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- 147 - JORNADA INTERDISCIPLINAR DO PPGCOM/UFT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E SOCIEDADE Palmas, TO, 8 a 11 de novembro de 2016 A música tocantinense como valor simbólico e sua difícil inserção como bem de consumo 1 Paulo Roberto Albuquerque de LIMA 2 Verônica Dantas MENESES 3 Universidade Federal do Tocantins Resumo O artigo é uma primeira análise da música regional tocantinense a partir de duas observações: a construção da identidade tocantinense e a sua inserção no mercado de bens culturais. Partimos do pressuposto de que a música local é um entre-lugar, na concepção de Homi Bhabha, que mobiliza novas e velhas identidades numa permanente construção do sujeito. Também destacamos que a difusão de uma identidade tocantinense por meio da música está ligada à sua condição de bem de consumo. Neste sentido é que são utilizados estudos de pensadores que vão desde a indústria cultural até os mais modernos defensores do inexorável hibridismo, que defendem a inexistência de culturas puras. A música tocantinense e seus produtores terão de aprender sobre o tempo e o lugar em que estão inseridos e definitivamente reinventarem-se, sob a pena de não conseguirem sequer apresentarem-se como possibilidade tanto no presente, quanto no futuro. Palavras-chave: Música; mediação cultural; identidades; Tocantins. Abstract The article is a first analysis of the regional tocantinense music from two observations: the construction of Tocantins identity and their inclusion in the cultural goods market. I assume that local music is a between-place in the design of Homi Bhabha, mobilizing new and old identities in a permanent construction of the subject. We also highlight that the spread of a tocantinense identity through music is linked to its consumer good condition. In this sense it is that they are used studies of thinkers ranging from the cultural industry to the modern advocates of relentless hybridity, who defend the lack of pure cultures. The tocantinense music and its producers will have to learn about the time and place in which they live and definitely re-invent, under penalty of failing to even present themselves as a possibility both at present and in the future. Keywords: Music; cultural mediation; identities; Tocantins. 1 Trabalho apresentado não GT 3 Comunicação, cultura e território da I Jornada Interdisciplinar do PPGCom, 2016. 2 Mestrando em Comunicação e Sociedade/UFT. E-mail: [email protected] 3 Docente dos cursos de Jornalismo e Mestrado em Comunicação e Sociedade da UFT. E-mail: [email protected]

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Palmas, TO, 8 a 11 de novembro de 2016

A música tocantinense como valor simbólico e sua difícil inserção como bem de

consumo1

Paulo Roberto Albuquerque de LIMA2

Verônica Dantas MENESES3

Universidade Federal do Tocantins

Resumo

O artigo é uma primeira análise da música regional tocantinense a partir de duas

observações: a construção da identidade tocantinense e a sua inserção no mercado de bens

culturais. Partimos do pressuposto de que a música local é um entre-lugar, na concepção de

Homi Bhabha, que mobiliza novas e velhas identidades numa permanente construção do

sujeito. Também destacamos que a difusão de uma identidade tocantinense por meio da

música está ligada à sua condição de bem de consumo. Neste sentido é que são utilizados

estudos de pensadores que vão desde a indústria cultural até os mais modernos defensores

do inexorável hibridismo, que defendem a inexistência de culturas puras. A música

tocantinense e seus produtores terão de aprender sobre o tempo e o lugar em que estão

inseridos e definitivamente reinventarem-se, sob a pena de não conseguirem sequer

apresentarem-se como possibilidade tanto no presente, quanto no futuro.

Palavras-chave: Música; mediação cultural; identidades; Tocantins.

Abstract

The article is a first analysis of the regional tocantinense music from two observations: the

construction of Tocantins identity and their inclusion in the cultural goods market. I assume

that local music is a between-place in the design of Homi Bhabha, mobilizing new and old

identities in a permanent construction of the subject. We also highlight that the spread of a

tocantinense identity through music is linked to its consumer good condition. In this sense

it is that they are used studies of thinkers ranging from the cultural industry to the modern

advocates of relentless hybridity, who defend the lack of pure cultures. The tocantinense

music and its producers will have to learn about the time and place in which they live and

definitely re-invent, under penalty of failing to even present themselves as a possibility

both at present and in the future.

