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p. 1-495 Repositório autorizado de jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Registro nº 16, Portaria nº 12/90. Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais obtidas na Secretaria do STJ. Repositório autorizado de jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a partir do dia 17.02.2000, conforme Inscrição nº 27/00, no Livro de Publicações Autorizadas daquela Corte. Jurisprudência Mineira Belo Horizonte a. 55 v. 170 outubro/dezembro 2004 Jurisprudência Mineira Órgão Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Jurisprudência Mineira_ed.170

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  • p. 1-495

    Repositrio autorizado de jurisprudncia do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA, Registro n 16,Portaria n 12/90.

    Os acrdos selecionados para esta Revista correspondem, na ntegra, s cpias dos originais obtidasna Secretaria do STJ.

    Repositrio autorizado de jurisprudncia do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a partir do dia17.02.2000, conforme Inscrio n 27/00, no Livro de Publicaes Autorizadas daquela Corte.

    Jurisprudncia Mineira Belo Horizonte a. 55 v. 170 outubro/dezembro 2004

    Jurisprudncia Mineirargo Oficial do Tribunal de Justia

    do Estado de Minas Gerais

  • Fotos da Capa: Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza - Sobrado em Ouro Preto onde funcionou o antigo Tribunal da Relao

    - Palcio da Justia Rodrigues Campos, sede do Tribunal de Justia de Minas GeraisSrgio Faria Daian - Montanhas de Minas GeraisRodrigo Albert - Corte Superior do Tribunal de Justia de Minas Gerais

    Projeto Grfico: ASCOM/COVICDiagramao: EJEF/GEDOC/COTEC - Marcos Aurlio Rodrigues e Thales Augusto BentoNormalizao Bibliogrfica: EJEF/GEDOC/COBIB

    SuperintendenteDes. Srgio Antnio de Resende

    Superintendente AdjuntaDes. Jane Ribeiro Silva

    Diretora ExecutivaMaria Ceclia Belo

    Gerente de Documentao, Pesquisa e Informao EspecializadaPedro Jorge Fonseca

    Assessoria JurdicaMaria da Consolao SantosMaria Helena Duarte

    Coordenao de Comunicao TcnicaEliana Whately Moreira - Coordenadoraurea SantiagoEdvano Pinheiro de LimaMaria Clia da SilveiraMaria Mnica Ribeiro RochaMaria Tereza AlvesMarisa Martins FerreiraMaricelle da Silva MedeirosMeire Aparecida Furbino MarquesSvio Capanema Ferreira de MeloTadeu Rodrigo RibeiroVera Lcia Camilo Guimares

    Escola Judicial Des. Edsio Fernandes

    Escola Judicial Desembargador Edsio FernandesRua Guajajaras, 40 - 17 andar - Centro - Ed. Mirafiori - Telefone: (31) 3247-890030180-100 - Belo Horizonte/MG - Brasil www.tjmg.gov.br/ejef - [email protected]

    Enviamos em permuta - Enviamos en canje - Nous envoyons en change- Inviamo in cambio - We send in exchange - Wir senden in tausch

    Qualquer parte desta publicao pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    ISSN 0447-1768

    JURISPRUDNCIA MINEIRA, Ano 1 n 1 1950-2004Belo Horizonte, Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais

    Trimestral.ISSQN 0447-1768

    1. Direito - Jurisprudncia. 2. Tribunal de Justia. Peridico. I.Minas Gerais. Tribunal de Justia.

    CDU 340.142 (815.1)

  • PresidenteDesembargador MRCIO ANTNIO ABREU CORRA DE MARINS

    Primeiro Vice-PresidenteDesembargador ORLANDO ADO DE CARVALHO

    Segundo Vice-PresidenteDesembargador SRGIO ANTNIO DE RESENDE

    Terceiro Vice-PresidenteDesembargador ANTNIO HLIO SILVA

    Corregedor-Geral de JustiaDesembargador RONEY OLIVEIRA

    Tribunal Pleno

    Desembargadores

    (por ordem de antiguidade em 28.12.2004)

    Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais

    Francisco de Assis FigueiredoGudesteu Biber SampaioEdelberto Lellis SantiagoMrcio Antnio Abreu Corra de MarinsHugo Bengtsson JniorOrlando Ado de CarvalhoAntnio Hlio SilvaCludio Renato dos Santos CostaKelsen do Prado CarneiroIsalino Romualdo da Silva LisbaSrgio Antnio de ResendeArmando Pinheiro LagoRoney OliveiraNilo Schalcher VenturaReynaldo Ximenes CarneiroJoaquim Herculano RodriguesMrio Lcio Carreira MachadoJos Tarczio de Almeida MeloJos Antonino Baa BorgesLucas Svio de Vasconcellos GomesJos Francisco BuenoClio Csar PaduaniHyparco de Vasconcellos ImmesiKildare Gonalves CarvalhoMrcia Maria Milanez CarneiroNilson ReisDorival Guimares PereiraJarbas de Carvalho Ladeira FilhoJse Altivo Brando TeixeiraJos Domingues Ferreira Esteves

    Jane Ribeiro SilvaAntnio Marcos Alvim SoaresEduardo Guimares AndradeAntnio Carlos CruvinelFernando Brulio Ribeiro TerraEdivaldo George dos SantosSilas Rodrigues VieiraWander Paulo Marotta MoreiraSrgio Augusto Fortes BragaMaria Elza de Campos ZettelGeraldo Augusto de AlmeidaCaetano Levi LopesLamberto de Oliveira SantAnnaLuiz Audebert Delage FilhoErnane Fidlis dos SantosJos Nepomuceno da SilvaCelso Maciel PereiraErony da SilvaManuel Bravo SaramagoBelizrio Antnio de LacerdaJos Edgard Penna Amorim PereiraJos Carlos Moreira DinizPaulo Czar DiasJos Luciano Gouva RiosVanessa Verdolim Hudson AndradeEdilson Olmpio FernandesCarlos Batista FrancoGeraldo Jos Duarte de PaulaBeatriz Pinheiro CairesArmando Freire

  • Cmaras e Grupos - Dias de Sesso

    Primeira Cmara CvelTeras-feiras

    Segunda Cmara CvelTeras-feiras

    Primeiro Grupo deCmaras Cveis

    1 quarta-feira do ms(Primeira e Segunda

    Cmaras, sob a Presidnciado Des. Francisco Figueiredo)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Hugo Bengtsson Jnior* Eduardo Guimares AndradeGeraldo Augusto de AlmeidaJos Luciano Gouva Rios

    Vanessa Verdolim Hudson Andrade* Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Francisco de Assis Figueiredo* Nilson Reis

    Jarbas Ladeira

    Jos Altivo Brando Teixeira Caetano Levi Lopes

    Terceira Cmara CvelQuintas-feiras

    Quarta Cmara CvelQuintas-feiras

    Segundo Grupo deCmaras Cveis

    1 quarta-feira do ms(Terceira e Quarta Cmaras,sob a Presidncia do Des.

    Schalcher Ventura)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Nilo Schalcher Ventura* Lucas Svio de Vasconcellos Gomes

    Kildare Gonalves CarvalhoLamberto de Oliveira Sant'Anna

    Celso Maciel Pereira * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Mrio Lcio Carreira Machado*Jos Tarczio de Almeida Melo

    Clio Csar Paduani

    Luiz Audebert Delage FilhoJos Carlos Moreira Diniz

    Quinta Cmara CvelQuintas-feiras

    Sexta Cmara CvelSegundas-feiras

    Terceiro Grupo deCmaras Cveis

    3 quarta-feira do ms(Quinta e Sexta Cmaras,sob a Presidncia do Des.

    Cludio Costa)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Cludio Renato dos Santos CostaJos Francisco Bueno*

    Dorival Guimares Pereira

    Maria Elza de Campos ZettelJos Nepomuceno da Silva * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Jos Domingues Ferreira Esteves*

    Ernane Fidlis dos SantosManuel Bravo Saramago

    Edilson Olmpio FernandesCarlos Batista Franco

    Stima Cmara CvelTeras-feiras

    Oitava Cmara CvelQuintas-feiras

    Quarto Grupo de CmarasCveis

    3 quarta-feira do ms(Stima e Oitava Cmaras,

    sob a Presidncia do Des. Isalino Lisba)

    - Horrio: 13 horas -

    Desembargadores

    Armando Pinheiro Lago*Antnio Marcos Alvim SoaresEdivaldo George dos Santos

    Wander Paulo Marotta MoreiraBelizrio Antnio de Lacerda * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Isalino Liba*

    Fernando Brulio Ribeiro TerraSilas Rodrigues Vieira

    Jos Edgard Penna Amorim PereiraGeraldo Jos Duarte de Paula

  • Primeira Cmara CriminalTeras-feiras

    Segunda Cmara CriminalQuintas-feiras

    Grupo de Cmaras Criminais (2 segunda-feira do ms) - Horrio: 13 horasPrimeira, Segunda e Terceira Cmaras, sob a Presidncia do Des. Gudesteu Biber

    Desembargadores

    Gudesteu Biber SampaioEdelberto Lellis Santiago

    Mrcia Maria Milanez CarneiroSrgio Augusto Fortes Braga*

    Armando Freire

    * Presidente da Cmara

    Desembargadores

    Reynaldo Ximenes Carneiro*Joaquim Herculano Rodrigues

    Jos Antonino Baa BorgesHyparco Immesi

    Beatriz Pinheiro Caires

    Conselho da Magistratura (Sesso na primeira segunda-feira do ms) - Horrio: 14 horas

    Mrcio Antnio Abreu Corra de MarinsPresidente

    Orlando Ado de CarvalhoPrimeiro Vice-Presidente

    Srgio Antnio de ResendeSegundo Vice-Presidente

    Roney OiveiraCorregedor-Geral de Justia

    Desembargadores

    Desembargadores

    Kelsen do Prado Carneiro*Jane Ribeiro Silva

    Antnio Carlos Cruvinel

    Erony da Silva

    Paulo Czar Dias

    Terceira Cmara CriminalTeras-feiras

    Procurador-Geral de Justia: Dr. Jarbas Soares Jnior

    Corte Superior (Sesses nas segundas e quartas-feiras do ms - Horrio: 13 horas)

