil

cabível, antecipando-se à Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965).

Também em complementação à estipulação constitucional demonstrada, surgiu a Lei

nº 3.502, de 21 de janeiro de 1958, batizada de Lei Bilac Pinto, que norteava o sequestro e o

perdimento de bens de servidor público integrante dos quadros da administração direta ou

indireta (sendo esta uma novidade) nos termos do texto constitucional retro. “Em outras

palavras, mandava que fossem devolvidos ao Erário os bens que dele fossem desviados por

quaisquer agentes públicos” (DECOMAIN, 2014, p. 18).

Nas Leis Pitombo Godói-Ilha e Bilac Pinto, diferentemente do Decreto 3.240/1941, a

responsabilização não teria atrelamento à condenação criminal, passando a ser considerada

uma sanção de natureza civil, caracterizando e impulsionando a independência das esferas de

responsabilização.

Ainda sob a regulamentação da Constituição de 1946, foi disciplinada a ação popular,

que comparada à Lei de Improbidade Administrativa desta forma por Maria Sylvia Zanella Di

Pietro:

Na realidade, as entidades protegidas pela lei são praticamente as mesmas protegidas

pela Lei nº 4.717, de 29-6-65, que disciplina a ação popular, conforme definição de

seu artigo 1º. Só que, nessa lei, o objeto é a anulação do ato lesivo e o ressarcimento

dos danos causados ao erário; e, na lei de improbidade o objeto é, de um lado, a

aplicação de medidas sancionatórias e de outro, o ressarcimento do erário (2014, p.

910).

A previsão constitucional do artigo 141, parágrafo 31, in fine, da Carta Maior de 1946,

repetiu-se na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, ainda que tenha esta

Lei Maior sofrido alterações pelas Emendas Constitucionais de número 1/1969 e 11/1978,

com esta última deixando para trás o período da ditadura militar e consequentemente o Ato

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Institucional nº 5 de 1968, que dava ao Presidente da República, em seus artigos 4º e 8º,

respectivamente, as prerrogativas de “suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos

pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais” e “decretar

o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo

ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia

mista, sem prejuízo das ações penais cabíveis”.

Ainda no contexto militar, foram editados o Ato Complementar nº 42/1969 e o

Decreto-Lei nº 359/1969, tratando respectivamente de ampliar o rol de condutas de

enriquecimento ilícito e instituir a Comissão Geral de Investigações no Ministério de Justiça e

ampliando o conceito de enriquecimento ilícito no artigo 6º e seu parágrafo único:

Art. 6º. Considera-se enriquecimento ilícito, para os efeitos deste decreto-lei, a

aquisição de bens, dinheiros ou valores, por quem tenha exercido ou exerça cargo ou

função pública da União, Estado, Distrito Federal, Territórios e Municípios, assim

como das respectivas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia

mista, sem que, à época da aquisição, dispusesse de idoneidade financeira para fazê-

lo, à vista da declaração de rendimentos apresentada para fins de pagamento do

imposto de renda.

Parágrafo único. Considera-se, também, enriquecimento ilícito, a aquisição de bens,

dinheiros ou valores quem tenha exercido ou ainda exerça cargo ou função pública

da União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Municípios, assim como das

respectivas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e que,

embora dispondo, à época da aquisição, de idoneidade financeira para faze-lo, não

haja comprovado a sua legitimidade perante a Comissão.

Em 1969, o ato institucional 14 daquele ano alterou o texto da Carta Maior para

possibilitar o confisco nas situações de guerra, sendo que, posteriormente, com a alteração

promovida no mesmo texto pela EC 11/1978, todas as possibilidades de confisco afastadas e

consequentemente os atos institucionais e atos complementares divergentes da Carta Magna

revogados, com ressalva dos efeitos por eles já produzidos, que não poderiam ser apreciados

judicialmente.

Com o delineamento da improbidade administrativa proporcionado pela CF/1988,

emerge a Lei Federal nº 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa, que é o objeto

principal de estudo deste capítulo, revogando ainda as leis 3.164/1957 e 3.502/1958.

Finalmente, bem elucida Renata Christino Cossatis, quanto à inovação constitucional

trazida pela nova Carta Magna:

Com isso, constitucionalizou-se a doutrina que há muito vislumbrava a autonomia

entre os princípios da legalidade e da moralidade, desenvolvendo-se a ideia de que o

serviço público em sentido lato, isto é, não só o Chefe do Executivo, mas todos os

agentes públicos devem atender não só ao que é legal, mas também ao que é justi e

honesto para a sua sociedade, conceitos jurídicos indeterminados que encerram a

chamada tutela da probidade administrativa. Em outras palavras, o tratamento da

matéria, que até então era exclusivamente penal, passou a pertencer também a outra

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esfera jurídica, qual seja, a do Direito Administrativo (2010, p. 5).

1.4 – Sujeitos dos atos de improbidade

Ao tratar sobre a sujeição passiva e ativa elencam-se, respectivamente, as pessoas

físicas ou jurídicas suscetíveis a sofrer as consequências dos atos de improbidade e pratica-

los, de forma que os sujeitos passivos, elencados no artigo primeiro da Lei nº 8.429/1992, são

os enumerados para serem protegidos pela legislação e os sujeitos ativos – os agentes públicos

– relacionados no artigo segundo da mesma lei, que ainda equipara terceiros que não sejam

agentes públicos à mesma condição na redação de seu artigo terceiro, para sofrerem as

convenientes sanções.

1.4.1 – Passivo

Dispõem o artigo primeiro da LIA e seu parágrafo único:

Art. 1°. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou

não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes

da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de

empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou

custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do

patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de

improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,

benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas

para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de

cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a

sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Em meio esquematizado, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo dissecam os

elementos trazidos pelo artigo primeiro da Lei de Improbidade Administrativa quanto aos

sujeitos passivos:

a) a administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União,

dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

b) empresa incorporada ao patrimônio público e entidade para cuja criação ou

custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do

patrimônio ou da receita anual;

c) entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício,

de órgão público, bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja

concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da

receita anual, limitando-se a sanção patrimonial, nesses casos, à repercussão do

ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. (2014, p. 950/951)

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Nota-se que a colaboração estatal no patrimônio ou receita anual, seja a entidade

pública ou particular, caracteriza a possibilidade de que esta seja sujeito passivo dos atos de

improbidade, isto é, as entidades que são imediatamente impactadas por estes atos é que serão

legitimadas juntamente com o Ministério Público para ajuizar ação de improbidade

administrativa. Ressalta-se, por derradeiro, que, no item c supracitado,

o dispositivo é claro ao limitar a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a

contribuição dos cofres públicos. O que ultrapassar o montante da contribuição dos

cofres públicos, a entidade terá que pleitear por outra via que não a ação de que trata

a Lei de Improbidade Administrativa (DI PIETRO, 2014, p. 911).

1.4.2 – Ativo

Após demonstrar os pacientes dos atos de improbidade administrativa, passa-se a

dissecar seus sujeitos praticantes, conceituados da seguinte forma pelo artigo 2º da LIA:

Art. 2°. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,

ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,

contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,

emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Este dispositivo complementa o artigo primeiro da referida lei, posto que este item

preceitua que os atos de improbidade administrativa poderão ser perpetrados por quaisquer

agentes públicos, sejam estes servidores ou não.

O artigo terceiro da LIA dilata ainda mais a extensão das sanções administrativas nela

denominadas ao equiparar terceiros a agentes públicos, discorrendo:

Art. 3°. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo

não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade

ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Portanto, a denominação de agentes públicos contida no artigo 1º da LIA “possui

conotação genérica e engloba todas as pessoas físicas que exercem funções estatais” (NEVES;

OLIVEIRA, 2014, p. 42), isto é, pode a função pública “ser exercida de forma remunerada ou

gratuita; definitiva ou temporária; com ou sem vínculo formal com o Estado” (NEVES;

OLIVEIRA, 2014, p. 42).

Na lição de Adriano Andrade:

Tanto será agente público o presidente de uma autarquia como o proprietário de uma

pequena empresa do ramo de tecelagem que tenha recebido incentivos fiscais ou

creditícios, para desenvolver sua atividade.

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Observe-se que a concepção de agente público não foi construída somente sob uma

perspectiva funcional; define-se o sujeito ativo também a partir da identificação do

sujeito passivo dos atos de improbidade (perspectiva patrimonial), havendo um

nítido entrelaçamento entre as duas noções (2014, p. 672).

Logo, diante da maior preocupação do legislador com a coisa pública, como

anteriormente aduzido, emergiu a Lei de Improbidade Administrativa com maior abrangência

relativa aos agentes públicos, deixando para trás a visão proposta no Código Penal de que o

conceito de agentes públicos restringir-se-ia apenas aos servidores públicos.

Quanto aos terceiros equiparados aos agentes públicos pelo artigo terceiro da LIA,

serão sancionados de forma conjunta com os agentes públicos, jamais integrando o polo

passivo das ações de improbidade administrativa por si sós, visto que não são os sujeitos

principais, mas sujeitos “satélites”, que orbitam em torno daqueles e que acabam por adquirir

responsabilidade solidária para com eles. Portanto, ressalta-se que não agindo conjuntamente

com um agente público, a legislação que trata a improbidade administrativa não será aplicável

ao terceiro.

Neste diapasão, assim deslindam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

Consoante se constata, uma pessoa que não seja agente público pode ter sua conduta

enquadrada na Lei 8.429/1992 e sofrer as sanções nela estabelecidas. Mas é

interessante observar que, isoladamente, essa pessoa não tem como praticar um ato

de improbidade administrativa, porque o texto legal só prevê as seguintes hipóteses:

(a) a pessoa induz um agente público a praticar ato de improbidade; (b) ela pratica

um ato de improbidade junto com um agente público, isto é, concorre para a prática

do ato; (c) ela se beneficia de um ato de improbidade que não praticou.

Fora dessas situações, a pessoa que não se enquadre como agente público e pratique

algum ato que não prejudique o Poder Público poderá sem dúvida ser punida, com

base nas leis penais ou na legislação civil, mas não com fundamento na Lei

8.429/1992 (2013, p. 951).

Para que possa ser efetivamente sancionado pela Lei nº 8.429/1992, é necessário que

seja provado o dolo do terceiro no que tange ao induzimento ou concorrência para a prática da

improbidade ou dela se beneficiar de forma direta ou indireta, de modo que expendem Daniel

Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

Em todos os casos, no entanto, será imprescindível a comprovação do dolo do

terceiro, tendo em vista duas razões: 1) a responsabilidade objetiva somente é

admitida nos casos especificados em lei ou em relação às atividades de risco (art.

927, parágrafo único, do CC); e 2) a improbidade culposa somente é possível na

hipótese do art. 10 da Lei 8.429/1992, incompatível com as condutas exigidas no art.

3º da mesma Lei (2014, p. 69).

Portanto, além da necessidade de a ação do terceiro ocorrer simultaneamente ao ato do

agente público, é primordial que haja também o dolo como elemento subjetivo, não

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incumbindo nas sanções previstas na LIA caso uma dessas condições não se faça presente no

caso concreto.

1.5 – Espécies de atos ímprobos

A Lei nº 8.429/1992 trouxe inovações também na classificação das condutas de

improbidade, dividindo-as por grupos em seus artigos 9º, 10 e 11, incorporando em seu

conteúdo um rol exemplificativo para cada categoria e denominando, ainda, sanções

específicas para cada espécie, embasando-se na gravidade da conduta praticada pelo agente,

isto é, do impacto social causado pelo ato ímprobo.