Keywords: Music; cultural mediation; identities; Tocantins.

1 Trabalho apresentado não GT 3 – Comunicação, cultura e território da I Jornada Interdisciplinar do PPGCom, 2016. 2 Mestrando em Comunicação e Sociedade/UFT. E-mail: [email protected] 3 Docente dos cursos de Jornalismo e Mestrado em Comunicação e Sociedade da UFT. E-mail: [email protected]

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Resumen

Artículo un primer análisis de la música regional Tocantinense a partir de dos

observaciones: la construcción de la identidad Tocantins y su inclusión en el mercado de

bienes culturales. Asumo que la música local es un lugar de encuentro entre en el diseño de

Bhabha, la movilización de nuevas y viejas identidades en una construcción permanente del

sujeto. También destacamos que la difusión de una identidad Tocantinense través de la

música está ligada a su consumo buenas condiciones. En este sentido, es que están los

estudios de pensadores que van desde la industria cultural a los defensores modernos de la

hibridación implacable, que defienden la falta de cultivos puros utilizados. La música

Tocantinense y sus productores tendrán que aprender acerca de la hora y el lugar en el que

viven y definitivamente re-inventan, bajo pena de no poder siquiera presentarse a sí mismos

como una posibilidad, tanto en la actualidad como en el futuro.

Palabras claves: La música. Mediación cultural. Identidades. Tocantins.

Introdução

A sociedade pós-moderna experimenta uma quantidade considerável de mudanças

nos conceitos e práticas sociológicas, culturais e comunicacionais, típico de períodos

revolucionários. A tecnologia utilizada nas comunicações sociais e interpessoais funciona

como motor de alta propulsão que ignora a angústia dos que ainda estão presos a velhas

práticas e, sem qualquer piedade, amplia a agonia destes com tantas alterações de

comportamento, entendimento de mundo, gostos, credos, fetiches etc.

É certo que o “progresso não se processa uniformemente na sociedade”, como ensina

o sociólogo e folclorista Florestan Fernandes4 (2003), mas nem por isso deve-se ignorar a

onda cibernética que cresce, permitindo que ícones e conceitos renovados se apresentem

aos mais escondidos rincões por meio de satélites ou antenas de telefonia móvel.

4 O Folclore em questão, São Paulo, 2003, p. 40. Para Florestan, camadas da população não participam do

desenvolvimento desta mesma sociedade, e por isso não refletem integralmente a evolução cultural da sociedade, muito

embora, em alguns casos a tudo acompanhem com o evidente retardamento.

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A revolução comunicacional, que à esmagadora maioria liberta para um entrevero de

trocas de mensagens sem fim sem quaisquer barreiras geográficas e bem poucas barreiras

econômicas, quase na mesma proporção a encarcera em redomas simbólicas e conceituais.

E isto não acontece por obra do acaso e nem deve crédito apenas à tecnologia aprimorada

nas últimas décadas. O todo compõe um processo previsível e compreensível de

dominação, tão caro ao capitalismo.

Este artigo identifica algumas das ideias correntes difundidas por pensadores

importantes sobre os temas em questão, exceto os aspectos tecnológicos, irrelevantes para

os fins deste estudo. O objetivo é aproveitar o estudo que faremos desses conceitos para

tentar entender os processos de produção e de divulgação da denominada música típica do

Tocantins. A meta é vislumbrar a pertinência da crítica sobre a dominação midiática em

detrimento dos sentidos e sentimentos paroquiais. Outro recorte que se faz é uma

abordagem sucinta sobre o estilo do compositor Braguinha Barroso.

Não dá para ignorar a lógica imposta e atualmente predominante no meio fonográfico.

Mesmo sem usufruir por ora dos espaços ideais na mídia para atingir a publicização

almejada, as produções dos compositores contemporâneos locais, inclusive de Braguinha

Barroso, estão todas elas já enquadradas às estruturas ditadas pela indústria cultural.