    Mrcio Antnio Abreu Corra de MarinsPresidente

    Orlando Ado de CarvalhoPrimeiro Vice-Presidente

    Srgio Antnio de ResendeSegundo Vice-Presidente

    Antnio Hlio SilvaTerceiro Vice-Presidente

    Roney OiveiraCorregedor-Geral de Justia

    Francisco de Assis FigueiredoGudesteu Biber Sampaio

    Edelberto Santiago

    Hugo Bengtsson JniorCludio Renato dos Santos Costa

    Kelsen do Prado CarneiroPresidente do TRE

    Isalino Romualdo da Silva LisbaArmando Pinheiro Lago

    Vice-Presidente do TRE

    Nilo Schalcher VenturaReynaldo Ximenes Carneiro

    Joaquim Herculano RodriguesMrio Lcio Carreira MachadoJos Tarczio de Almeida Melo

    Jos Antonino Baa BorgesLucas Svio de Vasconcellos Gomes

    Jos Francisco Bueno

    Clio Csar Paduani

    Hyparco Immesi

    Kildare Gonalves CarvalhoDorival Guimares Pereira

    Desembargadores

    Mrcia Maria Milanez CarneiroNilson Reis

    Jarbas de Carvalho Ladeira FilhoJos Altivo Brando Teixeira

    Jos Domingues Ferreira Esteves

    Jane Ribeiro Silva

  • Escola Judicial Des. Edsio Fernandes

    SuperintendenteDes. Srgio Antnio de Resende

    Superintendente AdjuntaDes. Jane Ribeiro Silva

    Comit Tcnico

    Des. Srgio Antnio de Resende - PresidenteDes. Jane Ribeiro SilvaDr. Maria Ceclia Belo

    Thelma Regina CardosoMaria Tereza Santos Arajo Ribeiro

    Des. Vanessa Verdolim Hudson AndradeDes. Nilson Reis

    Des. Antnio Carlos CruvinelDr. Selma Maria Marques de Souza

    Dr. Pedro Carlos Bitencourt MarcondesDes. Caetano Levi Lopes - Assessor Especial

    Diretora ExecutivaMaria Ceclia Belo

    Gerente de Documentao, Pesquisa e Informao EspecializadaPedro Jorge Fonseca

    Assessoria JurdicaMaria da Consolao Santos

    Maria Helena Duarte

    Coordenadora de Comunicao TcnicaEliana Whately Moreira

    Coordenador de Pesquisa e Orientao TcnicaBernardino Senna de Oliveira

    Coordenadora de Documentao e BibliotecaDenise Maria Ribeiro Moreira

  • Comisso de Divulgao e Jurisprudncia

    Desembargadores

    Orlando Ado de Carvalho - Presidente

    Eduardo Guimares Andrade - 1 Cvel

    Caetano Levi Lopes - 2 Cvel

    Kildare Gonalves Carvalho - 3 Cvel

    Moreira Diniz - 4 Cvel

    Maria Elza de Campos Zettel - 5 Cvel

    Ernane Fidlis dos Santos - 6 Cvel

    Antnio Marcos Alvim Soares - 7 Cvel

    Silas Rodrigues Vieira - 8 Cvel

    Srgio Augusto Fortes Braga - 1 Criminal

    Beatriz Pinheiro Caires - 2 Criminal

    Jane Ribeiro Silva - 3 Criminal

  • SUMRIO

    MEMRIA DO JUDICIRIO MINEIRO

    Desembargador Tefilo Pereira da Silva - Nota biogrfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    Aco di Liberdade - 1876 - Comarca do Paraopeba, Sete Lagoas, Tribunal da Relao do Ouro Preto- Nota histrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    DOUTRINA

    Arbitragem e crise judiciria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    Aspectos penais da explorao clandestina de recursos minerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    Processo penal ambiental: aspectos processuais da Lei 9.605/98 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    NOTAS E COMENTRIOS

    Tributo ao acadmico Ricardo Fiuza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    TRIBUNAL DE JUSTIA DE MINAS GERAIS

    1 Corte Superior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

    2 Jurisprudncia Cvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

    3 Jurisprudncia Criminal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 311

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413

    SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449

    NDICE NMERICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457

    NDICE ALFABTICO E REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 461

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    Desembargador TEFILO PEREIRA DA SILVA

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    Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 55, n 170, p. 11-16, out./dez. 2004 13

    MEMRIA DO JUDICIRIO MINEIRO

    Nota biogrfica

    Desembargador Tefilo Pereira da Silva

    Magistrado, promotor e poltico, O Desembargador Tofilo Pereira da Silva nasceu na Vila da Serrado Gro Mogol, Provncia de Minas Gerais (hoje Cidade de Gro Mogol), em 5 de novembro de 1842. Filhode Joaquim Pereira da Silva, major da Guarda Nacional, e de Claudina Marques. Casou-se com a Sr.Mariana Romeiro Pereira da Silva, com quem teve cinco filhos, tendo o seu primognito, Thephilo PereiraFilho, exercido a funo de Juiz de Direito da Comarca de Abaet em Minas Gerais.

    Formou-se em Cincias Jurdicas e Sociais pela FDSP em 1865 e veio a exercer a PromotoriaPblica em sua terra natal.

    Foi Deputado Assemblia Provincial nas 17 (1868-1869), 21 (1876-1877) e 22 (1878-1879)legislaturas. Pertenceu ao Partido Liberal.

    No perodo imperial, foi chefe de polcia da Provncia, durante a presidncia de AntnioGonalves Chaves.

    Ingressou na Magistratura e exerceu os cargos de Juiz Municipal, em setembro de 1871, e deJuiz de Direito das Comarcas mineiras de Mariana, Pitangui e Diamantina.

    J na Repblica, foi nomeado Desembargador, chegando a ocupar os cargos de Presidente ede Vice-Presidente do Tribunal da Relao.

    O Magistrado faleceu em 2 de dezembro de 1921, aos 79 anos de idade, na Cidade de BeloHorizonte.

    Referncias bibliogrficas:DIRIO DE MINAS. Belo Horizonte, 3 de dezembro de 1921, p. 2.MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 3 de dezembro de 1921, p. 6.O DIRIO. Belo Horizonte, 26 de junho de 1964, p. 4.OTONI, Carlos. Nortistas ilustres. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,1907.Universidade de So Paulo - Faculdade de Direito. Arquivo.

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    Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 55, n 170, p. 11-16, out./dez. 2004 15

    Nota histrica

    Aco di Liberdade - 1876 - Comarca do Paraopeba, Sete Lagoas, Tribunal da Relaodo Ouro Preto

    Em recente pesquisa na sala de exposio da Memria do Judicirio, encontramos um documentode extrema valia para os interessados na Histria do Brasil, principalmente na Histria de Minas.

    Trata-se de uma Aco di Liberdade movida por escravos na Provncia de Minas Gerais, junta-mente com um curador, contra o suposto senhor dos mesmos. Tal documento datado do perodocompreendido entre janeiro de 1876 e setembro de 1877, ainda sob a vigncia do regime monrquicoe da escravido, alm do que a diviso dos territrios no se fazia por federaes nem capitanias, esim por provncias.

    A Justia e as relaes que estabelecia poca com os senhores e com os escravos esto entreos principais aspectos a serem destacados no documento. Como se trata de uma fonte primria querelata prticas comuns da Justia no perodo imperial, possvel identificar, inclusive, atores sociais esuas funes, as relaes estabelecidas, a validade das provas, a questo das alforrias, as hierarquias,alm de facilitar o entendimento de como era instalado um processo nesse perodo.

    A histria se inicia com um requerimento feito por parte do escravo de nome Vicente ao DoutorChefe de Polcia, no qual solicita providncias para que fosse garantido a ele e suas irms o direito liberdade. bom que fique clara a impossibilidade de um escravo, como tal, abrir um processo naJustia, mas atravs de um curador isso era possvel.

    Neste caso, o curador props uma Aco di liberdade em nome dos escravos conhecidoscomo Vicente, Theresa e Dyonisia. Esses escravos alegavam que o ru, chamado Filicio, mantinha-os sob cativeiro de maneira ilegal, j que a me deles, Anna, havia alcanado a sua liberdade, con-cedida pela Sr. D. Gertrudes, atravs de uma carta de alforria*. Historicamente, filhos de libertos soconsiderados livres, mas, nesse processo, os escravos nasceram livres, mas acabaram sendoreescravizados por Filicio.

    Em seqncia, o Chefe de Polcia remeteu o requerimento ao Juiz Municipal de Sete Lagoas.O ru, aps ser convocado para comparecimento em audincia, apresentou em sua defesa escrita amatrcula dos escravos e uma justificativa, alm de suas testemunhas. Os autores apresentaram tam-bm suas testemunhas e seus argumentos contra o cativeiro. Os argumentos da acusao insistiamem que Filicio havia dado fim carta de liberdade que a me dos escravos havia recebido da antigasenhora e os colocado sob cativeiro ilegalmente. Almejavam pelo direito liberdade. Por outro lado, adefesa dizia que Theresa (uma das escravas) havia roubado a carta de ttulo de propriedade e haviarasgado a mesma ao saber de sua importncia. Afirmavam, tambm, que era de notoriedade pblicaque os escravos pertenciam a Filicio.

    Os interesses em jogo permeavam as questes da propriedade privada do senhor sobre osescravos, a validade dos ttulos de posse, da carta de alforria e o anseio liberdade que tocava os cativos.

    Apesar de todas as justificativas, de todos os procedimentos tomados, da apelao em primeirae segunda instncias, o curador e os escravos no auferiram sucesso nessa aco.

    * A carta de alforria era uma prtica bastante comum no perodo em que o abolicionismo era uma idia corrente e vrias fatoresapontavam para o fim da escravido.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 55, n 170, p. 11-16, out./dez. 200416

    E, em 17 de julho de 1877, o Procurador da Coroa determinou em sua sentena a restituio daposse dos escravos em favor do ru - levantar o deposito e entrega-los ao reo, seu senhor -, contrariandotoda a expectativa dos autores do processo.

    Os principais envolvidos no documento so:

    Escravos: Vicente, Theresa e Dyonisia.Senhor: Filicio Jose do Altssimo.Curador: Joo Marciano Ferreira da Costa.Juiz Municipal: Doutor Filippi Gabriel de Castro Vasconcellos.Escrivo: Joaquim Candido de Andrade.Chefe de Polcia: Bento Fernandes de Barroso.Procurador do ru: Joo Antonio.Advogado: Candido Luis OliveiraJuiz de Direito de Curvelo: Joaquim Antonio da Silva Barata.Desembargadores: Joaquim Caetano da Silva Guimares e Luiz Gonzaga de Britto Guerra(Presidente do Tribunal da Relao).

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  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 55, n 170, p. 17-50, out./dez. 2004 17

    Dou

    trina

    DOUTRINA

    Arbitragem e crise judiciria

    Dr. Rogrio Medeiros Garcia de Lima*

    Como j tivemos ocasio de refletir, a Revoluo Francesa de 1789 eclodiu em reao monarquiaabsolutista (Rogrio Medeiros G. Lima, 2003:15-16). O rei governava arbitrariamente. No existiam limites aoseu poder. O Liberalismo iluminista, inspirador da causa revolucionria, concebeu o Estado de Direito. Opoder deve ser exercido mediante representao. Submete-se s leis votadas pelo Poder Legislativo, inte-grado pelos representantes dos cidados governados.

