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leitura interpretativa da obra “Umas Férias” Machado de Assis Dependendo dos olhos que o leem, Machado de Assis - Contista é um pouco de documentarista de época, crítico de costumes, investigador de mistérios do espírito e da existência, e sabe-se lá o que mais ainda irá se inventar - de pleno direito - sobre ele. Toda leitura criativa lhe acrescenta perspectivas; já qualquer leitura que pretenda conferir exclusividade a uma visão específica sobre sua obra reduz perigosamente, e mesmo deturpa, as possibilidades que os contos de Machado oferecem ao leitor. (http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada) SUMÁRIO Introdução ......................................................................................................... 2 Biografia ............................................................................................................ 3 A interioridade psicológica................................................................................. 4 O contato com a morte ...................................................................................... 5 O efeito surpresa ............................................................................................... 7 Machado X Realismo ........................................................................................ 7 Machado X Impressionismo ...............................................................................8 Simbologia......................................................................................................... 9 Personagens .................................................................................................... 10 Tipos de Narrador ............................................................................................ 13 Tipos de espaços e ambientes ......................................................................... 14 Tempo .............................................................................................................. 15 Considerações finais ........................................................................................ 16 Referências ...................................................................................................... 17 Anexo A Resumo da Obra............................................................................ 18 Anexo B Imagens ilustrativas ....................................................................... 19 Anexo C Imagens ilustrativas ....................................................................... 20

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leitura interpretativa da obra “Umas Férias” Machado de Assis

Dependendo dos olhos que o leem, Machado de Assis - Contista é um pouco de documentarista de época, crítico de costumes, investigador de mistérios do espírito e da existência, e sabe-se lá o que mais ainda irá se inventar - de pleno direito - sobre ele. Toda leitura criativa lhe acrescenta perspectivas; já qualquer leitura que pretenda conferir exclusividade a uma visão específica sobre sua obra reduz perigosamente, e mesmo deturpa, as possibilidades que os contos de Machado oferecem ao leitor.

(http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada)

SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................................... 2

Biografia ............................................................................................................ 3

A interioridade psicológica................................................................................. 4

O contato com a morte ...................................................................................... 5

O efeito surpresa ............................................................................................... 7

Machado X Realismo ........................................................................................ 7

Machado X Impressionismo ...............................................................................8

Simbologia......................................................................................................... 9

Personagens .................................................................................................... 10

Tipos de Narrador ............................................................................................ 13

Tipos de espaços e ambientes ......................................................................... 14

Tempo .............................................................................................................. 15

Considerações finais ........................................................................................ 16

Referências ...................................................................................................... 17

Anexo A – Resumo da Obra............................................................................ 18

Anexo B – Imagens ilustrativas ....................................................................... 19

Anexo C – Imagens ilustrativas ....................................................................... 20

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma leitura interpretativa do conto “Umas Férias”, o qual

faz parte do último livro de contos de Machado de Assis, “Relíquias da Casa

Velha” (1906).

A intenção primária deste trabalho é acrescentar novas luzes à leitura da

obra de Machado de Assis, procurando observar a construção literária do

escritor na transição do século XIX para o século XX.

Há ainda nesta análise, uma tentativa de identificar no texto algumas

relações entre os costumes cotidianos da sociedade pertinentes neste período

e no conto em questão, assim como uma análise textual da narrativa.

Para uma melhor compreensão do leitor, encontra-se em anexo neste

trabalho um breve resumo do conto ora analisado.

"Relíquias da Casa Velha" é o segundo livro de contos de Machado de

Assis, publicado em 1906. Foi o primeiro livro que o autor publicou após a

morte da mulher, Carolina.

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BIOGRAFIA

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu a 21junho de 1839, no Morro

do livramento, Rio de Janeiro. Seu pai era brasileiro, mulato e pintor de

paredes; sua mãe era portuguesa da ilha de Açores e lavadeira. Frequentou

por pouco tempo uma escola pública, onde aprendeu as primeiras letras; aos

16 anos já frequentava a tipografia de Paula Brito, onde se publicava a revista

Marmota Fluminense, em cujo número de 21 de janeiro de 1855 sai o poema

“Ela”: era a estreia de Machado de Assis nas letras.