As obras tocantinenses em geral têm o formato padrão, que em tudo se assemelha ao

tipo definido pela indústria. Enredos, arranjos, clichês, tempo de execução, as partes

componentes, tais como: solo introdutório, verso, solo intermediário, verso novamente e

encerramento, tudo está devidamente no lugar, ou seja, onde está destinado a ficar, ou,

onde nos ‘acostumamos a ouvir’. Se, no dizer de Adorno e Horkheimer (1990), “o mundo

inteiro passou pelo crivo da indústria cultural” nada acontece fora do eixo que comanda e

controla o que as pessoas irão ver, ouvir, sentir ou falar. Mesmo o que se apresenta como

‘novo’ no mercado nada mais é do que recriação, um ajuste ou adaptação que se faz para

que o esquematismo da produção não fique enfadonho a ponto de afastar a ‘clientela’.

Adorno e Horkheimer (1990) escreveram há mais de cinco décadas sobre a

permanente antecipação da indústria cultural, que ‘adivinha’ os desejos do homem. Este

caráter preventivo se dá não pela mera necessidade de impor-se à criação com regras

absolutas, mas sim, para garantir a manutenção do ciclo de consumo patrocinado pela

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publicidade que é desencadeada a partir de cada ‘inovação’ destinada ao mercado

consumidor.

É certo que existem movimentos, ideias, atitudes que, na intenção de expressar

significados locais, insurgem-se de um jeito marginal. Estes também buscam espaços

privilegiados na mídia. José Marques de Melo aponta em seu livro Mídia e Cultura Popular

(2008) que as culturas regionais não estão moribundas, e, sim, tentando, com toda a energia

possível, entrar no processo globalizado. “(...) é reflexo da luta das culturas periféricas no

sentido de ocupar espaços apropriados no mosaico multicultural propiciado pelas novas

tecnologias de difusão simbólica” (MELO, 2008).

Mas quais são as vertentes e a música do Tocantins? Onde estão concentradas? Quem

as produz? Elas estão na mídia? Poderiam colaborar na formação identitária do

tocantinense?

Este é nosso foco.

Por isso, e para atender aos objetivos deste estudo, nos propomos a recolher e avaliar

conceitos de identidade, nação e indústria cultural. Nosso trabalho também precisa

reconhecer os principais estágios da formação histórica do Tocantins e as características

culturais primitivas.

O Tocantins é a mais jovem unidade administrativa da federação brasileira, mas com

um histórico de povoamento que o remete ao princípio do Brasil-Colônia. Como vértice

para este artigo, trazemos um tantinho deste passado valendo-nos de reconhecidos

apontamentos utilizados na historiografia oficial que chega às escolas e determina a

formação das crianças e adolescentes.

Cultura como lugar híbrido

O Estado do Tocantins, como se sabe, é novo, mas o povoamento da região tem data

bem antiga. Por isso, para entender a composição da sociedade em especial a mais antiga, é

necessário perscrutar no tempo. Esta é, aliás, a ferramenta disponível para tentar

compreender os fenômenos sociológicos e, a partir daí estabelecer sintonia com os fatos e

tendências atuais e futuras do povo que habita o Estado. O viés histórico é o canal

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adequado a ser utilizado pelos interessados em descobrir a identidade da ‘nação’

tocantinense; ou, ao menos, para tentar responder se ela de fato existe.

Segundo pesquisas relatadas em livros didáticos, e aqui cito um dos mais atuais, de

Liz Andréia Dalfré e outros (2013), utilizado na formação dos estudantes pré-adolescentes

do Estado, os silvícolas; os invasores franceses que vieram do Maranhão; os paulistas que

rumaram para ‘dentro’ do Brasil em busca de ouro; a mão de obra negra; os povoamentos

que aconteceram a partir do século XIX entrando no século XX fizeram nascer

comunidades nas duas margens do rio Tocantins.

Em 1958 foram iniciadas as obras da rodovia Belém-Brasília e este é o marco da

profusão da ocupação, com Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul ‘cedendo’ boa

parte de seus filhos para essa área. Os frequentes deslocamentos populacionais deram cara

ao ‘povo’ norte goiano, hoje, tocantinense. Apesar da miscigenação cultural típica de

lugares que recebem influências variadas e da compreensível dificuldade para identificar

laços culturais, o entendimento aqui é de que há uma ‘nação’ nesta região do Brasil. E para

sua melhor identificação, os pioneiros não podem ser ignorados.

