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Janeiro de 2007 • Ano 4 • nº 30 www.desafios.org.br do desenvolvimento desafios Janeiro de 2007 • Ano 4 • nº 30 desafios EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA As vantagens e os riscos dessa modalidade de ensino que pode ajudar o país a reduzir o déficit educacional ECONOMIA SOLIDÁRIA Já existem quase 15 mil empreendimentos de autogestão, mas eles ainda enfrentam problemas básicos CULTURA Lei de incentivo cultural completa 20 anos e, apesar de recorde de captação, ainda gera polêmica Energia nuclear R$ 8,90 Ameaça de desabastecimento e avanços tecnológicos trazem de volta a discussão sobre novas usinas atômicas no Brasil Capa_OK 02/01/07 15:39 Page 1

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30

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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIAAs vantagens e os riscos dessa modalidade de ensino que pode ajudar o país a reduzir o déf icit educacional

ECONOMIA SOLIDÁRIAJá existem quase 15 mil empreendimentos de autogestão, maseles ainda enfrentam problemas básicos

CULTURALei de incentivo cultural completa 20 anos e, apesar de recorde decaptação, ainda gera polêmica

Energia nuclear

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Ameaça de desabastecimento e avanços tecnológ icos trazemde volta a discussão sobre novas usinas atômicas no Brasil

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4 Desafios • janeiro de 2007

Aristides Monteiro NetoSem temer a volta das políticas regionais

Bruno AraújoCompetição pela competitividade?

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Ignacy SachsO estudioso franco-polonês coloca os valores humanos acima de tudo

Energia A opção atômicaAmeaça de racionamento energético traz de volta o debate sobre usinas nucleares

Economia A dura vida da sociedade alternativaExistem quase 15 mil empreendimentos no Brasil que funcionam à base da autogestão

Educação A viagem do conhecimentoNovas tecnologias para o ensino a distância podem reduzir o déficit educacional

Sociedade As dimensões da pobrezaTécnicos do Ipea concebem índice que permite medir a pobreza família a família

Políticas Públicas Aquarela do BrasilLei de incentivo à cultura completa vinte anos e sofre correções

Melhores Práticas Fábrica de sonsA Weril Instrumentos Musicais conquista os mercados europeu e norte-americano

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Sumário

Artigos

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Giro

Circuito

Estante

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Cartas

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Seções

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Debate sem FronteirasExcepcionalmente, a seção Debate semFronteiras não foi publicada nesta ediçãoporque o Ipea só retomará a realizaçãodos eventos em janeiro de 2007

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6 Desafios • janeiro de 2007

O ano de 2006 terminou com uma excelente notícia para todos nós, da Desafios,e em especial para o repórter Anderson Gurgel. Ele é o autor da reportagem “Riquezase misérias de uma paixão nacional', veiculada na edição de julho passado e premiadacomo a melhor matéria brasileira sobre Copa do Mundo no concurso promovido pelaAvaya, uma das patrocinadoras mundiais do evento. O reconhecimento do nossotrabalho faz com que comecemos o ano novo cheios de ânimo e com vontade deproduzir uma revista cada vez melhor. Neste primeiro número de 2007, trazemos nacapa um tema polêmico. Deixada de lado por algumas décadas, a energia nuclear voltaa ser considerada uma das possíveis opções para evitar o desabastecimento. Há os queacham um desperdício deixar de explorar nossas imensas reservas de urânio, assimcomo desistir de Angra 3, uma usina na qual já foram investidos mais de 700 milhõesde dólares. Por outro lado, o fantasma dos acidentes nucleares faz com que ecologistasagitem suas bandeiras em defesa da saúde humana e do meio ambiente. É exatamentedesse embate que trata a reportagem de capa, mostrando os prós e os contras de umcaminho viável, porém cheio de riscos e desafios. Outro processo igualmente difícil é o que encaram os mais de 15 mil empreendimentos ligados à economia solidária.Surgidos na década de 1980, eles ainda lutam contra a falta de profissionalismo, asdificuldades para conseguir crédito e a perda de clientes. Mesmo assim, são vistoscomo uma forma mais humana de produção e uma alternativa para os milhões dedesempregados. Por falar em trabalho, o entrevistado deste mês é um estudioso quededica seu tempo à busca de soluções para os que sofrem com a carência de recursos.Ignacy Sachs, o renomado economista franco-polonês, propõe a adoção, no Brasil, deum programa de emprego garantido, que foi aplicado com sucesso na Índia.Vale apena conhecer as idéias desse pensador. Na reportagem “A viagem do conhecimento”,falamos sobre uma nova possibilidade que a tecnologia abriu para os que não têmacesso ao ensino: a educação a distância. A matéria mapeia a evolução dessamodalidade e fala sobre os perigos a serem considerados para evitar que se repitam, nomundo virtual, os problemas que os estudantes enfrentam no mundo real. Tambémtrazemos a reportagem “Aquarela do Brasil”, que aproveita os vinte anos de leis deincentivo cultural para mostrar os grandes avanços conquistados nessa área, assimcomo algumas correções que ainda precisam ser implementadas para que o melhor dacriatividade nacional possa chegar a todos os brasileiros.Ainda tem uma reportagemapresentando um novo índice, desenvolvido pelos pesquisadores do Ipea, que permitemapear a pobreza família a família, auxiliando o desenvolvimento das políticas deapoio. E, por fim, há uma bela matéria contando a história da fábrica de instrumentosmusicais Weril, que, por meio dos Centros de Distribuição disponibilizados pelogoverno no exterior, conseguiu conquistar os mercados europeu e norte-americano.Esperamos que você goste. Boa leitura e um maravilhoso 2007!

Andréa Wolffenbüttel, Jornalista Responsável

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

Carta ao leitor

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desafiosdo desenvolvimento

www.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Luiz Henrique Proença Soares

Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE INTERINO NO BRASIL Kim Bolduc

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

ASSISTENTE Mary Cheng

CONSELHO EDITORIAL Andréa Wolffenbüttel,Alexandre Marinho, Bruno Araújo, Divonzir Gusso,Francisco Gaetani, João Carlos Magalhães,Leonardo Rangel, Luiz Fernando L. Resende,Luiz Henrique P. Soares, Mary Cheng, Murilo Lobo,Pérsio Davison, Renato Villela,Yolanda Polo

RedaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801CEP 70076-900 - Brasília, DFTel.: (61) 3315-5188 Fax: (61) 3315-5031

JORNALISTA RESPONSÁVEL Andréa Wolffenbüttel

ColaboradoresTEXTO Ottoni Fernandes Jr., Lia Vasconcelos,Eliana Simonetti, Anderson Gurgel, Katja Polissenie Sucena Shkrada Resk

FOTOGRAFIA Samuel Iavelberg e Zarife Assi

ILUSTRAÇÃO Orlando Pedroso

REVISÃO Ivana Gomes

ARTE E DIAGRAMAÇÃO Renata Buono DesignRenata Buono, Rafaela Ranzani e Júlia Freitas Elias

FOTO DA CAPA Robert Harding/Getty Images

Circulação e PublicidadeRua Urussuí, 93, 13° andarCEP 04542-050 - São Paulo, SPTel./Fax: (11) 3073-0722

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OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE,A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DO CONTEÚDO DA REVISTA.

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Desaf ios • janeiro de 2007 7

A r i s t i d e s M o n t e i r o N e t oARTIGO

Sem temer a volta das políticas regionais

Divu

lgaç

ão oltaram ao cenário político brasileiro aSuperintendência de Desenvolvimentodo Nordeste (Sudene) e a Superinten-dência de Desenvolvimento da Amazô-

nia (Sudam).Será essa volta apenas uma figura deretórica ou, de fato, teremos novamente institui-ções voltadas para a reorganização do planeja-mento regional nas regiões Norte e Nordeste dopaís? Exceto pela ampla disseminação,desde a dé-cada de 1990, de uma ideologia de forte viés anti-estatista – a qual, depois de varrer o mundo, imis-cuiu-se rapidamente em nosso país –,não existemmuitas razões para se opor ao renascimento doplanejamento regional.Na verdade,há vários mo-tivos para que o contrário ocorra.

Três fortes razões podem ser aqui lembradas.Primeira: o arremedo de políticas supostamentebenéficas propostas pelo Consenso de Washington,de forte liberalização financeira e comercial, im-postas à economia brasileira desde o início de1990, provocou um desvirtuamento na trajetóriade longo prazo do crescimento do país e de suaseconomias regionais. Desde a década de 1960,quando políticas regionais passaram a ser imple-mentadas de modo articulado e explícito,o cresci-mento do PIB per capita nas regiões menos desen-volvidas começou a apresentar ímpeto, na média,superior às demais regiões brasileiras. Entre 1960e 1989 (a fase desenvolvimentista), as regiõesNorte,Nordeste e Centro-Oeste cresceram a taxasanuais de, respectivamente, 4,6%, 3,5% e 4,0%, epara as regiões Sudeste e Sul as mesmas taxasforam de 3,4% e 4,2%.Posteriormente,entre 1990e 2002 (a fase liberal de reformas sem crescimen-to), as três regiões de menor desenvolvimento re-lativo apresentaram taxas de expansão do PIB percapita de 0,02%, 1,7% e 3,1%, enquanto Sudestee Sul tiveram expansões de 1,0% e 1,2% ao ano.

Segunda razão: o ritmo de aceleração da que-da das desigualdades do PIB per capita entre esta-dos também sofreu uma involução. Entre 1947 e1969,as desigualdades diminuíram à taxa de 1,5%ao ano (com base na taxa de crescimento anual deíndices de Theil); entre 1970 e 1985, a taxa de di-minuição ampliou-se para 2,9% ao ano; e, final-mente, no último período, o qual capta o descaso

do retrocesso liberal, a taxa de redução das dis-paridades voltou a ser de apenas 1% ao ano.

Terceira: as intenções de investimento do setorprivado numa economia aberta para o mundo esem políticas regionais mostram tendências ine-quívocas à reconcentração produtiva no eixo Sul-Sudeste do país. Os dados coletados e divulgadosamplamente pelo Banco Nacional de Desenvol-vimento Econômico e Social (BNDES) mostra-ram que, nos anos compreendidos entre 1996 e2000, destinaram-se às regiões Norte, Nordeste eCentro-Oeste apenas cerca de 25% dos investi-mentos previstos pelos industriais,sendo que parao conjunto Sul-Sudeste ficaram os 75% restantes.

Está claro, pelas três causas apresentadas, quepara economias como a brasileira, que não apre-sentam um centro dinâmico da economia majori-tariamente definido pelo setor privado, o enco-lhimento da ação governamental não tem tidocondições de ser imediatamente substituído peloanimal espirit do sistema empresarial privado. Doponto de vista da questão regional, a saída do Es-tado,sem que um sistema de coordenação dos in-vestimentos privados e dos poucos investimentospúblicos existentes viesse a ser construído,conteveum processo virtuoso de redução das disparida-des que estavam em andamento.

Conclusão: de um lado, urge que a políticaeconômica do país busque obsessivamente o cres-cimento,em vez de simplesmente mirar a estabili-dade macroeconômica. De outro lado, torna-seimprescindível que instituições governamentaiscom caráter de planejamento e coordenação daspolíticas regionais sejam recriadas e acionadas –como parece ser o caso agora da Sudene e da Su-dam – para acelerar o crescimento econômico nasáreas de menor desenvolvimento do país e retomara trajetória de queda nas desigualdades que o paístão arduamente construiu desde os anos 1960 eque sofreu um baque a partir dos anos 1990.

Aristides Monteiro Neto é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea)

“Torna-se

imprescindível que

instituições

governamentais

com caráter de

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coordenação das

políticas regionais

sejam recriadas e

acionadas para

acelerar o

crescimento econômico

nas áreas de menor

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do país”

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8 Desafios • janeiro de 2007

GIRO

Demorou catorze anos,mas,às vésperas de debutar noCongresso, a Lei da Mata Atlântica – instrumento depreservação e recuperação da biodiversidade de umsistema profundamente degradado – foi aprovada em29 de novembro de 2006.Além de definir a extensãodo bioma e garantir a conservação e restauração dosremanescentes, o texto legal prevê o estabelecimentode fundos,linhas de crédito para proprietários preser-

vacionistas e tratamento diferenciado para comuni-dades tradicionais. Resolvida essa questão, outra ga-nhou realce: a necessidade de proteção do cerrado.Apressão dos agricultores, em geral produtores de soja,é grande – e contrária a qualquer restrição a seus negó-cios. No estado de São Paulo, atualmente, menos de13% da cobertura original nativa do cerrado está man-tida.A necessidade de ação é urgente.

Tempo de mandacaru

Para conter o deserto

Acaba de ser criado o primeirocentro de estudos sobre desertifi-cação do Brasil, o Núcleo de Pes-quisa de Recuperação de ÁreasDegradadas e Combate à Deser-tificação (Nuperade). Foi fixadoem local apropriado,atingido pelaerosão e cercado pelos quinzemunicípios que compõem umadas maiores áreas contínuas de-sertificadas do país, onde vivem68 mil pessoas. O Nuperade temsede em Gilbués, a 797 quilôme-tros de Teresina (PI).A entidade écoordenada pela Secretaria deRecursos Hídricos do Ministériodo Meio Ambiente (MMA).

Biodiversidade

A mata Atlântica é protegida por lei. E o cerrado?

Desde os tempos da estrada deferro Madeira-Mamoré se bus-ca encontrar uma solução paraque os produtos brasileiros te-nham acesso ao oceano Pacífi-co. A mais recente novidade,discutida em dezembro pelopresidente Luiz Inácio Lula daSilva e pelo futuro presidente doEquador, Rafael Corrêa, poderábeneficiar brasileiros, equatori-anos, peruanos e bolivianos, en-tre outros, incrementar negó-cios e também a tão acalentadaintegração sul-americana. Tra-

ta-se da implantação de um cor-redor multimodal que inclui es-tradas, pontes, viadutos e por-tos.“Falamos de integração e dainfra-estrutura necessária paraisso. Não pode haver integraçãosem desenvolvimento, sem es-tradas e pontes unindo os paí-ses”, disse o presidente eleito doEquador. O investimento esti-mado na obra é 2,5 bilhões dedólares – parte com financia-mento do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico eSocial (BNDES).

América do Sul

Caminhos de integração

A compra da canadense Inco, se-gunda maior produtora de níqueldo mundo, pela brasileira Vale doRio Doce,por 18 bilhões de dóla-res – mais do que o dobro dos13,6 bilhões de dólares recebidospelo país em investimentos exter-nos diretos (IED) em 2006 –,semdúvida foi um marco.Mas,de ma-neira geral, nunca as empresasbrasileiras compraram tantos ne-gócios no estrangeiro como noano passado. Segundo o BancoCentral,entre janeiro e outubro de

2006 as companhias brasileirasinvestiram 22,8 bilhões de dólaresem outros países. Um estudo daFundação Dom Cabral,de MinasGerais, mostra os setores que es-tão se internacionalizando paraaproveitar melhor o mercado glo-balizado: siderurgia, mineração,alimentação, papel e celulose econstrução civil. Se os lucros fo-rem investidos no Brasil,especial-mente em infra-estrutura que per-mita acelerar o crescimento inter-no, o país sairá ganhando.

O jogo virou

Brasil é investidor produtivo no exterior

Pesquisa Andréa Wolffenbüttel Texto Eliana Simonetti Jefferson Rudy/MMA

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Desaf ios • janeiro de 2007 9

Usado remoldado

Rima ou solução?

Celulose

Papel nos pampas

Pneu usado é problema em todoo planeta. No Japão, seus restoschegam a formar montanhas quesão como ilhas no oceano – de fa-to. A Organização Mundial doComércio (OMC) considera quecada país deve encontrar a me-lhor solução para seus dejetos eproíbe a exportação de pneus usa-dos. No dia 11 de dezembro, oItamaraty entregou à OMC umsegundo documento na tentativa

de impedir a entrada de pneususados e reformados da UniãoEuropéia no Brasil.As justificati-vas: eles são focos de dengue eprejudicam o meio ambiente, jáque sua queima em cimenteiras esua utilização na composição demanta asfáltica ou na engenhariacivil não absorvem todo o lixoproduzido. Há, no entanto, em-presas que atuam no ramo. Ins-talada na região metropolitana de

Curitiba, no Paraná, a BS Colway,fabricante de remoldados, garan-te que seus pneus (12 milhõesdesde o ano 2000) são de quali-dade, 30% mais baratos do que osnovos, e que a companhia incen-tiva a coleta no Paraná. Importa,em média, 130 mil carcaças pormês.“As condições das estradaseuropéias são ótimas e os produ-tos usados são de boa qualidade”,afirma Amauri Bonatto, supervi-

sor de importação da BS Colway.A Associação Nacional da Indús-tria de Pneumáticos (Anip), porseu turno, alega concorrência des-leal e risco de queda nos empre-gos e nos investimentos.Ambien-talistas apontam outros proble-mas: afinal, quando o pneu re-moldado se torna inservível, é umpassivo ambiental para o país. Adefinição final da OMC deve serdivulgada ainda neste mês.

As empresas brasileiras Aracruz eVCP e a sueco-finlanesa StoraEnso estão plantando, cada uma,100 mil hectares de eucalipto econstruindo fábricas de celulose noRio Grande do Sul. O investimen-

to soma 4 bilhões de dólares.Expli-cação: a celulose é matéria-primapara o papel, cujo consumo cresceem países em desenvolvimento. OBrasil é campeão planetário emárea disponível para o plantio de

eucalipto. Encerrou 2006 como osexto maior produtor mundial.Assim, tudo indica que os camposgaúchos se transformarão numenorme eucaliptal. Mas a questãotem outra face.Preocupa os pesqui-

sadores da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa)porque o plantio de espécies únicasfacilita a disseminação de doençasentre as plantas e destrói lavourasde pequenos proprietários.

A Assembléia Geral da Organi-zação das Nações Unidas (ONU)aprovou, na segunda semana dedezembro de 2006, a ConvençãoInternacional sobre os Direitosdas Pessoas com Deficiência. Es-tima-se que cerca de 650 milhõesde pessoas, ou 10% da populaçãomundial, tenham algum tipo dedeficiência. No Brasil, segundodados do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE),são 24,5 milhões – 14,5% da po-pulação –, dos quais apenas 80mil estão empregados. Desde1999, empresas públicas e pri-vadas que operam no país estãoobrigadas por lei a destinar uma

cota de vagas a essa gente – o quenão se cumpre por falta de pes-soal preparado para o trabalho oupor acomodação do empresaria-do. Pois bem, a Cooperativa Agrí-cola Cocamar,de Maringá,no Pa-raná,tomou uma iniciativa exem-plar: criou um processo de sele-ção de trainees específico paraquem tem necessidades especiaise cuidou de sua qualificação.Des-de o final de 2005, quando o pro-grama foi criado, cerca de cemdeficientes passaram pelo proces-so. Muitos receberam ofertas deoutras companhias e mudaramde emprego. Sinal de que não fal-ta espaço para a inclusão.

Exemplo pró-inclusão

Deficientes eficientes

Quem avisa é a empresa de consul-toria McKinsey: na China, o nú-mero de famílias de classe médiaou superior saltará de 43 milhões,em 2005, para 337 milhões em2025. No mesmo período, o per-centual de pobres cairá de 77,3%para 9,7%.Considerando a popu-lação total do país, de 1,3 bilhãode habitantes, é possível afirmarque está se formando um merca-do consumidor e tanto. SegundoThomaz Machado, presidente daconsultoria China Invest, o paístem muito dinheiro, necessita dealimentos, mas sofre por falta deenergia e enfrenta problemas coma poluição – itens em que o Brasil

pode contribuir.Pena que a mura-lha da China não seja tão fácil devencer. Em 2006, a exportação desoja brasileira para o país aumen-tou 66%.Resultado: o país já estu-da medidas protecionistas.

Sinal amarelo

Os chineses vão às compras Jeremy Woodhouse

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10 Desafios • janeiro de 2007

A Í n d i a c r i o u um s i s tema ga ran t i n do que um membro de cada ENTREVISTA

P o r A n d r é a W o l f f e n b ü t t e l , d e S ã o P a u l o

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O agitador de idéias

Zarife Assi

entrevista 22/12/06 17:29 Page 10

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Desaf ios • janeiro de 2007 11

Desafios - Como o senhor avalia o desenvolvi-

mento brasileiro na última década?

Sachs - Eu diria que, em vez de falarda década, devemos falar dos últimos25 anos. O crescimento tem sido pífioe obviamente aumentar o crescimentoé um desafio fundamental. Mas não sepode perder de vista que o problemanão está unicamente no ritmo do cres-cimento, mas também nos conteúdose nos impactos, tanto sociais como am-bientais. O Brasil, como muitos outrospaíses, ressente-se do grave déficit deoportunidades de trabalho decente.Trabalho decente no sentido conside-rado pela Organização Internacionaldo Trabalho (OIT), ou seja, incluindonão só critérios quantitativos comotambém os qualitativos no que diz res-peito à remuneração e às condições detrabalho. Eu acho que esse é um pontoabsolutamente central: como expan-dir oportunidades de trabalho decen-te e ao mesmo tempo tentar contribuirpara a solução do segundo grande pro-blema que a humanidade enfrenta, queé o das mudanças climáticas. São essesdois megaproblemas que vão marcaro século.

Desafios - As políticas brasileiras têm tido su-

cesso na redução da desigualdade mais por meio

da distribuição de renda do que pela geração de

empregos. Como o senhor vê esse processo?

Sachs - Sem desmerecer o papel queteve o Bolsa Família e os programasque o antecederam, o que está sendodiscutido atualmente é o problema dassaídas do Bolsa Família. O que se fezfoi uma modificação na margem dedistribuição da renda por meio de pro-gramas de redistribuição de parte doProduto Interno Bruto. Essa é uma for-ma de subsidiar o consumo dos maispobres, mas requer que seja repetidaano após ano. A solução definitiva sóvirá com a geração de oportunidadesde trabalho.

Desafios - E como seria feita essa geração?

Sachs - Eu acho que seria muito inte-ressante examinar no Brasil a expe-riência que está tentando a Índia hojecom o que chamam de esquema degarantia de empregos. Esse esquemase baseia numa experiência realizadano estado de Maharasira.A proposta éque um membro de cada família pobretenha direito a cem dias de trabalho

remunerado por ano, a um salário mí-nimo. Essa mão-de-obra é aplicadaem obras públicas de caráter local. Éuma volta ao conceito da Frente de Tra-balho, que, no Brasil, nunca foi umafrente de trabalho mesmo, e sim umapseudofrente de trabalho. Mas essaexperiência negativa do passado nãodeve descartar a possibilidade de umgrande programa de obras públicas decaráter local, que não exigem muitaverba e, portanto, podem ser financia-das por créditos públicos. A idéia éque o aumento da demanda por bensde consumo gerada por esse progra-ma seja absorvida pela produção adi-cional de feijão, arroz, cachaça, havaia-nas, jeans etc. Temos de voltar ao bê-a-bá. E confiar que não haverá inflaçãoenquanto houver condições de enxu-gar a demanda adicional com umaprodução adicional de bens e salários.

Desafios - Esse programa está funcionando na

Índia?

Sachs - A idéia de fazer disso um pro-jeto nacional foi no ano passado, maseles testaram esse esquema durantevários anos antes de tentar generalizá-lo. Primeiro o aplicaram em um nú-mero limitado de distritos e só agorapretendem expandi-lo para todo opaís. Mas o que eu quero destacar é oconceito de, em vez de simplesmentedistribuir dinheiro, gerar mais opor-tunidades de empregos locais. Eu gos-taria de insistir nas enormes oportu-nidades de pequenas obras públicasde caráter local. Aliás, existem algunscasos aqui no Brasil, que podem serintensificados e acelerados. Por exem-plo, o programa da construção de 1milhão de cisternas no semi-árido, to-cado pela ASA (Associação do Semi-Árido), e também o programa H2O,que combina as cisternas com a cons-trução de barragens subterrâneas pa-ra melhor aproveitamento das águasde chuva. Creio que existe também umenorme campo para uma área na qual

f a m í l i a p o b r e t e n h a d i r e i t o a 1 0 0 d i a s d e t r a b a l h o r e m u n e r a d o p o r a n o

estudioso franco-polonês Ignacy Sachs é um daqueles ra-ros economistas que colocam os valores humanos acima detudo. Famoso por ter cunhado, nos anos 1970, a expressão

ecodesenvolvimento, Sachs sempre voltou seu olhar para os paísesmais pobres e buscou descobrir caminhos que levassem ao cresci-mento econômico pela via da justiça social.Atualmente é professorda École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, mascostuma visitar sempre o Brasil, onde passou parte de sua juven-tude. Em seu apartamento no bairro de Higienópolis, em SãoPaulo, cercado de arte barroca e popular latino-americana, elefalou a Desafios.

O

entrevista 22/12/06 17:30 Page 11

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12 Desafios • janeiro de 2007

o Brasil teve experiências isoladas, queé a de mutirão assistido para a cons-trução de habitações populares. Nessecaso, ainda se acrescenta a vantagemde que o trabalho das famílias que vãomorar se transforma em poupançanão monetária, portanto muito dissoainda tem um benefício paralelo. Poressa razão acredito na possibilidadede avançar no campo do trabalho. Fa-lo a esse respeito no meu livro mais re-cente, Desenvolvimento: Includente,Sustentável, Sustentado, especialmenteno último capítulo. Lá eu discuto umaproposta elaborada pelo escritóriobrasileiro da OIT sobre a possibilida-de de uma estratégia de emprego parao Brasil.

Desafios - O senhor já procurou o governo

para propor esse tipo de iniciativa?

Sachs - Sim. Conversas houve muitas,agora vamos ver o que vai acontecer.

Desafios - Quando foi? Na ocasião do lança-

mento do livro?

