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MANUAL PARA VALORAÇÃO ECONÔMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS RONALDO SEROA DA MOTTA IPEA/MMA/PNUD/CNPq Rio de Janeiro, setembro de 1997

Manual Para Valoracao Economica Recursos Ambientais

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  • MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    RONALDO SEROA DA MOTTA

    IPEA/MMA/PNUD/CNPq

    Rio de Janeiro, setembro de 1997

  • MANUAL PARA VALORA O ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    Elaborado por Ronaldo Seroa da Motta, Coordenador da Coordenao de Estudos do Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada e Professor da Graduao de Economia e do Mestrado de Economia do Meio Ambiente da Universidade Santa rsula do Rio de Janeiro. (email: [email protected])

    Os Estudos de Caso da Parte II contaram com a colaborao de:

    Jos Ricardo Brun Fausto, economista, bolsista do CNPq e assistente de pesquisa da CEMA/IPEA.

    Carolina Burle Schmidt Dubeux, mestranda em planejamento ambiental na COPPE/UFRJ.

    Gustavo Marcio Gontijo Albergaria, economista e bolsista do CNPq.

    Andrea Countinho Pontual, economista e bolsista do CNPq.

    Publicao conjunta da Coordenao de Estudos do Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (CEMA/IPEA) e da Coordenao Geral de Diversidade Biolgica do Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal (COBIO/MMA) com co-financiamento dos projetos CNPq 520649/96 e PNUD-BRA 95/012.

  • MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    Ronaldo Seroa da Motta

    Sumrio

    PREFCIO (OU COMO USAR ESTE MANUAL)

    AGRADECIMENTOS

    INTRODUO .........................................................................................................................................1

    POR QUE VALORAR?..........................................................................................................................1

    A VALORAO ECONMICA NA GESTO AMBIENTAL..............................................................3

    A DETERMINAO DE PRIORIDADES, AES E PROCEDIMENTOS PARA A GESTO AMBIENTAL ........................................................................................................................................3

    Determinando Prioridades com o Critrio Econmico.......................................................................4 Medindo os Custos de Oportunidade da Proteo Ambiental.............................................................8

    PARTE I MTODOS DE VALORAO AMBIENTAL ......................................................................11

    O VALOR ECONMICO DOS RECURSOS AMBIENTAIS................................................................11

    MTODOS DE FUNO DE PRODUO.........................................................................................15

    MTODO DA PRODUTIVIDADE MARGINAL................................................................................16 MTODOS DE MERCADO DE BENS SUBSTITUTOS....................................................................17 Fundamentao Terica...................................................................................................................17 Vises Estimativos dos Mtodos de Funo de Produo..................................................................20 Resumo e Recomendaes.................................................................................................................20

    MTODOS DE FUNO DE DEMANDA..........................................................................................22

    MTODOS DE MERCADOS DE BENS COMPLEMENTARES..........................................................22

    Fundamentao Terica...................................................................................................................22

    MTODO DE PREOS HEDNICOS.................................................................................................23

    Fundamentao Terica...................................................................................................................23 Vises Estimativos do Mtodo de Preos Hednicos.........................................................................25 Resumo e Recomendaes.................................................................................................................27

    MTODO DO CUSTO DE VIAGEM (MCV).......................................................................................27

    Fundamentao Terica...................................................................................................................27 Vises Estimativos do Mtodo do Custo de Viagem...........................................................................29 Resumo e Recomendaes.................................................................................................................30

    MTODO DA VALORAO CONTINGENTE (MVC)......................................................................31

    Fundamentao Terica...................................................................................................................31 Procedimentos Estimativos...............................................................................................................32 Formalizao do Mtodo Referendo.................................................................................................36 Vises Estimativos............................................................................................................................37 Resumo e Recomendaes.................................................................................................................42

    ROTEIRO PARA ESCOLHA DO MTODO MAIS APROPRIADO PARA VALORAO DE RECURSOS AMBIENTAIS..................................................................................................................44

    CONTEDO DETALHADO DO ROTEIRO......................................................................................44

  • ALGORITMOS DE DECISO METODOLGICA..............................................................................47

    APNDICE TCNICO.........................................................................................................................51

    O MTODO DA VALORAO CONTINGENTE E A TEORIA ECONMICA.................................51

    PARTE II ESTUDOS DE CASO.............................................................................................................53

    Estudo de Caso 1...................................................................................................................................55

    Conservao da Biodiversidade no Qunia...........................................................................................56

    Estudo de Caso 2...................................................................................................................................65

    Projeto do Reservatrio de Nam Pong na Tailndia..............................................................................66

    Estudo de Caso 3...................................................................................................................................71

    O Caso do Lagarto Anolis nas Antilhas.................................................................................................72

    Estudo de Caso 4...................................................................................................................................79

    Manguezais em Bintuni Bay na Indonsia.............................................................................................80

    Estudo de Caso 5...................................................................................................................................87

    Recursos Florestais na Amaznia Peruana............................................................................................88

    Estudo de Caso 6...................................................................................................................................99

    Projetos Florestais na Gr-Bretanha...................................................................................................100

    Estudo de Caso 7.................................................................................................................................105

    Parque Pblico de Lumpinee em Bangkok, Tailndia..........................................................................106

    Estudo de Caso 8.................................................................................................................................115

    Parque Nacional de Khao Yai na Tailndia........................................................................................116

    Estudo de Caso 9.................................................................................................................................125

    Esturio de Mersey na Gr-Bretanha..................................................................................................126

    Estudo de Caso 10...............................................................................................................................133

    Mudanas Ambientais no Pantanal, Brasil..........................................................................................134

    Estudo de Caso 11...............................................................................................................................139

    Zona de Conservao de Kakadu na Austrlia....................................................................................140

    Estudo de Caso 12...............................................................................................................................149

    Florestas Tropicais de Madagascar....................................................................................................150

    Estudo de Caso 13...............................................................................................................................179

    Programa de Despoluio da Baa de Guanabara no Rio de Janeiro, Brasil.......................................179

    PARTE III PRINCPIOS MICROECONMICOS BS ICOS E A TEORIA DO BEM ESTAR ......197

    UTILIDADE, CONSUMO E DEMANDA..........................................................................................198

    Efeito-renda e efeito-substituio...................................................................................................202 Elasticidade....................................................................................................................................203

    PRODUO E OFERTA....................................................................................................................206

    Maximizao de lucro e produtividade marginal............................................................................210

    EQUILBRIO DE MERCADO............................................................................................................212

    EQUILBRIO GERAL E BEM-ESTAR ECONMICO.......................................................................214

    ALOCAO INTERTEMPORAL......................................................................................................219

    BENS PBLICOS E EXTERNALIDADES........................................................................................222

    Bens Pblicos.................................................................................................................................222 Externalidades................................................................................................................................223

  • VALORANDO VARIAES DE BEM-ESTAR.................................................................................227

    VARIAES MARGINAIS..............................................................................................................227 VARIAES NO MARGINAIS.....................................................................................................228 O Excedente do Consumidor Marshaliano......................................................................................229 Excedente do Consumidor Hicksiano..............................................................................................230 A CURVA DE VALOR TOTAL........................................................................................................233

    BIBLIOGRAFIA EXTENSI VA ............................................................................................................235

    ndice de Grficos

    PARTE I MTODOS DE VALORAO AMBIENTAL ......................................................................11

    GRFICO 1 Curvas de preo e de demanda por preos hednicos.........................................................26

    GRFICO 2 Curva de demanda derivada da funo de custo de viagem................................................28

    PARTE II ESTUDOS DE CASO.............................................................................................................53

    PARTE III PRINCPIOS MICROECONMICOS BS ICOS E A TEORIA DO BEM ESTAR ......197

    GRFICO 1 Maximizao da utilidade do consumo............................................................................199

    GRFICO 2 Maximizao de utilidade e curva de demanda................................................................201

    GRFICO 3 Combinaes eficientes de insumos para vrios nveis de produo.................................207

    GRAFICO 4 Curvas de custo de produo no curto prazo....................................................................209

    GRFICO 5 Curvas de custo de produo de longo prazo....................................................................210

    GRFICO 6 Equilbrio de mercado no ponto e....................................................................................213

    GRAFICO 7 Deslocamentos das curvas de demanda e oferta e alteraes nos pontos de equilbrio.......214

    GRFICO 8 Caixa de Edgworth..........................................................................................................215

    GRFICO 9 Fronteira tima de possibilidade de produo e curva de contrato do consumo.................216

    GRFICO 10 Curva das possibilidades de utilidades fronteira da utilidade..........................................217

    GRFICO 11 Taxa de desconto social.................................................................................................220

    GRFICO 12 Alocao intertemporal.................................................................................................221

    GRFICO 13 O excedente do consumidor e do produtor marshalliano................................................230

    GRFICO 14 Curva de demanda compensadas e excedente doconsumidor hicksiano..........................232

    GRFICO 15 Curva do valor total.......................................................................................................234

    ndice de Quadros

    INTRODUO .........................................................................................................................................1

    Quadro 1 Indicadores de Viabilidade.....................................................................................................5

    Quadro 2 Anlise de Custo-Benefcio e Objetivos de Poltica..................................................................7

    PARTE I MTODOS DE VALORAO AMBIENTAL ......................................................................11

    Quadro 1 Taxonomia Geral do Valor Econmico do Recurso Ambiental...............................................12

  • Quadro 2 Exemplos de Valores Econmicos dos Recursos da Biodiversidade........................................14

    Quadro 3 Corrigindo Preos de Mercado...............................................................................................21

    Quadro 4 Valorando o Custo da Eroso do Solo....................................................................................24

    Quadro 5 Contas Ambientais.................................................................................................................33

    PARTE III PRINCPIOS MICROECONMICOS BS ICOS E A TEORIA DO BEM ESTAR ......197

    Quadro 1 Axiomas Bsicos das Preferncias e Principais Caractersticas das Curvas de Indiferenas..200

    Quadro 2 UtilidadesTtotal e Marginal.................................................................................................203

    Quadro 3 Funo Utilidade Indireta e Funo Dispndio.....................................................................204

    Quadro 5 Estruturas de Mercado.........................................................................................................211

  • PREFCIO (OU COMO USAR ESTE MANUAL)

    O objetivo deste Manual bastante modesto e apenas encerra uma tentativa de apresentar a base terica e metodolgica dos mtodos de valorao econmica dos recursos ambientais. Com isto, pretende-se contribuir para que a valorao econmica ambiental possa ser melhor compreendida e adequadamente utilizada na tomada de deciso, na pesquisa e na gesto ambiental.

