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JOSÉ LEITE LOPES: idéias e paixões Organizado e editado por Francisco Caruso Em comemoração aos 80 anos de José Leite Lopes Baseado em uma série de entrevistas realizadas entre 27 de março e 10 de setembro de 1998. Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF Rio de Janeiro 1999

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JOSÉ LEITE LOPES: idéias e paixões

Organizado e editado por Francisco Caruso

Em comemoração aos 80 anos de José Leite Lopes

Baseado em uma série de entrevistas realizadas entre 27 de março e 10 de setembro de 1998.

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF Rio de Janeiro

1999

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Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Responsável: Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia

José Leite Lopes : idéias e paixões / organizado e editado por Francisco Caruso. – Rio de Janeiro : Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF, 1999. xiii, 142 p. ; 15,5 21 cm. Em comemoração aos 80 anos de José Leite Lopes. Baseado em uma série de entrevistas realizadas entre 27 de março e 10 de setembro de 1998. ISBN 85-85752-06-8 1. Literatura Brasileira - ensaios. 2. Ciência. 3. Humanismo. I. Francisco Caruso. I. Título: Idéias e paixões.

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PREFÁCIO

LEITE LOPES: O RETRATO DE UM HOMEM FELIZ

Flashes, fragmentos de memória, retratos, imagens

arrancadas do tempo… A fala de Leite Lopes reconstrói espaços e figuras, quase ao acaso, a partir de palavras-chave, provocações sugeridas por Francisco Caruso: amor, academia, mulher, Richard Feynman, quark, partícula Z, Física, Einstein, política... Cruzam-se ruas de Recife, a Faculdade de Filosofia, Luiz Freire, Princeton, Estrasburgo, os corredores do CBPF, o laboratório de física de partículas de Estrasburgo, as noites de insônia dedicadas à pintura, a música em Nova York… mas, acima de tudo, como um traço de união, um fio condutor desses quase-ensaios, a paixão pela Ciência e pela Vida e a integridade de um homem que não hesita em vergastar os poderosos em defesa da Cultura.

O ensaio, como é sabido, é criação de Montaigne. Suas raízes, entretanto, remontam, como quase tudo, à Antigüidade Clássica: Cícero, sobre a amizade e a velhice; Sêneca e a providência, a ira, a felicidade, o ócio, a tranqüilidade da alma e a brevidade da vida, para não falar nos diálogos de Platão o Banquete (Symposium), por exemplo nos quais as intervenções dos participantes chegam a constituir verdadeiros ensaios autônomos.

Entretanto, o que se nota, e a tradição confirma, é que, se esses textos abordam questões de profundo interesse humano, raramente tocam a Ciência: o ensaio não atrai cientistas. Há, é certo, quase exceções a confirmar a regra; no século XVIII, d’Alembert e os

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enciclopedistas. Mais recentemente, Einstein nos legou, com generosidade, suas reflexões.

Outra exceção notável é a obra de Ernesto Sábato, Nós e o Universo, uma coletânea de ensaios curtos organizados em forma de dicionário. Sábato tinha sido assistente de Mme. Curie, em Paris, antes de se decidir pela literatura e de estrear exatamente com esse livro extraordinário, premiado por um júri do qual Jorge Luiz Borges fazia parte.

Notam-se, por outro lado, diferenças notáveis entre as obras de Sábato e de Leite. Em primeiro lugar, Sábato trabalha no silêncio do escritório: são textos literariamente elaborados, burilados, que não escondem o fato de que seu autor, naquele momento, se afastava da Ciência numa espécie de ajuste de contas e ingressava no mundo literário. Já o depoimento de Leite Lopes, gravado no calor do momento, constrói-se sob a inspiração do instante, sem apelo a nada fora da memória do autor. Além disso, é a voz de um homem que sempre pretendeu mergulhar cada vez mais e mais no mundo da Ciência. O caráter espontâneo e vivo do livro de Leite Lopes dá a esse texto um tom original e de notável interesse. É obra quase autobiográfica, tingida pela experiência do autor.

Esses verbetes, em conjunto, articulam pontos e traços, compõem linhas e esboços que, pouco a pouco, iluminam a vida e nos revelam a face calorosa do professor Leite Lopes, o retrato de um homem feliz, tocado pela mesma felicidade que Vergilio vislumbrou em Lucrécio: “felix qui potuit rerum cognoscere causas”.

Roberto Moreira Xavier de Araújo CBPF

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APRESENTAÇÃO

Crítico, perspicaz, irônico, inquieto, mas, sobretudo, apaixonado por tudo aquilo que faz e que o cerca, pela Ciência, pela Educação, pelas Artes, pelas mulheres, pela vida, enfim, José Leite Lopes é um dos maiores nomes da Ciência brasileira. Essa sua paixão transcende, na verdade, a Ciência e o leva a buscar interrelações com outras atividades da sociedade, contribuindo para que a Ciência se insira no contexto mais amplo da nossa Cultura. Desta forma, o cientista e o humanista se completam, e se fundem ainda com o artista Leite Lopes. Uma constante preocupação com o papel ético e social do cientista permeia também sua obra de forma muito marcante. Essa paixão, nutrida por um intelectual extremanente ativo, que teimou em dedicar toda uma vida à criação de um ambiente científico no Brasil, o faz ir além de seus poros e invadir o espaço dos outros. Este livro permitirá aos leitores invadirem o universo de suas lembranças, de suas idéias, de seus amores e vislumbrarem traços de um eterno apaixonado.

A uma pessoa assim tão especial, é difícil dar um presente especial quando ela completa 80 anos. Foi exatamente pensando nessa dificuldade que me ocorreu propor a Leite Lopes que fosse ele a nos dar um presente na forma de um livro. Lembrei-me, então, que Ernesto Sábato nos havia presenteado com o belo livro Nós e o Universo, escrito em forma de verbetes, quando abandonou a Física. Assim, comecei a escolher um conjunto de palavras através do qual veríamos refletida uma espécie de imagem cubista do aniversariante. A escolha era, portanto, muito importante, pois deveria também refletir a multiplicidade de interesses de Leite Lopes, permitindo a cada leitor formar o perfil deste cientista ainda apaixonado

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pela Física. Decidido isto, quantos verbetes escolher? 83 me pareceu ser a escolha natural: 80 para comemorar seus 80 anos e 3 adicionais como a metáfora dos três pontos das reticências a lhe desejar muitos e muitos anos de vida. Para minha alegria, Leite Lopes aceitou imediatamente o convite e, no dia 27 de março de 1998, demos início à gravação das entrevistas que se estenderam até o dia 10 de setembro, registradas em pouco menos de 7 fitas de áudio de 60 minutos cada. A transcrição ipsis litteris das entrevistas foi feita com a inestimável colaboração do aluno Bruno Maia. Este texto foi editado por mim e foi revisto e corrigido pelo Prof. Leite Lopes, que introduziu pouquíssima informação que não consta das fitas. No árduo trabalho de revisão, pude contar com o auxílio fundamental da Sra. Márcia de Oliveira Reis Brandão e do Prof. Roberto Moreira Xavier de Araújo. Aos três gostaria de externar minha sincera gratidão. Agradeço ainda ao Prof. Amós Troper, Diretor do CBPF, por seu decisivo apoio a esta publicação.

Durante o longo período de gravação das entrevistas, mantive um convívio quase diário com Leite Lopes e o número de horas que conversamos superou em muito o número de horas gravadas. Nossas conversas eram sempre pela manhã, em sua sala no terceiro andar do CBPF, em meio a seus livros e seus quadros, e o ritmo de trabalho não foi sempre uniforme, devido a vários fatores, mas foi sempre muito prazeroso e, por várias vezes, seu lado humano falou mais alto e suas palavras afloraram carregadas de sentimento. Lembro-me, por exemplo, de vê-lo emocionado quando pediu para ouvir o que havia dito sobre “amor”; de sua indignação ao falar sobre a “seca”, poucos dias após termos visto na televisão uma reportagem A relação completa dos verbetes encontra-se ao final desta apresentação.

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sobre a fome causada pela seca no Nordeste; de sua empolgação recitando Rilke em alemão e em português; de seus olhos divagarem quando falava de certas pessoas do passado e do carinho com que se referia a outras. Raríssimas vezes Leite pediu para falar sobre o tema proposto em um outro dia; na grande maioria das vezes, ele começava a falar imediatamente após eu lhe propor o tema e, em certas ocasiões, era difícil fazê-lo parar.

Para o leitor que não conhece a obra do Prof. José Leite Lopes, ofereço, agora, um resumo de sua trajetória como homem e cientista.

Nascido em 28 de outubro de 1918, na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil, José Leite Lopes concluiu seus estudos secundários no Colégio Marista, em sua cidade natal, em 1934. Bacharelou-se em Química Industrial na Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1939. Influenciado por seu grande mestre Luiz Freire, deu início aos seus estudos de Física no Rio de Janeiro, para onde veio com uma bolsa de estudos das indústrias Carlos de Brito do Recife, por indicação do Professor Osvaldo Gonçalves de Lima.

Em 1940, ingressou no Curso de Física da Faculdade Nacional de Filosofia, Rio de Janeiro, concluindo-o em 1942. Nesse mesmo ano trabalhou alguns meses, a convite do Professor Carlos Chagas, no Instituto de Biofísica, com uma bolsa Guilherme Guinle. Em 1943, com uma bolsa da Fundação Zerrener, trabalhou no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, assistindo aos cursos de Gleb Wataghin e Mario Schenberg. Com uma bolsa do Governo dos Estados Unidos, dirigiu-se à Universidade de Princeton, onde trabalhou com J.M. Jauch e fez sua tese de doutorado (Ph.D.), sob a orientação de Wolfgang Pauli (Prêmio Nobel de Física), durante os anos de 1944 e 1945. Em outubro de 1945, aos 27 anos, foi

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nomeado Professor de Física Teórica e Superior da Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro e tomou posse na cátedra em 1946. Em 1948, fez concurso para cátedra de Física Teórica e Física Superior da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e recebeu o grau de Doutor em Ciências pela mesma Universidade. Em janeiro de 1949, juntamente com Cesar Lattes, e com o apoio do Ministro João Alberto Lins de Barros, de Nelson Lins de Barros e de Henry British Lins de Barros, fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Em 1949, ganhou uma bolsa da Fundação Guggenheim e a convite de Oppenheimer tornou-se membro do Instituto de Altos Estudos de Princeton.

Entre 1955 e 1964, foi Diretor da Divisão de Ciências Físicas do Conselho Nacional de Pesquisas. Nos anos de 1956 e 1957, a convite de Richard Feynman, foi Pesquisador Visitante no California Institute of Technology. Ocupou vários cargos de chefia e de administração científica no CBPF, no CNPq e na Universidade do Brasil.

Em 1960, organizou a 2a. Escola Latino-Americana de Física no Rio de Janeiro e sugeriu ao Conselho Técnico-Científico do CBPF que propusesse ao Ministério das Relações Exteriores e à UNESCO a criação de um Centro Latino-Americano de Física. Entre 1962 e 1964, foi organizador e coordenador do Instituto de Física da nova Universidade de Brasília. Até 1964 foi membro do Conselho de Curadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) onde apresentou conferências sobre energia atômica. Nesse ano, aceitou convite para ser Professor Visitante da Faculdade de Ciências de Orsay, Universidade de Paris, onde permaneceu até março de 1967. Em 1969, foi aposentado compulsoriamente da Universidade Federal do Rio de Janeiro por decreto governamental baseado no AI 5; em conseqüência, aceitou convite da Universidade

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Carnegie-Mellon, Pittsburgh, para onde se transferiu como professor visitante, durante o ano acadêmico 1969-1970. Foi ainda demitido do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas por portaria do Presidente desta Instituição. Entre 1970 e 1974, foi professor visitante da Universidade de Strasbourg I, Université Louis Pasteur e, no ano em que chegou, fundou, com Michel Paty e outros colegas, os seminários sobre os Fundamentos da Ciência, que, mais tarde, deram origem à revista Fundamenta Scientiae. Em 1974, foi nomeado, excepcionalmente, Professor Titular da Universidade Strasbourg I, pelo Presidente da República Francesa V. Giscard D’Estaing. De 1975 a 1978 foi Vice-Diretor do Centro de Pesquisas Nucleares de Strasbourg (Centre de Recherche Nucléaires, CNRS) e Diretor de sua Divisão de Altas Energias. Voltou ao Brasil, em 1981, para o Centro que havia fundado, mas não em definitivo. Somente em 1986, após ser convidado pelo então Ministro da Ciência e Tecnologia, Renato Archer, para dirigir o CBPF, retornou de vez ao Brasil.

José Leite Lopes tem uma vasta obra científica, com mais de 80 trabalhos publicados, dentre os quais destacamos seu importante artigo de 1958, na prestigiosa revista Nuclear Physics, no qual prediz a existência de bósons vetoriais neutros, juntamente com bósons carregados, como veículos da interação fraca, sugerindo a unificação das forças eletromagnéticas com as forças fracas e postulando a igualdade das constantes fundamentais das interações fraca e eletromagnética. A partir desta hipótese, Leite Lopes nos deu a primeira avaliação correta da massa dos bósons vetoriais.

Além de suas atividades de pesquisa científica, Leite Lopes preocupou-se sempre com a Educação e com o papel social do cientista e da Universidade, como atestam suas publicações sobre estes temas. De fato, é autor de 21

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livros, dentre livros-textos e de reflexões sobre Ciência, e de mais de uma centena de artigos sobre educação e política científica.

Como reconhecimento à sua vasta obra, recebeu o título de Professor Emérito do CBPF (1992), da Univ. Louis Pasteur, Strasbourg, França (1986) e da UFRJ (1984), de Doutor Honoris Causa da UERJ (1989) e da Universidade Federal de Pernambuco (1986). É membro de sete Sociedades Científicas no Brasil e no exterior, tendo recebido as seguintes condecorações: medalha da Universidade Louis Pasteur de Strasbourg (1986); medalha Carneiro Felipe da Comissão Nacional de Energia Nuclear (1988); Ordre des Palmes Académiques, do governo francês no grau de Officier (1989); Ordre National du Mérite, entregue pelo Presidente da República Francesa no grau de Officer (1989); Prêmio Nacional da Ciência Álvaro Alberto (1989) e Prêmio México de Ciência e Tecnologia do governo mexicano (1993).

Esta apresentação resumida inevitavelmente fria e formal do curriculum vitae do Prof. José Leite Lopes é, sem dúvida, incompleta, principalmente porque não reflete o prazer de se conviver no dia-a-dia com Leite Lopes, de compartilhar de seu idealismo contagiante, de seu entusiamo que parece não ter fim.

Concluindo, gostaria de agradecer ao Prof. Leite Lopes por ter aceito meu convite para preparar o livro que, em princípio, gostaria de lhe dar de presente no seu aniversário, como prova de minha admiração e amizade, mas que acabou se transformando, acredito, em um presente que Leite Lopes dá à comunidade científica e à sociedade culta de nosso país. Caro Leite, parabéns e muitos e muitos anos de vida!

Francisco Caruso CBPF & UERJ

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Lista dos Verbetes

1. ACADEMIA 2. AIDS 3. AMOR 4. ARISTÓTELES 5. ARTE 6. ATOMISMO 7. AUTORITARISMO 8. BACH 9. BELEZA 10. BRASIL 11. CAUSALIDADE 12. CBPF 13. CETICISMO 14. CHAGALL 15. CIÊNCIA 16. CNPq 17. DEUS 18. EDUCAÇÃO 19. EINSTEIN 20. ELÉTRON 21. ENERGIA 22. ESPAÇO 23. ESTRASBURGO 24. ÉTICA 25. FEYNMAN 26. FILOSOFIA 27. FÍSICA 28. FORÇA 29. GALILEU 30. GENÉTICA 31. GÊNIO

32. GEOMETRIA 33. GLOBALIZAÇÃO 34. HIROSHIMA 35. HISTÓRIA 36. HUMANISMO 37. INCERTEZA 38. INFINITO 39. INTOLERÂNCIA 40. INTUIÇÃO 41. IRREVERSIBILIDADE 42. JUVENTUDE 43. LIVRO 44. MASSA 45. MAXWELL 46. MESTRE 47. MISTÉRIO 48. MORTE 49. MULATA 50. MULHER 51. MÚSICA 52. NACIONALISMO 53. NEWTON 54. PAIXÃO 55. PARMÊNIDES 56. PAULI 57. PINTURA 58. PODER 59. POESIA 60. POLÍTICA 61. PORTINARI 62. PRAZER

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63. QUANTUM 64. QUARK 65. QUÍMICA 66. RECIFE 67. RELATIVIDADE 68. RELIGIÃO 69. RIO 70. SBPC 71. SECA 72. SOCIALISMO 73. TECNOLOGIA 74. TEMPO 75. UNIVERSIDADE 76. UNIVERSO 77. UTOPIA 78. VÁCUO 79. VARGAS 80. VIDA 81. VILLA-LOBOS 82. VINHO 83. Z

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ACADEMIA

Pelo que aprendi, a Academia vem da época de Platão, dos filósofos gregos (ver FILOSOFIA). Dizia o meu Mestre Luiz Freire: gostaria de passear com Platão nos jardins de Academus.

As primeiras Academias importantes foram as Accademie dei Lincei e del Nuovo Cimento, fundadas na Itália, por volta de 1600. Depois da condenação de Galileu pela Santa Inquisição, os membros dessas Academias ficaram com medo de se reunir, pois novas idéias poderiam ser interpretadas pela Igreja como heresias e levar à condenação quem falasse. Assim, as Academias ficaram meio paradas após a condenação de Galileu e a de Giordano Bruno, que morreu assado na fogueira.

No ano de 1660 foi fundada, na Inglaterra, a Royal Society, por Charles II e, em 1666, a Académie des Sciences de Paris, pelo Rei Louis XIV e seu ministro Colbert. Essas Academias, nessa época, atendiam à necessidade que tinham os sábios de se reunir para trocar idéias, porque, até então, eram os mecenas, os homens ricos, os nobres e os reis que tinham orquestras de câmara em seus salões e apoiavam artistas e intelectuais, como, por exemplo, Leonardo da Vinci, que morreu nos braços de François I. A descoberta, nessa época, de fatos experimentais científicos trazia consigo a necessidade de discussão. Eu sei que na França vários cientistas se reuniam, nesta época, na casa de um deles, chamado M. Phévenot. Então, o que fez Colbert foi chamá-los todos. Como acontece até hoje, a Academia era financiada pelo Governo Francês. São governos sérios, não é? Não são governos, como o brasileiro (ver BRASIL), que desprezam a Academia, a pesquisa científica, a Universidade, mesmo quando o governo é constituído, supostamente, de

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intelectuais, de ex-professores universitários (ver EDUCAÇÃO). Lá a coisa é diferente, é séria. Então a Royal Society e a Académie des Sciences são as duas academias mais importantes fundadas após a falência das academias italianas, que tinham medo da Santa Inquisição. Essas academias acompanharam o desenvolvimento da Ciência e da pesquisa científica no século XVII, na Europa Ocidental, principalmente na França, na Inglaterra e na Alemanha. Espanha e Portugal ficaram de fora, apesar das grandes realizações ligadas às descobertas de novas rotas de navegação. A Santa Inquisição, ou melhor a Igreja Católica, tomou o controle da Educação nestes dois países e eu me pergunto se, nessa época, foram criadas Academias de Ciências nestes países que “descobriram” e colonizaram a seguir terras que formam hoje a América Latina. No Brasil, a Academia de Ciências foi fundada com o nome de Sociedade Brasileira de Ciências, em 1916, e mudou seu nome para Academia Brasileira de Ciências em 1922. Juntava, nesta época, muita gente importante, como: Amoroso Costa, Arthur Moses, Álvaro Alberto, Álvaro Osório de Almeida, Miguel Osório de Almeida, Carlos Chagas e Oswaldo Cruz. Eram esses homens que faziam pesquisa científica enfrentando toda a dificuldade que a gente conhece.

A pesquisa científica no Brasil começou no fim do século passado, com a fundação do Instituto Butantan e do Instituto Oswaldo Cruz para combater pragas e pestes. Oswaldo Cruz, por exemplo, teve a sabedoria de não só acabar com a febre amarela no Rio, mas de criar também um Instituto, uma verdadeira Escola de pesquisas científicas em Biologia e Medicina Experimental, que produziu gente de grande valor, inclusive homens como Carlos Chagas, descobridor da doença de Chagas, que

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infesta a América Latina e toda a África. Chagas descobriu esta doença desde os micróbios até os agentes transmissores e realmente merecia ter ganhado o Prêmio Nobel, mas a Academia de Ciências de Estocolmo tem lá as suas razões para não dar o prêmio a países em desenvolvimento, eu não sei; mas, enfim, aí está a Academia. AIDS A AIDS, que os franceses chamam de SIDA, é uma doença moderna terrível. Parece que foi descoberta nos macacos na África e é sexualmente transmitida, o que é um desastre. Essa doença tira a alegria do pobre, pois a alegria do pobre é fazer amor, e você não pode mais sair por aí afora fazendo amor com quem você encontra. Se você não se proteger com um preservativo, que o brasileiro chama afetuosamente de “camisinha”, está arriscado a pegar a AIDS e isso dá lugar a uma morte terrível. O número de pessoas infectadas no mundo é grande e cresce, e ainda não se sabe como livrar a humanidade dessa doença miserável. Quem sabe se o vírus dessa doença não saiu de algum laboratório de pesquisa de guerra? AMOR Esse é um verbete muito importante na vida (ver VIDA) do homem, não é? O Amor é a fonte de inspiração das nossas vidas; sem o Amor a vida do homem seria uma vida no Inferno. A mulher é a coisa mais nobre, a melhor que o Criador fez na Terra se Ele fez coisa melhor ficou com ela, não é? (Ver MULHER). Então o Amor é o homem

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com a mulher, a mulher com o homem; o Amor, sobretudo este. Há também o Amor pelas Artes e pela Ciência (ver CIÊNCIA). O Amor pela Ciência é muito importante, mas vem depois do Amor pela Mulher. Quando eu era jovem aprendi a namorar; no início eram os namoros à distância, o amor platônico. Primeiro houve uma moça que quando eu andava de bicicleta esta é a primeira vez que eu estou dizendo isto a via pelas grades da casa e uma vez ela me deu uma flor, uma rosa toda cheirosa. Mas depois este Amor acabou, porque ela me proibiu de ir ao cinema com os amigos e eu fui. Mas o meu grande amor teve início quando eu estava ainda terminando o curso secundário, em 1934. Eu notei, numa parada de bonde, uma bela menina do Colégio São José do Recife (ver RECIFE), acompanhada de uma senhora. Achei-a tão bonita que logo o meu coração acelerou e eu, felizmente, descobri que ela era aparentada de amigos meus. Eu ia então a casa destes amigos, ficava do lado de fora, e quando ela vinha visitá-los, acompanhada da tia, podíamos trocar aqueles olhares. Era um amor platônico e só mais tarde tive a coragem de como se dizia no Recife “encostar”; quer dizer, chegar perto dela e falar... isto foi no dia 8 de dezembro de 1934, dia da festa da Nossa Senhora da Conceição. No Morro do Arraial de Bom Jesus, que ficava perto de nossas casas, havia uma igrejinha com a Nossa Senhora da Conceição e havia uma procissão neste dia. Ela acompanhou a procissão com a tia e eu então tomei coragem e encostei junto dela e fiquei andando com ela, conversando o quê não me lembro mais. A partir deste dia passei a ir à casa dela e ficava no portão com os meus amigos que eram aparentados dela, conversando todos com ela. Finalmente, depois eu pude subir com ela para o terraço, mas sempre com o chaperon, a pessoa que toma conta das meninas

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para que não haja excessos, figura que não existe mais hoje. Então eu fiquei com ela e esse foi o meu grande amor.

Ela esperou doze anos, de 34 a 46, para casar comigo. Em 34 terminei o colégio secundário, em 35 me preparei para a Escola de Engenharia, em 36 fiz o exame de vestibular para Química Industrial e em 39 ficamos noivos para que ela soubesse que eu ia ser fiel, pois havia ganhado uma bolsa para ir para o Rio de Janeiro (ver RIO). No Rio estudei na Faculdade Nacional de Filosofia e voltei uma vez ou duas para vê-la, de navio, mas nem sempre isto era possível. Fui para São Paulo e depois para Princeton, num avião de dois motores no tempo da guerra, em 1943. Ela foi com toda a minha família ao aeroporto e trocamos algumas palavras e dei-lhe uns beijos, coisa que há muito tempo não fazia. Chamei-a para Princeton, mas não havia dinheiro nem da parte dela nem da minha para nos casarmos; seria uma loucura, pois minha bolsa não daria para isto. Bom, voltei e casei-me em 1946. Foi meu grande Amor, acho que era a mulher mais bonita do mundo, mas só fiquei casado com ela 10 anos. Neste período levei-a a Princeton, para que ela conhecesse a cidade onde eu estudei e depois tivemos dois filhos. Em 1955, fomos a Genebra, com meu filho mais velho, à primeira Conferência para o Uso Pacífico da Energia Atômica, da qual fui secretário, e na volta ela começou a sentir-se mal, a emagrecer, a ter dores. Eu a levei a todos os médicos possíveis no Rio e finalmente ela morreu em fevereiro de 1956, de câncer no útero, o que só se descobriu quando ela teve metástase e amanheceu um dia paralisada do lado direito e foi uma tristeza, um drama para mim. Enfim, isso foi o amor grande, o amor trágico e ela me deixou só no mundo entregue às outras mulheres desde então o que faço é procurá-la nas mulheres que eu tenho

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tido. No fundo é isto, sem que seja uma diminuição das outras, que são todas tão gostosas, tão amáveis, tão amorosas e sem elas eu não poderia viver. ARISTÓTELES

Aristóteles foi um dos maiores filósofos da Grécia Antiga (ver FILOSOFIA). O grande Bertrand Russell, filósofo inglês, já disse no seu livro History of Western Philosophy que uma das coisas mais misteriosas na História (ver HISTÖRIA) foi o aparecimento destes filósofos na Grécia naquela época. E Aristóteles foi um deles. Ele veio depois de Tales, cujo mérito foi ter introduzido a noção de substância primordial para a matéria, e de Heráclito, que afirmava que as coisas se realizam pela síntese de contrários. Na Física contemporânea sabe-se que um fóton morre e cria-se um par elétron-pósitron e este par morre e nascem fótons, e isto é o Heráclito velho. Depois vieram Platão, que dizia que o que era verdadeiro era o mundo das idéias, e Aristóteles. Embora este não tenha dado nenhuma contribuição à Física Moderna, foi importante porque durante dois mil anos a sua Física e a sua Cosmogonia formaram o esquema válido para o Universo.

Aristóteles descrevia as coisas como as pessoas vêem. Para ele todas as coisas em movimento acabariam parando e as coisas ocupariam um lugar dado no espaço (ver ESPAÇO). Não haveria o vácuo (ver VÁCUO) e era necessário que houvesse o ar para, de alguma maneira, manter o movimento dos corpos. O fogo sobe porque é mais leve, os corpos caem porque são mais pesados. Era uma física ingênua que deu origem à sua Cosmologia, na qual o Universo (ver UNIVERSO) seria limitado e a Terra seria o centro de todos os movimentos. Debaixo da Terra

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haveria o inferno. A Lua, o Sol e os planetas conhecidos na época girariam todos em torno da Terra e, finalmente, haveria uma série de esferas concêntricas à Terra e a última delas seria a das estrelas fixas. Além desta esfera haveria Deus. O movimento abaixo da Lua seria explicado como você mostra um pedaço de carne a um cachorro e ele pula e pega esta carne aliás, como dizia Poincaré, ao fazer isto, o cachorro demonstra uma noção precisa de espaço. Só acima da Lua o movimento dos corpos celestes obedeceria a uma lei criada por um Deus. Essa coisa foi negada bem mais tarde por Galileu (ver GALILEU) que fez a primeira grande síntese da Física Moderna. Esse era o Mundo de Aristóteles, que foi ligado à concepção de Ptolomeu que comandou o pensamento por quase dois mil anos, e aí reside a autoridade de Aristóteles. Você vê, portanto, como as coisas evoluíam lentamente. Foi preciso depois a crítica da escola dos nominalistas, com de Benedetti, e culminou com a crítica de Galileu, que começou a dizer que se você quer estudar a Natureza deve ir a ela, fazer experiências e observações, e que descobriu a lei da queda dos corpos e disse que o espaço era aberto, infinito (ver INFINITO). Não podemos esquecer que Aristóteles deu contribuições à Lógica. A Filosofia de Aristóteles é, portanto, muito importante. Eu, quando estava em Estrasburgo (ver ESTRASBURGO), fui convidado para um Congresso que houve na UNESCO em homenagem a Aristóteles, que deu origem a uma publicação importante chamada Penser avec Aristote, organizada por Sinaceur, um filósofo marroquino. Nesta ocasião falei sobre os elementos fundamentais da imagem física do Mundo, lamentando que homens como Dirac e Feynman não tivessem sido convidados para apresentar o estado atual da nossa concepção física do Mundo à qual Aristóteles não

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deu uma contribuição direta, mas ele pensou sobre o Universo, fez a sua Física e por isto teve também o seu lugar na História da Ciência, embora as suas idéias não tenham sido felizes e tenham sido rebatidas por Galileu. ARTE

Arte para mim, para início de conversa, é o fato de que eu comecei a pintar em 1953. Antes disso, quando estive na Universidade de Princeton, como estudante de Wolfgang Pauli (ver PAULI), eu admirava a arquitetura gótica que Princeton havia imitado de Cambridge e de Oxford. Mas é uma cidadezinha que é uma beleza e a Universidade é uma coisa que deixou uma impressão profunda em mim. E lá, naturalmente, comprei muitos livros (ver LIVRO) sobre arte e sobre música (ver MÜSICA) e ia sempre a Nova Iorque ver cinema de arte e ensaio, como eles chamavam, e museus. O Metropolitan Museum, o Museu Guggenheim e o MOMA (Museu de Arte Moderna) e Galerias, como o Frick Collection etc. Em cada ocasião, além de admirar as obras eu comprava toneladas de cartões com reproduções das obras, que serviam para que eu olhasse, reproduzidos em escala pequena, os quadros dos grandes pintores. Depois obviamente eu voltei para o Brasil (ver BRASIL) e comecei a fazer fotografias das reproduções com filmes coloridos, que haviam sido inventados naquela época, em torno dos anos 40. Estas fotos impressionaram muito um amigo meu em Santa Tereza.

Quando voltei de Princeton, em 1946, eu morava em uma pensão, chamada Pensão Internacional, em Santa Tereza, que eram as ruínas do Hotel Internacional, onde se havia hospedado a grande bailarina Isadora Duncan, pelo

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que me disseram. Eu me casei em julho de 46 e voltei para o Rio (ver RIO), para um quarto de apartamento em Copacabana. Havia um matemático português, Antônio Aniceto Monteiro, que morava nesta pensão, que achou que eu deveria ir para lá e eu fui com a minha mulher. O lugar era muito aprazível; um lugar alto e fazia uma diferença de dois três graus com relação ao resto da cidade, o que era muito importante no verão. Lá habitava o famoso casal Arpád Szenes e Maria Helena Vieira da Silva. A Vieira da Silva tornou-se depois uma das maiores pintoras na França. Eles vieram para cá refugiados da guerra. Havia também o pintor Carlos Scliar, que acabava de regressar da Europa, onde tinha participado da guerra como integrante da Força Expedicionária Brasileira. Havia um crítico de Arte chamado Rubem Navarra, que depois foi para a França e parece que enlouqueceu e morreu prematuramente. Uma aluna de Arpád, uma americana, fez um retrato a óleo de minha mulher Carmita, que é uma beleza e até hoje está na casa de meu filho mais velho, José Sérgio. Havia também um casal amigo, Adolpho e Ana Soares, que eram ceramistas, e que nos visitavam muito na Pensão Internacional. Aliás, nos fins de semana, iam à pensão poetas e escritores como Manuel Bandeira, Murilo Mendes e sua mulher, Maria da Saudade Cortesão, a famosa Cecília Meirelles e seu esposo Heitor Grillo, o poeta Ascenso Ferreira (ver POESIA). Iam todos visitar Maria Helena e Arpád Szenes. Eu morava num quarto em cima do deles e descia para ouvir música de quarteto, as músicas de Debussy, de Bach (ver BACH) e era uma delícia! Influenciado por essas coisas todas, pelo convívio com esses pintores e artistas, fui me interessando, cada vez mais, pelas Artes.