Sachs - Aproximadamente, creio quehá três anos, mas até agora nada se ma-terializou. Um dos problemas é que oque eu acabo de dizer se choca com avisão extremamente estreita e mone-tarista da Lei de ResponsabilidadeFiscal. Mas o que eu estou tentandodizer é que a criação de créditos embancos públicos para esse tipo deobra não teria impacto sobre a médiada inflação. Acontece que até hoje eunão entendi como, dentro da Lei deResponsabilidade Fiscal, são estabele-cidos os limites dos créditos públicos,qual a proporção do crédito em rela-ção ao PIB e o que é considerado ra-zoável. Aqui eu estou na realidade re-tomando um ponto absolutamentefundamental da teoria do crescimentodo meu guru, mestre Kalecki, que foium grande economista da segundametade do século XX, mundialmenteconhecido. Ele diz que se pode avan-çar na área de atividades intensivas demão-de-obra até o limite em queexista a capacidade de produzir osbens de consumo que vão enxugar a

demanda gerada por parte dos em-pregados.Assim, o financiamento nãoé um problema monetário, mas umproblema da capacidade de produziros bens para suprir a demanda adi-cional, e essa capacidade existe noBrasil. Portanto, acho que o Brasil nãofoi suficientemente longe na explora-ção desse caminho.

Desafios - É uma visão bem pouco difundida e

pouco aplicada atualmente, não?

Sachs - Kalecki foi reconhecido comoum dos maiores economistas do sécu-lo e só não recebeu o Prêmio Nobelporque morreu. Ele publicou primei-ro no México esse artigo a que me re-firo.As obras completas de Kalecki fo-ram publicadas em Oxford e, durantea Segunda Guerra, ele foi uma dasgrandes figuras do mundo econômi-co inglês. Foi um dos primeiros altosfuncionários da Organização das Na-ções Unidas logo depois de sua cria-ção, portanto não se justifica essa ig-norância. Sobretudo porque não hánada de novo. Estou apenas retoman-do o que havia antes da contra-refor-ma neoliberal, que, essa sim, geroumuita frustração.

Desafios - A que o senhor está se referindo

especif icamente?

Sachs - Nós emergimos da SegundaGuerra Mundial com um amplo con-senso ao redor de três objetivos. Pri-meiro: o pleno emprego era o objetivooficial da atuação econômica, paraque nunca mais houvesse crises comoaquela que ocorreu em 1929. Em se-gundo lugar, ao lado do pleno empre-go devia-se construir um Estado pro-tetor, o Welfare State. E, por fim, haviaa determinação de que, para não des-perdiçar recursos, seria necessário pla-nejar. Quando von Hayek, um dos pa-pas do neoliberalismo, escreveu seupanfleto contra o planejamento, em1944, o dissidente era ele, todos os ou-tros estavam planejando, e nos doislados da cortina de ferro imperavam osmesmos objetivos. As diferenças fun-damentais eram sobre como conseguir,

Não é fácil colocar um rótulo em Ignacy Sachs,esse polonês de 79 anos, olhos azuis e peleclara que sempre parece um pouco esbafori-do sob o sol tropical brasileiro. Sua forma-ção é de economista, diploma obtido na Fa-culdade de Ciências Políticas e Econômicasdo Rio de Janeiro, hoje conhecida como Cân-dido Mendes. Mas seus estudos extrapolamem muito o campo das ciências econômicase saem passeando pela sociologia, históriae ecologia. Talvez por isso alguns tenhamcunhado o pomposo título de “ecossocioe-conomista” para o professor que gosta dedebruçar-se sobre os problemas e os de-safios do desenvolvimento. De origem ju-daica, Sachs chegou ao Brasil em 1941, aos14 anos, fugindo da guerra na Polônia. Aquificou até completar os estudos e só voltoupara a terra natal treze anos depois. Foi láque pôde vivenciar a tentativa de construçãode uma sociedade socialista. Pouco tempodepois foi enviado à Índia, onde fez doutora-do na Escola de Economia de Délhi.Tambémaproveitou para conhecer mais a fundo opensamento de Gandhi, um de seus inspi-radores. Voltou para a Polônia em 1960 elecionou na Escola de Planejamento e Es-tatística, em Varsóvia, onde fundou um cen-tro de pesquisa sobre os países em desen-volvimento. Mas foi só em 1968 que elechegou à França, país do qual, mais tarde,adotaria a nacionalidade. Lá teve o tempo eos recursos necessários para aprofundarseus estudos e tornar-se professor da Écoledes Hautes Études en Sciences Sociales, emParis.Trabalhou na organização da PrimeiraConferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, a Estocolmo-72, realizada na Suécia. Foi nessa épocaque cunhou o conceito de ecodesenvolvi-mento, que mais tarde passaria a ser mun-dialmente conhecido como desenvolvimen-to sustentável. O professor Sachs vive atéhoje em Paris, mas costuma passar algunsmeses do verão no Brasil, onde mantém umapartamento em São Paulo. Foi durante suavisita mais recente que ele concedeu estaentrevista a Desafios.

O ecossocioecono-mista

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Fotos Zarife Assi

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tripé, que é a viabilidade econômica.Para que essas duas coisas aconteçam, épreciso que elas sejam economicamen-te viáveis. A extrapolação do modeloatual de economia mundial leva, obvi-amente, à impossibilidade, e isso euacho que todo mundo tem consciên-cia. Todos sabem que o planeta nãocomporta que os chineses tenham omesmo número de carros dos norte-americanos. Daí o problema da dis-cussão sobre como limitar o consumoe também o desperdício de recursosnos países ricos e ao, mesmo tempo,como aumentar o consumo dessesmesmos recursos nos países pobres.

Desafios - O senhor vê uma solução consen-

sual para esse dilema?

Sachs - Infelizmente, o debate de umaestratégia global choca-se com inte-resses políticos e individuais. Eu nãocreio que nós possamos ter uma so-lução global negociada, embora essafosse a conclusão mais lógica. Autoli-mitar o consumo dos ricos é um de-safio, que já foi colocado ao mundopor Gandhi há muito tempo. Esse éum problema ético complicado, aomesmo tempo em que nos pergunta-mos o que fazer para diminuir as de-sigualdades que já nos pareciam abis-sais há cinqüenta anos e que só vêm seagravando. Há pouco saiu um estudoelaborado pela Universidade das Na-ções Unidas mostrando que 2% dosadultos mais ricos possuem a metadede toda a riqueza das famílias do mun-do. Isso prova que estamos caminhan-do no sentido oposto ao que quere-mos. E uma das dificuldades para me-lhorarmos esse quadro é a forma comoavaliamos o desempenho dos países.

Desafios - Como?

Sachs - O debate fica centrado apenasno crescimento do PIB. Temos de con-siderar outras variáveis, como a gera-ção de empregos, o nível de susten-tabilidade do desenvolvimento e ou-tros. Isso seria especialmente impor-tante para o Brasil. Estamos vivendo ocomeço do fim da era do petróleo,

14 Desafios • janeiro de 2007

tão do gerenciamento de águas de chu-va é um problema fundamental, mastenho certeza de que a construção dehabitações populares é um problemamonstruosamente grande, portantoacho que há espaço para avançarmos.

Desafios - O senhor acredita que a economia

mundial caminha para retomar esses princípios

anteriores ao que o senhor chama de contra-

reforma neoliberal?

Sachs - Bem, se olharmos para o de-sempenho dos países da Ásia, veremosque eles deixaram de lado um pouco acartilha neoliberal e estão muito me-lhor do que a América Latina, que ado-tou o perfil do Consenso de Washing-ton2. Não sei se podemos considerarque haja um movimento global, mas dápara dizer que minhas propostas têmespaço numa mesa de discussão.

Desafios - Falando um pouco sobre sus-

tentabilidade, que é uma de suas áreas de inte-

resse, como o senhor analisa o momento atual

em termos de desenvolvimento sustentável?

Sachs - Obviamente o debate sobredesenvolvimento tem de se basear emcritérios éticos e sociais. As condicio-nalidades ecológicas, que começamosa entender melhor desde a Conferên-cia de Estocolmo, em 1972, passandopela Conferência do Rio, a Cúpula daTerra, de 1992, estão nos ameaçandocom mudanças climáticas, muitasvezes irreversíveis. Portanto, esse pro-blema de sustentabilidade existe e éconcreto, mas não adianta discutir osobjetivos sociais e a sustentabilidadeecológica sem pensar no terceiro pé do

mas ninguém questionava que o plenoemprego seria alcançado por meio deum Estado protetor e que era neces-sário planejamento para chegar lá.

Desafios - E o senhor acredita que esse ca-

minho ainda é viável?

Sachs - Claro! Os três princípios bá-sicos que mencionei estavam na baseda experiência chamada de socialistana Europa Oriental e estavam tam-bém na base do capitalismo reforma-do, que conheceu seus trinta anos glo-riosos, de 1945 a 1975. Essa expressão“trinta anos gloriosos” não é minha, éde um economista francês que se cha-ma Fourastier. Foi assim que ele deno-minou esse período conhecido comoa idade do ouro do capitalismo. Masas coisas mudaram com a degradaçãoda situação do mundo soviético, so-bretudo depois da invasão à Repú-blica Checa em 1968, com o surto in-flacionário que coincidiu em parte coma primeira grande crise energética. Foientão que surgiu, no Ocidente, umacontra-reforma neoliberal que trouxegovernantes como Ronald Reagan eMargareth Thatcher e levou ao des-crédito do keynesianismo1 e à instau-ração de teorias de cunho monetaris-ta. Infelizmente ainda não nos livra-mos dessa herança, que considero mal-dita, da contra-reforma neoliberal. Oque defendo não se trata de uma voltaao passado, mas simplesmente reatarcom aquelas idéias e análises que ad-mitem que o Estado financie obras pú-blicas de alta intensidade em mão-de-obra. E eu proponho que sejam obraspúblicas de maturação rápida,não pro-jetos faraônicos que vão levar décadas,mas pequenos experimentos de irri-gação, caminhos vicinais, construçãode cisternas – por exemplo, tudo quepermite a melhor gestão das águas dechuva.Somos muito ruins nisso.Quan-do chove, quanta água vai direto para omar? Ou então vai para o piscinão, edepois do piscinão vai para o mar. Opiscinão aqui não é considerado umafonte de água, é só um depósito tem-porário. Não estou certo se hoje a ques-

“Autolimitar o consumo

dos ricos é um desafio,

que já foi colocado ao mundo

por Gandhi há muito

tempo. Esse é um problema

ético complicado”

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que será substituído por bioenergia e,nesse campo, o Brasil tem enormesvantagens comparativas, além de umaexcelente pesquisa agronômica e bio-lógica. A janela está se abrindo, mas oBrasil precisa ser rápido e tomar cui-dado com os concorrentes. O Brasil játeve a experiência do Proálcool, queprovocou, entre outras coisas, o au-mento da produtividade de etanol porhectare. Podemos reproduzir a expe-

riência sem os efeitos sociais maléfi-cos que ela provocou.

Desafios - O que fazer para evitá-los?

Sachs - Primeiro tem de acabar comessa falsa dicotomia entre agriculturafamiliar e agronegócio. O biocombus-tível é um grande negócio e tambémabrirá oportunidades para os pequenosagricultores. Mas, para que aconteça, énecessário a criação de uma agência de

regulação que estabeleça critérios cla-ros sobre como funcionará o setor; e opreço mínimo tem de ser apenas umdos critérios. É preciso humanizar ocontrato do pequeno com o grande. Ahumanidade não pode se furtar aodebate sobre o meio rural.

Desafios - E como o senhor vê essa discussão

de que não haverá terra suf iciente para a pro-

dução de alimentos e energia?

Sachs - Isso não é verdade. É perfeita-mente possível fazer uma integraçãoentre biocombustível e alimentos. Porexemplo, o que sobrar depois da pro-dução de biocombustível, as tortas debiomassa, pode servir de alimento pa-ra o gado. Dessa forma, o gado podeser criado cercado e vai consumir me-nos pasto, liberando área para a agri-cultura. O gado confinado tambémpermite melhor aproveitamento doesterco, que serve de adubo natural.Cada bioma tem de ser tratado comoum sistema integrado energia/alimen-to. Vamos sair da era do petróleo paraentrar na era da biocivilização.

Desafios - O senhor realmente acredita que

suas idéias podem ser colocadas em prática?

Sachs - Sou um pesquisador, não soupolítico nem governante. Eu estudo ebusco as soluções para os problemasque vejo. Portanto, não serei eu a co-locá-las em prática. Sou apenas umagitador das idéias.

1 Keynesianismo: teoria defendida pelo economista

inglês John Maynard Keynes, segundo a qual, em momen-

tos de crise, o Estado deve agir como investidor promoven-

do a construção de obras públicas que gerem emprego e

reaqueçam a economia.

2 Consenso de Washington: nome dado pelo econo-

mista inglês John Willianson a um encontro ocorrido em

1989 entre funcionários do governo dos Estados Unidos,

dos organismos internacionais e economistas latino-ameri-

canos, em Washington. Nesse encontro, estabeleceram-se

diretrizes visando à recuperação econômica dos países lati-

no-americanos. Essas determinações previam redução do

papel do Estado, com privatização das estatais, f lexibiliza-

ção das leis trabalhistas, redução da carga tributária e

abertura comercial, entre outras medidas.

Zarife Assi

d

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ENERGIA

P o r S u c e n a S h k r a d a R e s k , d e S ã o P a u l o

Amea ça d e r ac i o n amen to e n e rg é t i c o e c r i s e d o g á s b o l i v i a n o t r a zem d e vo l t ao d e ba t e s o b r e o u s o d a e n e rg i a n u c l e a r. Ec o l o g i s t a s a l e r t am s ob r e p o s s í v e i simpac to s amb i e n t a i s , mas t é c n i c o s g a ra n t em q u e n ovas t e c n o l o g i a s s ã os eg u ras . O P l a n o Nac i o n a l d e E n e rg i a 2030 , a i n d a em fa s e d e e l a b o ra ç ã o ,p r e v ê a imp l emen t a ç ã o d e ma i s q u a t r o u s i n a s t e rmonu c l e a r e s , a p ó s A ng ra 3

conselho predominantemente da esfera fe-deral reúne um grupo de sete ministros,além de Rondeau: Luís Carlos Guedes Pinto(Agricultura, Pecuária e Abastecimento),Dilma Roussef (Casa Civil),Sérgio Rezende(Ciência e Tecnologia), Luiz FernandoFurlan (Desenvolvimento, Indústria e Co-mércio Exterior), Guido Mantega (Fazen-da), Marina Silva (Meio Ambiente) e PauloBernardo (Planejamento).

epois de passar algumas décadasno papel de vilã das fontes ener-géticas, a fusão nuclear volta aocupar espaço nas diretrizes dos

projetos de diversificação da matriz de e-nergia elétrica brasileira anunciados pelogoverno federal. A proposta divulgada noPlano Decenal de Energia Elétrica (2006-2015),elaborado pela Empresa de PesquisaEnergética (EPE), do Ministério de Minase Energia (MME), prevê a possibilidade defuncionamento de Angra 3 em 2013, coma injeção de recursos, inicialmente, de 1,8

bilhão de dólares.A usina,com capacidadede 1.350 MW, é uma pauta polêmica e tor-nou-se um grande problema de gestão pa-ra o país, desde 1975. A termonuclear jáconsumiu cerca de 750 milhões de dólaresem equipamentos e, apesar de estar inati-va, sua manutenção custa cerca de 20 mi-lhões de dólares por ano.

A aprovação ou não da implementaçãode Angra 3 está sob análise do Conselho

Nacional de Política Energética (CNPE),presidido pelo ministro de Minas e Ener-gia, Silas Rondeau, e pode vir a sofrer alte-rações de prazos quanto à operação na no-va versão do plano decenal (2007-2016),de acordo com a assessoria de imprensa daEPE. A palavra final caberá ao presidenteLuiz Inácio Lula da Silva.

Para que se tenha uma noção de como apolítica energética afeta a vida do país, o

A opção atômica

D

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Desaf ios • janeiro de 2007 17

Também participam um representantedos estados da federação, que atualmenteé o secretário de Energia do Rio de Janeiro,Wagner Victer,e um representante das uni-versidades, cujo titular é o diretor-geral daAgência Nacional de Energia Elétrica(Aneel), Jérson Kelman. Somente a cadeirado conselheiro, que representaria o cida-dão brasileiro especialista, está vazia por-que os demais integrantes ainda não fize-ram uma eleição para nomeá-lo.A decisãosobre a operação de Angra 3 dependerá deum quórum de metade mais um da atualcomposição.

Entre os prós e os contras, as ressalvasmaiores à implementação partem da mi-nistra Marina Silva e de ambientalistas quequestionam a viabilidade do projeto em re-lação à segurança dos rejeitos radioativos.O argumento da ministra é rebatido prin-cipalmente por Rondeau, Dilma Roussef eSérgio Rezende. Eles garantem que houveevolução nos métodos de depósito do lixoatômico, que já não representa o perigoque foi no passado.

O fato de o Brasil ter a sexta maior re-

serva de urânio, matéria-prima básica dasusinas,em apenas 30% dos potenciais pros-pectados, pesa na projeção de expansãogovernamental,segundo Maurício Tolmas-quin,presidente da EPE.Os primeiros colo-cados são Cazaquistão,Austrália,África doSul,Estados Unidos e Canadá.Aliado a esseargumento está o recente domínio da tec-nologia do ciclo completo do combustívelenriquecido pelo Brasil (utilizado nos rea-tores nucleares no chamado processo defissão nuclear), que numa estimativa apro-ximada de uma década poderá fazer comque o país fique independente do mercadoexterno para a produção energética.

Cenário Atualmente, Angra 1 e Angra 2abastecem cerca de 45% da demanda ener-gética do estado do Rio de Janeiro,com ca-pacidade total de 2,007 mil MW.As fontesnucleares representam apenas 2,1% dasmatrizes de geração no país (veja gráfico na

pág. 18). Segundo o Operador Nacional doSistema Elétrico (ONS), que coordena oSistema Interligado Nacional (SIN), em2005 a fonte nuclear produziu 11,58 mil

GW, o que correspondeu a 32,6% da ge-ração térmica nacional.

O Plano Nacional de Energia 2030, emfase de elaboração pela EPE, prevê ainda aimplementação de, no mínimo, mais qua-tro usinas termonucleares, após Angra 3.Elas estariam divididas entre as regiõesSudeste e Nordeste, com capacidade de1.000 MW cada uma. Nesse cenário, amatriz poderia ser ampliada de 2.007 MWpara 7,3 mil MW.

Independentemente das projeções,a vo-cação hidrelétrica não deixará de prevale-cer no país, devido ao potencial de recur-sos hídricos nacional. Segundo o MME, opredomínio da fonte hidráulica é da ordemde 76,2%, seguida pela térmica (gás, diesele carvão), que detém 21,5% de um total de96.504 MW de capacidade instalada em2006. A estimativa de investimentos pre-vista pela EPE até 2015 é de 75 bilhões dereais, sendo 60 bilhões em hidrelétricas e15 bilhões em unidades térmicas.

A conclusão do estudo, entretanto, pre-vê que a diversificação das matrizes é ine-vitável, por causa da possibilidade de di-

Os rejeitos nucleares de alta atividade são a principal preocupação dos ambientalistas

REUTERS/Bruno Domingos

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A n g r a 3 j á c o n s u m i u c e r c a d e 75 0 m i l h õ e s d e d ó l a r e s e , a p e s a r d e e s t a r

funcionamento de Angra 3 não saiu do pa-pel até hoje, mais de três décadas depois.

Os processos de interrupção se avo-lumam no histórico da termonuclear. Em1984, deu-se início à construção das insta-lações de Angra 3 e dois anos depois asobras foram paralisadas por falta de recur-sos. O governo federal adquiriu, ao custoexpressivo de 750 milhões de dólares, amaior parte dos equipamentos importa-dos, que até hoje são mantidos pela Ele-tronuclear. Já a estimativa de investimen-tos necessários para a conclusão da obra é1,8 bilhão de dólares.

O físico Odair Dias Gonçalves, presi-dente da Comissão Nacional de EnergiaNuclear (Cnen), ligada ao Ministério daCiência e Tecnologia (MCT),considera quea discussão está bem avançada.“A propos-ta da retomada do investimento em energianuclear contempla o desenvolvimento nãosó na área de produção de energia elétrica,mas também integra investimentos na áreado ciclo de combustível, de aplicações mé-

ferentes cenários de variação do cresci-mento do Produto Interno Bruto (PIB)nos próximos anos, o que interfere na re-lação oferta/demanda, além de fatores cli-máticos e de matéria-prima de abasteci-mento. A crise no abastecimento do gásnas termas também impulsiona a revisãodo setor. Com isso, o investimento na fontenuclear e nas renováveis (eólica, biomassae pequenas hidrelétricas) integra a pautado desenvolvimento da área energética.

A estimativa da EPE é que o consumode 373,5 TWh (1 TWh = 1.000 GWh) emjaneiro de 2006 seja quase o dobro emdezembro de 2015, chegando a 617,7TWh. A análise é feita sobre uma capaci-dade de geração de 93.728 MW e 134.667MW, respectivamente, e uma estimativapopulacional nos períodos de 182.507 e204.418 habitantes.

O risco de novos “apagões” em curtoprazo,entre 2008 e 2009,como os que ocor-reram no país em 2001, é mais uma preo-cupação na agenda energética. O sinal dealerta dispara quando o risco de insufi-ciência de energia elétrica no Sistema In-terligado Nacional (SIN), que reúne pro-dução e transmissão, for superior a 5% emcada um dos subsistemas implementadosno país. Hoje, apenas a região Norte nãointegra o SIN, o que representa 3,4% dosistema energético do país. O Plano De-cenal também prevê a incorporação dessetrecho nos próximos anos.

Custos Nesse contexto, o custo-benefíciode se agregar mais fontes nucleares divideopiniões, já que tem como precedente ocomplexo histórico das termonucleares.Angra 1, que tem capacidade de 657 MW,começou a ser construída em 1972, mas sóentrou em funcionamento em escala co-mercial treze anos depois, em 1985.

Angra 3, que tem a mesma capacidadede Angra 2, com 1,35 mil MW, veio a tor-nar-se, posteriormente, um grande pro-blema de equacionamento de gestão. Asduas integraram o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, firmado em 1975, sendo queAngra 2 só começou a operar em 2000 e o

dicas e industriais, na área de segurança econtrole e na área de pesquisa e desenvolv-imento. Obviamente sem mencionar a for-mação de pessoas necessárias a um projetodessa monta”, diz. De acordo com o espe-cialista, a perspectiva é que a matriz en-ergética nuclear represente 6% do total ado-tado no país, ou seja, mais 7 mil MW até2015.“Seriam mais seis usinas (duas a maisdo que previsto inicialmente no Plano deEnergia para 2030), fora Angra 3”, estima.

Indústria O setor industrial, que represen-ta a maior parcela de consumo elétrico nopaís – cerca de 47% – já se preocupa como cenário de abastecimento até 2009 eapóia a diversificação da matriz energéti-ca, com a inclusão da fonte nuclear. O pre-sidente da Comissão Permanente de Infra-Estrutura da Confederação Nacional daIndústria (CNI) e um dos vice-presidentesda instituição,José de Freitas Mascarenhas,aponta como problema a escassez de reser-vas,com as perspectivas de aumento de de-manda nos próximos anos.

“O quadro atual tem mostrado que hádificuldade para a ampliação da oferta hi-drelétrica em curto prazo e do abasteci-mento das termoelétricas a gás. Por isso,não somos contrários a novos investimen-tos nas usinas nucleares. Hoje, há tecnolo-gias mais seguras.Se outros países estão re-solvendo a questão dos rejeitos, no Brasiltambém deve acontecer o mesmo”,analisa.

Paulo Skaf, presidente da Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) etambém vice-presidente da CNI,define co-mo medíocres os indicadores brasileiros deconsumo e capacidade instalada.“Corres-pondem à metade de Portugal. Por isso, éimprescindível o aproveitamento de todosos recursos disponíveis, incluindo o nu-clear, para exorcizar definitivamente o fan-tasma de um novo e possível apagão”, de-clara. De acordo com o empresário, nos úl-timos anos não houve o adequado plane-jamento da produção elétrica, com o esta-belecimento de diretrizes governamentaise marcos regulatórios, o que gerou o de-sestímulo dos investimentos privados, na-

Fontes energéticasusadas no Brasil (2006, em %)

21,5

76,2

0,2

2,1

Hidrelétrica

Térmica

Nuclear

Eólica

Fonte: MME

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Desaf ios • janeiro de 2007 19

cionais e estrangeiros.Skaf cita como incentivo à retomada das

termonucleares exemplos de planejamen-to para a expansão núcleo-elétrica em paí-ses desenvolvidos, como Japão e EstadosUnidos,além de China e Índia.A experiên-cia mais significativa, segundo ele, vem daFrança,que possui cerca de 80% de sua ma-triz energética nuclear. O Acordo para oDesenvolvimento de Cooperação Pacíficapara a Energia Nuclear está em vigor desdejulho de 2005, entre o Brasil e a França.“Considero importante destacar que, novalor de 1,8 bilhão de dólares previsto paraa conclusão de Angra 3,1,2 bilhão será gas-to no mercado brasileiro,com encomendasde materiais,equipamentos,bens de capitale serviços,tão necessários à indústria e à en-genharia nacionais”, diz Skaf.

A aprovação da implementação deAngra 3 e de outras usinas nucleares, noentanto, enfrenta questionamentos, prin-cipalmente de cunho ambiental, quanto alocalização, destinação e armazenamento

dos resíduos radioativos, além das cifrasbilionárias de investimento. Uma liminarda Justiça Federal, em novembro de 2006,determinou a interrupção do processo delicenciamento ambiental da usina, queatendeu à ação civil pública movida peloprocurador da República André de Vas-concelos Dias. O argumento é que a Cons-tituição Federal exige uma lei que deter-mine o local da construção da usina (quefica no complexo de Angra 1 e Angra 2, nomunicípio de Angra dos Reis, no Rio deJaneiro) por meio da aprovação do Con-gresso Nacional.

O advogado Antonio Fernando Pi-nheiro Pedro, da Associação Brasileira dosAdvogados Ambientalistas (Abaa),concor-da com a determinação, mas ressalta queconsidera a opção da energia atômica viá-vel.Segundo o especialista,uma pastilha deurânio equivale a 96 vagões de carvão mi-neral (altamente poluente) e abastece umacidade de porte médio por uma semana.“Mas para a implementação é necessário

que haja esse processo de aprovação. Aenergia atômica é uma das opções viáveis,entretanto o risco de armazenamento dosrejeitos tem de ser avaliado pelo governo.Angra 1 funciona hoje como um no breakpara substituir as falhas de hidrelétricas. JáAngra 3 seria uma resposta ao risco do sis-tema hídrico no Sudeste, porque juntocom Angra 2 teria capacidade de cerca de3 mil MW”, analisa.