As várias ‘nações’ brasileiras se fazem presentes nos vários brasis. Desde o início de

seu povoamento o Tocantins, que completa 28 anos em 2016, é autenticado por

manifestações culturais que começaram com os índios passando pelos demais

agrupamentos humanos que continuam a chegar. Cada coletivo destes ajustou seus tijolos

na construção da cultura tocantinense, ainda em curso. É neste ajuntamento, vivências e

culturas diversas que respira com a ajuda de aparelhos um determinado jeito primitivo, um

misto de sincretismo religioso e culturas antigas simbolizadas por dança e, principalmente

por canto e música.

Assim, no alvorecer do século XXI e mesmo com os avanços tecnológicos que

transformaram o cidadão em um ativo emissor de conteúdos, permanecem em lados

opostos os conceitos (e práticas) da indústria cultural (desacreditados por inúmeros

teóricos, mas ainda causando efeitos); e os símbolos/valores culturais regionais que, se não

encontram eco nos veículos de comunicação de massa não podem, por isso, usufruir da

projeção que o mercado reconhece apenas quando chancelado pelos canais de comunicação

tradicionais.

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DOS ANJOS (2015) traz um importante estudo sobre identidade e cultura, com o

foco em elementos naturais que foram utilizados por governantes na tentativa de impor

uma marca, colocar luz sobre um símbolo que fosse associado ao Estado do Tocantins.

Citando Bhabha, dos Anjos (2015) refere-se aos processos identitários em contextos pós-

coloniais como “transpassados por conjunturas socioeconômica e históricas, as quais

‘opõem’ o ‘eu’ (nativo) em relação ao ‘outro’ (colonizador/estrangeiro)”. É neste espaço de

disputas que residem os principais questionamentos sobre preservação do ‘eu’ nativo ante o

seu mais cruel e dominador oponente e sobre o papel dos veículos de comunicação.

Thompson (2002 p. 209) relacionou com competência os temas ao citar a ação de

legisladores no esforço de regular a indústria da mídia, dando assim oportunidade para o

desenvolvimento de “novos centros de poder simbólico fora da esfera de controle dos

conglomerados”. Se as identidades regionais irão se aproveitar de mecanismos como a lei

para emergir por meio dos veículos de comunicação de massa ainda é cedo para cravar

como sendo absolutamente verdade. Assim como também não se deve ignorar nos dias de

hoje que (para o bem e para o mal) o receptor não é (e talvez nunca tenha sido) o ser

passivo que a tudo absorve, segundo as previsões pessimistas dos pensadores

frankfurtianos.

O certo é que as identidades receberam a atenção do legislador, e isto novamente

lembra Thompson (2002. p. 209), que pronuncia em seu “pluralismo regulado” a existência

da mídia sob a ótica da liberdade vigiada. Forte exemplo vem da própria Constituição

Brasileira, denominada “Cidadã”. Ela destinou um capítulo especial à Comunicação Social

e determinou que no futuro uma lei complementar deve (ria) definir em letras claras quanto

(em percentual) da programação de emissoras locais seria ocupada com a reprodução de

produtos culturais que representem a identidade regional. No caso brasileiro, o desânimo

momentâneo se dá porque até agora, quase 28 anos depois, a norma ainda carece de

regulamentação.

Parte-se do princípio que é necessário o espaço que garanta sobrevida às coisas

regionais, e é sob este prisma e à luz das possibilidades da lei que se pensa no rádio como o

canal mais apropriado para a tarefa. As diversidades não se estabelecem a não ser sob a

proteção de quem lhes deve isto: a sociedade organizada em instituições, os produtores

culturais e os canais de comunicação.

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Castells (2006) eficientemente ensina que a mídia é a extensão de nossa cultura, e que

nossa cultura se propaga melhor por intermédio dos conteúdos que são veiculados nesta

mídia. Isto se relaciona com a preservação da cultura regional, pois o que não estiver na

mídia ficará restrito às redes interpessoais, sem qualquer poder e ainda com a possibilidade

de esvair-se enquanto identidade, sendo suplantado pelo ideário das culturas centrais.