Foi então, em 1953, que meu amigo Adolfo Soares vendo minhas fotografias me disse que eu deveria pintar.

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Mas como é que eu vou pintar? Eu sou físico e meu tempo é consumido na pesquisa científica. Assim, Soares comprou pincéis, tintas e uma tela e eu então comecei a pintar sozinho. Ainda guardo a minha primeira tela, onde usei todas as cores e ficou uma coisa horrível e aí, com a tinta preta, eu comecei a cortar e a selecionar a tela e resultou uma coisa que eu acho que não é má.

Desde 53 venho pintando e acho que fiz quadros muito bonitos. Num certo momento da minha vida eu saía de lotação e ficava impressionado com a cor das folhas das amendoeiras no inverno carioca e, nesta época, isto me impressionava enormemente e me inspirava. Desde aquela época até hoje eu não parei de pintar. A grande gravadora, pintora e pensadora Fayga Ostrower esteve recentemente lá em casa vendo meus quadros e me disse que eu deveria tomar cursos, mas eu não quero saber de cursos, eu pinto sozinho. A minha pintura sai de dentro de mim. Às vezes pinto uma árvore no Jardim Botânico ou uma foto tirada do porto da baía de Salvador, mas a maior parte das vezes é o que sai de dentro de mim, é a minha vida. E o que é importante é que eu não paro; faço Física (ver FÍSICA), faço pesquisa e, para descansar, eu pinto, e ao pintar eu crio novos problemas, problemas diferentes da Física, que eu resolvo, consciente ou inconscientemente. E quando o quadro sai muito bonito isto me dá uma enorme alegria, quase como a que eu encontro na Física (ver PRAZER). Eu posso comparar a alegria espiritual diante de um quadro que você concluiu e que lhe agrada muito com a alegria da descoberta científica. Isso encanta a gente, dá uma alegria que penetra o corpo além do espírito. É quase que uma coisa como o amor das mulheres, a criação científica e agora a criação artística são coisas muito importantes para mim.

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Naturalmente, quando eu me exilei na França, os grandes museus eram aventuras fabulosas que contribuíram para o meu aperfeiçoamento artístico. Isso é o que eu posso dizer sobre Arte.

ATOMISMO

Atomismo é uma doutrina inventada pelos gregos, sobretudo por Leucipo e Demócrito, entre a metade do século V a.C. e o final do século IV a.C. Esses homens disseram que as coisas, as substâncias, tudo que existia no Universo (ver UNIVERSO) seria constituído de átomos, de pequenas partículas minúsculas, indivisíveis, em movimento incessante e, para isto, eles admitiam o vácuo (ver VÁCUO), onde se daria este movimento dos átomos.

O Atomismo foi muito importante, foi a grande contribuição da Grécia Antiga à Ciência Moderna. A noção de átomo foi ressuscitada no século XVIII, na Química (ver QUÍMICA), sobretudo pelo químico inglês John Dalton, que formulou leis sobre as reações químicas, dando um status científico ao átomo.

Newton (ver NEWTON) dizia que todas as coisas criadas por Deus (ver DEUS) deveriam ser feitas de átomos, que estariam em movimento e seriam indivisíveis, pois seria impossível quebrar o que Deus havia feito uno, indivisível, idéia que os físicos modernos não seguiram e quebraram o átomo.

Atomismo é então o fio de Ariadne, que conduziu as pesquisas científicas na Física até agora e talvez conduza a um impasse.

Naturalmente, a noção de átomo desenvolveu-se e viu-se que o átomo não era impenetrável, não era indivisível e sim um sistema complexo. Esta história tem origem a

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partir da descoberta do elétron por J.J. Thomson. Ele próprio formulou um modelo atômico no qual haveria uma carga elétrica positiva, uniformemente distribuída em uma região de 10-8 cm, no interior da qual estariam distribuídos os elétrons. Esta concepção levou Ernest Rutherford a investigar experimentalmente a estrutura atômica da matéria. Para isto utilizou as partículas alfa emitidas por fontes radioativas e com elas bombardeou finas folhas metálicas, de ouro, por exemplo. Ele verificou assim que as partículas alfa são desviadas pelos átomos do alvo e se os átomos fossem constituídos como queria Thomson, as partículas alfa teriam todas desvios muito pequenos. Entretanto, Rutherford verificou que um número pequeno, mas não desprezível, de partículas alfa sofria uma deflexão enorme ou voltava quase para trás. Isto não seria possível no átomo com a distribuição homogênea de cargas positivas de Thomson. Só uma carga positiva concentrada num ponto daria lugar a uma repulsão em uma colisão frontal de modo que este desvio fosse bastante forte. Nasce, assim, o modelo atômico nuclear de Rutherford. Depois veio o modelo atômico de Bohr, que dependia dos trabalhos de Lorentz e Einstein.

Einstein introduziu o atomismo na luz. Esta beleza que é a luz é constituída não de ondas, como queriam os físicos do século passado, mas de partículas, os quanta de luz (ver QUANTUM), energias concentradas que têm uma velocidade igual à da luz, não param nunca. Depois veio a Mecânica Quântica, veio a Física Nuclear, veio a Física das Partículas e, nesta evolução, muitos físicos importantes tiveram preconceitos. Quase todo físico importante tem preconceitos, porque uma vez que ele faça uma descoberta ele se deixa penetrar pelas idéias de sua descoberta, o que muitas vezes impede a extensão dessa descoberta a outros campos e a novas idéias. Por exemplo, havia nos anos 20,

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até meados dos anos 30, um preconceito quanto a novas partículas. Para esses físicos as partículas seriam o elétron (ver ELÉTRON), o próton (núcleo do átomo de hidrogênio) e os fótons (os quanta de luz). Na verdade, esses físicos rejeitaram de imediato o conceito de fóton, introduzido por Einstein em 1905; foi só em 1923, com a descoberta do Efeito Compton, que passaram a aceitar os quanta de luz. Essas seriam as partículas em substituição aos átomos.

Quando Pauli introduziu a noção de neutrino para explicar a emissão beta dos núcleos radioativos isso era necessário porque a energia do elétron emitido era contínua desde um valor mínimo até um máximo disponível ele não publicou esta idéia. Ele falou desta invenção numa carta aos físicos reunidos em uma conferência na cidade de Tübingen, na Alemanha, afirmando que no momento da desintegração de um nêutron em um próton cria-se um elétron e uma partícula neutra que acompanha o elétron e a energia é distribuída entre os dois. Pauli primeiro chamou esta nova partícula de nêutron, mas quando o nêutron foi descoberto por Chadwick então Fermi, em um seminário em Roma disse: la particella di Pauli è piuttosto un neutrino e non un neutrone. Depois Pauli esteve em Pasadena e declarou mais tarde, em Roma, que ele não permitiu que se imprimisse lá a sua idéia sobre o neutrino. Foi Fermi quem aproveitou a idéia e fez a grande teoria do decaimento beta que serviu de base para a teoria da interação fraca, que hoje é adotada.

Em 1935, o físico japonês Yukawa propôs uma teoria na qual haveria um novo campo, diferente do eletromagnético, cujos quanta teriam massa, diversamente dos fótons. Os quanta de Yukawa teriam uma massa aproximadamente 200 vezes maior do que a do elétron e, no início, eram chamados de mésotrons, depois de mésons. Niels Bohr criticou Yukawa, perguntando-lhe porque ele

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tinha feito uma teoria inventando uma nova partícula. Isto porque havia preconceito contra novas partículas. Quando se descobriu, na radiação cósmica, que havia partículas com essa massa, os físicos passaram a trabalhar loucamente sobre a teoria dos mésons de Yukawa, depois da Guerra. Em 1947, foram descobertos os píons por Cesar Lattes, Cecil Powell e Giuseppe Occhialini, as partículas de Yukawa. Os que haviam sido descobertos antes na radiação cósmica eram os múons. A partir daí desenvolveu-se, ou melhor, começou a Física das Partículas. A Física das Partículas começou em 1947 com os trabalhos de Lattes, Occhialini e Powell.

Depois vieram os quarks, inventados por Murray Gell’Mann para descrever os hádrons (ver QUARK). Hoje temos seis quarks e seis léptons (partículas semelhantes ao elétron e ao múon). Há muito mistério (ver MISTÉRIO) nestas últimas partículas. O atomismo conduziu a estas 12 partículas e não se sabe mais se existem outras partículas ou não, incluindo aquelas já preditas pela Supersimetria. Estamos, então, em um impasse, quer dizer, a simplicidade e a unidade do ideal atomista parecem não existir. Há essa variedade de partículas, que é fugidia. À medida que você chega à unidade, ela se multiplica em outras partículas e não sabemos ainda resolver estes mistérios. A unificação parece que existe para os campos, para as interações. Eu próprio contribuí para a unificação eletrofraca de Glashow-Weinberg-Salam (ver Z), mas ainda estamos meio parados nesse terreno.

Eis a que conduziu o atomismo de Leucipo e Demócrito: a uma Física sempre em progresso, com fronteiras fugidias, o que é uma beleza! Esses mistérios mostram que a Ciência não acabou, como alguns filósofos e historiadores erroneamente afirmam. Enquanto o Homem

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existir, enquanto existir este Universo enorme, misterioso, não acabou coisa nenhuma.

AUTORITARISMO Autoritarismo é um tema que pertence à Política (ver POLÍTICA), às Ciências Políticas. Ao longo da História sempre houve regimes autoritários: ditadores, imperadores, monarcas que exerciam poder concentrado (ver PODER). Houve Nero, César, o grande Caesar, Alexandre Magno, que foi aluno de Aristóteles, foi o grande Imperador Grego que invadiu os povos do Oriente, e outros tantos. Depois houve o autoritarismo recente, na Alemanha de Bismarck, que invadiu a França, em 1870, e tantas outras guerras. Sempre houve os símbolos autoritários que se digladiavam. Bismarck tomou a Alsácia e a Lorena e o rei Napoleão III foi até preso pelos alemães quando inspecionava as fronteiras. Depois então houve a Guerra de 1914-1918, sobretudo entre a França e a Alemanha, que foi uma guerra terrível, com uma matança terrível dos dois lados, principalmente na Batalha de Verdun. O Tratado de Versailles foi um tratado que punia muito a Alemanha e daí originou o aparecimento de um homem como Adolf Hitler, que foi o homem que enganou o povo alemão e dele obteve todo o apoio. Eleito pelo parlamento, eu acho, ele foi o Führer, uma espécie de primeiro ministro, e depois eternizou-se no poder como grande ditador. Foi o homem que reconstruiu o exército, aparelhou a Alemanha para a guerra e derrotou a França, a Áustria, a Polônia e só não conseguiu atravessar o canal para bater a Inglaterra. E quando invadiu a Rússia aí veio o desastre. Foi a Rússia que resistiu e derrubou Hitler, que se suicidou durante o cerco final de Berlim. É o exemplo clássico, para quem

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viveu esta época, de autoritarismo moderno; Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha. Este autoritarismo deu origem a uma fuga de cérebros da Europa para os Estados Unidos, como Albert Einstein (ver EINSTEIN) e escritores como Thomas Mann, e daí resultou um fortalecimento enorme das universidades americanas (ver UNIVERSIDADE), que já estavam muito bem estruturadas, apoiadas por grandes industriais americanos e também pelo poder executivo americano. Esses cérebros contribuíram muito para o êxito da Ciência (ver CIÊNCIA) nos Estados Unidos.

A América Latina atraiu alguns nomes de destaque. O México recebeu, sobretudo da Espanha de Franco, os escritores e intelectuais espanhóis que fundaram editoras novas como o Fundo de Cultura Econômica, que publicou livros importantes. No Brasil houve uma pequena recepção de valores como Gleb Wataghin, o pai da Física Moderna no Brasil, Luigi Fantapié, o homem da teoria dos funcionais analíticos, houve a contribuição da escola francesa que, em São Paulo, contribuiu para o desenvolvimento das Ciências Humanas, da Sociologia à Filosofia. Vieram homens como Fernand Braudel, Claude Lévy-Strauss, como Roger Bastide. Houve o grande poeta Giuseppe Ungaretti (ver POESIA) que esteve em São Paulo. No Rio de Janeiro, vieram para a Faculdade Nacional de Filosofia, René Poirier, que era um filósofo das Ciências muito interessante, com quem tive a oportunidade de conviver, um psicólogo chamado Ombredane, e um homem de letras chamado Fortunat Strovsky, dentre outros. Esses foram frutos recebidos pelo Novo Mundo a partir do autoritarismo de Hitler e de Mussolini na Europa.

Agora, em geral, você compreende, é sempre assim, o problema do regime ditatorial versus o regime democrático. Na Europa e nos Estados Unidos a

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democracia floresceu e aqui na América Latina a democracia floresce em condições menos confortadoras. No Brasil, tivemos a ditadura de Vargas, em 1937, que coincide com a ascensão do nazismo e do fascismo na Europa, do estalinismo na União Soviética, em combate sempre uns com os outros.

Aqui no Brasil houve a fundação do partido comunista nos anos 20, cujo líder tornou-se depois Luís Carlos Prestes, que foi um homem de grande prestígio tendo participado das revoluções de 1922 e 1924, quando havia os tenentes que se insurgiam contra a Velha República (ver BRASIL), que era uma coisa horrível. Um período de oligarquias, da política café com leite. Arthur Bernardes governou praticamente em estado de sítio. Então houve estes levantes provocados por figuras militares que queriam acabar com isso.

Em 1922 houve também a Semana de Arte Moderna, com o aparecimento de homens como Manuel Bandeira, Villa-Lobos (ver VILLA-LOBOS), Mário de Andrade e outros que se somaram a este clima geral de descontentamento. Tudo isso foi crescendo e, em 1930, a eleição foi ganha por Júlio Prestes de São Paulo e os gaúchos, tendo a frente Vargas, foram contra esta eleição que era, evidentemente, não muito correta, e fizeram um movimento revolucionário. Vargas assumiu a presidência da república e ficou no cargo provisoriamente até 1934. Em 1932, houve a revolução de São Paulo para derrubar Getúlio Vargas e que, no fundo, visava a reimplantar a política do poder paulista no Brasil; eles perderam. Getúlio, em 1934, foi eleito pelo parlamento, por quatro anos. Em 38 deveria haver eleição, mas, em 35, houve um movimento armado comunista, quando Prestes foi preso. Houve uma falta de conhecimento da situação brasileira por parte dos líderes comunistas e essa revolução de 35 gerou uma

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polarização interna da qual resultou que Getúlio Vargas anulou as eleições e se transformou em ditador, proclamando o que se chamou regime do Estado Novo, com a nova constituição e ele ficou no poder até 1945.

Houve nesse período coisas inadimissíveis: torturas, prisões, como as do grande escritor Graciliano Ramos, preso e torturado, que escreveu um clássico da literatura chamado Memórias do Cárcere. Mas houve realizações do governo Vargas importantes, que deu as bases do Brasil Moderno (ver VARGAS).

Quando Getúlio assumiu em 1950, havia uma oposição da liberal-democracia terrível contra ele, conduzida por um homem chamado Carlos Lacerda, que fez com que Getúlio dissesse que só sairia morto do palácio e, de fato, o suicídio de Vargas fez adiar de 10 anos um golpe de estado.

Em 64 houve um golpe de estado que instaurou um regime autoritário no Brasil, a famosa ditadura militar que durou até 85. Eu, inclusive, fui vítima deste golpe. Perdi a cátedra e fui exilado. Eu pensava no exílio que o regime autoritário no Brasil permaneceria até o fim do século, mas houve a deterioração da situação econômica e passou-se, finalmente, a um regime pseudo-democrático.

BACH Johann Sebastian Bach. Podemos considerá-lo como o grande mestre da música ocidental, da música barroca. Figura extraordinária. Compositor prolífico. Grandes cantatas. Missas solenes. Os concertos para cravo e orquestra. Ah! Extraordinário! A Paixão segundo São Mateus, a Paixão Segundo São João. Ah, quanta coisa de Bach... Praticamente impossível você ouvir toda a música

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de Bach em sua existência. Ele foi uma fonte de inspiração para o nosso Heitor Villa-Lobos (ver VILLA-LOBOS), grande compositor brasileiro. O maior compositor das Américas, do pólo sul ao pólo norte, como dizia nosso amigo Roquette-Pinto. Villa-Lobos inspirou-se em Bach e construiu esta singularidade na música brasileira que se chama as Bachianas Brasileiras. A Bachiana número 1 para oito violoncelos tocada inclusive por Mestislav Rostropovitch, um grande celista. A bachiana número 4 também é uma beleza.

Sua obra máxima, A Paixão Segundo São Mateus, foi redescoberta por Felix Mendelssohn-Bartholdy, nome que os alemães gostam de dizer completo. Eu acho que uma das maiores contribuições de Mendelssohn-Bartholdy foi a descoberta dos manuscritos de Bach.

BELEZA Acho que a beleza é o critério que deve orientar a nossa vida. Devemos sempre procurar os nossos gestos, as nossas ações, as nossas iniciativas e o nosso trabalho em coisas belas. Você quando trabalha deve estar gostando muito do que está fazendo, pois deve ser uma tortura você trabalhar no que não gosta. E o gosto aí é expresso pela beleza do trabalho que você faz. Em Ciência, então, beleza é claramente fundamental. É o que o grande físico teórico Paul Andrien Maurice Dirac dizia: você deve ser sempre guiado pela beleza, pela estética, pela simplicidade das idéias, antes até do que sua possibilidade de verificação experimental. Foi essa a crítica que ele fez a Erwin Schrödinger, que havia estabelecido primeiramente sua Mecânica Ondulatória sob a forma relativística, que é atualmente conhecida como equação de Klein-Gordon.

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Schrödinger abandonou esta equação pois dela não obteve o espectro do átomo de hidrogênio dado experimentalmente. Ele fez depois uma aproximação não-relativística e só então conseguiu o acordo com a experiência. O ponto é que a equação relativística que ele estava descobrindo era para uma partícula de spin zero, enquanto que o elétron tem spin ½. Dirac dizia que se Schrödinger tivesse acreditado na beleza da sua equação relativística o mérito teria sido dele e não de Oskar Klein e Walter Gordon. Há também o próprio trabalho de Dirac, que chegou a uma equação belíssima para descrever o elétron, que é um dos grandes acontecimentos da Física Teórica, que abre novos horizontes e novas possibilidades de trabalhos, e, sempre que você encontra um resultado novo bonito, fica encantado. Eu tive esse sentimento em alguns trabalhos que fiz ao tentar generalizar a ligação entre as forças eletromagnéticas e as forças fracas e quando eu li um trabalho de Feynman, em 1958, no qual ele propunha que a interação fraca tinha a forma geométrica dada por uma forma vetorial menos uma forma axial. Fiquei imediatamente possuído pela idéia de que como o fóton é uma partícula vetorial então o bóson intermediário (ver Z) seria vetorial também; ambos sendo vetoriais, isso indicava que entre eles havia uma relação íntima. Propus então isso no trabalho e fiz a constante de interação do campo bosônico com a corrente fraca igual à constante da carga elétrica, que é a constante de interação entre o campo eletromagnético e as correntes eletromagnéticas. Essa igualdade, no fundo, já expressa a idéia de unificação entre essas duas interações, acoplada ao fato de que os dois quanta, o fóton e o bóson vetorial, tinham o mesmo spin (são partículas vetoriais). Isso só foi reconhecido mais tarde

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e depois saiu como conseqüência do trabalho de Salam, Weinberg e Glashow e o próprio Steve Weinberg cita o meu trabalho na sua conferência Nobel.

Nessa época eu tinha um sentimento de que essas partículas deviam pertencer à mesma família, e só não escrevi no trabalho que eram parte de um multipleto, pois ao fazer g=e em uma certa fórmula eu calculei a massa do bóson vetorial como sendo da ordem de 40 a 60 GeV. Esse seria um valor muito grande para o parceiro de multipleto do fóton que tem massa nula (se é que a gente pode falar em massa nula do fóton, pois o fóton tem sempre a velocidade da luz e nunca está em repouso). Assim, achei que com esta enorme diferença de massa dificilmente os dois bósons formariam um multipleto e eu me recolhi com medo que o editor recusasse meu trabalho, mas foi uma época em que eu senti uma grande beleza nessa idéia.

Outra satisfação foi quando calculei a seção de choque de processos fracos por intermédio do méson . Embora o píon não decaia em elétron e neutrino, ele pode decair muito bem em múon e neutrino. Logo, se o múon aparece numa interação com o , como o píon tem interação forte com o próton ele poderia ser o intermediário na captura dos múons negativos por próton. Fiz os cálculos. Antes se conheciam apenas avaliações feitas por outros físicos, mas não se conhecia precisamente a função de onda nuclear e não se conhecia o vértice próton-píon. Utilizei em meus cálculos alguns resultados de um trabalho de Chew e Low, que propunham um modelo para o próton extenso que dava bons resultados para as colisões píon-nucleon de baixas energias; em particular, utilizando o valor da constante que eles tinham encontrado, eu pude fazer os cálculos da captura do múons por próton através do píon e isso deu lugar a uma coisa nova que é a interação fraca pseudo-escalar induzida. Essa interação foi descoberta em

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meus cálculos e deve ser considerada em adição às interações vetoriais e axiais de Feynman e Gell’Mann. Então esse trabalho também foi muito importante, e foi retomado logo em seguida pelo físico norte-americano Lincoln Wolfenstein. Bem mais tarde ele publicou um trabalho em homenagem a mim, por ocasião dos meus 70 anos, intitulado “A Interação Pseudo-Escalar Fraca” (in Leite Lopes Festchrift, Fleury, N., Joffily, S., Martins-Simões, J.A., Troper, A. (Eds.), Singapore, World Scientific, 1988), dizendo que eu fiz os cálculos para descobrir essa interação. Quando eu estive com ele em Pittsburgh ele disse: "I practically stole your paper" eu praticamente roubei seu trabalho. É claro que ele não roubou; ele apenas deu mais ênfase às conclusões a que eu havia chegado, e desenvolveu depois outras coisas.

Então essa noção de beleza está enraizada na Física, na Ciência (ver CIÊNCIA). Há pesquisas que são encomendadas, as pesquisas tecnológicas, de ciências aplicadas. É um industrial que quer um novo processo tecnológico, enquanto as grandes descobertas, os grandes avanços, provêm sem encomenda nenhuma; é o cientista fazendo-se perguntas sobre os processos da natureza que ele estuda, que ele investiga, e quando ele encontra uma resposta a uma dessas perguntas e quando essa resposta funciona, e é verdadeira, ele é tomado de êxtase; se você quiser é uma beleza comparada à beleza de um quadro ou ao prazer de ouvir uma música de Bach (ver BACH). Conheço o caso da física e da pintura (ver PINTURA) pois comecei a pintar há 45 anos, em 1953, fiz algumas coisas bonitas, pelo menos é o que eu acho e o que meus amigos dizem, e quando eu faço um quadro bonito eu sinto aquela beleza que me invade o espírito e o corpo.

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BRASIL Brasil, essa terra estranha à qual eu pertenço, e que é uma terra gostosa, pelo menos deveria ser, não é? Você olha no mapa, um mapa feito pelos cartógrafos do norte, e a ênfase é dada sempre ao hemisfério norte, à Europa, aos EUA, com aquela boca da Flórida querendo abocanhar aquele presunto que está embaixo, que é a América do Sul. O Brasil é a parte principal desse continente descoberto, dizem, há 500 anos; descoberto uma chupeta! Existiam povos antes no Brasil, como no México os Aztecas, como existiam os Incas nos Andes, e centenas de povos anteriores, como os Mexicas, os Maias... Enquanto havia essa civilização pré-colombiana no Hemisfério Norte, no México, na Guatemala, na América Central, nos Andes, onde havia os Incas, precedidos pelos Xibas e outros, na ilha de Marajó, no Amazonas, floresceu a civilização Marajoara, os Guaranis descendo até a Argentina, e havia os índios todos nessa nossa Terra.

É claro que o espírito de expansão européia lá pelo séc. XVI fez com que os navegantes da Escola de Sagres que se aventuraram ao mar, Vasco da Gama, Magalhães e outros, descobrissem novas rotas marítimas e terminassem por achar, por se defrontar com terras desconhecidas das Américas, entre elas o Brasil. O Brasil desde essa época até hoje evoluiu, teve a sua história, história difícil, não é? À época colonial, os Portugueses adotaram uma colonização repressiva; nos anos 1700 houve um padre franciscano chamado Francisco Faria, que montou uma tipografia para imprimir publicações e a coroa portuguesa proibiu a impressão de qualquer coisa no Brasil. Imagine você viver em um país em que não se podia publicar nada, como não se podia fabricar nada também, nem palitos de fósforo, e a Inglaterra que dominava Portugal. Nós éramos, portanto,

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colônia da Inglaterra; éramos terceirizados pela Inglaterra, país que estava começando a indústria têxtil e exportava parte de sua produção para América do Sul. Segundo o grande historiador inglês Hobsbawn, a América do Sul tinha um mercado para os tecidos ingleses e foi ela que salvou essa indústria.

Os portugueses, evidentemente, não vieram para construir uma nação, como nenhum outro colonizador, ingleses e outros, não vieram para construir nações; vieram para buscar novas riquezas, pimentas, especiarias, buscar coisas exóticas que não havia na Europa. Ao passo que nos EUA a coisa foi diferente. Embora o Brasil tenha a mesma idade que os EUA, há uma diferença extraordinária e que eu procurei saber um pouco, não sei se sei, mas procurei ler um pouco sobre as causas desta marcante diferença. Houve a guerra das religiões no século XVI, a reforma de Lutero e Calvino, houve a guerra das religiões na Europa Central e isso produziu uma certa emigração de gente que saía das perseguições, que fugia das guerras para os EUA, com a idéia de se fixar lá e construir qualquer coisa e o governo dos EUA deu aos emigrantes que iam para o Oeste terrenos ao passo que aqui nunca se deu terreno a ninguém; pelo contrário, tira-se a cabeça de quem procura terra no Brasil. Houve, portanto, essa diferença histórica muito grande. Nos anos 1780-86, houve a Guerra de Independência dos americanos, que ganharam a guerra. Os EUA produziram homens de alto calibre como Benjamim Franklin, que era um grande estadista, diplomata e físico também, que investigou a eletricidade atmosférica. Produziu homens como Thomas Jefferson, que disse que queria que escrevessem em seu túmulo não que ele tinha sido presidente dos EUA, mas sim que ele tinha fundado a Universidade de Virgínia. Isso tudo contrasta com nossos estadistas que nunca fundaram universidade alguma.

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No Brasil, na mesma época, por volta dos anos 1768, influenciados pelos filósofos do século das luzes, pelos filósofos que contribuíram para a Revolução Francesa, houve a Inconfidência Mineira. Houve aquele poeta Tomás Gonzaga e Tiradentes foi executado, sacrificado, morto. Então não tivemos capacidade de ganhar a guerra da independência como os americanos ganharam da Inglaterra, e a produção dos homens notáveis nos EUA fez com que estes seguissem uma trajetória histórica diferente da nossa. Outro aspecto importante é que os EUA se industrializaram rapidamente, fizeram as estradas de ferro, coisa que no Brasil foi abandonada; a famosa Great Western, que era uma companhia de estrada de ferro lá no meu Pernambuco, foi abandonada.

Os filósofos europeus na época, como Erasmo de Roterdã, viajavam muito; iam a Veneza, a Roma, iam pedir a benção ao Papa, e ele era alimentado pela idéia de que a Igreja tinha que voltar às suas origens puras, pois a Igreja tinha se deixado levar pela riqueza material, daí a corrupção, daí a reforma de Lutero e os trabalhos de Erasmo de Roterdã Portugal optou por entregar a educação (ver EDUCAÇÃO) aos Jesuítas, aos Curas, ao passo que a Inglaterra e a França nos anos de 1600 foram levadas a fundar academias (ver ACADEMIA) que deram origem no século XVII à ciência, à ciência experimental. Ao passo que no Brasil, que estava abafado por Portugal, a educação tinha um encaminhamento medíocre, até a vinda de Dom João VI, em 1808. O Brasil começa a contar para valer a partir desta data e, portanto, temos menos de 200 anos de existência. Como é que se pode querer contar a existência do Brasil em séculos em que era proibido fazer impressão de qualquer coisa? Quando Dom João VI fugiu de Portugal, graças ao nosso libertador que foi Napoleão Bonaparte que invadiu Portugal, e protegido pela esquadra britânica

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aportou no Rio de Janeiro com a sua corte, constatou que não podia viver com as condições que eles próprios haviam estabelecido no Brasil. Foi então que se começou a publicar, abriram-se os Portos, fundou-se o Museu Nacional, o Jardim Botânico Real, a Academia Real Militar, que depois deu lugar à Escola Politécnica e à Faculdade de Medicina. O Brasil foi tomando corpo como um país, como um império. Depois de Dom João VI veio Dom Pedro I, que, em 1822, proclamou a famosa independência do Brasil e depois foi chamado a Portugal para ser o Dom Pedro IV, o rei, e deixou o futuro Dom Pedro II, ainda menor de idade.

Dom Pedro II era um homem interessante, inteligente, culto, que mantinha relações com figuras cultas como Wagner, Bell, o inventor do telefone, e mandou Joaquim Gomes de Souza, o matemático do Maranhão, para estudar na Europa, onde ele apresentou memórias na Academia de Ciências de Paris (ver ACADEMIA). Então houve uma certa intelectualização com Dom Pedro II, mas depois, em 1889, houve a proclamação da república influenciada pelos positivistas. Eles influenciaram na política, mas no domínio da educação e da cultura foram um desastre, tendo sido contra a universidade.

Enfim com a república de 1889 até 1930, a velha república, era o domínio das oligarquias, eram os estados que mandavam, com suas bandeiras, seus hinos, o Brasil não era uma nação federalizada. A partir de outubro de 1930, Getúlio Vargas (ver VARGAS) acabou com aquela política execrável do café com leite, o presidente ou era de São Paulo ou de Minas Gerais. Passando por cima dos detalhes, dos pormenores, Vargas foi o fundador do Brasil moderno. Ele lançou as bases do Brasil industrial: Petrobrás, Eletrobrás, BNDE, criou a assessoria econômica. Então é esse o Brasil que estamos herdando agora. Já passamos pela ditadura do Estado Novo, a

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ditadura militar de 1964 a 1985, estamos entrando agora no que se chama período democrático com as famosas MP, medidas provisórias, são verdadeiros decretos-leis. Por outro lado, o Congresso tem deputados e senadores que se deixam corromper por vantagens oferecidas pelo Governo como rádios, concessões, dinheiro, e votam tudo que o presidente pede. Vivemos, portanto, uma pseudo-democracia; então temos que lutar, não é?