    Cada vez mais gestores ambientais, estudantes de mestrado e doutorado e outros profissionais da rea ambiental, encontram-se em situaes nas quais a valorao econmica ambiental requerida ou desejada.

    Esta crescente preocupao com a valorao econmica ambiental tem impulsionado de forma significativa esta rea de estudo que hoje pode ser considerada uma rea de fronteira da Cincia Econmica.

    A novidade e a complexidade do tema, entretanto, tm induzido o profissional ou o estudante no-economista a duas situaes extremas. A uma de ceticismo que rejeita qualquer abordagem dita econmica devido a uma percepo quase sempre insuficiente da teoria econmica que fundamenta estas abordagens. E a outra na qual se adotam inadequadamente tcnicas de valorao com base em procedimentos estimativos intuitivos que, quando no apropriados, aumentam ainda mais o ceticismo e a rejeio aos mtodos adotados.

    Infelizmente, o profissional e o estudante de economia tambm se enquadram normalmente nas situaes generalizadas acima. A Economia do Meio Ambiente, sendo um disciplina eletiva nos currculos das escolas de economia, nem sempre oferecida. Portanto, comum encontrar economistas que tambm encontram dificuldades em utilizar os mtodos de valorao econmica.

    Conseqentemente, a produo de pesquisa nesta rea muito baixa no pas e existe um grande vazio em termos de livros-textos e outras publicaes em lngua portuguesa.

    Este Manual no pretende eliminar, de forma alguma, esta lacuna bibliogrfica. Sua apresentao restringe-se apenas a apresentar os principais fundamentos tericos e metodolgicos de forma a orientar o analista a entender e utilizar, com mais propriedade, os resultados de um estudo de valorao.

    bom ressaltar que este Manual no oferece receitas de bolo. A adoo de um mtodo especfica a cada caso em estudo. Entretanto, conhecendo alguns princpios econmicos e a fundamentao terica dos mtodos, o analista estar em melhor posio para selecionar procedimentos estimativos e, se necessrio, aprofundar seus conhecimentos na literatura mais sofisticada.

    Na Introduo do Manual discutem-se a questo econmica na gesto ambiental e a importncia da anlise econmica na deciso de investimentos ambientais no contexto da valorao monetria dos recursos ambientais. A Parte I apresenta os mtodos de valorao ambiental, enquanto na Parte II so analisados estudos de casos com a aplicao destes mtodos. A seleo dos estudos de casos foi orientada no sentido de oferecer uma cobertura maior possvel de mtodos, benefcios e situaes que pudesse ser transposta realidade brasileira ou de pases com grau prximo de desenvolvimento.

    A Parte III do Manual apresenta alguns princpios bsicos da teoria microeconmica que so os fundamentos dos mtodos analisados. Ao leitor com dificuldades iniciais para

  • compreender alguns postulados e conceitos econmicos, sugerimos uma leitura cuidadosa e paciente da Parte III antes de iniciar a utilizao deste Manual.

    Embora a valorao econmica ambiental esteja inserida no contexto maior da anlise de custo-benefcio, importante ressaltar que este Manual est concentrado na questo da mensurao dos custos ou benefcios ambientais. Aspectos de valorao econmica na avaliao de projetos relativos a outros recursos privados e fatores da economia (preos monopolistas, mo-de-obra, taxa de desconto, etc.) no sero discutidos em detalhes. Dessa forma, a valorao de outros bens e servios no-ambientais, relativas a uma deciso de investimento, deve ser tambm cuidadosa e observar os mesmos preceitos econmicos visto que pode afetar igualmente os resultados de uma anlise ambiental de custo-benefcio. Para uma incurso segura nesta rea, sugerimos ao leitor consultar a Parte III e a bibliografia anexa relativa a manuais de anlise de custo-benefcio.

    Em todo transcorrer do Manual, nas trs partes, no se procurou tambm detalhar os procedimentos economtricos estatsticos, ou economtricos, que a aplicao dos mtodos exige. Isto porque, alm de constiturem questes ainda mais especficas para cada caso, seria tambm necessrio incluir um parte terica e metodolgica adicional neste Manual para trat-los adequadamente. Uma outra publicao em desenvolvimento por este autor tratar especificamente deste tema.

    Se questes mais complexas foram evitadas, isto no quer dizer que os princpios bsicos de clculo e estatstica esto ausentes do texto. Sem estes, o aspecto intuitivo da valorao econmica no seria evitado e fugiramos ao propsito central deste Manual. No entanto, procurou-se apresentar, sempre que possvel, alm da formalizao matemtica, as questes tericas e metodolgicas com base em raciocnios intuitivos e exemplificados com ajuda de grficos.

    Portanto, este Manual tem dois grupos distintos de usurios:

    o economista, que certamente se sentir mais vontade na leitura e compreenso do texto e estudos de casos e, algumas vezes, molestado pela sua simplicidade ou simplificao; e

    o no-economista, que deseja familiarizar- se com o tema e para o qual algumas partes do Manual podem ser de difcil e lento entendimento. Para estes o autor recomenda insistncia na leitura e, quando necessrio, consulta literatura adicional que seja bsica em matemtica e economia.

    Aqui, de vital importncia salientar novamente que este Manual no pretende tornar seu usurio um especialista em valorao econmica ambiental. Enfatizamos que o principal objetivo desta publicao o de esclarecer a fundamentao terica dos mtodos de valorao, no sentido de instrumentalizar o analista a avaliar quando e como tais mtodos podem ajudar no processo de valorao. Ou seja, orientar o analista a fazer o uso adequado das mensuraes monetrias dos recursos ambientais.

    Vale assim lembrar que, exceto em alguns casos de pouca complexidade, qualquer tentativa de valorao econmica deve contar com o concurso de economistas. Da mesma forma, o economista no poder deixar de contar com a orientao de cientistas ambientais e de outros cientistas sociais para realizar adequadamente um estudo de valorao econmica de recursos ambientais.

    A questo ambiental, talvez mais que qualquer outra, exige tal formato mltiplo e interdisciplinar. A transio, em alguns casos tardiamente, de um regime de abundncia para

  • um regime de escassez de recursos ambientais nos impe uma tarefa inadivel de realizar ajustes estruturais no padro de uso dos recursos ambientais. Para atender a este objetivo, via aes de interveno governamental ou privada, os aspectos econmicos no podem e no conseguem ser negligenciados.

    Se por um lado, a valorao econmica ambiental pode ser de extrema utilidade na tomada de deciso, por outro, realiz-la requer admitir e definir limites de incerteza cientfica que extrapolam a Cincia Econmica.

    Tendo estas limitaes em mente, o usurio deste Manual poder se sentir mais confortvel para extrair dele alguma contribuio que amplie seu horizonte de entendimento do processo de valorao econmica dos recursos ambientais.

  • AGRADECIMENTOS

    A elaborao deste Manual foi possvel pela iniciativa conjunta da Coordenao de Estudos do Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (CEMA/IPEA) e da Coordenao Geral de Diversidade Biolgica do Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal (COBIO/MMA).

    O autor agradece imensamente o constante apoio recebido de Braulio Ferreira de Souza Dias, Luzdalma Maria Goulart Machado e Warton Monteiro da COBIO/MMA durante a elaborao desta publicao. A Jos Ricardo Brun Fausto, Carolina Burle Schmidt Dubeux, Gustavo M. Gontijo Albergaria e Andrea Coutinho Pontual pela motivao com que se dedicaram na elaborao dos estudos de caso. s estagirias Luciana Mller Sobral e Christiane Carvalho pelo trabalho de apoio. O autor tambm gostaria de reconhecer a cuidadosa reviso tcnica realizada por Jos Ricardo B. Fausto, Carolina B. S. Dubeux e Srgio Waddington na verso final do Manual e pelos comentrios oferecidos por Carlos Young na verso preliminar. Igual agradecimento dedicado a Maria das Graas Azevedo Semeraro Rito que cuidou da reviso editorial.

    Para a elaborao do contedo deste Manual utilizei, alm da experincia pessoal de pesquisa na rea de Economia Ambiental, minhas anotaes de aulas na Graduao e no Mestrado de Economia Ambiental da Universidade Santa rsula e do Mestrado de Planejamento Ambiental da COPPE/UFRJ. Aos meus estudantes, economistas e no-economistas, agradeo as observaes e indagaes que me dirigiram ao longo destes cursos, com as quais me orientei para a realizao do trabalho aqui apresentado.