No ano seguinte, começa a trabalhar como aprendiz de tipógrafo, depois

revisor, ao mesmo tempo em que colabora com artigos em vários jornais da

época. Em 12 de novembro de 1869, casa-se com Carolina Xavier de Novais,

portuguesa de boa cultura, irmã do poeta Faustino Xavier de Novais, amigo de

Machado.

Em 1873, é nomeado primeiro oficial da Secretaria de Estado do

Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Como servidor público,

teve uma carreira meteórica que lhe deu tranquilidade financeira; já em 1892

era Diretor-Geral do Ministério da Viação. Em 1897, Machado é eleito

presidente da recém-fundada Academia Brasileira de Letras (também chamada

“Casa de Machado de Assis”), concretizando o velho sonho de reunir a elite

dos escritores da época em um fechado clube literário.

Após a morte de sua esposa, o romancista raramente saía; sua saúde,

extremamente abalada pela epilepsia, por problemas nervosos e por uma

gaguez progressiva, contribuía para o seu isolamento. Morre em 1908, a 29 de

setembro, em sua confortável casa do Cosme Velho.

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A INTERIORIDADE PSICOLÓGICA

Neste conto, Machado de Assis propõe um olhar sobre a realidade

psicológica de suas personagens de modo inédito nas narrativas nacionais.

Podemos dizer que no texto em questão, existem três partes que

permeiam a história do conto de Machado.

Inicialmente, na primeira parte, e talvez a parte mais explicativa e

importante do conto, Machado transmite a ideia da fantasia de José Martins e

sua irmã Felícia de que eles estariam saindo mais cedo da escola para alguma

festa.

“A minha sensação de prazer foi tal que venceu a de espanto. Tinha dez anos apenas, gostava de folgar, não gostava de aprender. Um chamado de casa, o próprio tio, irmão de meu pai, que chegara na véspera de Guaratiba, era naturalmente alguma festa, passeio, qualquer cousa.(...). Ele não me dizia nada, eu não me atrevia a nenhuma pergunta. (...) A minha alegria agora era maior. Certamente havia festa em casa, pois que íamos os dois, ela e eu; íamos na frente, trocando as nossas perguntas e conjeturas. Talvez anos de tio Zeca. Voltei a cara para ele; vinha com os olhos no chão, provavelmente para não cair.(Assis, 1839-1908)

Neste trecho, Machado inicia surpreendendo o leitor, pois deixa claro

que o conto será narrado a partir do olhar do menino, algo incomum para a

literatura do século XIX. Ele, de certa forma, mostra no decorrer do conto, a

entrada das crianças no mundo dos adultos, e isso para a época era

considerado uma ousadia.

A narrativa de Machado mostra uma espécie de diferença entre o mundo

da infância e o mundo adulto, em relação ao comportamento do tio em direção

a casa e os pensamentos dos irmãos. Neste momento do trajeto entre a escola

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e a casa dos irmãos, Machado permite, através da narrativa, que o mesmo

trajeto seja vivido de ângulos totalmente diferentes, mostrando a subjetividade

do mundo adulto e infantil, ou seja, a realidade e a fantasia.

Essa interioridade psicológica antecipa certos procedimentos narrativos

que serão retomados apenas por autores do século XX, o que torna Machado

de Assis um percussor de estratégias de exploração da psicologia humana que

definem a literatura modernista.

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O CONTATO COM A MORTE

A segunda parte, e não menos importante do que a primeira, situa o leitor na história, causando uma contradição referente às expectativas do menino.

‘’Não se tratava de um dia santo, com a sua folga e recreio, não era festa, não eram as horas breves ou longas, para a gente desfiar em casa, arredada dos castigos da escola. Que essa queda de um sonho tão bonito fizesse crescer a minha dor de filho não é cousa que possa afirmar ou negar; melhor é calar. O pai ali estava defunto, sem pulos, nem danças, nem risadas, nem bandas de música, cousas todas também defuntas. Se me houvessem dito à saída da escola por que é que me iam lá buscar, é claro que a alegria não houvera penetrado o coração, donde era agora expelida a punhadas.’’ (Assis, 1839-1908)

O trecho mostra a hora em que José Martins se depara com a triste

situação de seu pai morto, então ele começa a perceber que preferiria não ter

saído da escola, e nem ficaria alegre se soubesse o verdadeiro motivo de sua

saída.