    Durante todo o sculo XIX, houve o predomnio do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo. Erapreciso consolidar o princpio da legalidade, apangio das democracias liberais. Ningum ser obrigadoa fazer ou deixar de fazer alguma coisa, seno em virtude de lei. Todo o poder emana do povo e em seunome ser exercido. O governante atuar submetido Constituio e s leis elaboradas pelos represen-tantes dos cidados.

    O sculo XX foi o sculo das Grandes Guerras e das crises econmicas. Fez-se necessria ainterveno do Estado na ordem econmica e social. O Poder Executivo concentrou poderes. Permi-tiu-se-lhe, inclusive, em situaes emergenciais, legislar mediante instrumentos tais como decreto-leie medida provisria.

    Se o sculo XIX foi do Legislativo e o sculo XX foi do Executivo, o sculo XXI ser do Judicirio.Na nova centria, o Poder Judicirio conciliar atritos emergentes entre os demais Poderes constitudos.Viveremos, outrossim, a Era dos Direitos, a que se referiu Norberto Bobbio (1996). A par da liberdade indi-vidual e da propriedade, estaro garantidos direitos mais abrangentes. Dentre outros, direitos cidadania, dignidade, justia social, ao meio ambiente saudvel e ao consumo sustentvel. Para tanto, neces-sitamos de uma Justia contempornea do sculo em que vivemos.

    O processualista japons YASUHEI TANIGUCHI, reportando-se Justia de seu Pas, apontouque, nas grandes cidades japonesas, juzes sobrecarregados processam mdia de trezentos feitos.1Os magistrados brasileiros tm razes de sobra para invejar os seus pares atuantes nas grandescidades japonesas. Aqui os juzes, para manter os servios em dia, mourejam pelas manhs, tardes,noites, fins de semana e at em grande parte dos perodos de frias.

    catica a situao do Poder Judicirio no Brasil. Segundo estatsticas recentes, temos umjuiz para 25 mil habitantes, ao passo que, em pases de Primeiro Mundo, como o caso da Alemanha,existe um juiz para cada 4 mil habitantes (Carlos Velloso, 1998:94-111). Na minha tese de doutorado(O Direito Administrativo e o Poder Judicirio, 2002:94), coligi dados estatsticos comprobatrios dadeteriorao da prestao jurisdicional:

    (*) Juiz de Direito da 2 Vara das Sucesses e Ausncia da Comarca de Belo Horizonte. Juiz Diretor do Foro Eleitoral de BeloHorizonte. Doutor em Direito Administrativo pela UFMG. Professor do Centro Universitrio Newton Paiva.1 TANIGUCHI, Yasuhei. O Cdigo de Processo Civil Japons de 1996 - um processo para o prximo sculo?. Traduo de JosCarlos Barbosa Moreira. Revista de Processo, So Paulo, Editora RT, n 99, p. 53, jul.-set. 2000.

  • Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 55, n 170, p. 17-50, out./dez. 200418

    Em 1998, o Supremo Tribunal Federal julgou o absurdo nmero de 47 mil processos.2 Pior a situaodo Superior Tribunal de Justia, onde o volume de feitos cresce em progresso geomtrica (Slvio deFigueiredo Teixeira, 1998:515-527), decuplicando entre 1990 (11.742 feitos julgados) e 1997 (102.054feitos julgados). A maior parte dos recursos extraordinrios e especiais encerra temas repetitivos.

    Diversos no so os nmeros em Minas Gerais. Em 1998, o Tribunal de Justia recebeu 20.465 proces-sos. O Tribunal de Alada, 22.309. Na primeira instncia, at fevereiro de 1999, os processos em curso,na capital e no interior, somavam 1.032.574 (contra 476.987, em 1992). Em 1998, os Juizados EspeciaisCveis de Belo Horizonte receberam 23.673 feitos.3

    Dados mais recentes, divulgados pelo Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais, referentes aoperodo de 1 de agosto de 2003 a 15 de julho de 2004, indicam a distribuio de 53.450 e o julgamentode 42.571 feitos. Em todo o Estado, o nmero de processos distribudos em 2004 alcana a soma de1.781.306. So nmeros estarrecedores.4

    Da a importncia dos mecanismos alternativos de soluo de conflitos. O Estado contempo-rneo j no mais detm o monoplio da produo e distribuio do Direito. Embora seja o Direitoestatal a espcie de juridicidade dominante, ele coexiste com outros modos de juridicidade existentesna sociedade (Boaventura de Sousa Santos, 1997:175).

    MARIA CELINA D'ARAJO5 discorreu sobre os chamados mecanismos alternativos de reso-luo de conflitos (Marcs):

    As vantagens dos Marcs vm sendo amplamente consideradas nas novas democracias da AmricaLatina. Entre elas, destacam-se: reduo de custos para o Estado e para o cidado; celeridade e infor-malidade; carter preventivo; incremento na qualidade da resoluo de conflitos individuais e coletivos;fuga do monoplio do Estado como distribuidor de justia; expanso da cultura da paz em contra-posio a uma idia de antagonismo entre as partes; incentivo reestruturao dos sistemas judiciais;fortalecimento da democracia.

    Dentre os Marcs, salienta-se a arbitragem. Arbitragem, ou juzo arbitral, forma paraestatal de com-posio de controvrsias, pois se desenvolve sob os auspcios e a garantia do Estado, mas com a decisodelegada a particular, cujas decises se estabilizam uma vez proferidas, inclusive com sanes tpicas desoluo estatal (Slvio de Figueiredo Teixeira) (Joel Dias Figueira Jnior, 1997:68-69). Importa renncia via judiciria, confiando as partes a soluo da lide a pessoas desinteressadas, mas no integrantes doPoder Judicirio (Humberto Theodoro Jnior, 1984:43).

    O professor Jos Carlos de Magalhes destaca (Irineu Strenger, 1998:11):

    A jurisdio de que se acha investido (o rbitro) a mesma do juiz estatal, com a diferena de que suaautoridade jurisdicional decorre diretamente das partes, enquanto a do juiz, da comunidade como umtodo, expressa na Constituio.

    Assinala Othon Sidou (1997:275) a origem remota da arbitragem:

    2 VEJA. So Paulo: Abril, 02 dez. 1998.3 INFORMATIVO TJMG, p. 3, 6 e 7, maio de 1999. Minas Gerais, 06-abr. 1999.4 TRIBUNAL DE JUSTIA DE MINAS GERAIS. Relatrio do primeiro ano de gesto da presidncia do Desembargador MrcioAntnio Abreu Corra de Marins. Belo Horizonte: TJMG, 2003/2004.5 DARAJO, Maria Celina. Democracia e novas institucionalidades jurdicas na Amrica Latina. Revista de AdministraoPblica, Rio de Janeiro, FGV, n 35, p. 156-157, jan./fev. 2001.

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    O pacto compromissrio tem origem nebulosa, ou adentra nas brumas da Histria, dado que Wenger(Compendio de Derecho Procesal Civil) afirma ter sido modo de resolver litgios encontrado entre todosos povos e em todas as pocas. Carnelutti (Sistema de Derecho Procesal Civil) aponta sua prtica nodireito helnico.Como quer que seja, no direito romano que vamos encontrar a presena transparente do instituto,precisamente no fragmento do ad Edictum, do jurisconsulto Paulus, recolhido no Digesto, 4.8.1: Ocompromisso assemelha-se ao juzo, e tende a encerrar os litgios.

    Luiz Barros Lees (1978:347) tambm discorre sobre a existncia do instituto da arbitragem noDireito Romano. Gaio, nas Instituies (III, 140), noticia a existncia de controvrsia entre juristas acerca davalidade da venda e da locao, por preo a ser determinado por terceiro. Justiniano, com a Constituiode 531, considerou vlida a determinao do preo da compra e venda e da locao, com as seguintesconseqncias: 1) na hiptese de o terceiro no determinar o preo, a venda deve considerar-se nula, nohavendo possibilidade de se recorrer a outra pessoa, nem sequer ao juiz; e 2) na hiptese de o terceirodeterminar o preo, as partes devem aceit-lo, sendo-lhes vedada nova discusso ou reviso.

    Na Itlia, o art. 1.349 do Cdigo Civil de 1942 adotou a arbitragem nos termos do direito clssico.Tambm o art. 1.473 admite a possibilidade de as partes confiarem a terceiro a determinao do preo,sublinhando que, na hiptese de o terceiro no querer ou no poder aceitar o encargo, nem as partes con-cordarem com a substituio, a nomeao ser feita pelo presidente do tribunal do lugar onde foi cele-brado o contrato.

    Segundo Hamilton de Moraes e Barros (1992:285), a Revoluo Francesa via a arbitragem comgrande entusiasmo.

    Lei de agosto de 1790 a entendia o meio mais razovel para terminar as contestaes entre oscidados. A legislao posterior a facilitava e criava mesmo casos de arbitragem forada. A experinciano deu os frutos esperados. A arbitragem forada desapareceu ali e o Cdigo de Processo apenasadmite a arbitragem voluntria.

    Franz Wieacker (1980:532), em excurso histrico sobre o Processo Civil alemo, assinala que asociedade germnica, nos albores do sculo XIX, no se satisfazia com a antiga tradio processual dodireito comum nem com a organizao judiciria autoritria da Prssia. Foi o ponto de partida na direoda adoo dos princpios do processo civil e penal francs:

    O ideal da organizao processual francesa de 1807 era o carter imediato e oral do processo, a concen-trao processual e o poder dispositivo das partes sobre a matria processual; tudo isto correspondia desconfiana no poder absolutista do Estado e no corpo de juristas e esperana no sentido de cida-dania; o oposto a estes ideais era, pelo contrrio, o processo secreto e escrito conduzido perante o juiznomeado ou dependente da autoridade ou pertencente a uma ordem privilegiada.

    Sobre a arbitragem no Brasil, discorre Slvio de Figueiredo Teixeira (1997:27):

    Legalmente reconhecida no Brasil desde os tempos da colonizao portuguesa, ao contrrio do quenormalmente se pensa, a arbitragem j existiu como obrigatria em nosso Direito. Assim, o CdigoComercial de 1850, ainda hoje vigente, estabelecia em alguns de seus dispositivos o arbitramentoobrigatrio, como v.g., no art. 294 (...). O Regulamento 737, daquele ano, conhecido como o primeirodiploma processual brasileiro codificado, por sua vez, previa em seu art. 411 que seria o procedimentoarbitral obrigatrio se comerciais as causas. (...) No plano internacional, melhores exemplos no sepoderia ter que aqueles nos quais participou com tanto xito o Baro do Rio Branco, ampliando emmuito as nossas fronteiras, e pacificamente.