A nova geração está recebendo de nós uma herança difícil, para que o Brasil prossiga em uma marcha à qual tem direito. Esse presidente atual, Dr. Fernando Henrique Cardoso, gostaria de transformar a trajetória do Brasil na trajetória dos EUA, mas as trajetórias históricas são diferentes, as condições iniciais são diferentes; os grandes industriais americanos apoiaram no início do século a educação básica, a universidade, a ciência, construíram museus... Quais os industriais que fizeram isso no Brasil? Não fizeram coisa nenhuma, pelo contrário, querem ganhar dinheiro, querem é não pagar imposto de renda. Que país pode se desenvolver com toda essa omissão desses homens de poder? Impossível! Que país pode se desenvolver sem Ciência?

Muitos colegas da minha geração, a primeira geração da Física brasileira que foi fundada por Gleb Wataghin, Mario Schenberg e Marcelo Damy, foram para o exterior aprender Física (ver FÍSICA), que é o que nos foi dado. Outros aprenderam outras coisas: aprenderam a ser mecânicos, engenheiros, médicos, biólogos. Lattes, Tiomno e eu fomos fazer Física e sempre pensamos que devíamos voltar para o Brasil, para construir a Ciência no Brasil e posso afirmar que nós ganhamos. Fizemos trabalhos importantes, a Física brasileira começou muito bem, mas tudo isso está sendo ameaçado de ser destruído por esse governo neo-liberal, que vende a preço de banana podre o

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nosso patrimônio, Volta Redonda, a Vale do Rio Doce, e se omite no apoio à Universidade; um governo constituído de ex-professores universitários que não apoiam a Universidade nem a pesquisa científica. Esse é o Brasil e confesso que nunca pensei chegar às vésperas dos 80 anos e encontrar esse Brasil de tão difícil trajetória. CAUSALIDADE A nossa noção de causalidade está ligada à física clássica. Você tem um acontecimento (acontecimento A) e ele produz um outro acontecimento ligado a ele (acontecimento B) que é o efeito do acontecimento A; dizemos que o acontecimento A é a causa e o B, o efeito. Na mecânica de Newton quando você integra a equação de movimento, que é uma equação de segunda ordem, você precisa das condições iniciais para determinar uma trajetória. Dadas as condições, iniciais a trajetória é bem definida e o ponto material segue uma trajetória bem determinada, e nessa trajetória você sabe que um estado do móvel é conseqüência de um estado anterior. E vice-versa, isso também vale para o passado.

Agora, quando você estuda Relatividade (ver RELATIVIDADE), você exige que as leis da Física sejam invariantes com relação ao grupo de Poincaré. Você tem o cone de luz que divide o espaço-tempo em regiões: duas no interior do cone de luz, que dão a partir da origem o cone do futuro e no sentido contrário o cone do passado, mais duas outras partes fora do cone de luz. Você pode tomar um acontecimento qualquer como a origem O do cone de luz que vai se seguir. Qualquer outro acontecimento A que estiver dentro do cone futuro a partir da origem O pode ser o efeito do acontecimento da origem.

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O fato de estar no cone do futuro é invariante para qualquer sistema de referência que se deduza do primeiro por um movimento retilíneo e uniforme. Então, o princípio de causalidade deve ser relativisticamente invariante. Ao contrário, não há nenhuma relação de causa efeito entre o acontecimento A e um outro que esteja fora do cone de luz. Por exemplo, um acontecimento que acontece ao mesmo tempo em que eu estou falando não pode ser conseqüência do que eu estou dizendo. Isto porque é preciso uma certa velocidade de propagação entre o que acontece aqui comigo, e o acontecimento que vai se dar depois. Se a distância entre dois eventos é tal que seria necessária uma velocidade de propagação da informação superior à da luz, então um acontecimento não pode ser considerado como efeito do outro. Esta é a noção clássica de causalidade.

Na Mecânica Quântica, entretanto, o princípio de causalidade é ferido mortalmente por uma razão muito simples; é que na Mecânica Quântica existe a causalidade para a amplitude de probabilidade, para a função de Schrödinger, que obedece à equação de onda de Schrödinger, que é uma equação de primeira ordem no tempo. Mas é o módulo quadrado dessa amplitude de probabilidade que dá a probabilidade. Então, na Mecânica Quântica, se você tem um acontecimento aqui você tem a probabilidade para que outros acontecimentos aconteçam. Na realidade, você tem uma diversidade de futuros que seriam conseqüências do acontecimento A, cada um deles com uma certa probabilidade. Você vê, portanto, que não há esse determinismo da física clássica no que se refere ao princípio da causalidade. A Mecânica Quântica apaga um pouco o princípio de causalidade, pois fala apenas de probabilidades para que um dos acontecimentos possíveis a partir do acontecimento A aconteça.

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CBPF Quando voltei de Princeton, em 1946, onde fiz o doutorado com Wolfgang Pauli (ver PAULI), assumi a cátedra de Física Teórica na Faculdade Nacional de Filosofia. Eu queria que lá se fizesse física moderna: física de partículas, física nuclear, eletrodinâmica quântica, que era o exemplo marcante da teoria dos campos na época. Para isso comecei a dar aula de manhã à noite. Além das aulas de física teórica e de física superior, a que era obrigado, realizava cursos extraordinários para formar gente o mais cedo possível para ter com quem discutir possíveis pesquisas. Mas o ambiente na Universidade do Brasil, que se tornou mais tarde a Universidade Federal do Rio de Janeiro, era o pior possível (ver UNIVERSIDADE). Havia poucas exceções como o Costa Ribeiro, que era um grande professor de Física, que tinha feito trabalhos de pesquisa com Bernhard Gross, e a quem são devidas as primeiras pesquisas de Estado Sólido no Brasil; mas para a física teórica, física nuclear e teoria dos campos, só havia eu no Rio de Janeiro.

Em São Paulo havia um grupo grande em torno de Mario Schenberg, o grande mestre de São Paulo. Eu queria estabelecer um grupo no Rio de Janeiro que pudesse discutir e colaborar com o grupo de São Paulo, onde estavam Wataghin, Schenberg, Marcelo Damy, na física nuclear experimental etc. Mas o Reitor, o Sr. Pedro Calmon Muniz de Bittencourt, amigo do regime salazarista, não sabia que havia a bomba atômica e nem que a pesquisa científica era importante. Ele só ajudava mesmo o Professor Carlos Chagas, que era uma grande figura, fundador do Instituto de Biofísica, que se tornou um grande

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centro de pesquisa de reputação internacional. Para nós outros, físicos humildes e modestos, não vinha nenhuma ajuda da reitoria e da universidade. Por exemplo, quando era aluno da faculdade de filosofia, pelo fato de ter um diploma de Químico Industrial, fui convidado pelo Prof. Luigi Sobrero, professor da Universidade de Roma, ao me examinar do primeiro para o segundo ano, para ser seu assistente e nunca fui nomeado. Então era esse o problema no Rio: o que fazer para estimular a física moderna no Rio de Janeiro? Eu lutava pelo regime de tempo integral, que garantiria aos professores salários que lhes permitissem viver dos trabalhos de ensino e de pesquisa na Universidade, mas o DASP o Departamento Administrativo do Serviço Público, o precursor do tal Ministério da Reforma Administrativa , proibia o tempo integral. Eu lutava muito por isso, publicava, esperneava, até que a fundação Rockfeller, que era uma fundação benemérita no mundo inteiro, propôs entrar no regime de tempo integral escolhendo três professores: Carlos Chagas, eu e um terceiro que eu acho que era o Lagden Cavalcanti, professor de genética. Então, a Fundação Rockfeller daria o complemento de tempo integral no primeiro ano, depois iria decrescendo por 25% até que a universidade assumisse sozinha o tempo integral. A universidade recebia o dinheiro suplementar da fundação e guardava o dinheiro, não repassava nada aos professores. Desmoralizou-se o acordo até que a Fundação cancelou-o.

Quando o Lattes fez a grande descoberta com Powell e Occhialini dos mésons , eu mantinha correspondência com ele e lhe disse que era bom ele vir para o Rio de Janeiro, pois em São Paulo já havia um time formado, e já tínhamos discutido em São Paulo o que fazer no Rio de Janeiro para estimular a pesquisa em Física. Aproveitando a fama de Lattes com a descoberta do ,

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propus à Faculdade Nacional de Filosofia, especificamente ao Costa Ribeiro e ao Plínio Sussekind Rocha, meus colegas, que se criasse uma cadeira nova, uma cátedra de Física Nuclear e que ela fosse oferecida ao Lattes. Isso foi feito. A Congregação aprovou, o Conselho aprovou, o presidente Dutra mandou ao Congresso, que aprovou a mensagem e criou a cátedra de Física Nuclear e o Lattes foi convidado.

De Bristol, Lattes foi para Berkeley, onde produziu e detectou o méson em aceleradores, e antes de sua volta ao Brasil ele mandou um amigo, Nelson Lins de Barros, que trabalhava no consulado de Los Angeles, para ver como era a situação no Rio. Naquela oportunidade disse ao Nelson que a situação era profundamente difícil, porque o reitor não dava a ajuda que precisávamos ter para o Instituto de Física. Então Nelson levou-me ao irmão dele, o Ministro João Alberto Lins de Barros, que era um político de grande prestígio e que tinha tomado parte no movimento do tenentismo em 1922 e 1924, tinha sido membro da coluna Prestes e era amigo do Getúlio Vargas. Era também um homem que tinha grande recurso e prestígio na política nacional e eu contei ao João Alberto o clima e as dificuldades da universidade, e ele disse que não podíamos deixar de estimular a Física Nuclear no Brasil. Se o Calmon não ajudasse na universidade faríamos uma instituição fora da universidade. Aí nasceu a idéia do instituto, do CBPF. O Lattes estava em Berkeley e o seu prestígio internacional e nacional dava toda a segurança para que esse instituto saísse. Ele voltou para o Brasil e em 15 de janeiro de 1949 houve uma reunião, uma assembléia, constituída de João Alberto, Álvaro Alberto, figuras de renome, professores de física etc. Fundou-se o CBPF: o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. O Lattes de Berkeley me mandou uma procuração e eu assinei a ata de fundação por mim mesmo

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e pelo Lattes e assim saiu o CBPF. Inicialmente a sede do Centro foi em escritórios no centro da cidade. O dinheiro vinha do João Alberto, vinha do Mario de Almeida, um banqueiro que deu dinheiro para a construção de um pavilhão, que é o pavilhão Mario de Almeida, que fica nos fundos do campus da universidade na Praia Vermelha.

O Calmon, apesar dos seus defeitos, assinou um acordo pelo qual dava mandato universitário ao CBPF; isto significava que nós podíamos fazer cursos, e os primeiros cursos de pós-graduação foram dados por nós, especialmente por mim, no CBPF.

Desde sua criação, as atividades no CBPF eram muitas. Feynman (ver FEYNMAN), que tinha passado aqui rapidamente em 1949, voltou em 51/52, e passou o ano sabático todo no CBPF e fizemos um trabalho juntos. O Lattes voltou à colaboração com a Bolívia para expor sistemas eletrônicos para detecção de partículas na radiação cósmica em Chacaltaya, a 5 mil metros de altitude. A UNESCO mandou uma missão de pesquisadores: Occhialini, Camerini, Molière, físico alemão, e técnicos como Helmut Schwartz, técnicos em alto vácuo e o Gerard Hepp, especialista em eletrônica. A UNESCO deu também bônus para que se comprassem livros e assim fizemos uma biblioteca rapidamente, que se tornou uma das melhores da América do Sul (ver LIVRO). Os laboratórios começaram a se expandir. Lattes e Camerini construíram os aparelhos eletrônicos, e faziam viagens de aventura de caminhão e de trem até chegar a Chacaltaya, onde eles expunham as placas de emulsões nucleares e os sistemas eletrônicos ao bombardeio das partículas das radiações cósmicas. Eu convidei Tiomno, que tinha feito doutorado em Princeton e que era um físico que tinha feito belos trabalhos com Wheeler e com Eugene Wigner. Ele estava em São Paulo, para onde havia sido convidado, mas ele era carioca,

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gostava daqui e eu insisti para que ele viesse para o Rio. Convidei também o Guido Beck, que já tinha estado no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia; ele veio de novo e gostou tanto do clima de entusiasmo do Centro que decidiu aceitar nossa oferta para que ficasse. Então o grupo teórico era dirigido por uma trinca que era Guido Beck, Jayme Tiomno e eu mesmo. A partir daí acho que formamos mais gente do que a universidade de São Paulo durante o mesmo período. Devo citar um grupo de físicos enviados por meu querido mestre Luiz Freire, de Pernambuco: Fernando de Souza Barros, Samuel Mc Dowell, que está hoje como professor da faculdade de Yale, Ricardo Palmeira e Luiz Carlos Gomes, além de um número grande de físicos, inclusive Moysés Nussenzveig, que Beck descobriu em São Paulo, e veio para cá fazer tese sob orientação de Beck no CBPF. O CBPF tornou-se rapidamente um grande centro de pesquisas e muito famoso, para onde vieram físicos argentinos, Daniel Amati, Alberto Sirlin, que haviam se formado em Buenos Aires, e vieram e foram alunos de Feynman e de Molière, e vieram estudantes até dos EUA, como Davidson, e outros do Panamá, Peru, Bolívia, e de outros países; tornou-se um centro verdadeiramente, o grande centro da América Latina.

Em meu artigo sobre Richard Feynman no Brasil eu reproduzo algumas cartas trocadas entre o Feynman e eu mesmo, nas quais ele menciona que sente um carinho grande pela instituição Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que começou muito bem. Infelizmente, a despeito disto, até hoje o CBPF vem atravessando crises após a época heróica. De fato, passamos por crises com sangue, suor e lágrimas, mas conseguimos resistir até agora e espero que esse novo governo de professores universitários no poder nos mantenha em plena condição de desenvolver nossas atividades de pesquisa e de ciência.

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CETICISMO O ceticismo é importante na Ciência. Um cientista começa seus trabalhos sendo céptico, porque ele faz perguntas, cria problemas. Descartes dizia que é preciso duvidar e chegou à conclusão: “penso, logo existo”, mas ele achava que tinha que duvidar. Nós duvidamos sempre de explicações até que uma certa explicação de um certo fenômeno se revele uma descrição coerente dos acontecimentos ligados a este fenômeno e, assim, se tenha um modelo científico. Então o cientista é no início céptico, ele põe em dúvida, não aceita de imediato uma explicação, a não ser que depois encontre razões o suficiente para aceitar o que lhe é proposto. CHAGALL Marc Chagall, o grande pintor russo, fantástico, que depois emigrou para Paris e fez os belos trabalhos que nós todos conhecemos e admiramos. É um dos pintores que eu mais admiro; um homem que tira de dentro de si a inspiração para os quadros que ele pinta. Depois da revolução comunista sob a direção de Lenin, trabalhou lá como comissário, mas depois saiu. Passou por vários lugares da Europa e fixou-se em Paris. Não posso descrever o que ele pintou; é preciso ver! Eu estive na ópera de Paris, a famosa Opera, e a abóbada do teto é pintada por Marc Chagall, a convite de André Malraux; uma beleza não é! Eu estive também em vários museus em Paris: no Louvre, em Orsay e, entre os pintores expostos, Marc Chagall, é um dos que mais me influenciaram, que

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mais me deixaram marcas profundas. Acho-o extraordinário, de uma beleza indescritível! CIÊNCIA A Ciência, o que é a Ciência? A ciência em ação, a ciência sempre na fronteira... Ora, a Ciência não é senão as nossas tentativas de buscar respostas às perguntas que nos fazemos sobre o universo em que vivemos, sobre a estrutura das coisas que nos envolvem e sobre nós mesmos. Ciência é feita via pesquisa científica, a investigação científica. Na pesquisa científica o homem de ciência é como uma pessoa que está na sala escura à procura de um objeto; ele não sabe onde está o objeto nem como ele é, e só quando ele o encontra é que aquilo se torna uma coisa conhecida, um objeto que ele estuda e conhece.

Minha experiência pessoal teve início em 1940, quando decidi dedicar-me à pesquisa científica. Comecei a trabalhar em pesquisa sob a direção de Wolfgang Pauli (ver PAULI), que foi meu grande mestre, e a partir daí, em 46, fiz meu doutorado com ele, em 44/45, em Princeton. Em 46, fui nomeado professor de Física Teórica e Física Superior na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, como se chamava naquela época a UFRJ, e desde então nunca parei de fazer pesquisa científica.

Há a Ciência que você conhece e transmite a seus alunos. Como em 46 não havia ambiente científico, quanto menos nas áreas de física moderna, nuclear, de partículas e de física teórica no Rio de Janeiro, eu dava aula de manhã e de noite para estudantes para que eles se tornassem capazes de discutir comigo. Ensinava a eles o que é fundamental, desde Galileu (ver GALILEU),

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passando por Newton (ver NEWTON) e Maxwell (ver MAXWELL), Lorentz, Einstein (ver EINSTEIN), Rutherford, Bohr, a Mecânica Quântica, a Teoria Quântica dos Campos. Com esses fundamentos e com a parte matemática necessária você começa a investigar, a fazer perguntas e foi o que eu fiz. Na época, havia os problemas das forças nucleares, das forças entre prótons e nêutrons, nêutrons e nêutrons, e prótons e prótons que são responsáveis por nós estarmos aqui, pela estrutura do núcleo atômico. Estudei essa parte que era desconhecida e ainda hoje é tema de investigação. Então publiquei trabalhos... e o que é publicar trabalhos? É apenas divulgar uma solução de um problema que você se pôs e para o qual encontrou essa solução que achou satisfatória, achou bonita, ficou contente com ela. Neste caso, você manda o artigo para uma revista para que outros leiam, compartilhem com você a alegria desse resultado. Quem faz uma investigação científica e faz uma descoberta científica sofre uma grande alegria, talvez similar ao pintor quando ele consegue pintar um quadro cuja beleza o encanta. Isso é parte da Ciência. Uma vez encontrado esse resultado você o cataloga e ele passa a ser parte da ciência morta, a ciência na estante, a ciência dos livros, essa que você comunica por já ter sido feita. Mas o professor que não faz pesquisa, que é o caso típico nas universidades (ver UNIVERSIDADE) privadas no Brasil, é aquele que só transmite o que está catalogado nos livros empoeirados, ao passo que a verdadeira transmissão de conhecimento que se esperaria encontrar na verdadeira universidade é aquela feita por professores que realizam pesquisas. Mesmo quando se trata de transmitir conhecimentos antigos como os de Galileu, Newton e Maxwell, quem faz pesquisa os transmite de uma maneira vivaz e o estudante sente, pois, aspectos sutis desses

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conhecimentos, que só o pesquisador percebe quando ele próprio faz pesquisa.

A pesquisa científica é a ciência em ação, em plena atividade, uma fronteira que nunca pára e você não sabe na hora qual é o resultado que você vai encontrar. Fiz trabalhos importantes em 1958 que hoje são triviais porque alguém os encontrou, mas na época não eram.

O futuro da Ciência será sempre um futuro risonho, eu acho. Porque há quem diga que a Ciência acabou, que a História acabou (ver HISTÓRIA). Isso é uma besteira; como se fôssemos Deus (ver DEUS) e conhecêssemos a estrutura de todo o universo. Ora, nós estamos mergulhados em um universo misterioso, os cosmólogos e os físicos de partículas não sabem ainda direito a sua estrutura, o que é a matéria cinzenta. Há sempre coisas novas, há sempre perguntas a se fazer. O futuro da Ciência é um futuro brilhante, é um futuro de muitos séculos, desde que a humanidade não seja destruída pela ação do próprio homem, que é o grande predador da natureza. CNPq

CNPq quer dizer originariamente Conselho Nacional de Pesquisas. Os conselhos nacionais de pesquisas foram criados por volta da primeira guerra mundial nos EUA (National Research Council), na Itália (Consiglio Nazionale di Ricerca) e são organizações importantes porque foram idealizadas para financiar a pesquisa científica, conceder bolsas de estudo, de maneira que se assegurasse o futuro da ciência do país em questão e para isso você precisa estimular os estudantes que têm vocação para ciência, os quais, uma vez estimulados, devem seguir seus cursos de graduação, de pós-graduação, de aperfeiçoamento, em

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geral, no exterior. Muitos americanos foram para a Europa, para Göttingen, para Munique, para Cambridge, como foi o caso de Oppenheimer, de Rabi e outros, porque nos EUA, em meados desse século, era pequeno o número de cientistas, você os contaria nos dedos das mãos. No Brasil isso foi uma aspiração também: a existência de um Conselho de Pesquisas que pudesse ser uma agência financiadora de projetos científicos, de pesquisadores, de bolsas para jovens. Eu fui um daqueles que receberam bolsas de governos e de fundações estrangeiros, da fundação Guggenheim, assim como Mario Schenberg. Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas no Brasil, por uma comissão organizada pelo Almirante Álvaro Alberto, que tinha prestígio junto ao presidente Dutra e ao presidente Getúlio Vargas (ver VARGAS). A estrutura do Conselho Nacional de Pesquisas foi aprovada em 1951. Como estava nos EUA, na época recebi uma carta do Álvaro Alberto dizendo que, como eu estava fora não poderia pertencer à comissão, mas que ele gostaria que eu a ela pertencesse se aqui estivesse.

O Conselho de Pesquisas foi muito importante porque ele começou a completar o regime de tempo integral para os pesquisadores que ganhavam muito pouco, como ocorre nesse governo atual (1998), que é um desastre tanto para a universidade quanto para a pesquisa científica. Voltando ao CNPq daquela época, ele dava complemento salarial de modo que os pesquisadores da universidade e dos institutos de pesquisa, como o Instituto Oswaldo Cruz, pudessem ter um salário que lhes permitisse viver pensando só em pesquisa, vivendo só no laboratório, porque o pesquisador é diferente do funcionário que acaba o expediente, vai embora para casa e vai se distrair; o pesquisador não tem hora para pensar nem para trabalhar, porque ele está, em geral, sempre mergulhado nas suas

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idéias; a sua cabeça lhe pertence e a sua cabeça está povoada de idéias que são bonitas, são lindas. Isso exige que ele se dedique só a essas coisas. Depois, quando houve a época da grande inflação, 1956-60, o Conselho começou a dar bolsas em número muito pequeno, atravessou uma crise e foi aí que tive uma ação importante, porque eu escrevia artigos em jornais e em revistas, sobre a necessidade de apoio à pesquisa, sobre estruturas novas. Eu fui muito militante pela Ciência no Brasil. Escrevi na revista chamada Tempo Brasileiro um artigo sobre treinamento científico para engenheiros (reproduzido em meu livro Ciência e Desenvolvimento) e um jovem economista, José Pelúcio Ferreira, leu esse artigo indo para Brasília, e veio depois me procurar para saber como se devia fazer. Ele era ligado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) me levou a este banco, cujo diretor era o economista Jaime Magrassi de Sá, e nós três descobrimos que esse banco dava dinheiro e empréstimos a industriais e havia uma cláusula que dizia que uma certa porcentagem deste empréstimo devia ser aplicada em tecnologia, em aperfeiçoamento tecnológico, mas, em geral, eles não faziam e comiam o dinheiro. Dessa conversa surgiu a idéia da criação do que se chamou de Funtec, que é o Fundo de Tecnologia e Ciência.

O Funtec foi muito importante, e se transformou depois na FINEP, que é a Agência Financiadora de Estudos e Projetos, e marcou a entrada do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, no apoio à pesquisa científica e à pesquisa tecnológica. Essas organizações a FINEP em particular atuavam paralelamente ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e, com o passar do tempo, isso tudo foi refundido. Eu também fui favorável à criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, em função do que

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aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial, na qual a Ciência teve um papel tão importante. O projeto da bomba atômica tornou-se realidade graças a vários físicos teóricos tais como: Oppenheimer, Hans Bethe, Richard Feynman, John von Neuman, Eugene Wigner, dentre outros, que, no fundo, eram pesquisadores abstratos, mas que foram capazes de concluir um projeto de natureza prática, como você sabe, uma prática trágica como a bomba atômica (ver HIROSHIMA). Porém, isso demonstrou aos governos em particular, ao norte-americano que projetos científicos abstratos podiam dar lugar a importantes desenvolvimentos tecnológicos. Foram criados o Ministério da Ciência na França, na Inglaterra e no Brasil (não nos EUA pois não precisa destas coisas, já que é um país de história singular). No Governo João Goulart, o Conselho Nacional de Pesquisas era subordinado diretamente ao Presidente da República e havia muitos outros órgãos submetidos ao presidente. Várias pessoas achavam isso um excesso de centralização e o próprio governo naquela época queria fazer uma reforma, a fim de aliviar a carga à qual o presidente estava sendo submetido, e queria anexar o Conselho Nacional de Pesquisas ao Ministério da Educação. Foi aí que eu achei que o Ministério da Educação já tinha uma tarefa gigantesca, que era a de dar educação ao povo brasileiro, coisa que não se conseguia historicamente. Eu propus, então, que se criasse o Ministério da Ciência e Tecnologia e nessa propaganda eu fui acompanhado de pesquisadores como Haity Moussatché, Hermann Lent, Walter Oswaldo Cruz, Antonio Couceiro, Arthur Moses, mas sua criação só viria depois do regime militar, que apoiou a pesquisa mas sem criar o Ministério da Ciência e Tecnologia, que foi criado no governo de Tancredo Neves & José Sarney. São órgãos integrantes desse Ministério: o Conselho Nacional de

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Pesquisa (que passou a chamar-se Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a FINEP.

Todos esses órgãos são, em princípio, importantes, mas tudo isso depende de um projeto político do governo; o governo que quiser apóia a Ciência e o que não quiser não apóia. Paradoxalmente, em 1998, temos uma situação muito adversa ao desenvolvimento científico com um Governo cujo Presidente da República é ex-professor universitário e talvez até pesquisador em Sociologia; o Ministro da Educação é ex-professor universitário e ex-reitor de uma Universidade Pública; o Ministro da Ciência e Tecnologia foi professor da Universidade de Minas Gerais e fez pesquisas; pois bem, paradoxalmente, repito, é este governo constituído de ex-professores e ex-pesquisadores que está curvando, está diminuindo, está bloqueando o progresso da Ciência no país e o financiamento da Ciência, está atacando a Universidade Pública como se a Universidade Privada não fosse outra coisa se não uma empresa visando a lucros , e fugindo do dever histórico (como na França) que é o financiamento federal público da pesquisa científica e da educação, em todos o níveis. Note bem que o atual presidente dos EUA, Presidente Clinton, anunciou, em discurso recente sobre o estado da união, um aumento histórico de 10% para a Fundação Nacional de Ciência, que é o maior aumento que já teve essa fundação na qual se concentra o financiamento federal público para a pesquisa. Portanto, os EUA, que constituem um exemplo sagrado para nossos estadistas, contrariam a vontade de nossos estadistas, que atualmente estão tentando sufocar a Ciência, o que é um absurdo!

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DEUS Deus é um mistério, é um ato de fé, aliás.... Eu tive

uma educação católica; meu pai me pôs para estudar no Colégio Marista, que é um colégio católico dos irmãos maristas (franceses), muito bom. Tive então uma educação católica, segui os preceitos da confissão e da comunhão e achava, como acho ainda hoje, o ritual da missa muito bonito. Depois, à medida que a gente vai avançando na vida, a gente vai encontrando coisas, e a fé vai se atenuando. Por exemplo, é muito duro você acreditar em um Deus construído à nossa imagem, que desce ao nosso nível, se preocupa com as nossas necessidades. Nós o evocamos quando dele sentimos necessidade, quando vemos pessoas que morrem de câncer (como minha querida primeira esposa), outras que são submetidas ao amor e à fúria de Deus. É difícil você aceitar isso e, então, você passa, como Spinoza e Einstein (ver EINSTEIN), a buscar um Deus na harmonia das leis da Física (ver FÍSICA), porque a subestrutura harmoniosa do Universo (ver UNIVERSO), que o estudo da Física nos revela, é carregada de um mistério (ver MISTÉRIO) muito bonito e para estes dois pensadores este mistério, esta beleza (ver BELEZA), esta harmonia do mundo seriam, talvez, identificados com Deus. Einstein, aliás, tinha o hábito de perguntar “será que Deus teria escrito esta equação?”, mas era, na verdade, uma metáfora que ele usava.

Eu não posso discutir com uma pessoa sobre Deus (respeito muito quem acredita firmemente, e as que não acreditam também) pois, no fundo, é um ato de fé. Acontece que a Ciência também não explica tudo, não é? Há mistérios na Física que eu faço, que nós fazemos; as três famílias fundamentais de léptons, as três famílias de quarks (ver QUARKS), os oito glúons os campos de

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calibre das interações fortes os fótons, enfim, tudo isso é misterioso! Uma pergunta que você pode fazer (que Einstein também se fazia) é: “será que Deus ao criar o universo teve uma escolha? Será que haveria outras possibilidades de estruturar o universo?” Toda a Cosmologia, que atualmente se unifica um pouco com a Física das Partículas Elementares, nos leva a refletir sobre essas profundas questões a respeito do Universo. Alguns físicos chegaram a afirmar, no final do século passado, que com as sínteses de Newton (ver NEWTON) e de Maxwell (ver MAXWELL) não havia mais mistério na Física. Entretanto, foi exatamente nesta época que se descobria o mundo do átomo (ver ÁTOMO), dos quanta (ver QUANTUM), da relatividade (ver RELATIVIDADE).

Atualmente, há físicos que escrevem sobre a “teoria final”, decretam que a Ciência acabou (ver CIÊNCIA). Será possível que nós, que somos uma titica de mosca, em um planetinha em torno do sol, julguemos que conhecemos todo o Universo? Uma “chupeta”! O que é a matéria cinzenta (ou escura) que hoje povoa a maioria do Universo e não se sabe nem de que é formada (por isso é escura)? Sabe-se pelo efeito gravitacional, pelo movimento de corpos visíveis que não poderiam ser explicados a não ser postulando-se a presença de matéria oculta. Então, no Universo, na Física, na Ciência, os mistérios existem... muitos... e nós achamos que esses mistérios serão resolvidos um dia. Eu não sei; temos que continuar!

Mas o que é difícil é trazer Deus ao nosso plano e fazer com que ele participe das nossas fúrias, das nossas alegrias; evocá-lo quando dele precisamos (que é o que faz o povo, pedindo a proteção a Ele e, às vezes, obtendo essa proteção). Já no início da civilização, os homens, que tinham medo das tempestades, do trovão, do relâmpago, dos elementos naturais, atribuíam isso tudo a seres

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superiores, a deuses... Quem sabe? Deus é um mistério, como na Ciência há muito mistério: porque o Universo foi construído assim? Porque essas leis da natureza são assim? São leis bonitas que explicamos, descrevemos como fizeram físicos famosos: Einstein, o grande Isaac Newton, meu querido amigo Richard Feynman (ver FEYNMAN), Pauli (ve PAULI), e apesar de suas descobertas nunca conseguimos penetrar no mistério de Deus. Ainda não me provaram também que Ele existe; fica, então, como um ato de fé.

