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ago 2007 | itaucultural.org.br 2 ITAÚ CULTURAL Idéias sem fronteiras

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ITAÚ CULTURAL

Idéias sem fronteiras

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sumário

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ITAÚ CULTURAL

Arte confluênciaNovos formatos e linguagens para a obra de arte

O som do rabiscoMuito mais do que a música extraída de instrumentos

Dentro da placenta do planeta azulzinhoArnaldo Antunes fala das possibilidades de interação da arte

Áudio e visualAs várias linguagens de uma apresentação de live image

O paradoxo do teatro contemporâneoComo o cinema mudou as artes cênicas

Cinema de retalhosPeter Greenaway é a hibridez em pessoa

Câmera que dançaO casamento entre vídeo e coreografia

Área livreA interação de linguagens em poema visual de Philadelpho Menezes

Misturando tudo

Uma obra de arte – antes de se materializar em um livro, um quadro, um filme – é uma idéia. E idéias não obedecem a fronteiras, ou seja, não obedecem a um único formato ou linguagem.

Em seu processo de criação, o artista pode se valer da interação de linguagens e formatos para criar suas obras. É cada vez mais comum encontrar trabalhos que não se enquadram em uma categoria apenas: trabalhos híbridos, que utilizam recursos das mais variadas expressões artísticas. Esta edição de Continuum Itaú Cultural, com o tema Idéias sem Fronteiras, reflete sobre a interação entre diferentes linguagens e formatos artísticos. A cada mês a revista apresenta um tema central, que é explorado por meio de reportagens, resenhas, artigos e uma entrevista especial.

O limite da criação artística é infinito e permite que várias formas de interação de linguagens e formatos sejam exploradas. Entre as escolhidas pela revista estão os desenhos sonoros do músico e matemático Jônatas Manzolli, o romance em cena de Aderbal Freire-Filho, o cinema transdisciplinar de Peter Greenaway, e a videodança. As performances de live image, que unem música eletrônica e imagens de várias procedências, e o seu potencial de despertar várias percepções

sensórias no espectador são outro dos temas abordados. A poesia visual se coloca como um

dos eixos de discussão na entrevista com o multimídia Arnaldo Antunes e na seção Área Livre, que reimprime o poema visual Máquina, de Philadelpho Menezes.

A Continuum Itaú Cultural prentende criar um canal de comunicação cada vez maior com seu leitor. Além da edição impressa, a revista está presente

no site itaucultural.org.br. Na versão virtual, o leitor poderá ser um colaborador da revista e ter seus textos publicados. Um fórum de

discussões também está aberto à participação de todos. Dê sua opinião sobre a revista pelo e-mail

[email protected].

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Tiragem 10 mil – distribuição gratuita Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento [email protected]. Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554

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capa: mural feito em parceria entre a Cooperativa de Artistas Visuais do Brasil e a Cidade Escola Aprendiz | imagem: Cia de Foto

Continuum Itaú Cultural Projeto Gráfico Jader Rosa Redação André Seiti, Marco Aurélio Fiochi, Thiago Rosenberg Colaboraram nesta edição Cia de Foto, Guilherme Conte, Luiza Fagá Agradecimentos Ana Aly, Humberto Werneck, Micheliny Verunschk

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Arte confluênciaO diálogo entre linguagens e formatos é parte do fazer artístico

Por Guilherme Conte

Os leitores do jornal paulistano Correio da Manhã não sabiam que aquela edição de �8 de março de �9�� trazia um pequeno texto que se tornaria um verdadeiro divisor de águas para as discussões artísticas nas décadas seguintes. Era o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, do escritor, ensaísta e dramaturgo paulistano Oswald de Andrade.

O texto é do mesmo ano do Manifesto Surrealista, do escritor francês André Breton, e nasce em um contexto de estruturas abaladas, conseqüência dos desdobramentos da Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo, em �9��. No manifesto brasileiro, Oswald apresenta um conceito-chave: “Nenhuma forma para a contemporânea expressão do mundo. Ver com os olhos livres”.

Para a poeta, cantora e compositora carioca Beatriz Azevedo, a liberdade é um dado fundamental para olhar a arte contemporânea. “O essencial é que qualquer criador seja capaz de engendrar obras que movimentem as pessoas”, diz. Isso pressupõe uma liberdade de mão dupla: tanto de quem cria, para utilizar as diversas possibilidades que existem – nas diferentes linguagens ou formatos artísticos –, como de quem vê, para tentar apreender a obra em sua plenitude de significados, superando quaisquer rótulos e categorias preestabelecidas.

A própria trajetória de Beatriz é reveladora. Filha de uma pianista e de um arquiteto e poeta, formou-se em artes cênicas pela Unicamp e passou uma temporada em Nova York estudando música. Tem CDs gravados e faz espetáculos que se valem de diferentes linguagens. Sua criação mais recente é Matamoros [da Fantasia], em cartaz em São Paulo até agosto. Trata-se de um espetáculo livremente baseado num conto de Hilda Hilst. Ali há teatro, música, poesia e projeções em vídeo – tudo com base em uma obra literária.