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    Ao relatar no Superior Tribunal de Justia o Recurso Especial n 15.231-RS (DJU de 09.12.1991),o ministro Slvio de Figueiredo consignara ser o juzo arbitral instituto sem maior incidncia na prtica esem o prestgio internacional da arbitragem, ordenado e vigiado pelo Estado. Diante desse quadro, foieditada a Lei n 9.307, de 23 de setembro de 1996. Pretendeu incrementar o instituto da arbitragem emnosso Pas. Diferentemente do tradicional juzo arbitral, previsto no Cdigo de Processo Civil, o qual tinhacomo requisito de eficcia do laudo arbitral a homologao judicial, agora a deciso do rbitro no passvel de qualquer recurso ou homologao, a teor do art. 18 da nova Lei da Arbitragem (Ernane Fidlisdos Santos, 1999:149).

    Na dico de Humberto Theodoro Jnior (1989:1.849):

    O compromisso importa afastar a interveno judicial, ficando a composio da lide a cargo de particu-lares, da escolha e confiana das partes. Corresponde, portanto, a substitutivo negocial da jurisdio, talcomo se processa com a transao (grifo no original).

    O juzo arbitral configura atividade privada, com suporte no compromisso resultante exclusiva-mente da vontade dos compromissrios. vontade contratual (Othon Sidou, 1997:274). A doutrinafrancesa considera a autonomia contratual princpio essencial no mbito da arbitragem internacional(Arruda Alvim, 2002:53-54).

    Consoante o art. 31 da Lei de Arbitragem, a sentena arbitral produz, entre as partes, e seussucessores, os mesmos efeitos da sentena proferida pelos rgos do Poder Judicirio, sendo conde-natria, constitui ttulo executivo. ttulo executivo extrajudicial (Figueira Jnior, 1997:187).

    A vigncia da Lei n 9.307/96 suscitou acirrado debate. O Desembargador paulista ANTNIORAPHAEL SILVA SALVADOR pugnou pela sua inconstitucionalidade, porque revoga o Poder Judicirio,incumbido exclusivamente do exerccio da atividade jurisdicional. Nenhuma exceo consta do texto consti-tucional. Logo, no se pode desconsiderar o art. 5, inciso XXXV, da Constituio de 1988, o qual garante odireito de ao diretamente ao Judicirio, em qualquer ofensa a direito individual ou no, para que fiquemos pobres contratantes livres de coao em contratos com poderosos, como bancos, consrcios, presta-dores de servios mdicos, imobilirias e outros iguais, vindo reclamar ao Judicirio ofensas ao seu direito.6

    Pela constitucionalidade do texto legal, propugna JOEL DIAS FIGUEIRA JNIOR. Segundo o juristacatarinense, no sistema da Lei 9.307/96, a renncia voluntria jurisdio estatal j se verifica no momentoem que as partes contratam e convencionam a clusula compromissria. O compromisso arbitral serve comoinstrumento destinado a precisar os termos da conveno e, sobretudo, definir os limites da matria que serobjeto da arbitragem, isto , a lide propriamente dita, e indicar o rbitro ou tribunal arbitral.7

    O Supremo Tribunal Federal decidiu:8

    Em sede de juzo arbitral cedio que a clusula compromissria, conforme define o art. 4 da Lei9.307/96, opo convencionada pelas partes contratantes, para dirimir, mediante arbitragem e noatravs da jurisdio estatal, possvel litgio oriundo de inadimplemento contratual. Assim, as disposiescontidas nos arts. 6, pargrafo nico, e 7 da Lei de Arbitragem, que possibilitam ao contratante recorrer

    6 SALVADOR, Antnio Raphael Silva. Lei de arbitragem: injustia e ofensa Constituio. Revista da Escola Paulista daMagistratura, So Paulo, n 4, p. 25-32, nov./jun. 1998.7 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. A questo da inafastabilidade do controle jurisdicional assegurado pelo art. 5, XXXV, da CF.Tribuna da Magistratura - Caderno de Doutrina, So Paulo, Associao Paulista de Magistrados, p. 242-244, set./out. 1997.8 CORRA, Maurcio. Sentena Estrangeira Contestada n 5.847-1 - Reino Unido da Gr-Bretanha e da Irlanda do Norte.Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 777, p.189, jul. 2000.

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    ao Poder Judicirio para compelir a parte inadimplente ao cumprimento do avenado, atendem ao dis-posto no art. 5, XXXV, da CF, uma vez que, acionado o Juiz estatal para compelir a parte recalcitrante aassinar o compromisso, no decidir sem antes verificar se a demanda que se concretizou estava ou noabrangida pela renncia declarada na clusula compromissria.

    Tambm o Superior Tribunal de Justia inclina-se por convalidar o instituto, imune, em princpio, ingerncia da jurisdio estatal:9

    Tendo as partes validamente estatudo que as controvrsias decorrentes dos contratos de credencia-mento seriam dirimidas por meio do procedimento previsto na Lei de Arbitragem, a discusso sobre ainfringncia s suas clusulas, bem como o direito a eventual indenizao so passveis de soluopela via escolhida.

    Para Hamilton de Moraes e Barros (1992:285-286), a arbitragem ressurge hoje com grande fora.Ela tem seu merecimento, pois instrumento vlido e altamente prestante para resolver problemas comer-ciais e industriais:

    Os rbitros sero conhecedores das matrias em litgio. A arbitragem seria mais rpida e menosdispendiosa. Sobretudo sem publicidade. Existem at os que desejam que ela se faa e tenhaeficcia - a deciso arbitral - sem a homologao judiciria, o que permite evitar-se o conhecimen-to da divergncia pelos estranhos e a fiscalizao pelo Estado.De qualquer modo, a arbitragem, em princpio, ser mais rpida e menos dispendiosa.Sendo os rbitros conhecedores da matria em litgio, no mais fcil e mais simples ir logo a elesdo que recorrer aos tribunais judicirios, que, para resolver as questes de fato, iro determinar aspercias que os tcnicos realizaro?

    No discrepa Irineu Strenger (1998:13):

    A arbitragem, como procedimento jurisdicional, realidade inconteste que movimenta o mundo dodireito em carter ascensional. Centenas de pases se alinham com leis prprias, buscando sempreadaptar-se s novas contingncias (...). A arbitragem vem constituindo fenmeno de grandeimportncia e de originalidade fecunda para as relaes econmicas, tanto nacionais como interna-cionais. (...) Esse rpido crescimento tem numerosos fatores: o desenvolvimento espetacular dosintercmbios comerciais; a aceitao cada vez mais extensa da arbitragem como modo de regulaodos litgios; evoluo sob influncia das organizaes internacionais.

    Carnelutti (2000:163) destacava as vrias razes pelas quais as partes podem preferir asoluo da lide, por meio de rbitros, soluo processual ordinria. Entre outras, a natureza dasquestes que exijam experincia particular de quem as tenha de resolver e a convenincia de subtrairo processo publicidade.

    Figueira Jnior (1997:12) tambm exalta a inovao legislativa sobre o juzo arbitral:10

    A importncia da arbitragem reside em ser mais um instrumento institucionalmente legtimo colocado nosistema disposio dos jurisdicionados para a busca da soluo de seus mltiplos conflitos de ordeminterna ou externa (notadamente nos dias de hoje com a formao de grandes blocos econmicos, como fenmeno denominado de globalizao e do incremento das relaes comerciais internacionais), quesero conhecidos por profissionais especializados tcnica ou cientificamente na matria, objeto dacontrovrsia. Tal assertiva, por exemplo, vem sendo comprovada na Comunidade Europia, Nafta e jcomea a ganhar espao tambm no Mercosul.

    9 Recurso Especial n 450.881-DF, Min. Castro Filho, DJU, 11.04.2003.10 Recurso Especial n 450.881-DF, Min. Castro Filho, DJU de 11.04.2003.

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    O art. 301, inciso IX, do Cdigo de Processo Civil impe ao ru alegar na contestao, antesde discutir o mrito, conveno de arbitragem. Firmada a conveno arbitral, o processo litigiosodever ser extinto, sem apreciao de mrito. Cndido Rangel Dinamarco comenta (2001:138):

    Como meio alternativo de soluo de conflitos, a arbitragem processa-se fora do mbito do exercciodo poder estatal pelo juiz, de modo que o ajuste para instituir o processo arbitral retira a causa com-petncia dos rgos judicirios (Lei n 9.307, de 23.09.96, esp. art. 3). , pois, um pressuposto nega-tivo de admissibilidade do processo e da sentena de mrito (CPC, art. 267, inc. VII), quer tenha sidoajustada mediante clusula compromissria ou compromisso arbitral (arts. 4 e 9) e ainda quandocelebrada no curso do processo j pendente (art. 9, fine). Em qualquer das hipteses, a extino doprocesso jurisdicional eventualmente instaurado ser declarada por sentena, a qual ter natureza ter-minativa, no sendo obviamente uma sentena de mrito (grifos no original).

    Nesse sentido, transcrevo ementa do eg. Tribunal de Alada de Minas Gerais:

    A simples existncia de qualquer das formas de conveno de arbitragem estabelecida pela Lei 9.307/96, clusulacompromissria ou compromisso arbitral, conduz, desde que alegada pela parte contrria, extino do processosem julgamento do mrito, visto que nenhum dos contratantes, sem a concordncia do outro, poder arrepender-sede opo anterior, voluntria e livremente estabelecida no sentido de que eventuais conflitos sejam dirimidos atravsdo juzo arbitral.11

    Interessante discusso surge em torno da aplicao do instituto da arbitragem aos conflitosenvolvendo relaes de consumo. Figueira Jnior afirma que, em linha de princpio, tais conflitospodem ser solucionados por intermdio de jurisdio estatal tradicional (Justia Comum), jurisdioalternativa ou especial (Juizados Cveis) ou jurisdio paraestatal (juzo arbitral). Versam direitos patri-moniais disponveis, os quais admitem transao.12

    Porm, no a forma mais adequada para a resoluo de conflitos decorrentes de relaes deconsumo, destinando-se sobremaneira soluo de questes cveis ou mercantis, nacionais ou inter-nacionais, de grande ou mdio porte. Nesses tipos de controvrsias especficas, considera-se que osconsumidores dispem de outras tcnicas e instrumentos menos ortodoxos, simples, informais eeconmicos, tais como mediao e Juizados Especiais Cveis.

    Em regra, a indicao, em clusula compromissria, de soluo de conflitos eventuais e futuros,por intermdio de juzo arbitral, em relaes de consumo decorrentes de contratos padro ou de adeso, nula de pleno direito. Pode o consumidor recha-la perante o Estado-juiz, em demanda apropriadadefinida no art. 7 da Lei n 9.307/90, ressalvada, sempre, a hiptese de iniciativa ou concordncia do con-sumidor em instituir a arbitragem, firmando o compromisso de ratificao. Nesse caso, no poder maisrecalcitrar ou alegar em demanda futura a nulidade da clusula compromissria, ressalvadas as hiptesesdos artigos 32 e 33 da Lei de Arbitragem (estabelecem casos de nulidade da sentena arbitral).