EDUCAÇÃO A educação é um dos problemas graves do Brasil

(ver BRASIL). Historicamente a sociedade brasileira fez o pecado mortal de abandonar a educação básica do povo, desde o tempo da colônia. O português veio para cá (evidentemente não descobriu o Brasil, mas invadiu as terras dos índios, dos habitantes que aqui estavam) e tomaram conta, como os espanhóis tomaram conta da América espanhola, e daí saiu a colonização. Diferentemente dos ingleses e dos habitantes da Europa central que foram para os EUA, os protestantes e os peregrinos, aqui os portugueses vinham para se apossar da terra, retirar as riquezas (ouro preto, verde, amarelo) enviando tudo para Portugal. Com essa riqueza reconstruíram Lisboa depois do grande terremoto; com esse ouro Portugal pagava a dívida que tinha com a Inglaterra. O português vinha para cá e voltava para casa, sem nunca se preocupar em construir uma nação. O que é fundamental é que abandonaram não somente os governos, os governadores (os mandatários das capitanias), imperadores, mas sobretudo abandonaram a

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educação da população, porque quanto menos você sabe menos a você se paga. Essa falta de educação básica é grave até hoje, afetando o Brasil de forma notável.

Houve uma época nos anos 50-60, em que as indústrias estrangeiras vinham para cá se instalar, pois encontravam mão de obra barata. Isso hoje acabou e o Brasil não está preparado para o século que já começou, que é o século da tecnologia. O País está precisando de gente bem educada, gente que tenha uma educação tecnológica, uma educação profissional. O Colégio Pedro II foi fundado em 1827 pelo Imperador, mas quantos colégios Pedro II foram fundados? Apenas um, no Rio de Janeiro, que era a capital, mas não houve um só Colégio Pedro II fundado nos outros estados, nas províncias, o que é um absurdo, como se a educação devesse ser restrita ao Distrito Federal, à capital da República. A Educação é básica, é fundamental. Sem Educação você tem uma população que não sai da pobreza, que não sabe nem distinguir água suja de água limpa, não sabe distinguir coisas para a sua própria vida, para constituir a sua família etc. Sem falar nos políticos que são mal-educados, são em geral corruptos, são ignorantes, não conhecem os problemas do país e fazem discursos demagógicos (ver POLÍTICA). Então vimos ao longo da história um país que se resumia a uns politiqueiros, a uns políticos de São Paulo e de Minas Gerais. Isso mudou com a Revolução de 1930, com Getúlio Vargas, que fundou o estado moderno. O Ministério da Educação foi criado depois de 30: o Ministério da Educação e Saúde, depois Ministério da Educação e Cultura, agora somente Ministério da Educação. Mas o Ministério da Educação não basta; é preciso que a sociedade aja, atue. Há escolas privadas e colégios privados no curso secundário que são um verdadeiro comércio, não é? A maioria das universidades privadas

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também visa ao lucro e há as universidades federais que, bem ou mal, cresceram ao longo desses anos. O governo atual, que é um governo no qual presidente e ministros (ciência, educação, cultura) são ex-professores de universidades públicas (aposentados cedo), infelizmente não atua junto à universidade para que ela se modifique, para que melhore. O ministro da educação disse em entrevista recente a um jornal “que o modelo atual está falido”, mas qual é o modelo novo que ele propõe?

Eu aprendi a lutar pela Universidade (ver UNIVERSIDADE); lutei pela Universidade de Brasília, fui o primeiro coordenador do seu Instituto de Física, contribuí para a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (ver CBPF), e acho que os cientistas atualmente têm que se preocupar com o problema da educação básica e não podem ficar em seus castelos de marfim. Eles devem dedicar algumas horas por mês, ou por semestre, e entrar em contato ou fazer com que colégios secundários ou professores os convidem para dar palestras sobre os últimos avanços da ciência, como eu fiz. Isso é uma obrigação das universidades, principalmente da universidade pública, que a cada ano, durante alguns meses, devem abrir as portas e oferecer cursos de reciclagem para os professores de segundo grau, pois os professores da educação básica são muito mais importantes do que nós cientistas, porque eles fazem a cabeça dos meninos, e esses meninos que tiverem educação básica serão os cidadãos de amanhã, os médicos, os engenheiros, os advogados, os militares, os operários; esse pessoal deve ter uma educação básica aprimorada, o que não acontece atualmente. Há uma deterioração progressiva, desde o regime autoritário (ver AUTORITARISMO), uma decadência enorme da educação.

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O grande educador brasileiro foi Anísio Teixeira, que fez reformas no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em todos os níveis. Ele foi destituído da universidade pelo governo autoritário do Sr. Gustavo Capanema, que era o ministro da educação, ajudado pelo escritor Alceu Amoroso Lima, líder católico e um grande intelectual, mas que teve esse grande defeito: tachava de comunista a equipe de Anísio Teixeira, que foi aluno de John Dewey, filósofo americano, e formou-se na Universidade de Columbia. Se a reforma que Anísio Teixeira estava fazendo no Rio continuasse no Brasil inteiro, o Brasil seria certamente diferente hoje. Esse, a meu ver, é o problema número um do país: a Educação.

Evidentemente, existe a questão da economia, mas qual economista, que desde os anos 40 quando o economista ficou importante como assessor dos poderes da república, apontou a educação como fundamental para o desenvolvimento? Eles falam em transferência de tecnologia, que, na verdade, é transferência de fábrica da Volkswagen para cá... transferência de tecnologia uma “chupeta”! Porque o operário torce o parafuso aqui como torcia lá e os desenhos, projetos e planos são inventados lá fora. O que é verdadeiramente importante é a educação básica, para que a população esteja apta a se desenvolver, a aprender mais, a ter uma educação superior e a criar tecnologia, ela própria. A educação deve ter como objetivo dar uma base fundamental para uma vida melhor da população e ser capaz de criar conhecimento novo para um mundo novo que está diante de nós.

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EINSTEIN Einstein, depois de Newton (ver NEWTON), é o

maior físico de todos os tempos. Grande figura, extraordinária. Eu o conheci pessoalmente, pois passei 2 anos em Princeton fazendo doutoramento, e com ele cruzava freqüentemente quando ia ao Institute for Advanced Study. Depois passei um outro ano no próprio Instituto, e lá estava Einstein fazendo seminários sobre uma extensão de sua Teoria da Relatividade Geral, comparecendo aos concertos musicais e ouvindo palestras e conferências de colegas, entre eles Bertrand Russell, um grande filósofo.

Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha, e não foi um estudante que se destacasse; pelo contrário, ele detestava o sistema educacional empregado, gostava de ler livros de divulgação científica e um dia deram-lhe um livro de geometria que ele chamava de “a sagrada geometria”, o qual lhe mostrou a beleza lógica da construção da geometria euclidiana (ver GEOMETRIA). Depois seus pais se mudaram da Alemanha e ele quis ingressar no Instituto Politécnico de Zurich, mas não conseguiu na primeira tentativa. Alguns colegas tornaram-se amigos como Marcel Grassman. Como Einstein se aborrecia assistindo aos cursos regulares, ele lia livros de divulgação científica, gostava da teoria de Maxwell, que tinha vindo à luz em meados do século XIX. Era Grassman quem, na véspera do exame, dizia a Einstein o que tinha acontecido e ele estudava para passar de ano e depois voltava às suas divagações. Encontrava-se com companheiros, como a sua mulher Mileva e Maurice Solovine, o tradutor famoso dos livros dele para o francês, para discutir vários assuntos. Esse grupo era chamado ironicamente de Academia Olímpica (ver ACADEMIA).

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A dificuldade de obter emprego depois de formado (situação parecida com a atual) fez seu pai escrever para Wilhelm Ostwald e para vários figurões da Ciência na Alemanha, até que um colega dele, que tinha um pai famoso, conseguiu um emprego para Einstein no escritório de patentes em Berna, capital da Suíça, e ali Einstein ganhava seu dinheirinho, examinava as patentes rapidamente e quando estava livre abria a gaveta e começava a ler escondido do diretor, que deve ter sido um homem extraordinário, Herr Haller, porque fingia que não via que ele fazia coisas fora do trabalho.

Em 1905, Einstein escreveu 3 trabalhos fantásticos, o ano de 1905 foi o seu ano maravilhoso, comparável aos anos de 1666-1667 que foram os anos maravilhosos de Isaac Newton. Einstein escreveu um trabalho que é praticamente a Teoria da Relatividade Restrita (ver RELATIVIDADE) e é uma beleza! Vocês devem ler o original para ver a força dos argumentos que ele empregava. Escreveu na mesma época um trabalho sobre argumentos heurísticos sobre a constituição da luz, no qual ele propunha, para explicar o efeito fotoelétrico, que a luz não era onda e sim constituída de quanta de luz (ver QUANTUM), energia concentrada em corpúsculos que se propagam com a velocidade da luz, e outro sobre o movimento browniano.

Na sua Teoria da Relatividade Restrita, ele criticava, por exemplo, a noção de simultaneidade. Antes desse trabalho dois acontecimentos simultâneos para um observador seriam simultâneos para todos os outros observadores, onde quer que eles estivessem, quaisquer que fossem os seus estados de movimento. Einstein mostrou que a noção de simultaneidade é relativa; dois acontecimentos são simultâneos para mim, mas se você passar aqui animado de movimento retilíneo e uniforme

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você verá um acontecer antes do outro. Há, portanto, uma quebra da simultaneidade por causa do movimento. Outra contribuição importante deste artigo de 1905 foi o estabelecimento de que é o grupo das transformações de Lorentz que deixa invariante a teoria eletromagnética de Maxwell. O que caracteriza esse grupo de Lorentz é que o tempo, que era absoluto para Newton qualquer que fosse o observador, quando você passa de um referencial para outro, se transforma. Então as coordenadas (x,y,z,t) se entrelaçam para dar as novas coordenadas (x’,y’,z’, t’t). Trata-se de uma transformação de espaço em tempo (ver TEMPO) e de tempo em espaço (ver ESPAÇO). É realmente uma beleza o trabalho de Einstein, pois introduziu profundas modificações nas noções de espaço, de tempo, de campo eletromagnético, de corrente junto com carga elétrica etc. Todas essas grandezas passam a constituir tensores no cálculo tensorial a quatro dimensões e isso foi visto muito bem depois por um físico professor dele na Politécnica, que era o Hermann Minkowski. É extraordinário o trabalho científico de Einstein!

Além disso, Einstein era um grande pensador, um homem que se interessava por todos os problemas que afetavam a vida do homem. Você poderia dizer dele o que Bertrand Russell disse em sua autobiografia, ou seja, que três coisas o animaram na vida: o amor (ver AMOR) das mulheres (ver MULHER), a compreensão da natureza e a compaixão pela humanidade. Einstein tinha compaixão pela humanidade e se interessava por todos os problemas que afetavam os cidadãos, mas voltemos a sua carreira científica.

Depois de 1905 foi contratado como professor no Instituto Politécnico de Zurich e posteriormente foi professor em Praga, que pertencia ao Império Austro-Húngaro. Finalmente, Max Planck o chamou para Berlim, que era a

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grande capital da Física na época, onde havia um time extraordinário de físicos. Um dos problemas que Einstein se punha era porque a Relatividade Restrita sempre privilegiava as observações de um físico que estivesse em um movimento retilíneo e uniforme em relação a outro. Ele queria saber o porquê do privilégio deste movimento retilíneo e uniforme e procurou estender o princípio da relatividade restrita, segundo o qual as leis da Física não mudam, são invariantes, quando se passa de um sistema inercial para outro sistema inercial, em movimento retilíneo e uniforme em relação ao primeiro. A partir daí ele fez uma descoberta extraordinária ao refletir sobre o que Galileu (ver GALILEU) tinha encontrado, que a massa da gravitação é igual à massa de inércia (ver MASSA). O fato da massa de inércia ser igual à massa de gravitação implica que as coisas no campo de gravidade uniforme e homogêneo caem todas com a mesma aceleração, levam todas o mesmo tempo para cair no vácuo. Uma bola de chumbo e uma pena de pavão levam o mesmo tempo para cair no chão. Isso porque quando você escreve mi=mgg, no primeiro membro temos a massa de inércia multiplicada pela aceleração e no segundo membro temos a massa de gravidade multiplicada pela aceleração da gravidade; como as duas massas são iguais elas desaparecem ficando igual a g e então todos os corpos, independendo de sua natureza e estrutura, têm a mesma aceleração da gravidade de um campo. O próprio Einstein disse que este foi o momento mais feliz de sua vida, porque ele havia compreendido que todos nós caindo num campo de gravitação uniforme somos incapazes de dizer se estamos em um campo de gravidade ou não. Veja, aquele tinteiro está em repouso em relação a mim, porque nós caímos todos com a gravidade. Se houvesse um objeto que caísse com aceleração diferente da gravidade, aí poderíamos dizer

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que estaríamos num campo gravitacional, pois esse objeto estaria caindo diferente dos outros. Ao mesmo tempo ele disse que se você estiver em um sistema de inércia no qual existe um campo de gravidade uniforme, então esse laboratório é indistingüível de um outro laboratório que, em vez de ter um campo de gravidade, esteja sendo uniformemente acelerado para cima com aceleração igual em valor absoluto ao valor da aceleração da gravidade. Não há diferença entre os dois: este é o princípio da equivalência. Daí ele começou a escrever trabalhos que não estavam corretos, até Marcel Grassman ensinar a ele o cálculo tensorial absoluto, a geometria de Riemann, e então ele desenvolveu a Teoria da Relatividade Geral.

Sua grande intuição foi dizer que o tensor g que entra no elemento de linha ds2= g dxdx, que mostra que as distâncias entre dois pontos variam à medida que você se desloca no espaço curvo, é o da métrica do espaço-tempo, é o campo de gravitação. Isto o levou, aliás, a dizer filosoficamente que ele achava que na Física (ver FÍSICA) o experimento era o último meio para decidir, mas que para criar você poderia criar pelo pensamento, como os antigos queriam. Einstein afasta-se da famosa máxima de Newton (ver NEWTON) hipothesis non fingo, não forjo hipóteses. Newton disse que a gravidade era um mistério, porque era uma ação instantânea à distância a qual ele não compreendia e sobre a qual não faria hipóteses, pois hipóteses metafísicas ou físicas não devem ser feitas e tudo deve sair da experiência e voltar para ela. Já Einstein achava que você pode criar um conceito sem que a experiência o tenha sugerido, como esse da métrica do espaço-tempo, g, ser potencial do campo de gravitação; não há experiência nenhuma induzindo a isso; foi a grande intuição matemática de Einstein.

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Em 1919, quando houve o eclipse solar em Sobral no Ceará, verificou-se uma predição da Teoria da Relatividade Geral, que Einstein havia construído, i.e., confirmou-se que a luz sofre deflexão pelo campo de gravitação por onde ela passa. Isso foi feito observando a posição de uma estrela durante o eclipse e os astrônomos compararam essa distância para quando não havia eclipse, constatando que eram diferentes, pois o raio de luz sofria uma deflexão, uma atração, pelo sol. Isso fez dele um herói internacional em um mundo que acabava de sair da I Grande Guerra, com aquele massacre de Verdun, aquela matança de franceses e alemães. A Europa estava cansada de guerra e em 1919 se viu que havia um homem alheio a essa política, que se preocupava em meditar sobre a natureza do Universo (ver UNIVERSO), sobre a natureza das coisas, sobre a natureza da luz. Então é esse o grande Einstein que escreveu vários livros e sua autobiografia encontra-se escrita no livro “Albert Einstein Scientist Philosopher”, que é uma beleza, como depois os trabalhos todos sobre política (ver POLÍTICA) e filosofia (ver FILOSOFIA) que escreveu também.

ELÉTRON O elétron é a partícula mais importante já

descoberta, pois é ela que nos serve. É o elétron que constitui a corrente elétrica, é o elétron que projetado contra o anteparo da televisão produz as imagens por fluorescência. O elétron foi descoberto há 101 anos, quando muitos cientistas pensavam que a Física tinha acabado, que tudo seria explicado pela teoria de Newton e pela teoria eletromagnética de Maxwell; o resto seriam aplicações tecnológicas, detalhes... mas exatamente nesse

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fim de século houve descobertas importantes que não eram descritas pelas teorias existentes: os raios-X, a radioatividade por Becquerel (ambos desenvolvidos por Pierre e Marie Curie) os raios catódicos estudados por Joseph John Thomson e por Jean Perrin e verificou-se (Thomson sobretudo) com experiências, fazendo-se passar os raios catódicos por campos elétricos e magnéticos cruzados, que esses raios catódicos não eram ondas no éter mas eram partículas provenientes dos átomos (ver ÁTOMO). Acabava-se aí a concepção de átomo indivisível; o átomo teria dentro dele elétrons e esses elétrons, para que o átomo seja eletricamente neutro, deviam estar se movendo dentro de cargas positivas que também constituíam o átomo. Então Thomson descobriu o elétron, determinou a relação entre sua carga e sua massa e fez o primeiro modelo atômico. O átomo teria dimensões da ordem de 108 cm e seria preenchido por uma geléia, uma carga positiva e dentro dessas cargas positivas estariam vibrando os elétrons. Quando ele propôs isso, Lord Rutherford , valendo-se das partículas alfa que tinham sido estudadas por sua equipe e por Madame Curie, bombardeou alvos de matéria, sob a forma de folhas delgadas de alumínio, de zinco, de ouro e outros metais e verificou que as partículas alfa sofriam desvios, os quais provinham da interação das partículas alfa com os átomos do alvo. Se esses átomos fossem constituídos como queria Thomson, os ângulos de desvios com relação à direção inicial seriam muito pequenos. Rutherford encontrou que, em geral, os ângulos de desvio são realmente pequenos, mas havia desvios enormes. A partícula alfa ia colidir com o alvo e praticamente voltava para trás, i.e., fazia um ângulo maior do que 90 graus e isso não era possível de se compreender a partir do modelo de Thomson. Seria preciso que no átomo as cargas positivas estivessem concentradas

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praticamente num ponto, de modo que as partículas positivas entrando no átomo encontrariam um núcleo atômico como um ponto e poderia ocorrer uma colisão frontal que produziria um desvio enorme da partícula alfa; o elétron, então, passou a ser considerado um constituinte do átomo, em torno do núcleo atômico. Haveria um espaço vazio grande entre o elétron e o núcleo atômico, e a partir daí houve o desenvolvimento da física atômica, da mecânica quântica (ver QUANTUM) e da teoria nuclear e posteriormente da física das partículas. Logo, o elétron é importante pois foi a primeira partícula fundamental a ser descoberta e foi para o elétron que foi desenvolvida a teoria dos quanta; foi para o elétron que de Broglie propôs que além de partícula devia ter uma estrutura ondulatória associada à partícula, generalizando a dualidade onda-partícula que Einstein havia introduzido para a luz, i.e., por um lado, experimentos de difração e interferência confirmavam a visão ondulatória da luz, por outro, não havia dúvida a partir das experiências do efeito fotoelétrico e do efeito que a luz se comportava como um conjunto de corpúsculos. Então, segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira a luz seria constituída de fótons e terça-feira, quinta-feira e sábado se propagaria como onda. Essa dualidade onda-corpúsculo foi um problema para os físicos, pois envolve conceitos que se excluem: os corpúsculos são como nós que somos indivíduos e estamos concentrados em nós mesmos, ao passo que as ondas se propagam e se espalham no espaço. ENERGIA

Falar sobre energia é muito importante porque a

energia, em princípio, é a capacidade de fazer trabalho e

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nós conhecemos a energia mecânica, a energia calorífica, a energia luminosa, a energia elétrica, a energia nuclear, a energia da fusão nuclear, e a da fissão nuclear, a energia solar, todas formas de energia muito importantes para serem utilizadas em prol do homem. É uma pena que nossos arquitetos não saibam ou não estejam interessados na aplicação da energia solar nas casas, hotéis e residências no Nordeste e no Norte do Brasil, porque existem conversores de energia solar em energia elétrica que servem para aquecer e para resfriar a água, e isso com energia solar, certamente, seria mais barato que a energia que utilizamos. Existe também a energia eólica. O Brasil é um país problemático, difícil, porque não aproveita a energia solar disponível em um país tropical e terminaremos importando energia ou um projeto inventado em um país polar. A Suíça, nos Alpes, por exemplo, tem conversores de energia solar, a França também usa muito este tipo de energia. Então é esperar que isso possa ser feito um dia em larga escala no Brasil (ver BRASIL).

Sob o ponto de vista da Física, o conceito de energia foi precisado no século passado creio eu, com o princípio de conservação de energia, por Mayer e por Joule. Mayer foi um alemão que tomou um navio e fez uma viagem e nessa viagem ele inventou o princípio de conservação de energia. Joule fez a famosa experiência fazendo cair um peso ligado a uma barbatana que gira dentro da água, e a queda do peso gera energia mecânica e essa energia se transforma em calor pela barbatana que gira dentro da água e a partir daí ele calculou o equivalente J que é o equivalente mecânico da caloria 4,17 J/cal. Além do princípio de conservação de energia devemos destacar o famoso princípio conhecido como a Segunda Lei da Termodinâmica, que foi iniciado por Sadi Carnot, físico francês, e depois essencialmente desenvolvido de maneira

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completa pelo famoso físico alemão Rudolf Clausius. O segundo princípio diz que “para transformar calor em trabalho é preciso que haja transporte de uma fonte a alta temperatura para uma outra fonte de baixa temperatura”, mas a transformação não é total; há uma parte da energia que é utilizada e outra parte que não é.

ESPAÇO O espaço é uma noção fundamental, que está na

origem das nossas idéias em Física (ver FÍSICA), em Geometria (ver GEOMETRIA) e que se interrelaciona com tempo, matéria, substância.

Isaac Newton falava de espaço absoluto e concebeu a famosa experiência do balde cheio de água, pendurado na vertical por uma corda. Você torce a corda que sustenta o balde e depois o solta. O balde começa a girar e a corda começa a se desenrolar. No início, o balde está em movimento, e a superfície da água fica em um plano horizontal até que, pelo atrito da água com as paredes do balde, ela entra em rotação; a existência de uma força centrífuga faz com que a água suba pelas paredes e então chega um momento em que a superfície livre da água tem a forma de um parabolóide. Quando o balde pára, a água continua girando na forma de um parabolóide. Newton então disse que o espaço absoluto existia. As duas fases do movimento a primeira quando o balde gira e a água não teve tempo de girar e encontra-se com sua superfície plana, e a segunda em que a água está em movimento e o balde em repouso deveriam ter a mesma configuração, pois tratam do movimento relativo do balde em relação à água e da água em relação ao balde. A diferença das duas

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situações seria devida ao fato de a água girar em relação ao espaço absoluto.

Leibniz, que teve uma grande controvérsia com Newton, disse que o espaço absoluto deveria ser um conjunto de pontos de posições possíveis para um corpúsculo, por exemplo, e não é possível que esse conjunto de pontos exerça uma ação física.

Newton, evidentemente, não mudou de opinião, até que apareceu Ernest Mach, que disse que o movimento não era em relação ao espaço absoluto, mas era em relação a toda a matéria que preenchia o Universo. Seria esse movimento em relação à essa matéria global cósmica que daria lugar a essas formas diferentes. De fato seria a origem da inércia, da massa de inércia.

Einstein (ver EINSTEIN), em 1905, com a Teoria da Relatividade (ver RELATIVIDADE), introduziu uma relação entre os conceitos de espaço e de tempo (ver TEMPO). Na Mecânica de Newton o tempo é absoluto, i.e., se você passa de um sistema de referência para outro em movimento em relação ao primeiro, mudam as coordenadas espaciais, mas o tempo, não. Para Newton, dois acontecimentos simultâneos, que acontecem no mesmo instante de tempo em relação a um observador em um certo laboratório, ainda continuarão simultâneos em relação a qualquer outro observador animado de um movimento retilíneo uniforme em relação ao primeiro. Einstein mostrou, assim como Lorentz e Poincaré, que a simultaneidade observada em um sistema de referência desaparece quando se passa para um outro sistema animado de um movimento retilíneo e uniforme em relação ao primeiro. A simultaneidade é um conceito relativo e está ligada a um dado sistema de referência. A distância entre dois acontecimentos introduz no novo sistema de referência uma diferença temporal. Daí se dizer que o tempo se

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transforma no espaço e o espaço no tempo, e as fórmulas de transformação são as chamadas fórmulas de Lorentz, as quais não deixam mais o tempo ser absoluto e invariante, mas o tempo se transforma em função das coordenadas espaciais, como essas se transformam também em relação às antigas e em relação ao tempo. Surge, assim, o conceito de espaço-tempo na Teoria da Relatividade Restrita.

Já na Teoria da Relatividade Geral, o espaço que se estende sobre todo o cosmos é um espaço curvo riemanniano, e isso é uma coisa que Einstein descobriu em 1915 com suas famosas equações. Ele procurava saber por que um movimento retilíneo e uniforme é privilegiado e deixa as leis da Física invariantes, que é o que diz o princípio da relatividade restrita. Einstein procurava saber se não haveria leis invariantes em relação a um movimento qualquer, e então ele começou a descobrir que um movimento qualquer, com forças, com acelerações, gera sempre um campo de gravitação. A gravidade, portanto, está ligada a um movimento qualquer e está ligada a uma geometria do espaço de Riemann. ESTRASBURGO Fui para Estrasburgo em 1970, quando saí do Brasil (ver BRASIL) não podendo trabalhar mais aqui devido ao Ato Institucional n 5. Em 1969, fui para a Universidade de Carnegie-Mellon, em Pittsburgh, nos EUA, a convite de Lincoln Wolfenstein e Sergio de Benedetti. Depois de passar um ano lá, fui convidado para Etrasburgo e aceitei, pois não me interessava politicamente ficar nos EUA, que tinham tido grande influência no golpe militar de 64, que instalou uma ditadura no Brasil.

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Estrasburgo é uma cidade belíssima e passei lá 16 anos seguidamente. Adorei. Uma cidade pequena, visitada por Júlio Cesar. A cidade tem uma catedral construída entre os séculos IX e XI que é uma beleza, e tem uma Universidade importante, onde estudou Wolfgang Goethe, o grande poeta alemão. Estrasburgo serviu como ponte de união entre a França e Alemanha e a Europa unida, porque houve guerra entre França e Alemanha e Bismarck tomou Estrasburgo da França e a cidade passou quase 50 anos (de 1870-1918) sob regime alemão. Antes disso ela era uma cidade independente, livre, e foi comprada ou anexada por Louis XIV. A confluência das culturas alemã e francesa a tornam particularmente interessante. Come-se bem, bebe-se bem e há cidades ao redor de Estrasburgo, bosques e florestas que são um encanto, que você não encontra em outras cidades (ver RECIFE, RIO). A catedral é um grande museu com aqueles grandes vitrais. Como é que eles A construíram? De qual tecnologia (ver TECNOLOGIA) dispunham no século IX ou XI para transportar aquelas pedras todas para cima? Isso é uma beleza! Eu sou metade estrasburguense e metade brasileiro, sei lá... ou quase, gosto, depois do Brasil evidentemente, da França e do México, seguramente um grande país. ÉTICA O comportamento ético dos indivíduos é muito importante. Há certos princípios de comportamento que são importantes, como por exemplo: um cientista tem que ter ética, ele tem que respeitar um trabalho de seu colega, tem que tratá-lo com respeito; o professor universitário tem que ter um comportamento ético de respeito aos estudantes, os

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estudantes uns com os outros também devem ter o comportamento ético. Esse comportamento ético está em baixa no século que estamos vivendo, em virtude do crescimento espetacular da tecnologia, sobretudo, o que faz com que as pessoas se considerem desobrigadas de manter uma certa ética, um comportamento em obediência a esses princípios. Esperamos que esse comportamento melhore e que a educação (ver EDUCAÇÃO) contribua para que todas as pessoas de uma população tenham um comportamento ético, respeito pela verdade, pelo que é considerado como uma noção verdadeira, pela cultura. Nesse sentido a ética é muito importante na vida das sociedades. FEYNMAN Richard Philip Feynman, um dos maiores físicos deste século, era um homem que tinha uma imaginação extraordinária, era um grande físico teórico. Eu o conheci em 1949 quando ele passou pelo Instituto de Estudos Avançados de Princeton, onde me encontrava. Ele veio a primeira vez ao Rio de Janeiro, para o CBPF (ver CBPF), por sugestão de Jayme Tiomno. Depois ele estava na Universidade de Cornell e, em 1951, nós acabávamos de construir nosso pavilhão Mario de Almeida, aqui no Campus da Praia Vermelha da UFRJ, e eu, que era o chefe da Física Teórica no CBPF, convidei o Feynman para vir. Como ele ia passar de Cornell para o California Institute of Technology (Caltech), pois tinha direito a um ano sabático, ele conversou com Bacher, que era o chefe da física no Caltech, que concordou com que ele tirasse o ano sabático antes de ir para lá. Assim, ele veio para o Brasil, para o CBPF, passando o ano sabático 1951/1952.

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Feynman era um homem extraordinário. Eu o fiz dar cursos na Faculdade Nacional de Filosofia, quando ele teve oportunidade de conhecer o estudante brasileiro e criticar a situação que viu, como testemunha um livro que exagera um pouco sua crítica, pois foi escrito pelo filho do Sr. Leighton, um físico amigo do Feynman, e o filho do Leighton é um músico de rock’roll. Mas o Feynman deu um curso no CBPF, na Faculdade de Filosofia e um curso de Cálculo Numérico na Escola Nacional de Engenharia, que foi um dos cursos mais impressionantes ao qual assisti. Ele brincava com os números com os dedos, como se fossem brinquedos; fazia todas as operações. Deu também um curso sobre a teoria dos mésons, sobre a eletrodinâmica. Ele tinha ficado famoso em 1948, com a sua QED (Eletrodinâmica Quântica) explicitamente covariante, e os diagramas de Feynman, usados em vários domínios não só na Teoria Quântica dos Campos, como também na Física do Estado Sólido.

Feynman e eu trabalhamos juntos durante 1951/1952 e fizemos um trabalho, sobre teoria pseudo-escalar do dêuteron, e era fantástico discutir com ele, ver como ele tinha uma extraordinária imaginação criadora e conferia os cálculos que eu fazia de uma maneira ágil e muito boa. Era um homem como poucos já conheci na Física. Ficamos amigos e depois, em 1956, ele me convidou para o Caltech e fiquei lá um ano. Foi lá que fiz um dos dois trabalhos mais importantes de minha carreira, onde eu descobri, fazendo o cálculo da captura do múon pelo próton, transformando-se em nêutron e neutrino, que havia uma interação fraca pseudo-escalar induzida pelo píon. Fiz o cálculo da taxa de absorção do múon que emite um píon negativo, absorvido pelo próton, que se transforma em nêutron, e o múon negativo se transforma em neutrino ( + p + + p + n). Eu fiz esse cálculo e isso

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não é suficiente para explicar a captura, mas dá uma contribuição importante; quanto maior a massa do lépton maior a importância e essa interação pseudo-escalar induzida é um efeito da interação forte.

A visita de Feynman foi muito importante para mim, pois a cada semana passávamos horas discutindo e assistindo a seus cursos e aprendi enormemente com ele. Antes de 1956 ele veio nos verões de 54 e 55; gostava muito do Rio de Janeiro e do CBPF, e tenho um artigo sobre ele com cartas trocadas nas quais ele elogia o CBPF como a instituição mais importante do hemisfério sul.