Ambientalistas e especialistas no setortambém fazem outras ressalvas quanto àimplementação do empreendimento. ParaMarcelo Furtado, diretor de Campanha doGreenpeace do Brasil, a instalação de An-gra 3 é desnecessária, por ser uma tecnolo-gia cara e de alto risco, e porque os rejeitosradioativos representam um problema nolongo prazo.“As usinas mais sofisticadas dequarta e quinta geração, que são mais efi-cientes, ainda estão em estudo no mundoe não existem em escala operacional”, ar-gumenta. Segundo Furtado, o país podeutilizar alternativas como pequenas centrais

i n a t i v a , s u a m a n u t e n ç ã o c u s t a 2 0 m i l h õ e s d e d ó l a r e s p o r a n o

Divulgação/Eletronuclear

Angra 1 e Angra 2 são as únicas usinas termonucleares em atividade no Brasil. Juntas, elas têm capacidade total de 2.007 MW

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Angra 1 e Angra 2 abastecem cerca de 45% da demanda energética do estado do Rio de

ambientalistas quanto ao risco de segu-rança da geração núcleo-elétrica.“É umadas fontes mais seguras, senão a mais se-gura. Chernobyl, na Ucrânia (usina emque houve o maior acidente nuclear re-gistrado na história em 1986), tinha umaconcepção totalmente diferente das usinasPWR (movidas a água pressurizada), asmais usadas no Ocidente. Portanto, nãopode ser objeto de comparação”, diz.

A análise é compartilhada por Kura-moto,da Aben.“Em vinte anos de operação,Angra 1 e Angra 2 sempre trabalharam comtotal segurança e nunca registraram nen-hum incidente que ameaçasse o meio am-biente ou a segurança dos moradores daregião e trabalhadores da usina”, afirma.Segundo o ex-presidente da Aben, duranteos cinqüenta anos em que se utiliza a tec-nologia PWR, só foi registrado um inci-dente na Usina Three Mile Island, nos Es-tados Unidos,o que resultou no fim de suasoperações, mas sem ocasionar a liberaçãode radiação no meio ambiente.

O pesquisador do Instituto de PesquisasEnergéticas Nucleares (Ipen/Cnen) e físiconuclear Luís Antônio Albiac Terremoto ex-plica que nas usinas de Angra 1 e Angra 2o combustível nuclear irradiado é retiradodo núcleo de cada reator e armazenado emuma piscina de estocagem a aproximada-mente 15 metros de profundidade, locali-zada dentro do edifício da usina.A piscina,que é cheia com água, cujas propriedadesfísico-químicas são controladas, dispõetambém de sistema de refrigeração comosegurança.O processo de retirada do rejeitoacontece a cada catorze meses,quando umterço dos elementos combustíveis do nú-cleo do reator tem de ser substituído, du-rante o reabastecimento da usina.

O especialista relata que o armazena-mento seguro do lixo atômico é um cuida-do que deve ser tomado durante, pelo me-nos, trezentos anos.“Esse problema aindanão foi total e completamente equaciona-do pela humanidade. O Brasil possui, des-de o ano 2000, uma diretriz técnica e po-lítica definida para armazenamento de re-jeitos radioativos com atividades média e

hidrelétricas e fontes como biomassa (prin-cipalmente oriunda do bagaço de cana-de-açúcar) e energia eólica.“Há um discursode que as matrizes renováveis são maiscaras, mas não é verdade”, afirma.

Edson Kuramoto, atual diretor de co-municação e ex-presidente da AssociaçãoBrasileira de Energia Nuclear (Aben), de-fende que o valor proposto hoje para ener-gia nuclear, na faixa de 138,14 reais porMWh, é menor do que o exigido para asrenováveis.“A tarifa média prevista para afonte eólica no Programa de Incentivo àsFontes Alternativas (Proinfa),do MME,é a

mais cara, entre 180,18 e 204,35 reais oMWh”, diz. A ampliação da participaçãoda energia nuclear nas matrizes brasileiras,de acordo com Kuramoto, será um incre-mento para melhorar o consumo per capi-ta de energia no país, prevendo um cresci-mento da economia nos próximos anos.“Hoje no Brasil o consumo per capita é de2,018 mil KW/ano, enquanto em outrospaíses da América Latina, como Venezuelae Chile,é de 3,250 mil e 2,789 mil KW/ano,respectivamente”, compara.

O físico Odair Dias Gonçalves, presi-dente da Cnen, rebate as críticas feitas por

Dentro da política de investimentos em energia nuclear, mais um passo foi tomado pelo Ministérioda Ciência e Tecnologia (MCT), em novembro de 2006, ao inaugurar a Rede Nacional de Fusão(RNF), que congrega a princípio quinze instituições e setenta pesquisadores.

Segundo o físico Odair Dias Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear(Cnen), que é responsável pela RNF, o projeto tem perspectiva de longo prazo.“Nossa intenção éformar profissionais capazes, para que em trinta ou quarenta anos, quando a fusão passar a sera nova fonte alternativa de energia, estejamos prontos para esse desafio”, afirma.A fusão tem co-mo matéria-prima átomos de deutério e trídio, diferentemente da fissão utilizada nas usinas nu-cleares brasileiras, que usam como matéria-prima o urânio.

A competência, de acordo com Gonçalves, já existe há vários anos no país, distribuída emgrupos de pesquisa.“Temos como exemplo a Universidade de São Paulo (USP) e institutos do MCT,como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Cnen está propiciando a esses gruposmelhores condições para que desenvolvam seus projetos cooperativamente e de maneira otimiza-da, tornando também viável a participação deles em iniciativas internacionais, como o ReatorTermonuclear Experimental (Iter)”, diz.

O acordo de financiamento do Iter foi assinado em novembro por União Européia, China,Coréia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia. O reator deverá ser instalado no sul daFrança e testado por duas décadas. O objetivo é que a usina termonuclear possa começar a fun-cionar por volta de 2040.“É uma iniciativa importante, mas cabe ressaltar que a tecnologia defusão ainda está em fase experimental. Se a tecnologia se provar viável, ainda assim não estarádisponível para o uso comercial antes de 2050. De qualquer forma, é importante que o Brasil re-alize pesquisas de ponta e participe do esforço internacional, pois essa poderá ser uma alterna-tiva para a segunda metade do século”, analisa Edson Kuramoto, atual diretor de Comunicação eex-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben).

Segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), em abril de 2004 estavamem funcionamento no mundo 441 usinas nucleoelétricas, localizadas em 31 países, totalizando umacapacidade geradora de 362 mil MW elétricos. Desse total, treze países tinham na energia nucleara origem de mais de um terço da eletricidade que consumiam. O destaque fica para a França, comaproximadamente 80% da energia elétrica gerada por usinas núcleo-elétricas.

Brasil cria Rede Nacional de Fusão paraimpulsionar pesquisa no setor nuclear

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baixa, mas ainda não a possui para rejeitosradioativos com atividade elevada, comoos que são gerados por Angra 1 e Angra 2.E a vida útil de cada usina nuclear, em mé-dia, é 65 anos”, diz.

Meio ambiente Quanto a outras conse-qüências ambientais, Gonçalves, presi-dente da Cnen, destaca que as usinas nu-cleares não contribuem para o aumento doefeito estufa.“Produzem apenas 4 gramasde CO2 por KWh gerado, ante 446 gramasproduzidos por usinas a gás, 800 gramaspor usinas a óleo e 998 gramas por usinas

a carvão”, compara. Ele também alega que,ao contrário das termonucleares, as hidre-létricas produzem metano, o que contribuipara o aumento do efeito estufa, apesar dehaver controvérsias sobre a extensão desseimpacto. Além disso, Gonçalves destacaque as usinas atômicas ocupam menos es-paço. “As usinas hidrelétricas requeremgrandes áreas. Hoje, a maior parte das re-servas hídricas está na região amazônica,que é também onde estão as maiores áreasde preservação ambiental e reservas indí-genas, enquanto as centrais nucleares re-querem pequenas áreas”, compara.

Waldir Mantovani,coordenador do Cur-so de Gestão Ambiental da Universidade deSão Paulo (USP),lembra que questões geo-lógicas também devem ser avaliadas paraa implementação de Angra 3.“Em Angra,há problemas geotécnicos por causa da ins-tabilidade do terreno, o que chamamos deterra mole. Isso é algo que as instituiçõesnegam, e os especialistas ainda não são ou-vidos a respeito. A tecnologia é boa, masoptar por seu funcionamento é um pro-blema de peso, já que é um investimentocaro. Os reservatórios para os resíduos têmde ser muito seguros e à prova de vaza-

Janeiro, mas fontes nucleares têm participação de apenas 2,1% na matriz de geração

Fotos Divulgação/Eletronuclear

O Plano Nacional de Energia prevê a entrada em funcionamento de Angra 3 (canteiro de obras acima) em 2013, instalada junto a Angra 1 e Angra 2

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O setor industr ia l se preocupa com uma poss íve l cr ise de abastec imento e lé tr i co

tre 2011 e 2013, são as hidrelétricas de BeloMonte, no rio Xingu (5,5 mil MW), deJirau (3,3 mil MW) e de Santo Antônio(3,1 mil MW), no rio Madeira, em Ron-dônia.O governo federal,desde novembro,já se articula para agilizar o processo delicenciamento das unidades para podercumprir os prazos.

A alternativa da energia nuclear tam-bém veio à tona por causa da crise de abas-tecimento de gás para as termelétricas de-pois da contenda que envolve o GasodutoBrasil-Bolívia. Em maio deste ano, foi de-flagrado o imbróglio internacional, quan-do o presidente boliviano Evo Morales na-cionalizou a exploração de gás e petróleono país. Um novo acordo ainda está emprocesso de negociação entre a Petrobrase os governos brasileiro e boliviano. A si-tuação é preocupante, já que o Brasil temdependência externa do gás no percentu-al de 45% e só tem explorado 4,5% dos 6,4milhões de quilômetros quadrados de ba-cias sedimentares exploradas no país.

O governo federal prevê que somenteem 2009 a situação do setor melhorará,como aumento da produção nacional de gásprincipalmente em Campos (RJ), no Espí-rito Santo e em Santos (SP).“A crise com aBolívia mostrou que não podemos depen-der de combustíveis importados.A falta degás está obrigando o país a utilizar usinas adiesel e óleo combustível,o que é um retro-cesso ambiental e econômico.A energia ge-rada por essas usinas custa cerca de trêsvezes mais do que a das usinas a gás”, dizEdson Kuramoto, ex-presidente da Aben.

Segundo Nelson Siffert, chefe do De-partamento de Energia Elétrica do BancoNacional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES), estão sendo tomadasações para contornar os problemas deabastecimento nos próximos anos.“Das 85usinas programadas no Plano Decenal,treze (4.296 MW) já foram aprovadas pe-lo BNDES. Em análise, estão outras quecorrespondem a 2.395 MW. Com essequadro, a expectativa é ter 22% da progra-mação equacionada até 2007, com obrasem andamento”,diz o especialista.Ele ana-

lisa positivamente a possibilidade de novosinvestimentos nas termonucleares, alémdos projetos apoiados pelo Programa deIncentivo das Fontes Alternativas de Ener-gia Elétrica (Proinfa), do MME, que desde2003 dá ênfase a empreendimentos de pe-quenas hidrelétricas, de geração por bio-massa e fonte eólica no país.

Segundo Siffer, de 2003 a setembro de2006, a instituição aprovou projetos de 36centrais hidrelétricas com produção de 738MW, dezessete de biomassa (521 MW) ecinco eólicas (208 MW).“O BNDES aguar-da o curso das decisões sobre o tema peloCNPE para futuramente alinhar suas açõesnessa matriz. É preciso ter uma visão es-tratégica de longo prazo para a implemen-tação de Angra 3, que já tem investimentosconsolidados. O país tem capacidade tec-nológica e humana no setor”, considera.

Projeções A ampliação das fontes nuclea-res prevista no Plano Decenal de EnergiaElétrica (2006-2015) e no Plano Nacionalde Energia 2030 elaborados pela EPE ba-seiam-se em diferentes cenários de pro-jeção do Produto Interno Bruto (PIB) alia-dos a outros componentes de ordem cli-mática e ambiental, de reservas naturais ede domínio de tecnologia.

Nos quadros e projeções, são conside-rados para os próximos dez anos três dife-rentes crescimentos do PIB: 3,2%, 4,2% ou5,1%. Somente no cenário mais pessimista(3,2%) seria descartada a implementaçãode Angra 3. Já o Plano Nacional de Energiacom projeção até 2030 segue a variação decrescimento de 5,1% (otimista) a 2,2%(pessimista) no Brasil.

O cenário internacional contempla trêspossibilidades de projeções macroeconô-micas. Um mundo multilateral, com solu-ções negociadas; outro formado por blocoseconômicos, com a liderança dos EstadosUnidos e da União Européia e reajuste viaequilíbrio da economia norte-americana;ou então uma economia mundial de pro-tecionismo, em que haveria maior partici-pação dos blocos asiáticos, com divergên-cias acentuadas.Nesse contexto,a projeção

mentos”, analisa. Para o diretor do Institu-to de Física da USP, Alejandro Szanto deToledo, é estratégico o envolvimento de to-dos os setores da sociedade para a retoma-da dos investimentos na energia nuclearbrasileira.“É preciso haver um debate maisamplo entre os segmentos de produção,engenharia, cientistas, universidades e u-suários”, afirma.

Na análise do físico José Goldemberg,secretário de Estado do Meio Ambiente deSão Paulo, no entanto, o valor estimado de1,8 bilhão de dólares para a conclusão deAngra 3 poderia ser aplicado em obras ina-cabadas de hidrelétricas no país. Segundoele, o principal entrave para a realizaçãodas construções está na concessão de licen-ciamento ambiental.“O Instituto Brasileirode Meio Ambiente e Recursos Naturais Re-nováveis (Ibama) não tem pessoal técnicosuficiente para cobrir a demanda. A fontenuclear, por sua vez, cria o problema dosresíduos radiativos. Mesmo que ela seja re-tomada, ainda vai demorar pelo menossete anos para funcionar e não resolverá oproblema de abastecimento de energia nopaís. Uma das saídas para contornar oproblema é estimular o uso mais eficienteda energia, como em 2001, quando as pes-soas trocaram as lâmpadas”, diz.

Hidrelétricas A capacidade produtiva na-cional de usinas hidrelétricas está predo-minantemente instalada na bacia do rioParaná (60%), seguida pelo rio São Fran-cisco (16%) e pelo Tocantins (12%), deacordo com o Atlas de Energia Elétrica doBrasil, elaborado pela Agência Nacional deEnergia Elétrica (Aneel).Até 2003, havia oregistro de 517 centrais hidrelétricas noBrasil, sendo 378 de pequeno porte, o quecorresponde a 98,4% do total das unidadesem funcionamento.

As maiores centrais, que resultaram emimpactos ambientais proporcionais à suacapacidade, são Itaipu (Brasil/Paraguai),Tucuruí (PA), Balbina (AM) e Sobradinho(BA). No último Plano Decenal de EnergiaElétrica (2006-2015), os projetos de maiorporte a serem implementados no setor, en-

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de crescimento da economia mundial se-ria, respectivamente, 3,8%, 3,0% e 2,2%.

Um dos principais argumentos gover-namentais para a retomada do ProgramaNuclear Brasileiro, principalmente parafins energéticos, é o fato de o Brasil ter asexta maior reserva mundial de urânio,com 309 mil toneladas, e já deter a tecnolo-gia do urânio enriquecido, que abastece asusinas termonucleares.As maiores jazidasficam em Itatiaia (CE) e Lagoa Real (BA).

EnriquecimentoA retomada da geração nu-clear começou em maio deste ano, com ainauguração das duas primeiras unidadesde enriquecimento de urânio das IndústriasNucleares Brasileiras (INB), em Resende,no Rio de Janeiro.Elas funcionam numa es-cala semi-industrial,com tecnologia imple-mentada pelo Centro Tecnológico daMarinha. Segundo o ministro da Ciência eTecnologia, Sérgio Rezende, titular da pas-ta à qual a empresa está subordinada,deve-rão ser inauguradas mais oito unidades em

quatro anos. Com essa retaguarda, pre-tende-se cobrir 60% das necessidades de re-carga de Angra 1 e Angra 2. Somente em2016 é estimada a cobertura total, incluin-do Angra 3,caso esteja em funcionamento.“Com isso,o país deixará de gastar cerca de16 milhões de dólares por ano, custo dacontratação do serviço no exterior ”, diz odiretor de comunicação e ex-presidente daAben, Edson Kuramoto.

Furtado, do Greenpeace Brasil, ques-tiona o interesse do país em ter o domíniodo ciclo completo do enriquecimento dourânio.“A grande pergunta que fica é se esseconhecimento não pode eventualmente serutilizado para fins militares.Isso não é umaquestão menor,já que o Brasil tem um pro-jeto de submarino nuclear”, diz ele.

O governo brasileiro nega ter intençõesbélicas no investimento e lembra que é sig-natário de vários tratados internacionais arespeito. Entre os mais importantes está oTratado de Não-Proliferação Nuclear, aoqual o país aderiu em 1998 e que tem a par-

ticipação de cerca de 190 países. Em 1991,o Brasil já havia firmado com a Argentinao Acordo para o Uso Exclusivamente Pa-cífico da Energia Nuclear, que resultou nacriação da Agência Brasileiro-Argentina deContabilidade e Controle de Materiais Nu-cleares (ABACC). Três anos depois, con-solidou a participação no Tratado para aProibição de Armas Nucleares na AméricaLatina e no Caribe.

Como se vê, a retomada da energia nu-clear no Brasil é uma possibilidade a serlevada em consideração, apesar de que opaís jamais deixará de lado a energia hi-drelétrica como principal fonte. Porém,di-versificar a matriz energética e fugir da de-pendência externa são duas metas a seremperseguidas, tanto do ponto de vista eco-nômico como tecnológico. Por isso, não sepode desprezar as imensas reservas natu-rais de urânio, desde que se consiga garan-tir um funcionamento ambientalmentecorreto e um custo praticável para o Estadoe para o consumidor.

e apó ia a d i vers i f i cação da matr i z com a inc lusão da energ ia nuc lear

Divulgação/Eletronuclear

Para entrar em funcinamento, como Angra 2 (acima), a usina de Angra 3 exigirá investimentos da ordem de 1,8 bilhão de reais

d

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E x istem quase 15 mi l empreend imentos no Bras i l no

setor de economia so l idár ia , onde não há patrões e a

gestão é fe i ta co let i vamente . Apesar da boa vontade

dos par t ic ipantes, mu i tas in ic iat i vas não sobrev i vem à

fa l ta créd i to, à inexper iênc ia dos novos sóc ios e à

d i f i cu ldade de manter a c l i ente la

ECONOMIA

rativa das Costureiras Unidas Venceremos.A maioria (54%) dos empreendimentos as-sume a forma de uma associação,mas 33%constituem grupos informais, como mos-tra um estudo feito no ano passado pelaSecretaria Nacional da Economia Solidária(Senaes),do Ministério do Trabalho e Em-prego (MTE). O levantamento apontou aexistência de 14.954 empreendimentos deeconomia solidária, que envolvem 1,2 mi-lhão de pessoas. Esse tipo de organizaçãofloresceu a partir da década de 1980, quasesempre abrigada em uma paróquia da Igre-ja Católica, e ganhou força na década se-guinte, quando o desemprego cresceu e

muitas empresas quebraram.Foi assim que surgiu a Uniforja, a Coo-

perativa Central de Produção Industrial deTrabalhadores em Metalurgia,em Diadema,na Grande São Paulo (leia quadro na pág.

28). Quando a metalúrgica faliu, em 1997,os trabalhadores mantiveram a produção ecriaram uma cooperativa que alugou e pos-teriormente comprou as instalações da anti-ga Conforja. Hoje, a empresa é lucrativa,fatura 12 milhões de reais por mês, mas,lamentavelmente, é uma exceção entre asempresas recuperadas por cooperativas detrabalhadores. Os técnicos José RicardoTauile e Huberlan Rodrigues, do Instituto

cestaria dos índios baniwa, quehabitam a região amazônica doalto rio Negro,e o artesanato coma técnica de marchetaria da comu-

nidade cultural Quilombaque,no bairro dePerus,na metrópole paulistana,são produ-tos da economia solidária.O universo é va-riado, vai de uma pequena cooperativa decatadores de papel a uma forjaria que fatu-ra 145 milhões de reais por ano, mas todascompartilham um conceito: não existempatrões, são administradas de maneira co-letiva e autogestionária. Os nomes quasesempre evocam unidade ou esperança –Uniforja, Apóstolos da Ecologia, Coope-

A dura vida dasociedade

alternativaP o r O t t o n i F e r n a n d e s J r , d e S ã o P a u l o

A

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de Economia da Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ), fizeram uma pes-quisa com 25 empresas controladas por co-operativas de trabalhadores, publicada naedição de setembro de 2005 de Mercado deTrabalho, Conjuntura e Análise, do MTE edo Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea).O levantamento aponta os pro-blemas que essas empresas enfrentam emseu dia-a-dia: falta de acesso a linhas decrédito,defasagem tecnológica – pois quasesempre tinham sido abandonadas pelosantigos proprietários – e falta de conheci-mento de gestão empresarial da parte dosnovos controladores. Além disso, é difícil

mudar a mentalidade de quem sempre tra-balhou como empregado e convencer só-cios de que “a trajetória de máximo cres-cimento está vinculada a maior taxa de rein-vestimento,o que implica menor distribui-ção dos lucros ou, no caso, das sobras”,mostra a pesquisa.

Em geral, as empresas geridas por co-operativas de trabalhadores “estão abaixo dopadrão capaz de sustentar a concorrência”,constata o estudo, que aponta como alter-nativa para resolver essa defasagem a cria-ção de economias de rede para ganhar es-cala com a formação de cooperativas de se-gunda ordem. Foi esse o caminho seguido

por quatro cooperativas de trabalhadoresque resultou na criação da Justa Trama,marca de roupas e acessórios lançada em2005. Os produtos são todos feitos com al-godão orgânico,e a entidade já exporta paraa França e a Alemanha. Tudo começa como algodão plantado, sem o uso de agrotó-xicos, pelos 240 agricultores reunidos naAssociação de Desenvolvimento Educacio-nal e Cultural (Adec) de Tauá, no Ceará. Osegundo parceiro cuida da fiação,que fica acargo da Cooperativa Nova Esperança (Co-nes), de Nova Odessa, no interior de SãoPaulo, uma empresa autogestionária, recu-perada pelos trabalhadores,que tem 240 só-

Samuel Iavelberg

Uniforja, em Diadema, na Grande São Paulo, é um dos empreendimentos de economia solidária que tiveram maior sucesso

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O s emp r e e n d im e n t o s d e e c o n om i a s o l i d á r i a f l o r e s c e r am a p a r t i r d a d é c ad a

cios mais noventa trabalhadores contrata-dos. A etapa seguinte era de responsabili-dade da Cooperativa de Trabalhadores emFiação,Tecelagem e Confecções (TextilCo-oper),de Santo André,na Grande São Pau-lo, encarregada de fazer o tecido. Nas mãosdas 22 mulheres da Cooperativa das Cos-tureiras Unidas Venceremos (Univens),o te-cido toma as formas das roupas da JustaTrama,em Porto Alegre,no Rio Grande doSul.“Esse tipo de cadeia produtiva solidáriaé uma vantagem,porque ao eliminarmos osintermediários a retirada de todos os en-volvidos duplicou”, conta Nelsa Inês Nes-polo, presidente da Univens, cooperativacriada em 1996, na qual cada uma das cos-tureiras recebe entre 500 e 1.000 reais pormês. Empolgada com o sucesso da JustaTrama,Nespolo afirma que o próximo pas-so será dar personalidade jurídica ao em-preendimento. Ele será transformado emuma cooperativa de segundo grau, quecomprará a produção das outras partici-pantes. A mudança deve acontecer aindaneste mês.

Antes,porém,será preciso substituir umelo quebrado da corrente, porque a Tex-tilCooper fechou as portas em outubro doano passado,abatida por aqueles problemasque tornam alta a taxa de mortalidade deempresas recuperadas por trabalhadores.Acooperativa de Santo André foi criada em2001, pelos funcionários da Randi, umafábrica de cobertores que entrou em con-cordata.Porém faltou dinheiro para investirna diversificação da linha de produtos e,quando as vendas caíam, devido a um in-verno mais quente,por exemplo,a empresacambaleava, como aconteceu em 2003 e2005. Em 2004, os sócios da TextilCooperbuscaram apoio da União e Solidariedadedas Cooperativas Empreendimentos deEconomia Social do Brasil (Unisol Brasil),organização não-governamental montadacom apoio da Central Única dos Trabalha-dores (CUT). Ela deu assessoria para atua-lizar o desenho dos cobertores e para a cria-ção de novas embalagens. Os sócios daTextilCooper colocavam muita esperançana produção de tecido para a Justa Trama e

conseguiram um financiamento da Funda-ção Banco do Brasil para a compra de umnovo tear.O equipamento chegou um pou-co antes de a empresa encerrar suas ativi-dades,pois a maioria dos sócios desistiu doempreendimento, que não garantia reti-radas suficientes para o sustento.“Nem to-dos os ex-empregados estão preparadospara trabalhar no esquema de autogestão”,avalia Nespolo, mas garante que vão tentarreabrir a TextilCooper com um grupo me-nor de associados e manter a cadeia produ-tiva que abastece a Justa Trama.