    Figueira Jnior (1997:12), enfim, sustenta que a arbitragem:

    adquire foro preferencial e finalidade especfica em questes decorrentes de relaes comerciaise, em particular, as internacionais, onde h necessidade de conhecimentos especficos, tanto dedireito internacional e comercial, como de costumes e praxes do comrcio, sendo visveis as suasvantagens.

    11 Apelao Cvel n 254.852-9, Juza Jurema Brasil Marins, Dirio do Judicirio-MG, 15.10.1998.12 FIGUEIRA JNIOR, Joel Dias. Acesso jurisdio arbitral e os conflitos decorrentes das relaes de consumo. GENESIS -Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, v. 16, p. 283-306, abr./jun. 2000.

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    O civilista argentino Gabriel Stiglitz (1990:50) aponta a existncia da chamada justia coexis-tencial, em cujo mbito se acentua o emprego de tcnicas de mediao e conciliao, as quaisremedeiam a sobrecarga de tarefas do Poder Judicirio. Recomenda-se concretamente a instauraoalternativa de mecanismos de arbitragem e acordo amigvel para a composio de interesses con-trapostos. No entanto, tais modalidades de composio de litgios exigem a composio dos rgosjulgadores, dentre outros integrantes, por representantes dos grupos de consumidores.

    Outra indagao reporta-se possibilidade de soluo de conflitos mediante juzo arbitral,quando uma das partes envolvidas for a Administrao Pblica. LEON FREDJA13 registra o argumentocontrrio, fundado na indisponibilidade dos bens pblicos. No entanto, a Lei n 8.987/95, ao disporsobre o regime de concesso e permisso de servios pblicos previstos pelo art. 175 da ConstituioFederal, estabeleceu como clusula essencial a referente ao foro e ao modo amigvel de soluo dedivergncias contratuais, conquanto se aplique a esses contratos administrativos a Lei n 8.666/93(licitaes e contratos):

    A Carta Magna no se ope a solues hericas, assim que, no art. 217, trata da Justia Desportivae avisa que o Poder Judicirio s admitir aes relativas disciplina e s competies desportivas,aps esgotarem-se as instncias da Justia Desportiva regulada em lei. Tambm o art. 114, no seu 1, admite a eleio de rbitros, frustrada a negociao coletiva.A melhor doutrina aconselha, com nfase, essa postura, destacando-se (...) Carlos Mota Pinto,Toshio Mukai e Maria C. Menezello.O Estado (lato sensu) no estar desassistido, porque conta com a presena de seus advogados eprocuradores, nem o Poder Judicirio estar alijado, como demonstrado. Basta que o legislador se sen-sibilize e consinta, expressamente, que as entidades estatais se submetam arbitragem.

    CAIO TCITO no dissente:14

    Nem todos os contratos administrativos envolvem necessariamente direitos indisponveis da Administrao.Certamente, haver casos em que a prestao assumida pelo Estado possa corresponder a interessespblicos, de uso de bens pblicos ou a fruio de vantagens, que no se compadecem com a disponi-bilidade ou a alienao do patrimnio estatal.Quanto a estes, somente o Poder Judicirio poder, no exerccio de suas prerrogativas, impor Administrao deveres ou obrigaes de fazer ou no fazer, de permitir ou de autorizar.Todavia, quando se trata to-somente de clusulas pelas quais a Administrao est submetida auma contraprestao financeira, no faz sentido ampliar o conceito de indisponibilidade obrigaode pagar vinculada obra ou servio executado ou ao benefcio auferido pela Administrao emvirtude de prestao regular do outro contratante.A conveno de arbitragem ser, em tais casos, caminho aberto a que, pelo acordo de vontades,se possa alcanar a plena eficcia da relao contratual. (...)Se, indubitavelmente, em certos casos, o princpio da indisponibilidade do interesse pblico repele ocompromisso arbitral, no h por que obstar o benefcio da transao quando a natureza da obrigaode contedo mercantil, a ser cumprida pelo rgo pblico, possibilita que ao acordo de vontade, frutodo vnculo bilateral, possa igualmente suceder o procedimento amigvel como dirimente de eventualdiscrepncia no entendimento da latitude da obrigao do administrador.Mais ainda se compatibiliza o juzo arbitral com atos de gesto de empresa estatal que se dedique explorao de atividade econmica na qual, nos termos da Constituio de 1988, art. 173, 1,prevalece o regime jurdico prprio das empresas privadas.

    13 SZKLAROWSKY, Leon Fredja. Arbitragem e os contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,v. 209, p. 106, jul./set. 1997.14 TCITO, Caio. Arbitragem nos litgios administrativos. Genesis - Revista de Direito Administrativo, Curitiba, n 19, p. 736,out./dez. 1998.

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    O acordo conducente ao procedimento arbitral, superando a delonga do rito judicial, favorece aceleridade na superao de litgios em benefcio da dinmica prpria das relaes econmicas queo Estado venha a assumir como imperativo do interesse coletivo.

    Em suma, perora Figueira Jnior (1997:12-13), a instituio do novo regime de arbitragem no sepresta necessariamente a desafogar o Judicirio. Entretanto, a reduo da sobrecarga da Justia brasileirapoder verificar-se de forma lenta e paulatina, exata medida que o jurisdicionado for absorvendo eadquirindo a cultura dos meios alternativos de composio dos seus conflitos:

    Por isso, no temos dvida ao afirmar que a importncia preponderante da arbitragem reside em sermais uma forma alternativa colocada disposio dos jurisdicionados para buscarem a soluo deseus conflitos. No objetiva a arbitragem substituir a jurisdio estatal ou concorrer com ela, mas ape-nas servir como mecanismo opcional hbil voltado resoluo dos grandes conflitos sobretudo denatureza comercial interna ou internacional.

    Vigorou antiga desavena doutrinria em torno da natureza jurdica da funo desempenhada pelorbitro na resoluo de litgio privado (Othon Sidou, 1997:274). Grandes processualistas, com destaquepara Chiovenda, eram infensos a considerar o juzo arbitral rgo de jurisdio. O argumento-chave seassentava no fato de a deciso dos rbitros no ser considerada ttulo executivo, por depender o laudo dehomologao judicial. Na Itlia, portanto, surgiu uma concepo negativista em torno do juzo arbitral.

    No Brasil, segundo DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, no temos ainda a cultura daarbitragem. O positivismo jurdico sempre sobrevalorizou as frmulas escritas e o estatismo, aliados auma kafkiana processualstica.15 Aps a vigncia da Lei n 9.307/96, muitos magistrados se expres-saram desfavoravelmente ao instituto. Todavia, para Slvio de Figueiredo Teixeira, esses pronuncia-mentos so isolados e no espelham desconforto da magistratura brasileira em relao arbitragem.A resistncia expanso do instituto, no Brasil, no pode ser atribuda a bices opostos peloJudicirio. O tratamento tradicionalmente dado arbitragem no Brasil, interna e externamente, era oreflexo da arraigada mentalidade jurisdicionalista, o que explicaria, de certa forma, a resistnciabrasileira aos tratados e convenes internacionais sobre arbitragem (1997:28), grifei.

    Concluiu magistralmente Teixeira (1997:33):

    Fazendo coro com o Prof. Carlos Alberto Carmona, o Brasil no pode ficar alheio aos ventos quesopram em outros pases. Em outras palavras, e repetindo Benjamin Cardozo, em sua evocao aRoscoe Pound, o direito deve ser estvel, mas no pode permanecer esttico, o jurista, como o via-jante, deve estar pronto para o amanh.

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    Aspectos penais da explorao clandestina de recursos minerais

    Dr. Flvia de Vasconcellos Lanari*

    SUMRIO: 1 Introduo. 2 Bens jurdicos. 3 Crime ambiental e crime de usurpao em atividade deminerao: competncia e concurso de infraes. 4 Concluso. 5 Referncias bibliogrficas.

    1 Introduo

    A explorao de recursos minerais constitui atividade econmica de fundamental importncia paraos Estados. E esse no um fenmeno contemporneo. Portugal e Espanha, por exemplo, foram ricasmetrpoles durante o perodo das grandes navegaes e do colonialismo custa exatamente da extraode ouro e prata de suas colnias. Sejam metais, jazidas de fertilizantes, jazidas de gua mineral, petrleo,pedras preciosas, areia, entre outros, os recursos minerais, sua explorao e os efeitos decorrentes dessaatividade econmica vm crescendo em relevncia no mundo contemporneo. Para se constatar quequestes como a cotao dos recursos minerais e as disputas decorrentes da escassez dos minerais,especialmente petrleo, a cada dia afetam mais diretamente a vida humana, basta passar os olhos sobreas manchetes do jornal do dia ou assistir ao noticirio na TV. Alm do aspecto econmico, os diversosimpactos ambientais causados pelas atividades de minerao so tambm questes amplamente debati-das pela sociedade. Temas como o desmatamento nas reas de operaes,1 a alterao do padrotopogrfico conseqente da deposio de estril e na abertura da cava de exausto, a necessidade depreservao dos recursos hdricos de infiltraes e as obras de solo,2 por exemplo, interessam a todos.Fazem parte da discusso sobre qualidade de vida atual e das geraes futuras.

    O Direito, como conjunto das normas que se ocupa da disciplina das relaes humanas em sociedade,tambm ordena a minerao. No Brasil, a Constituio Federal inclui os recursos minerais, inclusive de sub-solo, entre os bens da Unio (art. 20, IX), ente federativo a quem compete, privativamente, legislar sobre amatria (art. 22, XII) e autorizar ou conceder a explorao, ou seja, a pesquisa e a lavra das jazidas minerais(art. 176, caput e 1). Mas explorao de recursos minerais so impostos limites decorrentes exatamenteda necessidade de preservao do meio ambiente. Nesse sentido, dispe a Carta Constitucional que todostm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade odever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes (art. 225, caput). Assim, aquele queexplorar recursos minerais est obrigado a recuperar o meio ambiente degradado (art. 225, 2).

    2 Bens jurdicos

    Na seara do Direito Penal, dois diplomas legais procuram proteger os bens jurdicos relacionados minerao, a saber, o patrimnio (da Unio) e o meio ambiente: a Lei 8.176, de 08 de fevereiro de 1991,que em seu art. 2 prev o crime de usurpao, e a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, cujo art. 55 tipi-fica o crime ambiental decorrente de minerao, verbis:

    (*) Mestre em Direito Comercial pela UFMG (1996). Doutora em Direito Tributrio pela UFMG (2004). Juza Criminal em MinasGerais.1 Que abrangem o ncleo de minerao constitudo pela mina, bancadas de estril, deposio de rejeitos, estradas de servios,usinas e reas de apoio social e infra-estrutura2 Em que as atividades esto relacionadas com as aes de escavao, desmonte, rebaixamento de lencol, transporte e bota-fora de materiais, construo de drenagens, estradas e praas de trabalho.

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    Art. 2 Constitui crime contra o patrimnio, na modalidade de usurpao, produzir bens ou explorarmatria-prima pertencentes Unio, sem autorizao legal ou em desacordo com as obrigaesimpostas pelo ttulo autorizativo.Pena - deteno de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Lei 8.176/91).

    Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extrao de recursos minerais sem a competente autorizao,permisso, concesso ou licena, ou em desacordo com a obtida:Pena - deteno de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.Pargrafo nico. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a rea pesquisada ou explo-rada, nos termos da autorizao, permisso, licena, concesso ou determinao do rgo com-petente (Lei 9.605/98).

    A respeito dessas normas incriminadoras, primeiramente cumpre salientar que o art. 55 da Lei9.605/98 revogou o art. 21 da Lei 7.805/89, que dispunha: A realizao de trabalhos de extrao desubstncias minerais, sem a competente permisso, concesso ou licena, constitui crime, sujeito apenas de recluso de 3 (trs) meses a 3 (trs) anos e multa. Nesse sentido, a lio do ProfessorPAULO AFFONSO LEME MACHADO:

    O novo texto da Lei 9.605/98 abrange todo tipo de trabalho levado a efeito no terreno mineral, inci-dindo sobre a pesquisa, a lavra ou a extrao de recursos minerais, sem prvia interveno doPoder Pblico, atravs da autorizao, permisso, concesso ou licena, ou em desacordo com aobtida. No a obteno de substncias minerais que configura o crime, mas a realizao dos tra-balhos. Assim, se houver trabalhos sem a concordncia da Administrao Pblica e no se con-seguir a extrao de minerais ou os mesmos no forem encontrados, j h a tipificao do crime.Quem for beneficirio dos atos administrativos que lhe outorguem o direito de realizar a exploraomineral, mas agir em desacordo com o contedo desses atos, tambm comete crime. Essa deso-bedincia aos termos da autorizao, da licena, da concesso ou da permisso no precisa sersancionada previamente pela Administrao Pblica mineral ou ambiental para que o crime estejaconsumado. Constatada a incorreo e no havendo qualquer acordo administrativo vlido conce-dendo prazo para a correo da infrao, a inrcia da pessoa fsica ou jurdica ou sua aodesobediente configuram crime. Mesmo que no estejam descritas as determinaes ambientais emcada um dos atos administrativos referidos, dever legal do beneficirio desses atos administrativoscientificar-se das obrigaes constantes da lei mineral e ambiental, pois o desconhecimento da lei inescusvel (art. 21 do Cdigo Penal).3

    Essa concluso, note-se, j foi chancelada pela jurisprudncia, como se v do aresto abaixocolacionado:

    Processo penal. Recurso criminal. Atividade garimpeira sem permisso. Rejeio de denncia. Lei7.805/89.- 1. Embora cabvel o recebimento da denncia por infrao do artigo 21 da Lei n 7.805/1989,impe-se o enquadramento da conduta no artigo 55 da Lei n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998,que, reproduzindo aquele tipo, o apenou mais brandamente, sendo o caso de, por mais benfico,aplic-lo retroativamente.- 2. Aplicao retroativa da lei mais benfica, acarretando a extino da punibilidade pela penacominada em abstrato ao delito.- 3. Prescrio da pretenso punitiva decretada.- 4. Apelao do MP prejudicada (TRF 1 Regio, 4 Turma, RCCR 93.01.17079-5/MG, Rel. Des.Federal Hilton Queiroz, DJU de 03.08.1998, p. 461).

    3 Da poluio e de outros crimes ambientais na Lei 9.605/98. www.femperj.org.br/artigos/meiamb/apostila.htm. Acesso em: 08.12.2004.

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    Mas o art. 55 da Lei 9.605/98 no abrange o tipo do art. 2 da Lei 8.176/91. Essas normaspenais protegem bens jurdicos diversos. No h que se falar, portanto, em revogao do art. 2 daLei 8.176/91 no caso.

    A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1.998, dispe sobre as sanes penais e administrativas derivadasde condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e d outras providncias. O art. 55, supracolacionado,est inserido na Seo III, intitulada Da Poluio e outros Crimes Ambientais, o que evidencia no abrangera norma, ao mesmo tempo, os aspectos ambientais e patrimoniais da explorao mineral. Tratando-se (a Lei9.605/98) de um diploma de proteo ao meio ambiente, a autorizao, permisso, concesso ou licenareferidas no tipo (art. 55) s pode ser ambiental. E essa concluso tambm se extrai da disposio constantedo pargrafo nico do dispositivo em exame (art. 55): Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperara rea pesquisada ou explorada, nos termos da autorizao, permisso, licena, concesso ou determi-nao do rgo competente. que a nica recuperao cabvel a do meio ambiente. Para a recom-posio patrimonial da Unio, a Constituio Federal prev a compensao financeira pela explorao depetrleo ou gs natural, recursos hdricos para fins de gerao de energia eltrica e de outros recursos mi-nerais no territrio, na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econmica exclusiva (art. 20, 1).4 Portanto, os dispositivos do caput e do pargrafo nico do art. 55 da Lei 9.605/98 prevem exclusiva-mente crimes ambientais. Registre-se que este tipo legal no reclama a ocorrncia efetiva de poluio domeio ambiente. Se esta ocorrer, estar configurado o crime de poluio, previsto no art. 54 e seus pargrafosdo mesmo diploma legislativo. Nesse dispositivo legal (art. 54), esto contemplados comportamentosdolosos e culposos, bem como seis formas qualificadas do delito.5 Cumpre salientar que no caso de efetivapoluio ao meio ambiente se caracteriza o concurso formal entre os delitos dos arts. 54 e 55, Lei 9.605/98,aplicando-se o disposto no art. 70 do Cdigo Penal. Aplicar-se- ao agente a pena mais grave dentre ascabveis, aumentada de um sexto at metade, ou, no caso de desgnios autnomos na ao ou omissodolosa, somar-se-o as penas.

    O art. 2 da Lei 8.176/91, por seu turno, descreve o crime de usurpao como modalidade de delitocontra o patrimnio pblico, consistente em produzir bens ou explorar matria-prima pertencente Unio,sem autorizao legal ou em desacordo com as obrigaes impostas pelo ttulo autorizativo. Esse diplomalegal (Lei 8.176/91) define crimes contra a ordem econmica e cria o sistema de estoque de combustveis.No trata de questes ambientais. O tipo penal (art. 2) indica claramente que a sua natureza de crime con-tra o patrimnio, na modalidade usurpao. Usurpao o ato ou efeito de apossar-se violentamente,adquirir com fraude, alcanar sem direito, obter por artifcio. E matria-prima, outro termo fundamental paraa compreenso da norma incriminadora em exame, a substncia em estado bruto, principal e essencial,

    4 A compensao financeira foi regularmentada pelas Leis 7.990/89 (arts. 1 e 6) e 8.001/90.5 Art. 54. Causar poluio de qualquer natureza em nveis tais que resultem ou possam resultar em danos sade humana, ouque provoquem a mortandade de animais ou a destruio significativa da flora:Pena - recluso, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 1 Se o crime culposo:Pena - deteno, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. 2 Se o crime:I - tornar uma rea, urbana ou rural, imprpria para a ocupao humana;II - causar poluio atmosfrica que provoque a retirada, ainda que momentnea, dos habitantes das reas afetadas, ou quecause danos diretos sade da populao;III - causar poluio hdrica que torne necessria a interrupo do abastecimento pblico de gua de uma comunidade;IV - dificultar ou impedir o uso pblico das praias;V - ocorrer por lanamento de resduos slidos, lquidos ou gasosos, ou detritos, leos ou substncias oleosas, em desacordocom as exigncias estabelecidas em leis ou regulamentos:Pena - recluso, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. 3 Incorre nas mesmas penas previstas no pargrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade com-petente, medidas de proteo em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversvel.

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    com que fabricada alguma coisa ou, em outras palavras, que destinada obteno direta de produtotcnico por processo qumico, fsico ou biolgico, como os recursos minerais.

    Observe-se que o mesmo tipo legal (art. 2) incrimina tambm a produo de bens pertencentes Unio e, quanto a esse ponto, vale lembrar: 1) que a explorao de matria-prima antecede a pro-duo de bens; e 2) que a Unio detm o monoplio da produo de bens relacionados ao petrleoe aos minrios e minerais radioativos e seus derivados (art. 177, CF).6

    Destarte, o escopo da norma do art. 2 da Lei 8.176/91 , exclusivamente, a proteo de bens daUnio, no a proteo do meio ambiente. O foco est no prejuzo resultante da usurpao patrimonial.Para a caracterizao do delito, h necessidade de efetiva extrao do mineral. O crime material e dedano, e no formal e de perigo, como o crime ambiental do art. 55 da Lei 9.605/98. Assim, e em sendo osrecursos minerais bens da Unio (art. 20, IX, CF/88) e como a Unio detm a competncia para regulara sua explorao (art. 22, XII, CF/88), a autorizao legal/ttulo autorizativo referidos na norma em exame(art. 2) no so ambientais, e sim a autorizao de pesquisa e a permisso de lavra garimpeira, da com-petncia do Departamento Nacional de Produo Mineral.7

    certo que, entre as competncias do DNPM, est a de baixar normas, em carter complementar,e exercer fiscalizao sobre o controle ambiental, a higiene e a segurana das atividades de minerao,atuando em articulao com os demais rgos responsveis pelo meio ambiente e pela higiene, seguranae sade ocupacional dos trabalhadores (art. 3, VII, da Lei 8.876/94). Mas essa atuao na questoambiental apenas complementar, como dispe expressamente a lei, e seu objetivo , na verdade, a explo-rao econmica eficiente dos recursos minerais e matrias-primas (o foco patrimonial/econmico).

    Por fim, robora essa concluso o fato de que a licena ambiental requisito para a obteno,no DNPM, dos ttulos minerrios como o registro de licena (licenciamento) e o registro de permissode lavra garimpeira (Lei 6.567/98, Instruo Normativa do Diretor-Geral do DNPM 001/01).

    Portanto, quando se fala em atividade minerria, a ausncia desse ttulo ou a explorao emdesacordo com o mesmo que constitui requisito essencial prtica do crime de usurpao, comodefinido em lei, e no a falta de licena ambiental ou a prtica de poluio ambiental.