Destarte, a hipótese positivada no artigo 9º da LIA trata dos atos de improbidade que

ocasionarem enriquecimento ilícito, enquanto o artigo 10 abrange os atos ímprobos que

causarem dano ao erário e o artigo 11, os atos de improbidade que atentarem contra os

princípios da Administração Pública. Destes artigos decorrem róis exemplificativos aos quais

as condutas ímprobas serão adequadas, sendo que caso não sejam previstas nestes róis,

poderão ser encaixadas na conduta ampliativa descrita no caput dos respectivos artigos.

1.5.1 – Improbidade por enriquecimento ilícito

A Lei nº 8.429/1992 traz em seu artigo 9º a espécie de improbidade administrativa que

enseja ao enriquecimento ilícito, sendo que nesta modalidade o agente público ou terceiro

concorrente nos casos possíveis, em razão da função, obtém vantagem indevida, ainda que

não cause dano à Administração Pública, sobrexcedendo de maneira ilegal o interesse

individual próprio ou de outrem em detrimento do interesse público.

O caput do dispositivo legal supracitado dá-se da seguinte maneira:

Art. 9°. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento

ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício

de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art.

1° desta lei, e notadamente: [...]

Para que seja configurada a conduta do artigo 9º, são exigidas três condições:

a) Recebimento da vantagem indevida, independentemente de prejuízo ao erário;

b) Conduta dolosa por parte do agente ou do terceiro;

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c) Nexo causal ou etiológico entre o recebimento da vantagem e a conduta

daquele que ocupa cargo ou emprego, detém mandato, exerce função ou atividade

nas entidades mencionadas no art. 1º da LIA (NEVES; OLIVEIRA, 2014, p. 78).

Complementa Pedro Roberto Decomain que:

Não é preciso, todavia, que no momento do recebimento da vantagem (ou da

aceitação da respectiva promessa, quando a Lei considera isso suficiente para

caracterização da improbidade e seu enquadramento neste artigo – hipótese do inciso

V) o agente esteja no exercício do cargo, mandato, emprego ou função. É suficiente

que a vantagem patrimonial se vincule a tal exercício, mesmo que no instante da

respectiva percepção ou aceitação da correspondente promessa o agente nele não se

encontre, por qualquer motivo que seja (2014, p. 95).

Os incisos do artigo 9º traduzem-se em um rol meramente exemplificativo dos atos de

improbidade administrativa constitutivos de locupletamento ilícito, de modo que também

podem as condutas ser enquadradas no caput do referido artigo, que abrange atos genéricos.

Portanto, o rol exemplificativo do artigo 9º é composto da seguinte forma:

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer

outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem,

gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser

atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente

público;

II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,

permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas

entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação,

permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal

por preço inferior ao valor de mercado;

IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou

material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das

entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores

públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para

tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de

contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de

tal vantagem;

VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para

fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer

outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de

mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º

desta lei;

VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou

função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à

evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou

assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser

atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente

público, durante a atividade;

IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de

verba pública de qualquer natureza;

X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para

omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

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XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou

valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta

lei;

XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do

acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Destarte, não configura conduta ímproba o mero enriquecimento do agente público ou

terceiro concorrente, e sim o locupletamento ilícito, devendo a vantagem patrimonial recebida

ser indevida, independentemente de prejuízo à Administração Pública.

1.5.2 – Improbidade por atos lesivos ao erário

Inicialmente, conforme explanam Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael

Carvalho Rezende Oliveira (2014, p. 83/84), faz-se necessária a diferenciação entre as

expressões “erário” e “patrimônio público”, de modo que a primeira trata dos fundos

econômicos oriundos dos cofres públicos da Administração Pública direta e indireta, bem

como as entidades listadas no artigo 1º da Lei nº 8.429/1992 e a segunda possui acepção mais

ampla, compreendendo interesses sem conteúdo econômico, como artísticos, estéticos,

histórico ou turístico, sob a égide do artigo 1º, §1º, da Lei da Ação Popular (Lei nº

4.717/1965) além dos bens e interesses de origem econômica.

Neste sentido, Mariano Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio

Júnior definem patrimônio público como:

Patrimônio público é o complexo de bens e direitos de valor econômico, artístico,

estético, histórico e turístico da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos

Municípios, Territórios, de autarquias, de empresas públicas, de sociedades de

economia mista, de fundações instituídas pelo Poder público, de empresas

incorporadas, de empresas com participação do erário e de entidades subvencionadas

pelos cofres públicos. A noção de patrimônio público não se restringe aos bens e

direitos de valor econômico (1999, p. 75).

Por outro lado, Adriano Andrade, Landolfo Andrade e Cleber Masson denominam

erário da seguinte maneira:

Entende-se por erário o montante de recursos econômico-financeiros do Poder

Público (tesouro). Seguindo a lição de Fernando Rodrigues Martins, a expressão

erário compreende o dinheiro, os haveres e os valores arrecadados pela função

tributária do estado, ou, ainda, as verbas advindas da prestação de serviços,

alienação de bens, exploração de atividades econômicas etc (2014, p. 701).

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Portanto, evidencia-se que “patrimônio público” é uma expressão ampliativa, mais

abrangente do que o sentido de “erário”, sendo este um termo mais restrito aos fins

unicamente econômicos da Administração Pública.

A partir desta diferenciação, majoritário o entendimento doutrinário e jurisprudencial

que embasa-se na concepção de que esta modalidade de improbidade administrativa abrange

ampliativamente a Administração Pública, isto é, utiliza da expressão “patrimônio público”

como cerne protetivo do referido dispositivo da LIA, não necessitando unicamente um

vínculo econômico estatal para que seja configurada a improbidade por lesão ao erário.

Conforme preceitua o artigo 10 da Lei nº 8.429/1992:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário

qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,

apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades

referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...]

Portanto, são requisitos para a configuração da modalidade de improbidade

administrativa por atos lesivos ao erário: ação ou omissão; dolosa ou culposa e a perda

patrimonial, ou seja, lesão ao patrimônio público, desde que não haja locupletamento ilícito

pelo agente público ou terceiro concorrente, o que ensejaria uma da inserção da conduta na

tipificação do artigo 9º da Lei nº 8.429/1992, que é mais gravosa.

Consequentemente, galga-se ao rol tão somente exemplificativo desta modalidade de

ato ímprobo, contido nos incisos do mencionado artigo 10 da LIA:

I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio

particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes

do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,

rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades

mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou

regulamentares aplicáveis à espécie;

III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que

de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de

qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das

formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do

patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a

prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por

preço superior ao de mercado;

VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e

regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das

formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou

regulamento;

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X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz

respeito à conservação do patrimônio público;

XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou

influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,

equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de

qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de

servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de

serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades

previstas na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia

dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Emerge em relação a este instituto divergência doutrinária, tendo em vista que esta é a

única modalidade de improbidade administrativa que possibilita a aplicação de sanções a

condutas culposas.

A corrente doutrinária que defende a constitucionalidade do instituto tem como

defensores Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (apud SEVERO, 2014), que aduzem

serem fundamentos de sua constitucionalidade a não equiparação das definições de

moralidade, improbidade e desonestidade e a previsão expressa do dispositivo, que fora

concebido sob a prerrogativa de ampla liberdade garantida constitucionalmente,

considerando-se a caracterização da culpa a partir da previsibilidade do resultado pelo

“homem médio” (WINSDOR, 2011), ao deixar de atentar-se ao dever de cautela objetivo,

alegando-se que seria uma geradora de responsabilidade limitada e admitida em situação

excepcional (JUSTEN FILHO, 2005, p. 686/687).

Marino Pazzaglini Filho (2007, p. 78/79) admite a complexidade em coadunar

condutas culposas aos atos de improbidade administrativa, pois não dotados de deslize ético,

de desonestidade, de desrespeito lúcido a preceito de observância indispensável.

Dentro desta corrente doutrinária que defende a constitucionalidade do dispositivo há

divergência sobre a gravidade da culpa, para a qual Juarez Freitas (apud SEVERO, 2014)

conclui que somente a culpa grave deve recair sob o bojo do artigo 10. Já Emerson Garcia e

Rogério Pachecho Alves (apud SEVERO, 2014) aduzem que no tratamento aos atos culposos,

a incidência do tipo não pode ser limitada pela intensidade da culpa, mas somente as sanções,

devendo estas submeter-se ao princípio da proporcionalidade.

A corrente doutrinária oposta alega a inconstitucionalidade do instituto devido à

impossibilidade de caracterização de uma conduta de improbidade por condutas culposas, ou

seja, deve haver dolo do agente ao cometer os referidos atos, de forma que não há

desonestidade por parte do agente e consequentemente não há infração aos princípios da

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moralidade e probidade administrativa se não houver a vontade de agir do agente, sendo este

dispositivo dotado de desproporcionalidade e irrazoabilidade, excedendo a disposição

constitucional ao atribuir tamanha elasticidade a esta modalidade de ato de improbidade

(FIGUEIREDO apud SEVERO, 2014).

1.5.3 – Improbidade por violação a princípios da administração pública

Enquanto o artigo 9º define a modalidade de improbidade administrativa mediante

locupletamento ilícito e o artigo 10 designa a modalidade decorrente de dano ao erário, o

artigo 11 da Lei 8.429/1992 conceitua a espécie de improbidade administrativa advinda da

violação aos princípios da Administração Pública.

Neste ínterim, apesar de ser a conduta mais gravosa por atingir diretamente as

estruturas da Administração Pública, é uma tipificação subsidiária, pois caso ocasione

enriquecimento ilícito do agente público ou danos ao erário, a conduta será enquadrada

àqueles dispositivos, isto é, a conduta em questão será tipificada de acordo com a seguinte

ordem: primeiramente de acordo com o artigo 9º, que será soberano sobre as demais espécies

caso constatado; posteriormente consoante o artigo 10, que será preferencialmente adotado

em relação ao artigo 11, e; finalmente, conforme o artigo 11, de aplicação não menos

importante que as demais tipificações, mas que não prevalecerá sobre elas caso sejam

concomitantes, ou seja, será perceptível diante da inocorrência de locupletamento ilícito e da

inexistência de prejuízo patrimonial aos possíveis sujeitos passivos dos atos ímprobos.

Destarte, a seguinte redação compõe o artigo 11 da LIA:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios

da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de

honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

[...]

Portanto, o texto legal supracitado evidencia que:

qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,

legalidade e lealdade às instituições, registrando-se ainda no dispositivo cuidar-se de

improbidade que, neste caso, atenta contra os princípios da Administração Pública.

A tônica está, pois, na circunstância de haver esse atentado a qualquer princípio

norteador da Administração. Desta sorte, a ofensa aos princípios discriminados no

caput do art. 37 da CF/88 – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência – é que configura a improbidade enquadrável no art. 11 (DECOMAIN,

2014, p. 161).