"A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força, resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico." (Gom Jabbar, http://www.recantodasletras.com.br).

Este primeiro contato do menino com a morte evidencia a realidade que

todos vão se deparar algum dia, O texto, embora escrito há mais de cem anos,

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levanta uma questão ainda de grande relevância nos dias de hoje, como se

observa neste trecho de matéria assinada por Rosely Sayão:

“ [...] Temos feito de tudo para retirar a morte de cena, principalmente para as crianças; fazemos de conta que morrer não é nosso destino.” (Folha de S. Paulo, 15 de março de 2007)

Ao abordar a dificuldade de diálogo entre adultos e crianças, Machado

ainda tece críticas e alusões ao ambiente escolar, relações familiares, teatro e

à própria sociedade, mantendo o conto relevante e contemporâneo.

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No terceiro e ultimo trecho em questão, revela José Martins voltando à

escola e recuperando a sua alegria.

“A missa do sétimo dia restituiu-me à rua; no sábado não fui a

escola, fui à casa de meu padrinho, onde pude falar um pouco

mais, e no domingo estive à porta da loja. Não era alegria

completa. A total alegria foi segunda-feira, na escola. Entrei

vestido de preto, fui mirado com curiosidade, mas tão outro ao pé

dos meus condiscípulos, que me esqueceram as férias sem

gosto, e achei uma grande alegria sem férias.’’ (Assis, 1839-1908)

A partir deste momento ele tenta esquecer as suas “tristes férias”. Neste

trecho, Machado explica praticamente toda a situação do conto e até mesmo o

título deste.

Em outras palavras: no geral o conto "se apresenta" com "uma ordem". O conflito traz uma "desordem" e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à "ordem" – agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. "O conto é um problema e uma solução", diz Enrique Anderson Imbert.( http://pt.wikipedia.org/wiki/Conto)

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O EFEITO SURPRESA

Machado constrói no conto as partes enigmáticas, fazendo com que o

leitor se espante ao final para produzir o giro das ideias, ou seja, ninguém

espera o que vai acontecer, nada é previsível.

O final enigmático prevaleceu até Maupassant (fim do século XIX) e era muito importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com "chave de ouro", como se dizia). (...) não há como negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na novela e que um bom final é fundamental no gênero. "Eu diria que o que opera no conto desde o começo é a noção de fim. Tudo chama, tudo convoca a um "final" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Conto)

Desta maneira, Machado de Assis interage com o leitor provocando um

efeito surpresa surpreendente.

Mas a ironia maior de Machado é nos incluir neste seu mundo de profundas convulsões interiores que aparecem timidamente na calma superfície que, convencionalmente, nos parece ser a vida. Os silêncios são terríveis: as histórias escondem um segredo qualquer, uma palavra ou gesto que é impossível precisar qual seja, mas que sabemos, quebraria o encanto, espatifaria o espelho das convenções e poria os personagens. (Assis, 1839-1908)

MACHADO X REALISMO

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Machado é um autor realista, ele pertence a essa escola surgida no

século XIX – uma reação ao Romantismo, que privilegiava a Razão, a

Realidade (social ou psicológica).

Nesta perspectiva, o texto de Machado relata os acontecimentos de

forma simples e direta seguindo as características do Realismo, não expondo

os fatos. Ele usa a forma de falar simples e direta sem explicar o porquê ou

expor os fatos, como podemos observar nestes três trechos seguintes (Assis,

1839-1908):

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“_O seu pai morreu”

“_Foi à semana mais triste da minha vida”

“_Ele havia saído mais cedo da escola para ir pra casa”

Machado de Assis X Impressionismo

Muito se falou sobre a prosa impressionista de Machado de Assis, talvez

seja um exagero considerá-lo a partir das características do movimento que

aconteceu na pintura metade do século XIX, mas encontramos

posicionamentos semelhantes na escrita de Machado Assis.