Terceiro setor As cooperativas, as associa-ções e os grupos informais da economiabrasileira têm vínculos muito fortes com oterceiro setor,especialmente com organiza-ções não-governamentais.A pesquisa feitapela Senaes, do Ministério do Trabalho,aponta a existência de 1.120 entidades deapoio e assessoria aos empreendimentos deeconomia solidária.As 60 mil sacolas dis-tribuídas durante o Fórum Social Mundial(FSM) realizado em janeiro de 2005, emPorto Alegre,foram produzidas pela cadeiaprodutiva do algodão orgânico, mas sozi-nha a Univens não daria conta da tarefa e,assim, outras confecções da economia so-

lidária, no Rio Grande do Sul e em SantaCatarina,ajudaram na produção.Foi justa-mente na edição de 2003 do FSM de PortoAlegre que o presidente Luiz Inácio Lula daSilva anunciou a criação da Secretaria Na-cional de Economia Solidária.Ela começoua funcionar no ano seguinte, tendo comoresponsável o economista Paul Singer, queassumiu a coordenação das políticas públi-cas voltadas para esse setor emergente daeconomia e da sociedade.

Uma das principais iniciativas da Senaesfoi o envio do Projeto de Lei nº 7009 à Câ-mara dos Deputados,em maio do ano pas-sado.O texto estabelece as regras para a or-ganização e o funcionamento das coopera-tivas de trabalho e também cria o ProgramaNacional de Fomento às Cooperativas deTrabalho. As cooperativas de trabalho vi-vem num limbo legal,submetidas a uma leida época da ditadura militar que serviu paraas cooperativas agrícolas, explica LuizHumberto Verardo, um dos fundadores daAssociação Nacional dos Trabalhadores emEmpresas de Autogestão e ParticipaçãoAcionária (Anteag), que reúne 270 empre-sas recuperadas,com 25 mil trabalhadores.Um dos objetivos da proposta do MTE écoibir a existência de falsas cooperativas detrabalho, ou “coopergatos”, entidades defachada em que existem donos e os “associ-ados”trabalham sem receber os direitos tra-balhistas mínimos. Arildo Mota Lopes,presidente da Unisol Brasil, defende o pro-jeto de lei do MTE, pois “define com pre-cisão o conceito de cooperativa de trabalho,fixa direitos mínimos dos associados,dá se-gurança institucional, evita a precarizaçãodas relações de trabalho e garante a plura-lidade da representação”.

Mas o PL 7009 não conta com o apoiode todos os participantes da economia so-lidária.Verardo, da Anteag, é um exemplo.Ele afirma que o texto pode inviabilizar al-gumas iniciativas porque “estabelece que aretirada mensal mínima dos sócios de umacooperativa de trabalho seja igual ao saláriomínimo ou ao piso da categoria, o que seráimpossível de cumprir em entidades maisnovas ou em momentos de retração dos

Agropecuária, extrativismo e pesca 46,2%

Alimentos e bebidas 20,0%

Serviços de crédito e f inanças 16,7%

Indústria em geral 6,0%

Serviços em geral 4,1%

Artesanato 2,8%

Têxtil e confecção 1,9%

Coleta e reciclagem de materiais 0,9%

Outros 1,4%

*31% das instituições não informou o valor produzidoFonte: Senaes/Ministério do Trabalho

Principais setores de atuação das organizações

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d e 1 9 8 0 e h o j e e n v o l v e m 1 , 2 m i l h ã o d e p e s s o a s

negócios”. Lopes, da Unisol Brasil, reco-nhece que empresas de reciclagem, ligadasà agricultura familiar ou na etapa inicial derecuperação podem ter dificuldade paragarantir uma retirada de, pelo menos, umsalário mínimo, mas lembra que o projetode lei dá um prazo de três anos para que seenquadrem.

Daniel Tygel, secretário executivo doFórum Brasileiro da Economia Solidária(FBES),uma ONG que congrega várias ins-tituições ligadas ao setor, concorda que oformato original do PL 7009 pode dificul-tar a existência de cooperativas de trabalhopor causa da exigência de retirada mínima.“Se o objetivo do MTE, ao propor a novaregulamentação, era coibir as coopergatos,as outras definições do PL 7009 já seriamsuficiente, como a exigência de realizaçãode assembléias a intervalos regulares, comparticipação da maioria dos associados.Issobasta para coibir o funcionamento de falsas

entidades, desde que haja uma fiscalizaçãorigorosa.” De acordo com Tygel, o governofederal reabriu as negociações em torno doPL 7009 e retirou a exigência de tramitaçãoem regime de urgência.

Consenso Embora existam divergênciasquanto ao PL 7009, Unisol Brasil,Anteag eFBES estão coesas no combate ao Projetode Lei do Senado (PLS) 171, de 1999, quetramita na Comissão de Agricultura e esta-belece as novas regras para as cooperativasbrasileiras.Para Verardo,da Anteag,o maiordefeito do PLS 171 é atribuir à Organizaçãodas Cooperativas Brasileiras (OCB) – órgãocriado pela lei em vigor,nº 5.471,de 1971 –o monopólio de representação de todos ostipos de cooperativa.Lopes,o presidente daUnisol Brasil,critica um dispositivo do PLS171 que obriga as novas cooperativas aterem “seus atos constitutivos aprovadospela organização estadual de cooperativas

vinculada à OCB,antes de se registrarem naJunta Comercial, o que imporá novos cus-tos e mais demora no processo de criaçãodessas entidades”. Para Tygel, da FBES, oPLS erra ao centralizar a representação naOCB,mas reconhece um ponto positivo noprojeto, ao propor a redução de vinte parasete o número mínimo de sócios para aconstituição de uma cooperativa.

Um dos países com a legislação maisavançada nesse setor é a Espanha. Lá, a leique regulamenta as sociedades de traba-lhadores (sociedades laborales) foi aprovadaem 1986, permitindo que sejam anônimasou limitadas. O trabalho publicado porTauile e Rodrigues analisa a experiência es-panhola e indica que “também vítimas doneoliberalismo, muitas empresas na Espa-nha tombaram a partir do final dos anos1970 e em várias delas os trabalhadorestomaram as rédeas do negócio. Progres-sivamente, foram sendo criados mecanis-

Carlos Terrana/kino.com.br

Cestaria dos índios baniwa, que habitam a região amazônica do alto rio Negro, são comercializados por meio da economia solidária

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Lei em discussão na Câmara dos Deputados é contestada porque propõe que a retirada

Ipea, também defende que o principal pa-pel no apoio aos empreendimentos da eco-nomia solidária cabe às administrações mu-nicipais e que a “responsabilidade do gover-no federal deve ser de fornecer crédito, pormeio do Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES), doBanco do Brasil e da Caixa Econômica Fe-deral,bem como de criar uma legislação es-pecífica para esse segmento emergente dasociedade”.

Treinamento Uma das maiores carênciasdas entidades da economia solidária é trei-namento,pois quase sempre “são formadaspor pessoas que nunca foram assalariadasou que estão há muito tempo desempre-gadas e,portanto,despreparadas para a dis-ciplina do trabalho em grupo,horários,semcapacidade de garantir um nível mínimo dequalidade”, afirma Pochmann. Foi o quedescobriram os sócios da Cooperativa deTrabalho Força da Lua Brilhante (Cooper-brilha), da capital paulista, que realiza tra-balhos de manutenção e de jardinagem.Surgiu em 1999, apoiada pela Incubadora

Tecnológica de Cooperativas Populares(ITCP), da Universidade de São Paulo(USP).O pessoal da incubadora ajudou noregistro e na legalização da cooperativa etambém colaborou para que fechassemcontratos de serviços de limpeza, jardina-gem e manutenção com diversas institui-ções do campus da USP, na zona oeste dacidade de São Paulo. A Cooperbrilha saiuda sede da incubadora e alugou uma casaperto do campus, mas teve de voltar para oabrigo original neste ano porque perdeumuitos contratos e a receita diminuiu, co-mo admite Maria de Fátima Cosmo de Oli-veira,vice-presidente da cooperativa:“Tive-mos muitos problemas com a qualidade dosnossos serviços e agora temos de melhorar”.

O treinamento dos sócios pode ser im-portante para o sucesso de uma cooperati-va de trabalho,reconhece a professora SylviaLeser de Mello, coordenadora da ITCP, daUSP,“mas antes de tudo é preciso criar umacultura de grupo, de interesses comuns, oque é muito difícil de existir numa econo-mia competitiva, em que prevalece a de-sagregação e a atomização, especialmente

mos institucionais que as reconheciam co-mo entidade econômica a ser protegida”.Desde 1998, o Sindicato dos Metalúrgicosdo ABC paulista mantém contato com aFederação das Sociedades Anônimas La-borais da Catalunha (Fesalc) para aprendercom a experiência dos trabalhadores espa-nhóis na autogestão de empresas. Foramrealizados seminários e montados progra-mas de intercâmbio,com financiamento doAyuntamiento (prefeitura) de Badalona,cidade vizinha a Barcelona.

O Atlas da Economia Solidária da Se-naes mostra que 11,7% das 1.120 entida-des de apoio e fomento ao setor estão liga-das ao movimento sindical.“O papel dossindicatos é fundamental para ajudar asempresas recuperadas a se tornarem com-petitivas”, assegura Márcio Pochmann,professor do Instituto de Economia da Uni-versidade Estadual de Campinas (Uni-camp),“mas também é preciso desenvolverpolíticas públicas inovadoras para criar li-nhas de crédito,canais de comercialização,começando no nível local.”

Herton Ellery Araújo, pesquisador do

Sucesso na base de muita conversa

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Quando a metalúrgica Conforja, de Diadema(SP), faliu, em 1997, um grupo de 280 de seus520 trabalhadores fez uma aposta arriscada: mon-tou uma cooperativa e assumiu a gestão da com-panhia, como forma de manter seus empregos.Acertaram na mosca, pois quase dez anos depoisa metalúrgica, agora com o nome Uniforja, faturacerca de 145 milhões por ano, dá lucro e exportapeças laminadas e forjadas para vários países.

Mas o começo foi difícil.“A gente fez piquetepara impedir que oficiais de Justiça retirassemmáquinas dadas em garantia aos credores daConforja”, lembra José Domingos dos Santos (fo-to ao lado), presidente da Uniforja, a CooperativaCentral de Produção Industrial de Trabalhadoresem Metalurgia. Foram bem-sucedidos ao conven-cer o Juiz responsável pela massa falida de queconseguiriam manter a empresa em funcionamen-

to e arrendaram as instalações, com o pagamentode um aluguel mensal.Superada essa barreira,erapreciso conquistar clientes, mas tinham dificulda-de até mesmo para ser recebidos.“O Sindicato dosMetalúrgicos do ABC nos ajudou a abrir as portase também deu garantias de pagamento para que ofornecimento de eletricidade fosse retomado”,conta Santos.

Foi preciso muita conversa para mudar a men-talidade dos trabalhadores, que viraram sócios.To-das as decisões importantes são tomadas em as-sembléias e o salário virou uma retirada.O fatura-mento, que era de 10 milhões de reais em 1999,foi crescendo aos poucos e a grande virada ocor-reu em junho de 2003, quando o Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)emprestou 29 milhões de reais para a Uniforja,dosquais 17,6 milhões serviram para comprar, junto

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mensal dos sócios de cooperativas de trabalho não seja inferior a um salário mínimo

entre as pessoas mais pobres”. Por isso, oITCP está dando prioridade à criação decentros de referência para economia soli-dária em bairros pobres da zona sul da capi-tal paulista. Esses núcleos reúnem as pes-soas em grupos de cinco ou seis “para queaprendam a trabalhar juntos,pois criar em-

preendimento é fácil, mas mantê-lo é difí-cil”, diz Mello. Podem assumir a forma deum clube de compras, de troca de bens eserviços ou mesmo para que as pessoasfaçam conjuntamente o sabão que usam emsua moradia.

O ITCP, da USP, faz parte de uma rede

que engloba 23 universidades brasileiras esurgiu em 1995, na Coordenação dos Pro-gramas de Pós-graduação de Engenharia(Coppe), da UFRJ, que desde então já in-cubou 43 projetos de economia solidária.Olevantamento sobre o setor produzido pelaSenaes revela a existência de cerca de noven-ta entidades de apoio à economia solidáriavinculadas a instituições de ensino ou pes-quisa, que representam 7,8% do total.

De acordo com o Atlas da EconomiaSolidária,61% dos empreendimentos do se-tor apontam a comercialização como seuprincipal problema. O levantamento tam-bém mostra que 56% dos bens e serviçosproduzidos é colocado no mercado local,oque indica que o comprometimento das au-toridades municipais pode abrir mais es-paço para a comercialização,com a criaçãode feiras e novos canais de vendas.Nem to-dos têm a possibilidade de exportar a pro-dução,como fizeram os agricultores que ex-traem castanha-do-pará nas cidades de Epi-taciolândia e Brasiléia, no Acre. Investirampara obter a certificação do produto, con-seguiram o título de Comércio Justo, con-cedido pela Organização Internacional deCertificação do Comércio Justo (FLO, nasigla em inglês).Assim,exportam o produ-to para a Europa a um preço muito melhordo que o praticado no Brasil.

O governo federal tem feito a sua partepara promover a comercialização de produ-tos e serviços da economia solidária ao or-ganizar feiras estaduais, que também ser-vem para colocar os produtores em conta-to com o circuito de comércio tradicional,que,aos poucos,passa a ser um canal de dis-tribuição. O grupo Pão de Açúcar, por e-xemplo,lançou em 2003 o programa Carasdo Brasil, que vende em 36 lojas do Rio deJaneiro e de São Paulo vários produtos, co-mo artesanato e alimentos,de pequenas co-munidades que defendem o meio ambientee têm preocupação com o desenvolvimen-to social. Mas ainda resta um longo cami-nho para que a economia solidária deixe ocircuito alternativo. Mesmo assim, com oque já foi feito,ela contribuiu para o fortale-cimento do tecido social brasileiro.

A cooperativa Univens, de Porto Alegre, faz parte de uma cadeia de produção de roupas e acessórios

Divulgação

com a massa falida, todo o maquinário e partedas instalações da antiga Conforja.“Deu traba-lho para convencer os sócios da Uniforja de queera vantajoso pegar o empréstimo, pois passa-riam a ser os donos da empresa.”

Com parte do dinheiro do BNDES foi possí-vel investir na compra de novas máquinas, mo-dernizar as existentes e ampliar o número depostos de trabalho. Atualmente, a Uniforja tem506 funcionários, dos quais 272 são sócios dascooperativas que controlam a empresa e o res-tante é contratado de acordo com as regras daConsolidação das Leis Trabalhistas,mas com umcontrato por tempo limitado.“Depois de três anoseles são demitidos, e quem quiser pode se tornarsócio de uma das cooperativas, usando 80% dovalor da rescisão para comprar cotas”, explicaSantos,um mineiro de Montes Claros,de 50 anos,que começou a trabalhar na Conforja em 1978,como ajudante geral. Na média, os trabalhadoresda empresa recebem 1,9 mil reais, cerca de 20%

acima do que é praticado no mercado regional,mas ninguém ganha mais de 8 mil reais por mês.

Cada uma das quatro cooperativas que com-põem a Uniforja realiza reuniões mensais e todosos cooperados se reúnem a cada três meses.“Hoje, os sócios sabem que é necessário investirna empresa para aumentar o faturamento e con-seguir melhores resultados mais para a frente,como nas empresas capitalistas”, diz Santos. Foiassim que aprovaram a contratação, neste ano,de mais um empréstimo com o BNDES, de 19 mi-lhões de reais.O dinheiro servirá para adequar aUniforja à legislação ambiental e investir em no-vas tecnologias.

Nos últimos anos, a empresa foi beneficiadapela expansão da indústria petrolífera, já que éuma das principais fornecedoras das conexõesusadas nos oleodutos da Petrobras,“mas temosde aprimorar a qualidade e oferecer preços com-petitivos, pois enfrentamos a concorrência deempresas dos países desenvolvidos”, diz Santos.

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EDUCAÇÃO P o r A n d e r s o n G u r g e l , d e S ã o P a u l o

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A viagem doconhecimentoA educação a d i s tânc ia ganhou ares de so lução ef i c i en te para o g rave prob lema

educac i o na l b ras i l e i r o . Com o u so de fe r ramen tas te cno l óg i c as pa ra ens i n o

remoto, governo e ent i dades púb l i cas e pr i vadas esperam romper o g igantesco

déf i c i t educac iona l e encontrar o caminho da inc lusão na soc iedade da in formação

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tas se mostram otimistas na possibilidadedo encontro das ferramentas de EAD comas ações de inclusão digital. Esse talvezpossa ser o “Deus ex machina” para o dé-ficit educacional brasileiro. Para o gover-no federal, um ponto crítico é a formaçãode melhores professores de ensino funda-mental. Dessa constatação surgiu, em2005, a Universidade Aberta do Brasil(UAB), uma iniciativa da Secretaria deEducação a Distância (Seed), do Minis-tério da Educação (MEC).

Novos cursos Denise Martins de Abreu eLima, coordenadora da UAB na Univer-sidade Federal de São Carlos (Ufscar), ex-plica que o projeto é uma parceria entreconsórcios públicos nos três níveis gover-namentais (federal, estadual e municipal),em conjunto com universidades públicase demais organizações interessadas. Umdos pontos de referência foi instalado nomunicípio-sede da Ufscar, no interior deSão Paulo. Denise Martins conta que osprofessores perceberam que os alunos jáchegavam à instituição usando diferentesmeios de se comunicar e interagir com omundo.“A educação não pode ignorar esseaspecto. Pelo contrário, deve entendê-lopara auxiliar novas gerações a utilizar es-ses meios com ética e respeito, sabendoaproveitar suas possibilidades da melhorforma possível”, acrescenta.

Para testar novos modelos, a UAB estátrabalhando com ferramentas tecnológi-cas que beneficiam o desenvolvimento demetodologias de ensino na área de for-mação inicial e continuada de professoresde educação básica e, também, em algunscursos de graduação da UFSCar. DeniseMartins revela que, em junho de 2007, aUfscar deverá ter as primeiras “turmas”decursos de graduação semipresenciais, comparte das aulas nos campi e parte feita a dis-tância. As opções inscritas no MEC são:Educação Musical – licenciatura; Pedago-gia – licenciatura; Sistemas de Informação– bacharelado; Engenharia Ambiental –bacharelado; Tecnologia Sucroalcooleira– tecnólogo.“Esses cursos serão ofereci-

32 Desafios • janeiro de 2007

exemplos de adoção desses modelos entreagricultores e pecuaristas europeus, no fimdo século XIX.Eles aprendiam,por corres-pondência, como plantar ou qual a melhorforma de cuidar do rebanho. No Brasil, es-sa modalidade por correio começou timi-damente, no começo do século XX, e temcomo exemplar notório o Instituto Univer-sal Brasileiro, que oferecia cursos técnicosa distância – por exemplo, eletrônica emecânica. O rádio e, posteriormente, a TVtambém foram peças fundamentais naeducação remota no Brasil.“Contudo,como surgimento da Internet, o ensino a dis-tância ganhou potencialidades nunca antesvistas”, explica Litto.

Tanto é assim que até o próprio Ins-tituto Universal Brasileiro aderiu ao mun-do virtual. Hoje oferece opções de cursosusando a rede mundial de computadores,mas sem perder de vista as opções históri-cas, nas quais os alunos recebem em casaas apostilas para estudar. Para atender in-cluídos ou não, digitalmente falando, aperseverante escola já se garantiu nos doismundos. Pode parecer exagero, mas nãoé. Falar de acesso à informação e à edu-cação hoje é como falar de dois mundosdistintos. Segundo Litto, por trás da cor-rida para a rede, há a percepção de que, naera do conhecimento, nada tem mais va-lor e nada dá mais poder do que saber tra-balhar bem com as informações.

E, para dar conta do volume imenso deinformações que circulam por todos osmeios, estudar deixou de ser uma fase davida das pessoas para se tornar um proces-so contínuo, como acontece no mundodos cidadãos brasileiros inseridos e com al-to poder aquisitivo. Para esses, cursos depós-graduação, MBAs e outras opções es-tão sendo oferecidas usando as ferramen-tas de EAD. Já no outro mundo, dos quenão têm acesso à escola ou às instituiçõesde ensino superior, a Internet é uma reali-dade distante. Nesse ponto, encontra-se onó que o Brasil não desatou e que faz adiferença na competição mundial compaíses emergentes, como a China e a Índia.

É nessa fronteira que muitos especialis-

expressão latina “Deus ex ma-china”, há tanto tempo emdesuso, cabe bem para dis-cussão sobre o atual cenário da

educação brasileira. Em tradução simples,ela significa “Deus surgido da máquina” etem sua origem no teatro grego, onde foicriada para classificar as soluções inespe-radas, artificiais ou até mesmo imprová-veis que eram introduzidas em cena pararesolver os impasses intrincados das tra-mas. Ao longo do tempo, esse recurso“quase divino”para desatar nós de enredoganhou uma imagem dúbia e passou a servisto tanto como solução viável, para uns,quanto como um embuste, para outros.

A bem da verdade – e saindo da tragé-dia grega para a tragédia educacionalverde-amarela –, a expectativa criada emtorno da educação a distância (EAD) temum tom de “Deus ex machina”. Inquestio-navelmente citada em qualquer lista dosmais graves problemas nacionais, a educa-ção brasileira, com o uso das tecnologiasatuais, pode dar um salto inclusivo, levan-do o ensino, nos diversos graus, à massasem acesso, tanto no campo como na ci-dade. Mas a questão que fica é: será quehardware e software bastam? Será que es-tudantes, nos variados graus de ensino,conseguirão manusear e aprender com es-ses recursos? Ainda, os certificados terãovalor no mercado? E os professores, sabe-rão utilizá-los para fazer seu trabalho?

De maneira geral, ainda não há respos-tas definitivas para essas questões. E, tragi-camente, muitas outras podem ser colo-cadas. Mas, a despeito de tudo, parte dosespecialistas e a imensa maioria das gran-des empresas são entusiastas do uso dessasferramentas tecnológicas na educação.Como lembra Fredric Litto, que é diretorda Escola do Futuro, centro de estudos daUniversidade de São Paulo (USP), e tam-bém presidente da Associação Brasileirade Educação a Distância (Abed), o uso detécnicas de ensino a distância não é umanovidade, o que existe hoje é uma poten-cialização do conceito.

No sentido tradicional do termo, há

Estudar de ixou de ser uma fase da v ida das pessoas para se tornar um processo

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dos para vários municípios do estado deSão Paulo e de outros estados, num totalde 1,9 mil vagas”, completa.

Quem também mantém um trabalho deavaliação de cursos na modalidade EAD éa Universidade Estadual Paulista (Unesp).Klaus Schlünzen Junior, assessor da reito-ria da Unesp e também presidente da Co-missão Permanente de Educação a Dis-tância da mesma instituição, comenta queessas ferramentas começaram a ser usadasem atividades ligadas à extensão univer-sitária por volta do ano 2000, em cursosde formação para os docentes da casa. AUnesp publicou, recentemente, uma reso-lução na qual estabelece diretrizes para ooferecimento de novos cursos a distância.“Esse foi um importante passo dado pelauniversidade no sentido de dialogar e cons-truir com a comunidade universitária umamaneira organizada de pensar a EAD co-mo alternativa concreta. A universidadeatualmente aguarda a solicitação de cre-denciamento no MEC para oferecer cur-sos de graduação e pós-graduação nessamodalidade.A expectativa é que a autori-zação venha ainda em 2007.”

Emancipação digital Na opinião de Schlün-zen Junior, a EAD tem tudo a ver com aextensão universitária, mas também comas áreas sociais, pois representa uma opor-tunidade de educação de qualidade parapessoas distantes de centros de formação,impossibilitadas de freqüentar esses am-bientes, e para os que têm alguma dificul-dade de locomoção. “Devemos semprelembrar das características continentais denosso país e das desigualdades sociais. Porisso, penso que a tecnologia pode ajudar adiminuir as diferenças e criar significativosmovimentos inclusivos”, reforça. Esse é oamálgama do projeto da UAB e dos pro-jetos públicos em EAD. “As iniciativasvisam criar mais oportunidades, amplian-do consideravelmente as vagas para o en-sino público, gratuito e de qualidade, per-mitindo a inclusão social”, conclui DeniseMartins, uma das coordenadoras da UAB.

Segundo Gilson Schwartz, diretor da

contínuo, como acontece no mundo dos cidadãos brasileiros com maior poder aquisit i voOr

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atendidas”, acrescenta Marcusso.Já a Rede Senai de Ensino conta com

vários projetos de EAD em localidades es-palhadas por todo o Brasil. Entre essesprojetos há ações que vão desde processoseducativos para jovens e adultos, como aformação em ensino médio e fundamen-tal, até linhas de atuação em educação adistância específicas, como a que envolvea ferramenta Virtual Vision, voltada paraa capacitação e o treinamento computa-cional de deficientes visuais. Com a Lei deCotas, que obriga as empresas a contratarum percentual mínimo de pessoas comdeficiência, os cegos atendidos por essecurso conseguem obter formação em in-formática e têm mais chance no mercadode trabalho.

Universidade Saindo do universo dos queainda precisam de ajuda para dar os pri-meiros passos no mundo digital, a EADencontra campo fértil para expansão nooutro extremo do conhecimento, ou seja,no mundo dos cursos superiores e de pós-graduação. Um caso bastante interessanteé o da Universidade Aberta Pitágoras, per-tencente ao grupo educacional Pitágoras,com sede em Minas Gerais.Guilherme Pai-xão Franciscani, que é o superintendente,destaca a rápida expansão da instituiçãoem ensino a distância.“Temos um estúdiode aulas ao vivo concluído e com capaci-dade de transmissão via satélite para todoo Brasil e via Internet para todo o mundo”,revela. Com quarenta anos de mercado, ogrupo tem uma rede voltada para educa-ção básica que congrega hoje mais de qui-nhentas escolas próprias e associadas noBrasil e no exterior. Outra frente de açãoatende o ensino superior presencial.

A importância estratégica do assuntofez com que fosse criada uma nova uni-dade de negócios por lá: a UniversidadeAberta Pitágoras, que concebe soluções deeducação a distância para indivíduos ecorporações.“Alunos em dependência doSistema Universitário Pitágoras podem,por meio do e-learning, cursar a distânciaas disciplinas em que foram reprovados e,

• Pelo menos 1,278 milhão de brasileiros es-tudaram por educação a distância no anode 2005, tanto em cursos oficialmentecredenciados como em projetos nacionaispúblicos e privados.