“Levar ao palco um espetáculo é convidar o espectador a uma experiência”, diz. Esse tipo de postura dá ao público fruidor um papel fundamental. “Arte não é defender uma tese. Eu quero uma relação libertária.” A diretora teatral paulistana radicada no Rio de Janeiro Bia Lessa compartilha dessa opinião. “Cada vez mais o olhar do observador é um olhar criador, não só contemplativo.”

reportagem

Cena do espetáculo Matamoros [da Fantasia] | imagem: Lenise Pinheiro/divulgação

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Outras tentativas de reflexão aparecem nos séculos seguintes, mas é o poeta e crítico literário francês Stéphane Mallarmé quem dá a grande guinada que prepara as bases para as vanguardas do século XX. Ele parte de uma consciência aguçada de gêneros e formas para criar obras que transitem entre as fronteiras. Seu poema “Um Lance de Dados” (�897) tornou-se emblemático por propor diálogos com a música, o teatro, o jornalismo.

É nesse contexto que artistas como o francês Marcel Duchamp e o catalão Salvador Dalí radicalizam a discussão e questionam os limites da própria arte. Mais do que “isso é pintura ou escultura?”, a pergunta que lhes interessava era “isso é arte?”. As vanguardas do século XX, que atacam violentamente as fronteiras entre as artes, operam com base nessa discussão.

Tal questão levou a um movimento paradoxal no debate contemporâneo. Em um terreno cada vez mais distante do consenso e dos padrões, pode-se apontar um movimento quase simultâneo de afirmação e rompimento das fronteiras artísticas. “É importante não ter um olhar estanque, dizendo ‘o momento atual é o momento de rupturas’i“, diz Sterzi. Bia Lessa segue na mesma linha: “Para o teatro se afirmar ele tem de sair de si mesmo, dialogar com seu entorno”. Em linhas gerais, as fronteiras devem se afirmar para ser rompidas e devem ser rompidas para se afirmar.

Quando ciência e tecnologia entram na discussão, então, a coisa se torna ainda mais complexa. O pesquisador de novas mídias e artista norte-americano Stephen Wilson, no livro Information Arts: Intersections of Art, Science and Technology (Leonardo Books, �00�), diz que o terceiro milênio encontra um mundo em que a arte, a ciência e a tecnologia estão cada vez mais próximas. O artista caminha ao lado do cientista, que, por sua vez, está de olho no que ocorre no campo da experimentação artística.

O que está em jogo, no fim, são as questões que sempre existiram. “No fundo, quando a questão é o ser humano, onde estamos, para que vivemos, para onde vamos, tudo acaba se completando e se misturando”, diz Bia Lessa. “Os limites que discutimos hoje são éticos, estéticos.” É a arte caminhando junto com os anseios de todos nós.

A obra de arte se completa na recepção, o que gera o questionamento sobre o que é realmente arte, se ela necessita de limites ou parâmetros. Para o multiartista carioca Eduardo Kac, autor de obras transgênicas como Coelho GFP (�000), mais conhecida como o coelho verde Alba, “se é feito por um artista, é arte”.

A escritora e crítica de arte gaúcha Veronica Stigger aponta o século XX como o momento em que as fronteiras artísticas passaram a ser derrubadas com mais rapidez e ênfase. “Surgiram trabalhos que não cabiam nas definições existentes. Não havia mais nomes para definir aquela produção”, diz a autora do livro O Trágico e Outras Comédias (7Letras, �007). “Não se tem mais a idéia de obra de arte como se tinha antes, e as coisas passaram a se misturar mais.”

As décadas de �960 e �970 assistiram ao nascimento de vários conceitos muito caros à arte contemporânea, como o de instalação. Para Veronica, é revelador que talvez o principal deles seja o de “objeto”. “Eram criações artísticas tão diferentes e tão abertas que não se arriscava a ir além de chamá-las de objetos.”

O diálogo e o fazer artístico

Se o século XX é o momento em que as vanguardas radicalizam a preocupação com a multiplicidade de linguagens e o rompimento das fronteiras, não é de hoje que os criadores promovem diálogos ora mais ora menos intensos entre as diferentes formas artísticas.

As próprias “fronteiras” que definem as linguagens são discutíveis desde o início, e esse é um debate presente em toda a história da arte. Não foram poucos os que buscaram definições e parâmetros, e o consenso definitivamente não existe. Questões como “o que é o teatro?” ou “isso é cinema?” tornam-se ainda mais complexas se levarmos em conta que muitas vezes nossos próprios conceitos são fruto de um contexto.

“Isso vem de lá de trás na nossa civilização, desde os gregos”, conta o escritor e crítico literário gaúcho Eduardo Sterzi. “Toda a primeira floração do que hoje definimos como poesia dos gregos era cantada. Era mais ou menos o que hoje poderíamos chamar de letras de música”, diz. O teatro continha música, representação, cantos, arte de máscaras... Havia a idéia da poiesis, mas não tanta preocupação com as delimitações entre as artes.

Embora sejam ainda dos gregos os primeiros movimentos na tentativa de uma reflexão, quando os filósofos passam a se deter sobre as artes – Aristóteles delimita, por exemplo, os elementos da tragédia –, é o Renascimento que estabelece as fronteiras de maneira mais consistente. Começam a aparecer os tratados, como os de música,

pintura e arquitetura. “Mais do que uma reflexão, esses tratados propunham

como cada arte deveria ser, nomeavam os procedimentos

para a criação.”

Hilda Hilst e Beatriz Azevedo | imagem: Lenise Pinheiro/divulgação

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O som do rabiscoOu como escutar uma imagem

Por André Seiti

Um rabisco se desenha na tela do computador. Ao mesmo tempo, um som se desenha nos ouvidos de quem vê o rabisco. Um novo traçado na tela, e um novo desenho sonoro é escutado. Uma imagem que não contempla apenas a visão, mas também a audição. É exatamente isso que propõe o compositor e matemático Jônatas Manzolli com o programa Rabisco, de �00�.

