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LAZER E EDUCAÇÃO: PASSOS E DESCOMPASSOS Jorge Adilson Gondim Pereira' Maria Augusta Santos Neta! Luciene Rocha Gonçalves/ Lucelélia Lima Neves/ Vagner L. de Santana Fiúza/ Suziane Xavier Silva! Nicilene Rodrigues de Souza! Patrícia Gusmão Costa 2 INTRODUÇÃO o lazer no ambiente escolar tem sido alvo de reflexões de uma infinidade de autores nacionais e internacionais. Neste artigo, preten- demos contribuir para a ampliação dessas reflexões avaliando a impor- tância do lazer na educação. Em que pese a gama de conhecimentos já produzidos sobre o tema, aqui, tivemos como principal objetivo, avaliá-Io em nossa realidade social marcada por profundas desigual- dades sociais e também pela falta de investimento público em todos os níveis. Trata-se do semi-árido baiano, mais especificamente a cidade de Guanambi, localizada a 790km de Salvador. Os índices de desenvolvimento humano atribuídos historicamen- te a essa região são significativamente baixos nos diversos campos sociais. Os indicadores educacionais, por exemplo, demonstram que existe um alto grau de analfabetismo quando comparado a outras regi- ões do país e que, problemas como a exclusão e evasão escolar, baixa qualificação profissional, falta de infra-estrutura e baixos salários são bastante comuns nesse contexto. Em meio a essas contradições, procuramos investigar os seguintes aspectos: como o lazer vem sendo considerado no ambiente educacio- nal? De que forma essa questão vem sendo tratada pela Universidade nos cursos de formação de educadores? Como a escola nesse contexto está estruturada do ponto de vista espacial e temporal para contemplar o lazer? Como o lazer vem sendo utilizado pelos professores em sua prática pedagógica? Esses questionamentos constituíram-se em vetores importantes para o nosso estudo na medida em que permitem a reflexão sobre o trato com o lazer em dimensões diferenciadas, mas ao mesmo tempo inter-reJacionadas. Não é possível legitimar o lazer na educação se não houver um investimento na formação profissional dos educadores bem como em sua formação continuada. Outra questão é que para o desen- volvimento pleno do lazer, é preciso que haja as condições propícias em termos de tempo, espaço e recursos materiais. Portanto, anaJisar o Jazer de uma forma mais ampla e contextuali- zada, talvez seja um meio de melhor compreendê-Io, ou de identificar os seus limites e possibilidades na educação. LAZER E ESCOLA: TEXTO E CONTEXTO Antes de analisarmos a relação entre a escola e o Jazer, é preciso 1 Professor Assistente e coordenador do GEL-Grupo de Estudos em Lazer da UNEB- Campus XII 2 Alunos de Educação Física e Pedagogia que integram o GEL RESUMO: O presente estudo teve como objetivo avaliar as condições concretas para o de- senvolvimento do lazer no ambiente educa- cional do município de Guanambi, região semi-árida da Bahia. Para isso, levou-se em consideração três fatores intervenientes na prática do lazer, que foram respectivamente: a formação profissional nos cursos de gra- duação em Educação Física e Pedagogia , a prática docente dos professores regentes de l" a 4" Série do Ensino Fundamental e a organização espacial e temporal das escolas estudadas. Os resultados revelaram que, ape- sar da importância atribuída ao lazer pelos professores e alunos, este fenômeno ocorre de forma descontextualizada tendo como principais finalidades o entretenimento e a melhoria do rendimento da aprendizagem. Não há também uma formação consistente que possibilite uma intervenção crítica em relação ao Jazer. Este despreparo acaba tam- bém afetando a organização espacial e tem- poral da escola. Palavras-chave: lazer, educação e formação profissional 2007 . revista comciência 81

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LAZER E EDUCAÇÃO: PASSOS EDESCOMPASSOS

Jorge Adilson Gondim Pereira'Maria Augusta Santos Neta!

Luciene Rocha Gonçalves/ Lucelélia Lima Neves/ Vagner L. deSantana Fiúza/ Suziane Xavier Silva! Nicilene Rodrigues de Souza!