• O número de instituições que ministramEAD com autorização do MEC cresceu30,7% entre 2004 e 2005.

• O número de alunos que estudaram nessasinstituições cresceu ainda mais no mesmoperíodo: 62,8%.

• No ano de 2005, houve um pico na ofertade novos cursos a distância. Foram ofere-cidos, pelas instituições da amostra, 321novos cursos nesse ano, ante 56 novoscursos em 2004 e 29 em 2003.

• A prova escrita presencial é a forma deavaliação mais utilizada pelas instituiçõesde EAD, sendo aplicada por 64,3% delas.

• O e-mail é o apoio tutorial mais comumnas escolas de EAD, sendo usado por86,75% delas. Em seguida, estão o tele-fone (82,7%), o professor on-line (78,6%)e o professor presencial (70,4%).

34 Desafios • janeiro de 2007

Na praia do Pipa, no Rio Grande do Norte, vários artesãos foram capacitados por meio de

foram feitos em 1997. Com quarenta esco-las e mais de 108 mil alunos, a fundação vêa opção tecnológica como forma de ex-pandir a prestação de serviços sem neces-sariamente construir novos prédios. “Ameta é ampliar nossa atuação por meio deparcerias”, declara. No Portal da FundaçãoBradesco, estão disponibilizados 185 cur-sos. Atualmente, são feitos mais de 70 milatendimentos pelo projeto Escola Virtual eeles são distribuídos em áreas que vão des-de introdução à informática até certifica-ções de tecnologia da informação; além decursos comportamentais, ou seja, treina-mentos voltados para a capacitação de li-deranças comunitárias.“Queremos incen-tivar a geração de líderes nas comunidades

Cidade do Conhecimento, projeto de pes-quisa e extensão da Escola de Comuni-cação e Artes (ECA-USP), as comunida-des precisam ser preparadas para as mu-danças tecnológicas, sociais e de compor-tamento que as tecnologias da informaçãoe da comunicação (TICs) comportam. ACidade do Conhecimento foi aprovadaem concurso do Instituto de EstudosAvançados da USP, em 1999. Em síntese,era o projeto de uma rede experimental deaprendizado permanente e combina as-pectos de EAD com ferramentas de gestãodo conhecimento e de gestão de projetos.“Mais que um sistema de ensino, criamosuma rede colaborativa em que o apren-dizado ocorre na medida em que as co-munidades colaboram para resolver pro-blemas, sendo, portanto, um projeto de in-teligência coletiva”, explica Schwartz.

Paraíso O trabalho pioneiro da Cidade doConhecimento é na Praia da Pipa, para-disíaca estância turística do estado do Riodo Grande do Norte. Inseridos num mun-do de cultura e natureza exuberantes, osmoradores locais viviam à margem do de-senvolvimento tecnológico. O desafio foi,utilizando a tecnologia da informação, in-stalar um telecentro para conectar o co-nhecimento local com o conhecimento for-mal – fusão indispensável para a emanci-pação digital. A fórmula foi capacitar osartesãos para se tornarem produtores cul-turais por meio de vários cursos que inte-gravam aulas in loco e a distância. Assimnasceu a idéia do desenvolvimento de con-teúdos culturais para acesso via celular.Atualmente,Vivo, Claro e Oi já compramring tones e wall papers criados por artistaslocais. O próximo passo vai ser a venda devídeos com temas daquela região.Além daPraia da Pipa, o projeto está sendo desen-volvido com uma aldeia xavante e com umacomunidade ribeirinha no alto Amazonas.

Outra entidade que está usando ferra-mentas de EAD é a Fundação Bradesco.Nivaldo Tadeu Marcusso, gerente de tec-nologia da entidade, lembra que os primei-ros estudos para o uso dessas ferramentas

Fonte: Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e aDistância 2006, publicado pelo Instituto Monitor com apoio da Abed

Destaques da educação a distância no Brasil

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dessa forma, dar continuidade aos seuscursos presenciais”, explica. Com o apoiode um LMS (Learning Management Sys-tem), esses estudantes acompanham oconteúdo dado em sala de aula, fazemexercícios e interagem com o professor. Apartir de 2007, revela Franciscani, a Uni-versidade Aberta Pitágoras passa a ofere-cer cursos de graduação a distância para opúblico em geral. O modelo adotado ébaseado na parceria com escolas em todo opaís e no exterior, a começar pela própriaRede Pitágoras. Essas instituições fun-cionarão como pólos regionais, onde osalunos se encontrarão para assistir às aulas,fazer trabalhos em grupos e provas, entreoutras atividades.Através da Internet e com

o material de apoio será feita a complemen-tação do processo de ensino e aprendiza-gem. Reforçando a tendência, a Univer-sidade Santo Amaro (Unisa),em São Paulo,também está oferecendo cursos com 20%da carga horária no modelo EAD.

Empresas Se é verdade que o ensino a dis-tância avança nas universidades, ele crescemuito mais dentro das empresas. Segundoprojeções divulgadas pela E-LearningBrasil, um portal especializado em infor-mações sobre o uso da Internet no ensino,a EAD aumentou 40% no setor corporati-vo em 2006. Em 1999, existiam apenas dezempresas que utilizavam esse método.Hoje,já são mais de quinhentas. Da mesma for-

ma, em 2002, os investimentos das empre-sas em ferramentas de ensino não presen-cial totalizaram 52 milhões de reais e, em2005,esse número pulou para 162 milhõesde reais. O país já registra mais de 1,5 mi-lhão de pessoas treinadas por e-learning.Nomercado norte-americano, que movimen-ta cerca de 1 bi-lhão de dólares na área, osprogramas de ensino a distância incluemuma ampla gama de aplicações e processos,como internet,extranet,intranet,Lan/Wan,áudio e vídeo, transmissão via satélite, tele-visão interativa e CD-ROM. Hoje, já sãocerca de 217 instituições autorizadas peloMEC que oferecem essa modalidade de en-sino – um crescimento de 30% em relaçãoa 2004. O número de alunos também

Desaf ios • janeiro de 2007 35

cursos que integravam aulas in loco e a distância para se tornarem produtores culturaisOr

land

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• 1904 • Já existiam ferramentas de educaçãoa distância na mídia impressa e nos Correios,o ensino por correspondência privado.

• 1923 • Surge o Rádio Educativo Comunitário.• 1965 a 1970 • Surgem as TVs Educativas,

criadas pelo poder público.• 1980 • Grande oferta de supletivos via tele-

cursos, com uso de televisão e material im-presso (organizado por fundações sem finslucrativos).

• 1985 • Uso do computador “stand alone”ouem rede local nas universidades.

• 1985 a 1998 • Uso de mídias de armazena-mento,como videoaulas,disquetes,entre ou-tros, como meios complementares.

• 1989 • Criação da Rede Nacional de Pes-quisa (uso de BBS, Bitnet e e-Mail).

• 1990 • Uso intensivo de teleconferências(cursos via satélite) em programas de ca-pacitação a distância.

• 1994 • Início da oferta de cursos superio-res a distância por mídia impressa.

• 1995 • Disseminação da Internet nas insti-tuições de ensino superior, via RNP.

• 1996 • Redes de videoconferência - Inícioda oferta de mestrado a distância, por uni-versidade pública em parceria com empre-sa privada.

• 1997 • Criação de Ambientes Virtuais deAprendizagem – Início da oferta de espe-cialização a distância, via Internet, em uni-versidades públicas e particulares.

• 1999 a 2001 • Criação de redes públicas,privadas e confessionais para cooperaçãoem tecnologia e metodologia para o usodas NTIC na EAD.

• 1999 a 2002 • Credenciamento oficial deinstituições universitárias para atuar emeducação a distância.

• 2005 • Governo cria projeto UniversidadeAberta do Brasil.

• 2006 • Internet com banda larga gera maisfacilidades à EAD.

• 2007 • Previsão de oferta de cursos de gra-duação em EAD pelas instituições públicasde ensino.

36 Desafios • janeiro de 2007

O Senac está fa zendo parcer ias com inst i tu ições do ex ter ior para que bras i l e i ros

Fonte: Abread / Abed / empresas

Muito antes daInternet Evolução do ensino a distância no Brasil

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Desaf ios • janeiro de 2007 37

que moram fora do pa ís possam fa zer tre inamentos em por tuguês

cresceu 62,6% em 2006.Outras ações importantes em EAD

vêm do Serviço Nacional de Aprendiza-gem Comercial (Senac). Regina HelenaRibeiro, coordenadora do núcleo de ensi-no a distância, comenta que o Senac atuana área desde 1948, quando foi criada aUniversidade do Ar, uma forma de usar orádio para educar e formar pessoas.Atual-mente, já inserida no mundo das tecnolo-gias digitais, a instituição oferece cursoscom ferramentas de e-learning para em-presas de vários segmentos, entre elasMcDonald's, Phililps e Mapfre.

O Senac agora está fazendo parceriascom instituições do exterior para que bra-sileiros que moram fora do país possamfazer treinamentos em português de for-ma a não ficarem defasados na volta paracasa.“Um exemplo adiantando desse pro-cesso é o Japão, onde estamos negocian-do parcerias para nossos compatriotas quesão descendentes e estão trabalhando lá”,explica Regina Ribeiro.

Formação do professor Se há consensoentre os especialistas quanto à evoluçãodas ferramentas de EAD, o mesmo nãopode ser dito sobre o conteúdo dos cursosque estão sendo oferecidos. Litto, da Abed,avalia que as instituições e os professoresprecisam entender que a Internet não éuma aglomeração de todas as mídias an-teriores.“Na sala de aula, quem domina éo professor, mas na rede o docente é so-mente o arquiteto”, comenta. Para ele, emmuitos casos os alunos aprendem mais natroca de informações feita nos fóruns dediscussão do que na parte de conteúdo deaula mesmo.

Por isso, ele defende que os professoressejam mais bem capacitados para aprovei-tar essa oportunidade. Atualmente, tantoUnesp como Ufscar desenvolvem progra-mas para treinar os docentes de ensino su-perior. Contudo, para tentar amenizar odrama da educação brasileira, a capaci-tação precisa chegar ao ensino fundamen-tal. E, nesse sentido, há uma série de ini-ciativas em curso. Além do trabalho da

UAB, vários outros projetos estão sendodesenvolvidos.

A Fundação Bradesco, por exemplo,lançou o Projeto Educa + Ação, que visaintegrar a iniciativa privada e o setor pú-blico municipal no esforço de elevar o pa-drão educacional das crianças brasileiras.Nesta fase inicial serão beneficiados cercade 1.000 alunos do ensino fundamental deescolas municipais de oito cidades do Valedo Ribeira, no interior de São Paulo.Alémda orientação e da metodologia da enti-dade, os professores terão acesso a um am-plo material para aplicação da metodolo-gia em sala de aula e terão treinamento pormeio de cursos presenciais e a distância,ministrados pelo corpo docente da Fun-dação Bradesco.

A Secretaria de Estado da Educação deSão Paulo, que tem cerca de 236 mil edu-cadores e aproximadamente 6 milhões dealunos em mais de 5 mil escolas, tambémestá com um projeto para qualificar 6 milgestores de escolas públicas para atender àcrescente demanda por instrução especiali-zada. A Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp) é que vai coordenar ocurso de Especialização em Gestão Educa-cional.Com investimento de 10 milhões dereais, o treinamento tem 390 horas de du-ração, dividido em 180 aulas presenciais,180 ministradas a distância e trinta dedi-cadas ao trabalho de conclusão de curso.

O governo paulista também fechouuma parceria com o Grupo Santander ecom o Portal Universia para colocar emfuncionamento um programa para a for-mação e a capacitação de 45 mil profes-sores da rede pública de ensino médio.Pelo programa, está sendo montado umacordo de cooperação para impulsionarprojetos dirigidos ao ensino da língua es-panhola na rede pública do estado de SãoPaulo. As três universidades públicas es-taduais – USP, Unicamp e Unesp – vãoselecionar os tutores; e o Instituto Cer-vantes será o responsável pela elaboraçãodos conteúdos.

O diretor da Cidade do Conhecimen-to, Gilson Schwartz, acrescenta que é fun-

damental que os projetos de EAD tenhamclara a diferença entre educação e treina-mento. No segundo, a repetição e a massi-ficação são o objetivo. Já no primeiro osdesafios são maiores, o que exige maiorpreparo e preocupação dos gestores e do-centes.“Professor não é operador, por is-so educação e treinamento precisam serclaramente diferenciados em ensino a dis-tância”, frisa. Segundo ele, iniciativas co-mo a UAB e tantas outras mostram queinstituições governamentais e entidadescivis já se deram conta desse desafio.

Massificação Além disso, as ações recen-tes do MEC demonstram que realmenteo governo aposta em ensino a distância.Contudo, tanto para o governo como pa-ra o mercado, Schwartz relembra que ofato de usar a tecnologia não exclui os de-safios humanos a serem vencidos para osucesso do projeto de EAD no Brasil. Atentação da massificação e do ganho deescala das instituições sem a devida ade-quação dos projetos é a maior ameaça.Corre-se o risco de repetir no virtual afábrica de diplomas inexpressivos que éalimentada por muitas faculdades por aí,no mundo concreto.

“Inegavelmente essas tecnologias ge-ram escala, do ponto de vista da estrutu-ra, mas se o conteúdo não for local nãohaverá o comprometimento com a edu-cação para a geração de conhecimento einovação”, completa Schwartz. A solução“Deus ex machina” que o e-learning podetrazer encontra-se justamente na encruzi-lhada: o papel do professor na EAD e asensibilidade para a adequação dos con-teúdos locais aos softwares globais serão ofiel da balança para que a educação a dis-tância se coloque de fato como um dife-rencial para a ruptura com a crise endêmi-ca educacional brasileira. Portanto, pormais que a educação esteja globalizada evirtualizada neste início do século XXI, fi-ca o recado: o sucesso (em formação ade-quada e retorno financeiro) pode vir dosensinamentos mais simples, das idéias dePaulo Freire, por exemplo. d

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Ainda que a pobreza se ja

percept íve l em d i versos

lugares e s i tuações, é

mu i to d i f í c i l captar

exatamente sua

d imensão. Qua is são as

carênc ias e o que é

prec iso fa zer para

amen i zar o sofr imento

das pessoas que v i vem

com pouco ou nenhum

recurso. Para a judar a

traçar um perf i l ma is

prec iso dos prob lemas da

pobreza no Bras i l , o Ipea

propõe a ap l i cação de um

índ ice que leve em

cons ideração as d i versas

facetas das necess idades

da popu lação e que

possa ca lcu lar o n íve l

de vu lnerab i l i dade

famí l i a a famí l i a

SOCIEDADE

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pobrezaAs dimensões da

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

José

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pobreza 22/12/06 17:37 Page 39

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40 Desafios • janeiro de 2007

Desde a década de 1970, novas concepções vêm surg indo com o objetivo de construir

do “Pobreza multidimensional no Brasil”,no qual propõem um novo cálculo do índi-ce de pobreza,baseado nas informações co-letadas pela Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílios (Pnad), do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A grande novidade é que o índice podeser calculado para cada família com basenas informações da Pnad.Assim, será pos-sível,a partir de agora,não apenas avaliar ograu de pobreza de bairros, municípios epaíses,mas também de grupos demográfi-cos específicos,como negros,crianças,ido-sos e analfabetos.Será também possível in-

vestigar quais dimensões – educação, mo-radia etc.– da pobreza são as principais res-ponsáveis pelas diferenças existentes entregrupos sociais considerados pobres.“O tra-balho é uma contribuição relevante e com-petente para a análise da pobreza no Bra-sil”, acredita Rodolfo Hoffman, professordo Instituto de Economia da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp).

Antes de chegar a qualquer resultado,entretanto,foi preciso desatar um nó,já queexistem diversos caminhos possíveis paraa construção de um indicador de pobrezamultidimensional. O peso de cada variávelpode diferir, assim como os métodos decomposição do índice.Algumas etapas pre-cisam ser vencidas nessa construção. Entreos obstáculos a serem superados está a ne-cessidade de definir quais dimensões são asmais relevantes e quais devem ser os indi-cadores utilizados para representar cadauma delas. Ricardo Paes de Barros, Mirelade Carvalho e Samuel Franco,pesquisado-res do Ipea e autores do estudo, optarampor incluir no cálculo seis dimensões, 26componentes e 48 indicadores. É como sefossem feitas 48 perguntas às famílias sobresuas condições de vida.A idéia é que cadauma das seis dimensões se desdobre emcomponentes que, por sua vez, requeremdiferentes indicadores para representá-los.

Com base nas informações da Pnad, ospesquisadores elegeram as seguintes di-mensões, componentes e indicadores:

1.VulnerabilidadeComponentes: fecundidade, atençãoe cuidados com crianças, adolescentese jovens, atenção e cuidados especiaiscom idosos, dependência demográficae a presença da mãe.Indicadores: a presença de criança ouidosos na família e a existência de crian-ça no domicílio cuja mãe já tenha mor-rido ou que não viva com a mãe, entreoutros. Para os pesquisadores, investi-gar a presença da mãe é particularmen-te importante, já que, caso as criançassejam criadas por terceiros, existe umaprobabilidade de desproteção maior, de

uem são os pobres? Onde eles es-tão? Como vivem? As perguntaspodem parecer um tanto óbviasquando falamos de países comoo Brasil,em que a pobreza é mui-

to exposta.Mas,ao contrário do que se pos-sa imaginar, medi-la não é tarefa trivial.Muitos são os estudiosos que se debruçamsobre o tema e muitos foram os índices cria-dos até hoje. A forma mais simples e maisusada costuma ser o estabelecimento deuma linha de pobreza dividindo pobres enão-pobres.A variável central para a cons-trução dessa fronteira normalmente é a ren-da per capita de uma família comparadacom o custo de satisfação das necessidadesbásicas.A referência é o preço de uma cestabásica de alimentos.Assim, são considera-das em situação de indigência as famílias epessoas cuja renda per capita é inferior aocusto da tal cesta básica de alimentos.

Um dos índices mais conhecidos é a li-nha estabelecida pelo Banco Mundial, se-gundo a qual são pobres os que vivem commenos de 1 dólar por dia.Alguns pesquisa-dores, no entanto, acham essa perspectivamuito limitada.A crítica principal é que esseconceito não dá conta de um problemacomplexo e multifacetado por natureza.Assim, desde a década de 1970, novas con-cepções vêm surgindo com o objetivo deconstruir uma caracterização mais precisado cenário de privação vivenciado pelaspessoas em situação de pobreza.Essa visãomais profunda inclui no cálculo aspectosessenciais do bem-estar, como saúde, edu-cação, saneamento básico e moradia.

A idéia de construir um indicador quesintetizasse todas as dimensões relevantesda pobreza humana tomou maior impul-so somente após a criação do Índice de Po-breza Humana (IPH) pelo Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento(Pnud), em 1997. É o índice que mais temsido utilizado em estudos aplicados, emparticular nos relatórios de desenvolvimen-to humano. Com o objetivo de contribuirpara esse debate,pesquisadores do Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)lançaram recentemente um estudo chama-

QPos. País

1 Uruguai

2 Chile

3 Argentina

4 Costa Rica

5 Barbados

6 Cuba

7 Cingapura

8 Territórios Palestinos Ocupados

9 México

10 Colômbia

11 Jordânia

12 Panamá

13 Quatar

14 Paraguai

15 Malásia

16 Venezuela

17 Trindad e Tobago

18 Equador

19 Tailândia

20 Líbano

21 Turquia

22 Brasil

23 Suriname

101 Burkina Faso

102 Mali

Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano, 2006

Ranking do Índice de

Pobreza Humana (IPH)

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Desaf ios • janeiro de 2007 41

uma ca rac te r i z a ção ma i s p r ec i s a da p r i va ção v i venc i ado pe l a s pessoas pob res

exposição a trabalho em atividadesextenuantes, de estarem fora da esco-la ou doentes sem atendimento médi-co adequado.

2. Falta de acesso ao conhecimentoComponentes: analfabetismo,nível deescolaridade formal e qualificação pro-fissional.Indicadores: presença de adu-lto analfabeto na família, ausência deadulto com secundário completo e au-sência de trabalhador com qualificaçãomédia ou alta, entre outros.

3. Acesso ao trabalho (representa aoportunidade que uma pessoa tem deusar sua capacidade produtiva)

Componentes: disponibilidade detrabalho, qualidade e produtividadedos postos de trabalho disponíveis, en-tre outros.Indicadores: verificação se há ausên-cia de uma pessoa ocupada no setor for-

mal, ausência de trabalhador que estejahá mais de seis meses no trabalho atuale ausência de ocupado com rendimen-to superior a um salário mínimo. Deacordo com o estudo, dotar as famíliasde meios sem garantir que elas possamefetivamente utilizá-los para a satisfaçãode suas necessidades não é uma políti-ca eficaz,pois tão importante quanto as-segurar que elas tenham acesso aosmeios de que necessitam é dar-lhes achance de usá-los.

4. Escassez de recursos (na composiçãodo índice a renda também tem papelfundamental, já que a grande maioriadas necessidades básicas de uma famí-lia pode ser satisfeita por meio de bense serviços)

Componentes e indicadores: a Pnadtraz uma série de indicadores que apon-tam a insuficiência de renda de uma

família. Por exemplo, verificação se arenda per capita é inferior à linha de ex-trema pobreza, se a renda familiar percapita é inferior à linha de pobreza ouainda se a maior parte da renda familiarvem de programas de transferências.

5. Desenvolvimento infantilComponentes: trabalho precoce, eva-são escolar,atraso escolar e mortalidadeinfantil.Indicadores: presença de ao menosuma criança com menos de 14 anos tra-balhando, presença de ao menos umacriança entre zero e 6 anos fora da esco-la e presença de pelo menos uma mãeque já teve um filho nascido morto, en-tre outros.

6. Carências habitacionaisComponentes: propriedade do imó-vel, déficit habitacional, capacidade deabrigar do imóvel, acesso inadequado à

Um das seis dimensões abordadas pelo novo índice trata exclusivamente da falta de acesso ao conhecimento, enfrentado por muitos moradores rurais

Evelson de Freitas/Folha Imagem

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42 Desafios • janeiro de 2007

A grande nov idade é que o índice permitirá aval iar a evolução temporal, as diferenças

de Economia de 1998, e Sudhir Anand,economista e professor da Universidade deOxford, na Inglaterra, ao desenvolverem oIPH, do Pnud, em 1997. O IPH é calcula-do somente para países em desenvolvimen-to. Esse indicador mede a privação de trêsaspectos: curta duração de vida (calculadacomo possibilidade de viver menos de 40anos), falta de educação elementar (calcu-lada pela taxa de analfabetismo de adultos)e falta de acesso a recursos públicos e priva-dos (calculada pela porcentagem de crian-ças menores de 5 anos com peso inferior aorecomendado e pela falta de acesso a umafonte adequada de água). Quanto melhor aposição no ranking, menor a pobreza hu-mana apresentada pelo país ou território.

Capacidade O Relatório de Desenvolvi-mento Humano, elaborado pelo Pnud,tornou-se famoso por apresentar o cálculodo Índice de Desenvolvimento Humano(IDH) de todos os países,mas ele traz tam-bém o IPH. Na edição de 2006, o Brasilocupa a 22ª posição num total de 102 paí-ses e territórios (veja tabela na pág. 40). Opaís em melhor posição foi o Uruguai(primeira posição) e o pior foi Mali,que fi-

ca na África. O IPH representou uma im-portante mudança na maneira como a po-breza era mensurada porque Sen introdu-ziu a idéia de que o padrão (ou a qualidade)de vida não pode ser medido pela posse deum conjunto de bens nem pela sua utili-dade, mas sim pela capacidade dos indiví-duos em usar esses bens para alcançar sa-tisfação ou felicidade.Ainda assim, segun-do ele, há um elemento óbvio da pobreza,que é a fome e a inanição. E aí, não impor-ta qual seja a posição relativa na escala so-cial, pois, se esse elemento estiver presente,certamente existe pobreza.

Encarar a pobreza de maneira multifa-cetada representou, de certa forma, umaruptura com índices que têm na insuficiên-cia de renda seu único critério para esta-belecer qual é e quem está abaixo da linhade pobreza. Um exemplo é o índice usadopelo Banco Mundial, segundo o qual estáabaixo da linha da pobreza quem tem desobreviver com um dólar PPP (Paridadedo Poder de Compra) por dia,que equipa-ra o poder de compra de alguns produtos eserviços básicos entre as nações. Essa refe-rência é usada pelo Banco para chegar auma base de comparação que possa elimi-

água, acesso inadequado a esgoto sani-tário, falta de acesso à coleta de lixo, fal-ta de acesso à eletricidade e falta de aces-so a bens duráveis.Indicadores: densidade do domicílio,se o material de construção é perma-nente e se a família possui fogão, gela-deira, televisão, rádio ou telefone, entreoutros itens.

Izete Pengo Bagolin, professora do pro-grama de pós-graduação em economia dodesenvolvimento da Pontifícia Universi-dade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), avalia como muito importante a ini-ciativa da criação de um índice mais pre-ciso para analisar a carência material.“Medir a pobreza de forma multidimen-sional é essencial para que ações voltadaspara o combate da pobreza sejam dire-cionadas ou focadas nas dimensões ou nosproblemas que as pessoas estão efetiva-mente enfrentando. Ou seja, reduz o riscode subestimar a complexidade do fenô-meno pobreza e de desprezar a hetero-geneidade que está presente nele”, acreditaa professora.

Para ela, o índice proposto pelo Ipeaapresenta vários méritos por contemplarum número maior de dimensões. Mesmoassim, aponta algumas eventuais falhas.“Adimensão vulnerabilidade apresenta indi-cadores questionáveis, uma vez que o pró-prio debate sobre esse tema é controverso.E a dimensão da saúde não é contempladano indicador, mas o trabalho justifica quea escolha dos indicadores é limitada pelosdados disponíveis”, diz Bagolin. “O des-taque do estudo está na possibilidade de es-timar o grau de carência por grupos sociaise de desagregar geograficamente as medi-das da pobreza multidimensional. No en-tanto,ficou claro que desafios ainda devemser vencidos quando se considera o cenárioda comunidade das nações”, afirma JoséCarlos Libânio,assessor para o desenvolvi-mento humano do Pnud.