Criado pelo Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Nics) da Unicamp – do qual Manzolli é coordenador –, o Rabisco é um software capaz de hibridizar imagens e sons, transformando desenhos em música. Segundo Manzolli, a estrutura complexa da imagem não acompanhava a complexidade da música. “O Rabisco fez o casamento entre a imagem digital e a música digital”, afirma. “Com ele foi possível criar um domínio sobre essas duas formas de arte, permitindo manipulá-las.” A manipulação e a execução das obras mediadas pelo software são realizadas em performances ao vivo, que abrem margem, assim como outros estilos musicais, à improvisação.

De forma semelhante a outros instrumentos musicais, o Rabisco proporciona toda a liberdade de construção sonora, mas, também como outros instrumentos, segue uma lógica de execução. À medida que os rabiscos – que na verdade são projeções de vetores – sobem verticalmente, o som tende a se tornar mais fraco, e, quando o traçado recai horizontalmente à direita, o som adquire um caráter mais agudo, sempre criando seqüências de notas de acordo com a escala musical.

reportagem

Emoções artificiais?O Rabisco foi inicialmente voltado para a área do ensino musical com o intuito de incitar a percepção de crianças sobre as relações existentes entre espaço e som. Com seu desenvolvimento, o programa passou a ser utilizado atualmente para construir obras sonoro-imagéticas, como Treliças IV: Rabiscos para Piano, Percussão e Imagens Interativas, peça de �� minutos e meio, dividida em cinco movimentos e com sonoridades de instrumentos tipicamente brasileiros, como o caxixi, o pau-de-chuva, o reco-reco e a cuíca.

Representação gráfica de som | imagem: Jônatas Manzolli & Rabisco/divulgação

A formação matemática de Jônatas Manzolli influenciou diretamente não somente na criação de suas composições, mas também no próprio processo de construção de programas de computadores que intermedeiam a relação entre homem e máquina e entre máquina e máquina, como é o caso do Rabisco. Para Manzolli, a grande questão é conciliar os objetivos formais da matemática com os objetivos informais da música, mas adverte: “Muitos usam a matemática para definir a música, acho isso um erro. A matemática é uma boa ferramenta para produzir sistemas abertos, como o Rabisco, nos quais é possível interagir e criar livremente”.

E se a matemática e o computador transmitem a idéia de frieza e racionalidade, Manzolli rebate: “O significado musical nasce do

embate entre a estrutura e o significado representacional das emoções do

compositor. Isso concilia razão e emoção”. Razão e emoção em

rabiscos e sons.

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Dentro da placenta do planeta azulzinho

Por Marco Aurélio Fiochi

Faço, Desfaço, Refaço, título da peça teatral da artista plástica franco-americana Louise Bourgeois, encenada no Brasil por Denise Stoklos entre �005 e �006, descreve muito bem o processo criativo de Arnaldo Antunes. Músico, poeta, compositor e artista visual paulistano, ele poderia incorporar à lista de seus múltiplos talentos o de ser também um perspicaz editor. “A edição está em quase tudo o que faço. Tenho de escrever, olhar, cotejar, experimentar várias versões, salvar, imprimir, rascunhar, mudar a ordem das partes.” Nesta entrevista, além de método de trabalho, música, poesia verbal e visual, Arnaldo fala de produções híbridas, da interação de linguagens artísticas, e afirma ainda ser necessária a classificação de obras pelo seu gênero, apesar de a arte estar cada vez mais sem fronteiras. “As linguagens precisam de certa compartimentação. Mas isso não significa que não haja liberdade de namoro entre elas.”

Ao iniciar sua carreira-solo, você passou a elaborar projetos que envolvem música, literatura, artes visuais. Essa transcendência foi natural, uma conseqüência de suas referências, ou você arquitetou a mudança?

Tudo o que faço envolve o trabalho com a palavra, seja ela cantada, seja ela escrita e associada a sua materialidade gráfica, seja ela ainda em movimento na tela de um vídeo. O trabalho com a palavra é um lugar de onde me aventuro para outras linguagens. Desde que comecei a fazer música, fazia também poesia escrita, gostava de trabalhar com caligrafia. Meu primeiro livro chama-se Ou E (edição do artista, �98�), anterior ao começo dos Titãs, e já tinha a idéia de integrar a poesia às artes visuais. Ao mesmo tempo, fiz performance, na Banda Performática. Durante os dez anos em que participei dos Titãs, também publiquei livros de poemas, como Psia (Iluminuras, �986), Tudos (Iluminuras, �990) e As Coisas (Iluminuras, �99�), participei de exposições, fiz trabalhos visuais, sempre como uma atividade paralela. Quando saí dos Titãs, em �99�, quis juntar todas essas frentes em um mesmo projeto, o Nome, em que coloquei minhas ansiedades na área da poesia. Essas referências vieram a se encontrar numa terceira linguagem, com o vídeo, e na utilização dos recursos de animação digital. Com o projeto Nome, lancei simultaneamente um vídeo, um CD e um livro. Explorei a simultaneidade que se tem ao ler uma palavra em movimento e ao mesmo tempo ao escutar outra palavra, ao atritar as duas vias de recepção verbal. Estava muito seduzido pela inserção de movimento na escrita. Pude usar todos os recursos gráficos que aprendera em artes-finais de livros ou na poesia visual e ainda inserir movimento, a dimensão do tempo. A escrita tende para a música pelo fato de ocorrer não só no espaço, mas também no tempo. Depois de Nome, continuei a fazer música, livros, performances, intervenções, exposições. Muitas vezes essas coisas se encontravam, e se alimentavam umas das outras.

entrevista

Você acredita que em suas obras as várias linguagens interajam para criar significados diferentes daqueles que se poderia obter caso cada uma delas fosse tratada isoladamente?