Patrícia Gusmão Costa 2

INTRODUÇÃO

o lazer no ambiente escolar tem sido alvo de reflexões de umainfinidade de autores nacionais e internacionais. Neste artigo, preten-demos contribuir para a ampliação dessas reflexões avaliando a impor-tância do lazer na educação. Em que pese a gama de conhecimentosjá produzidos sobre o tema, aqui, tivemos como principal objetivo,avaliá-Io em nossa realidade social marcada por profundas desigual-dades sociais e também pela falta de investimento público em todos osníveis. Trata-se do semi-árido baiano, mais especificamente a cidadede Guanambi, localizada a 790km de Salvador.

Os índices de desenvolvimento humano atribuídos historicamen-te a essa região são significativamente baixos nos diversos campossociais. Os indicadores educacionais, por exemplo, demonstram queexiste um alto grau de analfabetismo quando comparado a outras regi-ões do país e que, problemas como a exclusão e evasão escolar, baixaqualificação profissional, falta de infra-estrutura e baixos salários sãobastante comuns nesse contexto.

Em meio a essas contradições, procuramos investigar os seguintesaspectos: como o lazer vem sendo considerado no ambiente educacio-nal? De que forma essa questão vem sendo tratada pela Universidadenos cursos de formação de educadores? Como a escola nesse contextoestá estruturada do ponto de vista espacial e temporal para contemplaro lazer? Como o lazer vem sendo utilizado pelos professores em suaprática pedagógica?

Esses questionamentos constituíram-se em vetores importantespara o nosso estudo na medida em que permitem a reflexão sobre otrato com o lazer em dimensões diferenciadas, mas ao mesmo tempointer-reJacionadas. Não é possível legitimar o lazer na educação se nãohouver um investimento na formação profissional dos educadores bemcomo em sua formação continuada. Outra questão é que para o desen-volvimento pleno do lazer, é preciso que haja as condições propíciasem termos de tempo, espaço e recursos materiais.

Portanto, anaJisar o Jazer de uma forma mais ampla e contextuali-zada, talvez seja um meio de melhor compreendê-Io, ou de identificaros seus limites e possibilidades na educação.

LAZER E ESCOLA: TEXTO E CONTEXTO

Antes de analisarmos a relação entre a escola e o Jazer, é preciso

1 Professor Assistente e coordenador do GEL-Grupo de Estudos em Lazer da UNEB-Campus XII

2 Alunos de Educação Física e Pedagogia que integram o GEL

RESUMO:

O presente estudo teve como objetivoavaliar as condições concretas para o de-senvolvimento do lazer no ambiente educa-cional do município de Guanambi, regiãosem i-árida da Bahia. Para isso, levou-se emconsideração três fatores intervenientes naprática do lazer, que foram respectivamente:a formação profissional nos cursos de gra-duação em Educação Física e Pedagogia ,a prática docente dos professores regentesde l" a 4" Série do Ensino Fundamental e aorganização espacial e temporal das escolasestudadas. Os resultados revelaram que, ape-sar da importância atribuída ao lazer pelosprofessores e alunos, este fenômeno ocorrede forma descontextualizada tendo comoprincipais finalidades o entretenimento e amelhoria do rendimento da aprendizagem.Não há também uma formação consistenteque possibilite uma intervenção crítica emrelação ao Jazer. Este despreparo acaba tam-bém afetando a organização espacial e tem-poral da escola.

Palavras-chave: lazer, educação e formaçãoprofissional

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L.VI H [, LDl'C.\( \0: P.\SSOS F j)FSCO~tp \SSOS

compreender primeiro o sentido que aeducação assumiu ao longo da históriado nosso país. Em sua gênese no Bra-sil, revelou-se como um distintivo declasse, servindo apenas às elites e pri-vilegiando aspectos como a disciplina,o tempo e a ordem. Com a proclama-ção da República em 1889, o Brasilexperimenta um acelerado crescimentoeconômico exigindo da população umacorrespondente preparação para ingres-sar no mundo do trabalho assalariado.Segundo Ruy Barbosa, " a ignorânciapopular é a mãe da servilidade e damiséria( ...)é a grande ameaça contra aexistência constitucional e livre da na-ção; é o formidável inimigo intestinoque se asila nas entranhas do país."