Ganhou o Prêmio Nobel em 1965 pelos seus trabalhos junto com Tomonaga e Schwinger. Era um físico que gostava de dar aula e ele tinha a opinião, que eu tenho aliás, de que é impossível separar pesquisa de ensino; o indivíduo que só pesquisa sem fazer ensino é incompleto, falta-lhe uma dimensão. Ao ensinar você aprende muita coisa, com as perguntas dos jovens. Por isso ele recusou o convite para permanecer em Princeton e preferiu ser professor do Caltech pelo resto da vida dele. Bem eis aí um grande homem, um grande físico. FILOSOFIA A Filosofia é o conjunto de concepções práticas e teóricas acerca do ser, do homem e de seu papel no universo (ver UNIVERSO). A Filosofia foi inventada no fundo pelos filósofos gregos. Em última análise pode-se dizer que é o conjunto de reflexões sobre a vida (ver VIDA), a morte (ver MORTE), sobre o ser, sobre a natureza, o universo, sobre nós mesmos. A Filosofia constitui um conjunto de pensamentos, muito importante. Bertrand Russell, um grande filósofo inglês, disse que uma das

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coisas mais misteriosas na História (ver HISTÓRIA) foi o aparecimento dos filósofos na Grécia antiga. Centenas de anos antes de Cristo, você tinha Tales, da Escola de Mileto, Anaximandro, Anaxágoras, tinha Heráclito, um dos filósofos mais importantes, que dizia que a realidade é composta de proposições contrárias e contraditórias, e o um é feito de todas as coisas e todas as coisas contêm o um. Heráclito dizia: "Seres mortais seres imortais, um vive a morte do outro e morre a vida do outro". Vemos aí que ele descobriu que um fóton desaparece e que aparece o par elétron-pósitron, um par elétron-pósitron se aniquila e aparecem fótons. São os contrários gerando noções, objetos, coisas. Isso tudo foi inventado por Heráclito, o homem da dialética. Você tem Platão, o homem que dizia que o importante são as idéias e inventou a Academia (ver ACADEMIA), você tem Aristóteles (ver ARISTÓTELES) que inventou o Liceu, o Colégio, quem, no fundo, inventou a lógica. Mas na Filosofia da Ciência Aristóteles foi péssimo, porque disse que o universo era finito, formado de esferas concêntricas, com centro na terra, em número igual ao número de planetas conhecidos mais o Sol, a Lua e a esfera das estrelas fixas. Além da esfera das estrelas fixas não haveria mais estrelas, seria então o lugar onde moraria Deus, ou Darcy Ribeiro, não é?

A filosofia aristotélica prevaleceu por quase dois mil anos, adotada praticamente como dogma pela Igreja. Foi preciso esperar por Galileu Galilei (ver GALILEU), passados 2 mil anos, para marcar o declínio do aristotelismo.

Galileu, com o telescópio, que tinha sido inventado na Holanda, olhou para o céu e viu que havia luas e satélites que giravam em torno de Júpiter. Isso contradizia o que diziam os livros sagrados, que todos os movimentos se produziam em torno da Terra, e ele viu que havia movimentos de corpos celestes que não eram em torno da

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Terra. Com isso, ele adotou a concepção de Copérnico rejeitando a de Ptolomeu.

Foram esses filósofos que foram importantes. Depois de Galileu veio Newton (ver NEWTON), que é um grande físico teórico que você pode considerar como filósofo, que escreveu o famoso livro Philosophiae Naturalis Principia Matematica que durante séculos foi o dogma que comandou o pensamento dos homens, só substituído pela Mecânica Quântica, em 1925, e pela Relatividade (ver RELATIVIDADE) de 1905 e 1915. Com Newton se desenvolveu a Filosofia da Ciência que é a interpretação das leis, dos teoremas, das descobertas científicas que os homens fazem acerca do Universo, das coisas, dos fenômenos e acerca de nós mesmos. A Filosofia, se você quiser, engloba tudo isso, pois ela engloba o conjunto de proposições e o conjunto de respostas às perguntas que nos fazemos: de onde viemos, para onde vamos, quem somos e sobre a natureza das coisas e do homem, sobre a vida e a morte, sobre o espaço (ver ESPAÇO) e o tempo (ver TEMPO), sobre todas as coisas susceptíveis de especulação. A separação da Ciência e da Filosofia foi muito proveitosa, pois permitiu que a Ciência tomasse novos rumos. Você compreende, os gregos não se interessavam por descobrir as coisas experimentalmente, como deveria ser; o que interessava a eles era o diálogo, era o pensamento, eram os diálogos socráticos, as controvérsias as especulações. A Ciência, como entendemos hoje, começou com Galileu, com Isaac Newton, que achavam que quem quisesse saber sobre alguma coisa da natureza deveria olhar para a natureza, fazer alguma experiência com a natureza.

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FÍSICA Eu considero a Física como a rainha das ciências, porque ela procura descobrir e interpretar as leis da natureza, as leis do movimento, as leis da mecânica, as leis do calor, que são as leis da Termodinâmica, as leis dos fenômenos luminosos, dos fenômenos elétricos, eletromagnéticos, dos fenômenos atômicos, todos os fenômenos que acontecem no Universo e obedecem a certas regularidades, que são as leis físicas. A Física se ocupa em descobrir essas leis, essas regularidades, e, ao mesmo tempo, ela utiliza muito a Matemática; ela observa os fenômenos, faz experiências, faz observações e, para descrevê-los, necessita dos formalismos matemáticos. É a Física a ciência que mais utiliza a matemática avançada, mais profundamente, mais do que a Química, a Biologia etc. Então a Física é a rainha das Ciências.

A Física começou com a concepção errônea de Aristóteles, depois houve Galileu, Newton, houve os grandes homens que desenvolveram a Mecânica, como d’Alembert, Maupertuis etc. Houve depois James Clerk Maxwell, que descobriu o campo eletromagnético, houve Michael Faraday. No fim do século passado, alguns incautos diziam que com a mecânica newtoniana e com a teoria eletromagnética se podia explicar toda a Física. Exatamente neste momento, no fim do século passado, houve a descoberta de fenômenos que não eram descritos nem pela teoria de Newton (ver NEWTON) nem pela de Maxwell (ver MAXWELL). Joseph Thomson descobriu o elétron (ver ELÉTRON) e então os físicos disseram que os átomos (ver ÁTOMO), que haviam sido inventados pelos gregos, e que depois mostraram-se úteis para explicar as leis das reações químicas, não eram bolas compactas, mas dentro deles deviam estar os elétrons, origem dos raios

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catódicos. Descobriu-se a radioatividade, descobriu-se o raio-X, ou raio de Röntgen, e esses fenômenos, todos descobertos no fim do século passado, exigiram novas idéias.

Em 1900, houve a teoria quântica de Planck que foi necessária para descrever a composição espectral da energia da radiação. Em 1905, Einstein, que foi "o segundo Isaac Newton", aproveitou a idéia de Planck para dizer que a luz não é constituída de ondas e sim de corpúsculos, de quanta de luz, que foram chamados depois de fótons e assim ele introduziu a dualidade onda-corpúsculo na Física Moderna, que ele dizia que não entendia. Somente dezoito anos mais tarde, em 1923, os físicos foram acreditar nos quanta de luz. Além disto, Einstein criou a Teoria da Relatividade (ver RELATIVIDADE), que liga espaço (ver ESPAÇO) com tempo (ver TEMPO), quantidade de movimento com energia, e atribui à energia uma massa e a todo corpo que tem massa uma energia de repouso que é a massa de repouso multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz, que é uma concepção fantástica.

Depois ele quis saber por que é que o princípio da relatividade restrita diz que as leis da física são invariantes, se você passa de um sistema inercial para outro em movimento de translação retilíneo uniforme em relação ao primeiro. Então ele queria saber por que o privilégio do movimento retilíneo uniforme. Ao procurar interpretar fenômenos em sistemas acelerados, ele descobriu a teoria relativística da gravitação, em 1915, e ficou famoso por isso. Nesta teoria o importante é o campo, como em Newton era ação instantânea à distância. A partir de 1916, o potencial de gravitação é descrito pelo tensor da métrica g. Os movimentos de grande vibração no espaço cósmico dão origem às supernovas. Dependendo da massa da estrela, esta ao se contrair, emite parte de sua massa. O

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espaço está ligado à gravitação, e esses abalos se propagam: são as ondas de gravitação, conduzidas pelos quanta de gravitação (grávitons), que ainda não foram detectados diretamente.

Em 1917, Einstein fez mais dois trabalhos importantes: um foi a descoberta da emissão de luz induzida e o outro foi a transformação da cosmologia, que era uma espécie de astrologia, em uma ciência baseada na relatividade geral, que descreve a origem do universo. A evolução do universo e da cosmologia mostra que no espaço cósmico, na escala das grandes massas, a força de gravitação, que é uma das quatro forças fundamentais da natureza, é que domina, soberana, e faz com que a matéria se contraia a uma temperatura tal que as estrelas brilham, se produzem reações nucleares de fusão, transformando hidrogênio em hélio e, quando acaba o hidrogênio, que é o combustível, a força de gravitação continua agindo e faz a matéria se reduzir, podendo se transformar finalmente em buracos negros.

A Física descreve todas essas coisas, e tem até importância na Biologia. Schrödinger, que descobriu a Mecânica Ondulatória, que é equivalente à Mecânica Quântica, escreveu um livro importante chamado What is life?, no qual ele refletiu sobre fenômenos físicos na Biologia, e esse livro foi muito importante para os biólogos. FORÇA Foi Aristóteles quem deu a noção de violência, portanto de força, como a causa promotora dos movimentos dos corpos; uma vez cessada a violência, o movimento acabaria e o corpo cairia em uma posição onde ficaria sempre. Esta idéia caiu com Galileu. Fazendo

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experiências ou pelo menos pensando em experiências de esferas muito bem polidas em planos inclinados, cada vez menos inclinados, ele verificou que o movimento se prorrogava cada vez mais e então enunciou o princípio de inércia, que diz que um corpo, na ausência de todos os outros, está sempre em movimento retilíneo uniforme ou está sempre em repouso. Essa idéia de Galileu é importantíssima, pois deu o mesmo status, o mesmo nível ontológico, ao repouso e ao movimento retilíneo uniforme. Se você não precisa de causa para o repouso, não precisa de causa para o movimento retilíneo uniforme, qualquer que seja o objeto. Em seguida, Newton, que estabeleceu a noção de força mais precisa válida até hoje, entendia a força como sendo a causa da mudança de velocidade: toda vez que em um movimento há uma mudança de velocidade, essa mudança é causada por uma força, uma variação na velocidade por unidade de tempo, que é a aceleração, e a força é proporcional à aceleração e o coeficiente de proporcionalidade é a massa de inércia (ver MASSA). A força peso depende da massa de gravitação, a massa gravitacional. Com Galileu mostrou-se que a massa de gravitação é igual à massa de inércia, pois todos os corpos caem com a mesma aceleração na queda livre, daí o fato de quando você vê filmes de pessoas que caem de grandes altitudes sem abrir o pára-quedas, todas elas, sem ar, cairiam com a mesma velocidade, a mesma aceleração, levariam o mesmo tempo para cair, quer dizer, o tempo de queda é independente da constituição química da massa do corpo. Como Einstein disse mais tarde: ao cair, o corpo em queda livre não sente seu próprio peso. Então essa é a noção de força; F= ma é a fórmula fundamental de Newton, que é a causa eficiente do movimento. Conhecendo a força, você integra e obtém uma família de trajetórias, e se forem definidas as condições iniciais você tem uma

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trajetória única. Essa noção de força valeu dos anos maravilhosos de Newton, até 1925, ano da descoberta da Mecânica Quântica. GALILEU Galileu Galilei foi o fundador da ciência moderna, foi um homem que achou que para se conhecer as harmonias da Natureza, as regularidades e as leis da natureza, deve-se ir à natureza, enquanto os filósofos gregos, Aristóteles (ver ARISTÓTELES), Sócrates, Platão, Heráclito e outros, embora tenham fundado a filosofia (ver FILOSOFIA), que é uma beleza, se interessavam mais pelos diálogos e pelas especulações. Galileu observava a natureza, descobriu a lei da queda livre dos corpos, as leis do movimento, descobriu o princípio de inércia, e, com o telescópio apontado para o céu, descobriu coisas, montanhas na lua, as manchas do sol e os satélites de Júpiter, que orbitavam em torno deste planeta. Essa observação desmentia a afirmação de Aristóteles de que todos os movimentos se davam em torno da Terra. Com isso Galileu quase acabou queimado, porque ele estava dizendo uma heresia, estava indo contra um dogma da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Galileu foi condenado pelos cardeais e pelos seus colegas universitários, os dedos-duros, que também naquela época já existiam, e que, certamente, levaram à fogueira Giordano Bruno. Galileu foi condenado à prisão domiciliar e desmentiu o que disse, porque sabia que a verdade científica mais cedo ou mais tarde seria demonstrada. Eu acho que ele foi muito sabido com esta atitude. Esse é o grande Galileu Galilei, a quem devemos o pensamento experimental científico moderno.

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GENÉTICA Genética é uma ciência muito importante que se desenvolveu de uma maneira muito rápida. A genética, como o próprio nome diz, está ligada aos genes dos seres vivos. Está atualmente em evidência pelo aparecimento do problema da clonagem, que é a criação de seres vivos idênticos a outros já existentes e isso abre problemas éticos graves, muito sérios. A Engenharia Genética tem tido um desenvolvimento muito rápido nos laboratórios e pode ser voltada para o bem; você pode criar através de manipulação genética variedades novas de frutas, legumes; o milho pode ser alterado geneticamente de modo a dar uma variedade mais gostosa. Mas também pode ser utilizada para o mal; se você cria uma pessoa ou um animal de uma maneira não controlada é uma coisa muito séria. Portanto, seria necessário que os biólogos, as autoridades e pensadores se inclinassem nas conseqüências dessa aventura da genética. GÊNIO Acho difícil definir gênio. Temos exemplos de gênio: Isaac Newton (ver NEWTON), Galileu (ver GALILEU) certamente era um gênio, Maxwell (ver MAXWELL) era um gênio, Albert Einstein (ver EINSTEIN) é o segundo gênio da física depois de Newton, que considero o maior de todos. Há ainda toda esta turma: Niels Bohr, de Broglie, Schrödinger, Heisenberg (ver INCERTEZA), o querido mestre Wolfgang Pauli (ver PAULI), Feynman (ver FEYNMAN), com quem eu convivi muito, tanto aqui no Brasil quanto em Pasadena. Essas são pessoas cuja

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atividade intelectual extravasa a cabeça, o espírito, passa pelos poros e invade o espaço alheio. Eu acho que isso é o gênio! Na música certamente podemos citar Bach (ver BACH), Mozart, gênio que compunha com 5 anos de idade, Beethoven, Villa-Lobos (ver VILLA-LOBOS), nosso Villa-Lobos, certamente um gênio. São todos homens que, com sua atividade intelectual no setor em que se destacam, fazem com que essa atividade cresça exponencialmente. Eles não conseguem controlar: a criatividade do gênio sai pelos poros, pelos olhos, nariz e invade o espaço alheio. GEOMETRIA A Geometria, que começou com Euclides, tornou-se um dos ramos da matemática mais importantes com Descartes, criador da Geometria Analítica, um instrumento importantíssimo. Depois veio a Geometria Descritiva e, com Riemann, veio a Geometria Riemanniana, a geometria dos espaços curvos, que vai além da obra de Euclides.

A geometria adquiriu um papel importante na Física (ver FÍSICA) com Einstein, que de um certo modo tinha o ideal de geometrizar a Física. A Relatividade Geral (ver RELATIVIDADE), ou teoria relativística da gravitação, baseada na idéia de que o espaço físico não é euclidiano, mas sim um espaço riemanniano, é uma das mais belas teorias construídas pelo homem. Para fazer esse trabalho, Einstein aprendeu com seu colega Marcel Grassman a Geometria de Riemann. Nela soube encontrar os instrumentos para generalizar as equações de Poisson e chegou às conhecidas equações de Einstein para o campo de gravitação.

As Geometrias não-euclidianas (de Riemann, de Lobatcheviski, e outros matemáticos), constituem hoje,

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após a contribuição fundamental de Einstein, um dos ramos mais importantes da Física. Atualmente o ideal da geometrização da física passou para um segundo plano, com o avanço da teoria quântica, e hoje um dos problemas fundamentais é o casamento da Teoria Quântica com a Gravitação, a construção de uma Quantum Gravity. Aí tem mistérios, como o problema do menor comprimento, que corresponderia a uma energia máxima, mas até hoje não sabemos se chegaremos ao comprimento de Planck. À medida que o comprimento diminui enormemente fica difícil saber o que acontece no espaço-tempo, quais são as leis da Física, e tudo isso está em aberto; as singularidades do Universo (ver UNIVERSO), os buracos negros etc. Este é um assunto muito atraente para os jovens abrirem novos caminhos. GLOBALIZAÇÃO A Ciência é um exemplo de globalização, no sentido de universalização. Uma lei natural, uma lei física, é válida universalmente; não existe uma Física no Brasil e uma Física da Alemanha, como queriam os nazistas. A Física é universal e suas leis valem em todo o Universo. Aristóteles (ver ARISTÓTELES) queria movimentos perfeitos na área celeste e movimentos não descritíveis quantitativamente sobre a Terra. Galileu (ver GALILEU) e Newton (ver NEWTON) afirmaram que as leis da Física valem no Céu e na Terra, são leis universais. Então, a globalização, no sentido de universalização, é muito importante como parte da cultura, como parte do pensamento humano.

Agora, no sentido da economia e da política, “globalização” é o novo nome dado ao imperialismo americano, que é quem lucra com isso, não é? Os EUA

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atualmente, do ponto de vista da política, se julgam o Império Romano. Querem que suas leis econômicas sejam válidas em outros países, em outras terras, e punem firmas européias que fazem comércio com Cuba, porque eles têm raiva de Cuba, só porque Fidel Castro impediu que Cuba continuasse a ser como antes, um cassino para os ricaços americanos irem lá fazer farra. Ele nacionalizou as indústrias, que eram exploradas pelos americanos, e daí resulta que o socialismo chinês é aceito, o soviético idem e o cubano não.

Aqui no Brasil o legado mor da ditadura militar foi a submissão aos EUA. Depois houve certos caminhos nacionalistas, mas no fundo no fundo com a redemocratização torna-se até pior essa submissão. Atualmente deseja-se “globalizar”, mas globalizar o quê? Um fazendeiro de Cabrobó do sertão pernambucano deve competir com o fazendeiro de Oklahoma, de Iowa, que produz toneladas e toneladas de soja com uma eficiência fabulosa. A globalização é no sentido de que devemos competir com eles. Então a globalização, no fundo no fundo, é o novo nome do imperialismo americano. HIROSHIMA Hiroshima é um nome que se tornou universal por causa da bomba atômica que os EUA lançaram em cima dessa cidade causando milhões de mortos e feridos. Os cientistas norte-americanos fizeram a bomba porque tinham medo de que os alemães fizessem-na sob o nazismo, porque as leis fundamentais para se fazer a bomba foram descobertas na Alemanha, por Otto Hahn. Mas uma vez terminada a guerra na Europa, em maio, muitos cientistas americanos achavam que não se devia mais jogar a bomba

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atômica, pois a guerra contra o Japão iria terminar e a Rússia tinha prometido entrar na guerra. No fundo, foram os militares e os políticos, com o presidente Truman comandando, que ordenaram o lançamento da bomba para mostrar aos russos que eles tinham uma arma poderosa. Os senadores americanos eu sei porque eu vivi essa época julgavam que ninguém mais descobriria como fazer a bomba, achavam que era segredo e acabou! Não sabiam que na União Soviética havia dos melhores físicos, como Landau, Kapitza, e tantos outros, que eram capazes de fazer a bomba, como Joliot na França, Cockroft na Inglaterra, e outros cientistas espalhados que não tinham problema nenhum para desenvolver a energia nuclear. A questão da bomba é uma questão de dinheiro, de aplicação.

Hiroshima é síntese desse horror atômico ao qual os japoneses têm um horror terrível, uma repugnância que deveria servir sempre de exemplo para a Humanidade. Entretanto, a ameaça continua, porque o tratado de não proliferação é unilateral, na medida em que não impõe sérias restrições aos países que possuem os segredos da bomba atômica, e a possuem; é um tratado que se limita a proibir que outros países façam a bomba, como a Índia e o Paquistão, que já mostraram que podem fazê-la. O Brasil recusava o tratado da não proliferação, mas agora com esse governo neo-liberal resolveu assinar esse tratado mostrando que se submete aos EUA, bondosamente. HISTÓRIA A história, da Matemática, da Física (ver FÍSICA), da Filosofia (ver FILOSOFIA), é o relato dos acontecimentos e à medida que o tempo passa queremos evocar o que se

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passou; por isso é preciso recorrer aos historiadores, àqueles que ou observaram os acontecimentos, ou que conhecem documentos que relatam o que se passou.

A história da Física, por exemplo, é um relato das idéias que aconteceram na Física e conduziram às descobertas das leis que descrevem os fenômenos e das teorias e modelos ao longo do tempo, e esse é um legado muito importante. Só que é preciso saber que para que haja a história da Matemática, da Química, da Física etc. é necessário que haja o desenvolvimento dessas ciências, e muitas vezes as pessoas não se dão conta disso. Enquanto se estimula a História da Ciência é preciso que se estimule a Ciência também.

À História é que recorremos porque é a nossa memória, é a memória do que foi o Brasil, do que foram a Cultura e a Ciência no Brasil (ver BRASIL). É importante que se conserve a lembrança do que se conseguiu realizar. Historicamente foi um desastre a colonização no Brasil, pois foi repressiva, proibiu a impressão de coisas, e o Brasil no fundo só começou a se administrar e a aparecer a partir de 1808, quando houve a invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte e o Rei, protegido pela esquadra inglesa, fugiu para o Rio de Janeiro. A partir daí começou a desabrochar o Brasil, com todos os erros e defeitos que conhecemos. A contar daí é que apareceu a História do Brasil, a história brasileira. Há muita coisa que a história oficial conta e que não foi bem assim, como o mito da “Independência ou Morte”. Eu não sei se o Dom Pedro I saiu a cavalo, como naquele quadro de Pedro Américo, puxou a espada e gritou “Independência ou Morte”; não sei se isso é verdade, há quem diga que não. Mas é importante ressaltar, sobretudo, que a nossa pesquisa científica começou em 1900, e é fundamental que se tenha um relato e que se preserve a memória do que se realizou em Ciência no Brasil.

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HUMANISMO

Eu acho que o que se designa como Humanismo o conjunto de disciplinas que se relacionam com o homem, com os valores culturais do homem, com os valores da ética e da filosofia apareceu na Renascença e fez desenvolver a Ciência logo depois. O humanismo foi muito importante, com todos aqueles grandes pintores e poetas, gente como Michelangelo, Leonardo da Vinci, entre os pintores, e não foi dissociado do legado dos filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles (ver ARISTÓTELES). Ao longo da vida humana sempre houve um desenvolvimento do estudo dos valores humanos, dos valores da filosofia e da ética e, atualmente, é muito importante que o homem de Ciência se preocupe também com os valores humanos, não apenas com os resultados científicos duros, crus, mas com seu significado para o homem. O humanismo é realmente muito importante. Existe, inclusive, uma academia do humanismo, criada recentemente: a Academia Internacional de Humanismo em Buffalo em NY, nos EUA, a qual me escolheu para membro. Eles publicaram um volume muito importante intitulado Challenge to the Enlightenment, contendo estudos sobre os desafios ao Iluminismo.

O Iluminismo foi muito importante nos séculos XVII e XVIII, período em que mais se desenvolveu o humanismo. No século XVII houve o início da revolução científica, cujo impacto na Física Moderna vocês todos conhecem.

Em suma, humanismo é esse conjunto das ciências humanas e do significado das atividades intelectuais do homem.

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INCERTEZA O princípio da incerteza é um dos princípios fundamentais da Mecânica Quântica (ver QUANTUM) e foi formulado por Werner Heisenberg. Em Mecânica Quântica, uma variável física, um observável, é representado por operadores lineares no espaço de Hilbert auto-adjuntos, de tal maneira que os autovalores desses operadores são números reais. Acontece que esses operadores, em geral, não comutam uns com outros; por exemplo, a posição de um elétron (ver ELÉTRON) é representada por um operador que aplicado a uma função de onda dá como autovalor as coordenadas do elétron, mas em geral quando você tem vários operadores para você definir o estado quântico de um sistema você tem que escolher o conjunto de operadores que comutam todos entre si. Como a posição não comuta com a quantidade de movimento p, e a regra fundamental de Heisenberg é qp pq = i , que é a unidade imaginária i multiplicada pela constante de Planck dividida por 2. Então resulta que você não pode conhecer ao mesmo tempo, em uma mesma observação, a posição e a quantidade de movimento de um elétron. Se você determinar a posição e a quantidade de movimento existirá sempre um erro em ambas as variáveis, de modo que você não pode conhecer exatamente a posição e a impulsão, ou quantidade de movimento, do elétron ou de qualquer outra partícula sub-atômica. Diz-se, então, que existe uma incerteza sobre essas variáveis; quando você conhece exatamente a posição do elétron você não conhece nada sobre a sua impulsão, e vice-versa. Assim, se x representar a incerteza em torno da posição x0 do elétron e p a incerteza sobre a sua quantidade de movimento, existe uma relação que nos diz que xp h/4. Isso significa que na Mecânica Quântica você não pode

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determinar o estado de um elétron como se fazia na Mecânica Clássica, na qual dados N elétrons, o número de variáveis para definir um estado é 6N, variáveis que são as três coordenadas do elétron e as 3 projeções da quantidade de movimento, num total de 6 variáveis para cada elétron e, portanto, para N elétrons dá 6N. Isso não é possível na Mecânica Quântica, na qual a função de onda que determina o estado de um sistema quântico só pode ter, por exemplo, as 3N variáveis das coordenadas e a quantidade de movimento não está determinada ou vice-versa.

O princípio da incerteza é verificado experimentalmente. Para você observar a posição de um elétron você tem que bombardeá-lo com fótons que se chocam com o elétron e levam à nossa retina a informação sobre a posição dele. Mas ao chocar-se com o elétron, o elétron sofre uma perturbação na sua quantidade de movimento, e então nunca é possível determinar ao mesmo tempo, precisamente, a posição e a quantidade de movimento do elétron; esse é o princípio da incerteza de Heisenberg. INFINITO O infinito, em geral, para as pessoas comuns, é qualquer coisa infinitamente grande, que não tem limite. A primeira noção precisa do infinito aparece na teoria dos conjuntos, na qual você tem o conjunto dos números inteiros 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... que não acabam. Este conjunto é interminável mas enumerável, porque dado um número qualquer enorme, você pode sempre acrescentar um a esse número e obter um número maior e daí você vai até o infinito. O infinito aí aparece como o limite de um número

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inteiro n quando você faz n crescer indefinidamente. Por essa noção, você sabe que o conjunto dos números pares é tão longo e grande quanto o conjunto dos números inteiros; você pode sempre associar a um número par um número inteiro definido e os dois conjuntos são infinitos e têm a mesma potência, a mesma medida. Existe também o conjunto contínuo, que é o conjunto de números reais compreendidos entre 0 e 1 no qual você tem uma quantidade não enumerável de números reais que estão compreendidos entre 0 e 1.

Houve também um grande matemático alemão, chamado George Cantor, que introduziu os números transfinitos, que seriam os números além do infinito, mas a noção mais precisa de infinito é essa que mencionei.

Na Física também aparecem infinitos, mas ela simplifica as coisas. A Física se utiliza do cálculo infinitesimal, da teoria das funções, e é claro que quando você calcula uma grandeza como as correções a certos valores pela teoria das perturbações, você às vezes encontra resultados infinitos, e isso você não pode admitir. O resultado físico infinito é uma bomba que explode e não tem limite. Uma grandeza física tem que ter sempre um valor finito. Então, na Física, quando você encontra um valor infinito você tem que eliminar esse infinito. É o que se fez na Teoria dos Campos, através da renormalização, que é uma técnica para eliminar essas grandezas que calculadas dão valor infinito. A teoria deve ser renormalizada e com isso escondem-se debaixo do tapete esses infinitos, de modo a obter resultados finitos observáveis mensuráveis.

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INTOLERÂNCIA Você encontra a intolerância em indivíduos, em grupos de indivíduos, em sociedades, em países. Um exemplo de intolerância da Igreja Católica ocorreu na época da inquisição com relação a Giordano Bruno, que foi queimado por dizer que o espaço era infinito, como o espaço euclidiano; intolerância com relação a Galileu Galilei (ver GALILEU), porque ele construiu um telescópio que foi inventado na época em que ele vivia, por volta de 1630, e ao olhar para o céu ele descobriu coisas que não se conheciam antes dele: superfícies irregulares da lua, manchas solares, os satélites do planeta Júpiter etc. Ao enunciar que existiam satélites que giravam ao redor de Júpiter, Galileu feria o dogma de que a Terra estava em repouso e que todos os corpos celestes se moveriam em torno dela; logo todos os movimentos celestes seriam em torno da Terra, enquanto Copérnico achava que o que estaria em repouso era o Sol e em torno dele se moveriam os planetas. Então a descoberta de movimento em torno de Júpiter era contrária à idéia de que os movimentos de todos os corpos celestes seriam em redor da Terra. A Igreja foi intolerante com Galileu Galilei, e o condenou à prisão perpétua domiciliar, o que evitou que ele tivesse sido queimado. Isso é um espécie de intolerância.

A intolerância se encontra também, por exemplo, na época de McCarthy. Para esse deputado americano havia uma certa infiltração comunista na administração americana, que resultou no macartismo, que era uma intolerância com relação a essas pessoas. Não podemos esquecer a intolerância dos nazistas em relação aos judeus, negros e minorias raciais, tudo isso é insuportável!

Não deve haver intolerância, como há, por exemplo, a intolerância atual do governo dos EUA em relação à ilha

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de Cuba, que é governada pelos socialistas, por Fidel Castro, enquanto os EUA reconhecem a União Soviética e têm relação íntima com a China, cujo regime é comunista. O governo dos EUA, o parlamento americano, votou leis que punem quem tiver intercâmbio com Cuba e isso é uma intolerância inaceitável. As nações do mundo não deveriam permitir isso, mas estamos diante do poder e esse poder cria imposições como essa intolerância em relação a Cuba. INTUIÇÃO Intuição é o sentimento de que se conhece o que se está procurando. A intuição na física é fundamental. Você tem a prova, a demonstração daquilo que você procura, e tem a intuição, o sentimento prévio de que você vai alcançar aquilo que você quer mostrar; nesse sentido a intuição é muito importante, porque você pressente que existem equações, por exemplo, que exprimem uma certa lei física a qual você ainda não conhece. Então você busca, procura, investiga, e ao investigar você lança mão de coisas já conhecidas, e é nisso que consiste a dedução. Mas quando você tem a intuição de alguma coisa é como se você tivesse uma revelação, um acesso direto àquilo que você procura demostrar. Já na Mecânica Quântica a intuição é mais difícil porque ela se baseia em todo um formalismo, na teoria dos operadores no espaço de Hilbert, mas essa teoria dos operadores é apenas um auxílio, pois o que é importante na física é o sentimento físico daquilo que você procura demostrar, daquilo que você procura encontrar.