Em minha obra, o uso de elementos visuais ligados à poesia é em parte relevante e em parte não conta tanto. Há poemas que são mais verbais e não carecem tanto do tratamento gráfico. Há outros que estão estruturalmente ligados à maneira como eu disponho o corpo da letra, o tipo. Alguns são manuscritos, alguns fundem imagem e texto, alguns usam cor. Isso determina o ritmo da leitura, serve como pontuação. Às vezes, se quer imprimir uma leitura não-linear, mas fragmentária, ou oferecer muitas possibilidades de leitura. Pode-se imprimir determinado ritmo de leitura, dar sugestões de sentido que vão além do verbal. Muitas vezes, o poema é feito para ser lido de uma maneira que só um dado contexto visual ou gráfico pode dar. Em alguns casos, esses poemas acabam virando objetos tridimensionais.

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Quando você tem uma idéia para algum trabalho, ela já vem com um formato definido?

Isso varia, às vezes crio um poema, mas vejo que vai ganhar força se for agregado a uma forma gráfica inusual. E, às vezes, o poema só existe porque foi pensado com determinado efeito de manuscritura, de objeto. Essa questão se colocou de forma intensa no vídeo Nome, pois estava começando a tomar contato com os recursos de programas de animação e de tratamento de imagem. Desde então, passei a criar poemas especialmente pensados para agregar determinados efeitos.

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É possível que essa separação funcional um dia chegue a ruir?

Não dá para prever isso. Sempre surgem novos nomes, por exemplo, instalação, site specific, denominações que abarcam obras em que a mistura se dá de um jeito novo. As pessoas são muito apegadas a nomear gêneros, estilos, linguagens, para identificar certas obras com outras. Mas a definição pode ser redutora do potencial dessa obra. Para mim, o que é claro é que os novos meios não vão substituir os antigos. Pode haver vitalidade tanto nos meios tradicionais quanto nos novos meios. Não é porque se faz poesia utilizando-se os meios digitais de distorção de letra, de inserção de movimento, de redução de imagem, que vai se perder o interesse pela poesia que está nos livros. Por outro lado, existe uma precariedade na idéia de especialização. Na área das artes plásticas, então, nem se fale! Porque os materiais e suportes se pulverizaram tanto, em tantas possibilidades de escolha... Na música também. Quem faz música hoje em dia está necessariamente envolvido com várias linguagens: tem de pensar no clipe, na capa do disco, na atitude, no comportamento, na visualidade, na performance ao vivo, no figurino, no cenário, no gesto, na dança. Tudo isso faz parte da música popular. Não é só gravar e ter uma voz afinada!

Uma das interações entre linguagens mais conhecidas é a existente entre música e letra. Esse “casamento perfeito” está ameaçado ou ainda será duradouro?

Não vejo ameaça nenhuma! A canção é uma linguagem que existe há séculos e está ligada à expressividade da fala. Sempre surgem novas formas de fazer canção. O rock não é só a melodia e o ritmo, é também a timbragem, os planos dos instrumentos. O rap trouxe novos elementos que possibilitaram outro tipo de casamento entre texto e música. Cada vez mais temos a liberdade de atritar informações de várias áreas, de gêneros diferentes. A música que me interessa não tem uma classificação, não se pode dizer que é rock, reggae, funk, baião, samba. Esses gêneros estão a tal ponto interligados que pouco interessa o que são.

Então, a separação entre o que é cinema, música, literatura, teatro também se transforma? Como definir literatura, se ela também tem sonoridade, e se na música também há literatura?

Talvez haja uma crise dos gêneros, que acaba resultando em uma crise de linguagens. Claro que essas denominações são funcionais. Vai-se ao cinema para assistir a um filme do Spielberg, do Godard ou a um documentário. Cada um deles tem uma linguagem diferente, mas são denominados cinema porque existe uma maneira de as pessoas se comportarem naquele lugar. Casos como esse mostram que as linguagens precisam de certa compartimentação. Mas isso não significa que não haja cada vez mais liberdade de namoro entre elas. A divisão existe até para determinar como exibir a obra. Essa questão se apresentou quando lancei Nome. Na época, houve uma dúvida se o melhor lugar para esse produto seria a loja de disco, a locadora de vídeo ou a livraria. Era um produto de difícil compreensão.

Em um trabalho híbrido o artista é mais criador ou mais editor?

No meu caso, a questão da edição está em quase tudo o que faço, não só em obras híbridas, mas em textos, canções. O procedimento de colagem surgiu com a modernidade, no começo do século passado. Os movimentos de vanguarda começaram a usar a colagem não só do papel, mas a escrita como colagem de informações fragmentárias, estilhaços de palavras, de várias formas, até a partícula mínima, que é a letra. Isso ocorre na literatura, nas artes plásticas e no cinema, que apresentou a possibilidade de decupar, usar a montagem como efeito de colagem seqüencial. Sinto-me um fruto dessa tradição. Transformo em matéria os rascunhos, os pensamentos. Tenho de escrever, olhar, cotejar. Os meios digitais são muito adequados a esse pensamento mais fragmentário. Quando faço uma arte-final, posso experimentar várias versões, salvar, imprimir, rascunhar, mudar a ordem das partes. Eu penso materialmente, penso olhando a obra. Trabalho tanto por adição, ao criar informações, como por subtração, ao eliminar sobras até chegar ao que realmente interessa. Esse é um processo que muitas vezes leva a um desvio. Inicialmente eu quero dizer uma coisa e acabo dizendo outra. Numa música, experimento caminhos, gravo vários tipos de melodia, ouço repetidas vezes, até sentir que está finalizada.