Um dos aspectos mais interessantes quando se analisa a força do global sobre o

regional é sem dúvida o risco que aquele representa para a extinção deste, embora não se

deva ignorar a obstinação de algumas manifestações descobertas nos quintais do mundo,

que passam a integrar as altas rodas de consumo, viabilizando-se como produto e como

mensagem. Importante salientar aqui a positividade do conceito de hibridismo cultural,

defendido por Stuart Hall, que é um dos portentosos autores a dar crédito às fusões que

acontecem entre diferentes tradições culturais. “São uma poderosa fonte criativa,

produzindo novas formas de cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e

contestadas identidades do passado” (HALL, 1999, p. 91).

O hibridismo produz, sim, efeitos positivos quando conecta agentes produtores locais

às manifestações de outras localidades, assimilando conceitos e até se apropriando de

passagens e novos paradigmas oportunizando o vai-e-vem de culturas, abrindo ou

fortalecendo mercados importantes.

Temos, no mesmo Tocantins, alheio à música, que é o objeto do nosso estudo, o caso

recente do capim dourado. Há neste produto genuinamente local e nos consequentes

artefatos (chapéus, bolsas, utensílios domésticos e adornos femininos) uma sintonia com o

que é aceito pela indústria cultural. Traz, também, fundamentos da hibridização, haja vista

que as peças são moldadas à semelhança de outras que já foram inculcadas no consumo

mundial. Tanto é verdade que Dona Miúda5 e sua gente ganharam o Brasil e o mundo com

suas peças quase sem a estranheza dos mercados.

A tudo explica a engrenagem montada ao jeito iluminista e aperfeiçoada pelo sistema

que a convalida. Adorno e Horkheimer abordam este assunto muito bem quando

estabelecem que os chefes executivos não produzem ou admitem nada que não se assemelhe ao

que já está sendo produzido. Há leis para este movimento, e elas estão em ‘tábuas’.

5 Guilhermina Ribeiro da Silva, dona Miúda, fundadora da Associação do Capim Dourado no Tocantins e líder da

Comunidade Mumbuca, no Jalapão. Falecida em 2010, em Palmas.

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O capim dourado, pois, sempre foi assemelhado às “tábuas de lei” citadas pelos

autores, faltava-lhe a descoberta pelos produtores de bens culturais globais. E não só por

isso. Os produtos e produtores culturais talentosos não encontram qualquer dificuldade para

se adaptar às leis do mercado e este é o viés a ser perseguido: apurar a produção e

apresentá-la a quem possa ou tenha os canais para estabelecer o elo com o consumo de

massa.

Aqui não nos cabe avaliar os reveses que os puristas alardeiam sobre os ‘prejuízos’

que a massificação possa causar à arte e à aura de pureza dos trabalhos ou dos produtos.

Esta pureza já estaria subjugada à força dos novos tempos. Há, ao contrário disso, uma

visão mais moderna e inovadora que reconhece as diferenças e as subjetividades e que

propõe uma impulsão, uma busca por interação, uma reelaboração das estratégias para

justamente ocupar lugar. Bhabha (2007) adota o termo “entre-lugares” como os espaços

reais e virtuais que estão disponíveis aos que querem estabelecer com colaboração e

contestação, é claro, uma nova sociedade.

Há, no dizer de Bhabha (2007), uma “tenebrosa sensação de sobrevivência” em

todos nós. Neste sentido, e principalmente neste início de século, tudo está para além do

‘pós’ (modernismo, colonialismo, feminismo) que forçosamente nos engaja e nos faz andar

nestas fronteiras que não delimitam tempo ou espaço. O além, bem entendido, não significa

necessariamente uma novidade absurda, e muito menos uma pedra sobre o passado cultural.

O além mora na instabilidade, fruto de um “movimento exploratório incessante” que não

permite solidez e nem normas duras. O ‘entre-lugar’ fornece o ambiente, ou melhor, ele

próprio é o lugar para subjetividades que conduzem a novas identidades para os que

perderam ou nunca estiveram no domínio.