  • Ronaldo Seroa da Motta - 1

    INTRODUO

    POR QUE VALORAR?

    Determinar o valor econmico de um recurso ambiental estimar o valor monetrio deste em relao aos outros bens e servios disponveis na economia.

    Qualquer que seja a forma de gesto a ser desenvolvida por governos, organizaes no-governamentais, empresas ou mesmo famlias, o gestor ter que equacionar o problema de alocar um oramento financeiro limitado frente a inmeras opes de gastos que visam diferentes opes de investimentos ou de consumo.

    Este problema de ordenar opes excludentes, frente a um oramento limitado, percebido at mesmo no cotidiano das famlias quando os indivduos esto a decidir como gastar sua renda pessoal.

    Se a soma dos gastos de todas as opes no exceder o total de oramento financeiro disponvel, ento todas as opes podero ser implementadas.

    Entretanto, na realidade, observa-se geralmente o caso inverso: no qual o total de gastos previstos maior que o oramento disponvel. Desta forma, o gestor ser obrigado a escolher um conjunto de opes em detrimento de outro. Ou seja, haver a necessidade de ordenar as opes que devem ser preferveis a outras.

    Uma anlise de custo-benefcio ser sempre o expediente mais bvio a ser adotado em situaes como esta. Assim, o gestor procurar comparar, em cada opo, o custo de realiz-la versus o resultante benefcio e decidir por aquela que acredita ter a relao custo-benefcio menor.

    A estimao destes custos e benefcios nem sempre trivial, pois requer primeiro, a capacidade de identific-los e, segundo, a definio, a priori, de critrios que tornem as estimativas destes comparveis entre si e no tempo.

    Se estes custos e benefcios refletem os gastos a preos de mercado dos bens e servios comprados ou vendidos, o processo de identificao e estimao mais simples e objetivo. Custo e benefcio sero, respectivamente, o somatrio dos valores monetrios dos gastos e receitas. De forma simplificada, este o processo que norteia a tomada de deciso das empresas que procuram maximizar o seu lucro para continuarem a expandir seus negcios.

    Abstraindo, a princpio, as condies de pobreza absoluta, no caso das famlias (isto , dos consumidores) os gastos expressos em valores monetrios esto associados aos benefcios esperados deste consumo, dado o nvel de renda disponvel. A satisfao dos consumidores, entretanto, deriva-se de todas as formas de consumo. Isto , o bem-estar das pessoas medido tanto pelo consumo de bens e servios, como pelo consumo de amenidades de origem recreacional, poltica, cultural e ambiental.

    Esta interao, entre a disposio a pagar dos consumidores pelos benefcios do consumo e a disposio a ofertar das empresas, que define os preos e as quantidades transacionados no mercado.

    Tendo em vista que o objetivo principal dos investimentos pblicos a proviso de bens e servios que aumentem o bem-estar das pessoas, as decises governamentais, de alocao de

  • 2 - MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    um oramento limitado e insuficiente para atender esta proviso, podem ser auxiliadas por uma anlise social de custo-benefcio.

    A anlise social de custo-benefcio visa atribuir um valor social a todos os efeitos de um determinado projeto, investimento ou poltica. Os efeitos negativos so encarados como custos e os positivos so tratados como benefcios. Como se pretende comparar custos e benefcios, surge a necessidade de express-los em uma medida comum, ou seja, em um mesmo numerrio ou unidade de conta. Por isso, estes custos e benefcios so expressos em termos monetrios. Todavia, existem algumas dificuldades neste processo de agregao de todos os efeitos em um nico indicador.

    Deve-se destacar que alguns bens e servios pblicos no so transacionados em mercado e, portanto, no tm preos definidos. Muitos dos recursos ambientais, que sero de nosso interesse imediato neste Manual, so exemplos clssicos.

    Mesmo aqueles custos (benefcios) que podem ser expressos com base em gastos na compra (venda) de bens e servios nos seus respectivos mercados podem exigir ajustes nos seus respectivos preos de mercado. Isto porque tais gastos podem resultar em variaes de consumo das famlias e do lucro das empresas devido a alteraes de preo ou quantidades resultantes destes gastos.

    Alm disto, o consumo de geraes futuras tambm deve ser considerado e, assim, h que se incorporar questes distributivas intertemporais.

    importante evidenciar que as variaes de bem-estar das famlias, quando o consumo destas afetado por decises dos investimentos pblicos, devem ser parte da anlise social de custo-benefcio. Neste sentido, a determinao dos custos e benefcios sociais, pela sua contribuio ao bem-estar das pessoas, a base da teoria microeconmica do bem-estar e dela derivam os mtodos de valorao monetria dos recursos ambientais. Estes mtodos propem justamente essa forma de anlise de custo-benefcio, em que os valores sociais dos bens e servios so considerados de forma a refletir variaes de bem-estar e no somente seus respectivos valores de mercado.

    Embora estes mtodos derivem do mesmo arcabouo terico, no caso deste Manual estaremos concentrados nos mtodos de anlise social de custo-benefcio que permitem a valorao econmica dos recursos ambientais, com maior nfase naqueles associados diversidade biolgica.

    Entretanto, conforme ser visto nos captulos seguintes, existem limitaes tericas e barreiras metodolgicas quando da adoo de tais mtodos. Reconhecer estas restries aumentar a contribuio destes para a tomada de deciso dos gastos e investimentos pblicos. Portanto, cabe aqui uma mensagem de alerta: a anlise de custo-benefcio apenas um indicador adicional para a tomada de deciso.

    O gestor pblico no deve e no capaz de atuar indiferentemente nas preferncias polticas. Quando bem aplicada, a anlise social de custo-benefcio oferece indicadores que ajudem a conduo do processo poltico a fim de que as decises sejam tomadas com mais objetividade.

    Em alguns nveis de deciso, geralmente os que envolvem questes socialmente complexas e indefinidas, a anlise torna-se to custosa e/ou imprecisa que deveria, assim, ser evitada. Em outras instncias, entretanto, quando o prprio processo poltico impe uma avaliao econmica para sustentar sua capacidade de ordenao de prioridades, os indicadores econmicos tornam-se de grande valia.

  • Ronaldo Seroa da Motta - 3

    A identificao destas instncias e a capacidade de elaborar avaliaes econmicas mais precisas e objetivas resultaro certamente no aperfeioamento da gesto pblica. Poder contribuir para que os gestores ambientais desenvolvam esta capacitao na rea ambiental o principal objetivo deste Manual.

    A VALORAO ECONMIC A NA GESTO AMBIENTA L

    Conforme tem sido amplamente debatido, a proteo do meio ambiente basicamente uma questo de eqidade inter e intra-temporal. Quando os custos da degradao ecolgica no so pagos por aqueles que a geram, estes custos so externalidades para o sistema econmico. Ou seja, custos que afetam terceiros sem a devida compensao. Atividades econmicas so, desse modo, planejadas sem levar em conta essas externalidades ambientais e, conseqentemente, os padres de consumo das pessoas so forjados sem nenhuma internalizao dos custos ambientais. O resultado um padro de apropriao do capital natural onde os benefcios so providos para alguns usurios de recursos ambientais sem que estes compensem os custos incorridos por usurios excludos. Alm disso, as geraes futuras sero deixadas com um estoque de capital natural resultante das decises das geraes atuais, arcando os custos que estas decises podem implicar.

    Embora o uso de recursos ambientais no tenha seu preo reconhecido no mercado, seu valor econmico existe na medida que seu uso altera o nvel de produo e consumo (bem-estar) da sociedade.

    Diante da presena destas externalidades ambientais, ns temos uma situao oportuna para a interveno governamental. Essa interveno pode incluir instrumentos distintos, tais como: a determinao dos direitos de propriedade, o uso de normas ou padres, os instrumentos econmicos, as compensaes monetrias por danos e outros.

    Apesar da interveno governamental ser legtima, ela no trivial. No caso da conservao da diversidade biolgica, a interveno ainda mais complexa visto que nosso conhecimento terico e gerenciais ainda so insuficientes.

    Existe um consenso quanto s dificuldades da gesto ambiental. Os atuais problemas podem, contudo, ser classificados em trs categorias principais: (i) baixas provises oramentrias face aos altos custos de gerenciamento; (ii) polticas econmicas indutoras de perdas ambientais; e (iii) questes de eqidade que dificultam o cumprimento da lei. Assim, possvel afirmar que ns temos uma clara situao que requer a introduo do critrio econmico na gesto ambiental.

    Esta noo do papel do critrio econmico est longe de ser inovadora e est cada vez mais difundida em outros pases.

    A DETERMINAO DE PR IORIDADES, AES E PROCEDIMENTOS PARA A GESTO AMBIENTAL

    As restries oramentrias impem sociedade a necessidade de responder duas perguntas fundamentais relativas proteo ambiental:

    (i) quais os recursos ambientais em que devemos centralizar esforos?

    (ii) quais mtodos devemos utilizar para atingir os objetivos desejados?

    Resumindo, h que se definir prioridades quanto ao que queremos conservar e onde. At agora, a abordagem predominante tem se baseado no critrio ambiental, biolgico ou

  • 4 - MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    geogrfico. Tendo em mente o propsito deste trabalho, importante enfatizar que, independente da adoo de um determinado critrio, podemos aumentar a eficincia da gesto ambiental (i.e., capacidade de atingir os objetivos desejados) com a utilizao complementar de um critrio econmico. Ou seja, reforando a dimenso humana da gesto ambiental.