Que linguagem você ainda não usou e gostaria de usar?

Gostaria de criar objetos que tivessem movimento na escrita, mas que não fossem vídeos, e sim objetos mecânicos. Nunca trabalhei com holografia, mas desejo fazê-lo. Gostaria de lidar com cinema, mas é uma linguagem de um custo muito alto. E tenho desejo de escrever alguma prosa. Tenho um projeto antigo, mas que não encontro tempo para fazer. Não é nada híbrido, é uma volta para algo muito primário da escrita. Fora isso, há um projeto em que venho trabalhando há muitos anos, o registro de placas de ruas, anúncios de lojas, sinalizações, escritas da cidade. A toda cidade onde vou, fotografo dizeres, e quero fazer uma fotonovela, uma história em quadrinhos em que use essas palavras.

Se há uma fronteira entre as áreas de expressão artística, qual é?

Eu acho que a arte é um território sem fronteiras, e ao mesmo tempo um território para questionar as fronteiras, derrubar muitas delas. Falamos de fronteiras entre gêneros, linguagens, mas há também fronteiras entre repertórios, entre o popular e o culto, o sofisticado e a cultura de massa. A arte põe em xeque todas elas. Em termos de circulação de informação artisticamente expressiva, eu acho que estamos em um território de liberdade, que possibilita o convívio com a diferença, o enriquecimento por meio de informações novas, de outros povos. Os campos do conhecimento vêm se hibridizando também. Por exemplo, as conferências e os textos de Buckminster Fuller [filósofo, designer, arquiteto, artista, engenheiro e inventor norte-americano] são ao mesmo tempo arte e ciência. Para mim, é uma referência para pensar o mundo sem fronteiras geográficas. Em um de seus textos, ele escreveu “a Terra é um útero”, como se seres humanos fossem as células que estivessem se preparando para um nascimento grupal. É um pensamento muito interessante. Creio que me inspirei nele ao fazer o verso “Dentro da placenta do planeta azulzinho”, da canção Tribalistas.

Arnaldo Antunes | imagens: Cia de Foto

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reportagemÁudio e visualArtistas improvisam sons e imagens em performances ao vivo

Por André Seiti e Thiago Rosenberg

Cinema ao vivo, videoperformance, música visual, live image. O contínuo avanço das tecnologias digitais cria um cenário marcado por novas e instigantes experiências audiovisuais. Um cenário no qual é difícil discernir entre espetáculos musicais e espetáculos visuais, e que tem entre seus protagonistas os chamados DJs, VJs e, mais recentemente, CJs – repentistas audiovisuais: artistas que criam, misturam, combinam, colam e improvisam imagens e sons em tempo real.

De acordo com a curadora e pesquisadora na área de vídeo Christine Mello, não se pode falar em linguagem digital sem falar em linguagem híbrida. “Os meios digitais são o ambiente criativo de todas as mídias”, diz. No caso das apresentações audiovisuais, o diálogo entre música e imagem pode se dar de diferentes maneiras. Ora as notas musicais do DJ acompanham o vídeo, ora são as imagens projetadas pelo VJ que seguem a música, ora ambas são manipuladas simultaneamente, tendo em vista a construção de um novo ambiente ou de uma narrativa.

Ainda na época do cinema mudo, a experiência do público não se resumia em assistir ao filme que era projetado na tela. Era comum, nas salas de projeção, a presença de um músico ou de um narrador, que acompanhava, musical ou verbalmente, as imagens. No Japão, por exemplo, o benshi narrava ao lado da tela o que se passava no filme, além de emprestar sua voz aos diversos personagens e interpretar à sua maneira a obra. Uma sessão de cinema não era apenas uma projeção – era também uma performance ao vivo.

Se, em meados da década de �9�0, o avanço tecnológico – leia-se o advento do cinema sonoro – foi responsável pela abolição desse caráter espontâneo nas apresentações cinematográficas, ele também possibilitou, nos últimos anos, a potencialização desse mesmo caráter. E assim temos hoje sessões em que tanto as imagens quanto os sons são elaborados na mesma hora em que são apresentados.

Um bom exemplo da junção entre o espetáculo sonoro e o espetáculo visual é realizado pela dupla britânica Addictive TV, que, formada pelos VJs Graham Daniels e Tolly, mostra em tempo real recortes de filmes combinados com músicas. Em maio de �007, a dupla esteve no Skol Beats, festival de música eletrônica ocorrido em São Paulo. Um dos pontos altos da apresentação foi a exibição de trechos do filme Kill Bill, do diretor norte-americano Quentin Tarantino, ritmado ao som da canção Another One Bites the Dust, da banda de rock inglesa Queen.