É na emergência dos interstícios – a sobreposição e o deslocamento

dos domínios da diferença – que as experiências intersubjetivas e

coletivas de nação, o interesse comunitário ou o valor são

negociados. De que modo que se formam sujeitos nos ‘entre-

lugares’ nos excedentes da soma das ‘partes’ da diferença? De que

modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou

aquisição de poder no interior das pretensões concorrentes de

comunidades em que, apesar de histórias comuns de privação e

discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades

pode nem sempre ser colaborativo e dialógico, podendo ser

profundamente antagônico, conflituoso e até incomensurável?

(BHABHA, 2007, p. 20).

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É no ‘além’, dito pelo referido autor, que está o devir; e é preciso negociar com este

‘lugar’ e estar pronto para o embate em todos os campos e níveis. O empoderamento, para

usar um termo atual, depende da convicção do que se tem em mãos, mas, além disto, de

estar com disposição para transigir e intercambiar valores. Os valores culturais regionais

podem acusar desvantagem mercadológica no presente, se consideramos o número de

pessoas que vieram para cá a partir da fundação do estado e o lugar ocupado por estas

pessoas nos postos de irradiação cultural. Ainda assim, é preciso reinscrever-se, renovar

leituras, atentar para os fenômenos de hibridização, mesmo que isso implique no abandono

de determinados postulados tradicionais, ou que encete batalhas ferozes na busca por

espaços no mercado local. É preciso que destes embates surja uma nação, a nação

tocantinense.

A soberania política do Tocantins e a imediata definição do espaço geográfico, que

têm como marco o ano de 1988, não são suficientes para assentar a ideia de nação. É

preciso incluir aí as pessoas com suas histórias individuais e coletivas.

Em Comunidades Imaginadas, Benedict Anderson (2008) considera que nação é

uma comunidade com limites, é bem verdade, mas com a indispensável soberania. Ele não

vê soberania apenas como um definidor político-administrativo, mas já como pressuposto

de identidade comum, que tem raízes na própria noção que se tem de comunidade. Quanto

aos limites, parte deles está na impossibilidade real de contato entre todos os que estão sob

o mesmo manto identitário. Mas as pessoas sabem das redes que os ligam. E Anderson vai

mais longe ao cravar que não se concebe nação sem narrativa de identidade. As pessoas, a

gente sabe, passam, mas a formação cultural da nação é construída pelo acúmulo das

histórias e vivências que só podem se perpetrar pelo meio que Anderson denomina “recuos

no tempo”. História, portanto.

O problema está no fato de não sabermos até quando o Tocantins terá forças para

manter-se sem a discussão da formação de ‘sua nação’; se esta nação consegue firmar-se

sem o apoio dos veículos de comunicação de massa; ou ainda, se a música tocantinense

pode contribuir com seus símbolos para firmar a identidade local.

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A música e a identidade como produto cultural do Tocantins

A música e o ser humano são dependentes; este daquela e vice versa. A construção e

a execução da música dependem do homem, que se utiliza de mil meios e instrumentos

para externá-la. E o homem, sob determinadas situações ou pressões, só consegue dizer-se

com a ajuda da música. O fascínio desta relação e a fortaleza do elo são, por vezes,

inexplicáveis ou incompreensíveis. Mas ainda assim podem ser comprovados. Meneses

(2015) analisou a programação da televisão regional e constatou que a música, em suas

mais diversas formas de apresentação nos programas locais, constituiu-se uma importante

mediadora cultural, portadora de símbolos que reforçam laços sociais regionais e locais.

Para Adorno (1991), a relação do homem com a música é de fetiche. “Se

perguntarmos a alguém se ‘gosta’ de uma música de sucesso lançada no mercado, não

conseguiremos furtar-nos a suspeita de que o gostar e o não gostar já não correspondem ao

estado real”. A crítica deste, que é um dos mais influentes críticos da indústria cultural,

ecoa nos dias de hoje se considerarmos situações corriqueiras em que o cidadão

bombardeado pela publicidade que se faz de determinados gêneros por vezes ‘se vê’

cantarolando ou assoviando alguns trechos ou notas de ‘obras’, que em sã consciência não

lhe admite o gosto. É a inconsciência instada pela publicidade atuando em alto grau de

traição. Para Adorno (1991), a gênese do capital e a ascensão da burguesia de certa forma

explicam a proliferação deste fetiche que vive pela banalidade “do que é da moda e

melodioso”.