A argumentação deste intelectualbaiano, tinha o propósito de associar ainstrução com a produção, ou seja, so-mente com a difusão da educação seriapossível consolidar o capitalismo emnosso país. A educação nesse sentidoevoluiu historicamente com essa finali-dade, preparar mão de obra qualificadapara o mercado de trabalho. Sobre issoRubem Alves indaga se:

...não será verdade que toda nossaprática educacional se assenta sobre opressuposto de que a criança é apenasum meio para se tornar adulto, e quecada corpo infantil brincante deve serreprimido para vir a ser um cidadãoeconomicamente prodUlivo?(198J :9-11)

Enquanto no século XX, buscou-seum profissional de perfil mais técnicoe realizador de tarefas específicas, omercado atual vem exigindo um pro-fissional mais versátil, criativo e em-preendedor. Desta forma, a escola temreformulado seus currículos, preparadoprofessores e modificado a sua infra-estrutura visando atender as novas exi-gências do mercado profissional.

O que não mudou na escola foi asua finalidade, continua atuando sem-pre no sentido de preparar os jovenspara o mundo do trabalho. Com isso,sobra pouco espaço para o desenvolvi-mento do lazer que, quando ocorre, temsempre uma vinculação com o proces-so produtivo. As atividades lúdicas re-alizadas na escola portanto, tem comoobjetivo principal recuperar a energia

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perdida durante o esforço empreendidonas "tarefas intelectuais".

Segundo Marcellino( 1990:37), " ...pode-se classificar como utilitarista aredução do lazer à função de recupera-ção da força de trabalho, ou sua utili-zação como instrumento de desenvolvi-mento". Desta forma, podemos concluirque a escola vem negligenciando o la-zer e portanto, o lado prazeroso e esté-tico da vida em nome da edificação deum homem máquina capaz de integrareficientemente o esquema de produçãoda sociedade capitalista.

LAZER E EDUCAÇÃO: UMNOVO ENFOQUE

Até aqui, pudemos avaliar a di-nâmica do lazer em nossa sociedade emais especificamente na escola. Nãoparece certo corroborar com o quadrocaótico em que se encontra o lazer noambiente escolar. Nesse sentido, toma-se necessário buscar novas referênciascapazes de redimensionar a práticaeducacional a partir de valores maishumanos e que, acima de tudo, saiba-mos respeitar os desejos da alma. So-bre isso, Rubem Alves apud Marcellinoafirma que, " ... recuperar a alma é sairdeste abismo de alienação: perceber oseu direito ao prazer. Porque é para istoque se faz tudo neste mundo, inclusiveas revoluções." (1990:12).

Portanto, de nada vale trabalhar-mos à exaustão se não podemos colheros frutos desse trabalho, que é exata-mente o prazer emanado das atividadeslúdicas que são orientadas pela gracio-sidade, espontaneidade e liberdade dasações.

Nesse sentido, precisamos de umaeducação crítica que restabeleça a con-dição humana dos sujeitos e que passe avalorizar como objeto de conhecimen-to a dimensão estética da vida. Isso sóserá possível quando os educadores e aescola repensarem o seu papel social.Na pós-modernidade, a escola ocupaum importante espaço no processo dereordenamento político social.

Desse modo, é possível através deuma nova lógica do fazer escolar, re-pensar o currículo, o tempo e o espaço

dedicado ao processo educacional. Olazer ganharia um novo sentido, destavez não mais utilitário, mas:

...lazer-educação como posição po-lítica e político-pedagógica de com-promisso com os grupos ou movimen-tos sociais mediante sua resistênciae luta cotidiana por sobrevivéncia,por emancipação e pela conquistade 1111/ mundo justo e melhor para seviver.(MASCARENHAS. 2003. p.22).

Esta mudança de visão deveráser gestada no processo de forma-ção profissional dos(as) novos(as)educadores(as). Segundo Werneck:

Precisamost. ..)formar profissionaiscapazes de construir (junto com os su-jei/os envolvidos na ação pedagógica)vivências teórico-práticas sobre o la-zer realmente significativas, para quenão mais sejam utilizadas para mas-carar ou atenuar problemas sociais.I2000, p.J43).