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Os mencionados princípios a que deverão obedecer os agentes públicos são os trazidos

pelo artigo 4º da Lei nº 8.429/1992, sendo ainda existente o dever de observância dos demais

princípios em direito admitidos, não devendo haver hierarquia entre eles, bem como a

distinção entre os princípios do ordenamento jurídico como um todo e dos aplicáveis à

Administração Pública, sendo que são de notável influência tanto como norte normativo

quanto para preencher as lacunas vigentes, “especialmente pelo reconhecimento de sua força

normativa e vinculante no âmbito das relações públicas e privadas” (NEVES; OLIVEIRA,

2014, p. 88).

Assim como nas demais modalidades apresentadas, o artigo 11 traz em seu caput uma

conduta genérica e em seus incisos um rol exemplificativo da modalidade de

improbidade administrativa decorrente da violação aos princípios que regem a Administração

Pública, da seguinte forma:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele

previsto, na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que

deva permanecer em segredo;

IV – negar publicidade aos atos oficiais;

V – frustrar a licitude de concurso público;

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da

respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o

preço de mercadoria, bem ou serviço;

VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de

contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.

Para que seja personalizada a conduta descrita no artigo 11 da LIA, a conduta de

violação aos princípios “deve ser conjugada com a comprovação do dolo do agente e o nexo

de causalidade entre a ação/omissão e a respectiva violação ao princípio aplicável à

Administração” (NEVES; OLIVEIRA, 2014, p. 89).

Destarte, faz-se imprescindível a má-fé na prática da conduta, para a qual há a

previsão de ser advinda de atos comissivos ou omissivos, de modo que não configurarão esta

tipificação as condutas meramente irregulares, sendo necessária a falta de boa-fé, a

desonestidade do agente, pois a sanção às condutas de boa-fé ocasionaria insegurança jurídica

e um mero deslize administrativo traduzir-se-ia em violação ao princípio da legalidade. Deste

modo, “a improbidade não se confunde com ilegalidade, exigindo-se, ainda, a configuração da

desonestidade do agente público” (NEVES; OLIVEIRA, 2014, p. 91).

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1.6 – Sanções aplicáveis

A Lei de Improbidade administrativa, após definir em seus artigos 9º, 10 e 11 as

modalidades de atos ímprobos, estabeleceu o rol das sanções possíveis a estes atos em seu

artigo 12, in verbis:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na

legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes

cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a

gravidade do fato:

I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao

patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública,

suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamentos de multa civil de até

três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder

Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou

indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio

majoritário, pelo prazo de dez anos;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores

acrescidos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor

do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou

incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio

de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da

função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de

multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e

proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos

fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa

jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a

extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

De modo elucidativo, elabora-se o seguinte quadro:

Quadro 1 – Sanções da Lei nº 8.429/1992

Sanções comuns aos atos de improbidade administrativa

1. Ressarcimento integral do dano, quando houver;

2. Perda da função pública;

3. Suspensão dos direitos políticos;

4. Pagamento de multa civil;

5. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja

sócio majoritário.

Peculiaridades das sanções aos atos de improbidade administrativa

Art. 9º Art. 10 Art. 11 1. Perda dos bens ou valores

acrescidos ilicitamente ao

patrimônio;

2. A suspensão dos direitos

políticos terá prazo de 8 (oito) a

10 (dez) anos;

3. A multa civil terá valor de até 3

(três) vezes o valor do

acréscimo patrimonial;

1. Perda dos bens ou valores

acrescidos ilicitamente ao

patrimônio, se concorrer esta

circunstância;

2. A suspensão dos direitos

políticos terá prazo de 5 (cinco)

a 8 (oito) anos;

3. A multa civil terá valor de até 2

(duas) vezes o valor do dano;

1. A suspensão dos direitos

políticos terá prazo de 3 (três)

a 5 (cinco) anos;

2. A multa civil terá valor de até

100 (cem) vezes o valor da

remuneração percebida pelo

agente;

3. A sanção de nº 5 (cinco) no

rol anterior, relativa ao Poder

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4. A sanção de nº 5 (cinco) no rol

anterior, relativa ao Poder

Público, terá prazo de 10 (dez)

anos.

4. A sanção de nº 5 (cinco) no rol

anterior, relativa ao Poder

Público, terá prazo de 5 (cinco)

anos.

Público, terá prazo de 3 (três)

anos.

Fonte: elaborado pelo autor

O parágrafo único do artigo 12 delimita que o magistrado, na fixação das penas

previstas na Lei de Improbidade Administrativa, analisará a extensão do dano causado e o

proveito patrimonial obtido pelo agente. A expressão “extensão do dano causado”, segundo

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p. 923): “tem que ser entendida em sentido amplo, de

modo que abranja não só o dano ao erário, ao patrimônio público em sentido econômico, mas

também ao patrimônio moral do Estado e da sociedade”.

José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 1077) posiciona-se de modo divergente de

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, alegando que o conteúdo do caput do artigo 12 e seu

parágrafo único não são suficientes para ser um parâmetro justo no tangente à dosimetria da

sanção, deslindando da seguinte maneira:

A lei disse menos do que queria, porque, a ser assim, não se poderiam aplicar

sanções nas hipóteses do art. 11, que pune apenas a violação de princípios. Se é

certo que tais elementos devem ser valorados, sempre existirão outros que poderão

servir como parâmetros para dosimetria da sanção, como a intensidade do dolo, a

reincidência, a natureza da participação dos agentes, as circunstâncias do fato etc.

(CARVALO FILHO, 2012, p. 1077).

Sobre os requisitos para aplicação das sanções previstas na LIA, Marcelo Alexandrino

e Vicente Paulo aduzem:

É muito relevante enfatizar, seja qual for o ato de improbidade administrativa

praticado, que a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/1992 (art. 21):

a) Independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público (em sentido

econômico), salvo quanto à pena de ressarcimento; e

b) Independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno

ou pelo tribunal ou conselho de contas.

O artigo 20 da Lei nº 8.429/1992 expressa que “a perda da função pública e a

suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença

condenatória”.

No que tange à duração da suspensão dos direitos políticos, dispõe Tiago de Menezes

Conceição:

A peculiaridade que se verifica no caso do art. 15, incs. III e V, da Constituição

Federal de 1988 é o caráter temporário da restrição. Afinal, a suspensão dos direitos

políticos por decorrência de condenação criminal transitada em julgado durará

enquanto a condenação estiver surtindo efeitos. Já a suspensão dos direitos políticos

por força de condenação pela prática de improbidade administrativa terá a duração

da sanção ficada na decisão judicial de acordo com o art. 12, incs. I, II e III, da Lei

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Federal 8.429/92, que regulamenta o § 4º, do art. 37 da Constituição Federal (2012,

p. 161).

Neste sentido, a sentença proferida em ação civil pública em regra é resguardada

somente pelo efeito devolutivo, sendo que a concessão do efeito suspensivo é uma faculdade

propiciada ao magistrado com a finalidade de frustrar eventual dano irreparável às partes.

Contudo, o retromencionado dispositivo contido na Lei de Improbidade

Administrativa confere aos recursos que tenham como fulcro a perda da função pública e

suspensão dos direitos políticos o efeito suspensivo, garantindo que somente serão efetivadas

tais medidas assim que a decisão tornar-se imutável, isto é, quando houver impossibilidade

recursal ou, em outros termos, transitar em julgado da demanda, considerando-se a gravidade

destas sanções.

1.7 – Natureza jurídica da improbidade administrativa

Inicialmente, sopesa-se a vigência no ordenamento jurídico pátrio do princípio da

independência das esferas civil, penal e administrativa, transparecida na última frase do

parágrafo quarto do artigo 37 da Constituição Federal, que preceitua, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao

seguinte:

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos

políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento

ao erário, na forma e gradação previstos em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A partir da independência das instâncias e da elucidação trazida pelo dispositivo supra,

resta pacificado na doutrina e nas decisões tomadas em relação à Lei nº 8.429/1992 o sentido

de ser civil a natureza dos atos de improbidade administrativa.

Neste sentido, enuncia-se a ilustre lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que de

modo conciso e brilhante expõe:

Consoante já assinalado, os atos de improbidade estão definidos nos artigos 9º, 10 e

11 da Lei nº 8.429/92. Muitos deles podem corresponder a crimes definidos na

legislação penal e a infrações administrativas definidas nos Estatutos dos Servidores

Públicos. Nesse caso, nada impede a instauração de processos nas três instâncias,

administrativa, civil e criminal. A primeira vai apurar o ilícito administrativo

segundo as normas estabelecidas no Estatuto funcional; a segunda vai apurar a

improbidade administrativa e aplicar as sanções previstas na Lei nº 8.429/92; e a

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terceira vai apurar o ilícito penal segundo as normas do Código de Processo Penal

(2014, p. 908/909).

Além do expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, declamar

natureza penal aos atos de improbidade administrativa seria uma afronta ao princípio da

taxatividade, já que não haveria exposição minuciosa dos elementos essenciais para que

pudesse ser caracterizado como crime, ocasionando ambiguidade e imprecisão na descrição

da conduta.

Portanto, reitera-se que é pacífico o entendimento de que a natureza jurídica dos atos

de improbidade administrativa é civil, havendo ainda uma corrente minoritária que defende a

natureza político-administrativa, tendo em vista ser aplicável a Lei de Improbidade

Administrativa aos agentes políticos, o que, assim como a natureza, é percepção minoritária.

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II – CRIMES DE RESPONSABILIDADE

2.1 – Definição dos crimes de responsabilidade

Os crimes de responsabilidade têm previsão constitucional e regulamentação pela Lei

nº 1.079/1950, sendo forma de sanção aos agentes públicos que pratiquem as condutas

descritas na referida lei e detenham os seguintes cargos: Presidente da República, Vice-

Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal,

Procurador Geral da República, Advogado Geral da União, Governadores dos Estados e

Secretários dos Estados.

A Lei nº 1.079/1950, em seus dois primeiros artigos, define a abrangência e as sanções

alusivas aos crimes de responsabilidade:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.

Art. 2º. Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são

passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o

exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos

contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do

Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

Demonstrada a regulamentação pela lei especial, denota-se as linhas gerais, traçadas

pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 85, no qual

designou os atos do Presidente da República que incumbem na prática de crimes de

responsabilidade:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que

atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério

Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as

normas de processo e julgamento.

Neste diapasão, Paulo Brossard, demonstra quais órgãos serão responsáveis pelo

julgamento dos sujeitos que podem cometer os crimes de responsabilidade, lecionando:

Enquanto o Senado julga o Presidente da República (e os Ministros de Estado nos

crimes de responsabilidade conexos aos daquele, art. 62, I), depois de formulada a

acusação pelo voto da maioria absoluta da Câmara dos Deputados (art. 59, I), cabe-

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lhe processar e julgar nos crimes de responsabilidade os Ministros do Supremo

Tribunal Federal e o Procurador Geral da República (arts. 62, II, e 100).

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal processa e julga os Ministros de Estado

nos crimes de responsabilidade (arts. 92, 101, I, c, ressalvada a hipótese do art. 92,

in fine, combinado com o art. 62, I); os Desembargadores dos Tribunais de Justiça

dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de

Contas e os chefes de missão diplomática em caráter permanente (art. 101, I, c).

Os Tribunais de Justiça, por seu turno, processo e julgam os juízes de inferior

instância dos respectivos Estados nos crimes comuns e de responsabilidade (1992, p.

62).