A música produzida no Tocantins em quase nada difere das de outros locais do país,

pois traz marcas das várias nações de um Brasil plural. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul

é fácil observar ritmos que se assemelham ou gêneros híbridos que vão se transmutando em

obras que ganham ares de regionalidade devido a instrumentos específicos ou sotaques

locais. O certo é que há raízes em comum na música brasileira e, mesmo correndo o

inevitável pecado do reducionismo, deduz-se que elas aparecem nos batuques dos negros,

na melodiosidade dos cantos indígenas fortemente marcados pelos compassos binários, e

no universo europeu, que por si já traz outro universo maior considerando a profunda

história de aculturação dos nossos colonizadores com povos de origem oriental.

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Apesar das reconhecidas características comuns há variantes na música regional

brasileira que de alguma forma registram-se como peculiares à localidade. No Tocantins,

algumas destas manifestações, bem poucas, foram devidamente registradas em um material

recolhido e lançado em 2002 pelo Sistema Fieto. A obra Cantos do Tocantins - O som, o

ritmo e o povo é um registro fono, foto e videográfico de manifestações culturais variadas

com destaque para as folclóricas e religiosas.

Esta foi a primeira e única vez que se fez um registro desta magnitude. Ali, o

organizador, Genésio Tocantins, teve o cuidado de recolher manifestações espontâneas de

grupos sociais e culturais importantes para a identidade tocantinense: negros e indígenas.

Mas, atento ao mercado, Genésio selecionou obras contemporâneas para intercalar com o

que recolheu in natura. A intenção clara do projeto era reconhecer o elo entre o folclore,

não habituado a frequentar o mundo da cultura sistematizada, e a produção estandardizada,

estabelecida enquanto padrão apropriado ao consumo. Registre-se que a divulgação, pouca,

desta coletânea se deu por meio das chamadas músicas contemporâneas. E nem todas foram

sequer tocadas nas emissoras de rádio em funcionamento no Estado.

Um artigo do historiador Everton Francisco da Silva, conhecido musicalmente

como Everton dos Andes, e que foi publicado no livro ‘Entre o costume e a lei: superando o

silêncio e descortinando a história afro-brasileira, organizado por Maria Aparecida de

Oliveira Lopes (2011), traz uma interessante pesquisa sobre algumas das vertentes da

música tocantina. O historiador se debruça sobre manifestações da Sussa e do Tambor,

como marcas da identidade regional.

SILVA (2011) identifica a manifestação dos objetos de seu estudo nos festejos

religiosos cristãos e folias, mas reconhece que nestes ambientes também são fermentados

outros gêneros comuns ao Brasil, tais como as congadas, catiras, taieiras, curraleiras entre

outras. É um misto de canto e dança ao som de tambores, violas e violões. Ele mesmo,

Everton, tem vários recortes destas manifestações em músicas gravadas em seus discos

aproveitando-se de trechos dos cantos e melodias recolhidos.

Citado na pesquisa de SILVA (2011), Braguinha Barroso é considerado por quase a

unanimidade dos conhecedores da música local como o mais genuíno pesquisador da

música tocantinense. Em seu artigo, SILVA destaca Riacho, uma das canções de Barroso.

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Essa música traz os primeiros acordes da ‘catira urbana’ produzida

no Tocantins (...). Essa música reúne aspectos de uma transição que

se anunciava entre a temática da natureza e os temas da cultura

popular, que marcariam a obra de vários artistas. A música é

importante para a análise porque incorpora duplamente as duas

perspectivas” (SILVA, 2011).

Everton se refere à abordagem poética: “Riacho, água que desce da serra / beleza

que encanta e inspira a canção / Pra falar do bem-ti-vi, trago uma pontinha aqui / de

saudade de você, menina / Talvez você não sabe / mas toda vez que te vejo o desejo me

invade / Você é meu querer”; ao ritmo empregado pelo compositor; e à forte inclusão

percussiva de instrumentos que completam com leveza o andamento ditado pelo swing

tocado ao violão em compasso quaternário, que destaca a primeira nota como a mais forte

da divisão.

