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Iniciação à Psicofarmacologia
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Iniciação à Psicofarmacologia
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Prefácio (talvez seja o caso de atualizar)
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Antipsicóticos
Os antipsicóticos são as drogas utilizadas no tratamento da esquizofrenia e outros
transtornos psicóticos. São citados, ainda que de maneira errônea e antiquada, como “tranquilizantes maiores”, graças às suas propriedades sedativas e ansiolíticas; entretanto, com o advento dos Benzodiazepínicos, o uso de antipsicóticos no tratamento dos transtornos de ansiedade tornou-‐se injustificável.
Os antipsicóticos atuais englobam dois grandes grupos:
§ Antipsicóticos Típicos: são fármacos mais antigos, com eficácia comprovada no tratamento das psicoses. Em função de seus baixos preços, ainda são largamente usados, apesar de apresentarem grande quantidade de efeitos adversos. O termo ‘neuroléptico’ refere-‐se às suas ações neurológicas, podendo ser utilizado como sinônimo para os antipsicóticos típicos. Os medicamentos incluídos nessa categoria atuam no bloqueio de receptores dopaminérgicos do tipo D2 pós-‐sinápticos e centrais, tendo por base a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia, como será visto adiante.
§ Antipsicóticos Atípicos: representam os últimos avanços da medicina no combate às psicoses, possuindo ações bastante diversificadas. Não são, contudo, mais eficazes no tratamento da esquizofrenia do que os neurolépticos (com possível exceção feita à clozapina), porém apresentam menores efeitos colaterais descritos até o momento.
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1. Esquizofrenia
O elemento essencial da chamada loucura é a perda do juízo da realidade – conjunto de regras de entendimento cuja partilha permite a comunicação entre as pessoas. Esta condição é denominada psicose.
A esquizofrenia é a mais importante das psicoses. Trata-‐se de um distúrbio psiquiátrico de caráter crônico e incapacitante, de natureza complexa, com manifestações múltiplas e quadros variados.
Histórico da Esquizofrenia
A humanidade tem encarado a loucura com misto de fascinação e temor. Em sua obra, “A Loucura e as Épocas”, Isaías Pessoti concluiu que três perspectivas têm sido adotadas para explicar a perda do controle da mente: (1) a místico-‐religiosa, que atribui a loucura à possessão por espíritos, ou à influência dos deuses ou demônios; (2) a passional vê nas emoções intensas e descontroladas a raiz da insanidade; e (3) a naturalística, que busca nos desequilíbrios do organismo a causa das psicoses. Uma abordagem predomina sobre a outra, conforme a época e o local. A primeira está representada nas peças de Ésquilo, onde a loucura é vista como imposição divina. A segunda é adotada por Hipólito e Medéia, em que paixões avassaladoras determinam os destinos dos personagens. A terceira é adotada por Hipócrates, que propunha ser a loucura devida a desequilíbrios dos humores do corpo.
A história dos psiquiatras e neurologistas que escreveram e teorizaram acerca da esquizofrenia encontra paralelo na história da própria psiquiatria. Emil Kraepelin (1856-‐1926) e Eugen Bleuler (1857-‐1939) são as duas figuras fundamentais na história da esquizofrenia.
Emi Kraepelin latinizou o termo criado pelo psiquiatra francês Benedict A. Morel – démense precoce, utilizado para descrever pacientes deteriorados, cujas doenças iniciavam na adolescência, para aprofundar-‐se na observação da dementia precox, diferenciando-‐a da paranoia e da psicose maníaco-‐depressiva. A demência precoce era caracterizada como uma condição de curso deteriorante em longo prazo e sintomas clínicos comuns de alucinações e delírios.
O suíço Eugen Bleuler criou o termo “esquizofrenia” (schizo, do grego, espírito humano), que substituiu o termo demência precoce na literatura. Bleuler conceitualizou o termo para indicar a presença de um cisma entre pensamento, emoção e comportamento nos pacientes afetados, além de afirmar que o curso deteriorante da demência precoce não era necessário ao conceito da patologia.
Epidemiologia: cerca de 1% da população desenvolve esquizofrenia ao longo da vida, sendo a incidência semelhante em homens e mulheres. Entretanto, os dois sexos mostram diversas diferenças no início e curso da doença. Os homens têm um início mais precoce da esquizofrenia do que as mulheres. Mais de 50% dos pacientes esquizofrênicos do sexo masculino, em contrapartida com apenas um terço das mulheres esquizofrênicas, têm sua primeira baixa psiquiátrica antes dos 25 anos. As idades de pico para o início em homens são
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de 15 a 15 anos, e de 25 a 35 anos. O início da esquizofrenia antes dos 10 ou após os 50 anos é extremamente raro.
Cerca de 25% dos pacientes tem apenas um episódio agudo e se recupera integralmente. Outros 25% ficam permanentemente perturbados. Destes últimos, 50% requerem hospitalização. Metade de todos os pacientes esquizofrênicos apresenta sucessão de episódios agudos, ao longo de vários anos, intercalados com fases de relativa normalidade.
Etiologia: A esquizofrenia provavelmente compreende um grupo de transtornos com causas heterogêneas e, decerto, abrange pacientes cujas apresentações clínicas, respostas ao tratamento e cursos da doença são variadas.
§ Modelos de Stress-‐Diátese: segundo essa teoria, o indivíduo teria uma vulnerabilidade específica (diátese) que, quando influenciada por fatores ambientais estressantes, permite o desenvolvimento de sintomas de esquizofrenia.
§ Fatores Biológicos: a causa da esquizofrenia é desconhecida. Nas últimas décadas, contudo, uma quantidade crescente de pesquisas atribui um pape fisiopatológico a certas áreas do cérebro, incluindo sistema límbico, córtex frontal e gânglios da base.
§ Hipótese Dopaminérgica: a esquizofrenia decorreria de uma atividade dopaminérgica exacerbada. A teoria evolui a partir de duas observações: (1) a eficácia e a potência dos neurolépticos estão relacionadas com as suas capacidades de agirem como antagonistas dos receptores dopaminérgicos do tipo 2 (D2); (2) as drogas que aumentam a atividade dopaminérgica (como anfetamina e cocaína, por exemplo) são psicotomiméticas. Esta teoria, no entanto, não procura detalhar se a hiperatividade dopaminérgica deve-‐se a um incremento na liberação de dopamina, a um aumento no número de receptores de dopamina, a uma hipersensibilidade desses receptores, ou à combinação desses elementos.
Neurotransmissão Dopaminérgica
A dopamina (DA) é uma catecolamina cuja síntese se inicia com a captação ativa do aminoácido L-‐tirosina. Esse aminoácido é transformado, ela ação da enzima tirosina-‐hidroxilase, primeiro em L-‐DOPA e posteriormente, pela ação da L-‐DOPA-‐descarboxilase, em DA. Esta é armazenada em vesículas sinápticas.
Quando chega o impulso nervoso, a DA é liberada por exocitose. Pós-‐sinápticamente, ela pode atuar em receptores da família D1 (D1 e D5) ou D2 (D2, D 3 ou D 4). Existem ainda, receptores pré-‐sinápticos inibitórios do tipo D2, que estão localizados tanto nos terminais como nos corpos celulares. Todos esses receptores são ligados à proteína G.
O principal mecanismo de retirada de DA da fenda sináptica é a receptação pelo terminal nervoso. Sua degradação intraneuronal ocorre pela MAO B (Monoamina Oxidase) e pela COMT (Catecol O-‐Metiltransferase).
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As vias dopaminérgicas envolvidas na esquizofrenia são:
§ Via Mesolímbica: projeta-‐se do tronco encefálico às áreas límbicas do cérebro. Acredita-‐se que seja a via responsável pelos comportamentos. A hiperatividade dopaminérgica neste sistema é a mais provável causa dos sintomas positivos da esquizofrenia e, por esse motivo, o bloqueio pós-‐sináptico por antipsicóticos é capaz de reduzir esses efeitos.
§ Via Mesocortical: Une o mesencéfalo a áreas do córtex cerebral. Parece estar relacionada aos sintomas negativos, visto que o bloqueio dos receptores dopaminérgicos nesta via provoca a exacerbação destes. Portanto, os sintomas negativos estariam associados a uma diminuída atividade nesta via.
§ Via Túbero-‐Infundibular: Liga o túber cinéreo ao infundíbulo da hipófise. A DA, por essa via, é o neurotransmissor responsável pela inibição da secreção da prolactina. O bloqueio destes receptores dopaminérgicos é responsável pelo aumento dos níveis séricos desse hormônio, ocasionando aumento do tamanho e da sensibilidade dos seios, diminuição da libido, galactorréia e amenorreia.
§ Via Nigroestriatal: Liga os núcleos da base, e, portanto, relaciona-‐se ao controle dos movimentos. Através dessa via, os neurônios dopaminérgicos causam inibição da liberação de acetilcolina (neurotransmissor responsável pela formação de potenciais de ação na placa motora). O bloqueio de D2, nesta via, causa aumento dos níveis de acetilcolina nas fendas sinápticas, ocasionando o surgimento dos sintomas extrapiramidais (acatisia, distonia, tremores rigidez, bradicinesia).
Classificação dos Receptores de Dopamina
Com base em evidências farmacológicas e neuroquímicas, os receptores de DA foram classificados em dois tipos: D1 e D2. Os primeiros ativam a Adenil ciclase, aumentando a produção de cAMP, enquanto os segundos têm efeito oposto sobre a mesma enzima, via proteínas Gi, ativação de fosfatidil inositol, ativação de canais de K+ e inibição de canais de Ca+2.
Os receptores D3 e D4 possuem as mesmas características que D2. Já o receptor D5, assemelha-‐se mais ao receptor D1.
Manifestações Clínicas: há dois grupos de sintomas da esquizofrenia, os sintomas positivos e os sintomas negativos.
Sintomas Positivos Sintomas Negativos
Alucinações, principalmente auditivas. Embotamento afetivo.
Delírios Pobreza de linguagem
Pensamento incoerente Déficit intelectual e de memória Afeto Incongruente (expressão de emoções que contrastam com o assunto que fala. Ex: rir ao relatar algo triste).
Incapacidade de sentir prazer
Agitação Psicomotora Isolamento social
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Os neurolépticos não são efetivos e podem até mesmo piorar os sintomas negativos da esquizofrenia. Os antipsicóticos atípicos atuam sobre os receptores de serotonina causando melhora desses sintomas.
Caso Clínico: Emil Kraepelin
Observar no caso a descrição de sintomas positivos e negativos da esquizofrenia.
“A viúva de 35 anos, que agora lhes apresento, dá informações completas sobre a sua vida em resposta às nossas perguntas, sabe onde está, consegue dizer a data e o ano e dá provas de um conhecimento escolar satisfatório. Vale notar que ela não olha para o entrevistador e fala em um tom baixo e peculiar, doce e afetado. Quando você toca em sua doença mostra-‐se reservada de início, e diz que está bastante bem, mas logo começa a expressar diversas ideias impressionantes de perseguição. Por muitos anos, tem ouvido vozes que a insultam e lançam suspeitas sobre sua castidade. Essas vozes mencionam muitos nomes de pessoas que ela conhece e dizem que ela será despida e seviciada. As vozes são muito distintas e, em sua opinião, devem ser carregadas por um telescópio ou alguma máquina, desde sua casa até aqui. Seus pensamentos são ditados pelas vozes e ela é obrigada a tê-‐los, ouvindo-‐os serem repetido após lhe ocorrerem. Ela é interrompida em seu trabalho, e tem toda sorte de sensações desconfortáveis no seu corpo, ao qual algo é ‘feito’. Em particular, suas ‘partes de mãe’ são viradas do avesso, e as pessoas enviam dor para as suas costas, jogam água gelada em seu coração, torcem seu pescoço, machucam sua espinha, violam-‐na. Existem também as alucinações visuais – figuras negras e pessoas de aparência alterada – mas essas são bem menos frequentes. Ela não sabe dizer quem exatamente está por detrás de toda esta influência ou com que objetivo isso ocorre. Às vezes, são as pessoas de sua casa e, às vezes, são os médicos de um hospital onde esteve antes, que tiraram algo de seu corpo. A paciente faz queixas extraordinárias, sem mostrar grande emoção. Ela chora um pouco, mas logo volta a descrever suas experiências com secreta satisfação e até mesmo com uma inclinação erótica. Ela exige a alta, mas é facilmente dissuadida e não se preocupa absolutamente com sua posição e seu futuro. O uso de numerosos termos compostos e quase ininteligíveis é muito surpreendente. Ela é tratada mal, ‘espancadamente’, ‘expressionadamente’, ‘terrormente’; ela é um quadro de dor na forma de um anjo’ e ‘uma mãe e dona-‐de-‐casa trapaceada em seu senso de ordem’. Eles ‘alteram sua forma de emoção’. Ela é ‘perseguida por um inseto secreto do Gabinete Distrital’.
Sua história prévia mostra que está doente há quase 10 anos. A doença tem um desenvolvimento gradual. Cerca de um ano após a morte de seu marido, de quem teve dois filhos, ela tornou-‐se apreensiva, dormia mal, ouvia conversas em seu quarto à noite e pensou que estava sendo roubada de seus bens e processada por pessoas de Frankfurt, onde anteriormente vivera. Há quatro anos atrás, ela passou um ano em um hospital. Ela pensou ter encontrado ‘frankfurtenses’ lá, notou veneno em sua comida, ouviu vozes e sentiu influências. Após a sua alta, formulou acusações contra os médicos, dizendo que fora mutilada por eles enquanto estivera hospitalizada. Ela agora considerava-‐os seus perseguidores, e abusava abertamente das autoridades públicas por não a protegerem, de modo que teve que ser admitida neste hospital dois meses atrás. Aqui, ela fez as mesmas queixas dia após dia, sem mostrar muita excitação, e escreveu longas cartas cheias de abusos
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absurdos e invariáveis sobre a perseguição que sofria aos seus conhecidos, aos médicos do hospital e às autoridades. Ela não se ocupava de modo algum, não interagia com os outros pacientes e evitava qualquer tentativa para ser influenciada”.
Subtipos
a) Tipo Paranoide: caracteriza-‐se por uma preocupação com um ou mais delírios ou alucinações auditivas frequentes e ausência de outros comportamentos específicos sugestivos do tipo desorganizado ou catatônico. Classicamente, o tipo paranoide caracteriza-‐se, principalmente, pela presença de delírios de perseguição ou grandeza. Esses pacientes são, em geral, mais velhos do que os esquizofrênicos catatônicos ou desorganizados quando têm o primeiro episódio da doença. Os recursos egóicos dos pacientes paranoicos tendem a ser maiores do que os de pacientes catatônicos ou desorganizados. Os esquizofrênicos paranoicos mostram menos regressão das suas faculdades mentais, da resposta emocional e do comportamento que os outros tipos de pacientes esquizofrênicos. São, comumente, tensos, desconfiados e reservados e, frequentemente, hostis e agressivos.
b) Tipo Desorganizado: apresenta uma regressão acentuada a um comportamento primitivo, desinibido e desorganizado na ausência de sintomas que satisfaçam os critérios para o tipo catatônico. O início dá-‐se antes dos 25 anos, Os pacientes desorganizados geralmente são ativos, mas de modo desprovido de propósito, não-‐construtivo. Há pronunciado transtorno do pensamento e o contato com a realidade é pobre. A aparência pessoal e o comportamento social são dilapidados. O paciente possui, frequentemente, afeto incongruente.
c) Tipo Catatônico: a caraterística essencial deste tipo de esquizofrenia é uma acentuada agitação psicomotora, que pode envolver estupor, negativismo, rigidez, excitação ou posturas. O mutismo é particularmente comum.
d) Tipo Indiferenciado: são os pacientes que não são facilmente encaixados em outros tipos.
e) Tipo Residual: caracterizado pela presença de evidências contínuas de perturbação esquizofrênica, na ausência de um conjunto completo de sintomas ativos ou de sintomas suficientes para a classificação como outro tipo de esquizofrenia. O embotamento emocional, retraimento social, comportamento excêntrico, pensamento ilógico e leve afrouxamento das associações são comuns. Os delírios ou alucinações, se presentes, não são proeminentes nem acompanhados por forte afeto.