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IRREVERSIBILIDADE O melhor exemplo de irreversibilidade acontece quando você considera um sistema A, que sofre uma evolução no tempo e se transforma finalmente no sistema B. Ao mesmo tempo que há a transformação de A em B, a transformação invertida de B em A pode ocorrer; quando ela ocorre, então diz-se que a reação é reversível. Agora os fenômenos que acontecem na Física e que acontecem na realidade são irreversíveis; o tempo, por exemplo, é irreversível. Você tem uma transformação que acontece e você não tem a inversa: nós envelhecemos, nós nos lembramos do passado e não do futuro. Enquanto na Física dos fenômenos fundamentais, na Mecânica Clássica e na Quântica, existe uma reversibilidade temporal, já na realidade os fenômenos são irreversíveis. Você se atira numa piscina pulando de um trapézio dentro da água. Sua energia se transforma de potencial em cinética, se comunica à água, que entra em movimento e depois, para que o fenômeno inverso ocorresse, seria necessário que toda a energia da água se concentrasse em você, e fizesse você voltar para trás e pular para o trapézio. Esse processo invertido não acontece. É verdade que a Mecânica Estatística diz que a probabilidade que isto aconteça é mínima, muito pequena, comparada com a idade do universo, e que, portanto, haveria um momento em que as moléculas das águas modificariam seus movimentos de modo a empurrá-lo para cima, mas na realidade ninguém acredita nisso, pois ninguém nunca viu alguém voltar para o trampolim. Logo, os fenômenos são irreversíveis e a irreversibilidade decorre de uma transformação de um estado inicial a um estado final, cuja transformação inversa não se produz.

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JUVENTUDE Juventude me lembra giovinezza na Itália. A juventude é a fase mais gostosa da vida, quando a gente sai da infância, passa pela adolescência e depois dos 15/16 anos vai descendo os anos, vai adquirindo experiência, vai encontrando o amor, vai namorando, vai aprendendo as coisas. Aos poucos vai absorvendo o conhecimento das coisas que nos envolvem dos fenômenos novos, das transformações, do amor, da vida, então isso que é importante na juventude. A juventude eu acho que vai até uns 40 anos, talvez até uns 50, não é? Eu acho que não há idade limite, é claro. A pujança física é fundamental para a juventude; depois, com o passar do tempo, as células, os sistemas biológicos vão sofrendo e vão entrando em decadência. Então chega o momento que a gente perde a juventude, mas entra na velhice gostosa e o importante é saber envelhecer; envelhecer suave e docemente.

Na juventude você tem aquela agressão, dinâmica penetração, ousadia; aos poucos você vai adquirindo conhecimento, vai passando fases, até chegar aos anos em que você acha que as coisas devem acontecer com tranqüilidade, com calma. O importante na vida (ver VIDA) é passar da fase adolescente para a juventude, dela para a fase madura e da idade madura para a velhice e envelhecer suavemente. LIVRO

O Livro é o armazém do conhecimento. A gente escreve livro sobre todos os assuntos possíveis; o conhecimento humano se transmite nos livros. Atualmente

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já não é mais no livro, é através da informática, do computador, que alguns acham que irá substituir o livro, mas é gostoso pegar um livro, folheá-lo. Havia o tempo em que no livro as folhas eram todas fechadas, você pegava uma faca e suavemente cortava uma por uma, ia acariciando, passando de página em página. O livro é uma coisa importante e eu sou do tempo do livro, sou do tempo do lápis e papel. Entre os livros guardo cartas e fotos. Os livros são a única riqueza que tenho! Eu não sou rico a não ser adquirindo livros e aos 80 anos ainda procuro comprar livros, e folheá-los e ler aos poucos, suavemente. MASSA Nós não sabemos a origem da massa dos corpúsculos, das partículas, da massa de todos nós, da massa gravitacional e da massa de inércia. A Mecânica nos ensina que a massa de inércia é o coeficiente de proporcionalidade entre aceleração, a mudança de velocidade no movimento, e a força que causa essa mudança de velocidade; toda vez que há mudança de velocidade, mesmo em direção, em sentido e, em geral, em grandeza, há uma força, uma violência, que é a causa dessa aceleração e o coeficiente de proporcionalidade é a massa de inércia, ao passo que a massa de gravitação é o coeficiente de proporcionalidade entre a aceleração da gravidade e a força peso. Mostra-se, na Mecânica newtoniana, que a massa de inércia é igual à massa de gravitação; isso foi mostrado por Galileu Galilei (ver GALILEU), e serviu depois na Relatividade Geral (ver RELATIVIDADE) de Einstein (ver EINSTEIN). Ernest Mach dizia que a massa provinha da interação de um corpo com toda a matéria existente no Universo (ver UNIVERSO). De

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fato, você vai andando e quando passa por uma árvore há uma força de gravitação entre a árvore e você, mas você não sente nenhuma mudança, pois ela não é suficiente para lhe causar o que quer que seja. É a interação de nós outros com a massa existente em todo o universo, dizia Mach, que deve ser a origem da massa. Já Hendrich Anton Lorentz, grande físico holandês, atribuía a massa do elétron à sua interação com o campo eletromagnético criado pelo próprio elétron. O elétron cria um campo, esse campo age sobre os outros corpúsculos, mas age sobre o próprio elétron, sobre seu próprio criador, e esta reação do campo sobre o elétron daria a massa do elétron (ver ELÉTRON). É claro que essa idéia bonita serviu numa época em que o elétron era a única partícula que havia além do próton, mas depois descobriram outras partículas (ver QUARK, Z), inclusive neutras e sem massa.

Atribui-se hoje a origem da massa dos quanta de certos campos ao mecanismo de Higgs, que é um mecanismo que não se sabe se é verdadeiro mas é o único ao qual se recorre na teoria dos campos de calibre para gerar massa. Mas, de qualquer forma, não se compreende por que há uma variedade de massas, por que a massa do neutrino é tão pequena, se não for nula, por que a massa do top quark é enorme, por que a massa do lépton é tão grande (ambas maiores do que a massa do nêutron), nós não sabemos por que, a não ser que se descubram novas teorias, “novas cordas”, mas com a teoria usual, com as noções intuitivas que a Teoria de Campos nos dá, não somos capazes de conhecer ainda a origem da massa.

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MAXWELL James Clerk Maxwell foi o homem que, em meados do século XIX, sintetizou as leis que haviam sido encontradas no eletromagnetismo: a lei de Coulomb, a lei de Faraday, a lei de interação entre corrente e ímã, corrente com corrente, e entre as cargas elétricas etc. Ele sintetizou tudo isso em equações e dessas equações saiu uma coisa nova. Maxwell viu que era preciso que além da corrente de cargas houvesse a corrente de deslocamento (a derivada em relação ao tempo da indução elétrica D), e era necessário esse fator novo para que houvesse uma consistência da teoria, para que a conservação de carga fosse satisfeita etc. As equações de Maxwell foram muito importantes porque foi a partir delas que construíram toda a eletrodinâmica. Ludwig Boltzmann ficou tão encantado com as equações de Maxwell que disse que um Deus escreveu esses sinais e, imitando o Fausto de Goethe, disse: “Ein Gott hat diese Zeichen geschrieben”. Então as equações de Maxwell caracterizam o campo eletromagnético, que é o segundo encontrado na Física; historicamente, o primeiro campo foi o gravitacional, embora para Newton a gravitação resultasse de uma ação à distância. No século XIX veio Maxwell que caracterizou o campo eletromagnético, constituído dos campos elétricos e magnéticos, e depois Einstein com a Relatividade Geral (ver RELATIVIDADE) caracterizou o campo de gravitação. A partir do século XX houve novos campos que caracterizam as partículas elementares. As partículas são quanta de campos (ver QUANTUM), e essa relação quantum-campo é muito importante. Atualmente, tentamos unificar as quatro interações da Natureza. A nossa tendência é procurar unificar, pois somos muito limitados, não podemos ter conhecimentos muito diversificados e procuramos sintetizar,

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reduzir uma coisa à outra e é isso que caracteriza a Física atual: a tendência para unificar as interações. MESTRE Mestre é o professor que a gente encontra na vida e que muda nossa vida!... que nos enriquece, e que faz com que nós todos tenhamos uma lamparina dentro de nós, um candeeiro, e de repente você encontra um mestre, um professor, que tem um certo conhecimento, uma certa intuição, e uma certa maneira de transmitir um conhecimento que nos encanta, e de súbito é como se ele aumentasse a luz da lamparina e do candeeiro transformando-a em uma chama incessante. O mestre é aquele que faz isso, mudando a vida das pessoas, transmitindo de uma maneira característica o conhecimento como ninguém mais saberia transmitir. MISTÉRIO Mistério é tudo aquilo que não pode ser explicado em termos racionais pela Ciência, pelas doutrinas conhecidas; é o enigma. O mistério é muito importante na religião (ver RELIGIÃO); o mistério da Santíssima Trindade, três deuses em um só (ver DEUS), é um mistério e são afirmações nas quais a razão não intervém.

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MORTE A morte a gente representa sempre por um esqueleto andando com uma foice, nos ameaçando a sensação da vida. A morte é o fim, é quando acaba toda a manifestação de vida; a morte é a negação da vida, não é? O termo final de nossa passagem pela terra, se é que depois vamos para outro lugar. A morte é a divindade mitológica representada pelo esqueleto humano armado de foice. Estar entre a vida e a morte, estar sob grande ameaça, morte aparente, estado de extrema redução das funções vitais que dá a aparência exterior de morte. Tomo em minhas mãos o livro Poésie, de Rainer Maria Rilke (ver POESIA), e ouso traduzir trechos de alguns de seus belos poemas sobre a morte.

I. Senhor, dai a cada um a sua própria morte, Que se origine desta vida, Onde ele encontrou o amor, um sentido e sua

[angústia. Pois não somos senão a folha e a crosta. A grande morte que cada um carrega em si É o fruto em torno do qual tudo muda.

II. Finale

A morte é grande. Nós lhe pertencemos, Boca que ri. Quando no coração da vida nos julguemos,

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Ela ousa de súbito Chorar em nós.

III. Hora Grave

Alguém chora neste instante em alguma parte do

[mundo, Sem razão chora no mundo, Chora sobre mim. Alguém ri agora em alguma parte da noite, Sem razão ri na noite, Ri de mim. Alguém caminha agora em alguma parte do mundo Sem razão caminha no mundo, Se dirige a mim. Alguém morre agora em alguma parte do mundo, Sem razão morre no mundo, Olha para mim. MULATA A mulata é o símbolo da beleza da mulher brasileira (ver BELEZA); a mulata é uma coisa indefinível, é um primeiro princípio, é um postulado da beleza; é a mulher que todos nós desejamos (ver MULHER)!

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MULHER A mulher é a coisa mais bonita criada por Deus nesse mundo, e se ele criou coisa melhor que a mulher ele escondeu dos homens e guardou para ele próprio. A mulher é o que há de mais bonito no universo! Depois da mulher é que vêm as outras belezas (ver BELEZA): a beleza da Ciência, das Artes, da Pintura, da Música, da música de Bach (ver BACH), de Beethoven, de Mozart, de Franz Liszt ou de Gustaf Mahler, mas a mulher supera tudo isso, e por causa de mulher tanta coisa se faz, tanto drama ocorre, tanta tragédia, tanta beleza, tanto êxtase diante da mulher bonita. A beleza da mulher é uma coisa insuperável no mundo. MÚSICA É uma combinação especial de sons que dão uma certa harmonia, aquilo que a gente caracteriza como melodia harmonia. Quando você pensa na música de Johann Sebastian Bach (ver BACH), de Franz Schubert, os trios de Schubert, o quarteto de Schubert, as sonatas de Schubert para o piano, de Liszt, as sinfonias de Gustav Mahler conclui que a música é uma beleza, é uma coisa que eleva a alma e você não pode analisar. Você ouve, por exemplo, A Arte da Fuga, que foi talvez a última composição de Bach, repetidas vezes, mas não tem sentido decompor e analisar a música. A decomposição em partes não tem sentido pois a música é uma combinação integral de sons que dão uma emoção especial ao nosso espírito. Eis o que disse Rilke sobre a música:

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Música: respiração das estátuas, talvez: Silêncio das imagens. Língua Na qual acabam as línguas, tempo Perpendicular aos corações que fundem.

Sentimentos para quê? Metamorfose Dos sentimentos em quê? Em uma paisagem de

[sons. Música: país estrangeiro, coração que se escapa De nós. Espaço o mais íntimo de nós mesmos Que, se elevando acima de nós, Nos expulsa: partida sagrada.

Nosso interar Nos envolve, Como um longínquo perfeitamente exercido. Como um reverso do ar, Puro, Imenso, Inabitável.

NACIONALISMO O nacionalismo é a exaltação de tudo aquilo que se refere à nação à qual pertencemos, da qual somos originários. O nacionalismo se opõe ao universalismo (ver GLOBALIZAÇÃO), e todos os países têm uma certa forma de nacionalismo. O homem que pertence a uma certa nação tem um laço que o liga a esta nação e não pode deixar de ter um certo apego à nação na qual ele nasceu e na qual vive em comunhão com os outros homens. Portanto, o nacionalismo pode ser natural. Os americanos são nacionalistas porque querem tudo para eles. Como nós

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brasileiros devemos ser nacionalistas, ser brasileiros. O mal é quando há o nacionalismo artificial; o sujeito é brasileiro mas prefere as coisas para os EUA, então não é o nacionalista brasileiro, mas sim o nacionalista alienado de outra nação. Ao longo da história eu acho que não houve nenhuma nação, nenhum país importante, que não estivesse associado ao nacionalismo que seu povo tem, pelos princípios, pelas belezas, pela constituição, pelas realizações do seu povo e da sua nação. Entretanto, o nacionalismo pode muito bem ser exaltado, ser deformado, e transformado em uma teoria, em uma concepção, exaltada e imprópria. NEWTON Isaac Newton, grande físico-matemático, astrônomo e filósofo Inglês, certamente o maior dos físicos de toda a História, o homem que depois de Galileu (ver GALILEU) Galilei soube descobrir o cálculo infinitesimal, e soube formular a Mecânica, as leis do movimento, que são hoje ainda utilizadas para calcular o movimento e a trajetória dos satélites e dos foguetes espaciais enviados da Terra para o espaço.

Isaac Newton, nos anos de 1660, teve que passar 2 anos em casa, pois na Inglaterra havia a peste e todas as instituições públicas estavam fechadas, e Newton passou em casa esses dois anos, que os historiadores chamam de anos maravilhosos, porque durante esses anos ele descobriu as leis do movimento e da gravitação universal, que podemos traduzir por uma metáfora: "a maçã que cai de uma árvore, o faz pelo mesmo motivo que a Lua gira ao redor da Terra". Tudo isso é um mesmo movimento, é um movimento causado pela força de gravitação e o que difere

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um do outro são as condições iniciais. Newton descobriu isso, como Galileu já havia dito, que as leis do movimento dos corpos celestes são as mesmas dos movimentos dos corpos terrestres.

Newton fez o cálculo infinitesimal como também fez a teoria da luz. Foi quem decompôs a luz branca em suas cores, fazendo uma experiência moderna, na qual ele pegou o raio de luz e o fez passar através de um prisma que dividiu a luz nas suas componentes. A seguir, escolheu uma delas (a luz vermelha, por exemplo) e passou por outro prisma e viu que ela não se decompunha mais; foi uma experiência moderna. Newton foi uma figura extraordinária, embora tivesse um caráter meio estranho, porque ele foi honrado na Inglaterra, onde chegou a ser Tesoureiro do Reino, foi presidente da Royal Society e, como presidente, designou uma comissão para saber quem tinha encontrado primeiro o cálculo infinitesimal, se ele ou Leibniz, famoso filósofo alemão. Para isso ele nomeou uma comissão com seus amigos, ele mesmo escreveu o relatório para essa comissão e nesse relatório dizia que tinha sido ele o primeiro naturalmente. Então seu caráter, de acordo com nosso amigo Hawking, deixava muito a desejar, mas como cientista foi a maior figura, provavelmente, de toda a História (ver HISTÓRIA). PAIXÃO Quando você tem um amor (ver AMOR) por uma mulher (ver MULHER) bonita, e você não faz outra coisa se não pensar nela, você traduz isso dizendo que você está apaixonado por ela, tem paixão por ela. A paixão é um

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movimento violento por alguma coisa que você admira, ama, deseja e quer para você só, isso é a paixão. PARMÊNIDES Parmênides foi um dos filósofos da Grécia antiga, muito importante (ver FILOSOFIA). Ele propôs que só existiria o Um; assim ele negava a variedade, o mundo tal como ele existe. Uma das frases típicas dele é essa: "o que é, é e não pode não ser, o que não é, não é e não pode ser" e tudo aquilo que pode ser pensado é, e tudo aquilo que é pode ser pensado.

Uma vez, em um seminário em Princeton, proferido pelo famoso matemático francês Jacques Hadamard, que escreveu um livro sobre a psicologia da invenção matemática, lembro-me de que Einstein, a alguns assentos distante de mim, fez a seguinte pergunta: "quando você tem uma idéia nova ela está associada a uma palavra nova?". Essa pergunta, de um certo modo, naquela época, me lembrou Parmênides; o que é, é, e deve ser pensado, e o que é pensado é! Mas, infelizmente, não me lembro da resposta de Hadamard. Depois houve filósofos discípulos dele que procuraram conciliar a filosofia dele com a realidade, e disseram que haveria várias unidades, vários "uns". De qualquer maneira, o pensamento de Parmênides foi importante por que deu lugar à idéia de unidade. PAULI Wolfgan Pauli, meu querido mestre (ver MESTRE), um dos fundadores da teoria quântica, o criador da teoria não-relativística do spin do elétron ver (ELÉTRON) e que,

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junto com Werner Heisenberg, foi o fundador da Eletrodinâmica Quântica no formalismo hamiltoniano. Pauli deu contribuições importantíssimas sobre a correlação de spin e estatística; além disso, era considerado a consciência da Física, o que estava publicado, ele sabia. Em 1951, quando voltei, fiz um trabalho "On the particle picture of the quantized Bose field", que considerei importante e tive uma grande alegria ao fazê-lo. Queria saber se era possível representar teoricamente um universo em que só existissem prótons, porque era uma época em que não se havia descoberto o anti-próton; se não existisse o anti-próton haveria uma partícula tipo o próton só com uma carga, era possível isso? Eu mostrei que não, quer dizer, é possível, mas é uma teoria não-local e não-causal. Eu fiz esse trabalho e mandei-o para o Pauli e ele me escreveu uma carta dizendo que eu lesse um artigo do Dirac, e que se o Dirac não tivesse feito algo parecido então ele iria ler meu trabalho e, de fato, Dirac tinha abordado questões parecidas com aquelas que eu tinha abordado. Isso me deu uma grande alegria, pois independentemente de Dirac eu descobri coisas importantes que ele próprio publicou. Esse episódio ilustra o que era Pauli. Trabalhei e convivi com ele durante 2 anos. Depois, num terceiro ano, em Princeton, Jauch sugeriu que eu trabalhasse com ele e me deu uma grande alegria. Pauli tinha fama de ser muito crítico, mas ele me tratava como um filho, era de uma gentileza enorme. Eu ia da Universidade ao Instituto de Altos Estudos e lá na biblioteca às vezes vinha me buscar para saber se tinha "anything new". E quando ele ia no verão para Saradak Lake, junto com Einstein, fugindo do calor insuportável de Princeton, ele me escrevia perguntando como ia o trabalho, quais eram os resultados e discutíamos por carta. Essas cartas minhas a ele estão publicadas em um livro da Springer

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Verlag, "Wolfgang Pauli Briefwechsel", e haverá um volume em que sairão as cartas dele para mim.

Pauli dirigia um seminário em Princeton e neste seminário falaram homens como George Gamow e Hans Reichenbach e uma vez Pauli me deu um trabalho dos físicos hindus H.J. Bhabha, e S.K. Chakrabarty, sobre raios cósmicos, para que eu expusesse no seminário.

Pauli era um homem muito abordável e muitas vezes, depois do trabalho, saíamos juntos, ele, Jauch, Ning Hu e eu. Íamos tomar uma cerveja na Nassau Tavern, e aí todos gostavam de contar histórias. Jauch contava histórias dos grandes físicos e Pauli era muito orgulhoso do “efeito Pauli” que era o seguinte: “se no laboratório estivesse sendo feita alguma experiência importante e se alguma coisa desse errado, eles sabiam que Pauli tinha estado por perto"; ele era orgulhoso disso mais do que de seus trabalhos. Uma vez Ning Hu, um físico chinês, disse na conversa na cervejaria que na China só uma pessoa e meia compreendia a teoria da relatividade (ver RELATIVIDADE) e de repente Pauli deu uma bruta gargalhada e perguntou: "Who is the Half?". A gargalhada provém de um trocadilho: a pergunta era, na verdade, ao mesmo tempo uma afirmação: “Who = Hu”, o físico chinês, era a metade! PINTURA Uma beleza a pintura (ver BELEZA)! Eu travei contato com a pintura quando vim ao Rio de Janeiro e me hospedei na Pensão Internacional, com a minha mulher (ver AMOR). Eu tinha acabado de casar, e lá estava um casal famoso de pintores: Arpád Szenes, que era um pintor de nacionalidade húngara, mas radicado em Paris, e sua mulher Maria Helena Vieira da Silva, nascida em Portugal,

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mas também residente em Paris. Ambos eram muito famosos como grandes pintores, e tinham fugido de Paris com a ocupação alemã e estavam instalados na Pensão Internacional em Santa Teresa, para onde me levou o matemático português Antonio Aniceto Monteiro, que também estava hospedado lá. Também estava lá Carlos Scliar, um grande pintor brasileiro, e então foi o meu primeiro contato com a pintura. Eu via lá o Arpád que dava aulas de pintura e tinha alunas americanas e Maria Helena, separada dele, evidentemente em outro atelier, para um não influenciar o outro. Depois eu fui para os EUA e sempre que ia a New York para visitar os museus, fazia coleção enorme de cartões e reproduções de pinturas. Depois, na Europa, foram as catedrais góticas. As catedrais góticas são de uma beleza (ver BELEZA) comparável à beleza da mulher (ver MULHER e MULATA). Ia ao Louvre e ao museu d’Orsay com freqüência quando estava na França.

Em 1953, um amigo meu ceramista, Adolpho Soares, que gostou das fotos coloridas que eu fazia, perguntou porque eu não pintava e eu disse que não sabia. Ele comprou para mim tintas, tela e pincéis e eu comecei a pintar e a partir daí não paro, desde 53. Acho que comecei a fazer quadros bonitos desde o início. Fui evoluindo, estudando. Eu ia ao Jardim Botânico, com meus filhos pequenos, e enquanto eles ficavam brincando eu pintava, desenhava as árvores, as velhas mangueiras do Jardim Botânico. A partir daí eu fui pintando, pintando e houve um momento em que senti uma espécie de estalo; era a época de inverno, em que as folhas das amendoeiras no Rio ficam amareladas e avermelhadas, e caem, o que é de uma beleza extraordinária, e eu andava de ônibus e de lotação e ficava encantado ao olhá-las e passou-me pela cabeça porque eu não desistia da Física e me dedicava à pintura.

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Mas não fiz isso, continuei fazendo Física, e continuei pintando. Hoje tenho uma centena de quadros, porque a pintura para mim não é uma obrigação, é um prazer, é um relaxamento (ver PRAZER). Eu pintava de noite quando tinha insônia, como faço até hoje.

Não cabe a mim julgar minha obra artística, mas eu acho que tenho alguns quadros bons. Eu nunca expus, exceto na ocasião dos festejos de meus 80 anos, no Iate Clube do Rio de Janeiro, exposição organizada por Mirian de Carvalho e Francisco Caruso. Mas mesmo assim, muitos amigos meus pediram e muitos deles têm quadros meus, amigos e amigas, muito mais mulheres, naturalmente.

A pintura para mim é uma beleza. Sendo um físico teórico, eu queria fazer alguma coisa com as mãos e a pintura me deu essa possibilidade. PODER Dizem que o poder corrompe, não é? O poder é parte da estrutura dos estados desde a antigüidade até hoje, e esse poder toma várias formas: o poder absoluto, a monarquia absoluta, a monarquia constitucional, a república e na república você tem o parlamentarismo e o presidencialismo, e no presidencialismo o poder está na mão do presidente, na monarquia está na mão do rei ou do primeiro ministro. O poder, quando é bem exercido, é importante, mas pode ficar um poder absoluto, totalitário, fascista, o que é uma opressão do povo. Quer dizer, o poder dá as diretrizes para que se realizem as coisas dentro de uma sociedade, mas há o perigo intrínseco de corromper as pessoas que exercem esse poder. Você vê que em todos os setores, nas universidades (ver UNIVERSIDADE) e nas instituições, tem que haver um

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poder supremo, e esse poder pode ser bom ou mau. O importante é quando ele é bom e realiza coisas úteis para a sociedade, para os homens e as mulheres. POESIA Há grandes poetas brasileiros. Podemos citar os velhos parnasianos, mas os que admiro mais são: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, que lemos e ficamos encantados. Dentre os estrangeiros, o maior para mim foi Rainer Maria Rilke, nascido na Tchecslováquia, poeta de língua alemã, de grande poder. Na minha opinião é o maior, como também T.S. Eliot, o poeta inglês de origem americana. Os quatro quartetos de Eliot são uma beleza! Rilke escreveu as Elegias de Duino.

Rilke tinha uma vida meio mística, se dedicou só à poesia, não trabalhava e era sustentado por princesas, que lhe ofereciam castelos na Europa. Ele esteve muito tempo no castelo de Duino, que eu conheço, pois é no caminho para Trieste, e lá ele escreveu as Elegias de Duino. Ele morou lá sozinho, adorava a solidão e, segundo ele, um dia uma voz soou no seu ouvido e daí nasceu a poesia: "quem pois se eu gritasse me escutaria no reino dos anjos, e se mesmo um deles de súbito me abraçasse de encontro ao seu coração, eu sucumbiria ante sua existência mais poderosa, pois o belo não é senão o começo do terrível que apenas podemos suportar e se assim tanto o amamos, é que ele suavemente nos desdenha destruir" e tem outro pedaço que diz: "A quem recorrer... nem aos anjos nem aos homens e já os animais sabem por instinto que não nos sentimos seguros, nesse nosso mundo interpretado, resta-nos talvez em alguma parte da ladeira alguma árvore que

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possamos rever cada dia, resta-nos o caminho de ontem e a doce lealdade de um hábito que caiu em nós que ficou e não partiu"; essa é uma parte das Elegias de Duino.

Nos meus livros de Física tenho sempre uma frase de Rilke; para meu livro Fondements de la Physique Atomique escolhi: “Erde, ist es nicht dies was du willst: unsichtbar in uns erstehn?” “Terra não é isto que queres invisível ressurgir em nós?” “Erde! Unsichtbar”: “Terra! Invisível!”. No fundo você vê que a Ciência é a terra feita invisível em nossas idéias. Coloquei no meu último livro, A Estrutura Quântica da Matéria, uma poesia extraordinária de Rilke como epígrafe: "com as mãos trêmulas te construímos, átomo sobre átomo as tuas torres elevamos mas quem poderia te completar, ó catedral" Isto é uma beleza! Esse homem é um dos maiores poetas porque tem um senso filosófico profundo das coisas. Ele vivia isolado, casou-se, separou-se e escrevia cartas para a mulher, as cartas sobre Cézanne. Rilke foi secretário do grande escultor Auguste Rodin e ele escreveu um livro sobre Rodin e como seu secretário ele aprendia, via o que Rodin fazia na escultura, e ele dizia que é importante trabalhar sempre, trabalhar é uma grande inspiração. Naturalmente tem o Eliot também quando fala sobre o tempo, tempo passado, tempo presente, e tantas outras poesias que eu não sei de cor, mas são poetas extraordinários. POLÍTICA

Eu não sou político, mas sou obrigado a fazer a política científica. Outros são obrigados a fazer política industrial, desenvolvimentista, artística, quer dizer, estabelecer conjuntos de regras para poder realizar coisas no setor considerado.

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E tem a política como se manifesta nas vésperas de eleições, como agora, quando há tanta sujeira. E nessas eleições, pela primeira vez no Brasil, temos um Presidente que forçou uma modificação na constituição para que ele próprio pudesse ser reeleito. Ele poderia fazer isso para que o próximo pudesse ser reeleito, mas ele fez isso para si próprio, o que considero um dos piores exemplos de caráter na política nacional. PORTINARI Cândido Portinari, grande pintor brasileiro, talvez o maior, o símbolo da pintura do Brasil (ver PINTURA). Tive a honra de conhecê-lo porque ele tinha um filho, João Cândido, e esse filho é um homem muito importante, que se dedica à divulgação da obra do pai, que na época ia estudar engenharia elétrica, ou no MIT ou na França, e Portinari convidou-me para jantar na casa dele para trocarmos idéia a respeito disso; foi aí que eu o conheci. Ele, nesta ocasião, me presenteou com um pincel muito fino, dizendo que era muito importante para desenhar. Depois estive com ele outra vez, quando esteve aqui um físico experimental italiano, Sergio de Benedetti, trabalhando no CBPF, o qual manifestou desejo de conhecer Portinari. Combinei, então, um jantar com o Portinari. Estas foram as duas vezes em que estive com ele. Fora isso, ia às suas exposições.

No prédio do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, você encontra murais belíssimos pintados por ele, como também os ladrilhos no exterior foram todos eles desenhados por Portinari. A sua pintura é muito bonita. Ele tem quadros extraordinários, retratos belíssimos e sua obra exprime a realidade brasileira, os plantadores de café, a

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primeira missa no Brasil, e tem grandes murais por ele pintados que estão no edifício das Nações Unidas em NY. Grande pintor, que certamente simboliza a pintura brasileira, comparável aos grandes pintores mexicanos Diego Rivera, Orozco e Siqueiros. PRAZER Prazer é o que nos satisfaz o corpo e o espírito, o que nos dá alegria, o que nos proporciona um certo gozo da vida. E o prazer você tem de diversas formas. Você tem prazer apreciando uma bela mulher (ver MULHER), e isso é a coisa mais bonita no mundo, a mulher bela produz um prazer… um prazer indizível, que você não pode traduzir; é um prazer similar a escutar uma Fuga de Bach, que você não pode descrever, mas lhe dá aquela alegria espiritual e faz você voar no espaço. A beleza (ver BELEZA) de uma mulher e a sua sensualidade dão um prazer como um todo, é aquele conjunto que você apreende de uma vez e que lhe penetra o corpo e a alma.

Prazer você tem também vendo belas pinturas, vendo belas esculturas, vendo belas arquiteturas, vendo a bela arte (ver ARTE), como você tem prazer na Física (ver FÍSICA). Eu tive esse prazer ao fazer um trabalho original e propor umas idéias novas; isso dá uma alegria muito grande a cada um de nós. O prazer intelectual de fazer ciência também é um prazer. Há o prazer sensual, o prazer sexual, o prazer ao ler um belo livro de literatura, há, enfim, várias formas de prazer que são as que nos dão alegria.

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QUANTUM

Quantum foi o nome dado por Max Planck à unidade de energia (ver ENERGIA) trocada entre a radiação e a matéria. Antes disso julgava-se que a energia era trocada continuamente entre a radiação e a matéria, e a matéria absorvia quantidades arbitrárias de energia, e poderia emitir também quantidades arbitrárias de energia. Planck verificou que para obter uma fórmula que descrevesse a distribuição espectral da energia irradiada por um corpo negro era necessário supor que entre a radiação e a matéria as trocas de energia se fazem de maneira descontínua. A matéria não absorve, portanto, uma quantidade arbitrariamente pequena de energia; ela absorve unidades, grãos, quanta de energia, e também emite da mesma maneira. Ele teve que supor que a energia de um quantum é proporcional à freqüência da radiação e a constante de proporcionalidade é o quantum de ação, a famosa constante de Planck. Ao propor isso, Planck provocou uma revolução e fundou as bases da chamada “velha teoria quântica”, mas, no fundo, ele ficou alarmado, pois era um homem conservador, especialista em Termodinâmica. Ficou tão alarmado que chegou a afirmar que a quantização era característica do processo obscuro de troca de energia, mas que no espaço livre a radiação se distribui por ondas que obedecem às equações de Maxwell (ver MAXWELL). Foi Einstein (ver EINSTEIN) quem, em 1905, cinco anos depois do trabalho fundamental de Planck, propôs que a radiação, mesmo propagando-se livremente no espaço, não era constituída de ondas, mas sua energia se distribui em grãos de energia que são os quanta de energia, os quanta de luz, que depois foram chamados de fótons. Einstein, portanto, foi bem além de Planck.