A artista visual paulistana Rachel Rosalen faz questão de lembrar que o trabalho de edição de imagens e de sons em tempo real pode servir a diferentes propósitos. “Existem as apresentações de VJs que, mais associadas à música, visam apenas à construção de um ambiente imersivo, em que o público não precisa necessariamente pensar nas imagens. E existe o cinema ao vivo, ou live cinema, mais preocupado com a elaboração de uma narrativa ao vivo.” É nesse segundo campo que a criadora do espetáculo de live image Ensaio sobre a Crueldade ou o Encontro do Sr. Fatzer com a Rainha de Copas (foto) concentra seu trabalho. “Live cinema não é diversão, mas outra fruição do que se pode entender como cinema expandido ou cinemática”, diz. “Remete a uma reflexão sobre um tema e a uma discussão de linguagem e se enquadra no que reconhecemos como arte contemporânea.”

Em Ensaio sobre a Crueldade, Rachel conta com a colaboração de dois músicos que trabalham com improvisação livre (Thomas Rohrer e Antonio Panda) e de uma atriz (Patrícia Gordo) em um espetáculo de imagens, sons e movimentos corporais improvisados, todos abordando a estupidez da guerra.

DJ + VJ = CJ

Se o DJ e o VJ manipulam, respectivamente, sonoridades e imagens em tempo real, o CJ, ou cinejóquei, une o trabalho desses dois personagens. No Brasil, artistas como Aléxis Anastasiou – reconhecido como o primeiro VJ do país – e o coletivo Embolex já promovem apresentações do tipo. O Embolex, inclusive, é uma das atrações da próxima edição do Festival de Cinema do Rio, que ocorre entre �0 de setembro e � de outubro na capital fluminense. No evento – idealizado pelo artista paulistano Luiz Duva –, o grupo apresenta o trabalho Marginalia 2, no qual aborda questões ligadas a autoria e tradução num improviso de imagens e sons provenientes, entre outros, de filmes como Bang Bang, de Andrea Tonacci, e A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla.

Mas é possível uma pessoa se preocupar com as improvisações de áudio e de vídeo? Fernão Ciampa, do Embolex, diz que, ao menos para ele, não. “O Aléxis já atuou sozinho, mas para mim é impossível fazer um trabalho desses individualmente.”

O público também tem sua função. Aléxis acredita que, mesmo não havendo de fato uma interação, o público é determinante em quase todos os espetáculos. “Qualquer apresentação que envolva improviso é interativa”, afirma, “pois é justamente a reação do público sobre esse improviso que faz com que o artista determine o caminho a seguir.”

A artista visual Rachel Rosalen (à dir.) improvisa projeções em Ensaio sobre a Crueldade | imagem: Cia de Fotodi

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O paradoxo do teatro contemporâneoComo o cinema libertou as artes cênicas da imitação do real

Por Guilherme Conte

“O cinema falado é o grande culpado da transformação”, já cantava Noel Rosa nos versos de Não Tem Tradução, de �9��. O Poeta da Vila era um homem muito perspicaz, disso todo mundo sabe. O que ele provavelmente não imaginou ao escrever a canção eram os efeitos que esse cinema falado teria sobre os rumos do teatro.

O início do século XX assistiu ao teatro de representação naturalista como estética dominante. O naturalismo nasceu como uma radicalização do teatro realista e tinha no centro de sua concepção a busca por uma encenação que se aproximasse o máximo possível da realidade. Tudo o que acontecia no palco deveria corresponder quanto pudesse ao fato original.

A chegada do cinema falado, e posteriormente do teleteatro, foi um golpe fatal para a noção de encenação realista. Não havia como brigar com os transatlânticos, os elefantes e as paisagens que chegavam pela tela. O teatro teria de se reinventar para competir lado a lado com todo aquele mundo novo que se desenhava.

Quem aponta o surgimento da telona como divisor de águas no teatro é o diretor cearense radicado no Rio de Janeiro Aderbal Freire-Filho. Ele vem se dedicando, desde �990 – com a montagem de A Mulher Carioca aos 22 Anos, com base no romance homônimo de João de Minas publicado em �9�� –, a um projeto estético que ele mesmo concebeu: o “romance em cena” (veja box). Em linhas gerais, consiste em transpor para o palco um livro tal qual ele é, sem cortes ou adaptações. Os atores ficam responsáveis tanto pelos personagens e pela ação dramática como pela narração, que se dilui entre todos os que estão em cena.

Para chegar aí, Aderbal recua um pouco no tempo e volta a dois dramaturgos: o russo Anton Tchekhov e o norueguês Henrik Ibsen, atuantes na segunda metade do século XIX. “Eles foram os primeiros a ‘superar fronteiras’ quando subverteram as próprias convenções dramáticas”, diz. “O teatro se expressava por palavras e ali as pessoas não conseguiam mais se comunicar. Elas falavam de banalidades, mas tinham vidas muito mais profundas do que as que conseguiam de fato comunicar.”

Ali estavam as bases para a chegada do homem que Aderbal considera “o grande demolidor de fronteiras”: o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. “Ele chegou à conclusão de que o palco do realismo naturalista trabalhava contra o dramaturgo, com todos os seus limites e convenções.” O autor de Mãe Coragem e Seus Filhos, de �9�9, levou à prática então o teatro épico, propondo a inclusão do narrativo. Épico em oposição ao dramático, narrativo em oposição ao aristotélico.

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O xeque-mate na concepção realista-naturalista foi o advento do som no cinema, na virada para a década de �9�0. A pergunta que passou a ocupar muitos debates na época foi: “O cinema falado vai matar o teatro?”. Aí nasceu um dos paradoxos que acompanham o teatro desde então.