Tratamento
A esquizofrenia é um distúrbio complexo, de maneira que qualquer enfoque terapêutico isolado raramente é suficiente para uma abordagem satisfatória deste transtorno multifacetado. Embora os medicamentos antipsicóticos sejam o esteio do tratamento, as pesquisas têm mostrado que intervenções psicossociais podem aumentara melhora clínica, contanto que criteriosamente integrados à terapêutica farmacológica.
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No decorrer do tratamento com antipsicóticos, a melhora inicial decorre da diminuição da ansiedade e agitação. As alterações do pensamento cedem lentamente, após quatro a seis semanas de tratamento.
1) Antipsicóticos típicos Também ditos antipsicóticos tradicionais, convencionais ou neurolépticos. São
antagonistas com alta afinidade pelos receptores dopaminérgicos do tipo 2 (D2). Apesar do grande número de compostos pertencentes a esta categoria, estudos clínicos
controlados não indicam maior eficácia antipsicótica de um em relação aos demais. Diferem, contudo, quanto à potência, farmacocinética e perfil de efeitos adversos.
Embora úteis para aliviar sintomas positivos, são poucos eficazes no alívio dos sintomas negativos da esquizofrenia. Tipos Químicos: as drogas podem ser classificadas em vários grupos.
a) Derivados Fenotiazídicos: são utilizadas atualmente 3 subfamílias de fenotiazinas, baseadas principalmente na cadeia lateral da molécula. Os derivados Alifáticos (clorpromazina, por exemplo) e os derivados Piperidínicos (tioridazina, por exemplo) são os de menor potência. Os derivados Piperazínicos (flufenazina e trifuoperazina) são mais potentes (mais eficazes em doses mais baixas).
Estrutura química da clorpromazina
b) Derivado Tioxantênicos: este grupo de drogas é exemplificado principalmente pelo tiotixeno. Em geral, têm potência inferior à de seus análogos fenotiazínicos
c) Derivados Butirofenônicos: este grupo, em que o haloperidol é a droga mais usada, tem uma estrutura muito diferente da dos outros grupos anteriores. Apresentam alta potência.
Estrutura química do Haloperidol
d) Indolona: é representada pela molindona, droga de potência intermedária entre a clorpromazina e o haloperidol.
e) Difenilbutilpiperidinas: é o pimozide antipsicótico de alta potência.
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Farmacocinética:
§ Absorção e Distribuição: a maioria das drogas é absorvida pronta, mas incompletamente após a administração oral, embora as preparações líquidas sejam absorvidas mais eficientemente que as demais apresentações. Além disso, esses fármacos são submetidos a um metabolismo significativo em primeira passagem. Assim, doses orais de clorpromazina e tioridazina têm biodisponibilidade sistêmica de 25 a 35%, enquanto o haloperidol, que tende a ser menos metabolizado, tem disponibilidade de 65%. Muitos desses medicamentos estão também disponíveis em formas parenterais que podem ser administradas IM, em situações de emergência, resultando em obtenção mais rápida e mais confiável de concentrações terapêuticas do que com a administração oral. Concentrações plasmáticas máximas são geralmente obtidas 1 a 4 horas após a administração oral e 30 a 60 minutos após administração parenteral. São altamente lipossolúveis e ligados a proteínas (90-‐99%). Tendem a ter um grande volume de distribuição (geralmente > 7L/kg). Sua ação tem duração muito maior que a sua meia-‐vida plasmática, provavelmente por causa do sequestro nos compartimentos lipídicos do corpo.
§ Metabolismo: muitos antipsicóticos são metabolizados quase integralmente por diversos processos. Embora alguns metabólitos permaneçam ativos, como por exemplo, a 7-‐hidroxiclorpromazina e o haloperidol reduzido, estes não são considerados importantes para a ação dessas drogas. A única exceção é a mesoridazina, o principal metabólito da tioridazina, que é mais potente que o composto original.
§ Excreção: uma quantidade muito pequena de qualquer dessas drogas é excretada inalterada, pois elas são quase totalmente metabolizadas em substâncias mais polares. A meia vida de eliminação dos antipsicóticos varia de 10 a 20 horas.
Farmacodinâmica: tanto os efeitos terapêuticos quanto a maior parte dos colaterais podem ser explicados pelo bloqueio produzido pelo bloqueio produzido sobre os receptores D2, nas vias dopaminérgicas do cérebro. Desse modo, os efeitos antipsicóticos parecem derivar da inibição da neurotransmissão na projeção dopaminérgica mesolímbica-‐cortical, enquanto os efeitos adversos parksonianos são consequências do bloqueio do trato nigro-‐estriatal. A inibição do trato túbero-‐infundibular é responsável pelos efeitos endócrinos dos fármacos.
Além disso, vários antipsicóticos também bloqueiam receptores noradrenérgicos (alfa1), colinérgicos (muscarínicos) e histamínicos (H1), o que explica a variação dos efeitos adversos entre os fármacos.
Indicações
a) Transtornos Psicóticos Primários: os antipsicóticos são efetivos no tratamento de curto e longo prazo da esquizofrenia, do transtorno esquizofreniforme, do transtorno esquizoafetivo, do transtorno delirante, do transtorno psicótico breve, de episódios maníacos e do transtorno depressivo maior com aspectos psicóticos. Eles reduzem os sintomas agudos e previnem exacerbações futuras. (tirando a esquizofrenia, os outros transtornos são tratados em associação com outros medicamentos).
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b) Psicoses Secundárias: são síndromes psicóticas associadas com uma causa orgânica identificada, como um tumor cerebral, um transtorno demencial (como, por exemplo, o Alzheimer) ou abuso de substância. Nesses casos, os antagonistas dos receptores dopaminérgicos são efetivos para os sintomas psicóticos, mas não devem ser empregados para tratar sintomas de abstinência associados com a intoxicação por álcool ou barbitúricos, por causa do risco de provocar convulsões de abstinência. A droga de escolha nesses pacientes é geralmente um benzodiazepínico.
c) Agitação Severa e Comportamento Violento: Os neurolépticos são usados para tratar pacientes severamente agitados e violentos, embora outras drogas, como os benzodiazepínicos, também sejam efetivos para o controle imediato desse tipo de comportamento. Os sintomas como a irritabilidade extrema, falta de controle dos impulsos, hostilidade severa, hiperatividade e agitação maciça respondem ao tratamento de curto prazo com antagonistas de receptores dopaminérgicos. Crianças mentalmente incapacitadas, especialmente as portadoras de retardo mental profundo e transtorno autista, frequentemente têm episódios associados de violência, agressividade e agitação que respondem a tratamento com neurolépticos; entretanto, a administração repetida de antipsicóticos para controlar o comportamento perturbado em crianças é discutível. São preferíveis as drogas de baixa potência (mais sedativas -‐ ver efeitos adversos) às drogas de alta potência.
d) Transtorno de Tourette: Os antipsicóticos são eficazes no tratamento desse distúrbio. O haloperidol e o pimozide são as drogas mais frequentemente usadas com essa finalidade. Muitos médicos, contudo, preferem usar a clonidina para essa indicação, devido ao risco mais baixo de efeitos colaterais neurológicos.
e) Outras Indicações: Alguns médicos usam baixas doses de antipsicóticos típicos (0,5 mg de haloperidol/dia) no tratamento da ansiedade severa. O risco de induzir efeitos colaterais neurológicos deve ser cuidadosamente pesado em relação aos potenciais benefícios terapêuticos nesses casos. Outras indicações variadas para o uso de antipsicóticos incluem o tratamento de náusea, vómitos, soluços e pruridos intratáveis. Os transtornos neurológicos balismo e hemibalismo também respondem ao tratamento com neurolépticos.
Precauções e Reações Adversas. Conforme mencionado anteriormente, além do efeito terapêutico, o bloqueio dos receptores dopaminérgicos também é responsável por muitos dos efeitos colaterais dos neurolépticos. Outros decorrem do bloqueio de receptores adrenérgicos (alfa-‐1), colinérgicos (muscarínicos), histamínicos (H1).
Uma generalização em relação aos efeitos adversos desses fármacos é que as drogas de baixa potência causam mais efeitos adversos não-‐neurológicos (salvo pelos efeitos epileptogênicos e pela sedação) e as de alta potência possuem mais paraefeitos neurológicos.
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Efeitos Adversos Não-‐Neurológicos § Efeitos Cardiacos: Os antagonistas dos receptores dopaminérgicos de baixa potência
são mais cardiotóxicos do que os de alta potência. A clorpromazina causa prolongamento dos intervalos QT e PR, achatamento da onda T e depressão do segmento ST. A tioridazina, em particular, tem efeitos acentuados sobre a onda T e está associada com arritmias malignas em altas doses.
§ Morte Súbita: Há uma hipótese de que os efeitos cardíacos dos antipsicóticos típicos estão relacionados com morte súbita, mas esse é um aspecto discutível. Alguns estudos não mostram alteração da incidência de morte súbita com a introdução de neurolépticos.
§ Hipotensão Ortostática (Postural): É mediada por bloqueio adrenérgico (de receptores alfa-‐1) e é mais comum com drogas de baixa potência, particularmente clorpromazina, tioridazina e clorprotixeno. Ela acontece mais frequentemente durante os primeiros dias de tratamento, rapidamente ocorrendo tolerância aos efeitos adversos. Os principais perigos da hipotensão ortostática são que as pessoas podem desmaiar, cair e ferir-‐se, o que é especialmente grave nos idosos. Ao usar neurolépticos de baixa potência por via IM, o médico deveria medir a pressão arterial do paciente (deitado e de pé) antes e após a primeira dose e durante os primeiros dias de tratamento. Quando apropriado, os pacientes devem ser advertidos da possibilidade de desmaio e devem receber as instruções usuais de levantar-‐se da cama gradualmente, sentar-‐se primeiro com as pernas pendentes, esperar um minuto e sentar-‐se ou deitar-‐se caso sintam tonteiras. Os pacientes devem evitar cafeína e álcool, devem ingerir pelo menos dois litros de líquidos por dia.
Se ocorrer hipotensão em pacientes que estejam recebendo medicação, os sintomas geralmente podem ser tratados fazendo-‐as deitar-‐se com os pés mais elevados que a cabeça, depois movimentar as pernas como se estivessem pedalando. A administração de adrenalina está contraindicada em casos de hipotensão induzida por neurolépticos, visto desencadear uma hipotensão paradoxal, levando à piora do quadro. Agentes vasoconstritores alfa-‐drenérgicos seletivos e noradrenalina são as drogas de escolha para o tratamento do transtorno.
§ Efeitos Hematológicos: Uma leucopenia frequentemente transitória com uma contagem de leucócitos de aproximadamente 3500 é um problema comum e pouco significativo. A agranulocitose (= quadro de origem controversa – embora componentes alérgicos sejam os mais possíveis causadores -‐, que se caracteriza pela redução acentuada do número de neutrófilos, tornando o paciente suscetível a infecções), por sua vez, é um problema potencialmente fatal, sendo mais incidente, embora numericamente pouco expressivo (5 casos em 10.000), no emprego da clorpromazina e tioridazina. Hemogramas completos são desnecessários, exceto se o paciente relata febre ou dor de garganta, quando se deve verificar a possibilidade dessas complicações. Caso se observem baixos índices sanguíneos de neutrófilos, o uso de neurolépticos precisa ser interrompido imediatamente e o paciente deve ser hospitalizado. Púrpura trombocitopênica ou não-‐trombocitopênica, anemia hemolítica e pancitopenia podem ocorrer raramente.
§ Efeitos Anticolinérgicos Periféricos: São comuns e consistem de mucosas secas, visão borrada, constipação, retenção urinária e midríase, especialmente observados na utilização dos antipsicóticos de baixa potência.
§ Efeitos Endócrinos: O bloqueio dos receptores dopaminérgicos no trato túbero infundibular resulta na liberação da secreção de prolactina, que pode causar ingurgitamento mamário, galactorréia, impotência masculina, amenorréia e inibição do orgasmo em mulheres.
§ Efeitos Adversos Sexuais: A incidência de efeitos sexuais incômodos provocados por neurolépticos pode estar sendo subestimada. Aproximadamente 50% dos homens que
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tomam antipsicóticos relatam distúrbios ejaculatórios e eréteis. Tanto homens quanto mulheres podem apresentar anorgasmia e redução da libido. A tioridazina está particularmente associada com a diminuição do desejo sexual e com a ocorrência de ejaculação retrógrada em homens. Priapismo e relatos de orgasmos dolorosos também foram descritos, ambos possivelmente resultados de atividade antagonista de receptores ai-‐adrenérgicos. O emprego de sildenafil (Viagra®) ou o alprostadil (Muse®, Caverjet®) pode ser efetivo no tratamento do transtorno da ereção.
§ Ganho de Peso: O ganho de peso, que pode ser significativo em alguns casos, é comum durante o tratamento, decorrendo do antagonismo aos receptores HI de histamina. Esse efeito representa um sério risco à não-‐aderência à terapêutica.
§ Efeitos Dermatológicos: Dermatites alérgicas e fotossensibilidade ocorrem em uma pequena percentagem de pacientes, mais comumente naqueles que usam drogas de baixa potência. Foi descrita uma variedade de erupções cutâneas -‐urticária, "erupções máculo-‐papulares, petéquias edematosas. As erupções ocorrem nas primeiras semanas do tratamento e involuem espontaneamente.Uma reação de fotossensibilidade semelhante a uma queimadura de sol também ocorre em alguns pacientes por uso de clorpromazina. Os pacientes devem ser advertidos desse efeito adverso, sendo aconselhados a não permanecerem sob exposição solar, por mais de uma hora e a fazerem uso de protetores solares. A clorpromazina também está associada com alguns casos de despigmentação azul-‐acinzentada de áreas tegumentares expostas ao sol.
§ Efeitos Oftalmológicos: A tioridazina está associada com pigmentação irreversível da retina quando administradas em doses acima de 800 mg/dia. Um sintoma precoce desse efeito colateral pode ser às vezes representado por confusão à noite, relacionada à dificuldade com a visão noturna. Pode resultar em cegueira. A clorpromazina, por sua vez, está associada com uma pigmentação mais benigna dos olhos, caracterizada por depósitos granulares marrom-‐esbranquiçados que se concentram no cristalino anterior e na porção posterior da córnea. Nenhum dano retineano é observado, nesses casos. Os depósitos ocorrem apenas em pessoas que ingeriram l a 3 kg de clorpromazina durante toda a vida.
§ Icterícia: Icterícia obstrutiva ou colestática é um parefeito raro no tratamento com neurolépticos. Ela geralmente ocorre no primeiro mês e começa com sintomas de epigastralgia, náuseas, vómitos, febre, erupções cutâneas, sintomas gripais, eosinofilia, bilirrubinúria, elevação da bilirrubina sérica, da fosfatase alcalina e das transaminases. Ocorrendo a icterícia, deve-‐se suspender imediatamente a medicação.
§ Superdoses: Os sintomas de superdosagem incluem sintomas extrapiramidais, midríase, diminuição dos reflexos tendinosos profundos, taquicardia, hipotensão. Com exceção das superdoses de tioridazina e mesorídazina (que podem levar ao bloqueio cardíaco e fibrilação ventricular, provocando a morte), a evolução da superdose é geralmente favorável, a menos que o indivíduo tenha ingerido concomitantemente outros depressores do SNC (álcool, benzodiazepínicos). Os sintomas severos de superdose incluem delirium, coma, depressão respiratória e convulsões. Ao eletroencefalograma observam-‐se lentificação difusa e baixa voltagem. O haloperidol parece ser o antipsicóticos mais seguro em superdosagens. O tratamento deve incluir o uso de carvão ativado, e se possível, lavagem gástrica. O uso de eméticos não é indicado, uma vez que as ações antieméticas dos antagonistas de receptores dopaminérgicos inibem sua eficácia. As convulsões podem ser tratadas com diazepam ou fenitoína, por via IV. A hipotensão deve ser cuidada com noradrenalina ou dopamina, mas jamais com adrenalina.