Derradeiramente, explanados os limites constitucionais e a regulamentação pela Lei nº

1.079/1950, além das condutas que caracterizam os crimes de responsabilidade e a

competência de julgamento, expõe-se a descrição de crimes de responsabilidade de Alexandre

de Moraes:

São infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no

desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício

dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a

lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o

cumprimento das leis e das decisões judiciais (2002, p. 430).

Portanto, conclui-se que o conceito de crime de responsabilidade transcende o

conceito de crime comum, seja pelos cargos atingidos ou pela punição assimilada, gerando

apenas certa ambiguidade quanto a ser crime propriamente dito ou infração político-

administrativa, divergência que será dissecada em tópico posterior.

2.2 – Condutas

Além do retromencionado artigo 85 da Constituição da República Federativa do

Brasil, que expõe as condutas que serão consideradas crimes de responsabilidade atinentes ao

Presidente da República, os tipos definidos como crimes de responsabilidade contra a

probidade da administração estão elencadas no artigo 9º da Lei nº 1.079/1950, in verbis:

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

1 – omitir ou retardar dolosamente a publicação das leis e resoluções do Poder

Legislativo ou dos atos do Poder Executivo;

2 – não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da

sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior;

3 – não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta

em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;

4 – expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas

da Constituição;

5 – infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais;

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6 – Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagí-lo a proceder

ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de

corrupção para o mesmo fim;

7 – proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo.

Portanto, perceptível a divergência nas finalidades dos institutos mencionados: os

crimes de responsabilidade e a improbidade administrativa. O primeiro tem por fim uma

sanção não pecuniária, mas política: o afastamento do administrador que tratar com desídia a

coisa pública, enquanto o segundo tem como escopo primordial a restituição do patrimônio

público, isto é, possui enfoque pecuniário, dispondo das sanções demonstradas outrora como

segundo plano de suas finalidades.

2.3 – Sujeitos dos crimes de responsabilidade

Inicialmente, cumpre ressaltar que os sujeitos dos crimes de responsabilidade foram

definidos pela Lei nº 1.079/1950, que conforme aduzido foi recepcionada pela Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988. Portanto, não preencheu a regulamentação de

todos os sujeitos apontados no texto constitucional, classificando somente os seguintes

sujeitos:

Art. 4º. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que

atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

[...]

Art. 13. São crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado;

[...]

Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal

Federal:

[...]

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos Presidentes, e respectivos

substitutos quando no exercício da Presidência, dos Tribunais Superiores, dos

Tribunais de Contas, dos Tribunais Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais, dos

Tribunais de Justiça e de Alçada dos Estados e do Distrito Federal, e aos Juízes

Diretores de Foro ou função equivalente no primeiro grau de jurisdição.

Art. 40. São crimes de responsabilidade do Procurador Geral da República:

[...]

Art. 40-A. Constituem, também, crimes de responsabilidade do Procurador-Geral da

República, ou de seu substituto quando no exercício da chefia do Ministério Público

da União, as condutas previstas no art. 10 desta Lei, quando por eles ordenadas ou

praticadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se:

I – ao Advogado-Geral da União;

II – aos Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, aos Procuradores-

Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aos Procuradores-Gerais dos

Estados e do Distrito Federal, e aos membros do Ministério Público da União e dos

Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito

Federal, quando no exercício de função de chefia das unidades regionais ou locais

das respectivas instituições.

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[...]

Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou

dos seus Secretários, quando por eles praticados, os atos definidos como crimes

nesta lei.

Destarte, depreende-se que serão sancionados os agentes políticos em decorrência dos

crimes de responsabilidade à medida que encontrarem-se regulamentados tanto pelo texto

constitucional, quanto pela Lei nº 1.079/1950.

Nesse sentido, no entendimento de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2013, p.

121/122), tem-se que agentes políticos são pessoas físicas que exercem, mesmo que

transitoriamente ou sem remuneração, qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato,

cargo, emprego ou função pública frente à Administração Pública.

Ainda nessa senda, segundo os referidos autores por ora mencionados, a expressão

“agentes públicos” deve ser analisada em sentido amplo, alçando diversas pessoas físicas que

sustentam as delineações doutrinárias apresentadas acima.

Assim, percebe-se que, de fato, a Lei nº 1.079/1950 não trouxe consigo todos os

sujeitos recepcionados pela carta constitucional, haja vista o extensivo sentido dado a tal

nomenclatura. São espécimes de tal situação supracitada os governadores e secretários de

Estado, bem como os prefeitos municipais.

Acerca dos dois primeiros sujeitos, é sabido que os mesmos não foram inseridos no

diploma constitucional no rol que refere-se às hipóteses de agentes políticos. Todavia, foram

catalogados na Lei nº 1.079/1950. Tal contraste, contudo, não os afastam da sujeição ativa nos

casos de crimes de responsabilidade, posto que os princípios da simetria e do pacto federativo

asseguram tal responsabilização.

Já no tocante aos prefeitos, estes também sem considerados sujeitos ativos perante aos

crimes de responsabilidade. Porém se encontram disciplinados em outro diploma legal, mais

precisamente, no Decreto-Lei 201/67.

Por fim, interessante frisar que o Supremo Tribunal Federal não acata a tese de que os

parlamentares sejam sujeitos ativos do crime em questão. Essa negação se deve ao fato

daqueles são serem responsabilizados pela figura típica da quebra do decoro parlamentar.

Assim vejamos com maior clareza o artigo 55 da Constituição Federal que assim

determina:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões

ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

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IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no

regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso

Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara

dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação

da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,

assegurada ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de

2013)

§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da

Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou

de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 4º - A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à

perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as

deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. (Incluído pela Emenda

Constitucional de Revisão nº 6, de 1994)

Confirmando tal entendimento, vale ressaltar o julgamento da Ação Civil Pública cuja

matéria versa sobre Improbidade Administrativa no caso que se referiu a um prefeito

posteriormente eleito como deputado federal e que incorreu na prática de crime de

responsabilidade tipificado no Decreto-Lei 201/1967, abaixo transcrita em forma de ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATVA. LEI 8.429/1992.

NATUREZA JURÍDICA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO

POSTERIORMENTE ELEITO DEPUTADO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.

PRERROGATIVA DE FORO. INEXISTÊNCIA. PROCESSO EM FASE DE

EXECUÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. Deputado Federal, condenado

em ação de improbidade administrativa, em razão de atos praticados à época em que

era prefeito municipal, pleiteia que a execução da respectiva sentença condenatória

tramite perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que: (a) os agentes

políticos que respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados no Decreto-

Lei 201/1967 não se submetem à Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992), sob pena de

ocorrência de bis in idem; (b) a ação de improbidade administrativa tem natureza

penal e (c) encontrava-se pendente de julgamento, nesta Corte, a Reclamação 2138,

relator Ministro Nelson Jobim. O pedido foi indeferido sob os seguintes

fundamentos: 1) A lei 8.429/1992 regulamenta o art. 37, parágrafo 4º da

Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade

administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas

descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades

detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade.

2) Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primórdios, que

coincidem com o início de consolidação das atuais instituições políticas britânicas

na passagem dos séculos XVII e XVIII, passando pela sua implantação e

consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à

perfeição os mecanismos de fiscalização postos à disposição do Legislativo para

controlar os membros dos dois out ros Poderes. Não se concebe a hipótese de

impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de

contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é clara nesse sentido, ao prever

um juízo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o

previsto em seu artigo 55. Noutras palavras, não há falar em crime de

responsabilidade de parlamentar. 3) Estando o processo em fase de execução de

sentença condenatória, o Supremo Tribunal Federal não tem competência para o

prosseguimento da execução. O Tribunal, por unanimidade, determinou a remessa

dos autos ao juízo de origem (STF - Pet: 3923 SP , Relator: Min. JOAQUIM

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BARBOSA, Data de Julgamento: 13/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação:

DJe-182 DIVULG 25-09-2008 PUBLIC 26-09-2008 EMENT VOL-02334-01 PP-

00146).

Neste mesmo diapasão, importante ressaltar quanto à sujeição passiva nos crimes de

responsabilidade. Conforme entendimento de Luiz Regis Prado (2013, p.519) entende-se que

tendo em vista a importância da Administração Pública, representada por seus órgãos e cargos

públicos, utilizados pela mesma em prol do funcionamento, execução e fiscalização de

atividades direta e indiretamente de cunho público, é entendível o direcionamento da proteção

da “coisa pública” pelo legislador brasileiro contra as tipificações insurgentes da seara

pública.

Assim, concluiu-se que os sujeitos passivos dos crimes de responsabilidade nada mais

são do que a Administração Pública – melhor dizendo, a Administração Pública elencada no

artigo 37 da Constituição Federal, conforme ensina o citado autor (2013, p. 520) - bem como

o Estado, que por sua vez, também suporta as consequências danosas oriundas das infrações

resultantes dessa espécie de crime.

2.4 – Natureza jurídica dos crimes de responsabilidade

Os crimes de responsabilidade, segundo o entendimento do brilhante doutrinador

Damásio Evangelista de Jesus, podem ser divididos em crimes próprios e impróprios, ou seja,

em crimes e infrações político-administrativas, respectivamente. Em sua lição, perduram os

dizeres:

Assim, crime de responsabilidade, em sentido amplo, pode ser conceituado como

um fato violador do dever do cargo ou função, apenado com uma sanção criminal ou

de natureza política. Pode-se dizer que há o crime de responsabilidade próprio, que

constitui delito, e o impróprio, que corresponde ao ilícito político-administrativa

(2009).

Discorre Uadi Lammêgo Bulos sobre a intenção do constituinte ao descrever os crimes

de responsabilidade, como já retratado em tópico anterior, ao enunciar o objeto deste estudo

ponderando que “para nós, a modalidade poderia ser rotulada de infrações constitucionais ou

político-administrativas, porque não são figuras de que trata o Direito Penal, e sim o Direito

Constitucional” (2010, p. 1221).

Neste diapasão, Paulo Brossard, em brilhante análise, dispõe sobre a criação da

expressão “crimes de responsabilidade”, à luz do direito vigente à época do império:

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E se, sob o antigo regime, os crimes de responsabilidade dissessem respeito a

Ministros de Estado ou a funcionários públicos, eram sancionados com pena

criminal, isto nem sempre ocorreu, nem ocorre, nas leis republicanas, em cujo

contexto a expressão ora designa infração política, ora tem o sentido de crime

funcional.

Destarte, convém seja notado, a expressão “crime de responsabilidade”, que “entrou

na Constituição sem exato conceito técnico ou científico” – a sentença é de José

Frederico Marques – nem sempre corresponde a infração penal. Quando motiva o

impeachment, por exemplo, caso em que, sem dúvida, a despeito do nomen juris que

lhe dá o Código Supremo e a Lei que lhe é complementar, o ilícito a ele subjacente

não é penal. “Se o crime de responsabilidade qualificar o fato ilícito assim

denominado, pois o que distingue o crime dos demais atos ilícitos é, justamente, a

natureza da sanção abstratamente cominada” (1992, p. 69).

De modo sintético, por fim, aduz Pedro Lenza (2012, p. 664) sobre a conceituação e a

natureza jurídica dos crimes de responsabilidade:

Os detentores de altos cargos públicos poderão praticar, além dos crimes comuns, os

crimes de responsabilidade, vale dizer, infrações político-administrativas (crimes,

portanto, de natureza política), submetendo-se ao processo de impeachment.