O LAZER E A EDUCAÇÃO EMGUANAMBI

Por estar localizado num contextogeográfico marcado por fortes contradi-ções sociais, o município de Guanambiainda tenta superar problemas básicosda educação como a evasão e a exclu-são escolar, baixa qualificação dos pro-fessores, política salarial insatisfatória,falta de infra-estrutura e outros, quedemonstram a clara necessidade de seavançar nesse campo social.

Refletir sobre o lazer neste ambien-te parece ser uma tarefa dificil na me-dida em que as preocupações da comu-nidade escolar e acadêmica convergemsempre para a eficácia da aprendizagemno que se refere aos conhecimentos he-gemonicamente consolidados. Aliado aisso, tem-se uma percepção talvez maisforte neste contexto, sobretudo nosdiscursos políticos e da própria classedocente, de que a escola representa aoportunidade concreta de ascensão so-cial, o que na prática nem sempre acon-tece. Quando observamos a forma deorganização escolar percebemos que:

...0 lúdico vem sendo negado, exata-mente pela suas características, emnome da produtividade da sociedademoderna como um todo. Restrita à

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criançafaixa etária improdutiva, a/émesmo no âmbito infantil começa a sernegado. cada vez mais precocementena sociedade moderna. em 110m e danecessidade de preparação para o Iu-turo. (MARCELLlNo. /994, p.60)

Mesmo as teorias críticas de educa-ção que tem como pressuposto teóricoa superação social, nem sempre colo-ca como prioridade para o desenvol-vimento da sua prática pedagógica osconhecimentos de natureza estética. Opróprio Marx utiliza o "trabalho" comocategoria fundamental para a transfor-mação da sociedade. Neste aspecto,discute a necessidade de conscientizaros trabalhadores do seu potencial cria-tivo e de se libertar do trabalho escravoe alienante para produzir as condiçõesconcretas para uma existência maisdigna.

Desta forma, é compreensível quenão exista uma preocupação tanto daclasse hegemônica como da classe tra-balhadora em não priorizar o lazer nasociedade uma vez que, em seus pos-tulados teóricos, por meio dele, seriaimpossível tanto consolidar a sociedadecapitalista como transformá-Ia.

A reivindicação do lazer como algosignificativo para o ser humano e por-tanto, legítimo no processo educacionalsomente se dará quando conseguirmosredimensionar o papel da escola na so-ciedade. Não podemos aceitar que aescola exista apenas para formar mãode obra para o mercado de trabalho. Épreciso que os docentes passem a pro-mover um ensino que valorize o conhe-cimento como patrimônio da humani-dade que, independente da sua utilidadee valor econômico, possa ser acessadopelas novas gerações.

Pensando em avaliar até que pon-to o lazer vem sendo implementado naeducação de Guanambi, realizamos umestudo em três dimensões educacionaisconsideradas essenciais para o desen-volvimento de uma idéia de lazer maisavançada: a formação profissional, aprática pedagógica e a organização es-pacial e temporal da escola.

CARACTERIZAÇÃO DO ESTU-DO

Trata-se de uma pesquisa descriti-va realizada em duas escolas de ensi-no fundamental do município de Gua-nambi e nos cursos de formação deeducadores da Universidade do Estadoda Bahia - Campus XII. Procuramosneste trabalho valorizar a diversidadede idéias emanadas pelos sujeitos per-tencentes a estas instituições de ensinona tentativa de interpretar mais am-plamente o fenômeno estudado. Paraisso, escolhemos uma abordagem qua-li-quantitativa, sendo que as técnicasutilizadas foram: aplicação de questio-nários serni-estruturados, aplicação deatividades lúdicas seguida de entre-vista oral livre, catalogação de espaçospropícios ao lazer e análise de planosde cursos. A amostra foi composta porprofessores e alunos das escolas estu-dadas, escolhidos de forma aleatória.Os dados foram analisados e organiza-dos sob forma de descrever o fenômenolazer nas três dimensões supracitadasna tentativa de revelar neste espaço decontradições chamado escola, os seuslimites e avanços.

O LAZER NA FORMAÇÃO DOEDUCADOR

A análise dos dados que nos pos-sibilitou refletir sobre a pedagogizaçãodo lazer nos cursos de formação deeducadores e educadoras do CampusXIl, evidenciou alguns aspectos quemuito se aproximaram da hipótese ini-cialmente considerada - a de que osprofessores abordam o lazer de formaparcial e limitada - não permitindo aosfuturos educadores o desenvolvimentode uma visão crítica e contextualizadadeste.