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Receptores Bloqueados Efeitos Adversos
DROGA
D1 D2 α -‐adr
H1 Muscarínico 5-‐HT2
Anti-‐emético
Sedação Distúrbios extrapiramidais
Hipotensão
Clorpromazina ++ +++ +++ ++ ++ + + ++ ++ ++ Flufenazina + +++ ++ ++ ++ + + + +++ +
Trifluoperazina + ++ +++ -‐ ++ ++ -‐ ++ + ++ Tioridazina + ++ +++ -‐ ++ ++ -‐ ++ + ++ Haloperidol + +++ +/-‐ + +/-‐ + + -‐ +++ + Flupentixol ++ +++ ++ -‐ -‐ +++ -‐ + ++ + Pimozide -‐ +++ -‐ -‐ -‐ -‐ + + + -‐
Efeitos Adversos Neurológicos:
§ Parksonismo Induzido por Neurolépticos: Efeitos adversos do tipo parksonismo ocorrem em aproximadamente 15 % de todos os pacientes, geralmente dentro de 5 a 90 dias após o tratamento. Os sintomas incluem espasmos musculares, rigidez em roda denteada, marcha festinante, postura curvada, sialorréia. O tremor de "rolar de pílula" ou parksonismo idiopático é raro, mas um tremor regular, grosseiro, semelhante ao tremor essencial pode estar presente. O fácies parksoniano, a bradicinesia e a acinesia da síndrome parksoniana são frequentemente diagnosticados erroneamente como sendo parte do quadro de sintomas negativos da depressão. . As mulheres são afetadas aproximadamente duas vezes mais do que os homens, podendo a síndrome ocorrer em qualquer idade, embora seja mais frequente após os 40 anos. Todos os antipsicóticos causam os sintomas, especialmente os de alta potência e baixa ação anticolinérgica. O Parksonismo decorre do impedimento da atividade da dopamina na via nigro-‐estriatal do cérebro, o que desestabiliza o equilíbrio entre dopamina/acetil colina (visto ser a dopamina inibitória à secreção de acetilcolina nesta via; a ruptura dessa atividade dopaminérgica eleva os níveis de acetilcolina, o que explica a maior ativação de receptores colinérgicos e o desenvolvimento de síndrome extrapiramidal). . A síndrome parksoniana pode ser tratada com agentes anticolinérgicos, como a amantadina (Mantidan®), prometazina (Fenergan®, inibidor de receptores histamínicos, porém com marcante atividade anticolinérgica), difenidramina (Benadryl®), biperideno (Akineton®). A levodopa, usualmente empregada no tratamento do Parkinson, não funciona nesses pacientes e parece exacerbar a psicose. Os anticolinérgicos devem ser retirados após 4-‐6 semanas, uma vez que o uso além deste período eleva as chances de se desenvolver discinesia tardia no paciente, condição grave e temida (ver adiante).
§ Distonia Aguda Induzida por Neurolépticos: Aproximadamente 10% dos pacientes experimentam distonia como um efeito adverso dos antipsicóticos típicos, geralmente nas primeiras horas ou dias do tratamento. É mais comum em homens jovens (com menos de 40 anos). Os movimentos distônicos resultam de uma contração ou espasmo muscular lento e sustentado, que pode resultar em um movimento involuntário. A distonia pode envolver o pescoço (torcicolo espasmódico ou "retrocollis"), a mandíbula (abertura forçada resultando em deslocamento da mandíbula ou trismo), a língua (protrusões, torções) e o corpo inteiro (opistótono). O acometimento ocular pode resultar em crise oculogírica, caracterizada por movimento ascendente e lateral dos olhos. Ao contrário dos outros tipos de distonia, a crise oculogírica pode se dar mais tardiamente. Outras distonias incluem blefaroespasmos e distonia glossofaríngea, resultando em disartria, disfagia e até dispneia. As crianças são particularmente propensas a manifestar opistótono, escoliose, lordose e movimentos contorcionantes. A distonia pode ser dolorosa e assustadora e frequentemente resulta
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em não-‐aderência ao tratamento com antipsicóticos. Nos casos de distonia aguda deve-‐se mudar o antipsicótico, dando-‐se preferência a um atípico.
O mecanismo de ação parece consistir na hiperatividade dopaminérgica nos núcleos da base, a qual ocorre quando os níveis do antagonista de receptores dopaminérgicos no SNC começam a cair entre uma dose e outra. O tratamento com agentes anticolinérgicos via IM, quase sempre alivia os sintomas.
§ Acatisia Aguda Induzida por Neurolépticos: A acatisia consiste num sentimento subjetivo de desconforto muscular que pode fazer com que a pessoa fique agitada, caminhe incessantemente, sente-‐se para levantar-‐se em seguida e sinta-‐se ligeiramente disfórica. Os sintomas são principalmente motores e fogem ao controle voluntário do indivíduo. A acatisia pode aparecer em qualquer momento durante o tratamento. O transtorno é provavelmente subdiagnosticado porque os sintomas são equivocadamente atribuídos à psicose. Uma vez que se identifique a acatisia, deve-‐se reduzir a dose do antipsicótico para um nível mínimo efetivo ou trocar a medicação por uma droga atípica, quando possível. O tratamento da acatisia é eficiente quando efetuado com o uso de propranolol (30 a 120 mg/dia), benzodiazepínicos e clonidina.
§ Discinesia Tardia Induzida por Neurolépticos: É um efeito tardio dos antipsicóticos, raramente ocorrendo antes de seis meses de tratamento. O transtorno consiste de movimentos coreoatetóides anormais, involuntários e irregulares dos músculos da cabeça, dos membros e do tronco. A gravidade dos movimentos varia de mínima (frequentemente não percebidos pelo paciente e seus familiares) até maciçamente incapacitante. Os movimentos periorais são os mais comuns e incluem movimentos rápidos, torções, movimentos de protrusão da língua, mastigação e movimentos laterais da mandíbula, estalar de lábios, fazer caretas. Movimentos como torcer os dedos e as mãos são observados com frequência. Torcicolo, retrocollis, torção de tronco e arremesso da pélvis são vistos em casos severos. Casos de discinesia respiratória foram relatados. A discinesia é exacerbada pelo stress e desaparece durante o sono.
Todos os antagonistas de receptores dopaminérgicos foram associados com a discinesia tardia. As mulheres têm maior probabilidade de serem afetadas do que os homens, e os pacientes com mais de 50 anos, os portadores de lesão cerebral, crianças e pacientes com transtorno do humor também correm alto risco.
As três abordagens básicas da discinesia tardia consistem de prevenção, diagnóstico e tratamento. A melhor prevenção consiste em utilizar antipsicóticos apenas quando claramente indicado e nas doses mínimas efetivas. Procura-‐se ainda evitar a associação de antipsicóticos com agentes anticolinérgicos por períodos prolongados. Os pacientes devem ser examinados regularmente quanto ao aparecimento de movimentos anormais, usando-‐se a escala padronizada ATMS (ver adiante). Quando movimentos anormais são detectados, um diagnóstico diferencial deve ser feito, conforme mostra o quadro que segue.
Diagnóstico Diferencial de Discinesia Tardia
01) Comuns: Maneirismos ou estereótipos esquizofrênicos. Problemas dentários (exemplo: dentadura mal-‐encaixada) Síndronie de Maige e outras discinesias senis. 02) Induzidos por Fármacos: Antidepressivos, anti-‐histaminicos, anti-‐maláricos, metais pesados, levodopa, fenitoína, simpaticomiméticos. 03) Comprometimento do SNC: Anóxia, insuficiência hepática, doença de Huntington, hipoatividade paratireoidiana, pós-‐encefalíticos, gravidez (coreia gravídica), insuficiência renal, coreia de Sydenhan, lúpus eritematoso sistémico, hiperatividade tireoidiana, distonia de torção, tumores, doença de Wilson.
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Feito o diagnóstico de discinesia tardia, deve-‐se realizar estadiamentos objetivos e periódicos do transtorno dos movimentos. Embora a discinesia tardia frequentemente apareça quando opaciente está tomando uma dose regular de medicação, é ainda mais provável que ela apareça quando a dose está reduzida.Uma vez identificada a discinesia tardia, deve-‐se operar a completa interrupção da medicação. O tratamento, por sua vez, não é único ou simples. Os antipsicóticos atípicos (principalmente a clozapina, a olanzapina e a quetiapina) devem ser considerados, pois reduzem os movimentos anormais e têm baixíssimo risco de exacerbar essa condição. Em casos graves, todavia, deve-‐se optar por não introduzir um outro antipsicótico; nessas situações, o lítio, a carbamazepina e os benzodiazepínicos podem ser eficazes para reduzir tanto os sintomas da discinesia quanto os da psicose. A vitamina E em altas doses também demonstrou algum benefício na discinesia tardia.
Escala de Movimentos Involuntários Anormais (AIMS)
Antes ou depois de completar o procedimento do exame, discretamente observe o paciente em repouso (por exemplo, na sala de espera). A cadeira a ser usada nesse exame deve ser dura, firme e sem braços. Após observar o paciente, classifique a gravidade dos sintomas em uma escala de O (nenhum), l (mínimo), 2 (leve), 3 (moderado) e 4 (severo). Pergunte ao paciente se ele tem alguma coisa na boca (i.e., goma de mascar, bala etc.) e, em caso afirmativo, peça que retire. Pergunte ao paciente sobre a condição atual de seus dentes. Pergunte se usa dentadura. Os dentes ou próteses incomodam o paciente agora? Pergunte ao paciente se nota algum movimento na boca, na face, nas mãos ou nos pés. Em caso firmativo, peça que descreva e indique em que grau o movimento incomoda ou interfere nas atividades do paciente. (0 1 2 3 4) Solicite ao paciente que se sente na cadeira com as mãos sobre os joelhos, as pernas ligeiramente afastadas e os pés apoiados no chão. (Observe o corpo inteiro com relação à presença de movimentos nessa posição) (0 1 2 3 4) Solicite ao paciente que se sente com as mãos pendentes sem apoio: se homem, entre as pernas, se mulher e estiver usando vestido, pendendo por cima dos joelhos. (Observe as mãos e outras partes do corpo) (0 1 2 3 4) Peça ao paciente que abra a boca. (Observe a língua em repouso) Faça isso duas vezes. (0 1 2 3 4) Peça ao paciente que mostre a língua. (Observe anormalidades de movimentos da língua) Faça isso duas vezes. (0 1 2 3 4) Peça ao paciente que toque cada um dos dedos com o polegar o mais rápido possível, por 10-‐15 segundos, separadamente com a mão direita, depois com a esquerda. (Observe movimentos de face e de pernas) (0 1 2 3 4) Flexione e estenda os braços do paciente, um de cada vez. (0 1 2 3 4) * Peça ao paciente que estenda os braços à frente com as palmas das mãos voltadas para baixo. (Observe tronco, pernas e boca). (0 1 2 3 4) * Solicite ao paciente que dê alguns passos, vire-‐se e retorne para a cadeira. (Observe as mãos e a marcha) faça isso duas vezes. * Movimentos ativados
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§ Síndrome Neuroléptica Maligna: É uma complicação potencialmente fatal que pode ocorrer em qualquer momento durante o tratamento com antipsicóticos típicos. Os sintomas motores e comportamentais incluem rigidez muscular e distonia, acinesia, mutismo, obnubilação e agitação. Os sintomas autónomos incluem febre (até 41,5°C), sudorese e aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial. Os achados laboratoriais incluem elevação da contagem de leucócitos, da creatinina fosfoquinase, das enzimas hepáticas, da mioglobina plasmática e mioglobinúria, ocasionalmente em associação com insuficiência renal. Os sintomas geralmente evoluem em 24 a 72 horas, e a síndrome não tratada dura de 10 a 14 dias. O diagnóstico frequentemente não é feito nos estágios iniciais, podendo o retraimento ou a agitação ser equivocadamente considerados sintomas de exacerbação da psicose. Os homens são afetados mais comumente do que as mulheres e os jovens são mais acometidos do que os idosos. A taxa de mortalidade pode alcançar 20 a 30% ou mesmo mais quando medicações de depósito estão envolvidas. O primeiro passo do tratamento envolve a descontinuação imediata dos antagonistas de receptores dopaminérgicos, medidas de suporte clínico para resfriar o paciente; controle de sinais finais, eletrólitos, equilíbrio hidroeletrolítico e função renal e tratamento sintomático da febre. As medicações antiparksonianas podem ser úteis, reduzindo um pouco a rigidez muscular. O miorrelaxante dantroleno (0,8 a 2,5 mg/kg a cada 6 horas, até uma dosagem total de l O mg/dia) pode ser usado. A bromocriptilina ou a amantadina podem ser acrescidas ao tratamento. A terapêutica deve continuar, em geral, por 5 a 10 dias. Ao reiniciar o tratamento psiquiátrico, convém considerar a mudança para uma droga de baixa potência ou para antipsicóticos atípicos.
§ Efeitos Epileptogênicos: A administração de antipsicóticos típicos está associada com lentidão e maior sincronização do EEG. Esse efeito pode ser o mecanismo pelo qual alguns antipsicóticos -‐ sobretudo os de baixa potência -‐ diminuem o limiar convulsivo. A molindona parece ser o neuroléptico com menor efeito epileptogênico.
§ Sedação: A sedação é resultado do bloqueio de receptores de histamina HI. A clorpromazina é o antipsicótico típico mais sedativo; os neurolépticos de alta potência têm menor efeito de sedação. Os pacientes que tomam antipsicóticos devem ser advertidos sobre dirigir e operar maquinarias. Dar a dose diária inteira antes de dormir geralmente elimina quaisquer problemas de sedação; além disso, frequentemente ocorre o desenvolvimento de tolerância a esse efeito adverso.
Prevenção e Tratamento de Alguns Transtornos dos Movimentos Induzidos por
Neurolépticos
Diversos medicamentos podem ser usados para prevenir e tratar os transtornos do movimento induzidos por medicamentos, particularmente o parksonismo e a distonia aguda induzidos por neurolépticos. Essas drogas compõem-‐se de anticolinérgicos, amantadina., anti-‐histamínicos, benzodiazepínicos, beta-‐bloqueadores e clonidina. A maioria dos sintomas agudos (embora, talvez, com exceção da acatisia) responde a essa conduta.
É um procedimento discutível fazer tratamento profilático utilizando essas drogas ao iniciar a administração de antipsicólicos. Essa prática costuma ser condenada pela enorme maioria dos psiquiatras, visto que cerca de 30 a 50 % dos pacientes não necessitam dessas drogas, e o emprego das mesmas pode aumentar a probabilidade de discinesia tardia, efeitos colaterais autónomos, comprometimento cognitivo, febre e toxicidade anticolinérgica. Muitas das drogas usadas para tratar sintomas parksonianos também têm algum potencial de abuso e podem produzir alterações nas concentrações plasmáticas de antipsicóticos.
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Uma vez que os pacientes comecem a tomar medicamentos para tratar um transtorno
de movimentos, eles devem cumprir 4 a 6 semanas de tratamento. Passado esse período, deve-‐se tentar reduzir e interromper a medicação ao longo de um mês.
Interações Medicamentosas. Devido a seus efeitos nos receptores e devido ao metabolismo hepático da maioria dos receptores dopaminérgicos, muitas interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas estão associadas com esses medicamentos.
• Antiácidos. Os antiácidos e a cimetidina, tomados duas horas após a administração de antipsicóticos, podem reduzir a absorção desses medicamentos.
• Anticolinérgicos. Podem diminuir a absorção de antagonistas de receptores dopaminérgicos. A atividade anticolinérgica cumulativa pode causar toxicidade.
• Anticonvulsivantes. As fenotiazinas, especialmente a tioridazina, podem diminuir o metabolismo e produzir concentrações tóxicas de fenitoína. Os barbitúricos podem acelerar o metabolismo dos neurolépticos, os quais, por sua vez, podem baixar o limiar convulsivo do indivíduo.
• Antidepressivos. Os antidepressivos tricíclicos e os antipsicóticos típicos podem diminuir o metabolismo mutuamente, resultando em concentrações plasmáticas aumentadas das drogas. Os efeitos aníicolinérgicos, sedativos e hipotensores desses fármacos também podem ser cumulativos.