    Deve ser tambm enfatizado que o critrio econmico est fundamentado, em grande medida, nas abordagens ecolgicas de modo que se torne til. Portanto, o conhecimento e entendimento de nossa biodiversidade ser um pr-requisito para a aplicao do critrio econmico.

    A literatura sobre o critrio econmico no gerenciamento dos recursos naturais tem sido muito frtil nos ltimos dez anos1. As principais proposies esto aqui sumarizadas em trs tpicos:

    (i) Anlise Custo-Benefcio (ACB)

    (ii) Anlise Custo-Utilidade (ACU)

    (iii) Anlise Custo-Eficincia (ACE)

    Como ser discutido nas subsees seguintes, ACB e ACU so mtodos determinantes de prioridades, enquanto ACE mais proveitoso para a definio de aes quando prioridades j esto definidas2.

    DETERMINANDO PRIORIDADES COM O CRITRIO ECONMICO

    a) Anlise Custo-Benefcio (ACB) A ACB a tcnica econmica mais utilizada para a determinao de prioridades na avaliao de polticas. Seu objetivo comparar custos e benefcios associados aos impactos das estratgias alternativas de polticas em termos de seus valores monetrios.

    Note que benefcios so aqueles bens e servios ecolgicos, cuja conservao acarretar na recuperao ou manuteno destes para a sociedade, impactando positivamente o bem-estar das pessoas. Por outro lado, os custos representam o bem-estar que se deixou de ter em funo do desvio dos recursos da economia para polticas ambientais em detrimento de outras atividades econmicas. Os benefcios, assim como os custos, devem ser tambm definidos segundo quem se apropria ou sofre as consequncias destes, isto , identificar beneficirios e perdedores para apontar as questes eqitativas resultantes.

    A estimao dos valores monetrios, que o tema central deste Manual, reflete valores econmicos baseados nas preferncias dos consumidores. Conforme veremos com detalhes a seguir, utilizando mercados de bens privados complementares e substitutos para servios ambientais, ou mesmo mercados hipotticos para esses servios, possvel capturar a disposio a pagar das pessoas por mudanas na proviso ambiental.

    Com os procedimentos da ACB possvel, ento, identificar as estratgias cujas prioridades aproveitam, da melhor maneira possvel, os recursos. Isto , estratgias cujos benefcios

    1Ver bibliografia anexa no final do Manual. 2Estes trs mtodos operam na oferta dos servios ambientais quando de investimentos que geram custos ou benefcios ambientais. Para atuar na demanda por estes servios, podemos utilizar os instrumentos ou incentivos econmicos no sentido de alterar os preos relativos destes para aumentar a eficincia de uso, elevar os recursos oramentrios e tratar de questes de eqidade. Ver seo Bens Pblicos e Externalidades da Parte III e Sera da Motta, Ruitenbeek e Hurber (1996).

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    excedem os custos. Desta maneira, os tomadores de deciso esto maximizando os recursos disponveis da sociedade e, conseqentemente, otimizando o bem-estar social.

    Dentro da ACB as estratgias so ordenadas de acordo com o valor presente dos benefcios lquidos de cada uma destas (benefcios menos custos descontados no tempo)3. Essa ordenao permite que os tomadores de deciso definam prioridades, adotando primeiro as estratgias cujos benefcios lquidos so mais elevados (ver Quadro 1)

    QUADRO 1 INDICADORES DE VIABILIDADE

    Uma anlise de custo-benefcio (ACB) a comparao dos custos de investimento e operao (ct), incorridos a cada momento do tempo t para realizar uma ao, versus os respectivos benefcios (bt) gerados ao longo do tempo. Tal comparao permite analisar a viabilidade da ao. Com base nos indicadores da ACB possvel ordenar as diversas alternaticas de ao. Existem trs opes de indicadores para ACB. Embora todos os trs permitam indicar a viabilidade de uma ao de forma inequvoca, o ordenamento de aes resultante pode variar por tipo de indicador. Um resumo destes indicadores abaixo apresentado:

    Valor presente lquido (VPL):

    VPL = SS bt - ct /(1+d)t

    Calcula-se a diferena do valor descontado dos benefcios sobre o valor descontado dos custos. VPL 0 indica viabilidade e as aes podem ser ordenadas de acordo com as magnitudes do VPL. Note, entretanto, que o ordenamento resultante deste indicador depende basicamente da taxa de desconto (d) e da magnitude das necessidades de investimento que determinam o nvel de VPL.

    Relao benefcio-custo (B/C):

    B Cb d

    c dt

    t

    tt

    // ( )

    / ( )=

    +

    +

    1

    1

    Viabilidade ser indicada com B/C 1 e aes podem ser indicadas de acordo com as magnitudes de B/C. Como custo um benefcio negativo e vice-versa, note que a relao B/C pode ser computada diferentemente de acordo com o entendimento do sinal dos custos e benefcios e, assim, gerar ordenaes diferentes.

    Taxa interna de retorno (TIR):

    SS bt - ct /(1+TIR)t = 0

    Viabilidade ser dada quando TIR d, mas, o ordenamento com base em valores de TIR poder ser realizado sem considerar d e, sim, apenas por seus valores. Entretanto, dependendo da distribuio dos custos e benefcios (por exemplo, bruscas variaes em perodos distintos) ao longo do tempo, TIR pode no ser nica. Dessa forma, a escolha de um indicador depender das informaes desejadas pelo analista e das caractersticas das aes em anlise.

    A mensurao dos valores monetrios associados a benefcios ambientais pode ser, contudo, muito difcil e, em se tratando de benefcios da biodiversidade, a mensurao ainda mais 3Outra maneira de ordenao, normalmente mais apropriada, baseia-se na taxa interna de retorno das estratgias (taxa em que os benefcios e os custos tm o mesmo valor presente, ou seja, taxa onde valor presente lquido igual a zero).

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    problemtica. Independentemente de nosso reduzido conhecimento quanto aos elos ecolgicos associados s atividades econmicas, que tambm enfraquece as abordagens puramente ecolgicas, existem limitaes metodolgicas nas avaliaes econmicas. Tais limitaes esto relacionadas s taxas de desconto no tempo, agregao dos valores individuais, internalizao de incertezas e amplitude das mudanas de equilbrio geral. Estas questes tendem a enviesar as medidas dos benefcios ambientais e, dessa maneira, desviam a sociedade de opes sustentveis.

    Entretanto, a questo principal est relacionada com a limitada capacidade destes mtodos de capturar os valores das funes ecossistmicas. Eles so instrumentos poderosos para apontar valores de certos servios ambientais quando percebidos de uma maneira isolada. O conhecimento e a percepo das pessoas sobre as funes ecossistmicas bastante limitado e, assim, as preferncias individuais podem subvalorizar os servios biolgicos.

    Apesar destes problemas, que sempre aparecero na mensurao de benefcios, o processo de atribuir valores econmicos aos recursos ambientais trar tona questes scio-econmicas que o critrio ecolgico ou ambiental isoladamente no capaz. Ao mesmo tempo, uma anlise custo-benefcio de uma poltica, programa ou projeto ecolgico no o nico indicador para a tomada de deciso como uma maneira de ordenar opes.

    Mesmo assim, a ACB um importante mtodo para orientar decises de investimentos. Antes de discutir como poderemos integrar a ACB ao critrio ecolgico, vlido mencionar que a valorao de alguns benefcios de um dado investimento em biodiversidade pode ser suficiente para demonstrar que estes benefcios, mesmo subvalorizados, j esto excedendo os custos. Apesar disto no ser suficiente para assegurar que a sociedade est adotando a melhor alternativa de uso de seus recursos econmicos, os tomadores de deciso podem, pelo menos, garantir que a eficincia econmica no decrescer em funo desse investimento ambiental.

    Identificando de que forma os custos e os benefcios so distribudos no interior da sociedade (i.e., quem est arcando com os custos e recebendo os benefcios), os tomadores de deciso podem encontrar tambm maneiras de conciliar outras alternativas e construir consensos que facilitem a implementao poltica. Esta caracterstica da ACB, muitas vezes colocada de lado nos exerccios de valorao, vital nos pases em desenvolvimento, onde as questes eqitativas freqentemente restringem a implementao poltica em funo dos baixos nveis de renda e da sua distribuio desigual. O uso da ACB nestas bases um movimento precursor muito importante para que a sociedade possa implementar um critrio de abordagem ecolgico-econmica mais sofisticado.

    A ACB pode tambm ser empreendida passo a passo, agregando benefcios e custos, de acordo com os nveis de deciso e os agentes econmicos em questo, conforme apresentado no Quadro 2.

    b) Anlise Custo-Utilidade (e viabilidade institucional) (ACU) Tm-se observado considerveis esforos de pesquisa para calcular um indicador de benefcios capaz de integrar os critrios econmico e ecolgico4. Ao invs de usar uma nica medida do valor monetrio de um determinado benefcio, os indicadores so calculados para valores econmicos e tambm para o critrio ecolgico, como, por exemplo: insubstitutibilidade, vulnerabilidade, grau de ameaa, representatividade e criticabilidade.

    4Ver, por exemplo, texto seminais em economia feitos por Solow et al. (1993) e Weitzman (1992).

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    QUADRO 2 ANLISE DE CUSTO-BENEFCIO E OBJETIVOS DE POLTICA

    O uso da ACB pode ser mais til quando apresentada em distintas perspectivas, no sentido de relevar todos os perdedores e beneficirios e as preferncias dos tomadores de deciso. Esta desagregao no demanda esforos adicionais de anlise, mas, apenas formatos distintos de apresentao dos parmetros requeridos para uma ACB completa. So descritas aqui algumas sugestes.