Foi possível percebermos que,mesmo atribuindo importância ao lazer,as abordagens que os professores des-tinam a esta prática são fragmentadassendo comum reduzirem o tema à re-alização de atividades tais como jogose brincadeiras infantis. Quanto a esteaspecto, lembremos Leila Pinto quenos diz: "( ...) O conhecimento sobrerecreação e lazer desenvolvido nos cur-sos de formação são, em geral, práticose voltados à recreação orientada e com

ênfase no ensino técnico." (2001: 125)Este ensino técnico é desprovido de

reflexão e por isso mesmo impede queos alunos avancem na compreensão dolazer que fica restrito a uma visão limi-tada bem como a associações que nãodão conta de sua extensão enquantofenômeno propiciador de desenvolvi-mento pessoal e social.

É possível relacionarmos o trata-mento que os professores destinam aolazer - fragmentado, parcial, limitado,ao fato de que as ementas e, conse-qüentemente, os planos de curso nãoapresentarem referências teóricas sufi-cientes à compreensão desse fenôme-no, o que dificulta a vivência plena econsciente das atividades relacionadascom o lazer.

Segundo Marcellino( 1998:21),"esse caráter parcial e limitado que seobserva quanto ao conteúdo tambén éverificado quando se procura detectaros valores associados ao lazer". Nessaperspectiva, o divertimento e o descan-so são comumente os mais identifica-dos e essa limitação é reforçada quandonão se preza por uma educação críticapara o lazer. Assim, um currículo quenão oferece aos alunos a possibilidadede refletir sobre os variados conteúdosa ele relacionados ( artísticos, sociais,intelectuais, físico-esportivos, manuaise turísticos) não viabiliza, verdadeira-mente, uma formação profissional quegaranta vivências reais do lazer tantoaos alunos em formação quanto aos queestes formarão.

Vale mencionarmos ainda que,mesmo tendo reconhecido a relevânciado lazer na vida pessoal bem como nadocência, tanto alunos quanto profes-sores evidenciaram dificuldades em de-senvolverem uma prática progressista ereflexiva sobre o tema. A maioria dosprofessores pesquisados demonstra-ram pouco conhecimento de autoresque tratam da questão do lazer numaótica mais progressista. Este fato, re-flete negativamente na prática destesprofessores uma vez que necessitam derespaldo teórico para desenvolverem asua prática.

Nessa sentido, concluímos que apedagogização do lazer no Campus XII

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•I \I.bR I: l:Dl'l'.\('.\O P.\.SSOS l' I1ESl'O\II'ASSOS Pen..-rra, Jorge Adilson Gondim

entre o ensino e a realidade necessitaser eliminada (1996: 20)

tem que superar as barreiras do tradi-cionalismo e avançar no sentido deredimensionar a sua prática de forma-ção docente, com o intuito de refletir eoferecer os instrumentos necessários àuma abordagem crítica do lazer.

o LAZER E AS PRÁTlCAS PEDA-GÓGICAS NA ESCOLA

A hipótese de que o conhecimentoacerca do lazer por parte dos professo-res é baseado no senso comum e que,portanto, não integra de forma orgânicao seu planejamento foi confirmada aolongo da pesquisa

Neste sentido, procuramos avaliara importância, o conceito, a prática eas dificuldades encontradas para a rea-lização do lazer na escola, Sobre a suaimportância no processo educacional, amaioria dos professores responderamque:

" é importante para a saúde men-tal, intelectual e corporal". Em algu-mas respostas, o lazer é considerado"o alimento da alma e do corpo e queajuda na convivência do aluno, eleva aauto-estima, diminui o stress e integra acomunidade escolar. Por isso, todas aspessoas devem ter tempo e espaço paraessa prática, pois diminui as angústiascotidianas."

Em relação ao conceito do lazerdefiniram como: atividades práticas,exercícios fisicos, folgas, passeios,brincadeiras, prática prazerosa, jogos,músicas, tudo que se faz sem ser cobra-do,

Sobre a prática dos professores emrelação ao lazer, exercem saindo da ro-tina, mudando de ambiente, realizandocampeonatos, apresentações em datascomemorativas, etc.