    6 Art. 177. Constituem monoplio da Unio:I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petrleo e gs natural e outros hidrocarbonetos fluidos;II - a refinao do petrleo nacional ou estrangeiro;III - a importao e exportao dos produtos e derivados bsicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;IV - o transporte martimo de petrleo bruto de origem nacional ou de derivados bsicos de petrleo produzidos no Pas, bemassim o transporte, por meio de conduto, de petrleo bruto, seus derivados e gs natural de qualquer origem;V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializao e o comrcio de minrios e minerais nucleares e seusderivados.7 A autorizao de pesquisa e a concesso de lavra so competncias do Departamento Nacional de Produo Mineral - DNPM -, institudocomo autarquia pela Lei 8.876, de 02.05.1994, como se verifica do disposto no art. 3 deste diploma legal, verbis:"Art. 3 A autarquia DNPM ter como finalidade promover o planejamento e o fomento da explorao e do aproveitamento dos recur-sos minerais e superintender as pesquisas geolgicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar oexerccio das atividades de minerao em todo o territrio nacional, na forma do que dispe o Cdigo de Minerao, o Cdigo deguas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislao que os complementa, competindo-lhe, em especial:I - promover a outorga, ou prop-la autoridade competente, quando for o caso, dos ttulos minerrios relativos explorao e aoaproveitamento dos recursos minerais, e expedir os demais atos referentes execuo da legislao minerria;(...)VI - fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a comercializao dos bens minerais, podendo realizar vistorias, autuar infratorese impor as sanes cabveis, na conformidade do disposto na legislao minerria;(...);XI - estabelecer as reas e as condies para o exerccio da garimpagem em forma individual ou associativa".

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    3 Crime ambiental e crime de usurpao em atividade minerria: competncia e concurso de infraes

    possvel que o empreendedor mineral possua licena do rgo ambiental municipal ou do rgoambiental estadual e, desta forma, explore os recursos minerais de propriedade da Unio sem causarpoluio e sem a devida autorizao legal do DNPM. Nesse caso, no haver crime ambiental, mas, to-somente, crime patrimonial contra a Unio (art. 2 da Lei 8.176/91). Da mesma forma, s haver o crimede usurpao se a extrao mineral no depender de autorizao ambiental, como quando o urnio ou ouro encontrado na superfcie e simplesmente coletado, sem dano ambiental. Nesse caso, tratando o crimede usurpao de delito autnomo, no dependente e distinto de qualquer infrao ambiental, cabe JustiaFederal o seu conhecimento e julgamento. Dispe o art. 109, IV, da Constituio Federal:

    Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar: (...)IV - os crimes polticos e as infraes penais praticadas em detrimento de bens, servios ou interesseda Unio ou de suas entidades autrquicas ou empresas pblicas, excludas as contravenes eressalvada a competncia da Justia Militar e da Justia Eleitoral.

    Mas tambm pode acontecer de a explorao estar sendo feita mngua de qualquer licena,ou seja, o agente no possui as licenas ambiental e garimpeira. Nesse caso, h que se verificar sehouve, ou no, a efetiva extrao de recursos minerais.

    O agente pode colocar uma bomba de suco em um rio ou crrego para extrair diamantes, masnada obter. Nesse caso, mngua das licenas e diante da inexistncia de prejuzo para a Unio, estarcaracterizado apenas o crime ambiental. Os crimes ambientais, regra geral, so da competncia da JustiaEstadual. O Poder Judicirio dos Estados, como se sabe, possui competncia residual, vale dizer,abrangente de qualquer questo que no esteja no rol de competncia das Justias especializadas.

    J decidiu o egrgio Tribunal de Justia de Minas Gerais:

    Crime ambiental - Empresa privada - Poluio hdrica e atmosfrica - Rio federal - Processo e julga-mento - Competncia da Justia Estadual comum - Deciso do juiz da Vara Criminal que declina de suacompetncia para a Justia Federal - Recurso em sentido estrito - Cabimento. (...)- O simples fato de a Unio ser a proprietria do solo, subsolo ou do curso dgua degradado nodesloca para o foro federal a competncia para o processo e julgamento do crime ambiental. Odespejo de poluentes em rio federal por empresa particular, por si s, no motivo suficiente paratranspor a competncia do julgamento para o Juzo Federal. Entendimento diverso retiraria a com-petncia da Justia comum estadual para julgar a maioria dos crimes de poluio hdrica, tendo emvista que a poluio lanada na maioria dos rios brasileiros sempre afetaria um rio federal ou o marterritorial, que so considerados bens da Unio. Nesta mesma linha de raciocnio, tambm nocaberia Justia Estadual apreciar a maior parte dos casos envolvendo poluio atmosfrica, j quebens da Unio, como parques e reparties pblicas federais, sofreriam tambm as conseqnciasda chuva cida provocadas pelo agente poluidor.- Na definio da competncia constitucional da Justia Federal para os crimes ambientais, no basta quea Unio seja proprietria do bem que est sofrendo a degradao. Havendo litgio sobre o bem degra-dado e no tendo o agente poluidor relao com a Unio, a competncia para julgar o delito ambientalser da Justia comum estadual, que, ademais, o juzo natural para crimes desta natureza.- Sendo a proteo ao meio ambiente matria de competncia comum da Unio, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municpios e inexistindo, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legalexpresso sobre qual a Justia competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo eo julgamento dos crimes ambientais so da competncia da Justia comum estadual.- No caso de crime ambiental, o interesse da populao local sobrepuja qualquer outro interesse, jque ela a principal prejudicada. Em matria processual penal, correto afirmar que, quando o sujeitopassivo de um crime a coletividade, a competncia para o processo e julgamento da Justia esta-dual. S se verifica a competncia da Justia Federal em ocorrendo, alm desse prejuzo genrico para

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    a coletividade, concomitantemente uma leso que venha a atingir diretamente a administrao federal,seus bens, servios ou outro interesse especfico seu ou de suas entidades (Recurso em SentidoEstrito n 204.079-8/00; Comarca de Juiz de Fora; Rel. Des. Odilon Ferreira; j. em 11.12.2001;Jurisprudncia Mineira, 160/441).

    Mas, se efetivamente for extrada alguma matria-prima mineral, ento poder haver concursodos crimes ambiental (art. 55 da Lei 9.605/98) e de usurpao contra a Unio (art. 2 da Lei 8.176/91).Cumpre examinar, ento, o juzo competente nessa hiptese.

    Na forma do art. 77, CPP, a competncia determinada pela continncia no caso de concurso de pes-soas, concurso formal de crimes, erro na execuo e resultado diverso do pretendido. Continncia tem o sen-tido de uma coisa contida na outra, em que no possvel a separao. No direito processual, como ensinaMIRABETE, significa uma forma de alterao do caminho ordinrio de determinao da competncia ou desua modificao, impondo a reunio em um mesmo processo, com fundamento no concurso de pessoas ouno concurso de crimes, de mais de um autor ou de mais de um ilcito.8 Observe-se que na hiptese de conti-nncia entre crimes que se apuram perante a Justia Federal e a Justia dos Estados, da mesma categoria,prevalece a competncia da primeira, que tem sede constitucional, em detrimento da competncia dasegunda, que de natureza residual, como j mencionado. Importa ressaltar, ainda, que eventual absolviopelo crime que acarretou a conexo ou continncia no faz cessar a competncia em relao aos demaiscrimes (art. 81, CPP).

    No caso de concurso material de crimes, no h conexo nem continncia, ou seja, no hunidade de processo e julgamento dos ilcitos. Cada qual prossegue no seu caminho natural de identi-ficao de competncia.

    Quando o agente realiza a lavra clandestina de recursos minerais sem qualquer autorizao, praticasimultaneamente o crime ambiental e o crime de usurpao. A ao , normalmente, uma s, apesar deserem dois os resultados da conduta. Ento, o caso de concurso formal entre as infraes, o que importaem continncia, deslocando a competncia do crime ambiental para o mbito da Justia Federal, ainda que,ao final, as penas venham a ser aplicadas cumulativamente, como ocorre no concurso material.

    O art. 70 divide-se em duas partes. Na primeira, prev-se o concurso formal prprio, tambmchamado concurso formal perfeito, em que o agente, mediante uma s ao ou omisso, pratica doisou mais crimes, idnticos ou no, com unidade de desgnios, ou seja, desde que enderece sua vontadeao alcance de um s efeito criminoso. Exemplo: enfermeira subtrai, para si, comprimidos psicotrpicosdo hospital onde trabalha (concurso formal dos arts. 155, CP, e 16, Lei 6.368/76). Em casos como oilustrado, o agente tem em mente uma s conduta, pouco importando quantos delitos ir praticar.Recebe, portanto, a pena do delito mais grave com o aumento determinado pelo legislador. Na segundaparte do art. 70, est previsto o concurso formal imprprio, ou concurso formal imperfeito. Nessa espcie,os delitos concorrentes, decorrentes de uma s conduta, resultam de desgnios autnomos. Em conse-qncia dessa caracterizao, vale dizer, do reconhecimento da independncia das intenes doagente, as penas aplicam-se cumulativamente, conforme a regra do concurso material. A inteno dolegislador clara: retirar o benefcio daquele que tem por fim atingir dois ou mais bens jurdicos diferentese o faz mediante uma nica ao ou omisso.

    Entretanto, no existe uma conceituao objetiva de desgnios autnomos, cabendo ao juiz, nocaso concreto, deliberar a melhor forma de concurso a aplicar. Em exemplos de BASILEU GARCIA

    8 In Cdigo de Processo Penal interpretado: referncias doutrinrias, indicaes legais, resenha jurisprudencial. 5. ed. SoPaulo: Atlas, p. 150.

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    (Instituies de Direito Penal, t. II, p. 576): a cozinheira que, pretendendo assassinar todos os membrosde uma famlia para a qual trabalha, coloca veneno na refeio a ser servida est praticando vrios deli-tos com uma s ao. Merece, pois, ser punida pela unidade de resoluo (desgnios autnomos) comque agiu, recebendo a pena que seria cabvel pela aplicao do concurso material (art. 70, 2 parte, CP).Mas, se algum vai sacada de um prdio, chamado por populares, e brada-lhes: Patifes!, estariaofendendo a honra de um ou de todos? Qual seria a sua inteno? Pelo plural utilizado, pode-se crerestar ofendendo mais de uma pessoa. Teria, no entanto, cabimento aplicar-lhe o concurso material,somando as penas, num total de 30 ou 40 injrias? claro que no. No teve o agente vriosdesgnios, pretendendo atingir vrias pessoas determinadas, mas apenas um grupo de pessoas, demodo indefinido. por isso que o mestre paulista sugere, ao final de seu raciocnio, dever o magistrado,valendo-se da eqidade, decidir luz do caso concreto, tendo em vista a inegvel insuficincia doscritrios legais, sem fechar questo em torno de o dolo dever ser direto ou indireto (eventual). Mas essaposio no que se refere ao dolo no unnime na doutrina. Para HELENO FRAGOSO, a expressodesgnio exclui o dolo eventual (Lies de Direito Penal, 4. ed., p. 349).