• Anti-‐hipertensivos. Os antipsicóticos típicos podem inibir os efeitos hipotensores da alfa-‐metildopa. Inversamente, os neurolépticos podem ter um efeito cumulativo sobre algumas drogas hipotensoras. As drogas antipsicóticas têm um efeito variável sobre os efeitos da clonidina. A administração conjunta de propranolol aumenta as concentrações sanguíneas de ambos.
• Depressores do SNC. Os antipsicóticos tradicionais potencializam os efeitos depressores do SNC de sedativos, anti-‐histamínicos, opiáceos e álcool etílico, particularmente em pessoas com problemas respiratórios.
• Outras Substâncias. A nicotina pode diminuir os níveis plasmáticos dos neurolépticos. A adrenalina tem um efeito hipotensor paradoxal em pacientes que tomam antipsicóíicos típicos. Essas drogas podem diminuir a concentração sanguínea de warfarina, reduzindo o tempo de sangria. Fenotiazinas, tioridazina e pimozide não devem ser administrados junto com outros agentes que prolonguem o intervalo QT. A tioridazina é contra-‐indicada em pacientes que tomam fármacos que inibem a isoenzima citocromo P450 (CYP) 2D6 ou em pacientes com níveis reduzidos de CYP 2D6.
Interferências Laboratoriais. Há relatos de que os antipsicóticos convencionais interferem em alguns exames de laboratório. Por exemplo, que a clorpromazina e a perfenazina causam resultados falso-‐positivos e falso-‐negativos em testes imunológicos de gravidez e valores falsamente elevados de bilirrubinas (feitos com fitas reagentes) e urobilinogênio (no teste com reagente Ehrlich). Essas drogas também foram associadas com anormalidades nos resultados de teste de tolerância à glicose, embora essas possam refletir os efeitos dos antipsicóticos sobre o sistema regulador da glicose. Há relatos de interferência dos fenotiazínicos nas mediações de 17-‐cetosteróides e 17-‐hidroxicorticosteróides.
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Contra-‐Indicações. Os antagonistas de receptores dopaminérgicos são notavelmente seguros no uso de curto prazo. Entretanto, existem algumas contra-‐indicações, que incluem.
1) história de resposta alérgica 2) possível ingestão de uma substância que interagirá com o antipsicótico, induzindo à
depressão do SNC ou delirium anticolinérgico. 3) presença de uma anormalidade cardíaca severa 4) alto risco de convulsões de causa orgânica ou idiopática 5) presença de glaucoma de ângulo fechado ou hipertrofia prostática benigna 6) presença ou histórico de discinesia tardia
Avaliação Pré-‐Tratamento. Deve incluir um hemograma completo com contagem diferencial de leucócitos, testes de função hepática e um eletrocardiograma, especialmente em mulheres com mais de 40 anos e homens com mais de 30 anos. É importante ressaltar que os idosos e os jovens (menores do que 16 anos) são mais sensíveis aos efeitos colaterais do que os adultos, e portanto, as doses devem ser ajustadas de acordo. Escolha do Fármaco. Baseia-‐se, sobretudo, nos perfis dos efeitos adversos e na preferência do psiquiatra. Embora os antipsicóticos de alta potência estejam associados com mais efeitos colaterais neurológicos, a prática clínica mostra-‐se imensamente favorável a eles, devido à maior incidência de outros efeitos nocivos (cardíacos, hipotensores, epileptogênicos, sexuais e alérgicos) com as drogas de baixa potência. Dose. Diferentes pacientes podem responder a doses amplamente diferentes de antipsicóticos. Portanto, não há uma dose fixa para qualquer droga antipsicótica. É aconselhável começar com uma dose baixa e aumentá-‐la quando necessário. É importante lembrar que os efeitos máximos de uma determinada dose podem não se manifestar antes de 4 a 6 semanas. Principais Antipsicóticos Típicos. • Clorpromazina (Amplictil®). A clorpromazina é bem absorvida tanto por via oral quanto parenteral. As formas parenterais são absorvidas mais rapidamente, atingindo picos plasmáticos em meia a uma hora. Dentre as formas por via oral, as líquidas são mais rapidamente absorvidas que os comprimidos. Os picos plasmáticos ocorrem l a 4 horas após a administração VO. Fatores como alimento, café, cigarro e antiácidos podem interferir na absorção gastrointestinal. Possui uma forte ligação a proteínas plasmáticas (95-‐98%). Distribui-‐se por todos os tecidos e possui metabolismo hepático complexo (possui mais de 100 metabólitos, alguns tendo significante atividade farmacológica).
As doses médias variam de 400-‐800 mg/dia, e as doses terapêuticas de 50 a 1200 mg/dia. O aumento da dosagem deve ser gradativo, até o controle da sintomatologia psicótica. Embora seja difícil determinar a dose ótima, e embora frequentemente os pacientes encontrem-‐se muito agitados nas fases agudas da doença, sugere-‐se não usar doses maiores que 400 mg/dia nas primeiras semanas de tratamento. Essa sugestão é dada porque pacientes esquizofrênicos
respondem lentamente aos antipsicóticos e é necessário aguardar de 4 a 6 semanas para se observar um efeito terapêutico maior. A posologia diária deve ser fracionada em 2 a 3 doses, no início do tratamento, para atenuar os possíveis efeitos colaterais. Após, a sua meia-‐vida longa permite o uso de uma dose única.
Na esquizofrenia, a terapia de manutenção depois de um surto reduz aceníuadamente os riscos de recaída nos 12 meses seguintes. Este beneficio pode ser obiido com doses de 300 a 600 mg/dia, e em 50% dos pacientes com doses maiores do que 300 mg/dia.
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Quando for possível, a descontinuação da droga em pacientes esquizofrênicos deve ser feita gradualmente. A retirada abrupta relaciona-‐se com um alto índice de recidivas de surtos psicóticos agudos.
É um antipsicótico típico de baixa potência.
• Tioridazina (Melleril®). Possui dois metabólitos: mesoridazina (com meia-‐vida de 9 a 12 horas) e sulforidazina (meia-‐vida de 10 horas). Suspeita-‐se que a mesoridazina seja em parte responsável pelos efeitos da droga. A concentração plasmática máxima é atingida em duas horas após a ingestão e a meia-‐vida é de 7 a 9 horas.
A dose deve ser ajustada individualmente conforme for necessário para o controle da sintomatologia. A dose média no episódio agudo varia de 300 a 600 mg, podendo chegar a uma dose máxima de 1000 a 1200 mg. Para uso crónico, usar ao redor de 800 mg (com doses maiores há risco de retinopatia pigmentar). Em crianças, pode ser usado l a 4 mg/kg de peso/dia.
Na fase aguda, aumentar gradativamente, podendo fracionar em 2 a 4 tomadas diárias. Em pacientes com baixo peso, doença renal ou hepática, recomenda-‐se iniciar com doses diárias menores. • Flufenazina (Anatensol®). A meia-‐vida é em torno de 24 horas, levando 2 a 5 dias para atingir o equilíbrio plasmático.
A forma depot (de depósito) é absorvida continuamente entre o intervalo durante as injeções, levando de 3 a 6 meses para atingir um equilíbrio plasmático, sendo detectada no sangue vários meses depois de interrompida a medicação.
A dose média inicial na crise é de 2,5 a 10 mg/dia, podendo chegar a 20 mg ou mais. A dose de manutenção deve ser a menor possível, geralmente em torno de 5 mg. A dose usual de depot é uma ampola (25 mg) a cada 15 dias.
E um antipsicótico de alta potência. • Trifluoperazina (Stelazine®, Stelapar®). É bem absorvida por via oral. A dose média inicial na crise é de 2 a 6 mg/dia. As doses usuais são de 5 a 20 mg, e no máximo de 30 mg/dia. A dose de manutenção deve ser a menor possível. Em crianças na faixa de 6 a 12 anos, pode-‐se usar de l a 15 mg/dia e, depois desta idade, até 30 mg/dia, como em adultos. • Haloperidol (Haldol®). Possui meia-‐vida superior a 24 horas e c plateau de concentração plasmática é atingido em torno de 3 a 5 dias. Os picos de concentração plasmática ocorrem em l a 4 horas após a ingestão via oral, e meia hora depois da ingestão IM.
A dose média de haloperidol, na crise, é de 10 a 15 mg/dia, e a dose de manutenção é de 5 a 10 mg/dia. Em crianças e idosos, deve-‐se iniciar com doses mínimas (0,5 mg/dia), devido ao lento metabolismo.
Pacientes esquizofrênicos que tiveram o primeiro episódio psicótico devem receber terapia de manutenção por l ou 2 anos. Pacientes com vários surtos devem receber o tratamento por, pelo menos, 5 anos. Para pacientes com tentativas de suicídio, ou muito violentos, o tratamento de manutenção pode ser considerado por um tempo indefinido.
Em condições de rotina, o medicamento sob forma depoí geralmente assegura melhor adesão ao tratamento. A dose média é de 150-‐200 mg/mês.
Aceita-‐se que 2 mg de haloperidol VO equivalem a 100 mg de clorpromazina. • Pimozide (Orap®). Possui um início de ação lento, com baixos níveis de absorção e
eliminação. A sua meia-‐vida é longa (500-‐200 horas) -‐ maior que a do haloperidol -‐ o que possibilita uma dosagem única diária ou até mesmo em dias alternados. Foi demonstrado ainda sua efetividade com ingestão 4 vezes por semana.
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É um fármaco muito lipossolúvel, distribuindo-‐se extensamente entre os tecidos. A liberação lenta dos depósitos teciduais retarda a sua eliminação, que é feita pela metabolização hepática e excreção renal de seus metabólitos.
As doses variam de 2 a 10 mg/dia, sendo que, na Europa, utilizam-‐se doses de até 20 mg/dia.
2) ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS.
Apesar de ao longo de vários anos ter-‐se identificado elevado número de substâncias
com atividade antipsicótica, até meados da década de 1980, o progresso na terapêutica com essas drogas deveu-‐se, principalmente, ao melhor conhecimento da farmacocinética e da farmacodinâmica das substâncias, permitindo uso mais racional. No entanto, a alta frequência de efeitos colaterais neurológicos e o fato dos sintomas negativos não se alterarem com o uso de antipsicóticos convencionais são aspectos limitantes dessas drogas. Além disso, uma percentagem de esquizofrênicos responde pouco ou nada aos neurolépticos.
A prova de drogas que superassem estes limites permitiu identificar um grupo reduzido de antipsicóticos, que contornavam alguns desses aspectos limitantes. Este grupo de drogas recebeu a denominação genérica de antipsicóticos atípicos. Os autores divergem quanto ao conceito de antipsicóticos atípicos, questionando mesmo se essas drogas constituem um grupo independente. No entanto, uma conceituação simples e plenamente aceitável utiliza um critério para incluir um fármaco nessa categoria: produzir efeito antipsicótico na maioria dos pacientes, em doses que não causam efeitos extrapiramidais importantes.
Um outro conceito diz respeito à redução dos sintomas negativos da esquizofrenia por essas drogas. Em tais casos, os sintomas negativos são secundários, e o efeito antipsicótico em reduzir tais sintomas pode resultar da ação da droga sobre a condição primária.
Além dos dois critérios de antipsicóticos atípicos, comentados anteriormente, existe um terceiro, bem mais estrito, que inclui o fato de serem eficazes em pacientes resistentes aos antipsicóticos típicos. Em um estudo clássico, realizado por Kane et ai., comprovou-‐se uma melhora de 30% dos pacientes refratários às drogas tradicionais, pelo uso da clozapina.
Todos esses agentes são considerados de primeira linha, com exceção justamente da clozapina, pois esta causa efeitos hematológicos adversos que requerem monitoração constante (ver adiante). Química. A clozapina é um dibenzodiazepínico. A risperidona é um benzisoxázóico. A olanzapina é um tienobenzodiazepínico, derivado da clozapina A zipradona é um benzisotiazolil piperazínico. Ações Farmacológicas. Alguns desses fármacos são também denominados antagonistas serotonérgico-‐dopaminérgico, uma vez que bloqueiam não só os receptores para dopamina, da mesma forma que os antipsicóticos típicos, como também bloqueiam os receptores de serotonina. As drogas possuem uma diversidade de combinações de afinidades pelos receptores, e a contribuição relativa de cada interação com os receptores para a produção dos efeitos clínicos é desconhecida. Indicações. a) Transtornos Psicóticos. Os antipsicóticos atípicos são tão bons quanto os antagonistas dos receptores dopaminérgicos no tratamento dos sintomas positivos da esquizofrenia e claramente superiores em relação a estes no tratamento dos sintomas negativos. Visto que a clozapina tem efeitos colaterais potencialmente fatais, ela é
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agora adequada apenas para pacientes com esquizofrenia refratária a todos os neurolépticos. Outras indicações da clozapina incluem o tratamento de pacientes com discinesia tardia e pacientes com baixo limiar para sintomas extrapiramidais. b) Transtornos do Humor. Os antipsicóticos atípicos são úteis para o controle inicial da agitação durante um episódio maníaco, porém são menos eficazes do que o lítio, o valproato e a carbamazepina para o controle de longo prazo do transtorno bipolar. Além disso, os antipsicóticos típicos e os benzodiazepínicos, na mania, exercem efeitos mais rapidamente do que os antipsicóticos atípicos. c) Outras Indicações. Os antagonistas serotonérgicos-‐dopaminérgicos são eficazes no tratamento da demência decorrente da SIDA, dos transtornos do espectro autista, da psicose relacionada à demência, do transtorno de Tourette, da doença de Huntington e da síndrome de Lesch-‐Nylhan. A risperidona e a olanzapina. têm sido utilizadas para controlar a agressividade e o comportamento auto-‐destrutivo em crianças. Esses fármacos, quando associados a simpaticomiméticos, como a ritalina ou a dextroanfetamina, são efetivos no tratamento do déficit de atenção/ hiperatividade em comorbidade com transtorno desafiador de oposição ou transtorno de conduta. O emprego de antipsicóticos atípicos diminui o risco de suicídio e intoxicação hídrica em pacientes com esquizofrenia, ao se comparar com os resultados obtidos com o haloperidol. Alguns pacientes com transtorno de personalidade borderline podem melhorar com o uso desses fármacos. Efeitos Adversos
Efeitos Neurolépticos Clozapina Risperidona Olanzapina Quetiapina Ziprasidona Extrapiramidais 0 a ++ 0 0 0 a + 0 0 Discinesia Tardia
+++ 0 + ? ? ?
Convulsões 0 a + +++ 0 + 0 0 Sedação + a +++ +++ + + + + Síndrome Neuroléptica Maligna
+ + + + ? ?
Hipotensão Ortostática
+ a +++ 0 a +++ + + 0 0
QT Prolongado 0 a +++ 0 0 a + 0 0 a + 0 Aumento das Transaminases
0 a ++ 0 a + 0 a + 0 a + 0 a + 0 a +
Anticolinérgicos 0 a +++ +++ 0 + 0 0 Agranulocitose 0 +++ 0 0 0 0 Aumento de Prolactina
++ a +++
0 + a ++ 0 0 0
Redução do Volume Ejaculatório
0 a +
0
0
0
0
0
Ganho de peso 0 a ++ +++ + +++ + 0 Congestão Nasal
0 a + 0 a + 0 a + 0 a + 0 a + 0
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Principais Antipsicóticos Atípicos • Risperidona (Risperdal®). A risperidona é rapidamente absorvida por via oral, atingindo o pico plasmático 0,8 a 1,4 hora após a ingestão. É extensamente metabolizada no fígado (CYP 450 IID6), tendo um metabólito ativo -‐ a 9-‐OH risperidona -‐, e ambas são excretadas principalmente por via renal. Deve-‐se, portanto, ter cuidado ao administrar a droga em pacientes com doença renal e/ou hepática. É velozmente distribuída aos tecidos e liga-‐se à albumina do plasma. Atinge o equilíbrio plasmático em 1 a 7 dias. A meia-‐vida de eliminação é de 3 a 24 horas, ao passo que a 9-‐OH risperidona tem meia-‐vida de 20 a 23 horas.