Sobre as dificuldades para o desen-volvimento de uma prática pedagógicaem relação ao lazer apresentaram osseguintes problemas: a falta de mate-riais, pouca participação, desinteresse,preconceito, falta de apoio, resistênciapor parte de professores e alunos, difi-culdade no relacionamento coletivo, afalta de investimentos e, além disso, háuma grande dificuldade em adequar asatividades aos espaços.

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Perguntados sobre como poderiamalterar esta realidade, responderam queo lazer deveria ser tratado da seguinteforma: praticá-I o com mais freqüência,incluí-Io no plano de curso, assumircom responsabilidade o ato de educar,estimular a conscientização e o apren-dizado, cobrar do poder público, bus-car parcerias com empresas, bem comodespertar e motivar no aluno o interes-se pelas atividades lúdicas, valorizaros pequenos detalhes e o jeito de serde cada aluno, pois a escola deve ser oponto de partida de valorização.

Anal isando esses dados, percebe-mos que os professores não estão pre-parados para trabalhar com o lazer por-que não tiveram uma formação sólidaem relação a essa área, Paradoxalmen-te, compreendem a sua importância,porém, não souberam conceituá-lo deforma mais abrangente, relacionando-o a atividades caracterizadas como di-nâmicas, jogos, brincadeiras, passeios,descontração como observa MAR-CELLlNO:

o termo lazer normalmente é associadoa experiências individuais vivenciadasdentro de 1/111 contexto mais abrangen-te que caracteriza a sociedade de con-sumo, o que, muitas vezes, implica naredução do conceito a visões parciais,restritas aos conteúdos de determina-das atividades. ( 1990:23)

Constatamos também, que os edu-cadores não se sentem motivados emdesenvolver práticas de lazet pelo fatodestas não serem reconhecidas na co-munidade como algo pedagógico e, namaioria das escolas, os professores sen-tem-se desmotivados e utilizam o lúdi-co de forma descontextualizada e espo-rádica, A esse respeito, GUTIERREZ,2001, nos diz que "".a definição doobjeto lazer, construída no século XX,traz no seu interior a marca da Revolu-ção Industrial e de uma sociologia queprivilegia a dimensão do trabalho".

Neste sentido MARCELLINO re-força que:

a família, a escola e todos os educado-res têm papel determinante a desem-penhar quando da iniciação da crian-ça numa atividade lúdica e ativa delazer, no qual a frequente contradição

Diante do exposto, concluímos queapesar de toda a importância atribuídaao lazer pelos diversos estudiosos noBrasil e no mundo, ainda não consegui-mos mudar a realidade da sua práticae, mesmo reconhecendo o seu valor, osprofessores não o colocam em práticapor estarem condicionados à uma or-dem capitalista que valoriza apenas aprodutividade e o lucro.

o ESPAÇO E TEMPO PARA ASPRÁTICAS DO LAZER NA ESCO-LA

As condições espaciais e temporaisrelativas à prática do lazer nas escolassão diretamente proporcionais à sua va-lorização em nossa sociedade.

Historicamente, as escolas vêmcumprindo o objetivo de transmitiremo saber às novas gerações. Alguns auto-res a analisam como aparelho reprodu-tor do estado, tendo a finalidade portan-to, de reforçar a condição hegemônicadas classes dominantes. Existem tam-bém aqueles que pensam exatamenteo contrário, ressaltando o seu potencialtransformador.

Em que pese essas duas tendências,e pelo fato de já ter analisado que am-bas reconhecem muito mais o trabalhodo que o lazer como algo essencial paraa construção do seu projeto social, aescola não parece estar estruturalmentepreparada para facilitar a difusão do la-zer em seu interior.

Assim, verificamos que, na con-cepção de professores e alunos, o tem-po disponível para o lazer ocorre emdois momentos: o recreio, que dura ge-ralmente 30 minutos, e as aulas de edu-cação fisica que acontecem duas vezespor semana com 50 minutos cada.