    ANLISE PRIVADA (PERSPECTIVA DO USURIO)

    Maximiza receita, minimiza custos - ACB utilizando preos de mercado sem considerar externalidades.

    ANLISE FISCAL (PERSPECTIVA DO TESOURO)

    Maximiza receita fiscal, minimiza custos de administrao - ACB mensurando apenas os ganhos e perdas de receita fiscal e seus respectivos custos de administrao.

    ANLISE ECONMICA (PERSPECTIVA DA EFICINCIA)

    Maximiza o bem-estar total, minimiza os custos de oportunidade - ACB utilizando preos de mercado sem subsdios e outras distores de mercado.

    ANLISE SOCIAL (PERSPECTIVA DISTRIBUTIVA)

    Maximiza o bem-estar total, minimiza custos de oportunidade e distributivos - ACB utilizando preos de mercado sem subsdios e outras distores de mercado, ajustando estes com pesos distributivos para incorporar questes de equidade (excluindo a valorao monetria de externalidades ambientais).

    ANLISE DE SUSTENTABILIDADE (PERSPECTIVA ECOLGICA)

    Maximiza o bem-estar total, minimiza custos de oportunidade, distributivos e ambientais - ACB utilizando preos de mercado sem subsdios e outras distores de mercado, ajustando estes com pesos distributivos e incluindo a valorao monetria de externalidades ambientais

    Cada indicador tem um peso absoluto e os benefcios das opes (de poltica, programas ou projetos) so avaliados com poderaes para cada indicador. Os resultados finais so, ento, calculados para cada opo que representar alguma mdia ponderada para todos estes critrios.

    O principal problema metodolgico aqui exatamente a determinao de escalas coerentes e aceitveis para a definio da importncia relativa dos diferentes critrios, isto , as ponderaes destes. Cada escala definir uma ordenao especfica. Portanto, a participao dos atores sociais relevantes, a integrao governamental e o debate poltico so o nico caminho para minimizar estas restries.

    Independente disto, sempre existiro dificuldades para quantificar o resultado absoluto dos benefcios correspondentes a cada critrio para cada opo. Conseqentemente, o desenvolvimento de uma base de dados sobre biodiversidade um pr-requisito para a utilizao desta abordagem

    Levando-se em considerao todos estes procedimentos metodolgicos, pode-se dizer que ACU uma abordagem muito custosa e, assim, estaria acima da capacidade institucional, do compromisso poltico e da aceitao social nos pases em desenvolvimento. Baseado neste juzo de valor, existem algumas sugestes na anlise de custo-viabilidade onde a capacidade

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    institucional, o compromisso poltico e a aceitao social so critrios adicionais para se avaliar projetos que englobam benefcios ecolgicos e econmicos5

    c) Anlise Custo-Eficincia (ACE) Caso a estimao de benefcios ou utilidade se mostrar muito difcil ou com custos acima da capacidade institucional, prioridades sero ordenadas somente com base somente no critrio ecolgico. Neste caso, o que os tomadores de deciso podem fazer empreender uma anlise custo-eficincia. A ACE considera as vrias opes disponveis para se alcanar uma prioridade poltica pr-definida e compara os custos relativos destas em atingir seus objetivos. Desta maneira, possvel identificar a opo que assegura a obteno do resultado desejado aos menores custos.

    Note que a ACE no ordena opes para definir prioridades. A ACE deve ser encarada como um instrumental para definio de aes, tendo em vista que a prioridade j foi devidamente definida. Haver tambm situaes de deciso nas quais os custos institucionais da avaliao do projeto excedem aos ganhos de eficincia com uso de ACB ou ACU e, portanto, a ACE ter assim um papel importante na orientao de aes de gesto.

    MEDINDO OS CUSTOS DE OPORTUNIDADE DA PROTEO AMBIENTAL

    Os custos de oportunidade so mensurados levando-se em conta o consumo de bens e servios que foi abdicado, i.e. custos dos recursos alocados para investimentos e gastos ambientais.

    Por exemplo, restries ao uso da terra em unidades de conservao impem perdas de gerao de receita, visto que atividades econmicas so restritas in-situ. A renda lquida abdicada pela restrio destas atividades uma boa medida do custo de oportunidade associado com a criao desta unidade de conservao. O uso de renda lquida decorre do fato de que a renda bruta destas atividades sacrificadas tem que ser deduzida dos seus custos de produo, que tambm restringem recursos para a economia. De fato, a renda lquida significa a receita lquida provida pelas atividades sacrificadas e representaria, assim, o custo de oportunidade da conservao.

    Os custos associados aos investimentos, manuteno e operao das aes para a proteo ambiental (gastos de proteo) tambm devem ser somados aos custos de oportunidade, visto que demandam recursos que poderiam estar sendo utilizados em outras atividades.6

    tambm relevante discriminar os custos de oportunidade e os gastos de proteo por agentes envolvidos. Para tal, a seguir esto sugeridas algumas formas:

    (i) custos de oportunidade sustentado por classes de renda ou setores econmicos;

    (ii) custos de oportunidade associados receita fiscal perdida pelos governos local e central;

    (iii) gastos de conservao incorridos pelos governos central e local; e

    (iv) gastos de conservao incorridos pelas agncias ambientais e proprietrios privados da rea do stio natural.

    Note que os custos discriminados no so mutuamente exclusivos e seus valores no devem ser somados. Discriminaes (i) e (ii) assim como (iii) e (iv) podem ser parte integrante uma da

    5Ver McNeeley et al. (1991) and McNeeley (1997). 6Note que assuminos aqui que os recursos so plenamente utilizados. Quando os recursos esto com nveis de excedende, necessrio computar tal fato.

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    outra, apesar de serem medidas distintas. O objetivo principal aqui representar os custos incorridos pelos diferentes agentes envolvidos com a proteo ambiental para auxiliar no processo poltico de definio de prioridades, como foi mencionado na subseo anterior relativa a ACB.

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    PARTE I MTODOS DE VALORAO AMBIENTAL

    Esta parte do Manual apresenta os mtodos de valorao ambiental. Para cada mtodo so analisados: a sua fundamentao terica, os vises estimativos e as orientaes para seu uso. Ao fim desta parte, um roteiro indicativo tambm apresentado para a escolha do mtodo mais apropriado de acordo com o objetivo da mensurao7.

    A compreenso das sees seguintes requer um leitura atenta e paciente. Se mesmo assim, o leitor ainda tiver dificuldades no entendimento dos fundamentos tericos aqui apresentados, aconselhamos a leitura da Parte III onde os princpios da teoria microeconmica so discutidos.

    O VALOR ECONMICO DOS RECURSOS AMBIENTAIS

    Conforme discutido anteriormente, o valor econmico dos recursos ambientais geralmente no observvel no mercado atravs de preos que reflitam seu custo de oportunidade. Ento, como identificar este valor econmico?

    Primeiro devemos perceber que o valor econmico dos recursos ambientais derivado de todos os seus atributos e, segundo, que estes atributos podem estar ou no associados a um uso. Ou seja, o consumo de um recurso ambiental se realiza via uso e no-uso. Vamos explorar com mais detalhes estas consideraes.

    Um bem homogneo quando os seus atributos ou caractersticas que geram satisfao de consumo no se alteram. Outros bens so, na verdade, parte de classes de bens ou servios compostos. Nestes casos, cada membro da classe apresenta atributos diferenciados, como, por exemplo, automveis, casas, viagens de lazer e tambm recursos ambientais. Logo, o preo de uma unidade j do bem Xi, Pxij, pode ser definido por um vetor de atributos ou caractersticas, aij, tal que:

    Pxij = Pxi (aij1,aij2,..., aijn) (1)

    No caso de um recurso ambiental, os fluxos de bens e servios ambientais, que so derivados do seu consumo, definem seus atributos.

    Entretanto, existem tambm atributos de consumo associados prpria existncia do recurso ambiental, independentemente do fluxo atual e futuro de bens e servios apropriados na forma do seu uso.

    Assim, comum na literatura desagregar o valor econmico do recurso ambiental (VERA) em valor de uso (VU) e valor de no-uso (VNU).

    Valores de uso podem ser, por sua vez, desagregados em:

    Valor de Uso Direto (VUD) - quando o indivduo se utiliza atualmente de um recurso, por exemplo, na forma de extrao, visitao ou outra atividade de produo ou consumo direto;

    7A reviso tcnica desta parte coube a Carolina Burle Schmidt Dubeux e Jos Ricardo Brun Fausto.

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    Valor de Uso Indireto (VUI) - quando o benefcio atual do recurso deriva-se das funes ecossistmicas, como, por exemplo, a proteo do solo e a estabilidade climtica decorrente da preservao das florestas;

    Valor de Opo (VO) - quando o indivduo atribui valor em usos direto e indireto que podero ser optados em futuro prximo e cuja preservao pode ser ameaada. Por exemplo, o benefcio advindo de frmacos desenvolvidos com base em propriedades medicinais ainda no descobertas de plantas em florestas tropicais.