A droga é, no momento, o antipsicótico de primeira escolha no tratamento das psicoses. Bloqueia de modo eficaz receptores serotonérgicos do tipo 5HT2, que podem (embora não haja consenso a esse respeito) estar envolvidos nos sintomas negativos da esquizofrenia. Causa antagonismo de receptores dopaminérgicos do tipo D2, em menor grau que o haloperidol e com menor eficácia em relação ao bloqueio de 5HT2, dando-‐se preferencialmente na via mesolímbica. A risperidona bloqueia ainda outros receptores dopaminérgicos (D4>D1>D3), os receptores adrenérgicos ai e ot2 e os receptores histamínicos H1. O efeito terapêutico dá-‐se em 1-‐2 semanas após o início do uso.
As doses são geralmente usadas em duas tomadas diárias. Inicia-‐se a administração lentamente, com 1 mg duas vezes ao dia no primeiro dia, aumentando para 2 mg duas vezes ao dia no segundo, e 3 mg duas vezes ao dia no terceiro, para evitar a hipotensão. A partir do terceiro dia, deve-‐se observar o paciente e, se preciso, fazer aumentos ou reduções semanais. Doses maiores do que 10 mg/dia não se mostraram mais eficazes que doses menores, e podem causar síndrome extrapiramidal. A retirada da risperidona deve ser lenta para evitar sintomas de rebote. • Clozapina (Leponex®). Está disponível apenas como preparação oral. Sua absorção não é afetada pela ingestão de alimentos. Possui uma meia-‐vida de eliminação de 10 a 17 horas. O pico plasmático é atingido em 1 a 3 horas. Pode levar mais que 10 dias para atingir a estabilização de níveis séricos. Liga-‐se em 92 a 95% às proteínas plasmáticas. É metabolizada no fígado, provavelmente pelo 2D6 e 3A4, em norclozapina, a qual possivelmente tem alguma afinidade por receptores 5HT1, 5HT2 e D2. Seu volume de distribuição tecidual é menor que o de outras drogas antipsicóticas. Possui extenso metabolismo de primeira passagem no fígado e no intestino. Seus dois principais metabólitos têm baixas atividades farmacológicas. A excreção é operada via renal.
A clozapina é a única droga antipsicótica que visivelmente possui maior eficácia no controle dos sintomas das psicoses quando comparada aos demais fármacos usados para esse fim, o que se observa tanto em pacientes resistentes quanto não-‐resistentes aos antipsicóticos convencionais. Não produz efeitos extrapiramidais significativos, visto possuir baixa afinidade por receptores D2 (ocupa-‐os somente 40-‐50%), o que resulta em um aumento na razão do bloqueio D1/D2. Causa bloqueio em outros receptores, tais como D1, D3, D4, receptores colinérgicos, serotonérgicos (5HT2A e 5HT2C), demonstrando um perfil de ação diferente dos demais antipsicóticos. Parece não aumentar a secreção de prolactina.
As doses efetivas variam de 200 a 500 mg/dia (média de 300 mg/dia), sendo que se pode atingir um valor máximo de 900 mg/dia. Mesmo assim, doses acima de 450 mg/dia aumentam o risco de convulsões. Poucos pacientes têm necessidade de doses acima de 650 mg/dia.
A dose inicial é de meio a um comprimido de 25 mg no primeiro dia. Adicionar 25 mg/dia a cada dois dias, em média, até alcançar a dose terapêutica, fracionada em 2 a 3 administrações diárias, para minimizar a sedação e a hipotensão. Pode-‐se dividi-‐la desigualmente, administrando a maior parte à noite.
Embora muitos pacientes respondam bem à clozapina logo nas primeiras semanas, vários estudos indicam que, em alguns, o controle máximo dos sintomas é obtido somente após 3 meses no mínimo, e às vezes, 2 anos de tratamento (em 15 a 30% dos pacientes). Em
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geral, recomenda-‐se uma tentativa de pelo menos 6 a 9 meses de uso. Se o resultado for positivo, pode-‐se continuar indefinidamente.
A possibilidade de ocorrência de leucopenia e agranulocitose demanda que se realizem hemograma e contagem de plaquetas como rotina, já que tais alterações podem ser fatais. O hemograma deve ser solicitado semanalmente nas 18 semanas iniciais do tratamento. Após, pode-‐se realizá-‐lo mensalmente. A droga jamais deve ser iniciada quando a leucometria total for inferior a 3500/mm3, e deve ser suspensa quando observar-‐se uma queda acentuada na mesma, ainda que se mantenha acima de 3500/mm3. Deve-‐se também ser periodicamente monitorada a função hepática.
• Olanzapina (Zyprexa®). A olanzapina é bem absorvida após a ingestão por via oral, atingindo pico de concentração plasmática dentro de 5 a 8 horas. Os alimentos não interferem em sua absorção. Possui metabolismo hepático (primeiramente pelo citocromo P450 isoenzima 1A2), e seus metabólitos são pouco ativos. Liga-‐se fortemente às proteínas plasmáticas e é excretada por via renal. A meia-‐vida é bastante variável.
Possui ação bloqueadora dopaminérgica não seletiva, bloqueando receptores D1 a D4, sendo bem menos potente do que o haloperidol em termos de antagonismo a D2. Parece ter uma seletividade para bloqueio de receptores localizados na região mesolímbica. Além disso, bloqueia também receptores serotonérgicos, muscarínicos, alfa-‐adrenérgicos e histaminicos. Pode possuir ainda um mecanismo de ação sobre receptores para glutamato. O bloqueio serotonérgico é maior do que o bloqueio dopaminérgico.
A dose média usual é de 10 mg/dia, VO, administrada em dose única. Em geral, não é preciso ajuste da dose. Entretanto, pode-‐se começar com 5 mg/dia e aumentar gradualmente até 20 mg/dia. Doses maiores não são recomendadas.
• Quetiapina (Seroquel®). A quetiapina possui absorção rápida e completa após administração oral, atingindo o pico de concentração sérica entre 1,2 e 1,8 hora. A biodisponibilidade não é afetada pela ingestão de alimentos. E metabolizada pelo sistema citocromo P450, ao mesmo tempo em que apresenta metabólitos que o inibe fracamente. A meia-‐vida de eliminação é de aproximadamente 7 horas. Menos de 5% da dose administrada VO são excretados inalterados. A excreção é 73% via renal e 21% via fecal.
É um antipsicótico com alta afinidade pelos receptores 5HT2A e uma afinidade relativamente menor por receptores D1 e D2. Liga-‐se com afinidade reduzida a receptores muscarínicos. O bloqueio de receptores D2, além de ser menor que o produzido por outros antipsicóticos, tem uma meia-‐vida de ocupação de 10 horas. Já o bloqueio de 5HT2A, verificado em nível de córtex frontal, tem uma meia-‐vida de ocupação de 27 horas. A quetiapina apresenta seletividade pelo sistema límbico.
A droga é efetiva e bem tolerada quando administrada duas vezes ao dia. As doses médias diárias são de 200 a 400 mg/dia, embora se possa empregar até 800 mg/dia.
• Sulpirida (Dogmatil®, Equilid®, Sulpan® -‐ este = sulpirida 25 mg + bromazepam l mg). Sua absorção ocorre em 4-‐5 horas. A biodisponibilidade da droga é 25 a 35%, com variações individuais importantes. Suas concentrações plasmáticas são proporcionais às doses administradas, ocorrendo baixa difusão para o SNC. A taxa de ligação proteica é de 40% e a sua meiavida plasmática é de 7 horas. A eliminação da droga é sobretudo renal, e 92% da mesma pode chegar a ser excretada inalterada na urina.
A sulpirida possui baixa afinidade por receptores D2, o que explica o seu baixo índice de paraefeitos extrapiramidais. Demonstra um mecanismo de ação dose-‐dependente, pois em altas doses tem uma ação neuroléptica e em baixas doses apresenta atividade desinibitória. Este último mecanismo deve-‐se provavelmente ao bloqueio preferencial de receptores D2 pré-‐sinápticos, resultando em uma ação dopaminérgica, uma vez que aumenta o turnover dopaminérgico. Com doses maiores, bloqueia os receptores pós-‐sinápticos. Possui baixa
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afinidade por receptores alfa-‐adrenérgicos, histamínicos, muscarínicos e 5HT2. Pode causar bloqueio dopaminérgico na via túberoinfundibular, gerando aumento da prolactina.
As doses necessárias para combater sintomas psicóticos produtivos variam entre 400-‐1800 mg/dia, administradas em duas tomadas. Em doses menores (50-‐150 mg/dia), tem sido usada como antidepressivo e no tratamento de sintomas negativos de esquizofrenia.
• Ziprasidona (Zeldox®). Concentrações plasmáticas máximas de ziprazidona são alcançadas em 2 a 6 horas. A meia-‐vida no estado de equilíbrio dinâmico de 5 a 10 horas é alcançada por volta do terceiro dia, sendo necessário tomar o medicamento duas vezes ao dia.
A ziprazidona é um antagonista dos receptores 5HT2A, SHTjp, 5HT2C, Dj, DS e D4, ai e HI. Ela possui baixa afinidade com os receptores DI, Mi e 0.2 A ziprasidona também tem atividade agonista de receptores 5HTiA. Ela é um inibidor da recaptação de serotonina e de noradrenalina, o que sugere que poderia possuir efeitos antidepressivos.
A dosagem da droga deve ser iniciada em 40 mg/dia, dividida em duas tomadas diárias. Estudos têm demonstrado eficácia na faixa de 80-‐160 mg/dia
Interações Medicamentosas
Depressores do SNC, álcool ou antidepressivos tricíclicos administrados juntamente com antipsicóticos atípicos podem aumentar o risco de convulsões, sedação e efeitos cardíacos. As medicações anti-‐hipertensivas podem potencializar a hipotensão ortostática, A administração conjunta de benzodiazepínicos e antipsicóticos pode estar associada com uma incidência aumentada de ortostase, síncope e depressão respiratória. Risperidona, olanzapina, quetiapina e ziprasidona podem antagonizar os efeitos os efeitos da levodopa e dos agonistas dopaminérgicos. O uso prolongado desses fármacos junto com drogas que induzem isoenzimas CYP, como a carbamazepina, os barbitúricos, o omeprazol, a rifampicina ou os glicocorticóides pode aumentar a depuração dos antipsicóticos em 50% ou mais.
a) Risperidona. O uso simultâneo de risperidona e fenitoína ou SSRIs pode produzir sintomas extrapiramidais. O uso de risperidona por dependentes de opióides pode precipitar sintomas de abstinência de opióides. O acréscimo de risperidona ao tratamento de um paciente que está tomando clozapina pode elevar as concentrações plasmáticas desta em 75%. b) Olanzapina. A fluvoxamina aumenta as concentrações séricas da olanzapina. c) Quetiapina. A fenitoína aumenta a depuração da quetiapina em cinco vezes, e a tioridazina, em 65%. A cimetidina reduz a depuração de quetiapina em 20%. A quetiapina reduz ainda a depuração do lorazepam em 20%. d) Clozapina. A clozapina não deve ser usada junto com qualquer droga que esteja associada com o desenvolvimento de agranulocitose ou supressão da medula óssea. Essas drogas incluem a carbamazepina, a fenitoína, a dipirona, o propiltiouracil, as sulfonamidas e o captopril. O acréscimo de paroxetina pode precipitar neutropenia, associada com clozapina. A combinação de lítio com clozapina pode aumentar o risco de convulsões, confusão e transtornos de movimento. Risperidona, fluoxetina, paroxetina e fluvoxamina aumentam as concentrações séricas da clozapina. e) Ziprasidona. Parece não possuir interações importantes com outras drogas f) Sulpirida. A sulpirida, quando associada ao uso de álcool, pode exacerbar os efeitos depressores do SNC deste. A absorção da sulpirida pode estar reduzida por antiácidos que contêm alumínio ou sucralfato.
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4) EMPREGO DE ANTIPSICÓTICOS E ESQUEMAS TERAPÊUTICOS NO TRATAMENTO DA ESQUIZOFRENIA.
Neste período de uso de antipsicóticos, acumularam-‐se experiência clínica e resultados de estudos, tendo como consequência a proposição de uma sequência lógica de passos e o tratamento farmacológico da esquizofrenia, que são expostos a seguir:
I) Monoterapia com antipsicóticos típicos ou atípicos; II) Aumento da dose; III) Troca do antipsicótico; IV) Clozapina; V) Combinação com outras drogas; VI) Eletroconvulsoterapia.
Conforme já foi dito, com possível exceção da clozapina, todos os antipsicóticos
equivalem-‐se em eficácia, de forma que não é considerada equivocada a escolha de qualquer uma das drogas antipsicóticas, no tratamento inicial do paciente esquizofrênico (muito embora as últimas pesquisas e os bons resultados clínicos venham apontando a risperidona -‐ descrita adiante, em Antipsicóticos Atípicos -‐ como a droga de primeira escolha). Por um outro lado, a similaridade dos resultados terapêuticos torna não justificável o emprego de mais de um fármaco antipsicótico em um mesmo paciente, visto que isto apenas produz o somatório dos efeitos colaterais desses medicamentos.
Alguns critérios de preferência propostos, para a escolha de um determinado antipsicótico são listados abaixo.
-‐ Resposta prévia (melhor preditor de resposta); -‐ Perfil de efeitos colaterais (Ex.. usar drogas mais sedativas em pacientes mais agitados); -‐ Preferência do paciente; -‐ Grau de adesão ao tratamento; -‐ Intolerância a paraefeitos extrapiramidais (preferir os Antipsicóticos atípicos); -‐ Doenças físicas associadas, como a epilepsia; -‐ Em mulheres com alterações na duração do ciclo menstrual ou amenorréia deve-‐se evitar o uso de antipsicóticos de baixa potência e de risperidona; -‐ Em idosos, evitar fármacos com muitos efeitos extrapiramidais; -‐ Pacientes com cardiopatias: ter cautela no uso de antipsicóticos de baixa potência ou clozapina; -‐ Na gravidez: evita-‐se o emprego de antipsicóiicos no primeiro trimestre, mas se for necessário, recomenda-‐se o uso do haloperidol ou trifluoperazina.
Quando ocorre uma resposta parcial a um antipsicótico após o uso por 3 a 8 semanas
em doses médias, pode-‐se tentar elevar a sua dose até os níveis máximos permitidos e mante-‐la por mais duas semanas, reavaliando-‐a depois deste período. Alguns pacientes poderão responder a esta estratégia, que dependerá também da aceitação e da tolerância aos efeitos colaterais.
Se não ocorre qualquer melhora após mais de duas semanas com doses elevadas, ou se o paciente não aceitar ou não tolerar esta estratégia em função da ocorrência de efeitos colaterais muito intensos, pode-‐se considerar a alternativa de substituição por um antipsicótico de classe diferente.
Nos casos de ausência de resposta a dois antipsicóticos diferentes, usados em doses e tempos adequados, está indicado o uso da clozapina.
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Caso ocorra uma intolerância ao uso de clozapina (por efeitos colaterais ou riscos hematológicos) ou uma resposta insatisfatória, tem-‐se ainda a opção de se associar os antipsicóticos com outros fármacos, tais como lítio, carbamazepina, valproato, clonidina, reserpina ou beta-‐bloqueador. Não há um consenso de preferência por algumas destas ou outras associações farmacológicas. A clozapina, contudo, não pode ser associada ao valproato ou à carbamazepina, em função do aumento do risco para o desenvolvimento de agranulocitose.
A eletroconvulsoterapia (ECT) é o último recurso a ser considerado, após a falha de todas as demais medidas na terapêutica da esquizofrenia. Pode, todavia, ser a primeira escolha em casos de pacientes catatônicos e com componente de humor importante (geralmente depressão).
5) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. • ARTAUD, Antonín. Os Escritos de Antonín Aríaitd 1a edição, L&PM. Porto Alegre, 1983. • CARROL, Lewis. Alice No País das Maravilhas. 1a edição, L&PM. Porto Alegre, 2001. • CORDIOLI, AV et cols. Psicofármacos -‐ Consulta Rápida. T edição, ArtMed. Porto Alegre, 2000. • GRAEFF, FG; GUIMARÃES, FS. Fundamentos de Psicofarmacologia. 1ª edição, Atheneu. São Paulo, 1999. • KAPLAN, Hl; SADOCK, BJ; GREBB, JÁ. Compêndio de Psiquiatria. 7a edição, ArtMed. Porto Alegre, 1997 • SADOCK, BJ; SADOCK, VA. Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock. 3a edição, ArtMed. Porto Alegre, 2002.