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A imensa maioria dos físicos não gostou dessa idéia de Einstein e o atacava. Houve mesmo um grupo, do qual Planck fazia parte, que, ao propor o nome de Einstein para a Academia de Ciências da Prússia (ver ACADEMIA), declarou que embora ele fosse um físico extraordinário, que tinha dado grandes contribuições à Física, como por exemplo, para a teoria quântica dos calores específicos que é o primeiro trabalho sobre a física do estado sólido sob a forma quântica , era inevitável que ele fizessse alguma besteira ao atirar em todas as direções, como no caso de sua proposta da estrutura quântica da luz, que era uma coisa na qual não se devia acreditar. Einstein manteve-se calado, mas só em 1923, quando o físico americano Arthur Compton, estudando a difração de raios-X, a passagem de raios-X através da matéria, é que o conceito de quanta de luz passou a ser aceito pela maioria da comunidade científica. QUARK

Os quarks foram introduzidos por Murray Gell'Mann, ao propor a estrutura da matéria de tal sorte que prótons, por exemplo, e outras partículas que antes se pensava que eram partículas elementares (pontuais), como os nêutrons, os mésons , os mésons K, partículas que têm interação forte, que se chamam hádrons, na realidade tinham uma sub-estrutura.

Hoje em dia são conhecidos seis quarks: o quark u, o quark d, o quark c, o quark s, o quark t e o quark b; essas letras vêm das iniciais das palavras inglesas que dão nome aos quarks, pois os americanos e ingleses julgam que a língua deles é universal, é o novo latim, e utilizam até palavras de cozinha na Física, e nós brasileiros, em geral

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temos pudor em usar essas palavras de cozinha traduzidas para nossa língua, e então usamos o original como um anglicismo: u é o quark up (para cima) o d é o down (para baixo), o c é o charm (o encantado), o s é o strange (o estranho), o t é o top (que está no peito), e o b é o bottom (que está na bunda, não é?).

Essas partículas não foram ainda descobertas livremente; não se consegue produzí-las em estado livre, mas as estruturas de prótons, nêutrons, mésons e K, as propriedades dessas partículas são bem descritas em termos desses quarks. É por isso que se acredita que existam mesmo os quarks.

Não sabemos se esse é o estado final da estrutura atomística da matéria (ver ÁTOMO). Eu particularmente acho muito estranho como as partículas fundamentais da matéria, conforme sugerido por Demócrito e Leucipo, e depois revivido na ciência moderna, constituem uma unidade fugidia. Idealmente deve-se considerar um número pequeno de partículas atômicas, em termos das quais você descreveria a matéria toda, mas à medida que você se aproxima de um número pequeno de partículas elementares, a coisa se alarga e a unidade parece sempre fugidia. Hoje temos seis partículas fundamentais, os seis quarks, sendo que há os quarks mais leves e os mais pesados; o quark top é pesadíssimo, tem uma massa de 150 GeV. Como é que você pode admitir uma partícula simples com essa massa toda, 150 vezes maior do que a do próton? Todos os quarks têm propriedades similares e também há os seis léptons. Essa foi uma palavra inventada por Moeller e por Rosenfeld para indicar as partículas leves, que são uma generalização dos elétrons (ver ELÉTRON).

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QUÍMICA A Química foi a ciência que me atraiu quando eu era estudante do colégio Marista. Havia um professor muito bom, chamado Irmão Pacômio, que dava aulas muito bonitas fazendo experiências com materiais simples, e essas experiências mostravam reações químicas nas quais se produziam belos compostos, púrpuras, vermelhos, azuis e misturando dois líquidos de dois tubos de ensaio produzia-se um precipitado belíssimo. Isso tudo me encantou e me levou a querer saber qual era a estrutura íntima da matéria. Logo depois eu soube que havia uma profissão de químico no Recife, porque Pernambuco era uma terra onde a economia era baseada nas usinas de açúcar, e cada usina tinha que ter um químico. Decidi, então, seguir a carreira de Química Industrial. Então estudei bastante Química. A Química Orgânica, por exemplo, é muito bonita; aquelas séries todas têm uma certa simetria, a Físico-Química me encantou e depois, com a influência de Luiz Freire e outros, deixei a carreira de químico para ser físico. RECIFE

Recife é minha cidade natal, extraordinária! Recife tem uma grande personalidade. Recife das pontes, dos grandes poetas, de Augusto dos Anjos, de Manuel Bandeira, de João Cabral de Mello Neto, das ruas de nomes poéticos: Rua Aurora, da Paz, da Harmonia, da Alegria, essas ruas todas eram objetos até de poemas nas poesias (ver POESIA) de Manuel Bandeira, meu Recife Morto, saudades de Recife. Eu vivi em Recife, naturalmente sou pernambucano. Minha família instalada no Recife, meu

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avô paterno veio de Portugal e lá fundou a família Ferreira Lopes, que tem a sua beleza (ver BELEZA), seus encantos, e tem uma personalidade intelectual forte; gente como Gilberto Freyre, Silvio Rabelo, Olivio Montenegro, Anibal Fernandes, o grande pintor Cícero Dias, o outro pintor famoso, do qual até acabei de comprar um livro, Vicente do Rego Monteiro.

O Recife era o primeiro porto para os navios vindos da Europa atracarem. Então, os emigrantes vindos da Europa que tinham dinheiro suficiente para uma viagem mínima ficavam em Recife, e daí muita gente ficou por lá: muitos intelectuais, muitos judeus, muitos oriundos da Europa Central, que construíram um Recife intelectualmente forte. Gilberto Freyre que produziu uma revolução nos anos 30 com seu livro Casa Grande e Senzala, é um homem de Pernambuco e fez questão de não sair de Recife. Eu saí pois não havia escola de ciências, não havia como um físico se formar em Recife, e, como eu, muita gente migrou: Josué de Castro, Cícero Dias, que foi para o sul e depois foi para Paris onde vive até hoje, e tantos outros. Mas o Recife é o Recife, cantado por Augusto dos Anjos e Manuel Bandeira, é uma beleza! RELATIVIDADE Nós podemos atribuir a origem da relatividade a Galileu (ver GALILEU) e Newton (ver NEWTON). O princípio da relatividade nos diz que as leis da Mecânica não mudam quando se passa de um sistema de referência no qual é válido o princípio de inércia, chamado de sistema de referência inercial, a outro em movimento retilíneo e uniforme em relação ao primeiro. As leis da Mecânica são invariantes, pelas transformações de Galileu, que permitem

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passar das coordenadas de um sistema às coordenadas de outro dotado de um movimento retilíneo e uniforme em relação ao primeiro. Entretanto, aplicando as transformações de Galileu às equações de Maxwell (ver MAXWELL), descobertas no século XIX, verifica-se que essas equações não são invariantes com relação a essas transformações e a velocidade da luz dependeria do sistema de referência. Este problema interessou a Albert Einstein, Hendrik Antoon Lorentz e Henri Poincaré. Os três abordaram o tema; Poincaré, que era um grande matemático, publicou um trabalho muito bom, no qual buscou quais as leis de transformação das coordenadas de um sistema de referência inercial para outro que deixariam invariantes as equações de Maxwell. Lorentz também deduziu estas leis. Einstein, independentemente, chegou a essas transformações e as chamou de transformações de Lorentz e esse nome pegou. As transformações de Lorentz não-homogêneas são aquelas segundo as quais você passa de um sistema de referência a outro, primeiro por uma translação e depois pela transformação de Lorentz propriamente dita, e são também chamadas de transformações de Poincaré. O que Einstein descobriu você pode resumir de uma maneira sofisticada dizendo que as leis da Física (ver FÍSICA) devem ser invariantes com relação às transformações do grupo de Poincaré próprio.

Esse princípio da relatividade enunciado por Einstein é muito importante. Muito mais do que Lorentz e Poincaré, Einstein foi eloqüente, escreveu muito e foi quem deu a significação física para esse princípio. Em geral, as leis da Física relacionam variáveis de um fenômeno físico entre si, como, por exemplo, a equação PV=nRT relaciona a pressão e o volume com a temperatura de um gás perfeito etc. Mas a lei de relatividade é uma super lei, que diz como devem ser as leis da Física. Essa é a Relatividade

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Restrita, cujas conseqüências são muito importantes; uma delas diz que a velocidade das ações físicas é uma constante universal, que a velocidade das ondas gravitacionais deve ser a da luz, e corpos que têm massa de repouso não podem chegar a essa velocidade; só os fótons e os grávitons podem chegar a essa velocidade, pois não tem sentido falar nessas partículas em repouso. As conseqüências dessa teoria foram enormes para toda a Física Moderna. Depois da descoberta da Mecânica Quântica, o problema fundamental era casar a Mecânica Quântica com a Teoria da Relatividade Restrita, uma grande vitória obtida por Paul Adrien Maurice Dirac. A equação de Dirac, que é a equação relativística do elétron (ver ELÉTRON), é uma equação quântica obedecendo ao princípio da relatividade.

Einstein, a partir de 1905 e nos anos seguintes, se perguntava por que o movimento tinha que ser de translação retilínea uniforme, para passar de um sistema a outro e obter a invariância de uma lei física; qual é o privilégio desse movimento? Ele queria generalizar o princípio da relatividade para movimentos não uniformes e não retilíneos, e assim descobriu a Relatividade Geral. Primeiro descobriu o princípio da equivalência, momento que ele diz ter sido o mais feliz de sua vida. Nós todos aqui submetidos a um campo de gravitação uniforme estamos caindo todos com a mesma aceleração, como descoberto por Galileu, o que dá lugar ao fato da massa de gravitação e de inércia serem iguais e todos os corpos caírem em queda livre com a mesma aceleração, i.e., no vácuo, levam o mesmo tempo, seja uma bola de chumbo ou uma pena de pavão. Einstein aproveitou-se disso para dizer que um corpo em queda livre perde seu próprio peso, ou ainda que a queda de um corpo num campo de gravitação uniforme é equivalente a um corpo que não cai, mas que está em um

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sistema de referência dotado de um movimento de translação uniformemente acelerado para cima; isso é equivalente a um corpo que cai com aceleração g, e, então, o movimento de translação desse sistema tem uma aceleração igual a –g. Isso é equivalente a um movimento em um sistema inercial no qual há um campo de gravitação uniforme, onde todos os corpos caem com aceleração g. Einstein partiu para a Relatividade Geral, uma teoria muito bonita, na qual ele atribui propriedades dinâmicas à geometria do espaço (ver ESPAÇO), relaciona a Gravitação à Geometria do espaço de Riemann e a matéria e a gravitação são obtidas pelas propriedades de curvatura do espaço. RELIGIÃO O homem primitivo atribuía todas as coisas que via, as tempestades, os elementos, o ambiente em que ele estava mergulhado e certas coisas que ele não poderia entender, a seres superiores, que deveriam regular esses elementos e a vida de cada um deles. Daí nasceu o culto a esses seres superiores, a uma divindade (ver DEUS) e, então, daí nasceram depois as religiões sob várias formas no Oriente, no Ocidente. A noção de divindade e o culto da divindade são a essência da religião. Você tem a religião cristã, a muçulmana, a judaica. A cultura e a civilização européia provêm do culto judaico-cristão. Evidentemente, a religião atribui a seres superiores, a um Deus, a causa do Universo (ver UNIVERSO), a causa para todas as coisas. Há aqueles que crêem e os que não crêem. A Ciência (ver CIÊNCIA) procura desvendar os mistérios do Universo, mas não consegue, pois há muito mistério (ver MISTÉRIO), há muita coisa na Ciência sem explicação e a Religião então

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entra em cena e é uma questão de foro íntimo você acreditar ou não em uma ação de uma divindade superior. RIO

O Rio de Janeiro é uma cidade encantadora. Quando eu vim a primeira vez do Recife (ver RECIFE) para o Rio, achei que era uma bela cidade, com todas as suas praias, seus coqueiros, suas palmeiras e mangueiras, muito bem arborizada. É uma cidade espremida entre as montanhas e as praias, e tem as belas morenas (ver MULATA), não é? As moças do Rio de Janeiro são belíssimas!

Eu vim do Recife, em 1937, e em 39, já formado em Química Industrial, ganhei uma bolsa das indústrias Carlos de Brito & Cia. para vir estudar no Rio e aqui me instalei em 1939/40 e aí comecei a viver no Rio, que era a capital federal, uma cidade que tinha grandes vantagens na época. Infelizmente, depois o Senhor Juscelino Kubitschek transferiu a capital para Brasília e essa transferência foi brutal, coisa que não se faz em parte nenhuma. Na Alemanha atual, por exemplo, durante muito tempo a capital foi a cidade de Bonn, e ultimamente com a unificação da Alemanha, após a queda do muro de Berlim, os alemães decidiram transferir a capital para a cidade tradicional que é Berlim, mas a transferência da capital de Bonn para Berlim se dá lentamente, adiabaticamente, dando vantagens a Bonn que está perdendo a sede do governo, a sede do Parlamento. Isso não aconteceu no Rio de Janeiro; aqui a saída foi brutal, parece que o Juscelino, os mineiros e os paulistas tinham ciúme do Rio de Janeiro e tiraram tudo que era possível. As instituições do governo deram vantagens e mordomias para os funcionários irem

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para Brasília, ganhando apartamentos de graça, ganhando em dobro, e o Rio de Janeiro assistiu à retirada das empresas, das sedes das grandes multinacionais para Brasília, Minas, e para São Paulo. Então o Rio de Janeiro sofreu. Depois houve o Estado da Guanabara, transformaram a capital em um Estado e finalmente, com a ditadura, anexou-se a cidade do Rio de Janeiro ao Estado do Rio de Janeiro, que é um Estado pobre, enquanto o Estado de São Paulo é um Estado rico, próspero. Lá você não tem só prosperidade na capital, mas também nas outras cidades como Ribeirão Preto, Sorocaba, Mogi das Cruzes. Em São Paulo há muitas universidades espalhadas (ver UNIVERSIDADE), e muito cultivo, muita indústria, muito trabalho e muita produção. É isso que o Estado do Rio de Janeiro precisava ter.

Quando cheguei aqui o antigo Estado do Rio de Janeiro tinha muita produção de laranja e banana, depois essa produção decaiu. É preciso retomar essa agricultura no Rio. O norte do Rio, por exemplo, é paupérrimo; Campos é só sede de açúcar, de goiabadas. É preciso que haja projetos, programas de industrialização e de agro-indústrias, de modo que a cidade do Rio tenha sua beleza fundamentada em sua estrutura econômica forte.

SBPC A SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência foi fundada em 1948, no estado de São Paulo, e foi graças à iniciativa de alguns pioneiros, dentre os quais posso citar Maurício Rocha e Silva, que é um biólogo paulista famoso por descobertas na área da farmacologia, farmacodinâmica e Haity Moussatché, que era um fisiologista do Rio de Janeiro no Instituto Oswaldo

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Cruz, que trabalhou com Miguel Osório de Almeida e deu contribuições importantes à farmacodinâmica. Esses dois cientistas são os grandes fundadores, mas houve muitos outros que cheguei a conhecer em 1948: Maurício Rocha e Silva, Hermann Lent, Paulo Sawaya, Alberto Carvalho e Silva entre outros. Eu comparecia a algumas reuniões desde aquela época.

A SBPC organiza a cada ano uma grande reunião em alguma das cidades brasileiras, Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Natal, Recife, Belém etc. Cada vez mais vão milhares de cientistas, de sociólogos, de educadores que apresentam trabalhos e participam de discussões, mesas-redondas sobre temas importantes como: a relação Ciência e a Sociedade, as dificuldades burocráticas que o governo nos impõe, o desenvolvimento da Ciência, Ciência e Educação etc. É uma Sociedade muito importante porque congrega milhares de cientistas, e nessas reuniões se tem a oportunidade de não só nos conhecermos uns aos outros, como de debater temas que são de interesse não só científico como também temas gerais que interessam à sociedade em geral.

Um programa importante que realizamos no Rio de Janeiro é o SBPC vai à Escola. Nós tivemos a idéia de que os cientistas cuja missão fundamental é fazer seu trabalho de pesquisa, criar conhecimento novo, trabalhar no seu laboratório, no seu gabinete de meditação, descobrir novas leis , mesmo preocupado com esses problemas, seriam as pessoas indicadas para irem às escolas de ensino médio, convidados pelo professor da matéria correspondente, e falar para os estudantes. Eu tive a ocasião de fazer inúmeras conferências no colégio Santo Inácio, Pedro II e em vários outros colégios no Rio de Janeiro e a meninada adorava. Eu falava sobre a origem da Ciência (ver CIÊNCIA), sobre Isaac Newton (ver NEWTON),

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sobre Galileu (ver GALILEU), sobre os filósofos gregos (ver FILOSOFIA), sobre Einstein (ver EINSTEIN), sobre Relatividade e Mecânica Quântica, pois na televisão, atualmente, as descobertas científicas aparecem a cada dia e são objetos de noticiário nos meios de comunicação: “descobriu-se o buraco negro; uma super nova apareceu; o quark top foi descoberto”. É natural que as crianças queiram saber o que é isso, e ninguém melhor que os especialistas para lhes ensinar (ver EDUCAÇÃO). Eu acho que aquele que faz pesquisa tem que ensinar, é o melhor professor porque, mesmo ensinando uma coisa velha, ele ensina com um método novo, destacando a aventura da pesquisa científica. O pesquisador transporta essa aventura para a transmissão de um conhecimento dando-lhe roupagem nova e isso é muito importante. Ficaria muito contente de ver este projeto reproduzido em outras regionais da SBPC. SECA

A seca é um dos problemas brasileiros crônicos

mais vergonhosos, não é? Porque você compreende, o Oriente Médio, Israel, Arábia Saudita, Palestina, Jordânia, todos eles vivem em climas que conduzem à seca. Israel, entretanto, com tecnologia e ciência resolve esse problema. No Brasil o que tem acontecido é que uma classe política ignorante (ver POLÍTICA), ao longo dos anos, tem se aproveitado da seca, do dinheiro destinado ao departamento nacional de obras contra as secas, para a construção de açudes, os quais, em geral, são construídos em fazendas de grandes proprietários, e não há açudes construídos para a população pobre, não é? O desvio das águas do rio São Francisco e uma ligação dele com outros

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rios poderiam dar lugar a uma irrigação tipo Califórnia, não é? Um exemplo disso é a cidade de Petrolina e a cidade gêmea de Juazeiro (fronteira entre Pernambuco e Bahia) que têm o clima sequíssimo e onde praticamente não chove, mas com a irrigação provida pelo rio São Francisco há grandes cultivos de uvas, mangas, tomates, fabrica-se vinho que é exportado para a Europa e são, portanto, cidades prósperas. Portanto, essa irrigação tem que ser estendida, e para isso é preciso que se resolva o problema da ignorância e da corrupção. É um absurdo a situação atual do sertão brasileiro.

A fome que roda em torno da seca deixa marcas até nas famílias abastadas. Eu me lembro que, quando era criança, na minha família se comiam muitos pratos no almoço e no jantar; à mesa havia inúmeros pratos: peixes, frango, carne assada, filé, purê de batata, arroz, macarrão, tudo isso ao mesmo tempo.... Comia-se demais e eu atribuía isso ao medo, ao exorcismo contra a fome.

A seca é um problema grave do Brasil (ver BRASIL) e os governos, em geral incompetentes, com ministros incompetentes, não tinham (ou não têm) planos para resolver este problema. Para isso é preciso acabar com os grandes latifundiários, os grandes proprietários rurais, que fazem os poços nas fazendas deles e o povo que se dane e que morra de fome. É preciso acabar com isso! Agora, como acabou a época das revoluções, eu não sei como vai ser essa democracia governada por esses corruptos que não resolvem esses problemas fundamentais do Brasil. SOCIALISMO Socialismo é objeto de estudo de sociólogos e dos cientistas políticos. Eu sou um físico. Posso citar os

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famosos Jean Jaurès, Karl Marx, o homem fundamental do socialismo e do comunismo e, ultimamente, o socialismo concreto que foi um desastre na União Soviética, que fracassou. No entanto, a doutrina socialista é importante, pois prega o desaparecimento das injustiças e das desigualdades, prega que o homem deve ser bom e deve ter acesso ao trabalho, deve ter direitos sociais inabaláveis e, em geral, o governo de todos os países violam esses direitos de conquista. O socialismo se preocupa com o trabalhador que foi tradicionalmente explorado. O Brasil, por exemplo, construiu a sua civilização baseada no trabalho dos escravos, a nossa economia até 1889 era baseada na escravatura (ver BRASIL). Havia um regime monárquico e o Brasil foi o último país a abolir a escravatura, pouco antes da República. O Brasil tem um quadro social dos mais terríveis, e mesmo com a República até hoje, no interior, há pessoas que são quase escravos. Houve, ao longo da história do Brasil, um desprezo das elites, dos homens que tinham voz e poder, pela educação (ver EDUCAÇÃO), principalmente pela educação básica do povo e isso está se traduzindo hoje em dificuldades enormes. Estamos entrando no século XXI, em que é importante a educação técnica, profissional, o conhecimento de novas tecnologias (ver TECNOLOGIA), e nosso povo é um povo que tem 140 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, e temos um salário mínimo ridículo, não é? TECNOLOGIA Tecnologia é muito importante, sobretudo nos tempos modernos. O que podemos dizer é que a tecnologia é a arte de aplicar conhecimentos científicos de maneira a

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resolver problemas de interesse para uma sociedade, para a humanidade. A Tecnologia, inicialmente, não resultava da Ciência (ver CIÊNCIA); era desenvolvida por inventores, por técnicos, manipulando, tentando, errando, e com isso se desenvolveram muitas tecnologias.

Uma coisa admirável na Europa são as igrejas, as catedrais góticas, construídas em séculos na Idade Média, nos séculos IX e X, e anteriormente. São igrejas belíssimas, altas, e você se pergunta que tecnologia eles usavam para construir e como levavam tijolos e pedras enormes lá para cima.

Há também as tecnologias primárias desenvolvidas por índios, por tribos que não tiveram conhecimento científico, e que têm um civilização importante, uma medicina própria para eles, com a qual eles curam as doenças. Os nossos índios têm tecnologias próprias, as quais muitas vezes são subestimadas ou abandonadas pela nossa civilização, pela medicina oficial, mas deveriam ser preservadas. Esse é um problema com o qual as Nações Unidas deveriam se preocupar, prevenir e recolher os dados sobre tecnologias dessas tribos, pois elas estão desaparecendo e seria preciso que o conhecimento que elas têm dessa tecnologia que eles inventaram, fosse reproduzido.

Há também as tecnologias avançadas: o computador, os aceleradores de partículas, as tecnologias de estado sólido para atingir temperaturas baixíssimas, para altas temperaturas na metalurgia, novos tipo de aço etc. A Tecnologia é importante na nossa civilização atual industrializada, e o Brasil, por exemplo, devia educar (ver EDUCAÇÃO) a sua população de modo que ela estivesse preparada para ingressar nesse novo século, no qual, aliás, já ingressamos, e que está baseado mais e mais em novos conhecimentos e novas tecnologias. Por isso, nós

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precisamos dominar, importar, adaptar, criar novas tecnologias, e assim propiciar uma vida mais agradável para nossa população, com o cuidado de não alienar o homem dessa sociedade tecnológica (ver UTOPIA). TEMPO O tempo é um mistério, é um dos problemas dos filósofos, dos físicos, dos psicólogos, que é sempre analisado. Pensa-se que está tudo conhecido e resolvido quando não está! Há o tempo psicológico, o tempo que passa. O tempo resulta das transformações que nos rodeiam; se não houvesse transformações, se nós estivéssemos em um mundo absolutamente congelado, não haveria tempo, porque as coisas não se transformariam; então é preciso que as coisas se transformem, envelheçam. O envelhecimento é a ação do tempo nos objetos, nas pessoas, nas coisas. O tempo vai passando e elas vão se transformando, se desintegrando, decaindo.

Newton (ver NEWTON) definiu o tempo como uma coisa que passa e flui independemente da matéria e que flui uniformemente. Ele definiu o que se chama de tempo absoluto. Você tem dois fenômenos, dois palitos de fósforo que duas pessoas acendem ao mesmo tempo e são dois acontecimentos simultâneos para mim que estou olhando os dois, mas essa simultaneidade dos acontecimentos, para Newton, era válida para qualquer observador; movendo-se de qualquer maneira que fosse ele veria sempre essa simultaneidade como eu estou vendo aqui. Foi Einstein (EINSTEIN) quem mostrou que essa simultaneidade era relativa; dois acontecimentos simultâneos, para mim, não o são mais para um marciano que por aqui passar em movimento retilíneo e uniforme e

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olhar para estes mesmos acontecimentos, porque o fato dele estar em movimento significa que um acontecimento que é simultâneo a outro emite um sinal de luz que chega ao marciano antes do outro sinal que caracterizou o outro acontecimento. A simultaneidade provém do fato que observo dois acontecimentos e há dois raios de luz que incidem sobre esses acontecimentos e se refletem e trazem as imagens respectivas aos meus olhos. Einstein dizia: “chega um trem às 10 h na estação, há uma coincidência com a chegada do trem na estação e a indicação do relógio às 10 h”. Isso acontece para mim que estou na estação, mas uma outra pessoa que está correndo verá o trem chegar antes ou depois das 10 h. Einstein, assim, considerou que o tempo se transforma da mesma maneira que uma coordenada espacial quando se passa de um sistema de coordenada a outro, e daí resulta que na Relatividade (ver RELATIVIDADE) você pode usar a metáfora de que “o tempo se transforma em espaço e o espaço em tempo”, porque o fato de dois acontecimentos se realizarem separados por uma certa distância acarreta uma diferença de tempo para um observador que está em movimento retilíneo uniforme, quer dizer, essa distância espacial cria uma distância temporal.

Por outro lado, as equações de Newton na Mecânica são reversíveis, quer dizer que se você observar o movimento que prossegue com o tempo correndo para o futuro, se você inverter o tempo e fizer o tempo correr para o passado, as leis de movimento não mudam. Por exemplo, você tem moléculas em um gás em movimento e se você inverter o tempo você não observa nenhuma diferença, ao passo que sabemos que os fenômenos que acontecem ao nosso redor são irreversíveis. Uma pessoa que está em um trampolim sobre uma piscina dá um pulo e cai na água, a energia (ver ENERGIA) que ela tinha se transformou de

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energia potencial em energia cinética que foi transmitida à água. Por sua vez, o mergulho formou ondas que se espalharam e depois que ela sai da piscina essa energia se dissipa. Ninguém nunca viu a pessoa que caiu na piscina e que está lá nadando de repente voltar atrás e subir no trampolim. Para isso seria preciso que todas as moléculas da água que receberam a energia transmitida voltassem atrás e simultaneamente se chocassem contra a pessoa e comunicassem a ela um movimento tal que ela pudesse subir. As leis da física dizem que isso é possível, mas com probabilidade mínima “nearly zero”, como diriam os ingleses porque, gastaria um tempo superior à idade do Universo (ver UNIVERSO).

O tempo (ver TEMPO) e o espaço (ver ESPAÇO), na criação do Universo, foram criados no chamado Big Bang. Você não pode dizer que em um ponto do espaço houve uma explosão, que se expandiu no espaço, pois o espaço e o tempo foram criados na grande explosão. Não há um palco onde está o espaço e onde o tempo se desenrola; na física atual, o espaço e o tempo são criados da mesma maneira que a matéria é criada, que, na verdade, não se sabe de onde é que veio. UNIVERSIDADE Acho que não deveria falar sobre Universidade, pois há os grandes professores, atuais colegas meus da Universidade do Rio de Janeiro, do Centro de Estudos Avançados dessa Universidade, como os professores Moysés Nussenzveig, Leopoldo de Meis, Pinguelli Rosa que se reuniram na agradável Angra dos Reis e a partir daí publicaram documentos de como a Universidade deve ser.

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Acontece que eu, humildemente, desde 1948 portanto há 50 anos exatos , fiz um discurso de posse da cátedra de Física Teórica na Faculdade Nacional de Filosofia chamado ”Universidade e Pesquisa: os nossos Problemas” e nessa ocasião eu criticava a Universidade na qual eu entrava. Era tradição todo professor fazer um discurso e eu disse que não tinha muita alegria e tinha até hesitado em fazer o discurso, porque a verdade é que os problemas fundamentais da Universidade não estavam nem resolvidos e nem devidamente formulados, e, sobretudo, a Universidade naquela época era o local onde o professor ia para a sala de aula, dava aula, quando ia, e depois ia para seu escritório fazer outras coisas. Se era professor de Matemática, fazia Engenharia; se era advogado tinha seu escritório de advocacia; se ele ensinava Biologia, trabalhava em um hospital, era médico, enquanto que o pesquisador, o professor de Universidade como eu vi em Princeton, onde me formei sob a direção do grande Wolfgang Pauli (ver PAULI), se dedicava integralmente à sua cátedra, à sua pesquisa, à sua Universidade. Acho que a Universidade deve ser isso, por isso eu lutei a vida toda e publiquei muito. O memorial da América Latina de São Paulo publicou um livrinho de bolso, chamado A Universidade Brasileira, que reproduz esse meu discurso de cátedra de 1948, e um outro que eu tinha publicado antes, intitulado “Reflexões sobre a Universidade”.

Estou convencido de que a Universidade tem que mudar, mas fundamentalmente a Universidade tem que ser um lugar onde se procura um conhecimento novo, onde se faz pesquisa, onde se faz criação artística, científica, literária e nesse ambiente é que se pode ter uma boa formação do estudante. Ele tem que aprender não um conjunto de conhecimentos que se põe para ele goela abaixo; ele tem que aprender os fundamentos para criar,

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para ter iniciativa, e por isso ele deve começar a pesquisa mesmo antes do curso de pós-graduação, no seu curso de graduação. Era essa a concepção que nós tínhamos, eu, Mário Schenberg, Cesar Lattes e outros. Hoje em dia você faz graduação, a pós-graduação, depois a pós-pós-graduação, o pós-doutorado, e vai fazer pesquisa já velho, não é! A Universidade tem que ser isso, quando você entra já tem a noção de pesquisa ao estudar na graduação, tem que ter iniciativa, participar de seminários e, ao mesmo tempo, quebrar as individualidades dos departamentos, valorizar os conhecimentos transdisciplinares que envolvem Física, Biologia e várias especialidades. Os estudantes devem ter uma preparação tal que mais tarde eles possam mudar de campo de pesquisa, de campo de trabalho. Há muito físico que faz Biologia, por exemplo. Outra coisa, a Universidade tem que abrir suas portas para os professores do ensino médio, tem que dar cursos; algumas delas o fazem, mas tem que ser obrigatório, universal, abrir suas portas, dar cursos de reciclagem para professores da Escola Média, de modo que haja um fluxo de conhecimento visando à elevação desse nível de escolaridade, e dos professores do ensino médio que, evidentemente, são pessoas que precisam de amparo dos pesquisadores. Eles, no fundo, são mais importantes que o professor universitário, pois eles lidam com as crianças, quer dizer, com aqueles que serão amanhã os cidadãos que vão construir a base de nossa sociedade. UNIVERSO Universo é tudo o que observamos, o nosso universo é aquilo que nossos telescópios alcançam até um certo limite, até um certo horizonte, além do qual não

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podemos mais ver. Ele é objeto de estudo da Cosmologia, que antigamente era mitológica. A Cosmologia apareceu como ciência a partir do ano de 1917, quando Einstein (ver EINSTEIN), depois de ter descoberto as equações da Relatividade Geral, e depois de ter sido descoberta a primeira solução de Schwarzschild das equações de Einstein, fez um trabalho em que aplicou a Relatividade Geral (ver RELATIVIDADE) ao Universo. Ele considerou um universo estático; para isso precisou introduzir uma constante nova, a constante cosmológica . Mais tarde houve um físico americano, Hubble, que descobriu a expansão do universo. Ele verificou que da mesma maneira que você sopra um balão e esse balão se dilata em todas as direções o universo estaria assim; ele teria se originado em uma grande explosão, em algum ponto, e esse ponto está entre aspas, um Big Bang, e daí tudo foi sendo criado: o espaço (ver ESPAÇO), o tempo (ver TEMPO), a matéria, uma sopa de quarks (ver QUARK) e talvez sub-quarks, sub-léptons e à medida que o Universo foi se expandindo foi se esfriando. A temperatura era quase infinita nos segundos após a criação e então, à medida que foi se expandindo, foi aparecendo o universo, o espaço, o tempo e a matéria. Essas partículas foram se resfriando, construindo assim os núcleos e depois os átomos (ver ÁTOMO), moléculas, proteínas, o Universo vivo.