Segundo o pintor brasileiro Angelo Guido, o impressionismo, embora

visto sempre como um movimento revolucionário na pintura moderna, “não é

uma nova escola, mas a expressão de um novo modo de ver”, dentro do qual

cada artista encontra a sua própria modalidade expressiva (GUIDO, 1968,

p110-125). É a partir desta visão que encontramos afinidades entre a pintura

impressionista e a escrita machadiana.

Machado de Assis era um escritor do período do Realismo, mas era

contra a objetividade fria e fixa do mesmo, ele defendia a subjetividade

baseado na sensação, também era contra aos excessos do Romantismo.

Machado escrevia de uma maneira especial, pois se recusava a “pinturar” os

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pormenores objetivos das coisas, como queriam os realistas. Principalmente

em seus contos, mantinha-se fiel ao seu motivo, renunciando aos pormenores.

No conto percebemos que o autor não entra em detalhes sobre a causa

da morte do pai de José Martins, ele apenas nos revela que o pai morreu e

ponto, não há nenhuma descrição de como era a convivência do protagonista

com o pai, nem o motivo que o levou a falecer.

Outra característica que reconhecemos na obra de Machado de Assis e

o Impressionismo, são os contos fragmentados que são próprios do

impressionismo, já que o artista, o pintor e o escritor não conseguem

representar um todo e sim em partes.

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“Pois afinal, que artista, pintor ou escritor, pode representar toda a natureza? Um artista não a pode representar senão em fragmentos”. (VENTURINI, 1972, p.141-164).

O que mais aproxima Machado de Assis do ideal impressionista,

segundo Guido, é que ele se tenha igualmente permitido fazer escolha do

processo da sua escrita, ele não quis, aplicar nenhuma regra pré- estabelecida,

nem pregar nenhum ideal, moral ou qualquer outro. Machado preferiu

conservar-se fiel, não à uma escola, mas à sua escolha, escudado no seu

motivo para realizar o seu projeto de criação artística.

SIMBOLOGIA

No conto de Machado, através da simbologia, podemos encontrar o

relato de alguns costumes do século XIX.

Quando José se encontra com Zeca, ele beija a mão do tio, como um

gesto de respeito:

“Corri a buscar o chapéu, meti o livro de leitura no bolso e desci as escadas da escola, um sobradinho da Rua do Senado. No corredor beijei a mão a tioZeca.” (Assis, 1839-1908)

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Quando chegam na casa, os irmãos encontram o pai morto e a mãe de

José os obriga, à ele e Felícia, a beijarem a mão do pai:

“(...) naquele momento não perguntei nada a mim nem a ninguém. Ouvi as palavras de minha mãe, se repetiam em mim, e os seus soluços que eram grandes. Ela pegou em nós e arrastou-nos para a cama, onde jazia o cadáver do marido; e fez-nos beijar-lhe a mão. (Assis, 1839-1908)

Podemos entender que esses gestos de respeito, relatado no conto de

Machado, devem-se a estrutura da família patriarcal do século XIX, família

essa que imperou no Brasil desde a chegada dos primeiros portugueses no

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século XVI até os meados do século XIX onde o pai era representado como

autoridade na família e esse beijo era demonstração de amor, de respeito, uma

espécie de “terror/amor”, que, ao mesmo tempo, lembrava ao filho a distância a

ser mantida entre ele e o patriarca.

Ainda tratando da simbologia, encontra-se no texto em questão, um

trecho em que tio Zeca encontra-se com um homem desconhecido e combina

algo com este em um horário determinado:

“_ Nove hora? Lá estarei, disse ele. -- Vamos, disse-nos tio Zeca.” (Assis, 1839-1908)

Machado de Assis pode ter utilizado o horário das “nove horas” para

representar a expressão que surgiu nessa época para designar alguém que

ditava regras de conduta e restringia as alegrias dos outros, complicando as

coisas mais simples, pois “nove horas” era a hora clássica do século XIX, que

regulava o final das visitas e ditava o momento das despedidas.

A combinação das nove horas era a do enterro, no dia seguinte, o que

no momento não foi revelado aos irmãos.

Personagens

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Protagonista:

José Martins é o protagonista nesta narrativa, além de ser também o

narrador. No decorrer da narrativa, classificaremos como um personagem

redondo, já que muda o seu comportamento, evolui ao longo da mesma.