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BENZODIAZEPÍNICOS
Os benzodiazepínicos pertencem à classe dos medicamentos ditos ansiolíticos, ou ainda, hipnóticos-‐sedativos. A descoberta dessas drogas, ocorrida nos anos 60, é um marco importante na Psicofarmacologia. Na época de sua introdução no mercado, celebrou-‐se o fim da era dos perigosos barbitúricos no tratamento dos transtornos de ansiedade.
Acreditava-‐íe que os novos fármacos apresentavam grandes vantagens e menores riscos de vida em relação aos antigos, e por essa razão, tornaram-‐se logo as drogas mais prescritas nos EUA. Nos últimos 20 anos, no entanto, foram descritos alguns efeitos indesejáveis ocasionados pelo uso dos benzodiazepínicos, o que acabou por gerar o declínio na utilização desses medicamentos. O aumento na conscientização sobre os perigos da dependência física e as maiores exigências de regulamentação limitaram a prescrição. Apesar disso, são ainda o protótipo dos fármacos ansiolíticos, sendo empregados em altíssima escala, em todo o mundo.
1) ANSIEDADE NORMAL E PATOLÓGICA. A sensação de ansiedade é uma vivência comum de virtualmente qualquer ser humano.
Caracteriza-‐se por um sentimento difuso, desagradável e vago de apreensão, frequentemente acompanhado por sintomas autonômicos (diarreia, tonturas, hiperidrose, palpitações, midríase, síncope, taquicardia, parestesia de extremidades, desconforto abdominal, frequência/retenção /urgência urinária). Distingue-‐se do medo por ser uma resposta a uma ameaça desconhecida, interna, vaga ou de origem conflituosa.
No plano cognitivo, a ansiedade manifesta-‐se por pensamentos de que alguma coisa ruim vai acontecer, designados como preocupação. Esta pode ser tão intensa que interfere na capacidade de concentração e no desempenho de tarefas intelectuais. O nível de vigilância está aumentado, dificultando a conciliação do sono, que se toma agitado e entrecortado por períodos de despertar.
A ansiedade tem valor adaptativo, na medida em que leva o indivíduo a evitar o dano físico ao organismo ou prejuízos psicológicos. Estudos clássicos, realizados no início do século passado, mostraram que há relação direta entre o nível de ansiedade e eficiência no desempenho de tarefas intelectuais. Contudo, a partir de certa intensidade, o aumento da ansiedade passa a prejudicar o rendimento do indivíduo. Pode-‐se, pois, falar de ansiedade normal e patológica, sendo esta considerada uma resposta inadequada a determinado estímulo.
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TRANSTORNOS DA ANSIEDADE DSM-‐IV
Transtorno de Pânico / Agorafobia Tricíclicos / IMAO / Benzodiazepínicos (alta
potência) / SSRI
Fobia Específica e Fobia Social
IMAO, Benzodiazepínicos / SSRI (?)
Transtorno Obsessivo-‐Compulsivo
Clomipramina (mais estudado) / todos os antidepressivos. Benzodiazepínicos (associados a uma das drogas citadas anteriormente, no início do tratamento)
Transtorno de Estresse Pós-‐Traumático
Tricíclicos
Transtorno de Estresse Agudo
Benzodiazepínicos
Transtorno de Ansiedade Generalizada
Benzodiazepínicos / Antidepressivo
TABELA 1 -‐ TRANSTORNOS DE ANSIEDADE E TRATAMENTO
Uma obsessão é definida como um pensamento, sentimento, ideia ou sensação intrusiva e de
caráter recorrente. É percebida como irracional pelo indivíduo e causadora de ansiedade, que pode ser francamente incapacitante. O transtorno obsessivo-‐compulsivo (TOC) é o terceiro diagnóstico mais comum em psiquiatria, estimando-‐se uma incidência de 3 a 4% na população geral.
Dentre os escritores que se debruçaram sobre essa temática, simultaneamente rica em possibilidades dramáticas e repleta de angústia implícita, destaca-‐se o nome de Franz Kafka que, em 1923, compôs a novela "A Construção", na qual um animal enterra-‐se em uma toca para viver a ilusão momentânea de um abrigo inviolável, mas que se torna presa, entre as paredes firmes de sua construção, da sua obsessão.
"Por fora é visível apenas um buraco, mas na realidade ele não leva a parte alguma, depois de poucos passos já se bate em firme rocha natural. (...) A uns mil passos de distância desta cavidade, localiza-‐se, coberta por uma camada removível de musgo, a verdadeira entrada da construção, ela está tão segura quanto algo no mundo pode ser seguro, certamente alguém pode pisar no musgo ou empurrá-‐lo para dentro, nesse caso a construção fica aberta, e quem tiver vontade (...) pode invadi-‐la e destruir tudo para sempre. Estou bem ciente disso, e mesmo agora, no auge da vida não tenho uma hora de tranquilidade, pois naquele ponto escuro do musgo eu sou mortal e nos meus sonhos muitas vezes ali fareja, sem parar, um focinho lúbrico. (...) Vivo empas no mais recôndito da minha casa, e enquanto isso, o adversário, vindo de algum lugar, perfura lento e silencioso seu caminho até mim. (...) Estou envelhecendo, existem muitos (inimigos) que são mais fortes do que eu e meus adversários são incontáveis, poderia acontecer que,fingindo de um inimigo, eu caísse nas garras de outro. (...) E não são apenas os inimigos externos que me ameaçam. Existem também os que vivem dentro do chão. Nunca os vi ainda, mas as lendas falam a seu respeito e eu creio firmemente nelas. (...) Até quem foi vitima deles mal pôde enxergá-‐los; eles chegam, ouve-‐se o arranhar das suas garras logo embaixo de si na terra, que é seu elemento, e já se está perdido".
QUADRO 1 -‐ "A CONSTRUÇÃO", DE FRANZ KAFKA
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2) TRATAMENTO DA ANSIEDADE A droga ansiolítica mais antiga e popular é o álcool etílico ou etanol, componente de
numerosas bebidas de consumo popular. O perfil de ações farmacológicas do etanol é muito semelhante ao dos benzodiazepínicos. Porém, o uso do etanol se dá num contexto recreativo, raramente como medicamento.
O tratamento medicamentoso da ansiedade patológica iniciou-‐se no século XIX, com a introdução dos sais de bromo. Os brometos tinham efeito sedativo moderado, além de diversos efeitos colaterais e tóxicos, que caracterizam uma condição conhecida como bromismo. No início do século XX, foram descobertos os derivados da maloniluréia, conhecidos como barbitúricos. Esses compostos são muito potentes e, conforme o aumento da dose, causam sedação, hipnose, anestesia geral, coma e morte. Possuem também importante atividade anticonvulsivante. O fenobarbital foi largamente usado no tratamento das neuroses, como então se denominavam os transtornos de ansiedade, por ter meia-‐vida longa e relação relativamente alta entre dose ansiolítica e hipnótica. Em termos de eficácia, o fenobarbital nada fica a dever aos benzodiazepínicos; porém, causa mais sonolência, tem maior potencial de determinar dependência e sobretudo apresenta maior risco de suicídio ou de acidentes letais por superdoses. Na década de 50, houve uma tentativa mal sucedida de substituir o fenobarbital por um derivado do propanodiol, o meprobamato. Além de menos eficaz, o composto apresentava toxicidade comparável aos barbitúricos e o tratamento era mais dispendioso.
Finalmente, no princípio da década de 60, o químico farmacêutico Sternbach sintetizou o primeiro benzodiazepínico, nos laboratórios da Companhia Roche, em Basileia(Suíça) -‐ o clordiazepóxido. Este fármaco despertou a atenção dos cientistas em uma experiência utilizando macacos Cynomolgus, que se tornavam dóceis sob o efeito da droga. Comprovadas as propriedades ansiolíticas do clordiazepóxido em animais de laboratório, estes medicamentos foram ensaiados em pacientes ansiosos, revelando-‐se eficazes. Os benzodiazepínicos eram considerados vantajosos em relação aos barbitúricos, em três aspectos: efeito ansiolítico superior, segurança em superdosagens e ausência de potencial para induzir à dependência. Com o passar dos tempos e com o emprego desses fármacos por milhares de pacientes ao redor do mundo, descobriu-‐se que não se tratavam de substâncias tão inócuas, conforme se pensara no princípio; a possibilidade, inicialmente descartada, de utilização de benzodiazepínicos como drogas de abuso mostrou-‐se especialmente equivocada. 3) PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS
Como atuam pelo mesmo mecanismo de ação, os diversos derivados benzodiazepínicos têm os mesmos efeitos farmacológicos. Contudo, diferenças estruturais e farmacocinéticas influenciam a potência, o início e aduração do efeito terapêutico, o tipo e a frequência dos efeitos colaterais, bem como a magnitude dos sinais de retirada.
• Evidências experimentais sugeriram que os efeitos dos benzodiazepínicos assemelham-‐se muito aos do etanol. Assim, diminuiriam a aversividade do estímulo punitivo e provocariam a desinibição comportamental generalizada. Ainda, poderiam tornar os pacientes mais impulsivos, com o estímulo à agressão ofensiva(originalmente inibida pelo medo), embora a agressão defensiva(motivada pelo medo) seja atenuada. Esses efeitos devem-‐se ao aumento da atividade da neurotransmissão pelo GABA no sistema límbico, incluindo amígdala e tronco cerebral. • Os benzodiazepínicos diminuem a atividade motora e, em doses altas, produzem sonolência e encorajam o início e a manutenção de um estado de sono muito semelhante ao estado de sono natural(efeito hipnótico). Os efeitos hipnóticos envolvem uma depressão mais profunda do SNC que a sedação(sedação = redução da ansiedade diurna e da excitação excessiva. Drogas sedativas acalmam o paciente), sendo, pois, necessárias doses elevadas da droga para obtê-‐la. Os efeitos dos fármacos sedativo-‐hipnóticos sobre a arquitetura do sono ainda são objetos de exaustivos estudos. As alterações do padrão
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do sono já esclarecidas, até o presente momento, são as seguintes: (1) diminuição da latência (tempo até adormecer) até o início do sono; (2) aumento da duração do estágio 2 do sono REM; (3) redução da duração do sono REM; (4) diminuição da duração do sono de ondas lentas. Diferente do que ocorre muitas vezes com o uso de barbituratos ou álcool etílico, o sono produzido pelos benzodiazepínicos produz sensação repousante. Nas primeiras administrações, efeitos sedativos podem ser verificados com as mesmas doses que produzem efeitos ansiolíticos. Com o uso repetido, no entanto, o efeito sedativo desaparece gradualmente, tomando mais aparente o efeito ansiolítico. Essa tolerância diferencial encontra paralelo na clínica, onde a sonolência desaparece em poucos dias de tratamento continuado. Por outro lado, o efeito hipnótico dos benzodiazepínicos mais potentes é usado para o tratamento da insônia e, neste caso, a tolerância rápida é inconveniente. • Os benzodiazepínicos são capazes ainda de aumentar os efeitos de depressores do SNC, tais como os anestésicos gerais e o etanol. Na clínica, essa propriedade tem aplicação na pré-‐anestesia, sendo benéfico tanto por proporcionar alívio à ansiedade antecipatória quanto por permitir a redução da dose de anestésico geral necessária ao grau de depressão do SNC requerido pelo procedimento cirúrgico. Isso é vantajoso, pois economiza anestésico, reduzindo a toxicidade associada às altas doses e facilitando a reversão do sono anestésico, sobretudo quando o efeito potencializador do benzodiazepínico é removido pela administração de um antagonista, como o flumazenil.
Em contrapartida, a propriedade de amplificar os efeitos de depressores do SNC pode ser fortemente nociva, quando se considera que as bebidas alcoólicas são largamente consumidas em nosso meio. A combinação do benzodiazepínico com o etanol resulta no aumento dos efeitos indesejáveis desse último, como a incoordenação motora, impulsividade, diminuição do tempo de reação e da atenção, depressão respiratória persistente. Consequenternente, o risco de conduzir veículos, operar máquinas perigosas ou mesmo subir e descer escadas é muito aumentado.Também, os efeitos tóxicos do etanol estão aumentados. • Da mesma forma que o etanol, os benzodiazepínicos causam incoordenação motora. Pacientes tratados com doses ansiolíticas podem apresentar dificuldades de coordenação de movimentos finos. Também pode estar aumentado o tempo de reação. Em doses elevadas, surgem alterações da marcha(ataxia), perda de equilíbrio e fala desarticulada. • Embora não seja aceito por todos os autores, acredita-‐se que os benzodiazepínicos possam determinar relaxamento muscular parcial(diferentemente do que ocorre com o uso de agentes curarizantes, que levam à paralisia total da musculatura estriada), por atuarem na medula espinhal. Exercem efeitos inibitórios sobre reflexos polissinápticos e sobre a transmissão por interneurônios, e em doses altas, podem deprimir a transmissão na junção neuromuscular. Na clínica, esse efeito miorrelaxante central é utilizado para tratar espasmos musculares de várias naturezas. • Os benzodiazepínicos são empregados no tratamento de estados convulsivos persistentes, denominados mal epiléptico. Esse efeito anticonvulsivante, decorrente da inibição do SNC promovida pela ação GABAérgica, é útil no tratamento crónico de alguns tipos de epilepsia. A ação anticonvulsivante envolve neurônios corticais. • Verificou-‐se, por meio de experiências, que a administração de benzodiazepínicos antes do treino prejudica a memória. Este efeito amnésico é dito anterógrado, pois afeta a informação assimilada após a administração da droga. Essa propriedade é verificada sobretudo com compostos potentes, como o midazolam e o triazolam, quando administrados em altas doses. • Os benzodiazepínicos são drogas praticamente destituídas de efeitos periféricos sobre os aparelhos cardiovascular, digestivo e urinário. Também não afeta o sistema nervoso autónomo. Tal fato, aliado à baixa toxicidade e à comprovada eficácia terapêutica, fez dos benzodiazepínicos medicamentos largamente empregados na clínica.
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• Em alguns casos, observam-‐se sintomas físicos importantes decorrentes da interrupção do uso da droga(síndrome de abstinência). Estes ocorrem, predominantemente, com o clonazepam e lorazepam. Maiores detalhes a respeito da síndrome de abstinência de benzodiazepínicos serão descritos adiante.
4) FARMACOCINÉTICA. Todos os benzodiazepínicos apresentam igual eficácia. Absorção. São drogas fracamente básicas e absorvidas mais facilmente em pH elevado,
encontrado no duodeno. Com exceção do clorazepato (convertido em desmetildiazepam pelo trato gastrointestinal), todos os benzodiazepínicos são completamente absorvidos de modo inalterado pelo intestino. As taxas de absorção oral diferem, dependendo de vários fatores, incluindo a lipofilicidade, sendo que diazepam, lorazepam, alprazolam, triazolam e estazolam são absorvidos mais velozmente. Embora diversos benzodiazepínicos estejam disponíveis em formas parenterais para administração intramuscular, apenas o lorazepam tem uma absorção rápida e confiável por essa rota.
Distribuição. A faixa de tempo para o nível plasmático máximo é de uma a três horas, embora o prazepam possa levar até 6 horas. Também pode haver um pico plasmático secundário em 6 a 10 horas, em vista da recirculação enterohepática. Os benzodiazepínicos ligam-‐se intensamente às proteínas plasmáticas. A ligação à albumina do plasma, por exemplo, varia de 60 a mais de 95%. Como apenas as moléculas da droga livre (não ligada) têm acesso ao SNC, o deslocamento do sedativo-‐hipnótico dos locais de ligação por uma outra droga pode modificar os seus efeitos e levar a interações farmacológicas com outros compostos. Cruzam com facilidade as barreiras hematoencefálica e placentária.