Então hoje há essa concepção da grande explosão da qual resultou tudo que constituiria nosso universo. Muita gente diz que a Ciência chegou ao fim, porque já descobrimos tudo. Isso é uma mentira, pois estamos na Terra, que é uma meleca de mosca no mapa pequenino e nós estamos dentro dessa meleca ou na sua superfície olhando para o espaço, e formulando nossas idéias. É claro que pode haver muitas coisas que não conhecemos e que podem mudar totalmente nossas idéias. É certo que

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grandes progressos foram realizados. A descoberta da universalidade das leis, por exemplo, é fabulosa, não é?

Aristóteles (ver ARISTÓTELES) achava que havia as leis celestes e os movimentos abaixo da lua que não eram submissíveis a regularidades que só existiam para os corpos celestes que obedeciam às leis produzidas por um Deus. Galileu (ver GALILEU) chegou e disse que as leis no céu são as mesmas que as da Terra, ele fez a primeira grande síntese e então descobrimos isso. Houve a Mecânica de Newton (ver NEWTON) que descreve a queda vertical de uma maçã, o movimento de uma pedra que você joga que percorre uma parábola e cai, ou o movimento da Lua em torno da Terra ou da Terra em torno do Sol, da mesma forma. Existe uma força que é a gravitação universal, que ele não sabia direito o que era, e isso o incomodava, mas essa lei existe e esta é uma força que rege e atua sobre toda a matéria; é soberana no Universo. Quando você olha para uma estrela bonita nas noites em que você foge das luzes da cidade, a luz dessa estrela que nos encanta é produzida pela matéria que é atraída pela gravitação; ela se contrai e quando se contrai aquece, atinge temperaturas altíssimas que dão lugar a reações nucleares, a transformação do hidrogênio em hélio, que é o que produz a luz do sol e das estrelas, até que o hidrogênio se consome; aí a gravitação continua a sua ação de contração e a estrela começa a se desintegrar, a transformar-se em supernova e finalmente se transforma em um buraco negro e nós não sabemos ainda o que pode acontecer depois. Há singularidades no Universo, há tanto mistério no Universo que é uma temeridade dizer que já acabou a Ciência (ver CIÊNCIA), que não há mais o que se descobrir; conversa fiada, isso é coisa para sociólogo japonês fantasiado de americano.

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UTOPIA Utopia é uma fantasia imaginada por algum filósofo, sociólogo ou algum pensador que imagina uma configuração ideal e se diz “ah, isso é uma utopia”, isso é um regime em que os homens seriam todos felizes, no qual estaríamos cercados de fadas, de Vênus, das deusas gregas, uma beleza seria a utopia. Agora, o que acontecerá nesse século XXI, no qual todos se preparam para entrar? Aliás, já estamos no século XXI. Desde que a União Soviética ruiu, no fim dos anos 80 e início dos anos 90, acabou o século XX, como também o século XX começou só a partir de 1917, com a Revolução Russa.

Ficam todos pensando que haverá um mundo melhor, uma chupeta! Há tanto desastre, tanta regressão. O Brasil de minha mocidade, por exemplo, era muito mais gostoso, muito mais tranqüilo, muito melhor do que o Brasil atual. O crescimento populacional é um problema e a população mundial cresce enormemente, criando problemas, como produzir alimentos e dar trabalho para todos. Há uma maldição produzida pela tecnologia (ver TECNOLOGIA), que está automatizando tudo e retirando trabalho manual. Essa automatização nos bancos, por exemplo, você tem os computadores que fazem tudo e então o resultado é o “chomage”, é a falta de emprego. É como se a tecnologia e a ciência trabalhassem para o homem perder o emprego. Poderia perder o emprego se tivesse um amparo social para ele se dedicar ao lazer, para fazer poesia, música, para se distrair, mas não tem; ele fica sem emprego, sem trabalho, sem dinheiro e é um desastre, é a anti-utopia que está se configurando no horizonte do novo século. Eu acho que a derrocada do socialismo real deu lugar a um capitalismo mundial, chamado de

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globalização (ver GLOBALIZAÇÃO), que é o novo nome para o imperialismo; globalização é a palavra que quer dizer a dominação imperial dos países mais avançados, sobretudo dos EUA, sobre o resto do mundo. Você encontra supermercados, shoppings em todas as partes do mundo; isso é uma utopia? Termina então o robô fazendo os carros e terminaremos na anti-utopia com o robô descansando do trabalho, saindo e fazendo a fila para comprar o carro, porque foi ele que ganhou dinheiro enquanto o homem está sem emprego, está sem dinheiro para nada, nem para comer. Então nossos homens, pensadores, filósofos, e a ONU, deviam estar todos meditando sobre isso, mas esses cabras não fazem coisa nenhuma. Inventaram ultimamente a tolerância: temos que ter tolerância. Como é que se pode ter tolerância com a miséria rondando 140 milhões de brasileiros ganhando menos de um salário mínimo e vivendo muito mal? Temos que ter tolerância com isso? Uma chupeta! Então tem que haver uma nova forma revolucionária de mudar essas coisas e criar uma verdadeira utopia que eu não sei qual é, pois estamos caminhando para destinos que não conhecemos e que se apresentam com preliminares péssimos. VÁCUO

O vácuo, sintetizando em uma frase, é a ausência da matéria. Você tem máquinas que fazem o vácuo, que começam a chupar o ar como naquela experiência que se fazia no colégio secundário. Você tem uma redoma e uma campainha lá dentro a qual você faz soar e depois que você faz o vácuo não ouve mais nada, o que prova que o som se propaga pelo movimento vibratório do ar. Quando

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você retira as moléculas de ar e faz o vácuo, o som não se propaga mais, pois não há moléculas para transmitir esse movimento. Ao passo que no vácuo propaga-se a luz. Em analogia com a propagação do som, os físicos do século passado diziam que deveria haver algo como o ar que propaga o som; deveria haver algo similar no espaço que propaga a luz e esse algo eles chamaram de éter. Seriam as moléculas deste éter que propagariam a luz, mas esse éter que preencheria todo o vácuo, todo o espaço (ver ESPAÇO), tinha propriedades contraditórias: deveria ser muito tênue para não frear os movimentos dos astros, dos planetas, da lua ao redor da Terra e da Terra em redor do sol, mas ao mesmo tempo devia ter uma rigidez metálica, de tal sorte que a luz se propagasse com velocidade extraordinária. O conceito de éter desapareceu com Einstein, que mostrou que no espaço vazio, no vácuo, existe o campo e o campo nele se propaga.

O vácuo na Mecânica Quântica (ver QUANTUM) é definido como o estado de energia zero e todas as propriedades observáveis devem ser nulas, mas, na realidade, há um novo vácuo que resulta da quebra de simetria onde não há só um estado de vácuo, mas existem vários estados de vácuo e um pode se transformar em outro. Você tem uma quebra de simetria quando você escolhe um desses estados do vácuo e em relação a ele você constrói as propriedades que dão lugar à massa e outras coisas mais (ver MASSA). E o vácuo é uma coisa dinâmica, pois a Mecânica Quântica mostra que o número de corpúsculos não comuta com a amplitude de um campo e então quando você tem um número de partículas zero o campo flutua, o campo não é zero, o campo flutua em torno desse valor, e essa flutuação é que dá lugar a propriedades importantes. Por exemplo, no vácuo, para criar um quark (ver QUARK) que não se conhecia, você manda energia

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suficiente para um acelerador e bombardeia um alvo. De repente do vácuo nascem partículas novas. Quando ocorre a desintegração do nêutron em próton, do vácuo são criados um elétron (ver ELÉTRON) e um neutrino. Quando você tem um átomo excitado e ele passa para o estado fundamental ele emite luz, quer dizer um fóton sai, e esse fóton estava lá no átomo (ver ÁTOMO)? Não, a concepção é que o fóton é criado, saiu do vácuo, esse vácuo é um sistema dinâmico de partículas virtuais que você pode tornar real, quando fornece energia suficiente ao sistema. VARGAS Getúlio Vargas mudou o Brasil (ver BRASIL); antes da Revolução de 30 havia a República Velha, dominada pelas oligarquias. Eram os estados que mandavam, cada um com a sua bandeira, seu hino e seus mandarins. Havia a política do café com leite, que era a alternância de um presidente de São Paulo e um de Minas Gerais. Houve, então, a Revolução de 30: para a substituição de Washington Luís houve uma eleição e essa foi toda fraudada, com a vitória de Júlio Prestes; os tenentes, que já tinham se levantado em 1922, em 1924 fizeram a chamada coluna Prestes, que percorreu o Brasil inteiro, encontrado a miséria e visto que o Brasil tinha que mudar. Essa Revolução de 30 evidentemente foi limitada e foi o segundo abalo no país; o primeiro foi a abolição da escravatura, tardiamente em 1888. A Revolução de 30 produziu um grande homem, um grande estadista, Getúlio Vargas. Todo mundo o critica porque ele queria ficar eternamente no mandato (ver AUTORITARISMO). São Paulo, que tinha perdido com seus barões do café o predomínio da política,

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revoltou-se em 1932, mas foi derrotado e depois Vargas foi eleito em 1943 pela Assembléia Constituinte.

Em 1937, Vargas proclamou o Estado Novo e não poderia ser diferente porque na realidade aquela época não era a época de hoje. Ficam esses falsos democratas exigindo que Vargas se comportasse de outro modo, mas havia a Revolução Comunista de 35, havia o Integralismo de 38, a Guerra Fria, e então Vargas instituiu o Estado Novo, a ditadura, que evidentemente fez muitas arbitrariedades e torturas, mas foi ele quem mudou o Brasil e quem queimou as bandeiras dos estados, acabou com os hinos dos estados, introduziu a noção de nacionalidade, a marcha para o oeste, muito importante porque o Brasil era apenas essa camada fina ao redor da costa. Vargas criou a Petrobrás e em plena guerra conseguiu que Roosevelt vendesse ao Brasil a usina de aço, que é a de Volta Redonda, a qual foi responsável por um grande progresso e pela aceleração da industrialização do País. VIDA Vida é uma palavra complexa porque a vida em si é um mistério. O que é a vida, o que é o ser vivo? O que distingue a matéria viva da matéria inerte? Esse é um problema dos biólogos, como foi dos filósofos, mas é um problema da Ciência (ver CIÊNCIA), da Religião (ver RELIGIÃO). Dizem que a vida sobre a Terra é passageira, depois tem a vida eterna. Seria bom que existisse a vida eterna, mas ninguém nunca veio da vida eterna para nos contar, não é? E tem a vida de cada um de nós e a questão é viver a vida da melhor maneira possível e isso depende de cada um, do destino de cada um. Esse destino está traçado? Está escrito? Os biólogos descobriram que há

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uma programação em cada ser vivo ao nascer. Isso significa dizer que o destino já estava escrito antes dele começar a viver ou quando ele tomou forma? Estes são problemas complicados que excedem a minha capacidade de análise. O importante é levar a vida como o grande poeta Ascenso Ferreira dizia: “mulheres em flor que esperais, se não forem os homens, é o tempo, o tempo sim esse grande papão de mulheres”, ou seja, ele se refere à vida das mulheres (ver MULHER)! Na mocidade, na adolescência, elas são belas, e depois vão ficando mais maduras mas sempre belas, pois a mulher é sempre bela, e a vida do homem sem a mulher é uma coisa horrível, não é? Então eis a vida: a vida dos cientistas, artistas, pintores, poetas, escritores, cada um leva a sua vida nesse mundo amargurado, cheio de tanta beleza (ver BELEZA) e tristeza. Então essa é a vida que nós devemos viver, uma vida a melhor possível. VILLA-LOBOS Heitor Villa-Lobos, o maior músico brasileiro, aliás o maior músico de todas as Américas (ver MÚSICA), desde o Alaska até a Patagônia; grande figura, boêmio, uma vida extraordinária, genial (ver GÊNIO). Um homem que escreveu um número enorme de composições, não sei nem se já são determinadas ou contadas essas composições. Gosto muito do Villa-Lobos. A primeira vez que o ouvi foi na universidade de Princeton, em uma discoteca e lá ouvi o quarteto número 5 dele, depois fiquei conhecendo as Bachianas. Uma beleza a bachiana número 1 para oito violoncelos, tocada inclusive pelo grande Rostropovitch, que é o grande especialista, e tocou essa bachiana para 8

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violoncelos, que era o instrumento do qual ele era o melhor tocador.

Villa-Lobos começou a ficar célebre quando ele tocava no cinema acompanhando filmes mudos e, uma vez, o grande pianista Arthur Rubinstein foi ao cinema e ouviu as músicas acompanhando o filme, quando de repente houve um breve intervalo, e ele ouviu uma música que ele achou exótica, rara, estranha e bonita, e se aproximou para saber quem estava tocando. Era Villa-Lobos, que o recebeu mal, disse que os pianistas, em geral, não adoravam a música, queriam só usá-la para se destacar. Rubinstein ficou meio chateado, mas ele estava hospedado no Glória ou no Copacabana Palace e uma bela manhã acordou, como de costume, às sete da manhã e viu Villa-Lobos acompanhado de um grupo grande de músicos dizendo: estou aqui para mostrar o que eu fiz, e tocou coisas para ele que o deixaram tão encantado que Rubinstein patrocinou a sua ida para Paris. Em Paris, Villa-Lobos disse que não tinha ido para aprender e sim para mostrar o que tinha feito.

Eu nunca cheguei a falar pessoalmente com Villa-Lobos, mas o apreciava de longe. Uma vez eu fui a Petrópolis com um matemático francês, Jean Dieudonné, acompanhado pela adida científica da embaixada da França, Madame Gabrielle Mineur, e ao voltar dessa visita a Petrópolis ele queria ver uma mata tropical; soubemos que havia um concerto no Teatro Municipal da Orquestra Sinfônica dirigida por Villa-Lobos e então eu fui com eles até a porta, e tanto fiz que entramos de graça e o Villa-Lobos regeu a Bachiana número 7, uma beleza... uma verdadeira serenata.

Na obra para violão de Villa-Lobos tem coisas comparadas a Chopin. Eis aí Heitor Villa-Lobos, grande músico que admiro profundamente.

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VINHO Infelizmente eu não sou um enólogo e não guardo na cabeça os grandes vinhos que bebi, mas adoro vinho, sobretudo o vinho tinto, principalmente depois que aprendi que o vinho tinto combate o colesterol. Os franceses naquela área do Mediterrâneo tomam muito vinho e as doenças cardio-vasculares lá são mais raras. O vinho é uma delícia; uma boa refeição acompanhada de um belo vinho tinto é importante e isso me faz lembrar dos 20 anos que passei na França, com suas adegas; que maravilha! Comprei recentemente uma Eurocave que é um refrigerador especial para vinhos importado de Bordeaux, que mantém a temperatura de 10-12 graus. Vinho francês, italiano, chileno, argentino... Há bons vinhos brasileiros como o Velho Museu, que tomei recentemente no Satiricon. Dentre os franceses tem o Bourgogne, o Bordeaux, o Vin du Pays, que é o vinho de outros terrenos da França e tem os famosos brancos da Alsácia, uma delícia o Gewürtztraminer, é um vinho formidável, gostosíssimo, o vinho Riesling, seco, não esse vinho alemão que se compra na garrafa azul que é vinho da Argélia que o alemão engarrafa e vende por preço baixo aqui, iludindo os brasileiros, não é? O vinho é sem dúvida uma das coisas mais gostosas da vida (ver VIDA). Z Atualmente, na Física, designa-se com Z índice zero, o bóson neutro que intermedia as interações fracas entre correntes fracas neutras. É o bóson Z0 que, aliás, cá entre nós, foi predito por mim, em 1958, em um trabalho

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que publiquei na revista Nuclear Physics, editada em Amsterdã. Nesse trabalho eu propus a igualdade entre a constante de interação dos bósons com a corrente fraca g, e a constante elétrica e, que é a carga do elétron, que é também a constante de acoplamento eletromagnético. Como eu achava que para o bóson tinha sido determinada a sua natureza geométrica por Feynman, Gell’Mann e por Marshak e seu estudante hindu Sudarshan (que determinaram a natureza vetorial V-A para a interação), se a interação era vetorial então devia ter como intermediário um bóson vetorial, e como o fóton também era vetorial veio-me à cabeça que os fótons e as partículas vetoriais fracas deviam ter um parentesco íntimo, deviam pertencer à mesma família. Traduzi isso dizendo que a constante g de interação dos bósons vetoriais da matéria era igual à constante e, que é a constante de interação dos fótons com a matéria “g=e”. Nesse mesmo trabalho eu disse que eram conhecidas as interações em que havia uma troca de cargas, determinadas pelas partículas que hoje são chamadas de W+ e W, os bósons vetoriais carregados. Propus que deveria existir um bóson vetorial neutro que deveria ser o intermediário das correntes fracas neutras e dei um exemplo; não era uma sugestão acadêmica, porque seria um bóson trocado entre um elétron e um nêutron em um choque elástico, por exemplo; o elétron e o nêutron podem ter uma interação fraca de segunda ordem com troca de W, mas isso seria uma contribuição desprezível, ao passo que, em primeira ordem, essa interação fraca seria por meio desse bóson Z0. Eu não o chamei assim, mas esses bósons foram objetos de previsão, em 1972, por Weinberg, Salam e Glashow, e aí é que receberam as denominações de W+ W e Z. Concluindo, a partícula Z é o bóson neutro, que eu tive a honra de, modestamente, prever a existência (ver BELEZA) e que foi detectado nos

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anos 80 por Carlo Rubbia e sua equipe no CERN, embora, evidentemente, outros senhores cavalheiros sejam mais dignos de citação na literatura internacional.

FIM

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Índice Onomástico

A Alexandre Magno, 16 Álvaro Alberto, (Almirante), 2,

35, 42, 43 Amati, Daniel, 37 Américo, Pedro, 84 Amoroso Lima, Alceu, 52 Anaxágoras, 70 Anaximandro, 70 Aniceto Monteiro, Antônio, 9 Archer, Renato, xi Ariadne, 12 Aristóteles, 6, 7, 8, 16, 70, 72,

75, 76, 80, 84, 135

B Bach, Johann Sebastian, 10,

20, 21, 24, 79, 99, 112 Bandeira, Manuel, 10, 18, 109,

117, 118 Bastide, Roger, 17 Beck, Guido, 37 Becquerel, Henri, 59 Beethoven, Ludwig van, 79, 99 Bell, Graham, 28 Bernardes, Arthur, 18 Bethe, Hans, 44 Bhabha, H.J., 105 Bismarck, Otto von, 16, 66 Bohr, Niels, 13, 14, 40, 78 Boltzmann, Ludwig, 95 Bonaparte, Napoleão, 28, 83 Borges, Jorge Luiz, v Bose, Satyendranath, 104

Brandão, Márcia de Oliveira Reis, viii

Braudel, Fernand, 17 Bruno, Giordano, 1, 77, 88

C Calvino, João, 26 Camerini, Ugo, 36 Cantor, George, 87 Capanema, Gustavo, 52 Cardoso, Fernando Henrique,

29 Carmita, 10 Carnot, Sadi, 62 Caruso, Francisco, iv, xiii, 108 Carvalho e Silva, Alberto, 124 Castro, Fidel, 81, 89 Cavalcanti, Lagden, 34 César, 16 Cézanne, Paul, 110 Chagall, Marc, 39 Chagas, Carlos, ix, 2, 3, 33, 34 Chakrabarty, S.K., 105 Charles II, 1 Chew, Geoffrey, 23 Chopin, Frederic, 143 Cícero, iv Clausius, Rudolf, 62 Clinton, Bill, 46 Cockroft, John Douglas, 82 Colbert, Jean-Baptiste, 1 Compton, Arthur, 13, 61, 114 Copérnico, Nicolau, 71, 89 Cortesão, Maria da Saudade,

10 Costa Ribeiro, Joaquim, 33, 34

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Costa, Amoroso, 2 Couceiro, Antonio, 45 Coulomb, Charles Augustin de,

94 Cruz, Oswaldo, 2, 3, 43, 45,

123 Curie, Joliot, 82 Curie, Marie, v, 59, 60 Curie, Pierre, 59

D d’Alembert, Jean Le Rond, v, 72 D’Estaing, Giscard, xi da Gama, Vasco, 25 da Vinci, Leonardo, 1, 84 Dalton, John, 12 Damy, Marcelo, 30, 33 Davidson, J.P., 37 de Almeida, Mario, 36, 67 de Andrade, Carlos Drummond,

109 de Andrade, Mário, 18 de Araújo, Roberto Moreira

Xavier, vi, viii de Benedetti, Sergio, 7, 65, 111 de Bittencourt, Pedro Calmon

Muniz, 33, 36 de Brito, Carlos, ix, 122 de Broglie, Louis, 60, 78 de Carvalho, Mirian, 108 de Castro, Josué, 117 de Meis, Leopoldo, 132 de Mello Neto, João Cabral,

109, 117 de Sá, Jaime Magrassi, 44 de Souza Barros, Fernando, 37 Debussy, Claude, 10 Demócrito, 11, 15, 115 Descartes, René, 38 Dewey, John, 52 Dias, Cícero, 117

Dieudonné, Jean, 143 Dirac, Paul Adrien Maurice, 8,

21, 22, 104, 120 do Rego Monteiro, Vicente, 117 dos Anjos, Augusto, 117, 118 Dutra, Eurico Gaspar, 34, 43

E Einstein, Albert, iv, v, 13, 17,

40, 47, 49, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 61, 64, 65, 73, 74, 76, 78, 79, 80, 93, 95, 103, 105, 113, 114, 118, 119, 120, 121, 125, 129, 130, 134, 138

Eliot, T.S., 109, 110 Erasmo de Roterdã, 27 Euclides, 79

F Fantapié, Luigi, 17 Faraday, Michael, 73, 94 Faria, Francisco, 25 Fernandes, Anibal, 117 Ferreira Lopes, 117 Ferreira, Ascenso, 10, 141 Ferreira, José Pelúcio, 44 Feynman, Richard, iv, x, 8, 22,

23, 36, 37, 38, 44, 49, 67, 68, 69, 78, 144

Fleury, Norbert, 24 Franco, 17 François I, 1 Franklin, Benjamim, 26 Freire, Luiz, iv, ix, 1, 37, 116 Freyre, Gilberto, 117

G Galileu, Galilei, 1, 7, 8, 40, 41,

56, 70, 71, 72, 75, 76, 77, 78,

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80, 88, 89, 93, 101, 102, 118, 120, 125, 135

Gamow, George, 105 Gell’Mann, Murray, 15, 23, 114,

144 Glashow, Sheldon, 15, 22, 145 Goethe, Johann Wolfgang von,

66, 95 Gomes de Souza, Joaquim, 28 Gomes, Luiz Carlos, 37 Gonzaga, Tomás, 27 Gordon, Walter, 21, 22 Goulart, João, 45 Grassman, Marcel, 53, 57, 79 Grillo, Heitor, 10 Gross, Bernhard, 33 Guggenheim, 8, 42 Guinle, Guilherme, ix

H Hadamard, Jacques, 103 Hahn, Otto, 82 Haller, Friedrich, 54 Hawking, Steve, 102 Heisenberg, Werner, 78, 85, 87,

104 Hepp, Gerard, 36 Heráclito, 6, 70, 77 Higgs, P.W., 94 Hilbert, David, 85, 90 Hitler, Adolf, 16, 17, 18 Hobsbawn, Eric, 26 Hu, Ning, 105, 106 Hubble, Edwin, 134

J Jauch, Josef Maria, x, 105 Jaurès, Jean, 127 Jefferson, Thomas, 26 João VI, Dom, 27, 28

Joffily, Sérgio, 24 Joule, James, 62 Júlio Cesar, 65

K Kapitza, Pyotr Leonidovich, 82 Klein, Oskar, 21, 22 Kubitschek, Juscelino, 122

L Lacerda, Carlos, 19 Landau, Lev, 82 Lattes, Cesar, x, 15, 30, 34, 35,

36, 133 Leibniz, Gottfried Wilhelm, 63,

102 Leighton, Ralph, 68 Leighton, Robert B., 68 Leite Lopes, José, iv, v, vii, viii,

ix, xi, xii, xiii Leite Lopes, José Sérgio, 10 Lenin, 39 Lent, Hermann, 45, 124 Leucipo, 11, 15, 115 Lévy-Strauss, Claude, 17 Lins de Barros, Henry British, x Lins de Barros, João Alberto, x,

35, 36 Lins de Barros, Nelson, x, 35 Liszt, Franz, 99 Lobatcheviski, Nikolai

Ivanovitch, 80 Lorentz, Hendrik Antoon, 13,

40, 55, 64, 93, 118, 119 Louis XIV, 1, 66 Low, Francis, 23 Lucrécio, vi Lutero, Martim, 26

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M Mach, Ernest, 63, 93 Magalhães, Fernão de, 25 Mahler, Gustaf, 99 Maia, Bruno, viii Malraux, André, 39 Mann, Thomas, 17 Maric, Mileva, 53 Marshak, Robert E., 145 Martins-Simões, José Antônio,

24 Marx, Karl, 127 Maupertuis, Pierre Louis

Moreau de, 72 Maxwell, James Clerk, 40, 48,

53, 55, 59, 73, 78, 94, 95, 113, 118

Mayer, Robert von, 62 Mc Dowell, Samuel, 37 McCarthy, Joseph, 89 Meirelles, Cecília, 10 Mendelssohn-Bartholdy, Felix,

21 Mendes, Murilo, 10 Michelangelo, 84 Mineur, Gabrielle, 143 Minkowski, Hermann, 55 Moeller, Christian, 116 Molière, 36, 37 Montaigne, Michel Eyquem de,

iv Monteiro, Antonio Aniceto, 106 Montenegro, Olivio, 117 Moses, Arthur, 2, 45 Moussatché, Haity, 45, 123 Mozart, Wolfgang Amadeus, 79,

99 Mussolini, Benito, 17, 18

N Napoleão III, 16 Navarra, Rubem, 9 Nero, 16 Neves, Tancredo, 45 Newton, Isaac, 12, 30, 40, 41,

48, 49, 53, 54, 55, 58, 59, 63, 64, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 78, 80, 95, 101, 102, 118, 124, 129, 130, 135

Nussenzveig, Herch Moysés, 37, 132

O Occhialini, Giuseppe, 15, 34, 36 Ombredane, André, 18 Oppenheimer, Robert, x, 42, 44 Orozco, José Clemente, 112 Osório de Almeida, Álvaro, 2 Osório de Almeida, Miguel, 2,

123 Ostwald, Wilhelm, 54

P Pacômio (Irmão), 116 Palmeira, Ricardo, 37 Parmênides, 103, 104 Paty, Michel, xi Pauli, Wolfgang, x, 8, 14, 32,

40, 49, 78, 104, 105, 106, 132

Pedro I, Dom, 28, 84 Pedro II, Dom, 28 Pedro IV, Dom, 28 Perrin, Jean, 59 Phévenot, M., 1 Pinguelli Rosa, Luiz, 132 Planck, Max, 56, 73, 80, 86,

113, 114

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141

Platão, iv, 1, 6, 70, 77, 84 Poincaré, Henri, 7, 31, 64, 118,

119 Poirier, René, 18 Poisson, Denis, 79 Portinari, Cândido, 111 Portinari, João Cândido, 111 Powell, Cecil, 15, 34 Prestes, Júlio, 19, 140 Prestes, Luís Carlos, 18, 19, 35,

140 Ptolomeu, 7, 71

R Rabelo, Silvio, 117 Rabi, Isaac Isidor, 42 Ramos, Graciliano, 19 Reichenbach, Hans, 105 Ribeiro, Darcy, 70 Riemann, Bernhard, 57, 65, 79,

80, 121 Rilke, Rainer Maria, ix, 97, 100,

109, 110 Rivera, Diego, 112 Rocha e Silva, Maurício, 123,

124 Rodin, Auguste, 110 Röntgen, Wilhelm Conrad, 73 Roosevelt, Franklin Delano, 140 Roquette-Pinto, Edgar, 20 Rosenfeld, Leon, 116 Rostropovitch, Mestislav, 20,

142 Rubbia, Carlo, 145 Rubinstein, Arthur, 142, 143 Russell, Bertrand, 6, 53, 55, 70 Rutherford, Ernest, 12, 13, 40,

60

S Sábato, Ernesto, v, vii Salam, Abdus, 15, 22, 145 Sarney, José, 45 Sawaya, Paulo, 124 Schenberg, Mario, x, 30, 33, 42,

133 Schrödinger, Erwin, 21, 32, 75,

78 Schubert, Franz, 99 Schwartz, Helmut, 36 Schwarzschild, M., 134 Schwinger, Julian, 69 Scliar, Carlos, 9, 106 Sêneca, iv Sinaceur. M.A., 8 Siqueiros, David Alfaro, 112 Sirlin, Alberto, 37 Soares, Adolpho, 10, 107 Soares, Ana, 10 Sobrero, Luigi, 33 Sócrates, 77, 84 Solovine, Maurice, 54 Spinoza, Baruch, 47 Strovsky, Fortunat, 18 Sudarshan, E.C.G., 145 Sussekind Rocha, Plínio, 34 Szenes, Arpád, 9, 10, 106

T Tales de Mileto, 6, 70 Teixeira, Anísio, 51, 52 Thomson, J.J., 12, 13, 59, 60,

73 Tiomno, Jayme, 30, 37, 67 Tiradentes, 27 Tomonaga, S.I., 69 Troper, Amós, viii, 24 Truman, Harry S., 82

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142

U Ungaretti, Giuseppe, 17

V Vargas, Getúlio, 19, 29, 35, 43,

50, 139, 140 Vergilio, vi Vieira da Silva, Maria Helena, 9,

106, 107 Villa-Lobos, Heitor, 18, 20, 79,

142, 143 von Neuman, John, 44

W Wagner, Richard, 28 Washington Luís, 140 Wataghin, Gleb, x, 17, 30, 33 Weinberg, Steven, 15, 22, 145 Wheeler, John Archibald, 37 Wigner, Eugene, 37, 44 Wolfenstein, Lincoln, 24, 65

Y Yukawa, Hideki, 14, 15