Ademais, embasa o cunho político dos crimes de responsabilidade o artigo 3º da Lei nº

1.079/1950, in verbis:

Art. 3º. A imposição de pena referida no artigo anterior não exclui o processo e

julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis

de processo penal.

O embasamento utilizado pelos doutrinadores que compõem este entendimento é a

afronta aos princípios da taxatividade e da legalidade, visto que a conduta não é palpável,

objetiva, isto é, utiliza-se de termos obscuros ao definir a conduta, como “proceder de modo

incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, além de ocasionarem como

sanção, em vez de penas privativas de liberdade, sanções que impõem a perda do cargo e

inabilitação, em clara incompatibilidade com o sistema penal.

Além das distinções demonstradas, nota-se que a competência para julgamento dos

crimes de responsabilidade e dos crimes comuns é distinta, visto que enquanto os primeiros,

em regra, são julgados pelo Poder Legislativo, as infrações penais são decididas no bojo do

Poder Judiciário.

No entanto, há entendimento divergente no ordenamento jurídico pátrio, como extrai-

se dos julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 834/MT, datado de

18/02/1999, e da Petição nº 1954/DF, datado de 11/09/2002, ambos do Supremo Tribunal

Federal. Neste sentido:

Crime de responsabilidade: definição: reserva de lei. Entenda-se que a definição de

crimes de responsabilidade, imputáveis embora a autoridades estaduais, é matéria de

Direito Penal, da competência privativa da União – como tem prevalecido no

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Tribunal – ou, ao contrário, que sendo matéria de responsabilidade política de

mandatários locais, sobre ela poderia legislar o Estado-membro – como sustentam

autores de torno – o certo é que estão todos acordes em tratar-se de questão

submetida à reserva de lei formal, não podendo ser versada em decreto-legislativo da

Assembleia Legislativa (STF - Pet: 1954 DF, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA,

Data de Julgamento: 11/09/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 01-08-

2003 PP-00106 EMENT VOL-02117-30 PP-06370).

Quanto à segunda decisão supracitada:

DENÚNCIA POPULAR. SUJEITO PASSIVO: MINISTRO DE ESTADO.

CRIMES DE RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.

RECEBIMENTO DA PEÇA INICIAL COMO NOTITIA CRIMINIS.

ENCAMINHAMENTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

1. O processo de impeachment dos Ministros de Estado, por crimes de

responsabilidade autônomos, não-conexos com infrações da mesma natureza do

Presidente da República, ostenta caráter jurisdicional, devendo ser instruído e

julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Inaplicabilidade do disposto nos artigos 51,

I e 52, I da Carta de 1988 e 14 da Lei 1079/50, dado que é prescindível autorização

política da Câmara dos Deputados para a sua instauração.

2. Prevalência, na espécie, da natureza criminal desses processos, cuja apuração

judicial está sujeita à ação penal pública da competência exclusiva do Ministério

Público Federal (CF, artigo 129, I). Ilegitimidade ativa ad causam dos cidadãos em

geral, a eles remanescendo a faculdade de noticiar os fatos ao Parquet.

3. Entendimento fixado pelo Tribunal na vigência da Constituição pretérita (MS

20422, Rezek, DJ 29/06/84). Ausência de alteração substancial no texto ora vigente.

Manutenção do posicionamento jurisprudencial anteriormente consagrado.

4. Denúncia não admitida. Recebimento da petição como notitia criminis, com

posterior remessa ao Ministério Público Federal (STF - ADI: 834 MT , Relator:

Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 18/02/1999, Tribunal Pleno,

Data de Publicação: DJ 09-04-1999 PP-00002 EMENT VOL-01945-01 PP-00007).

Sobre a competência legislativa, discorre a Súmula nº 722 do Supremo Tribunal

Federal, datada de 26/11/2003, reiterando a interpretação adotada de que os crimes de

responsabilidade possuem natureza penal: “São da competência legislativa da União a

definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de

processo e julgamento”.

Da leitura do dispositivo, não há demonstração expressa do referido entendimento.

Contudo, de acordo com o artigo 22, inciso I, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, somente a União pode legislar sobre o direito penal, ou seja, possui

competência privativa, de forma a elucidar o entendimento sumulado da Suprema Corte.

Entretanto, sobreveio o julgamento da Reclamação 2138-6/DF, datado de 13/06/2007,

no qual o Supremo Tribunal Federal inverteu o entendimento outrora demonstrado para

reconhecer a natureza político-administrativa dos crimes de responsabilidade, comparando o

instituto às condutas de improbidade administrativa, conforme será abordado em tópico

posterior:

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RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE

RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.

I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM.

I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou,

no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato

novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de

Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática

Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da

prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, c, da Constituição.

Questão de ordem rejeitada.

I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível

realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação

de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que

o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros,

dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se

pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual.

Existência de outro processo com matéria idêntica na seqüência da pauta de

julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada.

II. MÉRITO.

II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de

improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei

nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.

II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O

sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes

políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência

entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes

políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei nº 8.429/1992) e o regime

fixado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se a competência para

processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger

também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de

responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art.

102, I, c, da Constituição.

II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem

regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, c; Lei nº

1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime

comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992).

II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal.

Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos

político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição. Somente o

STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de

responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a

suspensão de direitos políticos.

II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a

suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública

por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito

Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação

civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui

prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de

responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição.

III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (STF, Relator: NELSON

JOBIM, Data de Julgamento: 13/06/2007, Tribunal Pleno)

Portanto, evidenciada a divergência no entendimento da natureza jurídica dos crimes

de responsabilidade, destaca-se o parecer de que natureza política dos crimes de

responsabilidade, que não se tratam rigorosamente de “crimes”, a não ser pelo caráter de

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previsão legal de conduta que ocasiona sanção ao agente, sendo que os trâmites e sobretudo as

sanções possuem caráter politico.

2.5 – O impeachment

Quanto à natureza do impeachment, ilustra Paulo Brossard:

A definição do impeachment vem dando margem a divergências de monta: foi tido

como instituto penal, encarado como medida política, indicado como providência

administrativa, apontado como ato disciplinar, concebido como processo misto,

quando não heteróclito; e, é claro, como instituição sui generis. As divergências

resultam, talvez, da defectiva terminologia do Direito Constitucional, mas existem.

O impeachment define-se como “a acusação formulada pela representação popular, ou

seja, a primeira fase do processo de responsabilidade, que, no sistema brasileiro, termina com

o afastamento provisório da autoridade processada” (BROSSARD, 1992, p. 5).

No mesmo sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho dispõe que “por impeachment,

de modo lato, se deve aqui entender o processo pelo qual o Legislativo sanciona a conduta de

autoridade pública, destituindo-a do cargo e impondo-lhe pena de caráter político” (2012, p.

155).

Define De Plácido e Silva o impeachment como:

Expressão inglesa, que se traduz impedimento, obstáculo, denúncia, acusação

pública; indica o procedimento parlamentar, cuja finalidade é a de apurar a

responsabilidade criminal de qualquer membro do governo instituído, aplicando-lhe

a penalidade de destituição do cargo ou função

O instituto teve origem na Inglaterra medieval, onde foi abolido no século XVII.

Tem aplicação nos Estados Unidos para apurar a responsabilidade criminal do

Presidente da República, do Vice-Presidente o de qualquer outro funcionário público

acusado de grave delito ou de má conduta no exercício de suas funções. Como

acusador atua o Congresso e, como juiz, o Senado. Foi aplicado em 1974 no

afastamento do Presidente norte-americano Richard Nixon.

É adotado entre nós como processo político-criminal para apurar a responsabilidade

criminal dos governadores e secretários de Estado, Ministros de Estado, do Supremo

Tribunal Federal, do Presidente da República, no sentido de, procedente a acusação

acerca da infração arguida, lhe ser aplicada a pena de destituição do cargo.

Impeachment. No Brasil, em 1992, o Presidente da República, Fernando Alonso

Collor de Mello, foi afastado do cargo mediante processo de crime de

responsabilidade. Embora, durante o julgamento pelo Senado Federal, tenha

renunciado ao cargo, acabou condenado à pena de 8 anos de interdição de ocupação

de cargo público, nos termos do art. 52 da CF (2010, p. 706).

Assim haverá uma acusação formulada por representação popular, sendo sedimentado,

primeiramente, por uma primeira fase correspondente ao processo de responsabilidade e, por

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fim, termina-se tal procedimento com o afastamento provisório do sujeito ativo

correspondente ao caso concreto.

Podemos extrair, portanto, que trata-se de uma fase do procedimento de impeachment

que apresenta tanto o seu início como o seu término no seio do Poder Legislativo, autorizando

o afastamento do agente político que cometeu atos definidos em lei como um crime de

responsabilidade no exercício de suas funções.

No tocante ao procedimento correspondente ao impeachment, dispõe Pedro Lenza

(2012, p. 665):

Tal procedimento é bifásico, composto por uma fase preambular, denominada juízo

de admissibilidade do processo, na Câmara dos Deputados (Tribunal de Pronúncia,

art. 80, da Lei 1079/50), e por uma fase final, em que ocorrerá o procedimento

propriamente dito e o julgamento, no Senado Federal (Tribunal de Julgamento).

2.6 – Sanções

As sanções aos agentes que cometerem os denominados crimes de responsabilidade

estão dispostas no artigo 2º da Lei nº 1.079/1950, in verbis:

Art. 2º. Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são

passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o

exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos

contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do

Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

No texto constitucional, a disposição das sanções aplicáveis encontra-se no parágrafo

único do artigo 52, que discorre:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

[...]

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente

o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será

proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com

inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública, sem prejuízo das

demais sanções judiciais cabíveis.

A Lei dos Crimes de Responsabilidade não foi recepcionada no que tange ao prazo de

inabilitação, prevalecendo a disposição do texto constitucional de oito anos de sanção.

Destarte, aos agentes que praticarem qualquer das condutas definidas como crime de

responsabilidade, soma-se à sanção de inabilitação a perda do cargo público, sendo estas

cominações cumulativas.

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Insta salientar que a parte final do parágrafo único do artigo 52, ao dispor que as

sanções serão aplicadas “sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”, não

desenvencilha o agente político de ser punido nas demais esferas do Poder Judiciário.

2.7 – A Lei de Improbidade Administrativa e a Lei nº 1.079/1950

Conforme demonstrado neste capítulo, agentes políticos são pessoas físicas que

exercem, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, qualquer forma de investidura ou

vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública frente à Administração Pública.

Neste sentido, dispõe Hely Lopes Meirelles:

São os componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos,

funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação

para o exercício de atribuições constitucionais. Esses atuam em plena liberdade

funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades

próprias estabelecidas na Constituição e leis especiais (2003, p. 75).

Reduzindo a amplitude deste conceito, aduz o ilustre doutrinador Celso Antônio

Bandeira de Mello:

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do

País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o

esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade

superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os

Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de

Executivo, isto é, Ministros e Secretários de diversas pastas, bem como os

Senadores, Deputados Federais e estaduais e os Vereadores (2006, p. 229/230).

Este é o entendimento majoritário encontrado na doutrina administrativista, no qual

Bandeira de Mello é acompanhado de José dos Santos Carvalho Filho, Maria Sylvia Zanella

Di Pietro e outros renomados escritores.