Biotransformação. O metabolismo hepático é responsável pela depuração ou eliminação de todos os benzodiazepínicos. Muitos sofrem oxidação microssômica (reações de fase I), incluindo a N-‐desaliquilação e a hidroxilação alifática. Os metabólitos são subsequentemente conjugados (reações de fase II) pelas glicuroniltransferases para formar glicuronídios (metabólitos hidrossolúveis) que são excretados pela urina. As exceções são o lorazepam e o oxazepam, que são logo conjugados com o ácido glicurônico, sendo, portanto, menos danosos ao organismo em casos de doenças hepáticas ou das alterações observadas no envelhecimento. Somente traços dos benzodiazepínicos aparecem inalterados na urina.
Muitos dos metabólitos da fase I dos benzodiazepínicos são ativos e têm meia-‐vida mais longa que as drogas originais. Aqueles fármacos (ou metabólitos ativos) de longas meias-‐vidas têm maior probabilidade de causar efeitos cumulativos com o uso de doses múltiplas, como sonolência excessiva ou sedação diurna. Exemplos típicos desse tipo de drogas são aqueles que resultam no metabólito ativo desmetildiazepam (ou nordiazepam), como o clordiazepóxido, o diazepam, o prazepam, o clorazepato e, especialmente, o sulnitrazepam. Este metabólito ativo tem meia-‐vida de pelo menos 72 horas (podendo atingir 140 horas), bem maior do que o medicamento original (36 horas para o diazepam). Os benzodiazepínicos que o geram são indicados para o tratamento de estados crónicos de ansiedade e podem ser administrados poucas vezes ao dia.
Por outro lado, os triazolobenzodiazepínicos, como o alprazolam, midazolam e triazolam, sofrem alfa-‐hidroxilação e os metabólitos decorrentes disso parecem ter efeitos farmacológicos de curta duração, pois são rapidamente conjugados a glicuronídios inativos. Têm meias-‐vidas inferiores a 4 horas, sendo usados como hipnóticos, pois deixam poucos efeitos residuais após o despertar. No entanto, precisam ser administrados várias vezes ao dia.
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FIGURA 2: AS PRINCIPAIS VIAS METABÓLICAS DOS BENZODIAZEPÍNICOS
Nos benzodiazepínicos de longa ação, mesmo com administração diária, a quantidade
eliminada em 24 horas é, de início, menor do que a quantidade ingerida, havendo acúmulo do composto no organismo. Somente quando a concentração plasmática atinge nível em que a fração eliminada em 24 horas é igual à dose diária, a concentração plasmática fica praticamente constante. No caso de compostos que produzem desmetildiazepam, este período é de algumas semanas. Portanto, é necessário aguardar este prazo para que os efeitos terapêuticos manifestem-‐se plenamente, antes de se modificar a dosagem. Outra consequência é que os níveis plasmáticos caem lentamente após a suspensão da medicação. Isso faz com que compostos de longa duração causem menos sinais de retirada do que os de meia-‐vida curta.
Início de Ação. É importante salientar que o tempo necessário para o início do efeito (latência), bem como a duração deste, após a administração única, nada tem a ver com a meia-‐vida de eliminação, dependendo sobretudo da lipofilicidade. Assim, o efeito de dose única de um benzodiazepínico altamente lipossolúvel, como o diazepam, inicia-‐se bem mais rapidamente do que o de um composto moderadamente solúvel em gordura, como o oxazepam. A maior lipofilicidade do diazepam em relação ao oxazepam faz com que o primeiro seja mais rapidamente absorvido no intestino e penetre mais rapidamente no SNC. Sua concentração no tecido nervoso logo atinge níveis bem maiores do que no plasma. Os fármacos de menor latência costumam ser indicados para os pacientes que não conseguem iniciar o sono, enquanto os de ação mais lenta beneficiam mais intensamente aqueles que sofrem de insónia no decorrer da noite ou insónia terminal. Gradualmente, o diazepam sofre redistribuição no organismo, saindo do cérebro para compartimentos menos perfundidos, como musculatura estriada, vísceras, pele, ossos e, finalmente, tecido adiposo. Como a meia-‐vida de redistribuição do diazepam é de cerca de uma hora, o efeito central termina bem antes que o diazepam e seus derivados ativos sejam eliminados do organismo. Dessa maneira, a redistribuição da droga a outros tecidos que não o cérebro pode ser tão importante quanto a biotransformação hepática para levar ao término dos efeitos sobre o SNC.
No início do tratamento, portanto, antes que se verifique acúmulo no organismo, é necessário ministrar várias doses de diazepam para tratar a ansiedade diurna. Já o efeito inicial de um composto moderadamente lipossolúvel pode durar mais, pois a sua redistribuição pelos compartimentos do organismo é mais lenta.
5) MODO DE AÇÃO DOS BENZODIAZEPÍNICOS. Dois achados marcaram a descoberta do modo de ação dos benzodiazepínicos: o primeiro foi a identificação de receptores para benzodiazepínicos em neurônios do SNC, e o segundo, a verificação de que ansiolíticos benzodiazepínicos facilitam a ação do neurotransmissor inibitório GABA.
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O GABA (ácido gama-‐amino-‐butírico) talvez seja o neurotransmissor mais abundante no SNC, pois cerca de 40% de todas as sinapses são GABAérgicas. É sintetizado a partir do glutamato pela enzima limitante ácido glutâmico descarboxilase (GAD), que exige a piridoxina (vitamina B6) como co-‐fator. Não é armazenado em vesículas. A maior parte dos neurônios GABAérgicos é do tipo interneurônio. Uma vez liberado na fenda sináptica, o GABA é levado ao neurônio pré-‐sináptico ou glia adjacente, onde é metabolizado pela GABA transaminase (GABA-‐T) associada à mitocôndria. O GABA atua rapidamente, gerando efeitos inibitórios, através da hiperpolarização das membranas celulares, que leva a uma diminuição na taxa de deflagração de neurônios críticos em muitas áreas do SNC. Esse neurotransmissor encontra-‐se em elevadas concentrações no hipotálamo, hipocampo, núcleos da base, substância gelatinosa do corno dorsal da medula espinhal e retina; por conseguinte, regula inúmeras funções centrais. Não é de se espantar, por conseguinte, que module sistemas envolvidos na ansiedade, tais como a via serotonérgica ascendente da rafe com projeções septo-‐hipocampais, a via que liga o locus ceruleus ao septo-‐hipocampo, a substância cinzenta que margeia o terceiro ventrículo e o aqueduto do mesencéfalo. Essas áreas, quando estimuladas, liberam o comportamento punido e a motivação aversiva. A importância do GABA para o funcionamento cerebral é demonstrada pelo fato de que seus antagonistas, como a bicuculina, figuram entre os mais potentes convulsivantes. Os receptores de GABA subdividem-‐se em GABAA (receptor associado a um canal de cloro) e GABAB (ligado a proteína G).
FIGURA 3: SÍNTESE DO GABA PROMOVIDA PELA ENZIMA GAD
Os benzodiazepínicos ligam-‐se à molécula do canal de cloro, que funciona como o
receptor GABAA, mas não ao local de ligação do GABA propriamente dito. As técnicas de obtenção de clones moleculares mostram que o receptor GABAA é uma glicoproteína heterooligomérica que consiste em pelo menos três subunidades diferentes (alfa, beta e gama), numa estequiometria ainda não conhecida. Já foram encontradas diversas subunidades diferentes de cada tipo, isto é, seis alfa, quatro beta e três gama diferentes. O GABA pode ligar-‐se a locais receptores nas subunidades alfa ou beta e esta interação dá início ao mecanismo de comporta das correntes dos canais de cloro. O local receptor benzodiazepínico encontra-‐se em uma subunidade gama-‐2.
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Estudos eletrofisiológicos mostraram que os benzodiazepinicos potencializam a neurotransmissão GABAérgica em todos os níveis do neuroeixo, aumentando a eficiência da inibição sináptica. Os benzodiazepínicos não substituem o GABA, mas parecem aumentar os efeitos deste, sem ativação direta dos receptores GABA ou dos canais de cloro associados. O aumento da condutância do íon cloro, induzido pela interação dos benzodiazepínicos com o GABA, assume a forma de um aumento na frequência dos eventos de abertura do canal. Este efeito pode dever-‐se em parte à maior afinidade pelo GABA.
O Zolpidem (Lioram®, Stilnox®) é uma droga indutora do sono não pertencente à classe dos benzodiazepínicos, mas que também atua sobre receptores GABAA, modulando a abertura de canais de cloro. Entretanto, é um agonista preferencial da subunidade w-‐1 (ao invés de γ2), recém-‐descoberta, e cuja função na potencialização da neurotransmissão por GABA não pôde ser elucidada, até o presente. Em modelos animais, descobriu-‐se que a sua ação ocorre de modo mais específico para receptores centrais, o que explicaria certos efeitos, tais como a ausência de relaxamento muscular e a maior rapidez na indução da hipnose.
6) INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS EM PSIQUIATRIA.
Ansiedade. Os transtornos de ansiedade generalizada, os transtornos de ajustamento com ansiedade e o transtorno de estresse pós-‐traumático são as principais aplicações clínicas para os benzodiazepínicos. A maioria dos pacientes deve ser tratada por um período pré-‐determinado, específico e relativamente breve. Alguns pacientes com transtorno de ansiedade generalizada podem necessitar de tratamento de manutenção com benzodiazepínicos.
Insônia. Flurazepam, temazepam, midazolam, quazepam, estazolam e triazolam são os benzodiazepínicos aprovados para uso como hipnóticos. Os benzodiazepínicos hipnóticos diferem dos demais, especialmente em suas longas meias-‐vidas.
Depressão. Aceita-‐se que os benzodiazepínicos promovem a piora dos sintomas depressivos. Alguns estudiosos, porém, defendem que o alprazolam possa ter ação antidepressiva, sendo eficaz no tratamento da depressão leve. A dose inicial de alprazolam para o tratamento da depressão leve deve ser de 1 a 1,5 mg/dia e deve ser aumentada em 0,5 mg/dia em intervalos de três a quatro dias. A dosagem máxima é de 4 a 5 mg/dia.
Transtorno de pânico e fobia social. Usam-‐se os dois benzodiazepínicos de alta potência: o alprazolam e o clonazepam.
Transtorno Bipolar I. O clonazepam é efetivo no manejo de episódios maníacos e como coadjuvante na terapia com lítio e antipsicóticos. Como coadjuvante do lítio, o emprego do clonazepam pode resultar em um maior tempo entre os ciclos e episódios depressivos mais escassos que o habitual. O outro benzodiazepínico de alta potência, o alprazolam, pode ser tão eficaz quanto o clonazepam para esta indicação.
Acatisia. Estudos descobriram que os benzodiazepínicos também são efetivos no tratamento de alguns casos de acatisia.
Outras indicações psiquiátricas. O clordiazepóxido é usado para o manejo dos sintomas de abstinência ao álcool. Os benzodiazepínicos (especialmente lorazepam IM) são usados para o manejo da agitação induzida por substâncias e psicótica em sala de emergência. Alguns estudos relatam o uso de altas doses de benzodiazepínicos em pacientes com esquizofrenia que não responderam aos antipsicóticos ou eram incapazes de tomar as drogas tradicionais em razão dos efeitos adversos.
7) PRECAUÇÕES E REAÇÕES ADVERSAS.
• O efeito adverso mais comum é a sonolência, que ocorre em cerca de 10% de todos os pacientes. Em função disso, os pacientes devem ser aconselhados a evitar a direção de veículos e a operação de máquinas potencialmente perigosas, enquanto utilizam esses medicamentos. A sonolência pode estar presente durante o dia, após o uso de um benzodiazepínico para a insónia na noite anterior, a que se dá o nome de sedação diurna
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residual. Alguns pacientes também experimentam tonturas (menos de 1%) e ataxia (menos de 2%). Esses sintomas podem ocasionar quedas e fraturas de quadril, especialmente em idosos.
• Os efeitos adversos mais sérios ocorrem com o uso concomitante de outras A substancias, tais como o álcool.
• Déficits cognitivos leves podem prejudicar o desempenho intelectual. • A amnésia anterógrada, conforme já foi dito, associa-‐se ao uso de benzodiazepínicos,
sobretudo os de alta potência. • Reações alérgicas são raras, mas alguns estudos relatam erupções máculo-‐papulares e
prurido generalizado. • Os sintomas de intoxicação com benzodiazepínicos incluem confusão, fala indistinta,
ataxia, sonolência, dispneia e hiporreflexia. Principais benzodiazepínicos em uso na clínica • Diazepam (Valium®, Calmociteno®, Compaz®, Somaplus®, entre outros). É o protótipo dos benzodiazepínicos. A absorção é rápida no trato gastrointestinal, atingindo a concentração plasmática máxima após 30-‐90 minutos (15 a 30 minutos em crianças). É biotransformado por reações oxidativas no fígado, produzindo substâncias farmacologicamente ativas, como o desmetildiazepam, hidrodiazepam e oxadiazepam. É altamente lipossolúvel e seus metabólitos ligam-‐se às proteínas plasmáticas (99%). Sua meia-‐vida de eliminação é de 20-‐90 horas. As doses diárias variam de 5 a 40 mg (dose média 20 mg/dia, em 2 a 4 tomadas diárias). Inicia-‐se usualmente com 5 a 10 mg à noite, aumentando-‐se progressivamente, se for necessário. Em geral, atinge-‐se o equilíbrio dos níveis plasmáticos em l ou 2 semanas, período após o qual pode-‐se avaliar se a dose deve ou não ser aumentada. Em 3 a 4 dias, em geral, estabelece-‐se tolerância aos efeitos sedativos, permanecendo os ansiolíticos.
FIGURA 5-‐ ESTRUTURA QUÍMICA DO DIAZEPAM
• Lorazepam (Lorax®, Lorium®, Max-‐Pax® e Mesrnerin®). É bem absorvido por via oral, atingindo um pjco de concentração plasmática em 2 horas. O lorazepam é bem menos lipossolúvel quando comparado aos outros benzodiazepínicos, e por esse motivo, sua absorção no trato gastrointestinal e seu início de ação são um pouco mais lentos. É metabolizado no fígado, exclusivamente por glicuronidação, não produzindo metabólitos ativos. Sua meia-‐vida é de 8 a 16 horas. Esse tipo de metabolização não diminui com o envelhecimento, logo pode ser o benzodiazepínico de escolha para o uso em idosos. Pode ser usado por via IM. A dose inicial, como ansiolítico, pode ser de 2 a 3 mg/dia, sendo que a dose máxima é de 10 mg/dia. As doses usuais são: (a) insónia: l a 4 mg/dia, à noite; (b) ansiedade: 2 a 3 mg/dia; (c) idosos ou debilitados: l a 2 mg/dia; (d) como medicação pré-‐anestésica: 2 a 4 mg na noite anterior ou 1 a 2 horas antes do procedimento cirúrgico. Além dessas indicações, o lorazepam vem sendo empregado no tratamento da catatonia e da mania (2 mg IM).
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FIGURA 6 -‐ ESTRUTURA QUÍMICA DO LORAZEPAM • Alprazolam (Frontal®). Possui meia-‐vida curta (10-‐14 horas). A sua absorção por via oral é rápida, ligando-‐se a proteínas plasmáticas na ordem de 70 %, e sua biodisponibilidade é de 92%. O início da ação é rápido, e o pico plasmático é atingido em 1 a 2 horas, após a ingestão. É altamente lipossolúvel. E metabolizada no fígado, gerando metabólitos ativos. As doses médias utilizadas variam de 1,5 a 10 mg/dia. Recomenda-‐se iniciar com 0,5 a l mg, aumentando a dosagem a cada 3 dias em 0,5 mg até 4-‐6 mg (transtorno de pânico); como ansiolítico, as doses variam de 0,75 a 1,5 mg/dia. Quando usados por períodos longos, devem ser ingerido em 4 tomadas diárias. O uso no transtorno de pânico é indicado por seu rápido inicio de ação. É eficaz na redução da ansiedade antecipatória, além de bloquear os ataques de pânico. Além do mecanismo de ação comum aos demais benzodiazepínicos, o alprazolam também parece ter ação nos sistemas noradrenérgicos, com possíveis efeitos antidepressivos. Possuiria ainda a capacidade de reduzir a atividade de receptores adrenérgicos pós-‐sinápticos. Ele reduziria a hipercortisolemia preexistente ao tratamento, em pacientes portadores de transtorno de pânico, podendo ser este um de seus mecanismos de ação. • Clonazepam (Rivotril®). É um benzodiazepínico de alta potência, usado primariamente como anticonvulsivante. É bem absorvido por via, oral. Os picos plasmáticos são atingidos em 1 a 3 horas, e a meia-‐vida é de 20-‐40 horas. A biodisponibilidade é acima de 80%, ligando-‐se bem às proteínas plasmáticas (86%). De 50 a 70% dos metabólitos são excretados pela urina e 10-‐30% pelas fezes. Como antimaníaco, a dose média é de 1,5 a 2 mg/dia, mas pode chegar a 16 mg/dia, divididos em 2 doses. O clonazepam pode ser considerado uma droga de primeira linha no tratamento do pânico. Além de ter início de ação rápida, também atua sobre a ansiedade em geral, presente em portadores do transtorno. Tanto no pânico quanto na fobia social, utilizam-‐se doses que variam de l a 6 mg/dia. Pode-‐se iniciar com 0,5 mg, duas a três vezes ao dia, com aumentos de 0,5-‐1 mg a cada 3 dias. Devido à sua meia-‐vida longa, pode ser administrado em duas vezes ao dia. Uma dose de 0,25 mg de clonazepam equivale a 5 mg de diazepam. Além do mecanismo de ação comum aos demais benzodiazepínicos, supõe-‐se que o clonazepam atue ainda por intermédio da serotonina, regulando para mais os receptores 5HT1 e 5HT2 do córtex frontal, ação importante para o efeito antipânico.