O cinema, em vez de matar o teatro, o libertou de seu compromisso com a busca da imitação do real. O que morreu, sim, foi aquele teatro velho, limitado por convenções e dogmas. “Ele cresceu livre para percorrer novos caminhos e linguagens”, avalia Aderbal. “Evidentemente essa compreensão até hoje não é plena, mas muita coisa mudou.”

Desde então se estabeleceu um diálogo, ora mais ora menos intenso, entre o teatro e o cinema. Este transcende a mera utilização de recursos audiovisuais pelos encenadores contemporâneos e diz muito mais respeito, por exemplo, à assimilação pelo teatro de estratégias narrativas consolidadas pelo cinema. O que fica para a história é o papel libertador que o cinema exerceu sobre os rumos do teatro.

A literatura sobe ao palco

O “romance em cena” vem embebido do espírito da busca por liberdade, um teatro sem limites. Em última instância, sem fronteiras. “Ele me dá possibilidades de contar histórias do jeito que eu quiser”, aponta seu criador, Aderbal Freire-Filho. O romance ganha vida no palco, respeitando o estilo literário do autor – fato bem evidente em uma de suas montagens mais recentes, O Púcaro Búlgaro, do escritor mineiro Campos de Carvalho. “A discussão sobre ‘teatro de imagem’ e ‘teatro da palavra’ sempre me soou absurda. É possível, sim, haver um teatro de muita palavra e muita imagem.”

A concepção de Aderbal busca o equilíbrio entre o épico e o dramático, resultando em um teatro diferente, autônomo, que busca o diálogo com um fator importante para a história do teatro desde seus tempos mais remotos: a imaginação do espectador. Isso garante aos “romances em cena” do diretor uma ilusão própria e especial.

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Cinema de retalhosConvidado do 16º Festival Videobrasil, o britânico Peter Greenaway compõe seus filmes com elementos de diferentes expressões artísticas

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Peter Greenaway | imagem: divulgação

Tulse Luper no Brasil

Peter Greenaway é um dos convidados do �6º Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc Videobrasil, que ocorre entre setembro e outubro de �007, em São Paulo. O artista apresenta desdobramentos de um de seus projetos mais ambiciosos, The Tulse Luper Suitcases (As Maletas de Tulse Luper), que envolve uma trilogia de filmes, um jogo e um site na internet, DVDs, exposições em vários países, apresentações de VJ e livros.

A visita oferece uma boa oportunidade para pensar num contexto mais atual a obra do artista. Para Ricardo Calil, crítico de cinema da revista Bravo! e do jornal Folha de S.Paulo, Greenaway continua inovador, tentando extrapolar as fronteiras entre as várias áreas de expressão artística, mas seu nome passou a circular menos nas salas de cinema e mais em outros espaços, como exposições e óperas. Inácio Araujo, também da Folha de S.Paulo, é menos afável. “Sempre o achei muito desinteressante, muito pernóstico”, afirma o crítico, que não vê a relação do cinema de Greenaway com as artes plásticas como uma inovação. “Essa relação sempre existiu.”

Que impacto sua produção audiovisual nos causa hoje? São fórmulas repetidas que vemos em seus trabalhos mais recentes?

Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, diz não ter uma

resposta certa: “É uma boa pergunta a se fazer ao Greenaway quando

ele estiver aqui”.

Por Thiago Rosenberg

Artes plásticas, literatura, música, teatro, dança. As mais variadas expressões artísticas se reúnem no cinema de Peter Greenaway. Um cinema repleto de citações, alusões, referências – não somente cinematográficas. Um cinema que transforma a sala de projeção em museu, galeria, auditório de teatro, casa de espetáculos musicais, biblioteca.

Formado em pintura, Greenaway começou, em �965, a montar e editar filmes documentários e de informação para o governo inglês no Central Office of Information (Escritório Central de Informação). Hoje, aos 65 anos, é o hibridismo artístico em pessoa: além de cineasta, atua como pintor, curador, produtor de instalações, escritor, videasta, diretor de ópera e VJ.

Simultaneidade de códigos

Autor do livro Introdução ao Cinema Intertextual de Peter Greenaway, o artista visual, pesquisador e professor Wilton Garcia aponta a simultaneidade como um aspecto fundamental na obra do artista. “É a simultaneidade de códigos de diferentes linguagens que gera a linguagem greenawayana”, afirma. Ele cita como exemplo um plano de A Última Tempestade, de �99�, no qual a idéia de fogo é exibida ao mesmo tempo como imagem, som e texto. O Livro de Cabeceira, de �996, evidencia outros tipos de simultaneidade. Como nas pinturas cubistas do francês Georges Braque e do espanhol Pablo Picasso, são sobrepostos num único plano diferentes pontos de vista e temporalidades. E é o espectador, como que diante de um quadro, quem decide se quer observar por este ou por aquele ângulo, se quer olhar para o passado ou para o presente.

A relação do cinema de Greenaway com a pintura não se limita ao “cubismo audiovisual” de O Livro de Cabeceira. Há elementos de cada conceito fundamental da história das artes plásticas em seus filmes. Há algo de classicismo no equilíbrio e na simetria dos enquadramentos em Z00 – Um Z e Dois Zeros, de �985. Algo de barroco no excesso de informações visuais nos planos de A Última Tempestade. Há ecos de Caravaggio em O Contrato do Amor, de �98�, e referências à obra de Francis Bacon nos alimentos em decomposição de O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante, de �989.