Portanto, conclui-se que a espécie “agentes políticos” está incorporada no gênero

“agentes públicos”, de forma que entende a Suprema Corte que os agentes políticos devem ser

julgados pelos crimes de responsabilidade, através de procedimento especial e foro

privilegiado, de modo a não ser cabível o julgamento por meio de um juízo monocrático de

primeiro grau, e não pela improbidade administrativa, no juízo federal, entendimento este

sedimentado através da decisão proferida na retromencionada Reclamação nº 2.138/DF.

Diante do conceito demonstrado, estabeleceu-se discussão sobre a possibilidade de

aplicação ou não da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, em detrimento

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dos crimes de responsabilidade, de forma que se passa a expor os fundamentos de ambos os

entendimentos.

Quanto à inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, os autores que

defendem este ponto de vista embasam-se no bis in idem das sanções previstas nesta lei e na

lei dos crimes de responsabilidade, tendo em vista a natureza político-administrativa dos

institutos, conforme a concepção asseverada no voto do Ministro Relator da Reclamação nº

2.138/DF, Nelson Jobim, baseado no parecer o Vice-Procurador Geral da República, Haroldo

Ferras da Nóbrega, da seguinte maneira:

[...] Nos parece correto o entendimento de que não se pode processar o agente

político com base exclusivamente na Lei nº 8.429/92. O regime de crime de

responsabilidade fixado no art. 102, I, c da Carta Magna e disciplinado pela Lei nº

1.079, de 1950 é que se dessume coerente com o nosso sistema constitucional.

Com efeito, os atos de improbidade, enquanto crimes de responsabilidade, estão

amplamente contemplados no Capítulo V da Lei 1.079, de 10.04.1950 – instituto

que regula os crimes de responsabilidade (Dos crimes contra a probidade na

administração – art. 9º). Observe-se que a pena imposta, a exemplo daquela prevista

na lei de improbidade, é extremamente severa: perda do cargo e inabilitação para o

exercício de função pública pelo prazo de até cinco anos (art. 2º).

Por outro lado, consoante disposto no art. 3º da L. 1079/1950, a imposição da

penalidade não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum.

Denota-se, portanto, que a lei dos crimes de responsabilidade, tais como os ilícitos

arrolados na Lei 8.429/92, são delitos político-administrativos. Não se mostra

plausível, portanto, a incidência de ambos os diplomas legais sobre um mesmo

agente. Não se pode desprezar o especial sistema de responsabilização do agente

político previsto no ordenamento jurídico.

Logo, pode-se concluir que aos agentes políticos, como os Ministros de Estado, por

estarem submetidos a um regime especial de responsabilidade, não se aplicam as

regras comuns da lei de improbidade. Assim sendo, configura-se plena e exclusiva

competência desse Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os delitos

político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição federal

(BRASIL, Rcl. 2138/DF, Supremo Tribunal Federal, p. 121).

Portanto, somando-se aos argumentos retrotranscritos, os juristas que utilizam esta

linha de raciocínio também se utilizam do critério da especialidade, devendo a Lei nº

1.079/1950 prevalecer sobre a Lei nº 8.429/1992, por ser mais específica, aplicável à espécie

“agentes políticos”, restringindo seus efeitos a certa parte do gênero “agentes públicos”, de

forma que a este se aplica a Lei da Improbidade Administrativa.

Além do exposto, sopesa-se neste entendimento de inaplicabilidade da Lei de

Improbidade Administrativa a mencionada necessidade de foro privilegiado, de modo que o

julgamento por meio de um juízo monocrático de primeiro grau seria descabido.

Por outro lado, a corrente defensora da possibilidade de aplicação da Lei nº

8.429/1992 aos agentes políticos embasa-se na inocorrência do bis in idem, tendo em vista a

diferença entre os atos de improbidade e os crimes de responsabilidade, diante da distinção da

natureza dos institutos em questão, isto é, que a improbidade administrativa possui natureza

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civil, enquanto os crimes de responsabilidade possuem natureza político-administrativa, sendo

harmoniosa a disposição de ambos os institutos no ordenamento jurídico pátrio sem que

ocorresse o bis in idem.

Portanto, diante da distinta natureza dos institutos, tendo em vista que o ordenamento

jurídico pátrio permite a concorrência das instâncias para repressão, ou seja, que poderá uma

ação acarretar em responsabilidade civil, administrativa e penal sem que fique caracterizado o

bis in idem, poder-se-ia aplicar a improbidade administrativa, cuja natureza é civil, como

coerção ao ressarcimento ao erário e suspensão dos direitos políticos, perda da função pública,

somada à inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, além de caracterizar crime de

responsabilidade, de natureza político-administrativa, não havendo contrariedade ao texto

constitucional.

Neste sentido, relevante o trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa, ao discorrer

sobre a concorrência das instâncias para repressão:

Se a Constituição permite o mais, que é a cumulação da responsabilidade política

com a responsabilidade penal, porque haveria de proibir o menos, isto é, a

combinação de responsabilidade política com responsabilidade por improbidade

administrativa?

Insisto, Senhora Presidente. Não há impedimento à coexistência entre esses dois

sistemas de responsabilização dos agentes do Estado.

E mais: a tese abraçada pela maioria que já se formou, se é certo que ela conforta a

situação pessoal do eminente embaixador que fora acusado e condenado, talvez de

maneira excessiva e desproporcional, à perda do cargo, na ação de improbidade

originária, 23 cria no nosso sistema jurídico, por outro lado, uma situação de

absoluta perplexidade, que fere os princípios isonômico e republicano que informam

a nossa organização político-jurídica. A perplexidade a que me refiro, inaceitável em

uma democracia, consistiria na anomalia que estaria sendo consolidada, caso

prospere a tese que está a se esboçar nesta ação. Ela é particularmente perversa,

especialmente em matéria de servidor público. Explico. É que, à luz da Constituição

Federal e da lei 8.429/1992, todo e qualquer servidor, efetivo ou comissionado, que

cometa um ato de improbidade tal como descrito na lei, estará sujeito a ver sua

conduta enquadrada numa das drásticas sanções previstas na lei 8.429/1992. Porém,

se esse mesmo hipotético servidor, sem se exonerar do cargo efetivo, vier a assumir

um posto ministerial e praticar a mesma conduta, a ele não se aplicarão as severas

sanções da lei de improbidade, mas sim as duas únicas sanções que a

responsabilidade política é suscetível de engendrar: a perda do cargo público

(político) e a inabilitação por 8 anos para o 24 exercício de qualquer função pública.

Uma tal discrepância contraria, a meu sentir, um dos postulados básicos do regime

democrático, aquilo que no direito norte-americano se traduz na elucidativa

expressão “accountability”, e que consiste no seguinte: nas verdadeiras

Democracias, a regra fundamental é: quanto mais elevadas e relevantes as funções

assumidas pelo agente público, maior há de ser o grau de sua responsabilidade, e não

o contrário, como se propõe nestes autos.

Ademais, diante da análise de relevantes argumentos a favor da aplicabilidade da Lei

nº 8.429/1992 aos agentes políticos, nota-se que a aplicação da Lei dos Crimes de

Responsabilidade em detrimento daquela viola os princípios constitucionais da isonomia e da

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igualdade, estabelecendo condições diferentes e favoráveis aos que deveriam possuir

tratamento mais severo, tendo em vista que o instituto dos Crimes de Responsabilidade é

raridade no ordenamento jurídico pátrio e possui procedimento complexo, afastando a

aplicabilidade de um instituto que possui como função precípua o afastamento de atos

imorais, ímprobos, ilegais, caracterizando um retrocesso social no entendimento de Joaquim

Barbosa, no aclamado julgamento da Reclamação nº 2.138/DF, caracterizando privilégio a

certas classes, isto é, regras feitas para a sociedade como um todo são excepcionadas

arbitrariamente, como no período absolutista.

No entanto, em que pesem os argumentos destacados pelos ilustres doutrinadores

administrativistas e pelo ínclito Ministro Joaquim Barbosa, defensores da aplicabilidade da

improbidade administrativa aos agentes políticos, o entendimento do Supremo Tribunal

Federal, explicitado na decisão da Reclamação nº 2.138/DF, seguiu o sentido da

inaplicabilidade da improbidade administrativa aos agentes políticos, isto é, aplica-se a lei dos

crimes de responsabilidade em detrimento desta, pelos princípios e argumentos supracitados.

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III – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A LEI DA FICHA LIMPA

3.1 – Surgimento da Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar nº 135/2010

A Lei da Ficha Limpa foi derivada de uma campanha popular, embasada no anseio de

observância da vida pregressa dos candidatos à eleições pelos cidadãos brasileiros. Nesse

sentido, dispõem Djalma Pinto e Elke Braid Petersen (2014, p. 01):

Lançada em abril de 2008 pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

(MCCE), significou uma resposta à insatisfação provocada pela atitude pouco

republicana de muitos candidatos, cuja ações se notabilizavam pela afronta às leis

penais. A bandeira em defesa da ética na política foi erguida, à época, por 43

entidades, representando os mais diversos segmentos sociais, como, por exemplo, a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANRP), entre

outras.

No tocante à análise e processamento da proposta de lei pelo Senado Federal, de

acordo com os autores supramencionados, até que se chegasse à fase de tramitação no Senado

Federal, foram entregues cerca de 500 mil assinaturas recolhidas por meio da campanha

virtual coordenada pela organização não governamental “Avaaz”, além de 300 mil assinaturas

obtidas por meio do recolhimento realizado pelo Movimento de Combate à Corrupção

Eleitoral (MCCE).

Tal procedimento, conforme explicam Djalma Pinto e Elke Braid Petersen (2014, p.

02), apresentou algumas alterações, porém obteve aprovação unânime em ambas as casas do

Congresso Nacional, até que no dia 04 de junho de 2010, foi sancionado pelo então Presidente

da República Luiz Inácio Lula da Silva, transformando-se no dia 07 de junho de 2010 na Lei

Complementar nº 135, entrando em vigor na data de sua publicação.

Ainda nessa senda, segundo os autores por ora citados, anteriormente ao movimento

que deu origem a Lei da Ficha Limpa, em 26 de junho de 2008, a Associação de Magistrados

Brasileiros (AMB) protocolizou, no Supremo Tribunal Federal, a Arguição de Preceito

Fundamental nº 144 contra a Resolução nº 22.842/2008 do Tribunal Superior Eleitoral,

objetivando que no tocante aos processos de registro de candidatura, fossem assegurados aos

mesmos a efetividade ao princípio da exigência da vida pregressa em compatibilidade com a

importância da representação popular, com base na aplicabilidade do artigo 14, §9º, da

Constituição Federal.

Assim vejamos a transcrição do referido artigo:

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Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto

e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de

sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para

exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e

legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do

exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação

dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

Analisando com cautela tal dispositivo legal, primeiramente, é importante destacar que

durante muito tempo, conforme informa José Domingos Filho (2012, p. 108), questionou-se a

“aplicabilidade imediata” do artigo por ora transcrito.

O referido autor ainda informa que, para sanar tal problemática, o Plenário do

Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 144/DF, declarou serem improcedentes tais

questionamentos, posto que, a regra demonstrada no §9º não é autoaplicável, já que informa

que os casos elencados no dispositivo constitucional só poderão ser vislumbrados por lei

complementar, não cabendo interpretação judicial para suprir uma ocasional ausência da

mesma.