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FIGURA 7 -‐ ESTRUTURA QUÍMICA DO CLONAZEPAM
• Flunitrazepam (Rohypnol®, Fluserin®). É um benzodiazepínico de ação prolongada. É completamente absorvido via oral e sua concentração plasmática máxima é atingida em 1 a 4 horas, ligando-‐se às proteínas plasmáticas (80%). Seus principais metabólitos ativos são o derivado N-‐desmetilado e o derivado 7-‐ amino, cujas concentrações se estabilizam entre 4 e 24 horas após administração oral ou E V. Tem meia-‐vida de eliminação de aproximadamente 20 horas. Produz significativa diminuição do tempo de indução do sono, aumenta o tempo total de sono e reduz o número de episódios de despertar durante a noite. As doses usuais são de 0,5 a l mg antes de se deitar. Quando a insônia é severa, pode ser usado l a 2 mg/dia. Como indutor anestésico, 1 a 2 mg IM ou EV.
KIGURA 8-‐ ESTRUTURA QUÍMICA HO FLUNITRAZEPAM
• Bomazepam (Lexotan®, Bromopirin®, Brozepax®, Deptran®, Somalium®, Sulpan®). É um benzodiazepínico de meia-‐vida intermediária, de 8 a 19 horas. Tem boa absorção por via oral. O pico plasmático ocorre 1-‐2 horas após a administração oral; entretanto, seus efeitos começam a ser percebidos ao redor de 20 minutos após a ingestão. É metabolizado no fígado. Tem metabólitos ativos, como o 3-‐hidroxi-‐bromazepam e 2-‐amino-‐5-‐bromo-‐3-‐hidroxibenzoilpirida, que são excretados sob a forma conjugada pela urina (70% em 120 horas). Em média, 70% do bromazepam liga-‐se a proteinas plasmáticas. É usado em doses de 1,5 até 15 mg/dia, com doses médias de 1,5 a 3 mg, até 3 vezes ao dia. O bromazepam é amplamente utilizado no Brasil; contudo, o seu uso nos EUA e na Europa é consideravelmente menor, o que explica a relativa carência de estudos científicos disponíveis, sobre esse fármaco.
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• Flurazepam (Dalmadorm®). Possui meia-‐vida longa (50 a 80 horas) e foi o primeiro benzodiazepínico especificamente recomendado como hipnótico, tendo sido lançado no mercado norte-‐americano em 1971. É rápida e quase totalmente absorvido no trato gastrointestinal, tendo uma alta taxa de ligação proteica (97%). O início de ação ocorre 15 a 45 minutos após a ingestão e a eficácia máxima como hipnótico é atingida após 2 a 3 dias. Possui metabólitos ativos, com meias-‐vidas de até 160 horas. Graças a eles, relaciona-‐se com sonolência residual diurna. A dose inicial é de 15 mg/dia, podendo ser aumentada para 30 mg/dia. • Midazolam (Dormonid®). É um fármaco bastante lipossolúvel, sendo, pois, rapidamente absorvido pelo trato gastrointestinal. Na via parenteral, é usado como pré-‐medicação em procedimentos diagnósticos, cirúrgicos e na manutenção da anestesia. O fármaco é bem absorvido via IM, tendo início de ação após 15 minutos da administração. Por via EV, a ação começa em 1 a 5 minutos do emprego. Provoca o adormecimento após 15 a 20 minutos de ingestão. Sua biodisponibilidade é de mais de 90%, sendo metabolizado no fígado, já na primeira passagem. A meia-‐vida está entre 90 e 150 minutos. Cerca de 60 a 70% da droga são excretados via renal. A dose usual em adultos é de 7,5 a 15 mg, administrado a qualquer hora do dia. Pela via parenteral, é largamente utilizado como pré-‐medicação em procedimentos cirúrgicos, devido ao seu potente efeito hipnótico e amnésico de curta duração. Nestes casos, emprega-‐se uma dose de 2,5 mg, 5 a 10 minutos antes da cirurgia.
FIGURA 9 – ESTRUTURA QUÍMICA DO MIDAZOLAM
9) TOLERÂNCIA; DEPENDÊNCIA FÍSICA E PSICOLÓGICA. A tolerância consiste na diminuição da capacidade de resposta a determinada droga
após a exposição continua, sendo uma característica comum do uso dos sedativo-‐hipnóticos. Em alguns casos, ela pode levar à necessidade de aumentar-‐se a dose para manter a melhora sintomática ou promover o sono. Os mecanismos do desenvolvimento de tolerância ainda não foram bem estabelecidos.
Embora a eficácia dos benzodiazepínicos como agentes indutores do sono na primeira ou segunda semana de uso seja altamente documentada, pode-‐se desenvolver tolerância ao efeito sedativo-‐hipnótico no uso prolongado desses compostos. Entretanto, o efeito ansiolítico não sofre modificações, pelo emprego continuado.
É observada ainda a tolerância cruzada entre diferentes sedativo-‐hipnóticos, incluindo o etanol, o que pode levar a uma resposta terapêutica insatisfatória ao serem usadas doses padrão de uma droga num paciente com história recente de uso excessivo dessas substâncias.
A dependência física pode ser descrita como um estado fisiológico alterado que torna necessária a administração contínua da droga para impedir o aparecimento da síndrome de abstinência. Um estado de dependência física pode ocorrer com o uso crónico dos benzodiazepínicos, especialmente se as doses forem aumentadas. Este estado pode evoluir em um grau que encontra paralelos em poucos grupos de drogas, incluindo os opiáceos e o etanol.
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A abstinência de um benzodiazepínico pode ter manifestações graves e com risco de vida para o paciente. Quando ocorre a síndrome de abstinência ao benzodiazepínico, esta tem início cerca de 48 horas após a interrupção da droga e os sintomas correspondem à exacerbação dos sintomas originais, tais como ansiedade acentuada, tremores, irritação, disforia, sudorese, cefaléia, perturbação do sono e sonhos desagradáveis, anorexia, síncope, visão turva, palpitações, confusão mental e hipersensibilidade a estímulos externos. Um quadro mais grave é aquele em que, após a suspensão da medicação, o paciente evolui com agitação, depressão, pânico, paranóia, delírio, mialgia, tremores musculares e convulsões. É de importância, porém, enfatizar-‐se que nem todos os sintomas ocorridos após a retirada de benzodiazepínicos são decorrentes da síndrome de abstinência. Quando o medicamento é suspenso, pode ser que haja ansiedade nãoespecífica ou os sintomas psiquiátricos para os quais se prescreveram os benzodiazepínicos. Alguns estudiosos fazem ainda a distinção entre "sintomas de rebote", que se constituem dos efeitos opostos àqueles promovidos pelos benzodiazepínicos, como ansiedade, insónia, sintomas musculares, e a real síndrome de abstinência.
Indivíduos que utilizam benzodiazepínicos pelo mesmo intervalo de tempo podem não possuir riscos idênticos de tornarem-‐se dependentes ou experimentarem sintomas de abstinência. Os fatores que influenciam o aparecimento da dependência foram revisados e aqueles que apresentavam evidentes contribuições para o aumento do risco estão agrupados na tabela, a seguir. Os fatores relacionados ao uso -‐ altas doses, uso por longos períodos, uso contínuo -‐ são baseados em um número moderado de evidências, mas mostram-‐se prováveis contribuintes para o aumento do risco de dependência. Os fatores ligados à personalidade dos usuários são objetos de muitos estudos. Considerando-‐se o caráter subjetivo da maioria dos sintomas de abstinência, não é difícil relacioná-‐los a uma prévia vulnerabilidade aumentada ao estresse. Esses sintomas geralmente são mais intensos após a suspensão de drogas de meia-‐vida mais curta. Os efeitos são menos pronunciados com fármacos de ação mais longa, que podem, parcialmente, realizar com êxito a sua própria suspensão em virtude de sua eliminação lenta.
Fatores relacionados ao uso Fatores relacionados ao usuário Fatores relacionados à droga
Altas doses Personalidade dependente Meia-‐vida curta
Uso por longos períodos Idade avançada Alta potência
Uso contínuo Dependência prévia de outras drogas
TABELA 3 -‐ FATORES QUE PODEM AUMENTAR O RISCO DE DEPENDÊNCIA DE BENZODIAZEPÍNICOS.
O controle da síndrome de abstinência pelo médico deve constar de cinco elementos
principais, a saber: Preparação. O tratamento da abstinência deve ser precedido por esclarecimentos e
informações ao paciente, a respeito do processo de retirada da droga e seus possíveis efeitos. Há dois grupos de pacientes para os quais essa preparação é particularmente indicada: (1) o primeiro consiste nos indivíduos que abster-‐se-‐ão da medicação simplesmente com esse tipo de abordagem. Pesquisas sucessivas indicaram que muitos usuários crônicos de benzodiazepínicos desejam interromper o emprego desses fármacos e/ou já fizeram tentativas recentes nesse sentido. Nesses casos, há fortes evidências de que "intervenções mínimas", consistindo de basicamente informações, conselhos e oferecimento de apoio ao longo do processo de abstinência, podem produzir boas taxas de redução ou parada do uso de benzodiazepínicos. (2) O segundo grupo, que vem tornando-‐se a cada dia mais comum, é composto dos pacientes cujo tratamento é mais difícil. Uma preparação adequada é de
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primordial importância nesses casos; caso contrário, qualquer tentativa de retirada dos benzodiazepínicos estaria fadada ao fracasso.
Para muitos usuários crónicos de benzodiazepínicos, a supressão da medicação é uma questão delicada, especialmente se tentativas anteriores falharam, por motivos diversos. Os fármacos provavelmente ainda surtem algum efeito nesses pacientes, sobretudo atuando como ansiolíticos; por esse motivo, pacientes que apreciassem essa sensação, poderiam querer continuar a tomar as drogas.
O aconselhamento para a redução do emprego de benzodiazepínicos precisa ser encarado realisticamente e realizado de maneira informativa e solidária.
Substituição da droga. Deve ser feita antes da redução gradual das doses. O diazepam é utilizado na substituição de qualquer outro fármaco benzodiazepínico. O princípio é evitar as oscilações excessivas dos níveis plasmáticos dos benzodiazepínicos, ao longo do processo de retirada. O diazepam apresenta ainda a vantagem de possuir longa meia-‐vida, a que se associa um menor potencial de produzir sintomas de abstinência.
Alguns usuários de drogas de curta meia-‐vida podem ser resistentes à substituição da medicação, queixando-‐se dos efeitos sedativos do diazepam. Se a sedação for realmente o maior problema, deve-‐se informar ao paciente de que esse efeito desaparece, com poucos dias de uso.
A substituição pode ser feita rapidamente ou de modo lento e gradual, com a utilização de algumas doses da droga original, o que pode ser mais complicado de se administrar, mas certamente apresenta maior aceitação por parte dos pacientes. Caso a troca da medicação pelo diazepam não seja aceita de forma alguma pelo indivíduo, a redução gradual da droga original pode, em algumas situações, ser utilizada.
Redução gradual da dose. O processo de diminuição da dose do benzodiazepínico até a retirada definitiva da droga não deve durar menos de seis semanas. Muitas são as maneiras para se conduzir a redução dos benzodiazepinicos. Alguns dão preferência a programas escritos, e podem beneficiar-‐se com a manutenção de diários com seus sintomas e mudanças de humor. As alterações nas dosagens devem ser marcadas ao longo da escala de tempo, por meio de consenso entre médico e paciente. Caso este deseje, pode-‐se interromper a redução da droga por um período limitado, porém, sob hipótese alguma, devem ser efetuados aumentos nas doses.
Psicoterapia. Uma grande variedade de abordagens podem ser adotadas. Pacientes com os sintomas de abstinência mais severos podem encontrar-‐se aflitos, temendo estarem sofrendo de alguma doença mental. Essas pessoas costumam encontrar grande ajuda na terapia em grupo, cujos participantes sofrem com as mesmas experiências.
O principal objetivo é o aprendizado de técnicas psicológicas que possam ser úteis para a superação dos sintomas de abstinência e o controle da ansiedade após a supressão da droga.
Farmacoterapia. A proposta de se usar um outro medicamento durante o processo de retirada dos benzodiazepinicos costuma apresentar uma adesão pequena por parte dos pacientes. Alguns indivíduos podem ter sido tomados pela aversão a medicamentos após a experiência com os benzodiazepinicos; outros, por sua vez, obtiveram efeitos satisfatórios com o uso dos mesmos, de modo que preferem continuar a toma-‐los a trocálos por, digamos, um antidepressivo.
De fato, os antidepressivos precisam ser considerados durante a retirada de benzodiazepinicos, por duas razões: (1) sintomas depressivos são observações comuns na abstinência; (2) uma determinada proporção dos pacientes apresenta um quadro que inicialmente assemelha-‐se com ansiedade, mas posteriormente mostra tratar-‐se de depressão.
O uso concomitante de carbamazepina (400-‐500 mg/dia) durante a descontinuação dos benzodiazepinicos permite, conforme relatos, uma abstinência mais rápida e melhor tolerada, que apenas a diminuição gradual da dose.
A buspirona (Buspar®) é uma alternativa que pode ser considerada, embora demore cerca de duas semanas para se obter o efeito ansiolítico.
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10)INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS NOCIVAS. Devido ao amplo uso dos benzodiazepinicos, os médicos devem estar cientes das
possíveis interações entre benzodiazepinicos e outras drogas. A cimetidina, o dissulfiram, a isoniazida e os estrógenos aumentam os níveis plasmáticos do ciordiazepóxido, diazepam, prazepam, clorazepato, halazepam e flurazepam. Os anti-‐ácidos e alimentos podem diminuir os níveis plasmáticos dos benzodiazepinicos, e o tabagismo pode aumentar o metabolismo dessas drogas. Os benzodiazepinicos podem aumentar os níveis plasmáticos de fenitoína e da digoxina. Todos os benzodiazepinicos têm efeitos potencializantes com outras drogas sedativas sobre o SNC. Ataxia e disartria podem ocorrer com um combinação de lítio, antipsicóticos e clonazepam.
11) FONTES. • CORDIOLI, AV e cols. Psicofármacos -‐ Consulta Rápida. Artmed. 2a edição. Porto Alegre, 2000. • GRAEFF, FG; GUIMARÃES, FS. Fundamentos de Psicofarmacologia. Atheneu. São Paulo, 1999. • KAFKA, FRANZ. Um Artista da Fome / A Construção. Companhia das Letras. 1a edição. São Paulo, 1999. • KAPLAN, Hl; SADOCK, BJ; GREBB, JÁ. Compêndio de Psiquiatria. Artmed, 7a edição. São Paulo, 1997. • SADOCK, BJ; SADOCK, VA. Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock. Artmed, 3a edição. Porto Alegre, 2002.