O Livro de Cabeceira: o cubismo audiovisual de Greenaway | frames: Spectra Nova

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Câmera que dançaVideodança: a coreografia pensada para o vídeo

reportagem

Por Luiza Fagá

Dziga Vertov, cineasta ucraniano autor de Um Homem com uma Câmera, de �9�9, afirmava que, se fossem dadas câmeras a duas pessoas para que filmassem um espetáculo de dança e uma permanecesse sentada na platéia enquanto a outra passeasse pelo palco, ele não precisaria nem assistir às duas gravações para escolher a melhor: a segunda. Isso porque “num balé, o espectador acompanha, efetivamente, e de modo desordenado, ora o grupo de bailarinos, ora, ao acaso, uma expressão facial (...). A câmera ‘dirige’ o olho do espectador das mãos às pernas, das pernas aos olhos etc., na ordem que mais lhe favoreça, e organiza os detalhes graças a uma montagem cuidadosamente estudada”.

A videodança, surgida em fins da década de �960, é um gênero híbrido entre cinema e artes do corpo. Integra coreógrafos e videomakers em uma experiência artística que não é só dança nem só videoarte, e sim a comunhão dessas duas linguagens. Quase 85 anos depois do tratado publicado por Vertov, ela mostra que a regra do cineasta continua valendo.

O videomaker Matheus Rocha, premiado pelo programa Rumos Itaú Cultural Dança �006-�007 com Sensações Contrárias, trabalho em conjunto com o também videomaker Amadeu Alban e o coreógrafo Jorge Alencar, é enfático ao afirmar que o que diferencia dança e videodança não é apenas o suporte, e sim a linguagem cinematográfica. “Uma dança ao vivo filmada por uma câmera não poderia ser considerada videodança. Ver um vídeo de registro é como estar em um teatro vendo a dança no palco, mas sem a emoção de estar lá.” Alex Cassal, videomaker contemplado pelo mesmo programa, com Jornada ao Umbigo do Mundo, em parceria com a coreógrafa Alice Ripoll, afirma que “o vídeo tem o seu foco muito definido, aquilo que vai ser visto já está enquadrado. Em um espetáculo, de modo geral, o campo de visão é muito maior, o espectador pode escolher olhar para algo que não é necessariamente o foco escolhido pelo diretor”.Frame da videodança Sensações Contrárias, de Amadeu Alban, Jorge Alencar e Matheus Rocha

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Frame da videodança Jornada ao Umbigo do Mundo, de Alex Cassal, Alice Ripoll e Theo Dubeux

Imagens nada estáticas

Gil Grossi é fotógrafo, dançarino e professor. Começou como fotógrafo, mas, ao prestar serviço para uma companhia de dança, recebeu aulas como pagamento. Gostou. Desde �985 ele pesquisa, em parceria com Luciana Bortoletto, a fusão da linguagem fotográfica com a dança contemporânea. Essa união entre linguagens foi batizada de fotodança. Grossi não vê paradoxo entre o movimento essencial da dança e o estático suporte fotográfico. Para ele, a fotografia tem, sim, movimento, que é construído na composição do quadro. “Na fotografia seu olho dança”, afirma. Ele se diz apaixonado pelo registro do movimento. “O que se mexer eu fotografo.”

Videomaker coreógrafo, coreógrafo videomaker

Celina Portella, coreógrafa parceira da videomaker Elisa Pessoa, dupla também contemplada pelo Rumos Itaú Cultural Dança �006-�007, com a videodança Passagem, concorda com os colegas e diz que a videodança é “completamente diferente” de um simples registro em vídeo. Segundo ela, a concepção da coreografia em uma videodança leva em consideração o ponto de vista da câmera, e não o de uma platéia. “Não adianta fazer um movimento supercomplexo se a câmera está enquadrando uma expressão facial.” Matheus completa: “A coreografia na videodança está aliada a enquadramentos e fragmentação. Ela existe por causa da câmera e da montagem, não existe sozinha”. Segundo Alex, o nível de interferência que a linguagem audiovisual terá na coreografia depende da dinâmica construída pela equipe. “Acredito que as escolhas básicas sejam onde colocar o olho da câmera/espectador e quanto a edição vai interferir na fruição do espetáculo”, diz ele.

Como em qualquer linguagem híbrida, coreógrafos estabelecem uma relação de interdependência. Para Matheus, em uma videodança coreógrafo e videomaker têm “a mesma importância, sem sombra de dúvida”. Para explicar, ele afirma que o limite entre as funções não é tão claro. “O videomaker também é coreógrafo, porque está construindo a dança por meio de uma linguagem que é cinematográfica. E o coreógrafo é também videomaker, uma vez que ele tem de pensar o movimento dentro de um quadro e como parte de uma seqüência de outros movimentos que estarão juntos na montagem.”

Celina também acredita que o ideal é que seja atingido o equilíbrio entre as partes. Ela ainda afirma que o entrosamento é fator fundamental para o bom resultado. A coreógrafa trabalha sempre com a videomaker Elisa. “Isso ajuda muito, pois eu conheço a forma de ela trabalhar. A coreografia e a câmera conversam.”

Gil Grossi captura o movimento em foto do espetáculo Ruído, do Núcleo Artérias, �007

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Philadelpho MenezesMáquina, �980fotografia

Philadelpho Menezes (�960-�000) dedicou-se à poesia visual e à poesia sonora, e editou o primeiro CD desse gênero literário no Brasil. O poema visual Máquina trabalha a interação de linguagens ao criar um novo sentido verbal e visual por meio de códigos numéricos.

área livre

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