    O valor de no-uso (ou valor passivo) representa o valor de existncia (VE) que est dissociado do uso (embora represente consumo ambiental) e deriva-se de uma posio moral, cultural, tica ou altrustica em relao aos direitos de existncia de espcies no-humanas ou preservao de outras riquezas naturais, mesmo que estas no representem uso atual ou futuro para o indivduo8. Uma expresso simples deste valor a grande atrao da opinio pblica para salvamento de baleias ou sua preservao em regies remotas do planeta, onde a maioria das pessoas nunca visitaro ou tero qualquer benefcio de uso.

    H tambm uma controvrsia na literatura a respeito do valor de existncia representar o desejo do indivduo de manter certos recursos ambientais para que seus herdeiros, isto , geraes futuras, usufruam de usos diretos e indiretos (bequest value). uma questo conceitual considerar at que ponto um valor assim definido est mais associado ao valor de opo ou de existncia. O que importa para o desafio da valorao, admitir que indivduos podem assinalar valores independentemente do uso que eles fazem hoje ou pretendem fazer amanh.

    Assim, uma expresso para VERA seria a seguinte:

    VERA = (VUD + VUI + VO) + VE (2)

    Quadro 1 abaixo apresenta esta taxonomia geral e o Quadro 2 identifica casos especficos dos recursos da biodiversidade.

    QUADRO 1 TAXONOMIA GERAL DO VALOR ECONMICO DO RECURSO AMBIENTAL

    Valor Econmico do Recurso Ambiental

    Valor de Uso Valor de No-Uso

    Valor de Uso Direto Valor de Uso Indireto Valor de Opo Valor de Existncia

    bens e servios ambientais apropriados diretamente da explorao do recurso e consumidos hoje

    bens e servios ambientais que so gerados de funes ecossistmicas e apropriados e consumidos indiretamente hoje

    bens e servios ambientais de usos diretos e indiretos a serem apropriados e consumidos no futuro

    valor no associado ao uso atual ou futuro e que reflete questes morais, culturais, ticas ou altrusticas

    Note, entretanto, que um tipo de uso pode excluir outro tipo de uso do recurso ambiental. Por exemplo, o uso de uma rea para agricultura exclui seu uso para conservao da floresta que

    8Bens privados tambm podem apresentar este atributos, que se expressa no que as pessoas chamam de valor de estimao.

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    cobria este solo. Assim, o primeiro passo na determinao do VERA ser identificar estes conflitos de uso. O segundo passo ser a determinao destes valores.

    O leitor poder agora avaliar, com mais clareza, o grau de dificuldade para encontrar preos de mercado (adequados ou no) que reflitam os valores atribudos aos recursos ambientais. Esta dificuldade maior medida que passamos dos valores de uso para os valores de no-uso. Nos valores de uso, os usos indiretos e de opo apresentam, por sua vez, maior dificuldade que os usos diretos.

    Conforme procuramos demonstrar at agora, a tarefa de valorar economicamente um recurso ambiental consiste em determinar quanto melhor ou pior estar o bem-estar das pessoas devido a mudanas na quantidade de bens e servios ambientais, seja na apropriao por uso ou no.

    Dessa forma, os mtodos de valorao ambiental correspondero a este objetivo medida que forem capazes de captar estas distintas parcelas de valor econmico do recurso ambiental. Todavia, conforme ser discutido a seguir, cada mtodo apresentar limitaes nesta cobertura de valores, a qual estar quase sempre associada ao grau de sofisticao (metodolgica e de base de dados) exigido, s hipteses sobre comportamento do indivduo consumidor e aos efeitos do consumo ambiental em outros setores da economia.

    Tendo em vista que tal balano ser quase sempre pragmtico e decidido de forma restrita, cabe ao analista que valora explicitar, com exatido, os limites dos valores estimados e o grau de validade de suas mensuraes para o fim desejado. Conforme ser discutido a seguir, a adoo de cada mtodo depender do objetivo da valorao, das hipteses assumidas, da disponibilidade de dados e conhecimento da dinmica ecolgica do objeto que est sendo valorado.

    Os mtodos de valorao aqui analisados so assim classificados: mtodos da funo de produo e mtodos da funo de demanda.

    Mtodos da funo de produo: mtodos da produtividade marginal e de mercados de bens substitutos (reposio, gastos defensivos ou custos evitados e custos de controle).

    Se o recurso ambiental um insumo ou um substituto de um bem ou servio privado, estes mtodos utilizam-se de preos de mercado deste bem ou servio privado para estimar o valor econmico do recurso ambiental. Assim, os benefcios ou custos ambientais das variaes de disponibilidade destes recursos ambientais para a sociedade podem ser estimados. Com base nos preos destes recursos privados, geralmente admitindo que no se alteram frente a estas variaes, estimam-se indiretamente os valores econmicos (preos-sombra) dos recursos ambientais cuja variao de disponibilidade est sendo analisada. O benefcio (ou custo) da variao da disponibilidade do recurso ambiental dado pelo produto da quantidade variada do recurso vezes o seu valor econmico estimado. Por exemplo, a perda de nutrientes do solo causada por desmatamento pode afetar a produtividade agrcola. Ou a reduo do nvel de sedimentao numa bacia, por conta de um projeto de revegetao, pode aumentar a vida til de uma hidroltrica e sua produtividade.

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    QUADRO 2 EXEMPLOS DE VALORES ECONMICOS DOS RECURSOS DA BIODIVERSIDADE

    Valor de Uso Valor Passivo ou de No-uso

    Valor Direto Valor Indireto Valor de Opo Valor de Existncia

    Proviso de recursos bsicos: alimentos, medicamentos e no-madeireiros, nutrientes, turismo

    Fornecimentos de suportes para as atividades econmicas e bem-estar humano: p.ex., proteo dos corpos dgua, estocagem e reciclagem de lixo. Manuteno da diversidade gentica e controle de eroso. Proviso de recursos bsicos: p.ex., oxignio, gua e recursos genticos

    Preservao de valores de uso direto e indireto

    Uso no-consumptivo: recreao, marketing

    Florestas como objetos de valor intrnseco, como uma doao, um presente para outros, como uma responsabilidade. Inclui valores culturais, religiosos e histricos

    Recursos genticos de plantas

    Proviso de benefcios associados informao, como conhecimento cientfico

    Fonte: SBSTTA (1996)

    Mtodos da funo de demanda: mtodos de mercado de bens complementares (preos hednicos e do custo de viagem) e mtodo da valorao contingente.

    Estes mtodos assumem que a variao da disponibilidade do recurso ambiental altera a disposio a pagar ou aceitar dos agentes econmicos em relao aquele recurso ou seu bem privado complementar. Assim, estes mtodos estimam diretamente os valores econmicos (preos-sombra) com base em funes de demanda para estes recursos derivadas de (i) mercados de bens ou servios privados complementares ao recurso ambiental ou (ii) mercados hipotticos construdos especificamente para o recurso ambiental em anlise. Utilizando-se de

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    funes de demanda, estes mtodos permitem captar as medidas de disposio a pagar (ou aceitar) dos indivduos relativas s variaes de disponibilidade do recurso ambiental. Com base nestas medidas, estimam-se as variaes do nvel de bem-estar pelo excesso de satisfao que o consumidor obtm quando paga um preo (ou nada paga) pelo recurso abaixo do que estaria disposto a pagar. Estas variaes so chamadas de variaes do excedente do consumidor frente s variaes de disponibilidade do recurso ambiental. O excedente do consumidor , ento, medido pela rea abaixo da curva de demanda e acima da linha de preo. Assim, o benefcio (ou custo) da variao de disponibilidade do recurso ambiental ser dado pela variao do excedente do consumidor medida pela funo de demanda estimada para este recurso. Por exemplo, os custos de viagem que as pessoas incorrem para visitar um parque nacional podem determinar uma aproximao da disposio a pagar destes em relao aosbenefcios recreacionais do parque. Estas medidas de disposio a pagar podem tambm ser identificadas em uma pesquisa que questiona, junto a uma amostra da populao, valores de pagamento de um imposto para investimentos ambientais na proteo de da biodiversidade. Identificando estas medidas de disposio a pagar podemos construir as respectivas funes de demanda.

    Note que estes dois mtodos gerais podem, de acordo com suas hipteses, estimar valores ambientais derivados de funes de produo ou de demanda com base na realidade econmica atual. Na medida em que estes valores (custos ou benefcios) possam ocorrer ao longo de um perodo, ento, ser necessrio identificar estes valores no tempo. Ou seja, identificar valores resultantes no somente das condies atuais, mas tambm das condies futuras. A prospeco das condies futuras poder ser feita com cenrios alternativos para minimizar o seu alto grau de incerteza. De qualquer forma, os valores futuros tero que ser descontados no tempo, isto , calculados seus valores presentes e, para tanto, h que se utilizar uma taxa de desconto social (ver novamente Quadro 1 da Introduo). Esta taxa difere daquela observada no mercado devido as imperfeies no mercado de capitais e sua determinao no trivial, embora possa afetar significativamente os resultados de uma anlise de custo-benefcio.

    No contexto ambiental a complexidade ainda maior. Por exemplo, devido a sua possibilidade de esgotamento, o valor dos recursos ambientais tende a crescer no tempo se admitimos que seu uso aumenta com o crescimento econmico. Como estimar esta escassez futura e traduzi-la em valor monetrio uma questo complexa que exige um certo exerccio de futurologia. Assim sendo, alguns especialistas sugerem o uso de taxas de desconto menores para os projetos onde se verificam benefcios ou custos ambientais significativos ou adicionar os investimentos necessrios para eliminar o risco ambiental. Na anlise metodolgica a ser desenvolvida nesta Parte I considera-se que os custos e benefcios ambientais sero adequadamente valorados e que cenrios com valores distintos para a taxa de desconto devem ser utilizados para avaliar sua inderteminao. Aos leitores interessados nesta questo de desconto de valores no tempo, sugerimos a leitura da seo Alocao Intertemporal da Parte III e o Estudo de Caso 4.