Mesmo entendendo que o lúdicopode estar presente durante as aulas,não houve a constatação de que os pro-fessores realizam essas atividades, tal-vez por não possuírem uma consciênciamais ampla sobre este tema. Foi possí-vel observar também que o tempo dis-ponível para o lazer é administrado deforma desconexa e mal planejada pelo

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PerCITJ. Jlm;.e i\dilson Gondim I .\Z1R E },Dl'C·\(.\O· PASSOS I·.j)ES(,O'II'.\~SOS

professor. Sobre esse aspecto MAR-CELLlNO afirma que:

o mesmo acontece nas salas de aula.ainda que sejam de educação irfantil.Aí as atividades lúdicas ocorrem emdias e horários determinados, ondeas crianças fazem o que querem comhora marcado. ali quando a professo-ra falta e as estagiarias não sabem oque fazer: ou nos horários do recreio- os intervalos - desde que seja forada sala de aula (/994: 60) .

o que parece visível é que aindapersiste uma visão utilitarista de escolaque prima antes de tudo pela discipli-na. Muitos professores se contrapõemao lúdico porque ela ainda é visto comouma ameaça à ordem. Há toda umalógica tradicionalista que impõem umcontrole, inclusive sobre o tempo. ParaFOUCAULT:

o tempo medido e pago deve ser tam-bém 11111 tempo sem impureza nemdefeito, um tempo de boa qualidade edurante todo seu transcurso o corpodeve ficar aplicado a seu exercício. Aexatidão e a aplicação são, com regu-laridade, as virtudes do tempo disci-plinar. (1987:129)

Com relação aos espaços disponí-veis à pratica do lazer, foram aponta-dos o pátio, a quadra de esportes, a salade aula, sala de vídeo e outros comoo quintal e a praça em frente a escola.Com base nesses dados, foi possívelconstatar que a falta de espaços não éum empecilho para que o lazer acon-teça sendo que no geral, esses espaçossão bem conservados reunindo condi-ções para a sua prática. As dificuldadesapontadas foram: a falta de materialespecífico (material esportivo, jogos,brinquedos, vídeos) e principalmentepreparo e planejamento por parte dosprofessores e da própria direção da es-cola que não tem uma postura que con-temple o lúdico da melhor forma.

Portanto, o maior desafio da escolaé romper com as barreiras sociais que aimpedem de se tomar um espaço pro-pício ao desenvolvimento de valores eatitudes nas pessoas e também de pro-vê-Ias de um conhecimento capaz detornar-Ihes mais seguras e felizes du-rante as suas vidas. As dificuldades en-

contradas no processo de organização edistribuição dos tempos e espaços es-colares voltados à pratica do lazer, es-tão relacionadas com a ausência de umconhecimento mais amplo e de um pla-nejamento sensível em relação ao lazerdecorrentes talvez, de uma formaçãoprofissional incapaz de tratar a questãodo lazer de modo contextualizado. Estaformação a que nos referimos ajudariaos professores a lutar contra a lógicacapitalista que orienta o sistema esco-lar, derrubando falsos conceitos quefuncionam como fator impeditivo parao reordenamento da prática do lazer noambiente escolar.

CONCLUSÃO

Analisar o lazer do ponto de vistapedagógico foi certamente uma tarefade grande complexidade para nós. Pu-demos perceber entre outras coisas que,o lazer nas escolas, não tem merecido adevida atenção por parte dos professo-res. Por incrível que pareça, os alunossão os que atribuem maior importânciaa este fenômeno no cotidiano escolar.Apesar de vários autores defenderem olazer como algo importante para a for-mação do ser humano, os professoresdispõem de pouca leitura nesta área,reforçando uma prática pedagógicaalicerçada em parâmetros de naturezaprodutivista.

Percebemos também que não exis-te uma formação consistente capaz deproporcionar aos professores elemen-tos teórico-metodológicos para umaintervenção pedagógica verdadeira-mente crítica. Um outro aspecto é quedevido a essa concepção utilitarista deeducação, as escolas não estão suficien-temente estruturadas para o desenvolvi-mento satisfatório do lazer.

Desta forma, conclamamos os su-jeitos envolvidos na educação de ummodo geral, seja nos cursos de gradu-ação ou nas escolas de ensino funda-mental, para que reflitam sobre essasituação e criem alternativas para areversão desta problemática que afe-ta especialmente as crianças em idadeescolar. Precisamos valorizar o lazer

como forma de humanizarmos os nos-sos alunos dando, assim, um novo sen-tido à educação.

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