Tratar a pobreza de forma multidimen-sional também foi a preocupação dos in-dianos Amartya Sen, ganhador do Nobel

Tuca Vieira/Folha Imagem

A dimensão "vulnerabilidade" considera também a fecundidade como uma das variáveis importantes

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Desaf ios • janeiro de 2007 43

geográf icas, o perf i l e as diversas características da pobreza no Brasi l

nar as discrepâncias causadas pela cotaçãodas diferentes moedas no mundo. Para oeconomista Nanak Kakwani,ex-diretor doCentro Internacional de Pobreza do Pnud,há na metodologia do Banco Mundial al-guns equívocos. Um deles é que o Banco

usou, em 1990, os dados do dólar PPP de1985 e, posteriormente, quando atualizouos dados em 1993,não levou em considera-ção a inflação acumulada do dólar norte-americano entre 1985 e 1993.Mas esse nãoé o único problema. Para Kakwani, o mais

grave é que medir o fenômeno com baseapenas no número de pessoas que vivemabaixo de certa faixa de renda é ver só partedo problema.

Em seu artigo “O que é pobreza?”, Ka-kwani afirma que “essa abordagem enxer-ga a pobreza simplesmente como insufi-ciência de renda. Entretanto, a pobrezaexiste quando as pessoas têm tão poucarenda que não conseguem satisfazer as ne-cessidades socialmente estabelecidas. Omelhor é que qualquer medição de pobrezaproposta seja construída com base na idéiadas capacidades.A escolha de uma linha depobreza deveria refletir o custo de alcançaras necessidades humanas básicas”, afirmaKakwani em seu artigo.

“A única vantagem da mensuração feitapelo Banco Mundial é que é simples e co-municativa,mas é uma lástima do ponto devista conceitual ou científico”,acredita JoséEli da Veiga,professor de economia da Uni-versidade de São Paulo (USP). Na opiniãode Rosani Cunha, secretária nacional deRenda de Cidadania, do Ministério de De-senvolvimento Social (MDS), esse tipo demensuração não corresponde à complexi-dade do problema, mas não deixa de seruma forma de comparação entre os países.“Nem todos os países têm bases de dadoscomo a Pnad e, quando têm, muitas vezeselas não podem ser comparadas entre si.”

Para driblar essas dificuldades, Kakwa-ni, em conjunto com o também econo-mista Hyun Son, do Centro Internacionalde Pobreza do Pnud, elaborou um estudoque considera o custo de vida mínimo emcada país para determinar quem é pobre.De acordo com eles,existiam,em 2001,1,4bilhão de pessoas vivendo na pobreza. Onúmero é 24% superior ao calculado peloBanco Mundial no mesmo ano (1,1 bi-lhão),o que representa um aumento de 266milhões no total de pobres no mundo, oequivalente à metade da população daAmérica Latina e do Caribe. Esse métodoprocura identificar se as pessoas conse-guem se alimentar satisfatoriamente. Oacesso à nutrição adequada, segundo eles,é um bom indicador de qualidade de vida,

Faixaetária

Urbano/ruralRegião

Situaçãoocupacional

Anos deestudos

Características do chefeLocalizaçãodo domicílio

Cor Sexo

Criança Branca Homem Até quatro Não ocupado NE Rural 54

Criança Negra Homem Até quatro Não ocupado NE Rural 53

Criança Negra Mulher Até quatro Trabalho informal NE Rural 53

Criança Negra Mulher Até quatro Não ocupado NE Rural 53

Idoso Negra Mulher Até quatro Não ocupado NE Rural 51

Criança Negra Homem Até quatro Trabalho informal NE Rural 50

Idoso Negra Homem Até quatro Não ocupado NE Rural 49

Criança Branca Homem Até quatro Trabalho informal NE Rural 48

Adulto Negra Mulher Até quatro Trabalho informal NE Rural 47

Adulto Negra Mulher Até quatro Não ocupado NE Rural 47

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2003

Grau multidimensional de pobreza: perfil dos dez grupos

de maior pobreza (em percentual de necessidades não atendidas)

Grau depobreza

Faixaetária

Urbano/ruralRegião

Situaçãoocupacional

Anos deestudos

Características do chefeLocalizaçãodo domicílio

Cor Sexo

Criança Branca Mulher Mais de oito Trabalho formal S, SE, CO Urbano 12

Adulto Negra Homem Mais de oito Trabalho formal NE Urbano 11

Adulto Negra Mulher Mais de oito Trabalho formal S, SE, CO Urbano 11

Adulto Branca Mulher Mais de oito Trabalho formal NE Urbano 11

Adulto Negra Homem Mais de oito Trabalho formal S, SE, CO Urbano 11

Criança Branca Homem Mais de oito Trabalho formal S, SE, CO Urbano 10

Adulto Branca Homem Mais de oito Trabalho informal S, SE, CO Urbano 10

Adulto Branca Homem Mais de oito Trabalho formal NE Urbano 10

Adulto Branca Mulher Mais de oito Trabalho formal S, SE, CO Urbano 9

Adulto Branca Homen Mais de oito Trabalho formal S, SE, CO Urbano 8

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2003

Grau multidimensional de pobreza: perfil dos dez grupos

de menor pobreza (em percentual de necessidades não atendidas)

Grau depobreza

pobreza 22/12/06 17:46 Page 43

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44 Desafios • janeiro de 2007

Encarar a pobreza de maneira multi facetada representou, de certa forma, uma ruptura

escolaridade, que não estão economica-mente ocupadas e que vivem na área ruralda região Nordeste (veja tabela na pág. 43).No outro extremo, mesmo entre os gruposmenos pobres, o grau de pobreza humanaainda é de 10%, o que significa que ne-nhum dos mais de quatrocentros gruposinvestigados apresentou um grau nulo depobreza.Na maioria dos casos,fazem partedos grupos menos pobres adultos quevivem fora da região Nordeste em famíliaschefiadas por homens brancos que têm al-guma educação secundária e trabalham nosetor formal (veja tabela na pág. 41).

Distribuição O fato de o grau de pobrezapoder ser calculado para cada família per-mite não só que sejam estimados o grau depobreza médio do país ou de cada região,mas toda a distribuição das pessoas deacordo com o nível de pobreza da família(veja tabela abaixo).Mirela de Carvalho ex-plica que é possível, portanto, determinarqual a proporção das pessoas no país ou emcada região que exibem grau de pobrezasuperior a determinados níveis mínimos,como 33% ou 50% (esses pontos de corteforam escolhidos de modo arbitrário pelospesquisadores e servem apenas para efeitoilustrativo).O que significa exatamente es-tar abaixo desses pontos de corte? Já semencionou que o índice é construído por

48 indicadores e que cada um deles podeser interpretado como uma pergunta quese faz ao indivíduo sobre as condições devida de sua família.“Computamos quantosquesitos são atendidos favoravelmente nafamília e quantos não o são.Assim, um ní-vel de pobreza humana superior a 50% sig-nifica não atender metade ou mais dos 48quesitos. Dito de outra forma, significa serpobre em 50% ou mais dos 48 quesitos.Medimos, portanto, o nível de mal-estardas pessoas”, explica Carvalho.

As estimativas revelam que, enquanto7% da população vive em famílias comgrau de pobreza humana superior a 50%,cerca de 30% têm grau de pobreza humanasuperior a 33%.“Dizer isso significa falarque 30% das pessoas deixam de atender a33% ou mais dos 48 quesitos.E que 7% dasfamílias não atendem a 50% ou mais dosquesitos.A situação do Nordeste é a pior, jáque mais da metade das famílias apresentaum nível de pobreza mais elevado do que33% e por volta de 15% exibem graus su-periores a 50%”, explica a pesquisadoraMirela Carvalho.

Na avaliação dos pesquisadores que

uma vez que reflete aspectos como saúde,moradia e educação.Com base nessa idéia,os economistas selecionaram dezenovepaíses de baixa renda (quinze da ÁfricaSubsaariana e quatro da Ásia) e calcularamquanto a fatia mais pobre da populaçãogasta, em média, para comprar o equiva-lente a 1.000 calorias. Multiplicado pelaquantidade mínima de calorias necessárias,esse valor corresponde à renda mínimapara que as pessoas tenham condições dese alimentar de maneira adequada. Sãoconsiderados pobres,portanto,aqueles cu-ja renda é inferior a esse valor.

Os pesquisadores do Ipea,baseados nosdados coletados pelas Pnads em 1993 e2003, investigaram a natureza e o perfil dapobreza das famílias e dos grupos mais po-bres, o grau de correlação entre as dimen-sões da pobreza, a evolução temporal e asdisparidades espaciais.Para avaliar o perfilda pobreza,por exemplo,os pesquisadoresdecompuseram a população em cerca dequatrocentros grupos sociodemográficosdefinidos por critérios como idade, sexo,cor, escolaridade do chefe do domicílio,situação ocupacional do chefe do domi-cílio, região onde se localiza a casa e sua lo-calização – urbana ou rural. O estudo afir-ma que o grupo pobre mais típico no Brasilé aquele formado por crianças em famíliaschefiadas por mulheres negras, com baixa

DimensãoSulSudesteNordeste

Centro-OesteBrasil

Indicador sintético 25 23 34 20 21 14

Vulnerabilidade 24 24 28 23 23 5

Acesso ao conhecimento 37 34 46 32 32 14

Acesso ao trabalho 41 38 52 36 37 16

Disponibilidade de recursos 22 15 36 16 15 20

Desenvolvimento infantil 8 7 13 6 7 7

Condições habitacionais 17 20 28 10 13 18

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1993, 1998 e 2003

Índice Multidimensional de Pobreza: disparidades regionais

(em percentual de necessidades não atendidas) Diferençaentre oSud. e

o Nord.

O trabalho infantil (acima) e a moradia precária (ao

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Desaf ios • janeiro de 2007 45

com índices que têm na insuf ic iência de renda seu único cr itér io

elaboraram o estudo,os indicadores de po-breza multidimensional são fundamentaisnão somente para análises mais detalhadasda pobreza em si.Segundo eles,esse tipo deindicador tem também papel muito impor-tante em avaliações de impacto das políti-cas públicas e na focalização de programassociais.“Uma vez que os mercados são im-perfeitos e muitas das necessidades, espe-cialmente dos mais pobres, não são satis-feitas, medidas unidimensionais, baseadassomente na renda, não permitem ao for-mulador de política pública identificar quala ação mais eficaz. Por exemplo, se deter-minada região sofre com a falta de acesso àeducação, uma política de transferência derenda não irá auxiliar no combate à po-breza, pois nesse caso seriam necessáriosinvestimentos em escolas,professores e ma-terial escolar”,explica a professora Bagolin,da PUC-RS.

Mirela Carvalho, uma das autoras dotrabalho,conta que o índice ainda pode seraperfeiçoado.“Para isso é preciso chegar aum número para cada pessoa. Só assim épossível comparar situações,regiões e tem-pos diferentes.Mas isso é difícil porque ain-

da não sabemos como a sociedade enxer-ga cada uma dessas dimensões.A saída es-colhida por nós,portanto,foi dar peso iguala elas, o que ainda não é ideal, pois no fun-do não sabemos como a sociedade valorizaeducação, saúde, moradia, segurança pú-blica e tantos outros aspectos que fazemparte da vida.A grande novidade do índiceproposto por nós é que a medida conseguecaptar as nuances de uma comunidade, oque significa a possibilidade de fazer umapolítica mais efetiva para atender necessi-dades específicas”, afirma.

“Nós estamos testando o modelo pro-posto pelo Ipea para apoiar a gestão doBolsa Família, um programa que distribuide 15 a 95 reais todo mês para 11,1 milhõesde famílias”,relata Cunha,do Ministério doDesenvolvimento Social. Segundo ela, aidéia ainda não é substituir a insuficiênciade renda como critério da oferta do auxílioa curto prazo.“Sabemos que a pobreza temoutras dimensões e estamos usando oíndice elaborado pelo Ipea para descobrirque famílias devem ser priorizadas não sópelo Bolsa Família mas pelos outros pro-gramas sociais do governo. É um instru-

mento concreto que ajuda na focalizaçãodas políticas, pois muitas vezes as pessoastêm outras vulnerabilidades que não pro-priamente a renda”, diz Cunha. Nesse sen-tido,o índice deve ajudar a responder algu-mas questões; por exemplo, quem são osmais pobres e como ordená-los em uma fi-la única de beneficiários potenciais.“Quan-do os formuladores e gestores de políticaspúblicas começarem a perceber que a po-breza só pode ser entendida como multidi-mensional, estaremos diante de uma mu-dança paradigmática. É difícil antecipar asconseqüências. Apenas é possível afirmarque serão extremamente positivas”, apostaEli da Veiga. d

Estudo do Ipea “Pobreza multidimensional noBrasil”:www.ipea.gov.br/sites/000/2/publica-

coes/tds/td_1227.pdf

Centro Internacional de Pobreza do Programadas Nações Unidas para o Desenvolvimentowww.undp-povertycentre.org/

Saiba mais:

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem Marcelo Soubhia/Folha Imagem

lado) são dois gravíssimos indicadores de pobreza, já que impedem o desenvolvimento humano e restringem o acesso à cidadania

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POLÍTICAS PÚBLICAS

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Faz v inte anos que o país conta com leis de incentivo à cultura. Nesse tempo, centenas

de f i lmes, espetáculos, l ivros e mostras contaram com o f inanciamento das empresas.

Mesmo assim, ainda há muito para aperfeiçoar nesse modelo que concentra os investimentos

na reg ião Sudeste e não garante o acesso do grande públ ico à grande cul tura

A pesquisa “Sistema de informações eindicadores culturais”, do Instituto Brasilei-ro de Geografia e Estatística (IBGE),indicaque os bens culturais ocupam o quarto pos-to no orçamento de consumo das famíliasbrasileiras,independentemente da classe so-cial.Atividades culturais registraram recei-ta líquida de 156 bilhões de reais e custos de114 bilhões de reais em 2003.Nesse mesmoano, o setor foi responsável pela geração de4,8% dos empregos brasileiros – o índice erade 0,8% em 1983.Entre 2002 e 2005, os in-vestimentos em cultura,possibilitados pelaLei Rouanet, marcaram um salto de 33%(veja gráfico na pág. 48). Em 2005, os recur-sos aplicados em projetos culturais so-maram 704 milhões de reais – maior valordesde que a lei entrou em vigor. E, pelas es-timativas do Ministério da Cultura (MinC),esse desempenho se repetiu em 2006.Apesar de os números impressionarem emtodos os quesitos, o Brasil ainda está muitodistante dos indicadores de países ricos emesmo em desenvolvimento. Na África do

á duas décadas, em 1986, depoisde quase catorze anos de trami-tação,era aprovada a lei de incen-tivo fiscal à cultura, conhecida

como Lei Sarney. Depois de tão longa ges-tação, teve vida breve e foi revogada, em1990, pelo então presidente FernandoCollor. Diante dos protestos da comuni-dade artística, foi substituída, no ano se-guinte, pela Lei Federal de Incentivo à Cul-tura (Lei n.º 8.313), mais conhecida comoLei Rouanet, que está em vigor até hoje einspirou outras iniciativas similares nosâmbitos estadual e municipal.

Recentemente, a Lei Rouanet voltou afreqüentar as manchetes desde que se pen-sou em dividir os recursos captados para acultura com os esportes. Outros aconteci-mentos também movimentaram a comu-nidade artística, como a chegada do proje-to de lei do Audiovisual ao Senado e asmanifestações de artistas no Congresso eno Palácio do Planalto em defesa de seusinteresses.

Aquarela do Brasil

P o r K a t j a P o l i s s e n i , d e B r a s í l i a

Sul, atividades culturais geram 17% dospostos de trabalho, e nos Estados Unidossão um dos principais bens de exportação.

Não há dúvida de que o Brasil é umaaquarela multicolorida de manifestaçõesculturais, de que essa indústria pode serlucrativa e tem muito espaço para crescer.Nos eventos que se beneficiam dos finan-ciamentos via Lei Rouanet há de tudo:música popular e erudita, cinema, teatro,artes plásticas e dança . E ninguém sabe aocerto se as companhias se envolveriam nes-se setor se não houvesse estímulo gover-namental.

Mesmo assim a lei tem problemas. Umexemplo é a concentração geográfica dosinvestimentos: em 2000, mais de 85% dosrecursos financiaram projetos da regiãoSudeste. Em 2005, essa participação caiupara 78%, taxa ainda elevada (veja gráfico

na pág. 48). Outro: nem sempre os projetosbeneficiados são acessíveis ao grande públi-co.Terceiro: muitas vezes um evento de boaqualidade é inadequado aos objetivos de

H

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48 Desafios • janeiro de 2007

Bens culturais ocupam o quarto posto no orçamento de consumo das famílias brasileiras,

Mudanças As mudanças não têm ocorri-do por força de alguma mão invisível.Têmsido orquestradas. Um primeiro passo foidado em abril do ano passado, com oDecreto n.º 5.761, que regulamenta a LeiRouanet.Na avaliação do advogado Maurí-cio Fittipaldi, sócio do escritório Cesnik,Quintino e Salinas – especializado em con-sultoria a negócios e ações voltadas para asáreas de entretenimento, da cultura e doterceiro setor –, o grande avanço do decre-to foi ter criado ferramentas que permitemao MinC uma análise mais criteriosa dosprojetos.“De 1994 a 2000, o debate se davaem torno do aumento da captação de re-cursos.A partir de 2002 passou-se a avaliaro resultado da lei, a concentração de inves-timentos no eixo Rio-São Paulo e a buscarformas de contornar o problema”, diz.

Marco Antônio Acco, secretário de In-centivo e Fomento à Cultura do MinC,destaca como ponto positivo do decreto apreocupação com a garantia do acesso dapopulação aos eventos culturais.“Temos deestimular mecanismos de divulgação e dedemocratização mais inteligentes”, argu-menta. Ele afirma que o MinC tem procu-rado demonstrar aos investidores e à so-ciedade que as idéias,a criatividade e a pro-dução de conhecimento têm papel decisi-vo na economia e em outros setores, comoa educação e até mesmo a segurança.“Háum contingente populacional na Febem,napopulação de riscos, nas penitenciárias e opotencial de reintegração dessa populaçãobrasileira passa por pensarmos políticas in-tegradas no campo cultural”,acredita Acco.

O antropólogo Frederico Barbosa, pes-quisador do Instituto de Pesquisa Econô-

o pressuposto de que a iniciativa privadateria melhores condições de administrar re-cursos e estimular talentos do que a pesadamáquina burocrática estatal.Vinte anos deexperiência demonstraram que o sistemafunciona, embora tenha falhas. Uma críti-ca freqüente é o fato de que as empresas têmo privilégio de decidir o projeto que se con-cretizará, quando e onde será exibido. Aboa notícia é que a transparência, nosprocessos seletivos, tem crescido nos últi-mos anos. Há editais publicados na Inter-net,comissões julgadoras conhecidas,com-postas de pessoas respeitadas pela classeartística, e existe uma preocupação emlevar as promoções a diferentes públicosem diversos estados – como foi o caso doPrêmio Culturas Indígenas, realizado naAmazônia (leia quadro na pág. 51).

política pública do país – e, no entanto, re-cebe verba proveniente da renúncia fiscal.Foi o que ocorreu em 2006 como espetácu-lo da trupe canadense Cirque du Soleil.Ninguém questiona o valor do espetáculo,mas será que esse é mesmo o tipo de pro-grama cultural importante para a maiorparte dos brasileiros? Provavelmente não,já que ele só foi usufruído por um númeropequeno de espectadores. O caso serviude lição, e a turnê do circo, em 2007, nãocontará com recursos da Lei Rouanet. Porfim, existe uma questão relacionada aomarketing. Ou seja, os patrocinadores es-tariam fazendo publicidade, ligando suamarca a alguns eventos culturais afins, àcusta de impostos não recolhidos.

É tudo verdade. O lado bom e o pro-blemático da lei.Ela surgiu,entretanto,sob

Destino dos recursos captados (em %, 2005)

A Lei Rouanet e a cultura

10% artes plásticas10% audiovisual19% patrimônio cultural

Destino regional dos recursos captados (em %, 2005)

Fonte: MinC

Volume de recursos captados(em milhões de reais)

2000 2001 2002 2003 2004 2005

289

368

346432

509706

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Desaf ios • janeiro de 2007 49

independentemente da classe social. Em 2003, o setor gerou 4,8% dos empregos do país

mica Aplicada (Ipea),considera a Lei Roua-net um marco para o financiamento da cul-tura no Brasil, com destaque para a ala-vancagem de recursos a partir de 1995.Cri-tica, entretanto, o fato de os incentivos fis-cais estarem focados nos projetos relaciona-dos às atividades artísticas e não abran-gerem um conceito mais amplo de cultura.Esse é um dos pontos que o decreto buscamelhorar quando inclui, entre seus obje-tivos, os seguintes: desenvolver atividadesque fortaleçam e articulem as cadeias pro-dutivas e os arranjos produtivos locais queformam a economia da cultura; apoiar ativi-dades culturais de caráter inovador ou ex-perimental; e impulsionar a preparação e oaperfeiçoamento de recursos humanos para

a produção e a difusão cultural. Para Bar-bosa,a integração das ações em prol da cul-tura é fundamental e foi outro avanço re-centemente registrado com a implantaçãodo Sistema Nacional de Cultura (SNC),composto de entidades federais,estaduais emunicipais,e dos Fundos Culturais,a seremaplicados em atividades escolhidas peloSNC.Hoje,mais de 1,5 mil municípios já secomprometeram a criar o Fundo Municipalde Cultura, bem como o Conselho Muni-cipal.“O SNC é uma forma de garantir a in-terlocução em nível nacional”, diz.

Nessa linha,o MinC tem apostado,ain-da, na intensificação do contato com em-presas,fundações e organizações ligadas aomeio empresarial. Está previsto para 2007

o I Fórum dos Investidores Privados emCultura, cujo objetivo é justamente a for-mação de um novo entendimento sobreconceitos de cultura, identidade e políticaspúblicas. Mais: está no ar no site do MinCna Internet, desde novembro, um linkvoltado especificamente para investidoresculturais (www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/investidores).

Atualmente,apenas 1% das 200 mil em-presas que recolhem Imposto de Rendacom base no lucro real aproveita a isençãofiscal prevista em lei.O advogado MaurícioFittipaldi acredita que um dos motivos dabaixa participação é que a estrutura da LeiRouanet dificulta a entrada de empresas depequeno e médio porte.“É fundamental

16% artes cênicas 11% artes integradas 11% humanidades20% música

SE

78%

S NO CO N

1%3%7%11%

O grupo carioca Intrépida Trupe, que inovou a linguagem do circo no Brasil, concorre com artistas internacionais por patrocínio subsidiado pelo governo

Flávio Colker

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50 Desafios • janeiro de 2007

O t i c ke t do Prog rama de Cu l t u ra do Traba l hador Bras i l e i r o poderá se r v i r pa ra

A letra da lei

A Lei Rouanet permite que projetos aprova-dos pela Comissão Nacional de Incentivo àCultura (CNIC) recebam patrocínios e doa-ções de empresas e pessoas. Estas poderãoabater do Imposto de Renda devido, aindaque parcialmente, os benefícios concedi-dos. Os projetos devem se destinar a desen-volver formas de expressão, modos de criare fazer, preservação e proteção do pa-trimônio cultural, e estudos e métodos deinterpretação da realidade cultural. Devemainda propiciar meios que permitam o co-nhecimento dos bens e valores artísticos eculturais e, fundamentalmente, trazer bene-fícios à população. Assim, são favorecidosmecanismos que facilitem o acesso aosbens culturais (ingressos a preços popu-lares ou entradas gratuitas em espetáculos,distribuição de livros a bibliotecas, expo-sições de artes abertas, por exemplo). O re-cebimento de produto artístico gerado peloprojeto financiado é limitado a 25% do to-tal produzido e deve ser destinado à dis-tribuição gratuita.O doador ou o patrocinador poderá deduzirdo imposto devido na declaração do Impos-to sobre a Renda os valores aplicados emprojetos culturais aprovados pelo Ministérioda Cultura até 30 de dezembro de cadaexercício nos seguintes percentuais:

• no caso de pessoas físicas, 80% dasdoações e 60% dos patrocínios;

• no caso de pessoas jurídicas tributadascom base no lucro real, 40% das doaçõese 30% dos patrocínios, que poderão serincluídos como despesa operacional, re-sultando na redução do valor do impostoa ser pago;

• o valor a ser abatido do imposto devido nãopode ultrapassar 4% do total no caso depessoas jurídicas, percentual que se elevaa 6% no caso de pessoas físicas.

Mais detalhes emwww.cultura.gov.br/projs/projsb.htm

ampliar a base das empresas que podemdestinar até 4% do Imposto de Renda aprojetos culturais”, disse ao destacar queconsidera como principal papel da lei fe-deral de incentivo fiscal o estímulo a umaeconomia da cultura. Fittipaldi defendeainda que o MinC brigue politicamentepara ampliar seu próprio orçamento, evi-tando assim a dependência dos recursos dosetor privado.

Alternativas Os técnicos da Secretaria deIncentivo e Fomento à Cultura, do MinC,estudam a possibilidade de diversificar asformas de financiamento à cultura para

evitar essa dependência.Uma delas seria es-truturar um sistema de empréstimos reem-bolsáveis.“Há um conjunto significativo deempreendedores que aguardam a chancede obter empréstimo para um projeto, emuma instituição que saiba lidar com as pe-culiaridades e os riscos inerentes à atividadecultural”, aposta Acco. Também analisama possibilidade de criação dos fundos de in-vestimento previstos pela Lei Roaunet eregulamentados pela Comissão de ValoresMobiliários (CVM) desde 1992.Em suma,o MinC tem buscado estruturar mecanis-mos que permitam à Comissão Nacionalde Cultura, ao analisar um projeto, deter-

Stéferson Faria

Orquestra Petrobras Sinfônica: a estatal promove uma caravana para descentralizar suas ações e para que

artistas e produtores de todo país se habilitem para receber os recursos disponibilizados

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Desaf ios • janeiro de 2007 51

locação de f i lmes, compra de ingressos e aqu is ição de l i vros, entre outras co isas

minar o sistema de financiamento maisadequado a suas necessidades.