    MTODOS DE FUNO DE PRODUO

    Uma das tcnicas de valorao mais simples e, portanto, largamente utilizada, o mtodo da funo de produo. Neste mtodo, observa-se o valor do recurso ambiental E pela sua

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    contribuio como insumo ou fator na produo de um outro produto Z, isto , o impacto do uso de E em uma atividade econmica9.

    Assim, estima-se a variao de produto de Z decorrente da variao da quantidade de bens e servios ambientais do recurso ambiental E utilizado na produo de Z. Este mtodo empregado sempre que possvel obterem-se preos de mercado para a variao do produto Z ou de seus substitutos. Duas variantes gerais podem ser reconhecidas: mtodo da produtividade marginal e mtodo dos bens substitutos.

    A seguir discutiremos em separado a parte terica destas variantes, embora a parte de avaliao de vises e orientaes seja apresentada em conjunto.

    Para entender melhor as premissas dos mtodos com base em funo de produo, vamos elaborar em mais detalhes sua construo analtica. Suponha uma funo de produo de Z, tal que o nvel de produo de Z dado pela seguinte expresso:

    Z = F(X,E) (3)

    Onde X um conjunto de insumos formado por bens e servios privados e E representa um bem ou servio ambiental gerado por um recurso ambiental que utilizado gratuitamente, ou seja, seu preo de mercado pE zero. Note que E representa, assim, um valor de uso para na produo de Z.

    Sendo pZ e pX os preos de Z e X, a funo do lucro (p) na produo de Z seria:

    pp = pZ Z - pX X - pE E = pZ F(X,E) - pX.X (4)

    O produtor ajusta assim a utilizao do seu insumo de forma a maximizar o seu lucro. Assumindo que a variao de Z marginal e, portanto, no altera seu preo, a variao de lucro seria:

    pp/X = pZ F/X - pX = 0 (5)

    e

    pp/E = pZ F/E (6)

    Ou seja, a variao de lucro do usurio de E igual ao preo de Z multiplicado pela variao de Z quando varia E.10

    MTODO DA PRODUTIVIDADE MARGINAL

    Fundamentao Terica O mtodo da produtividade marginal assume que pZ conhecido e o valor econmico de E (VEE) seria:

    VEE = pZ F / E (7)

    9Uma funo de produo representa, assim, uma combinao teconolgica de insumos e fatores para a produo de um bem. Ver seo Produo e Oferta da Parte III. 10Esta a expresso (18) da Parte III.

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    Observe que VEE, nestes casos, representam apenas valores de uso diretos ou indiretos relativos a bens e servios ambientais utilizados na produo. Vale ressaltar que a estimao das funes de produo F no trivial quando as relaes tecnolgicas so complexas.

    Alm do mais, as especificaes de E em F so difceis de serem captadas diretamente na medida em que E coresponde geralmente a fluxos de bens ou servios gerados por um recurso ambiental que dependem do seu nvel de estoque ou de qualidade. Logo, se faz necessrio conhecer a correlao de E em F ou, se possvel mais especificamente, as funes de dano ambiental ou as funes dose-resposta (DR) onde:

    E = DR (x1,x2,...,Q) (8)

    onde xi so as variveis que, junto com o nvel de estoque ou qualidade Q do recurso, afetam o nvel de E. Assim,

    E = DR / Q (9)

    Estas funes DRs procuram relacionar a variao do nvel de estoque ou qualidade (respectivamente, taxas de extrao ou poluio) com o nvel de danos fsicos ambientais e, em seguida, identificar o efeito do dano fsico (decrscimo de E) em certo nvel de produo especfico.

    Um exemplo de DR so as que relacionam o nvel de poluio da gua (Q) que afetam a qualidade da gua (E) que, por sua vez, afeta a produo pesqueira (Z). Outro exemplo, o nvel de uso do solo (Q) que afeta a qualidade do solo (E) e, assim, afeta a produo agrcola (Z)11. Determinada a DR, possvel, ento, estimar a variao do dano em termos de variao no bem ou servio ambiental que afeta a produo de um bem.

    Funes de danos podem, contudo, apresentar mais dificuldades que as funes tecnolgicas de produo, na medida em que as relaes causais em ecologia so ainda pouco conhecidas e de estimao bastante complexa. As relaes ecolgicas requerem estudos de campo mais sofisticados e a considerao de um nmero maior de variveis. Questes como resilincia e capacidade assimilativa no permitem a determinao de formas funcionais simples para as DRs e suas respectivas funes de produo.

    Dessa forma, antes de avaliar os vises estimativos do mtodo da produtividade marginal, examinemos os mtodos que recorrem a mercado de bens substitutos com procedimentos semelhantes ao da produtividade marginal.

    Ver Estudos de Caso 1, 2, 3, 4, 5, 9, 12 e 13.

    MTODOS DE MERCADO DE BENS SUBSTITUTOS

    FUNDAMENTAO TERICA

    Outros mtodos que utilizam preos de mercado, e na hiptese de variaes marginais de quantidade de Z devido a variao de E, podem ser adotados com base nos mercados de bens substitutos para Z e E. Estes mtodos so importantes para os casos onde a variao de Z, embora afetada por E, no oferece preos observveis de mercado ou so de difcil mensurao. Casos tpicos seriam aqueles em que Z tambm um bem ou servio ambiental

    11Ver Quadro 4

  • 18 - MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    consumido gratuitamente, ou as funes de produo e/ou dose-resposta no esto disponveis, ou ainda encerram um esforo de pesquisa incomensurvel.

    Por exemplo, um decrscimo do nvel de qualidade da gua Q das praias resulta em um decrscimo de uma amenidade E que um servio ambiental de recreao cuja cobrana pelo seu uso no existe ou limitada.

    Embora a proviso de E seja gratuita, a perda da sua qualidade ou escassez pode induzir ao uso de outros bens para realizar substituies de E. Ou seja, aumenta a demanda por substitutos perfeitos (S)12 de E. Substitutos perfeitos so aqueles em que o decrscimo de consumo de uma unidade pode ser compensado pelo uso de outro recurso por uma magnitude constante. Logo:

    Z = F(X,E+S) (10)

    Assim, para manter o produto de Z constante, uma unidade a menos de E ser compensada por uma unidade a mais de S. Logo a variao de E ser valorada pelo preo de S (PS) observvel no mercado.

    Esta substituio far com que os usurios incorram em um custo privado no consumo do bem substituto cS = PS.DE.

    Pensando numa firma como a usuria de E, existir na funo de lucro um custo cs que ser igual ao valor da produtividade marginal de E . Dessa maneira, o custo cs refletiria o valor de uso para firma derivado do recurso E.

    Da mesma forma, os indivduos nas suas funes de utilidade podem encontrar substitutos perfeitos para o produto Z que consomem quando sua disponibilidade se altera devido a variao de E. Logo:

    U(Z+S,Y1,...,Yn) (11)

    onde U(Z+S,Y1,...,Yn) denominada como uma funo de produo familiar e Y os bens da cesta de consumo familiar. No caso, U pode ser tambm expressa por uma funo de gastos (ou dispndios) familiar. Assim, reduzindo uma unidade de Z devido a DE, o valor de uma unidade de Z ser PS. Neste caso:

    VEE = pS U / E (12)

    Portanto, existir um cs positivo na funo de gastos dos indivduos equivalente a pSDZ. Note que estes mtodos tambm admitem que variaes de E ou Z no alteram preos dos seus substitutos e, portanto, no induzem a variaes do excedente do consumidor e produtor (ver Estudo de Caso 12).

    Dessa forma, com base em mercados de bens substitutos podemos generalizar trs mtodos que so normalmente de fcil aplicao, como segue:

    Custo de reposio: quando o custo cs representa os gastos incorridos pelos usurios em bens substitutos para garantir o nvel desejado de Z ou E. Por exemplo: custos de reflorestamento em reas desmatadas para garantir o nvel de produo madeireira; custos de reposio de fertilizantes em solos degradados para garantir o nvel de produtividade

    12Isto , com elasticidade de substituio infinita.

  • Ronaldo Seroa da Motta - 19

    agrcola; ou custos de construo de piscinas pblicas para garantir as atividades de recreao balneria quando as praias esto poludas. (ver Estudo de Caso 9)

    Gastos defensivos ou custos evitados: quando cs representa os gastos que seriam incorridos pelos usurios em bens substitutos para no alterar o produto de Z que depende de E. Por exemplo: os gastos com tratamento de gua (ou compra de gua tratada) que so necessrios no caso de poluio de mananciais; os gastos com medicamentos para remediar efeitos na sade causados pela poluio; ou gastos de reconstruo de reas urbanas devido a cheias de rios causadas por excesso de sedimentao em virtude da eroso do solo. (ver Estudo de Caso 13)

    Custos de controle: danos ambientais poderiam ser tambm valorados pelos custos de controle que seriam incorridos pelos usurios para evitar a variao de E. Por exemplo, quanto as empresas ou famlias deveriam gastar em controle de esgotos para evitar a degradao dos recursos hdricos. Estes custos poderiam ser considerados como investimentos necessrios para evitar a reduo do nvel de estoque do capital natural. Este mtodo mais empregado em contas ambientais associadas s contas nacionais de forma a representar investimentos necessrios para compensar o consumo de capital natural (ver Quadro 5).