Suprida tal informação, resta salientar que a Lei da Ficha Limpa trouxe inúmeras

inovações, dentre as mais importantes, segundo José Domingos Filho (2012, p. 109), a

proclamação da inelegibilidade apenas nos casos em que constar uma condenação transitada

em julgado por um órgão colegiado, não sendo necessário o trânsito em julgado da decisão

que reconhecer a improbidade administrativa neste caso.

Ainda no entendimento do pretenso autor supracitado, tem-se que tal mandamento que

acarreta tal inelegibilidade não ofenda os princípios constitucionais. Dentre eles, pode-se citar

a presunção de inocência e o princípio da não culpabilidade. Isso ocorre, pois no próprio

dispositivo constitucional em análise encontra-se a ressalva de que tal inelegibilidade somente

se dará em casos que transcorrerem um processo eleitoral, ou seja, respalda expressamente o

cuidado com a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Além disso, continua o referido autor em questão, que as garantias e direitos

individuais não são de caráter absoluto, sendo que os mesmos deverão ser analisados em

conjunto com os ditames que regem o interesse público. O próprio princípio de convivência

das liberdades, inclusive, deverá receber limitações destinadas a proteger a integridade do

interesse social. Logo conforme explicita José Domingues Filho (2012, p. 110): “[...] pois

nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com

desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.”

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Diante do exposto, concluiu-se que as liberdades públicas não são incondicionais,

devendo conviver de forma harmônica com os demais preceitos constitucionais. Assim,

determinar a inelegibilidade dos pretensos candidatos não viola nenhum mandamento previsto

no ordenamento jurídico, pois em casos de ponderação entre dois direitos fundamentais, de

acordo com José Domingues Filho (2012, p. 110): “[...] não podem ter, um e outro, um

fundamento absoluto, ou seja, um fundamento que torne um direito e seu oposto, ambos,

inquestionáveis e irresistíveis”.

Deve-se, portanto, resguardar o interesse social e coletivo, visando proteger o interesse

das presentes e futuras gerações.

3.2 – A Lei da Ficha Limpa e o STF – ADCs 29 e 30 e ADI 4.578

Conforme mencionado em outra oportunidade, a Lei da Ficha Limpa entrou em vigor

na data de sua publicação, e a partir disso, inúmeras questões que versavam sobre a sua

constitucionalidade foram suscitadas.

Os meios utilizados para tal suscitação foram as Ações Declaratórias de

Constitucionalidade nº 29/DF e nº 30/DF e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

4.578/AC.

Desta forma, demonstra-se o quantum decisum das Ações Declaratórias de

Constitucionalidade nº 29/DF e nº 30/DF, julgadas em conjunto com a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 4.578/AC:

AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI

COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, §

9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE

MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À

IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO

ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO

ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE.

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA

LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA

PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO:

FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO

JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO

PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI.

AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ

OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS

MANDATOS EM CURSO.

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1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e

legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei

Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser

capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de

incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que

opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em

oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema

normativo pretérito (expectativa de direito).

2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público

eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato

(art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância

ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de

função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do

impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.

3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal

deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia

análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua

própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação

criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a

inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da

Constituição Federal.

4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 não viola o princípio

constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua

aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na

consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito

eleitoral.

5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas

hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se

adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga

de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos

de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.

6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº

135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii)

estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à

liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os

benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o

exercício de referido munus público.

7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo

de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº

135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação

dos representantes populares.

8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos

políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos

passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.

9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação

legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico

indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal.

10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de

mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita

compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g.,

o art. 53, § 6º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de

direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé.

11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta

Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o

indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se

confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são

previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas

ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de

voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre

a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.

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12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena,

admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa

sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado,

cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo

posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a

condenação e o trânsito em julgado.

13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações

declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante

a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas

alíneas “c, “d, “f,“ “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei

Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o

Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a

Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade

posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a

condenação e o seu trânsito em julgado. 14. Inaplicabilidade das hipóteses de

inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em

curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel.

Min. Gilmar Mendes (repercussão geral) (STF - ADI: 4578/AC, Relator: Min. LUIZ

FUX, Data de Julgamento: 16/02/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-

127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012).

Demonstrados os objetos legais que serão melhor analisados neste tópico, resta-se

esclarecer que, segundo Monica Herman Caggiano (2014, p. 74), em meio as inúmeras teses

de inconstitucionalidades acerca do dispositivo legal em comento, o ministro Luiz Fux, em

seu voto, deixou claro que a controvérsia judicial cuidava-se apenas das hipóteses de

inelegibilidade introduzidas pela LC 135/2010 em suas alíneas “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “h”,

“j”, “k”, “l”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do artigo 1º, I, da LC 64/1990, não restando no

arcabouço legal, outras hipóteses plausíveis de ensejar discussões quanto à

inconstitucionalidades das mesmas.

Em razão do objeto de análise do presente trabalho acadêmico, as hipóteses que serão

acometidas e analisadas de imediato fazem jus às condenações criminais e a perda do cargo.

No que compete às condenações criminais, cuida-se em saber que a mesma está

localizada na alínea “d” do artigo 1º, I, e refere-se aos sujeitos que tiverem contra si decisões

transitadas em julgado ou proferidas por órgão colegiado, referentes às processos de apuração

de abuso de poder seja essa econômico ou político, durante as eleições nas quais concorrem

ou tenham sido diplomados, bem como para aquelas nas quais se realizem nos oito anos

seguintes, conforme ensina Monica Herman Caggiano (2014, p. 76).

Como consequência de tal tipificação, a LC nº 135/2010, aumentou de três para oito

anos o prazo de inelegibilidade. Além disso, segundo a referida autora, passou a se exigir não

mais o trânsito em julgado da decisão, senão apenas que tal decisão fosse proferida por um

órgão colegiado competente.

Já no que tange sobre a perda do cargo, a mesma se encontra disciplinada na alínea “c”

do artigo 1º, inciso I, e seguindo os ditames de Monica Herman Caggiano (2014, p. 85),

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percebe-se que tal alínea ocasionou uma restrição aos direitos políticos dos governadores e

vice-governadores dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos prefeitos e vice-prefeitos

que perderam seus cargos eletivos por terem incorrido em práticas que violavam a Lei

Orgânica de seus municípios, para as eleições que correspondessem aos próximos oito anos

subsequentes ao término do mandato para o qual foram eleitos.

Por derradeiro, cumpre informar que até o advento da Lei nº 10.028/2000 que versou

sobre a Responsabilidade Fiscal, diversas atuações praticadas pelos governantes e que

envolviam o uso indiscriminado e ilegal de verbas públicas não eram devidamente

disciplinadas nos textos legais e, por isso, muitas desses atos corruptos eram apenas

considerados meras irregularidades administrativas.

Nesse sentido, conforme elucida Monica Herman Caggiano (2014, p. 85), a referida

Lei que versou de uma melhor maneira sobre a incidência da responsabilidade fiscal, fez com

que, por exemplo, fosse inserido no Código Penal, em seu artigo 359 uma nova redação e

acrescentou ao mesmo um novo capítulo, conhecido como “Crimes Contra as Finanças

Públicas” e disciplinou diversos atos que envolviam o uso errôneo das verbas públicas.

A mesma lei trouxe, inclusive, importantes modificações no tocante ao procedimento

acerca do impeachment, que foram aplicadas ao caso do ex-presidente Fernando Collor de

Mello. São espécimes de tais modificações, no entendimento de Monica Herman Caggiano

(2014, p. 85), as condutas praticadas contra as legislações financeiras, possibilidade do

controle pela sociedade dos atos públicos, e a expressa menção sobre o rito a ser utilizado em

casos de julgamentos dos crimes de responsabilidade, tal qual seria o rito instituído pela Lei

nº 8.038/1990 que, por sua vez, instituiu normas procedimentais para os processos que tramita

perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

Dentre as consequências trazidas por tais tipificações, seguindo o entendimento de

Monica, desde que assegurados os direitos processuais conferidos aos acusados, acarretam-se

a perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função

pública, seja esse eletivo ou de livre nomeação, sem prejuízo das demais penalidades

referentes à reparação civil do dano causado ao patrimônio público.

Por fim, cabe ressaltar a existência da Lei nº 1.079/1950, que definiu os crimes de

responsabilidade e regulamentou, além disso, seu processamento correto de julgamento.

Nessa lei, as autoridades abrangidas por tal tipificação são o Presidente da República e

Ministros dos Estados, bem como os Ministros do STF, Procurador Geral da República,

Governadores e Secretários de Estado, dentre outros.

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Essa mesma lei prevê a penalidade de impeachment para os agentes políticos

anteriormente citados e, considera-se tal previsão ainda como válida na seara jurídica. Logo,

conforme leciona Monica Herman Caggiano (2014, p. 87), somente em casos extremos se

mostraria plausível responsabilizar os agentes políticos por eventual cometimento de crime de

responsabilidade. Somente nos casos em que se mostrar a conduta do agente político em

questão fatalmente exacerbada, sobretudo se o mesmo tiver sido escolhido através sistema

eleitoral vigente (manifestação das urnas), mostra-se entendível a aplicação dos dispositivos

incriminadores previstos na Lei da Ficha Limpa.

Portanto, quanto à decisão sobre a constitucionalidade da Lei Complementar nº

135/2010, a Suprema Corte entendeu serem constitucionais o conteúdo disposto nas alíneas

retrotranscritas, não havendo violação ao texto constitucional, senão maior proteção ao Estado

e à sociedade, que, conforme o voto do Ministro Luiz Fux, concretiza o “sentimento

constitucional, fortalecendo a legitimidade democrática do constitucionalismo” (apud PINTO;

PETERSEN, 2014, p. 6).

3.3 – A essência da inelegibilidade segundo a Lei da Ficha Limpa

A essência da inelegibilidade é interligada à natureza da probidade administrativa,

visando defender princípios benéficos ao bem comum e à manutenção do Estado, previstos no

artigo 37 da Carta Magna, com finalidade primordial de proteger o Estado, para que este,

segundo a lição de Djalma Pinto e Elke Braid Petersen (2014, p. 9), possa produzir as leis e

realizar o bem comum, de forma a não haver risco de retaliar a sociedade devido à má

aplicação do poder político.

Portanto, no entendimento dos mesmos autores, a inelegibilidade é um instrumento de

proteção da sociedade, constituindo uma barreira protetora do Estado, que observará

requisitos inegociáveis impedir pessoas notoriamente ameaçadoras de alcançarem investidura

no poder político.

Segundo De Plácido e Silva, a inelegibilidade tem a seguinte conceituação:

Ao contrário de elegibilidade, entende-se a falta de aptidão ou de requisitos e

condições, exigidos para que possa a pessoa ser eleita para desempenho de cargos

ou função.

A inelegibilidade pode decorrer da falta de requisitos legais, impostos para a

elegibilidade ou ocupação de cargo ou função eletiva, como pode advir de

incompatibilidade, isto é, por exercer a pessoa certa cargo, que a impede de ser

eleita.