Mais uma novidade: inspirado no Pro-grama de Alimentação do Trabalhador(PAT),o Programa de Cultura do Trabalha-dor Brasileiro será viabilizado pelo ticketcultural. Financiado por verbas de renún-cia fiscal e de contribuição de empresários,o ticket poderá ser utilizado em locação defilmes, compra de ingressos de cinema oumuseu e aquisição de livros, entre outrascoisas. O governo espera que o programacontemple, num período de três a quatroanos, pelo menos 5 milhões de trabalha-dores e seus familiares – e, assim, fomentea demanda por produtos culturais.

Em tempo: o Senado aprovou no mês

passado a criação do Fundo Setorial do Au-diovisual (FSA).A Agência Nacional de Ci-nema (Ancine) estima que,a partir do pró-ximo ano, arrecadará cerca de 42 milhõesde reais por ano.O dinheiro servirá para fi-nanciar, por meio de bancos credenciados,filmes,documentários,programas de TV eobras musicais. Poderá também subsidiarencargos financeiros incidentes nas opera-ções de financiamento e capitalizar empre-sas do setor. Os recursos virão, principal-mente, da Contribuição para o Desenvol-vimento da Indústria Cinematográfica(Condecine),que incide sobre a veiculação,produção, licenciamento e distribuição deobras cinematográficas e videofonográficascom fins comerciais, além de recair sobre a

remessa de lucro ao exterior de produtorese distribuidores de filmes estrangeiros.

Sérgio Paulo Rouanet, que entre muitasoutras qualificações foi embaixador, é en-saísta, membro da Academia Brasileira deLetras,economista,filósofo e sociólogo.Foiministro da Cultura no governo Collor deMello e autor da lei que acabou levando seunome. Costuma dizer algumas coisas inte-ressantes. Uma delas é que a cultura deveser vista como fonte de resistência e eman-cipação.Para voltar ao título desta reporta-gem, emprestado da composição de AryBarroso que, aliás, foi eleita a melhor can-ção brasileira do século pelos membros daAcademia Brasileira de Letras, é tempo dedeixar cantar de novo o trovador...

• No Prêmio Culturas Indígenas 2006, patrocina-do pela Petrobras na Amazônia: foram inscritosmais de 560 projetos – trabalhos relacionadosa rituais, festas folclóricas, religião, línguas,música, danças, teatro, jogos, artesanato, me-dicina e arquitetura tradicionais.Uma comissãode quinze integrantes (oito indígenas) escolheuos oitenta vencedores.

• Na terça-feira, 19 de dezembro, o teatro daUniversidade Federal de Mato Grosso, em Cuia-bá, teve sua platéia lotada. O público saiu decasa para assistir a uma apresentação da Or-questra de Flautas do Pantanal, do Instituto Cul-tural Flauta Mágica. Composta de crianças eadolescentes carentes, forma a única orques-tra de flauta doce do país. No programa, peçasclássicas dos compositores Brahms, Haendel,Villa-Lobos e Mozart; e de música brasileira deautoria de Tom Jobim,Toquinho,Geraldo Vandré,Paulinho Tapajós e Nelson Timo. O grupo devegravar seu primeiro CD no mês que vem, com10 mil cópias. Patrocínio: Unimed Cuiabá.

• Foi também na cidade de Cuiabá que começoua seleção pública de projetos do Programa Pe-trobras Cultural. Dali partiu a Caravana Petro-bras, para um périplo por vinte cidades, com o

objetivo de esclarecer e capacitar agentes egestores culturais para a inscrição de projetosem seu programa.

• Um casarão projetado pelo italiano ErnestoGuaita e tombado em 1977 pelo Patrimônio His-tórico e Artístico do Estado ocupa o número 395da rua Barão do Rio Branco, na região centralde Curitiba. No local, já funcionou o Palácio doGoverno, a chefatura de polícia e a sede daSecretaria da Justiça. Está em ruínas. A CaixaEconômica Federal investirá 800 mil reais narestauração da construção, que será sede doMuseu da Imagem e do Som do Paraná (MIS).Oacervo do museu guarda 1 milhão de negativosfotográficos,entre outras raridades da memóriado estado.

• Sem Data de Vencimento, espetáculo de dançacontemporânea, teve exibição gratuita, em de-zembro,no Hotel Magnífico, localizado na antigazona boêmia de Belo Horizonte há mais de oiten-ta anos.O show compõe a sétima edição do Cir-cuito Cultural Belgo,da Fundação Belgo-ArcelorBrasil.

• Estreou no dia 12 de dezembro em Curitiba, noParaná, o curta-metragem Santa, com roteiro dodiretor de teatro catarinense Antônio Cunha e di-

reção de Pablo Ahumada.Exibido em quatro ses-sões diárias na Cinemateca de Curitiba,com en-trada franca, foi patrocinado pela Bayer doBrasil.

• O programa Alagoas em Cena é um festival quecontempla várias formas de expressão artísti-ca. Em dezembro, foi realizada sua segundaedição e em março será lançado um CD com osvencedores do Festival Música em Cena. Em-presas que patrocinaram o evento: Correios,Eletrobrás e Infraero.

• O Museu de Arte Jovem exibiu em Rondonópolis,no estado de Rondônia, a exposição Garantindoo Futuro do Nosso Planeta,com obras de 1,9 miladolescentes de cinco estados.Quem banca? Asempresas Dixie Toga, Rhodia, Cosipa e CornProducts.

• As telas de Benedito Calixto de Jesus, ex-postas na igreja Matriz São João Batista, emBocaina, na região de Araraquara, no interiorpaulista, foram tombadas na década de 1980pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histó-rico,Artístico,Arqueológico e Turístico do Es-tado de São Paulo (Condephaat). Estão se de-teriorando e passarão por processo de restau-ro a partir de julho.

Alguns eventos significativos com incentivos da Lei Rouanet

d

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P o r E l i a n a S i m o n e t t i , F r a n c o d a R o c h a , S P MELHORES PRÁTICAS

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Cuidados na linha de

montagem e nos palcos,

atenção à tradição

e à inovação, e

competência em mesas

de negociação

e em promoções

culturais são alguns

dos ingredientes

da fórmula de sucesso

da empresa familiar

brasileira Weril

Instrumentos Musicais

Fábrica desons

Sxc.hu

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54 Desafios • janeiro de 2007

Um ano após ingressar no Centro de Distribuição da Apex em Miami, a Weril registrou 48%

Inglaterra, é um importante mercado dosnossos produtos na Europa”, diz AndréaDonatti, gerente de marketing da empresa.Curiosidade: depois dos norte-americanose dos europeus, a Indonésia é o mais im-portante mercado da Weril no exterior.

Os instrumentos da marca são aplaudi-dos por músicos brasileiros, como LeoGandelman e Carlos Malta.“Acredito quea Weril faça a diferença para os instrumen-tos e músicos brasileiros. É muito impor-tante para nós termos instrumentos fabri-cados aqui com eficiência e assistência. E ocusto-benefício não só viabiliza comotambém honra o esforço de tantos em bus-ca de resultados musicais”, diz Gandel-man. James Lebens, professor da Universi-dade Laval, em Quebec, no Canadá, só to-ca trombones da marca brasileira. O trom-bone G. Gagliardi Weril, aliás, foi eleito umdos melhores do mundo pela InternationalTrombone Association (ITA), num “testecego” realizado em 2002, no qual músicoscom luvas e vendas nos olhos, atrás de umbiombo, tocaram instrumentos de váriasmarcas para um júri de especialistas. E aWeril foi selecionada pela InternationalMusic Products Association (Namm), dosEstados Unidos, para seu Hall of Fame.Ainda assim, a fábrica não conseguiu en-trar no fechado clube da música erudita.Pouquíssimas orquestras sinfônicas, mes-mo no Brasil, usam instrumentos da Weril.

Tradição e inovação O slogan da empresaquase centenária,“Toque com emoção”, éfacilmente compreendido numa visita àfábrica. Passear por suas instalações é umaaventura prazerosa.Os instrumentos,em si,são obras de arte.Além disso,a Weril é umabela indústria. O misto de inovação e tra-dição, segundo os dirigentes, é um dos se-gredos de seu sucesso. Algumas etapas dafábrica fazem lembrar um centro artesanal,quase uma oficina de escultores. Outrasabrigam equipamentos de alta tecnologia.“A Weril é comparável à Embraer, no Bra-sil”,diz Juliano Diniz,gerente de marketinginternacional da empresa que sabe do queestá falando, pois trabalhou três anos na

ranco da Rocha é uma cidade loca-lizada nas vizinhanças da capitalpaulista. Cresceu em torno de umalinha de trem e de um dos maiores

hospitais psiquiátricos do país. A econo-mia do lugar é essencialmente agrícola,movida por sítios produtores de uva, bata-ta e mandioca. Num desses terrenos, umapequena jóia se destaca do cenário: a Weril,fabricante de instrumentos musicais de so-pro. Fica num galpão, no centro de umaárea de mais de 40 mil metros quadrados,de onde vez por outra escapa uma melo-dia. Trombones, saxes, trompetes, flautas,clarinetes e algo mais são embarcados,dali,para todo o Brasil e para mais de sessentapaíses (veja as tabelas “Notas da Weril” e

“Música para o exterior”, nas págs. 56 e 58).Trata-se de uma das cinco melhores em-presas fabricantes de instrumentos de so-pro do planeta e a única na América Latinaespecializada no setor.

Em novembro, a Weril recebeu o Prê-mio Especial do Júri por sua atuação noCentro de Distribuição de Miami,da Agên-cia de Promoção de Exportações e Investi-mentos (Apex), ligada ao Ministério doDesenvolvimento, Indústria e ComércioExterior (leia o quadro “Pontos de apoio no

exterior”,na pág.ao lado).Desde que ingres-sou no Centro, em janeiro de 2005, suasvendas nos Estados Unidos saltaram 48%.E é bom notar que a companhia já contavasessenta anos de experiência em expor-tação quando buscou o apoio da Apex.Atualmente,exporta 30% de sua produção,sendo metade para o mercado norte-ame-ricano.“Este foi um ano de muitos negó-cios. Pretendemos agora nos instalar tam-bém no Centro de Distribuição (CD) deFrankfurt, já que a Alemanha, ao lado da

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No alto, a montagem do Saxofone Supremo, que teve

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Desaf ios • janeiro de 2007 55

de aumento nas vendas nos Estados Unidos, dest ino de metade de suas exportações

Construídos próximos a portos e aeroportos,os Centros de Distribuição (CDs) são espa-ços alugados a pequenas e médias empre-sas brasileiras no exterior pela Agência dePromoção de Exportações e Investimentos(Apex), órgão responsável pelo projeto liga-do ao Ministério do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior.Ali, as firmas podemestocar produtos,montar exposições e aten-der clientes.Também recebem apoio para li-dar com os trâmites burocráticos de recebi-mento, despacho e liberação das mercado-rias nos portos e para a contratação de ser-viços de consultoria.

O CD de Miami, nos Estados Unidos,pioneiro do projeto, foi inaugurado emmaio de 2005, já com 98% da capacidadeocupada.Ali há marcas brasileiras dos se-tores de cosméticos, têxteis, alimentos,gesso, instrumentos musicais, equipamen-tos médicos, entre outros. Mais quatro uni-dades estão instaladas em Lisboa (Portu-gal), Frankfurt (Alemanha),Varsóvia (Polô-nia) e Dubai (Emirados Árabes Unidos). Eestão em andamento negociações parainstalação de outros centros no Panamá,em Joanesburgo (África do Sul) e Xangai(China).

Atualmente, segundo dados da Apex,mais de quinhentas empresas já assinaramcontratos para utilizar suas estruturas.“Oscentros oferecem a possibilidade de inter-nacionalização a pequenas e médias em-presas por um custo baixo”, diz Juan Qui-rós, presidente do órgão. Em 5 de dezem-bro, ele anunciou os recursos federais deapoio a empresas nacionais exportadorasem 2007: são 191,8 milhões de reais para26 projetos, entre os quais o de instrumen-tos musicais. O montante destina-se aocusteio, por exemplo, de estandes em feirasinternacionais de negócios e materiais dereforço, como amostras, brindes e apoiologístico.

Centros deDistribuição: pontosde apoio no exterior

lançamento mundial em 2006. Abaixo, o trabalho em tornos artesanais, que dá a forma inicial aos instrumentos

Fotos Beatriz Weingrill

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56 Desafios • janeiro de 2007

Os equ ipamentos e sof twares imp lantados na produção de instrumentos mus ica is

fabricante brasileira de aeronaves. Poucasempresas do ramo, por exemplo, usam oComputer Aided Design (CAD), desenhoauxiliado por computador para facilitar arealização de projetos técnicos; e simulamas condições de fabricação em máquinasde Controle Numérico Computorizado(CNC),que permitem a produção de peçascomplexas com precisão.

Os equipamentos e softwares implan-tados na Weril resultam na simplificaçãodo corte de curvas e estruturas de três di-mensões, em redução de desperdício e emaumento de produtividade. Ao final do

passeio, chega-se às salas onde músicosprofissionais passam os dias testando a ca-pacidade dos instrumentos de emitir, comperfeição, sons e harmonias (veja o quadro

“As partes da fábrica”, na pág. ao lado). Àssegundas-feiras, os funcionários interessa-dos podem freqüentar aulas de música. Àssextas-feiras, há o Almoço com Chorinho,com apresentação, no refeitório, de músi-cos que trabalham na empresa.

Negócios e cultura A Weril envolve músi-cos, estudantes e público em seu trabalho– uma estratégia que parece dar certo. Um

exemplo: o sax profissional Supremo foibatizado depois de uma votação promovi-da entre saxofonistas e compositores, co-mo o americano Ted Nash, o francês IdrissBoudrioua, Heleno Feitosa (professor daUniversidade Federal da Paraíba) e opaulista Rodrigo Bento (ex-integrante doJ-Quest, hoje na Saxomania). Seu lança-mento ocorreu no início 2006, em nívelmundial. No mercado norte-americano, oevento foi realizado durante a feira inter-nacional de produtos musicais NAMMShow de 2006, na Califórnia.

A marca está presente,todos os anos,na

Notas da Weril

• Única fabricante de sopros de metal dopaís.

• Empresa familiar, fundada em 1909, estásob o comando da quarta geração.

• Investimento de 3 milhões de reais emtecnologia e infra-estrutura nos dois últi-mos anos.

• 370 funcionários trabalham na fábricade 12 mil metros quadrados, localizadanuma área de 42 mil metros quadrados,onde ficam também duas instalaçõespara tratamento químico e biológico deefluentes, de maneira a evitar poluiçãodos mananciais por metais pesados.

• Capacidade de produção de mais de 80mil instrumentos de sopro por ano.

• Vendas para 67 países.• Exportação de 30% da produção, metade

para os Estados Unidos.• Faturamento de 5 milhões de dólares

com exportações em 2006.

Fonte: Weril Instrumentos MusicaisConcurso de fanfarras de escolas públicas no Paraná: depois das igrejas, são as fanfarras e bandas as maiores

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s ã o c ompa rá ve i s ao s u t i l i z ad o s p e l a fa b r i c a n te n ac i o n a l d e av i õ e s Embrae r

maior feira musical do mundo, a Musik-Messe, de Frankfurt, na Alemanha.Aindana Europa, em 2005, a Weril Experiencelevou apresentações e workshops de músi-cos brasileiros a várias cidades de sete país-es. O trompetista Daniel D’Alcântara, porexemplo, mostrou sua arte no Conserva-tório de São Petersburgo, na Rússia, ondeo famoso compositor Piotr Tchaikovskyestudou, no século XIX. Com o patrocínioda Weril, o trombonista Renato Farias, doBrazilian Trombone Ensemble, apresen-tou-se e ministrou cursos no Trombo-nanza – festival promovido pelo governo

Ferramentaria • como não estão disponíveis no mercado as máquinas necessárias à fabricaçãode instrumentos musicais, a Weril compra e adapta equipamentos e ferramentas específicas.

Centro de usinagem e fornos ou fresadoras • equipamentos com comando numérico computa-dorizado trabalham com alta precisão para que as peças mantenham sempre o mesmo padrão.

Setor de conformação • artesãos dão aos metais as formas básicas das peças cônicas.

Polimento primário • as peças são lixadas em fases gradativas e depois polidas em rodas paraeliminar riscos das lixas antes da montagem da estrutura dos instrumentos.

Prensas • fabricação de peças como pastilhas e chapetas, depois encaminhadas ao setor de soldapara a montagem de subconjuntos.

Montagem de estrutura e bocais • os montadores usam gabaritos e trabalham com peças já usi-nadas e conformadas.

Flauta e clarineta • cada um desses instrumentos tem linha de produção própria e especializada.

Saxofone • ocupa duas áreas da empresa. O instrumento com as chaves pré-reguladas feito nosetor de montagem estrutural passa por uma série de banhos, que conferem brilho inclusive à suaparte interna.A montagem final é feita por diversos funcionários. E os saxofones seguem daí paraa inspeção – onde músicos profissionais testam sua qualidade.

Polimento • área de polimento e brilho manual e em máquina. Depois, os instrumentos passampor controle de qualidade e seguem para laqueação ou banho de acabamento. Os banhos quími-cos são necessários para retirar as impurezas do metal. O material utilizado nessa fase passa poruma estação de tratamento para que não haja poluição ambiental.

Limpeza e embalagem • uma nova verificação de qualidade, desta vez do acabamento, antecedea embalagem dos instrumentos.

As partes da fábrica

compradoras dos instrumentos da Weril no país

Freddy Pinheiro/SEED

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De todo tipo 5,9 milhões 26,6 milhões

De sopro (metais) 2,1 milhões 10,1 milhões

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No Brasi l , metade das vendas é para igrejas. Depois, vêm as bandas e as fanfarras

argentino na cidade de Santa Fé, em agos-to de 2006, que atraiu 150 músicos latino-americanos. Ou seja, ao fazer negócios epromover seu nome mundo afora, a Weriltambém divulga o trabalho de instrumen-tistas e a música brasileira. Seu projeto édobrar o faturamento com exportaçõespara 10 milhões de dólares em 2008, vés-pera de seu centenário.

“O reconhecimento da qualidade dosinstrumentos Weril mostra que a empre-sa é competitiva no mercado global. Odesafio em 2007 é continuar o trabalhode tornar a cultura musical cada vez maisacessível a todos”, diz Nelson Weingrill,presidente da companhia. No país, meta-de de suas vendas é para igrejas. Para fo-mentar a prática musical, especialmenteem bandas e fanfarras, ocorre anualmen-te, em quase todas as capitais do país, oWeril Roadshow, que reúne espetáculos,workshops e espaços de experimentação.Há também o Prêmio Weril para Solistasde Instrumentos de Sopro com até 25anos de idade, cujo objetivo é revelar no-vos talentos da música instrumental. Aindústria mantém um programa de apoioa instituições e organizações não-gover-namentais dedicadas ao ensino coletivode música. Mais. O site da empresa trazdicas práticas para quem deseja montaruma biblioteca musical ou uma fanfarra,por exemplo.

A companhia foi criada em 1909 porPedro Weingrill – cujos bisavôs já produ-ziam instrumentos de sopro,na Europa,noséculo XIX. Hoje está sob o comando deseus bisnetos.Sua história quase centenáriademonstra que é possível unir engenho earte, negócios e cultura.

Weril Instrumentos Musicaiswww.weril.com.br

Apex-Brasilwww.apexbrasil.com.br/premio/premio.html

Saiba mais:

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Fonte: Alice/MDIC

Música para o exteriorExportação brasileira de instrumentos (em dólares)

De jan a out/2006 Nos últimos cinco anos

De out/2001 a out/2006

Fremdenverkehrsamt München/German Mediaservice land-of-ideas

Banda de música tradicional nas ruas de Munique, na Alemanha, um dos mercados da Weril na Europa

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B r u n o A r a ú j oARTIGO

o mês de janeiro é divulgado o indicadorde competitividade mais famoso, o Ín-dice de Competitividade Global (ICG),do Fórum Econômico Mundial (FEM).

Nos últimos anos,as notícias não foram muito ani-madoras para o Brasil – a posição brasileira noranking do ICG caiu de 45º lugar em 2002 para 54ºem 2003, 57º em 2004, manteve esta posição em2005, mas em 2006 nossa economia foi rebaixadapara a 66.ª posição.Diante desses resultados,a per-gunta-chave é: até que ponto devemos nos preocu-par com comparações como o ICG?

Para responder a essa pergunta, primeiro é in-teressante recordar o conceito de competitivi-dade sobre a qual a construção dos índices se ba-seia. O FEM define competitividade em seu re-latório 2006-2007 como o “conjunto de fatores,políticas e instituições que determinam o nívelde produtividade de um país”. O conceito se rela-ciona a uma idéia de vantagem absoluta dasnações ligada ao nível global de produtividade, einspira-se fortemente nas idéias de MichaelPorter em seu livro intitulado A Vantagem Com-petitiva das Nações.

Mesmo que concordemos com a idéia decomparar nações com base no nível global deprodutividade, instituições, clima de investimen-to e outras características – com a ressalva de queo conceito de competitividade atrelado a vanta-gens absolutas não é algo consensual –, o ponto éque indicadores como o ICG apresentam limi-tações que merecem ser tão debatidas quanto seusresultados.

A metodologia do ICG combina dados de di-versas fontes, mesclando informações de órgãosgovernamentais com pesquisas feitas com homensde negócios para avaliações menos tangíveis, co-mo a qualidade das instituições.As informaçõessão divididas em “pilares”da competitividade,co-mo infra-estrutura,estabilidade,condições socioe-conômicas da população (e outras) e sintetizadasnuma pontuação que gera o ranking. Nesse senti-do,esse indicador busca uma mensuração ex-antedas condições para a competitividade,e não se ba-seia em medidas de desempenho e sucesso das em-presas em sentido estrito.

Porém, as principais limitações desse índicesão seis, três de ordem prática e três de naturezateórica.As três primeiras são: 1) incrivelmente, oranking do ICG – que até o ano passado sechamava Índice de Competitividade de Cresci-mento – não apresenta nenhuma correlação coma taxa de crescimento do país; 2) se a competi-tividade é compreendida como um conceitomais estrutural, os países não deveriam mudartanto de posição de um ano para o outro (veja ocaso do Brasil), embora isso esteja relacionadocom o fato de que 3) a conjuntura influenciamuito a posição do ranking. Por exemplo, as qua-tro primeiras posições no pilar macroeconômi-co foram alcançadas por Argélia, Kuwait, Catare Emirados Árabes, não necessariamente porquea gestão da política macroeconômica desses paí-ses seja de excelente qualidade, mas por causa doaumento dos preços do petróleo e dos conse-qüentes royalties.

Por sua vez, a primeira limitação teórica é queé muito difícil sintetizar numa pontuação de 1 a 7o conceito de competitividade acima definido.Asegunda é que, mesmo admitida a validade doexercício,os indicadores fiscais,de balanço comer-cial e de pagamentos devem ser avaliados de umaperspectiva intertemporal, e não ano a ano.Aliás,não raro superávits comerciais vêm acompa-nhados de recessões econômicas. Por fim, a prin-cipal limitação teórica dos indicadores de compe-titividade ex-ante é que as pré-condições, sejamelas quais forem,não necessariamente se transfor-mam em crescimento ou competitividade.

Dessa forma, a resposta para a pergunta da in-trodução é que o exercício de benchmarking in-ternacional feito por instituições como o FEM nãodeve ser abandonado por completo, mas com-preendido dentro de seu contexto e limitações. E,sobretudo, complementado por comparaçõesbaseadas em medidas de desempenho e capaci-dades inovativas dos tecidos produtivos dos paí-ses, como as que o Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea) tem desenvolvido nos últi-mos anos. Mas isso já é tema para outro artigo.

Bruno Araújo é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Competição pela competitividade?

“O exercício de

benchmarking

internacional feito por

instituições como o

Fórum Econômico

Mundial não deve ser

abandonado por

completo, mas

compreendido dentro

de seu contexto

e limitações”

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37 mil registros da vida marinhabrasileiraÉ o que oferece o Sistema de Informação Biogeográficados Oceanos em seu site.O acesso é gratuito e os textos estão em português. Endereço:www.obissa.cria.org.br:

8080/about/OBIS_Brasil

60 Desafios • janeiro de 2007

A identificação eletrônica de im-pressões digitais é um processo ca-da vez mais aplicado. Ela controladesde a entrada a um estádio de fu-tebol até o acesso aos cofres de umbanco. Por isso, os softwares ca-pazes de distinguir as impressõesdigitais são cada vez mais sofistica-dos e caros. O sistema desenvolvidopela empresa brasileira Griaule, deCampinas, no interior de São Paulo,está entre os melhores do mundo ejá conquistou clientes nos EstadosUnidos, México, Venezuela, Chile eIsrael. Os programas da Griauleequiparam as 25 mil urnas eletrôni-cas com leitores de impressão digi-tal que serão usadas nas próximas

eleições. Em 2003, o Instituto Na-cional de Padrões e Tecnologia dosEstados Unidos realizou um teste degrande escala, com 1 bilhão decomparações de impressões digi-tais. Na ocasião, o sistema da Griau-le, única empresa do hemisfério sula participar, ficou em oitavo lugar,disputando com competidores depeso, como Motorola e NEC, e sain-do-se melhor do que algumas gi-gantes, entre elas a Raytheon. Re-centemente, a tecnologia de emis-são de passaportes da Griaule foiadquirida pela Costa Rica, por meioda empresa francesa Oberthur, queproduz esse tipo de documento paraoitenta países.

CIRCUITOciência&inovação

Por Andréa Wolffenbüttel

O presidente da filandesa Nokiaanunciou recentemente que a em-presa está se preparando para lan-çar um celular capaz de gravar o-dores. O executivo disse que osaparelhos do futuro devem serequipados com recursos mais sen-soriais, como a reprodução das re-cordações olfativas dos clientes.Em vez de baixar novos toques, osusuários passarão a baixar novoscheiros.

Telefonia

Que celularcheiroso!