No inicio do conto, o menino José Martins ficou muito feliz ao ter que

deixar a escola com seu tio Zeca. Não gostava de estudar, o que mais queria

era folgar, para poder brincar, mas quando teve que tirar umas férias forçadas,

pela morte de seu pai e foi obrigado pela sua mãe a ficar recluso dentro de

casa por oito dias, sentiu saudade do colégio. Mas esta saudade não era

relacionada aos estudos, mas sim com as brincadeiras, depois de passar todos

esses dias em casa, o que mais almejava era voltar à escola.

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Percebemos a evolução do personagem no desfecho do conto, quando

há uma mudança de atitudes do menino em relação a seus pensamentos. José

Martins achava a escola uma prisão e que sua casa representava a sua

liberdade, mas diante da dureza e da crueldade da vida, o menino passou a ver

com outros olhos os dois ambientes. A escola agora significava a liberdade e a

casa sua prisão, por isso estava tão feliz em não estar de férias.

“(...) no domingo estive à porta da loja. Não era alegria completa. A total alegria foi segunda-feira, na escola. Entrei vestido de preto, fui mirado com curiosidade, mas tão outro ao pé dos meus condiscípulos, que me esqueceram as férias sem gosto, e achei uma grande alegria sem férias”. (Assis, 1839-1908)

Antagonista:

O grande vilão, o antagonista nessa narrativa, é a morte do pai de José

Martins, o menino ficou muito feliz ao ser retirado da escola, mas quando

descobriu o real motivo, mudou o seu modo de ver as coisas. No trajeto da

escola para casa imaginou mil coisas boas, como festas, teatros, aniversário do

tio para a sua saída antecipada da escola, mas a sentiu-se mal ao chegar a

casa e descobriu que enquanto estava feliz, seu pai estava morto.

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“Naquele momento não perguntei nada a mim nem a ninguém”. Ouvi os soluços que eram grandes. Ela pegou em nós e arrastou-nos para a cama, onde jazia o cadáver do marido; fez-nos beijar a mão. Tão longe estava eu daquilo que, apesar de tudo, não entendera nada a princípio; (Assis, 1839-1908) (...) Não se tratava de um dia santo, com a sua folga e recreio, não era festa, não eram as horas breves ou longas, para a desfiar em casa, arredadas dos castigos da escola”. (Assis, 1839-1908)

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Secundários:

No conto temos alguns personagens secundários, mas que exerceram

papéis fundamentais na história como:

Tio Zeca, irmão do pai de José Martins, roceiro, morador de Guaratiba, o

responsável por retirar José Martins e sua irmã da escola e os levar para casa.

“(...) Ele não dizia nada, eu não me atrevia a nenhuma pergunta. Pouco depois chegávamos ao colégio de minha irmã Felícia; disse-me que esperasse, entrou , subiu, desceram, e fomos os três caminho de casa”. (Assis, 1839-1908)

Felícia, irmã de José Martins, é no dialogo dos irmãos à caminho de

casa, que se desenrola a narrativa, na tentativa de descobrir a saída repentina

da escola.

“(...) Felícia a quem comuniquei a possibilidade do espetáculo, não me pareceu gostar muito, mas também não recusou nada. Iria ao teatro. E quem sabe se não seria em casa, teatrinho de bonecos? Íamos nessas conjeturas, quando tio Zeca nos disse que esperássemos; tinha parado a conversar com um sujeito”. (Assis, 1839-1908)

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A mãe de José e Felícia, no conto não é mencionada pelo seu nome,

mas é ela quem dá a notícia aos filhos da morte do pai. A mesma que deixa

José e Felícia reclusos em casa por oito dias.

“- Meus filhos, vosso pai morreu!” (Assis,

1839-1908)

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Tipo de narrador

Narrador Autodiegético: o narrador participa da ação como

personagem principal, discurso na primeira pessoa.

“A minha sensação de prazer foi tal que venceu a de espanto. Tinha dez anos apenas, gostava de folgar, não gostava de aprender”. (Assis, 1839-1908)

Narrador Personagem: conta a história através de uma perspectiva de

dentro da história, participa do enredo sendo um dos personagens, usando a

primeira pessoa para contar a história.