Em outra obra essencial de Braguinha vamos encontrar um trabalho mais recente,

Estrela de Muquém, com as mesmas características da musicalidade tocantinense, que se

inspira nas pessoas e manifestações populares e traz na melodia e na divisão dos tempos a

semelhança com Riacho.

“Você não sabe de onde eu venho

Venho do amor que eu tenho

do canto do coração.

Venho do giro das ‘congada’

Do calor da minha amada

Valorizo o amor que tenho

Você já sabe de onde eu venho

Venho do sonho que eu tenho

Do coração do Brasil

Sou dos congos das taieiras

Das ‘fulia’, das benzedeiras

De uma beirada de rio

Você já sabe de onde eu venho

Sou dos gerais, sou dos engenhos

Sou a Estrela de Muquém

Eu sou a sombra das paineiras

Eu sou do sol, eu sou da feira

Sou de quem me querer bem”

Braguinha Barroso e outros compositores que pesquisam os costumes e a gente do

lugar não encontram espaço nos veículos de comunicação de massa e, em consequência

disso, não conseguem chegar ao grande público que poderia, ao se apropriar das

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abordagens oferecidas, identificar-se consigo e com o lugar, adquirindo assim as condições

necessárias para melhor negociar as interações culturais a que está exposto todos os dias.

Adorno (1990), crítico mordaz da Indústria Cultural é mais um que ensina que a “a

repetição torna as determinações familiares”. Não pode haver assimilação suficiente sem a

aliança com a publicidade. É o que se deduz.

Em seu livro Negócios no ritmo da música, o executivo mais famoso da MTV e

responsável pela expansão dos negócios do conglomerado mundo afora por mais de 20

anos, Bill (ROEDY, 2011), explica como revolucionou a indústria cultural a partir de suas

estratégias de negócio. “Eu tinha de encontrar uma maneira de levar nosso produto até o

mercado – distribuição, distribuição, distribuição”. (p. 41). E mais: “nem mesmo o melhor

produto do mundo, se estiver no fundo da carroceria do caminhão, terá valor”. (p. 52).

Considerações finais

A música se evidencia na região como um símbolo da construção da identidade

local desde antes da criação do Estado. Esta música é a fixação simbólica de um espaço que

desde antes de se conhecer como nação já carregava o estigma de lugar com algumas

importantes especificidades culturais.

Não há como desconsiderar que o espaço geopolítico vem sofrendo profundas

alterações e influenciando o entendimento que se tem das comunidades humanas. Bhabha

(2007) se pergunta sobre esta realidade que altera nosso entendimento sobre o que seria

‘local ou transnacional’, dando uma ideia da difícil missão que se tem para indicar o que é a

soberania cultural. Isto só aumenta a responsabilidade da música tocantinense em sua a

missão de potencializar a construção de laços de pertencimento, de ser este entre-lugar em

que uma nova identidade surge a partir da presença de elementos de uma cultura anterior e

de sua inerente substituição.

Resta saber como esta produção regionalista pode se envolver com a indústria e se

inserir nos contextos midiáticos que poderão torná-la mais visível, reconhecida e ouvida,

criando contextos e públicos e garantindo audição permanente.

É preciso intervir no presente. E isto significa “residir no além”, como vaticina

Bhabha (2007). Mas além não está no futuro isoladamente e nem no passado puro e

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simples. É preciso compreender e agir na contemporaneidade cultural. No caso da música

tocantinense, é necessário encontrar o novo sem estar preso às reminiscências. Uma frase

feliz de Bhabha diz: “O passado presente torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia,

de viver”.

Não é utopia pensar que um novo produto musical tocantinense possa estar

definitivamente no mercado. Mas para que isso aconteça não dá para prescindir de uma

atitude orquestrada, ou, planejada, que respeite a lógica desse mercado e incentive os que já

dominam o conhecimento dos ritmos, história e musicalidade local. Mais do isso: que se

criem políticas públicas que invistam na descoberta de novos talentos com pré-disposição e

jeito para continuar a obra.

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