O desperdício de leite por parte doscriadores de cabras da região deViçosa (MG) levou dois alunos daCentral de Ensino e Desenvolvimen-to Agrário e Florestal (Cedaf), daUniversidade Federal de Viçosa(UFV), a inventar um equipamentoeconômico de produção de leite empó. Os alunos constataram que osdonos de rebanhos caprinos da vizi-nhança,quase todos pequenos cria-dores,consumiam a carne,mas nãofaziam uso do leite,que em cerca detrês dias torna-se inadequado à ali-mentação humana. Decidiram en-contrar uma solução para o proble-ma e acabaram inventando um sis-tema barato, composto de um com-pressor e um forno elétrico,que per-mite tratar 10 litros de leite por ho-ra, gerando cerca de 1,2 quilo depó. Esse pó pode ser armazenado ecomercializado posteriormente. Amaior vantagem da nova máquina éseu preço.Enquanto no mercado na-cional um equipamento semelhan-tes custa cerca de 48 mil reais, oproduzido pelos alunos da UFV nãosairá por mais de 1.000 reais.A má-quina ainda está em fase de paten-teamento e quando entrar em pro-dução poderá beneficiar os pecua-ristas não só de Viçosa, mas sobre-tudo da região Nordeste, que con-centra cerca de 90% dos rebanhoscaprinos do país.

Laticínios

Leite em pó a bom preço

Software

Tecnologia na ponta dos dedos

O mundo está a um passo de se li-vrar da poliomielite. Em 2006, fo-ram registrados menos de 2 mil ca-sos, número insignificante se com-parado aos 350 mil em 1991. Umprograma da Iniciativa Global paraa Erradicação da Pólio, junto com aFundação da Organização das Na-ções Unidas,governos e ONG’s pre-tende imunizar todas as crianças domundo em 2007, tornando a póliouma doença do passado.

Saúde

O fim dapoliomielite

sxc.

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Desaf ios • janeiro de 2007 61

Quando olhamos para o céu e ve-mos as nuvens passando,não sabe-mos como pode ser importante sa-ber a origem delas e para onde vão.Pesquisadores do Centro de Previ-são do Tempo e Estudos Climáticos(CPTEC), do Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (Inpe), desen-volveram um novo sistema que con-segue monitorar as nuvens provo-cadas pela fumaça das queimadas,que têm comportamento completa-mente diferente das demais. En-quanto as nuvens de fumaça for-madas pela emissão de gases ur-banos, de carros e indústrias, ten-dem a ficar numa altura de até 4quilômetros porque têm temperatu-ra próxima à da atmosfera, as nu-vens provocadas pelas queimadastêm temperatura muito mais alta epor isso sobem,distanciando-se até12 quilômetros da superfície ter-restre. Os métodos atuais de moni-toramento de nuvens não conse-guem chegar até essa altura.A pre-cisão do acompanhamento das fu-maças das queimadas é fundamen-tal para o estudo de mudanças cli-máticas regionais e globais. Parater uma idéia da importância do sis-tema desenvolvido no Brasil, bastadizer que ele já foi adotado pelo Na-tional Center for Atmospheric Re-search (NCAR), dos Estados Unidos.

Desde 2002 até novembro de 2006,a Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de São Paulo (Fapesp) in-vestiu cerca de 12 milhões de reaisem 75 projetos ligados ao CentroIncubador de Empresas Tecnológi-cas (Cietec). As empresas benefi-ciadas junto com as demais insta-ladas no Cietec devem registrar umfaturamento total de 28 milhões dereais em 2006, o que gerará apro-ximadamente 6 milhões em impos-tos. Essa matemática é a prova de

que o dinheiro aplicado em pes-quisa e desenvolvimento volta pa-ra a sociedade na forma de tribu-tos. O Serviço de Apoio à Pequenae Micro Empresa (Sebrae), quecusteia as atividades administrati-vas das empresas que funcionamno Cietec, também comemora oresultado, afinal o valor a ser re-colhido em impostos supera lar-gamente o dinheiro gasto pelo Se-brae, que totalizou 970 mil reaisno ano passado.

Meteorologia

Voando alto

A expectativa de vendas para oano que vem é de 82 milhões demáquinas fotográficas digitais, oque representará um crescimentode 7% em relação a 2006. O últi-mo levantamento do mercado dafotografia digital estimou que omovimento anual está na casa de18 bilhões de dólares.

Ter o diploma de uma boa escola jánão é mais garantia de sucesso pa-ra os engenheiros. Essa foi a con-clusão apresentada pelo estudo“Excelência em engenharia glo-bal”. O trabalho é uma iniciativa daAG Continental, empresa alemã dosetor automotivo,e foi elaborado poroito universidades de seis países, in-clusive a Escola Politécnica da Uni-versidade de São Paulo (USP).O ob-jetivo do trabalho foi criar diretrizespara as instituições de ensino pre-pararem melhor seus alunos para aprática global da profissão.Os prin-cipais tópicos são os seguintes:• Tornar a competência global umaqualificação central nos programasde educação;• Dar prioridade à mobilidade trans-nacional de estudantes;• Estreitar as relações com a in-dústria para vincular o ensino àprática profissional globalizada;• Empreender esforços para umafundamentação teórica da condutae dos modelos de aprendizagem,dos processos organizacionais edos métodos de gerenciamento dosprogramas focados em competên-cia global.A íntegra do estudo está disponívelno endereço www.global-engineer-ing-excellence.org.

Fotograf ia

Haja retrato!

Neste mês deve chegar aos postosde gasolina da Petrobras a primeiraremessa de H-Bio, uma mistura deóleo vegetal com óleo diesel.A adi-ção permitirá uma economia de15% na importação de óleo diesel,o que corresponde a uma economiade cerca 145 milhões de dólares.

Combustível

Diesel com umtoque de vegetal

Educação

O engenheiromoderno

Financiamento

Matemática científica

A Honda, dona da maior fatia domercado nacional de motocicletas,promete iniciar em fevereiro a co-mercialização de seu modelo maisbarato, a POP100, que vai custar3.990 reais.Totalmente desenvolvi-da no Brasil, a moto popular levoudois anos para ficar pronta,e a mon-tadora pretende vender 150 mil uni-

dades durante 2007.A POP100 nãoé a motocicleta mais barata à vendano Brasil.O posto continua sendo daJL50, importada da China e comer-cializada aqui pela Traxx. Porém, aPOP100 é a que tem o mais baixopreço para um motor de 100 cilin-dradas, além de ser fabricada aqui,na planta da Honda em Manaus.

Indústria automobilística

Chegou a moto popular brasileira

Divulgação/Honda

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brasileiro médio não tem idéiada proporção exata da renda quelhe é extraída, direta e indireta-mente, pelo Estado e de como ela

vem sendo gasta. Esse livro não vai ajudaro cidadão a identificar todas as formas dearrecadação tributária, mas permite detec-tar, pelo menos, como essa extração de re-cursos vem sendo gasta e quanto. Trata-sede um “manual da boa gastança”, supon-do-se que os responsáveis públicos se con-vençam dos desperdícios e se decidam acorrigir os abusos que ocorrem com “o seu,o meu, o nosso dinheiro”.

O livro começa, justamente, pela inicia-tiva do organizador de compilar a lista das91 medidas dos capítulos 4 a 14 destinadasa reduzir ou controlar os gastos públicos.Naintrodução,Marcos Mendes traz evidênciasde como a redução e a maior eficiência dogasto público são condições necessáriaspara que o Brasil possa crescer.Os custos damáquina pública ultrapassam seus benefí-

cios presumidos. Despesas mal dirigidastravam o crescimento.Mecanismos de pou-pança forçada (PIS, Pasep, FGTS) seriammais bem empregados se administradospelos próprios beneficiários. Empresas pe-quenas e médias são desestimuladas a cres-cer para não incorrer em tributos elevados.Como o governo se apropria de 40% darenda, aparece na selva o “caçador de ren-da”, perito em extrair dinheiro públicopara fins particulares. Daí o investimentoempresarial em campanhas eleitorais: o re-torno é sempre garantido.

O livro identifica onde estão e como sãofeitos os gastos públicos, mas também dizo que deve ser feito para corrigir as dis-torções. Os autores escapam do debate so-bre o peso dos juros concentrando-se nasdespesas não financeiras: estes gastos, ex-cluindo a Previdência, cresceram 60% emtermos reais entre 1995 e 2004, ou seja, umcrescimento anual de 4,8% (o dobro, prati-camente, do crescimento do PIB). Os três

primeiros capítulos tratam, respectiva-mente, das vantagens e desvantagens da in-tervenção do governo na economia, dequal seria o tamanho ótimo do Estado bra-sileiro (não superior a 32% do PIB) e decomo um ajuste fiscal bem conduzido nãoproduz, necessariamente, uma redução docrescimento econômico.

Raul Velloso dá a partida às recomen-dações de ajuste fiscal via redução de gastosobrigatórios (91% das despesas não finan-ceiras).Ele recomenda revisão da idade mí-nima para benefícios,desvinculação da pre-vidência do salário mínimo, fim dos au-mentos automáticos dos gastos com saúdee focalização dos gastos sociais nos mais po-bres. Os gastos com pessoal eram de 4% doPIB em 2004, mas crescem inercialmente.Marcos Mendes constata o forte crescimen-to dos gastos dos poderes autônomos –Legislativo, Judiciário e Ministério Público– e sugere um limite constitucional.

Trata-se de enorme agenda de mudan-ças, sob a forma de providências práticas efactíveis. Sem nenhuma retórica ou pro-posta salvacionista, os autores conseguemoferecer um programa completo de refor-ma das despesas públicas no Brasil: na for-ma, no conteúdo, nos procedimentos deefetivação das despesas e nos controles de-vidos. Se há algum sentido para a expres-são “missão patriótica”, essa obra coletivamerece o título. Do contrário, esta e as fu-turas gerações continuarão amargando afalta de crescimento econômico.

Paulo Roberto de Almeida

Manual da boa gastança

Gasto Público Eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil Marcos Mendes Topbooks, 2006, 475 p., R$ 49,00

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62 Desafios • janeiro de 2007

ESTANTElivros e publicações

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Telecom e desenvolvimento

Tom premonitório

m discurso comum nos últimosquinze anos tem sido o de que oavanço tecnológico no setor detelecomunicações é responsável

pela aceleração do processo de globalização,dos negócios, da troca de informações e,portanto,do progresso.Estudos com dadosempíricos e estatísticos que demonstrem es-sa percepção ainda são raros. Esse volume,que acaba de ser lançado nos Estados Uni-dos, traz casos selecionados, minuciosa-mente investigados na Índia, no Peru, naChina e em outros países em desenvolvi-mento,e também uma análise do potencialda tecnologia das comunicações para a re-dução da pobreza.

A apresentação é um libelo.Contém fra-ses como:“As tecnologias de informação etelecomunicação podem realizar milagres etransformar rapidamente os sonhos da hu-manidade em realidade, desde que devote-mos a esse trabalho nossa criatividade e in-genuidade”.Ingenuidade,sim.Só na últimalinha, quando se descobre o autor do texto,Muhammad Yunus, ganhador do PrêmioNobel da Paz, é que desaparece a sensaçãode se estar lendo um texto utópico.

A obra é recheada de análises econômi-cas,com muita informação estatística,mo-delos econométricos e também boas histó-rias. Elas tratam de infra-estrutura, de as-pectos institucionais e políticas públicas, edos efeitos econômicos da adoção das tec-nologias por empresas e pequenas proprie-dades rurais. Há um capítulo exclusiva-mente dedicado ao fornecimento de ser-viços públicos aos pobres – saúde e edu-cação, principalmente.

Maximo Torero e Joachim von Braun,editores da publicação, são dois pesqui-sadores do International Food PolicyResearch Institute, da Universidade JohnsHopkins,nos Estados Unidos.Seu objetivoé compreender qual a melhor forma de uti-lizar os equipamentos disponíveis para re-duzir a fome, a pobreza e a desigualdade.Sua conclusão mais genérica:“A tecnologiada informação não é uma panacéia. É umaoportunidade de desenvolvimento que de-

manda pré-requisitos, como a desregula-mentação, a competitividade entre os for-necedores de serviços, subsídios para re-duzir disparidades e arranjos institucionaispara o aumento de sua utilização no forne-cimento de bens públicos”(p. 344).

Outros dados interessantes: após anali-sar estatísticas de 113 países, referentes avinte anos,os pesquisadores estimam que ocrescimento do grau de penetração das tele-comunicações em um ponto percentual re-sulta em aumento de 0,03% no ProdutoInterno Bruto (PIB),que os efeitos são maispositivos onde 5% a 15% da população edas empresas têm acesso a telefonia e inter-net – e, como nos países pobres essa taxa éinferior a 1%,é necessário investir em infra-estrutura.

Pelas informações apresentadas, o livroé uma oportunidade única,até o momento,para conhecer objetivamente o mundo quenos rodeia e o leque de possibilidades paraa melhoria da vida dos alijados dos benefí-cios da globalização. Merece tradução parao português e publicação no Brasil.

Eliana Giannella Simonetti

livro causou polêmica desde o seulançamento. É a história de umamulher que perdeu o marido e ofilho num horrível atentado ter-

rorista no novo estádio do Arsenal, em Lon-dres. Incendiário foi lançado na noite de 6 dejulho de 2005 e na manhã seguinte, às 8 ho-ras, explodiram as bombas nos trens dosubterrâneo e em um ônibus, obras de mili-tantes de origem islâmica.A reação de mui-tas livrarias foi retirar o livro de Cleave dasprateleiras.

Mas Incendiário é muito bom e pegou.Aprestigiosa revista The Economist o incluiu nalista dos melhores romances de 2005. Já foitraduzido em dez línguas e publicado em de-zoito países.Cleave,que é jornalista,escreveuesse seu primeiro livro na primavera de 2004,enquanto era bombardeado por notícias deatentados terroristas e das torturas praticadaspelos guardiões norte-americanos na prisãode Abu Ghraib, no Iraque.

Incendiário não é complacente com osterroristas.A narradora é a mulher que per-deu seus entes queridos e resolve escreveruma carta a Osama Bin Laden questionan-do a brutalidade do atentado. Mas o livrotambém alerta para a brutalidade da respos-ta das autoridades, o que, no romance, colo-cou a Grã-Bretanha à beira de um estadopolicial.

Ottoni Fernandes Jr.

Information and Communication Technologiesfor Development and Poverty Reduction - ThePotential of TelecommunicationsMaximo Torero e Joachim von Braun (ed.)The Johns Hopkins University Press, 2006,372 p., US$ 25,95Pode ser adquirido pela internet emwww.ifpri.org/pubs/jhu/icttelecom.asp

IncendiárioChris CleaveNova Fronteira, 2006, 240 p., R$ 29,90

U

O

Desaf ios • janeiro de 2007 63

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Empresários animados

Perspectivas

Conf iança na economia

INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

64 Desafios • janeiro de 2007

No mês passdo, a Serasa divulgou sua játradicional sondagem sobre a impressão do em-presariado a respeito do ano que vai começar.Os resultados foram animadores: 64% dos entre-vistados disseram acreditar que a economia apre-sentará melhor desempenho comparado a 2006.Mais da metade dos empresários consultados de-

clararam estar gastando na ampliação de suasatividades, sendo que 53% deles investiram maisao longo de 2006 do que de 2005. Veja algunsdetalhes setoriais e regionais da pesquisa nosgráficos abaixo. Para maiores informações, aces-se o site da Serasa,www.serasa.com.br/ empresa/noticias/2006/noticia_0377.htm.

A expressão valor corrente quer dizer que determinado valor está expressoexatamente com os números que ele tinhana época em que foi registrado. Difícil? Só parece. Com exemplos, fica tudo claro.Se alguém disser que em 1995 pagava 70reais por mês para a emprega doméstica,provavelmente você vai achar pouco.Porém, se essa mesma pessoa disser que pagava um salário mínimo por mês,você pode achar razoável. Só que as duasafirmações são rigorosamente iguais.Na primeira, o patrão expressou o salárioda empregada em valores correntesdaquela época, ou seja, exatamente o número de reais que ele pagava.Na segunda afirmação, ele expressou essemesmo pagamento em valores relativos,isto é, ele embutiu um parâmetro para quese possa ter noção do que representavam70 reais no início de 1995. Em economiascom inflação muito baixa e sem mudançasde moeda, a diferença entre o valorcorrente de uma época e o valoratualizado ou corrigido não é muitogrande, mas no Brasil, que conviveu comtaxas estratosféricas de inflação e mudoude moeda nove vezes durante a segundametade do século XX, quase não fazsentido se expressar em valores correntes.Outro exemplo. Se um amigo lhe contarque em 2002 comprou um carro novoimportado por 70 mil reais e que hoje,esse mesmo modelo, novo, está custando44 mil reais, você pode achar um absurdo.Mas não é. Em 2002, 70 mil reaisequivaliam aproximadamente a 20 mildólares. Exatamente o mesmo que 44 milreais atualmente.

O que é?

Valor corrente

52% das empresas consultadas estavamrealizando investimentos para ampliação das atividades no último trimestre de 2006

Fonte: Serasa

Acreditam em melhor desempenho da economia (em %)

Acreditam que o ano que vem será melhordo que o que passou (setores/ em %)

Acreditam que 2007 será melhor que 2006 (regiões/ em %)

Quantas empresas estavam investindo no último trimestre de 2006 (regiões/ em %)

Quantas empresas estavam investindo no último trimestre de 2006 (setores/ em %)

Comparação do volume de investimentos (em %)

Investindo para o futuro

Pesquisa de 2006

Pesquisa de 2005

64

54

Instituições f inanceiras

Comércio

Serviços

Indústria

75

70

68

53

64

58

62

54Pesquisa de 2006

Pesquisa de 2005

Mais em 2006 do que em 2005

Mesmo valor

Menos em 2006 do que em 2005

NE

SE

S

CO

N

74

66

62

62

39

NE

SE

N

S

CO

63

55

55

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Instituições f inanceiras

Serviços

Indústria

Comércio

62

56

54

46

7

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40

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Desaf ios • janeiro de 2007 65

Os avanços e as mazelas na educação

Radar Social

A reportagem da página 30, sobre ensino a distância, discute umadas diversas alternativas que o Brasil busca para superar os enormesproblemas na área de educação. O Radar Social 2006, publicado peloInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), traz alguns números quemostram avanços e outros que apresentam retrocesso. Eles comprovamque conseguimos colocar as crianças nas escolas, mas ainda não esta-mos dando aos alunos uma educação de qualidade, o que faz com que o

desempenho das provas venha caindo, ao contrário do que se esperava.Por outro lado, também não tivemos sucesso em fazer com que os estu-dantes cumpram o cronograma escolar de acordo com a idade adequa-da, o que faz com que muitos “crescidos”continuem nas séries dos “baix-inhos”.Veja alguns desses dados nos gráficos abaixo.A íntegra do RadarSocial 2006 pode ser consultado no site do Ipea, www.ipea.gov.br, naseção de Publicações/Livros.

Repare: o Brasil ainda tem uma ta-xa alta de analfabetismo, 11,2%,mas ela é claramente concentradanos grupos menos favorecidos

4ª série do Ensino Fundamental

8ª série do Ensino Fundamental

3º ano do Ensino Médio

2001 2003 2001 2003Língua Portuguesa Matemática

Analfabetismo

Percentual da população analfabeta, com 15 anos ou mais (2004)

Tempo de estudo

Média de anos de estudo (2004)

Crianças na escola

Proporção de jovens de 7 a 14 anos que freqüentam a escola (2004/ em %)

Conhecimentos

Percentual de alunos com conhecimento adequado de Língua Portuguesa e Matemática

Série adequada

Proporção da população entre 15 e 17 anos que freqüenta o nível de ensino adequado à idade (2004/ em %)

Entre 2001 e 2004, a taxa de analfabetismo noBrasil caiu 1,2%

Repare: esse é o quesito em que apolítica educacional teve maior su-cesso. Mesmo no grupo com piordesempenho, 95,8% das criançasfreqüentam a escola

Entre 2001 e 2004,a proporção dascrianças entre 7 e 14anos que freqüenta asescola aumentou 0,2%

Repare: o nível de alunos defasa-dos é muito alto. Mesmo na regiãocom melhor desempenho, a Sudes-te, apenas 58% dos estudantes fre-qüentam o nível de ensino adequa-do à sua idade

Entre 2001 e 2004,a proporção da população entre 15 e 17 anos que freqüenta o nível deensino adequado àidade aumentou 8,2%

Repare: o desempenho de estudan-tes em português e matemática éterrivelmente baixo, tanto alunos doEnsino Fundamental quanto do En-sino Médio. Sendo que, em algunscasos, a situação se agravou de2001 para 2003

Repare: a média de tempo de estu-do do brasileiro é 6,8 anos, isto é,inferior ao Ensino Fundamental

Entre 2001 e 2004, onúmero médio de anosde estudo no Brasilaumentou 0,4 ano

Nordeste Sul Árearural

Áreaurbana

Negros Brancos Brasil

22,4

6,3

26,2

5,2

16,0

7,1

11,2

Nord

este

Sude

ste

Rura

l

Urba

na

Pop.

mas

culin

a

Pop.

fem

inina

Negr

os

Bran

cos

Bras

il

Nordeste Sul Árearural

Áreaurbana

Negros Brancos Brasil

5,5

7,3

4,0

8,1

5,9

7,7

6,8

95,8

98,1

95,9

97,6

96,9

97,4

96,3

96,1

97,2

Nord

este

Sude

ste

Rura

l

Urba

na

Pop.

mas

culin

a

Pop.

fem

inina

Negr

os

Bran

cos

Bras

il

27,9

58,0

23,3

54,4

40,

1

50,2

34

,4

56,5

45,

1

4,9

10,3

5,34,8

9,3

6,26,8

2,8

6,0 6,4

3,3

6,9

Fonte: Radar Social 2006, Ipea

Fonte: Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica 2001 e 2003

Indicadores#30 22/12/06 22:17 Page 65

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Na verdade,o Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea) semprese destacou no cenário nacionalpor seus projetos e trabalhos cien-tíficos, mas esta revista preencheuma lacuna imprescindível: umapublicação que transcende o aca-demicismo, atingindo um públicomais abrangente, numa linguagemmais acessível,sem deixar de lado aprecisão. Tal constatação pode sercomprovada pela diversidade de te-mas instigantes e atuais abordados.São sempre criteriosas e pertinentesas análises feitas em artigos e repor-tagens.Porém,como sou da área deeconomia rural, gostaria de dizerque achei excelentes as seguintes re-portagens:“Bem natural”,sobre al-imentos orgânicos,e “Patrimônio àmesa”, sobre nossa culinária (am-bas publicadas no número 26, desetembro de 2006). E também“Quanto custa o rótulo” (número27, de outubro de 2006), falandosobre produtos transgênicos. Asmatérias,muito polêmicas,são tra-tadas com isenção e base científica.Parabéns ao corpo editorial, bemcomo aos autores das reportagenscitadas. É uma revista que deveriaser lida por todos os brasileiros.

José Roberto Medina Landim

Professor universitário

Ribeirão Preto - SP

Sou assinante desta brilhante re-vista,que muito vem contribuindopara o debate de assuntos de ex-trema importância para nosso país,em particular o desenvolvimentoeconômico,e gostaria de iniciar pa-rabenizando a equipe de produ-ção. Meu intuito é dar uma su-gestão a respeito da apresentaçãodas edições anteriores no site darevista, em particular as reporta-gens. O modo como elas são apre-sentadas torna a leitura cansativae pouco atrativa, já que temos demudar constantemente de pági-na. O melhor seria que as ediçõesanteriores fossem disponibiliza-das em arquivo no formato pdf, oque facilitaria a leitura e até o ar-quivamento para consultas pos-teriores, já que essa revista vemsendo amplamente discutida nomeio acadêmico. Outra sugestãoseria a produção de um CD-ROMcom todas as edições anteriorespara serem adquiridas para con-sulta. Espero que essas idéias pos-sam ser implementadas, pois essarevista constitui uma fonte ines-gotável de pesquisa.

Talles George GomesSão Paulo - SP

Caro Talles,agradecemos muito seus elogios esugestões. Elas estão sendo avalia-das pela equipe que cuida de nossahome page.

Parabenizo os editores e a e-quipe pela excelente revista De-safios.Vocês venceram o desafiode produzir uma publicação queaborda assuntos tão importantespara o desenvolvimento susten-tável do país.

Antônio Jessé LeiteEngenheiro

São Paulo - SP

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

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ão

66 Desafios • janeiro de 2007

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.org.br

EnqueteDesafios perguntou aos leitores que visitam sua página na In-ternet se eles aprovam o cultivo de transgênicos no Brasil. Poruma pequena margem, ganhou o “não” à produção nacionalde organismos geneticamente modificados: 45,6% dos inte-nautas se manifestaram a favor e 54,4% contra. Veja a seguiralgumas opiniões a respeito.

Da mesma forma que laborató-rios multinacionais lançam re-médios testados em ratos que sãovendidos à população, os trans-gênicos também serão ofereci-dos. Sobretudo porque a vendadas sementes estará nas mãos demultinacionais que não estãopreocupadas com os danos quecausarão ao país.

Flavio da SilvaFuncionário público

É preciso, antes de mais nada,manter a população mais infor-mada sobre o assunto.

Maria Rosemeire SilvaEconomista

Concordo com a plantação dostransgênicos, pois são mais vigia-dos do que os produtos normais.

Ivanise Correia da Silva Mota

Biomédica

Essa questão requer controle e res-ponsabilidade. Teremos o controledisso? A sociedade não conseguesequer saber se está ou não con-sumindo produtos transgênicos.

Luigi VerardoProfessor

Já utilizamos organismos geneti-camente modificados há algumtempo – porco, frango e milho hí-brido – sem problemas. Os trans-gênicos favorecem a ecologia, re-duzem custos de produção e au-mentam a oferta de alimentos.Não há como ser contra!

Dionísio KowaliscEngenheiro

Apoio o cultivo desde que dentrode padrões internacionalmenteaceitáveis.

Márcio Moleito ManincorAdvogado

ErramosNa nota veiculada na seção Giro da edição 27 de Desafios (outu-bro/2006), sob o título “Boa notícia que vem do céu”, há uma impre-cisão. O buraco na camada de ozônio não parou de aumentar, apenasa camada de ozônio deixou de diminuir em todas as regiões doplaneta, exceto nos pólos.

Cartas 22/12/06 18:12 Page 66