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Imunoterapia Específica. Qual é a Melhor Prática? Ralph Mösges Estes são alguns dos tópicos que abordarei neste capítulo: 1. Existe alguma diferença entre a imunoterapia subcutânea, também conhe- cida como SCIT e a imunoterapia sublingual (SLIT)? 2. Qual é essa diferença? 3. Que protocolos estão disponíveis atualmente para os médicos e clínicas? 4. O que deve ser dito aos pacientes sobre os possíveis efeitos adversos? Há cem anos, em 1906, Clemens von Pirquet cunhou o termo "alergia" (Figura 1). Naquela época esses casos dessa “enfermidade” eram muito raros. Ele era pediatra em Viena, e quando recebia um paciente com alergia todos os médicos queriam examiná-lo (Figura 2.) Figura 1. Clemens von Pirquet inventou o termo "alergia". Figura 2. Dr. von Pirquet em sua enfermaria

Imunoterapia Específica. Qual é a Melhor Prática? · Imunoterapia Específica. Qual é a Melhor Prática? Ralph Mösges Estes são alguns dos tópicos que abordarei neste capítulo:

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Imunoterapia Específica.Qual é a Melhor Prática?

Ralph Mösges

Estes são alguns dos tópicos que abordarei neste capítulo: 1. Existe alguma diferença entre a imunoterapia subcutânea, também conhe-

cida como SCIT e a imunoterapia sublingual (SLIT)?2. Qual é essa diferença?3. Que protocolos estão disponíveis atualmente para os médicos e clínicas?4. O que deve ser dito aos pacientes sobre os possíveis efeitos adversos?

Há cem anos, em 1906, Clemens von Pirquet cunhou o termo "alergia" (Figura 1). Naquela época esses casos dessa “enfermidade” eram muito raros. Ele era pediatra em Viena, e quando recebia um paciente com alergia todos os médicos queriam examiná-lo (Figura2.)

Figura1. Clemens von Pirquet inventou o termo "alergia".

Figura2. Dr. von Pirquet em sua enfermaria

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Esse cenário mudou muito, e agora vivenciamos um tsunami de alergias; alguns acreditam inclusive que essa onda ainda vai arrastar a todos (Figura3).

Figura3. Tsunami de alergiasAtualmente, uma em cada quatro crian-

ças na Europa tem algum tipo de doença alér-gica ativa, e na verdade não sabemos ao certo como estará essa situação amanhã1. Existe uma tendência mundial para este aumento; o estudo ISAAC já mencionou que na maioria das regiões do mundo as alergias continuam aumentando2.

Em alguns países industrializados há uma alta prevalência de alergias e asma.

No levantamento de dados pelo NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey), realizado nos Estados Unidos, observou-se que a preva-lência de sensibilização a alérgenos na população americana era de 42,5%3. Em outro estudo feito com testes cutâneos de alergia nos Estados Unidos, 54% da população do país era positiva para pelo menos um dos dez alérgenos testados. Os pacientes alérgicos são agora uma boa parte da população americana, porém não apenas nos Estados Unidos.

Alguns dados recentes publicados em Viena mostram que 50,8% da popula-ção austríaca tem algum tipo de sensibilização a alérgenos 4.

Vamos agora comentar sobre nossos pacientes alemães, aqueles com idade entre 3 - 17 anos. Em estudo conduzido na Alemanha observou-se que 45% dos meninos e 36% das meninas têm alergia. Em cerca de 40% dos pacientes com sensibilização ela é determinada geneticamente. Portanto, mais cedo ou mais tarde, essa prevalência será também observada na América Latina 5.

Inúmeros pacientes esperam por tratamento, sendo por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma iniciativa sobre como lidar com esse pro-blema global. Eles criaram um algoritmo de tratamento 6 para rinite alérgica, com sintomas intermitentes ou sintomas persistentes leves, moderados ou graves. Esse algoritmo mostra que se deve considerar a imunoterapia específica (specific immunotherapy - SIT) nos casos moderados a graves, quer sejam intermitentes ou persistentes. Os casos leves, mas persistentes, também devem ser tratados com imunoterapia. Portanto, a maioria dos pacientes são qualificados para receberem a SIT. Existe motivo para isso. Uma meta-análise recente feita nos Estados Unidos avaliou o benefício de diferentes opções terapêuticas para a rinite alérgica. O benefício da imunoterapia era tão bom quanto o dos sprays nasais de corticóides para o controle dos sintomas7. Essa análise considerou apenas a imunoterapia sub-cutânea (subcutaneous immunotherapy - SCT) (Figura4) e, de forma diferente do tratamento sintomático, a imunoterapia previne o desenvolvimento da asma e de novas sensibilizações, as quais piorariam o quadro do paciente.Sendo assim, é difícil entender por que na Alemanha, por exemplo, apenas 7% de todos os pacientes tratados para rinite alérgica recebem como tratamento

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Figura4. Limiares de tratamento da rinite

anti-alérgico a imunoterapia. Ainda assim 7% é a porcentagem mais elevada dentre todos os países do mundo, sendo que o maior número de indicações para SIT (specific immunotherapy) está na Alemanha. Nos Estados Unidos o número é inferior a 1%.

Esses são os níveis de eficácia clínica com o tratamento com a SIT: 1. um efeito rápido logo após o início; 2. há um efeito persistente durante o tratamento; 3. há um efeito residual de longo-prazo;4. existe um efeito de prevenção; 5. prevenção a novas sensibilizações; 6. prevenção do início da asma.

Isso foi apresentado de forma brilhante por Stephen Durham do Reino Unido em um artigo publicado no periódico New England Journal of Medecine há dez anos, quando o autor demonstrou o efeito de longo prazo da imunoterapia subcu-tânea (subcutaneous immunotherapy -SCIT)8.