    Entretanto, o dolo eventual tambm representa o endereamento da vontade do agente, pois ele,embora vislumbrando a possibilidade de ocorrncia de um segundo resultado, no desejado, mas admitido,aceita-o. Ora, admitindo o segundo resultado e aceitando-o, o agente demonstra unidade de resoluo, e,portanto, no h dvidas de que age com desgnios autnomos. Nesse sentido, j decidiu o SupremoTribunal Federal:

    Homicdio - Aberratio ictus - Crimes praticados com dolo eventual - Pena - Aplicao cumulativa das repri-mendas, conforme previsto no art. 70, parte final, do CP. - Ocorrendo a figura da aberratio ictus, mas comdolo eventual, em face da previsibilidade do risco de leso em relao a terceiros, conquanto se tenhaconcurso formal de crimes dolosos, as penas so aplicadas cumulativamente, de conformidade com anorma do art. 70, parte final, do Cdigo Penal. Constrangimento ilegal no caracterizado. Habeas corpusconhecido, mas indeferido (HC 73.548-7, 1 T., j. em 12.03.1996, Rel. Min. Ilmar Galvo, RT, 731/527).

    Observe-se que, no caso de lavra clandestina, o dano ambiental , regra geral, peculiar. O crimeambiental, na espcie, configura o que a doutrina chama de dolo direto de segundo grau. CLAUS ROXINexplica:

    o primeiro (dolo direto de primeiro grau) a inteno do agente, voltada a determinado resultado,efetivamente perseguido, abrangendo os meios empregados para tanto (ex.: o atirador, almejandoa morte da vtima, desfere-lhe certeiro e fatal tiro); o segundo (dolo direto de segundo grau) ainteno do agente, voltada a determinado resultado, efetivamente desejado, embora, na utilizaodos meios para alcan-lo, termine por incluir efeitos colaterais, praticamente certos. O agente nopersegue os efeitos colaterais, mas tem por certa a sua ocorrncia, caso se concretize o resultadoalmejado. O exemplo do matador que, pretendendo atingir determinada pessoa, situada em lugarpblico, planta uma bomba, que, ao detonar, certamente matar outras pessoas ao redor. Aindaque no queira atingir essas outras pessoas, tem por certo o resultado, caso a bomba estoure,como planejado. Diferencia-se do dolo eventual, porque neste caso o agente no persegue o resul-tado tpico atingido, e a sua vontade, portanto, est configurada mais debilmente. No quer o autordeterminado objetivo, mas somente assume o risco que ocorra.9

    Considerando que a lavra clandestina prescinde da observncia das normas ambientais, reali-zada independentemente da necessria licena ambiental e causa, salvo hiptese de afloramento dosrecursos minerais, inegvel prejuzo ao meio ambiente, com efeitos de pblico e notrio conhecimento,pois amplamente divulgados pelo rdio, televiso e jornais, tratando-se de tema de atual discusso pela

    9 In Derecho Penal - parte general, t. I, p. 415/416 e 423/424 apud NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo Penal comentado. 4.ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 139.

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    sociedade brasileira e at planetria, no se afigura jurdico e mesmo razovel desconsiderar os danosao meio ambiente decorrentes desta atividade como danos potenciais certos e, portanto, constituintes dedolo direto do agente, na modalidade de segundo grau, subsistindo ntegra a culpabilidade pelos fatosdiversos.

    Assim, ainda que no se considere o dolo eventual como includo no termo desgnio, a espcie emexame, por referir-se a dolo direto de segundo grau, merece o tratamento previsto para o concurso formalna modalidade imprpria ou imperfeita: os crimes devem ser julgados pela Justia Federal, e as penas doscrimes devem ser somadas.

    4 Concluso

    Em termos de explorao de recursos minerais, dois so os bens jurdicos protegidos peloDireito Penal brasileiro: o meio ambiente e o patrimnio da Unio. Nesse sentido, o art. 55 da Lei9.605/98 no revogou o art. 2 da Lei 8.176/91.

    O agente, em sua atividade extrativa, pode ou no praticar ambos os delitos, que, isoladamenteconsiderados, so da competncia de Justias diferentes. Os crimes ambientais so da competnciada Justia Estadual, enquanto os crimes praticados contra a Unio so da competncia da JustiaFederal. No caso de concurso das infraes (art. 55 da Lei 9.605/98 e art. 2 da Lei 8.176/91), carac-teriza-se a continncia, pois, mediante uma s conduta - a extrao de recursos minerais sem aslicenas ambiental e minerria -, o agente pratica dois crimes distintos, o que acarreta a competnciada Justia Federal para apreciar ambos os delitos.

    Apesar de o concurso de crimes ser formal, o crime ambiental, no caso de explorao ilegal derecursos minerais, praticado mediante dolo direto de segundo grau, e, dessa forma, verifica-se a aocom unidade de resoluo e, portanto, desgnios autnomos. Dessa forma, as penas dos delitos devemser somadas como na regra do concurso material.

    5 Referncias bibliogrficas

    BUGALHO, Nelson Roberto. Crime de poluio do artigo 54 da Lei 9.605/98.www.unitoledo.br/intertemas/vol_1/intertemas.htm (acesso em 06.12.2004).

    MACHADO, Paulo Affonso Leme. Da poluio e de outros crimes ambientais na Lei 9.605/98.www.femperj.org.br/artigos/meiamb/apostila.htm (acesso em 08.12.2004).

    MIRABETE, Jlio Fabbrini. Cdigo Penal interpretado: referncias doutrinrias, indicaes legais,resenha jurisprudencial. 5. ed. So Paulo: Editora Atlas.

    ______. Manual de Direito Penal. v. 1. 15. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

    MOSCOGLIATO, Marcelo. Explorao de recursos minerais: questo ambiental ou patrimonial?www.anpr.org.br/boletim/boletim27/minerais.htm (acesso em 06.12.2004).

    NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo Penal comentado. 4. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

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    Dou

    trina

    Processo penal ambiental: aspectos processuais da Lei 9.605/98*

    Alessandra Coelho Dutra**

    Sumrio: 1 Introduo. 2 Ao penal pblica 2.1 Competncia. 2.2 Instruo criminal e competnciaprocessual: federal ou estadual? 3 Processo penal ambiental/Lei 9.605/98. 3.1 Transao penal. 3.2 Penasde menor potencial ofensivo. 3.3 Suspenso do processo. 4 Responsabilidade penal da pessoa jurdica.4.1 Penas aplicveis pessoa jurdica. 5 Concluso. 6 Referncias bibliogrficas.

    muito difcil pensar nobremente quando se pensa apenas para viver (Jean-Jacques Rousseau,17.12.1778).

    1 Introduo

    A priori, faz-se mister trazer a lume o elementar conceito de meio ambiente. Assevera o mestreJOS AFONSO DA SILVA que:

    O conceito de meio ambiente h de ser, pois, globalizante abrangente de toda natureza original e arti-ficial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a gua, o ar, a flora, asbelezas naturais, o patrimnio histrico, artstico, turstico, paisagstico e arqueolgico.1

    Dessa forma, visando conservar e preservar o meio ambiente, bem essencial para a prpriamanuteno da vida humana, o Direito Ambiental se define como sendo um conjunto de normas e institutosjurdicos que tem como objetivo disciplinar o comportamento humano em relao ao meio ambiente.

    Nesse sentido, o direito fundamental reconhece no artigo 225, caput, da Constituio Federal quetodos tm direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia quali-dade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para aspresentes e futuras geraes. Assim, trouxe, de forma expressa, a necessidade da real preservao econservao do meio ambiente como um direito de todos e inerente pessoa humana.

    Em tempos modernos, com a elevao da densidade demogrfica e o alto desenvolvimentoeconmico, tem aumentado consideravelmente o nmero de litgios, inclusive jurdicos, que, no caso,tem como protagonista o ser humano, as instituies e os bens ambientais (lato sensu). Atento a isso,o legislador, acreditando na importncia de proteger os interesses ambientais, criou leis que deram relao jurdica entre o homem e o meio ambiente novos paradigmas.

    Na prpria Carta Magna, inclusive, o legislador, procurando assegurar a efetividade desses direitos,recomenda a adoo de sanes penais, ao lado das sanes civis e administrativas, s pessoas fsicas ejurdicas. Assim preconiza o 3 do art. 225, in verbis:

    Art. 225. (...)

    (*) Monografia apresentada ao Tribunal de Justia de Minas Gerais, como exigncia para obteno do certificado de conclusodo Curso de Atualizao em Direito Ambiental (CADA).(**) Bacharel em Direito. Assessora no TJMG.1 SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. Malheiros Editores, 1995, p.1.

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    3 As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro os infratores, pessoasfsicas ou jurdicas, a sanes penais administrativas, independentemente da obrigao de reparar osdanos causados.

    Saliente-se que a intromisso do Direito Penal na proteo do meio ambiente se deu em razoda lesividade da conduta ou da atividade do homem que causam graves danos aos bens ambientais.Como averbam PAULO JOS DA COSTA JR. e GIORGIO GREGORI, nascem, assim, as bases paraa criao de um verdadeiro Direito Penal social, isto , de um Direito Penal que oferece sustento eproteo aos valores do homem que opera em sociedade.2

    O Direito Penal, com suas caractersticas repressiva, retributiva e preventiva, s deve serempregado quando falharem ou forem insuficientes as medidas administrativas de controle e res-trio, ou forem inaplicveis as normas de Direito Civil, no excluindo a possibilidade de uma reper-cusso jurdica tripla ao sujeito ativo da danosidade ambiental.

    Contudo, tal proteo no poderia limitar-se natureza de forma meramente programtica, jque o 1 do art. 225 da CF estabelece normas concretas para efetivar tais direitos difusos. Atenta aisso, a Lei 9.605/98 dispe sobre sanes penais e administrativas aplicveis a pessoas fsicas ejurdicas, sanes estas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

    A ao e o processo penal so tratados nos artigos 26, 27 e 28 da lei supracitada, os quaistrazem algumas modificaes na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Consideram-se algumasdestas modificaes a ampliao de imediato da pena restritiva de direito ou multa, sendo indispen-svel prvia composio do dano ambiental, e, para a declarao da extino da punibilidade, olaudo de constatao de reparao do dano ambiental. Alm de prever que as aes penais so pbli-cas incondicionadas, vale ressaltar que o Ministrio Pblico no estar sujeito a nenhuma represen-tao do ofendido para exercer o jus puniendi.

    Visto isso, de se salientar que este trabalho visa percorrer o territrio da ao e do processo penal,esclarecendo conceitos e esmiuando as modificaes e novidades do processo penal ambiental.

    2 Ao penal pblica

    A Constituio Federal, em seu art. 129, I, dispe, in verbis:

    Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico:I - promover, privativamente, ao penal pblica, na forma da lei.

    Dispe o Cdigo Penal, em seu art. 100, in verbis:

    Art. 100. A ao penal pblica, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. 1 Ao pblica promovida pelo Ministrio Pblico, dependendo, quando a lei exige, de repre-sentao do ofendido ou de requisio do Ministro da Justia.

    O art. 26 da Lei 9.605/98 regulamenta que:

    Art. 26. Nas infraes penais previstas nesta lei, a ao penal pblica incondicionada.

    2 COSTA JNIOR, Paulo Jos da; GREGORI, Giorgio. Direito penal ecolgico. So Paulo, CETSB.

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