... “Todos ficaram esperando o que vinha

dizer o homem, eu mais que ninguém,

porque ele era meu tio, roceiro, morador em

Guaratiba. Chamava-se tio Zeca”. (Assis,

1839-1908)

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Dentro do narrador personagem podemos classificá-lo em:

Narrador Personagem Protagonista: este narrador é a personagem

principal da história, narrando-a de um ponto de vista fixo: o seu. O narrador

protagonista não tem acesso ao estado mental das demais personagens, não

sabe o que pensam os outros personagens, apenas narra os acontecimentos

como os lembra.

“(...) Certamente havia festa em casa, pois

que íamos os dois, ela e eu; íamos à frente, trocando as nossas perguntas e conjeturas. Talvez anos de tio Zeca”. (Assis, 1839-1908)

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Tipos de espaços ou ambientes

Espaço físico: trata-se do espaço onde as personagens se

movimentam e onde ocorrem os acontecimentos, podem ser geográfico,

exterior e interior.

Geográfico: a única referência geográfica que temos no conto é a

cidade de Guaratiba, cidade interiorana fluminense.

“Um chamado de casa, o próprio tio, irmão

de meu pai, que chegara na véspera de Guaratiba, era naturalmente alguma festa, passeio, qualquer coisa”. (Assis, 1839-1908)

Exterior: Trajeto da escola a casa.

“ Na rua fui andando ao pé dele, amiudando os passos, e levantando a cara. Ele não dizia nada, eu não me atrevia a nenhuma pergunta”. (Assis, 1839-1908)

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Interior: A sala de aula de José Martins, onde seu tio aparece para

buscá-lo.

“Houve um movimento geral de cabeças na direção da porta do corredor, por onde devia entrar a pessoa desconhecida. Éramos não sei quanto quantos meninos na escola” (Assis, 1839-1908)

Interior da casa de José Martins, onde encontra sua mãe aos prantos.

“ Dentro, ao pé da cama, estava minha mãe com a cabeça entre as mãos. Sabendo da nossa chegada, ergueu-se de salto, veio abraçar-nos entre lágrimas [...]”(Assis, 1839-1908)

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Podemos notar no conto que havia dois espaços principais no conto:

Espaço público: o trajeto serviu pra as conjeturas e dúvidas das

personagens, foi o espaço onde eles cogitavam as possíveis razões da

saída mais cedo da escola.

Espaço privado: o local das descobertas e realizações. É em casa que

José descobre o real motivo de sua saída repentina da escola.

Espaço psicológico: corresponde às vivências íntimas, pensamentos,

sonhos, memórias, reflexões... das personagens. Enquanto José Martins e sua

irmã Felícia tentam descobrir qual o motivo que os levou a saírem mais cedo

da escola, surge a ideia que eles iriam ao teatro, e José relembra que uma vez

fora e voltara dormindo, adorando o espetáculo, apesar de não ter entendido

nada.

“(...)Tinha ido uma vez ao teatro, e voltei dormindo, mas no dia seguinte estava tão contente que morria por lá tornar, posto não houvesse entendido nada do que ouvira”. (Assis, 1839-1908)

Tempo

O intervalo de tempo em que o(s) fato(s) ocorre(m). Pode ser um tempo

cronológico ou psicológico.

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Tempo cronológico: é o tempo fictício que transcorre na ordem natural

dos fatos do enredo, isto é, do começo para o final. Está, portanto, ligado ao

enredo linear (que não altera a ordem em que os fatos ocorreram). Quando no

enterro um amigo perguntou que dia voltaria à escola, minha mãe respondeu:

“Sábado, meu filho, disse a minha mãe, quando lhe repeti a pergunta imaginada; a missa é sexta-feira. Talvez seja melhor voltar na segunda”. (Assis, 1839-1908)

Tempo psicológico: onde você sabe que existe um intervalo em que as

ações ocorreram, mas não se consegue distingui-lo. Não sabemos ao certo

quando essa história foi contada, já que é um adulto nos relatando uma

passagem da sua vida, quando ainda era criança.