Um estudo europeu publicado por Bodo Niggeman, de Berlin, mostrou que a imunoterapia previne o início da asma - não em todos os pacientes. Entretanto, 20% das crianças tratadas com imunoterapia desenvolvem asma, porém este número é muito mais baixo que o de pacientes que recebem apenas o tratamento sintomático (40%) 9.

Friedrich Horak, um otorrinolaringologista de Viena, coloca seus pacien-tes alérgicos durante o inverno em uma sala e "sopra" alérgenos sobre eles para determinar sua suscetibilidade a essas substâncias (Figura5). Em poucos minutos todos eles tornam-se bastante sintomáticos quando respiram o ar impregnado de substâncias alergênicas. Em um estudo recente sobre imunoterapia sublingual, (sublingual immunotherapy - SLIT) o autor conduziu esses exames sete dias, um mês, dois meses e quatro meses após o início do tratamento, usando um deline-amento duplo cego controlado com placebo. Após quatro meses esses pacientes haviam melhorado bastante, apresentando muito menos sintomas com o uso da imunoterapia, o qual era o resultado esperado. Surpreendentemente, já sete dias após o início do tratamento com os comprimidos sublinguais de imunoterapia, os

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pacientes já estavam muito melhores do que o grupo recebendo o placebo. O pri-meiro trabalho sobre esses comprimidos usados por Friedrich Horak foi publicado em 1999, e eles já são comercializados na Europa10.

Também conduzimos um estudo clínico na Alemanha onde pudemos demonstrar a eficácia desse tipo de tratamento11. O experimento que foi o marco dessa nova forma de terapia foi publicado por um grupo francês12.

Existe outro comprimido de imunoterapia sublingual - SLIT - comercia-lizado na Alemanha chamado GRAZAX 13. Esses comprimidos também foram bastante testados14, e concluiu-se que o ideal é iniciar o tratamento dos pacientes quatro meses antes da estação do ano em que ocorrem mais alergias e, como con-seqüência, os pacientes apresentarão muito menos sintomas.

Figura5. Câmara de HorakComparamos todos esses

experimentos (Mösges et al. 11 e Didier et al. 12 , Durham et al. 13, Dahl et al. 14 apresen-tados na Figura 6). Pode-se dizer aos pacientes que eles terão um alívio de pelo menos 30% quando comparados ao placebo, o que é bastante sig-nificativo quando se compara com outras modalidades de tratamento. No artigo original publicado por Steven Durham8

foram compararados comprimidos sublinguais de imunoterapia - SLIT, corticói-des nasais e medicamentos anti-histamínicos (H1). Esse grupo de autores concluiu que os comprimidos de SLIT (imunoterapia sublingual) são o padrão ouro de tratamento 8, 13.

Figura6. Escore de redução nos sintomas em experimentos diferentes

Dois estudos, um estudo feito na Alemanha com comprimidos com tipos de gramíneas padronizados- SQ 15 e outro estudo internacional com comprimidos

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SLIT16 demonstraram sua eficácia e segurança para crianças com mais de cinco anos de idade.

Outro ponto interessante é que existe um início bastante rápido do efeito, observado já poucos dias após o início do tratamento. Isso dá ao médico a possibi-lidade de começar a terapia mesmo durante a estação do ano quando os pacientes já estão sintomáticos. Logo na primeira sessão os pacientes já melhoram bastante.

O que deve ser dito aos pacientes sobre efeitos colaterais? Eles são princi-palmente locais, raramente sistêmicos. Os efeitos locais mais comuns são prurido oral, edema na boca e irritações na garganta. Cerca de 73% de nossos pacien-tes apresentam esses sintomas no início do tratamento. Portanto, é importante avisá-los que provavelmente apresentarão esses efeitos colaterais, porém eles são transitórios e desaparecerão em uma ou duas semanas. Os efeitos colaterais sistê-micos são muito raros e existe documentado apenas um único caso de anafilaxia, e nenhuma morte. Ou seja, esse é um procedimento seguro.

O que pode ser feito para melhorar os efeitos colaterais? Fazer imunotera-pia específica vestibular (specific vestibular immunotherapy - SVIT) em vez de imunoterapia sublingual (sublingual immunotherapy - SLIT). Isso significa pedir ao paciente que coloque o comprimido na frente dos dentes (no vestíbulo da boca - entre os incisivos inferiores e o lábio inferior) onde há menos mastócitos e mais células de Langerhans. Nesse local haverá menos efeitos colaterais como foi demonstrado em um estudo feito por um grupo de Bonn, na Alemanha17.

Portanto para responder às perguntas que fiz no início: Existe diferença entre imunoterapia subcutânea e sublingual? Sim, surpreendentemente a favor da sublingual. Quais são os protocolos disponíveis? Muitos (alta-dose, "cluster", sazonal, comprimidos) e deve ser dito aos pacientes que eles terão alguns efeitos colaterais locais transitórios, mas raramente efeitos sistêmicos.

UmaobservaçãoimportantefeitapelacoordenadoradesteManual(TS)Esta imunoterapia sublingual não deverá ser confundida com substânciasvendidas livremente nas farmácias que constam em sua formulação dosditos"lisadosinativosdecápsulasbacterianasedealérgenosinativados".AimunoterapiasublingualaquidescritaecomentadanocapítulodoDr.RalphMösgestrata-sedeumaabordagemindividualizadafeitaatravésdeumperfildesubstânciastestadaspelomédicoalergologistaeprescritaaoseupaciente.Esta orientação será dada pelo médico especialista após identificação dosantígenoscompotencialdesensibilizaçãoaumdeterminadopaciente.

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