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99

A inelegibilidade não quer dizer incapacidade jurídica, pois que se trata

de incapacidade especial, inerente a função ou cargo eletivo. A incapacidade

jurídica, no entanto, também é computada para evidência desta outra espécie de

incapacidade ou falta de aptidão legal e política para exercício do cargo ou função,

que se ocupa por meio de eleição. Os motivos de inelegibilidade são indicados na

lei, em que se institui o cargo e se impõe seu preenchimento por eleição ou sufrágio

(2010, p. 737).

Aduz José Carlos Moreira Alves que “as inelegibilidades são impedimentos que, se

não afastados por quem preencha os pressupostos de elegibilidade, lhe obstam concorrer a

eleições” (apud PANUTTO, 2013, p. 69).

No mesmo sentido, explana Adriano Soares da Costa:

Todo eleitor que não atenda aos pressupostos legais da elegibilidade, deixando de

obter o registro de candidato, é inelegível, vale dizer, não possui o ius honorum. A

inelegibilidade, por conseguinte, não é perda dos direitos políticos, posto que

direitos políticos (ius sufragii) se tem. A inelegibilidade é a ausência do direito a ser

votado (ius honurum), ou porque não se obteve o registro de candidato, ou porque a

inelegibilidade (direito de ser votado), que tinha, foi retirada (apud PANUTTO,

2013, p. 69).

Destarte, nota-se que a inelegibilidade não é expressão equivalente à perda dos direitos

políticos, ou seja, em condição de inelegibilidade possuirá plenas condições de exercer sua

cidadania ativa, isto é, o direito de votar, sem, contudo, preencher os requisitos de

elegibilidade estabelecidos no artigo 14, §3º, da Constituição da República Federativa do

Brasil, in verbis:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto

e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito,

Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Além da inelegibilidade em infringência às condições dispostas no texto

constitucional, o parágrafo nono do mesmo dispositivo legal estabeleceu que, por via de lei

complementar, seriam estabelecidos os demais casos de inelegibilidade, in verbis:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto

e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

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100

§ 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de

sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para

exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e

legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do

exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Portanto, desta disposição constitucional emergiu a Lei Complementar nº 64/1990,

denominada “Lei das Inelegibilidades”, que dispunha a inelegibilidade dos condenados por

improbidade administrativa pelos próximos três anos contados da data da decisão

condenatória. Posteriormente, sobreveio a Lei Complementar nº 135/2010, a “Lei da Ficha

Limpa”, que alterou a Lei Complementar nº 64/1990 e dilatou a inelegibilidade dos agentes

ímprobos para oito anos contados da data da sentença condenatória.

3.4 – Das inelegibilidades decorrentes de atos de improbidade administrativa

Conforme demonstrado no primeiro capítulo, o artigo 12 da Lei de Improbidade

Administrativa estabeleceu sanções diferenciadas às três espécies de atos ímprobos, sendo que

nos casos de enriquecimento ilícito, os direitos políticos do agente serão suspensos de oito a

dez anos; nos casos de lesão ao erário, de cinco a oito anos e nos casos de desrespeito aos

princípios da administração pública, de três a cinco anos.

No que tange às sanções transcritas, insta salientar que a suspensão dos direitos

políticos não ocorre automaticamente, devendo constar expressamente na sentença que

reconhecer a improbidade administrativa, de modo motivado e contendo o seu respectivo

prazo, possuindo como marco inicial o trânsito em julgado da decisão que estabelecer a

mencionada sanção (PANUTTO, 2013, p. 97).

Quanto ao tema deste trabalho, o artigo 1º da Lei Complementar nº 64/1990, alterado

pela Lei Complementar nº 135/2010, abrange duas possibilidades de inelegibilidade

decorrente da condenação desinente de improbidade administrativa, quais sejam:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas

rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade

administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver

sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem

nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o

disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de

despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

[...]

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101

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada

em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade

administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito,

desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito)

anos após o cumprimento da pena.

Tais modalidades de inelegibilidades trazidas pela Lei da Ficha Limpa dependem de

condenação pela prática de ato doloso de improbidade administrativa, de modo que a

modalidade culposa de improbidade administrativa, admitida apenas pelo artigo 10 da Lei nº

8.429/1992 que, segundo entendimento de parte da doutrina, possibilita a caracterização da

improbidade administrativa decorrente de lesão ao erário em caso de culpa grave.

Por outro lado, o entendimento doutrinário contrário inadmite que em qualquer das

espécies de improbidade administrativa possa haver responsabilização decorrente de culpa.

No entanto, para fim das inelegibilidades supramencionadas, ainda que possíveis atos

de improbidade administrativa decorrentes de culpa, estes não terão como consequência a

inelegibilidade, sendo o dolo requisito capital para desencadear sua ocorrência.

No mesmo sentido, explanam Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho

Rezende Oliveira (2014, p. 54) que, ao ser necessário a comprovação do enriquecimento

ilícito e da lesão ao erário para que acarrete na inelegibilidade, esta não se faz consequência

da espécie de improbidade administrativa que violar os princípios da administração pública.

Além destas hipóteses, a improbidade administrativa pode ser caracterizada nos

termos do artigo 73, §7º, da Lei nº 9.504/1997, que dispõe sobre condutas vedadas aos

agentes públicos propensas a criarem desequilíbrio no pleito eleitoral, in verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes

condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos

pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens

móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos

Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a

realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que

excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que

integram;

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta

federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para

comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o

horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou

coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou

subvencionados pelo Poder Público;

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa,

suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o

exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor

público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos

eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

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a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de

funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais

ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início

daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável

de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do

Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes

penitenciários;

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e

dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os

recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra

ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender

situações de emergência e de calamidade pública;

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no

mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e

campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas

entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade

pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral

gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente,

relevante e característica das funções de governo;

VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas

com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das

respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos

três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à

eleição.

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores

públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do

ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a

posse dos eleitos.

[...]

§ 7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade

administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de

1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às

cominações do art. 12, inciso III.

Neste diapasão, a efetivação da suspensão dos direitos políticos verifica-se a partir do

trânsito em julgado da ação de improbidade administrativa, ou seja, da ação civil pública,

ação popular ou julgamento administrativo de prestação de contas pelo Tribunal de Contas

(artigo 71 da Constituição Federal). Neste último caso, caso as contas prestadas forem

originárias do Chefe do Poder Executivo, o Tribunal de Contas emite parecer a ser julgado

pelo Poder Legislativo. Caso seja reprovada a prestação de contas pelo Poder Legislativo,

advindo a suspensão dos direitos políticos (PANUTTO, 2013, p. 47).

Diferentemente da suspensão dos direitos políticos, as inelegibilidades adquiriram

tratamento mais rigoroso, como mencionado, a partir da Lei Complementar nº 135/2010,

sendo que estabelece a desnecessidade de trânsito em julgado da decisão que reconhecer a

improbidade administrativa, mas apenas que advenha de órgão judicial colegiado, não sendo

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suficiente a sentença condenatória proferida por juiz monocrático – a não ser a transitada em

julgado, raridade no ordenamento jurídico –, requisito este que gerou as alegações de

inconstitucionalidade demonstradas anteriormente.

Neste sentido, explanam Márlon Jacinto Reis, Edson de Resende Castro e Marcelo

Roseno de Oliveira que “por órgãos colegiados se deve entender tribunais, comuns e

superiores. Remanesce uma única possibilidade de decisão colegiada proferida em primeira

instância, gerando inelegibilidade: a dos tribunais do júri” (2010, p. 69).

Portanto, segundo os ensinamentos de Marcos Ramayana (2012, p. 3/4), a

inelegibilidade produzirá seus efeitos depois de cessada a suspensão dos direitos políticos

incumbida ao agente ímprobo, isto é, depois de cumprida sua pena.

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CONCLUSÃO

A corrupção é mal de que padece não só a sociedade brasileira, mas mundial, em

contrariedade ao que deveriam os responsáveis pelos Estados intentar, zelando por princípios

como a igualdade, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, constituindo uma

sociedade mais justa e sem discriminação.

Os dispositivos neste trabalho mencionados, quais sejam: a Lei de Improbidade

Administrativa (Lei nº 8.429/1992), a Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei nº

1.079/1950) e a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010, que altera a Lei das

Inelegibilidades [Lei Complementar nº 64/1990]), constituem medidas repressivas aos

gestores que tratarem com más intenções e desídia a coisa pública, gerando prejuízo ou

procurando a promoção própria.

A despeito de teoricamente coexistirem tais institutos, ficou reconhecido na

Reclamação nº 2.138/DF que aos agentes políticos, que no ordenamento jurídico pátrio

representam os sujeitos mais importantes tanto no Poder Executivo quanto no Poder

Legislativo, isto é, representam, respectivamente, os sujeitos responsáveis pela idealização e

concretização das normas de anseio da sociedade e que governam o povo e administram os

interesses públicos, é possível apenas aplicar-se a Lei dos Crimes de Responsabilidade, sendo

afastada a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, de forma que as únicas

sanções decorrentes da caracterização dos crimes de responsabilidade são a perda do cargo e a

inabilitação por oito anos.

A Lei da Improbidade Administrativa, diferentemente da Lei dos Crimes de

Responsabilidade, possibilita maior quantidade e severidade de sanções, quais sejam: a) perda

dos bens ou valor acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) ressarcimento integral do dano;

perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos; d) multa civil; e) proibição de

contratar com o Poder Público; f) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou

creditícios – além da inelegibilidade quando preenchidos os requisitos legais que trouxe a Lei

da Ficha Limpa.

Portanto, esta lei, criada quase meio século após a gênese da Lei dos Crimes de

Responsabilidade, embasada em ditames atuais, não ser aplicada em razão da mencionada lei

anterior é, além de violação aos princípios da legalidade e da isonomia, uma afronta à

racionalidade humana, tendo em vista que um dispositivo que trata com maior rigor a coisa

pública, exigindo maior qualificação dos que pretendem possuir poder político, e que fora

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criada muito aquém dos motivos presentes na década de 1940, em uma época que o país

possuía 304 deputados e 27 senadores, em face de possuir atualmente 513 deputados e 81

senadores, não poder ser aplicada pela existência de uma lei mais branda e que caracteriza

uma regressão política, eleitoral e social do Estado e da sociedade brasileira.

Com os escândalos políticos descobertos no novo milênio, crescente é o interesse da

sociedade em possuir representantes que zelem por seus interesses sem interesse de

ilicitamente obter proveito próprio, de forma que a denominada “Lei da Ficha Limpa” (Lei

Complementar nº 135/2010, que alterou a Lei Complementar nº 64/1990) foi criada por meio

de iniciativa popular, que apesar de sofrer modificações até sua aprovação, demonstrou o

interesse popular em tornar mais rígida a sistemática para que possa um indivíduo se tornar

candidato.

No entanto, apesar da Lei da Ficha Limpa trazer ao ordenamento jurídico inovações

benéficas ao sistema eleitoral e à sociedade, ainda caminha-se para uma rigidez maior na

possibilidade de candidatura, tendo em vista que os partidos políticos têm se demonstrado

verdadeiros mercados, que lucram às margens de seus filiados eleitos, constituindo genuínas

máfias.

Destarte, tem-se por expectativa a revisão pelo Supremo Tribunal Federal em relação à

possibilidade de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, para

que este instituto possa ser cumulado aos crimes de responsabilidade, já que constituídos em

diferentes esferas nas quais é possível a cumulação sancionatória, segundo os ditames

constitucionais e do ordenamento jurídico pátrio.

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