“Se me houvessem dito à saída da escola

por que é que me iam lá buscar, é claro que

a alegria não houvera penetrado o coração,

donde era agora expelida a punhadas”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira conclusão a que chegamos é que a obra de Machado de

Assis suscita diferentes leituras. No conto em questão, Machado traz a

sinceridade dos sentimentos vividos pelos dois irmãos, em especial o primeiro

contato de um menino com a morte.

A visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas,

característica machadiana, mistura-se neste conto com a subjetividade infantil,

através de uma análise psicológica profunda das contradições humanas na

criação de personagens imprevisíveis, jogando com insinuações em que se

misturam a ingenuidade e a malícia, a sinceridade e a hipocrisia.

Machado faz ainda uma crítica irônica das relações entre as pessoas e

dos padrões de comportamento utilizando uma linguagem com estilo conciso,

sentenças curtas e o equilibrada com o conteúdo.

O conto envolve o leitor pela oralidade da linguagem, pelas surpresas

apresentadas e pelas “conversas” que o narrador estabelece frequentemente

com o leitor, transformando em cúmplice e participante do enredo

(metalinguagem).

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O uso da ironia revela a solidão e a infelicidade dos personagens de

forma implícita no conto, através da composição que Machado faz com cuidado

e delicadeza. Ele utiliza desses recursos para nos propor um contato com a

infelicidade real e crua da vida social humana, sendo tal felicidade, nas linhas

de Machado, geral, social e organizada.

16

REFERÊNCIAS

AGUIAR, F. Murmúrios no espelho. In: ASSIS, Machado de. Contos. São

Paulo: Ática, 1976.

Assis, Relíquias de Casa Velha Machado de, 1839-1908.

ASSIS, Machado de. Obras Completas. Volume 2. Rio de Janeiro: Nova

Aguilar, 1962.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u448178.shtml

http://3ddomaga.blogspot.com/.../resumo-e-trechos-realistas-no-conto.html

http://bibliotecamagalhaes.blogspot.com/.../machado-de-assis-reliquias-da-c...

http://www.editoradcl.com.br/Produto/195/umas-ferias

http://literatura.moderna.com.br/catalogo/encartes/85-16-03969-2.pdf

http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/.../000666841.pdf?...1

[PDF] O MODO DE NARRAR DO CONTO MACHADIANO - SEER

UFRGSseer.ufrgs.br/organon/article/download/28692/17375

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2855412

http://pt.wikipedia.org/wiki/Conto

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ANEXO A

RESUMO DA OBRA

UMAS FÉRIAS

O conto inicia-se em uma escola aonde um homem chamado Zeca, tio

dos irmãos José Martins e felícia, chega e pede para falar com o professor da

sala de aula.

Após a conversa com o professor, o mesmo chama por seu aluno José e

o manda sair na companhia de seu tio Zeca. Os dois caminham até a escola de

Felícia para também buscá-la. Os três caminham curiosos em direção a casa

dos irmãos, e tanto José quanto Felícia, estavam pensativos sobre o que

estava acontecendo e o que havia de acontecer, tentando compreender o

motivo que os tinham retirado da escola mais cedo.

José estava muito feliz por ter saído da escola, pois não gostava de

estudar, ele imaginava que ao chegar em casa poderiam ser surpreendidos

com uma grande festa, ou algo do tipo, para festejarem. Os irmãos percebem o

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comportamento estranho de Zeca, que parece estar triste e apreensivo,

principalmente ao falar com as pessoas que encontram pelo caminho.

Ao chegar em casa, os irmãos se deparam com uma triste surpresa, o

velório do próprio pai, que acaba de morrer.

A semana que se sucede passa a ser a semana mais triste da vida

deles, tanto que José não via a hora de voltar à escola. Os dois tentam passar

o tempo de qualquer maneira e ficam ansiosos para voltarem à escola.

Na segunda-feira, eles retornam à escola e esquecem todos os

problemas. Foi também a volta da alegria, eles esqueceram as férias sem

gosto, e ficaram com grande alegria sem férias. E voltam a sorrir.

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ANEXO B

IMAGENS

Machado e sua esposa Carolina

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Relíquias de Casa velha – 1906

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Casa do Cosme Velho, 18

Nesta residência, Machado de Assis e Carolina

viveram grande parte da vida.

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Machado de Assis e a Academia Brasileira de Letras

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