    Note que a hiptese de substitutibilidade assume a existncia de substitutos perfeitos que encerram a mesma funo do recurso ambiental. Esta possibilidade, entretanto, difcil de ocorrer no mundo real e bens e servios privados sero substitutos apenas de algumas caractersticas dos bens e servios ambientais. No caso das praias poludas, por exemplo, os valores estimados por estes mtodos poderiam ser investimentos em piscinas pblicas, ou gastos defensivos para evitar doenas de veiculao hdrica, ou mesmo investimentos em atividades de controle da poluio. Em todos os casos acima, a hiptese de substituio perfeita no se aplicaria.

    Mesmo que isto seja possvel, se E somente captura alguns bens e servios ambientais que representam algumas parcelas do valor do meio ambiente, ento S tambm refletir estas parcelas. Ou seja, muito difcil identificar um substituto perfeito de recursos ambientais, mesmo por investimentos em reposio. Conseqentemente, o uso de mercados de bens substitutos pode induzir a subestimaes do valor econmico do recurso ambiental.

    Uma outra variante do mtodo de bens e servios privados substitutos o mtodo do custo de oportunidade. Este mtodo mensura as perdas de renda nas restries da produo e consumo de bens e servios privados devido s aes para conservar ou preservar os recursos ambientais. Observe que este mtodo simplesmente indica o custo econmico de oportunidade para manter o fluxo de E, isto , a renda sacrificada pelos usurios para manter E no seu nvel atual. Por conseguinte, este mtodo amplamente utilizado para estimar a renda sacrificada em termos de atividades econmicas restringidas pelas atividades de proteo ambiental e, assim, permitir uma comparao destes custos de oportunidade com os benefcios ambientais numa anlise de custo-benefcio.

    Observe que o mtodo do custo de oportunidade no valora diretamente o recurso ambiental, mas, sim, o custo de oportunidade de mant-lo. Por exemplo, no inundar uma rea de floresta para gerao de energia hidroltrica significa sacrificar a produo desta energia, ou criar uma reserva biolgica significa sacrificar a renda que poderia ser gerada por usos agrcolas nesta rea. (ver Estudos de Caso 1, 8 e 12).

  • 20 - MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    VISES ESTIMATIVOS DOS MTODOS DE FUNO DE PRODUO

    Cobertura do valor econmico O valor de E quando identificado como insumo, dado pela expresso (7), consegue apenas refletir as variaes de produo de Z quando E varia. Ou seja, apenas capta os valores de uso direto e indireto que E oferece para a gerao do fluxo de produo de Z. Assim, valores de opo e existncia no podem ser capturados com este mtodo. Dessa forma, o mtodo de produtividade subestima o valor correto de E nos casos onde valores de opo e existncia so positivos.

    Quando mercados de bens substitutos so utilizados, a possibilidade de perfeita substituio determinar a cobertura das parcelas do valor de opo, embora o valor de existncia no seja tambm captado uma vez que se admite substituio.

    Mensurao das variaes de bem-estar Se a variao de E altera os preos pZ e pX, ento ocorrero ajustes em outros setores que resultaro em variaes no excedente do consumidor de Z, e seus bens substitutos ou complementares, e tambm no excedente do produtor de quem utiliza X e seus bens substitutos ou complementares. Tais ajustes, em outros mercados, somente seriam possveis de identificao em modelos de equilbrio geral que requerem uma alta sofisticao estatstica e de base de dados. Assim, existindo evidncias de alteraes significativas de preo, o mtodo de produtividade determinar valores incorretos de E, em termos de variao de bem-estar, que podero estar tanto subestimados como superestimados, dependendo da magnitude e sinal das variaes de excedente.

    Qualidade das estimativas O preo de mercado de Z ou X pode no ser uma boa medida do custo de oportunidade de Z ou X, ou seja, o respectivo preo de eficincia. Portanto, o valor da produtividade marginal de E pode estar incorreto mesmo para captar valores de uso. Neste caso, o vis estimativo depender do nvel de distoro existente na formao do preo de Z e X. A correo deste vis no elimina os vises acima, mas permite uma estimativa mais correta do valor de uso (ver Quadro 3).

    RESUMO E RECOMENDAES

    Os mtodos de preo de mercado de variaes marginais analisados nesta seo aplicam-se, na maioria das vezes, de maneira muito simples. A utilizao de preos de mercado garante uma medida mais objetiva do valor econmico do recurso ambiental para o pblico em geral, uma vez que representam valores reconhecidos no mercado. Talvez seja este o motivo da maior utilizao destes mtodos e tambm da sua predileo em meios profissionais que lidam com valorao ambiental. No entanto, as estimativas que estes mtodos oferecem no esto livres de restries.

    A limitao mais importante seria a no cobertura de valores de opo e existncia. Todavia, vale ressaltar que, em vrios casos, a simples identificao de valores de uso permite ao analista descartar ou ajustar decises de investimento que gerem um uso mais eficiente do recurso ambiental em anlise. Para isso, entretanto, h que se conhecer com preciso as relaes entre atividades econmicas e meio ambiente.

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    Mesmo quando as funes de produo e dose-respostas so bem estimadas, identificam-se vises estimativos importantes que apontam para a necessidade de se considerarem ajustes de mercado - alterao de preos e quantidades consumidas. Embora variaes de preo e quantidade possam e devam ser melhor captadas com modelos de equilbrio geral, que avaliam os efeitos intra-setorias na economia devido alterao de pontos de equilbrio em um determinado mercado, as estimativas das variaes de bem-estar dependero da introduo de medidas de excedente do consumidor com base na disposio a pagar e a aceitar. Esta ser a questo central dos mtodos apresentada a seguir.

    QUADRO 3

    CORRIGINDO PREOS DE MERCADO

    Vamos analisar casos comuns de distores de preos de mercado que podem ser facilmente corrigidos.

    Suponha que a distoro no mercado de Z seja devida a impostos e subsdios que no representam custos econmicos, mas, sim, transferncias de renda. Logo, uma aproximao do preo eficincia de PZ (PZ*) ser dado por:

    PZ* = PZ / [(1-s)(1+t)]

    Onde t taxa de imposto (de importao, de consumo, etc) e s a taxa de subsdio (a exportao, de crdito, etc).

    Por exemplo, considerando t como a taxa efetiva de importao (que inclui tarifas e outras despesas de importao no-tarifrias), a expresso acima refletir uma aproximao do preo de importao. Isto , o preo internacional de Z praticado pelo pas (preo de fronteira CIF) que refletir com mais preciso o custo de oportunidade de Z.

    Outra possibilidade ser que o produtor de Z seja monopolista e ajuste preos de acordo com a receita marginal a cada nvel de produo. Nesse caso a expresso do valor econmico de E seria:

    VEE = Rmg F/E

    A receita marginal pode ser expressa em funo da elasticidade preo da demanda (h):

    Rmg = PZ (1-1/hh)

    Note que mesmo adotando Rmg, ao invs do preo de mercado PZ, h que se medir s variaes do excedente do consumidor realtivos s variaes de preo.

    Assim, os mtodos de funo de produo so ideais, principalmente para valoraes de recursos ambientais, cuja disponibilidade, por serem importantes insumos da produo, afeta o nvel do produto da economia.

    Embora o mtodo da produtividade marginal oferea indicadores monetrios bastante objetivos e com base em preos observveis de mercado, o analista deve ter cuidado para que as mensuraes, aparentemente triviais, no se tornem enviesadas e vazias de contedo econmico. Para evitar tais situaes, recomenda-se:

    1.Analisar se o preo de mercado do bem ou servio privado, o qual est sendo utilizado para a valorao, reflete o seu custo de oportunidade (preo-sombra). Caso no reflita, realizar os ajustes de forma a corrigir estes preos.

  • 22 - MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    2. Determinar o impacto em termos de produo, devido variao da disponibilidade do recurso ambiental, para avaliar a hiptese de preos inalterados. Caso existam evidncias sobre significantes alteraes de produto que afetariam o nvel de preo, o analista deve procurar avaliar possveis variaes do excedente do consumidor;

    3. Avaliar criteriosamente a confiabilidade das funes de produo e de dano e da base de dados que sero utilizadas. Evitar utilizar em um local as funes estimadas para um outro local, dado que as condies ambientais ou de oferta de recursos ambientais so quase sempre distintas. Note que cada funo reflete a tecnologia local e sua base de recursos ambientais.

    4. Oferecer uma dimenso clara e especfica da parcialidade das estimativas dos valores de uso estimados em relao a outros valores de uso e no-uso que fazem parte do valor econmico total, mas que no foram estimados.

    5. Realizar, sempre que possvel, anlises de sensibilidade com parmetros que afetam os resultados.

    MTODOS DE FUNO DE DEMANDA

    Os mtodos de funo de produo analisam casos onde o recurso ambiental est associado a produo de um recurso privado e geralmente assumem que as variaes na oferta do recurso ambiental no alteram os preos de mercado. Os mtodos de funo de demanda, por outro lado, admitem que a variao da disponibilidade do recurso E altera o nvel de bem-estar das pessoas e, portanto, possvel identificar as medidas de disposio a pagar (ou aceitar) das pessoas em relao a estas variaes. Identificada a funo de demanda D para E , o valor econmico de uma variao de E seria dada pela variao do excedente do consumidor (DEC), tal que:

    DDEC DdpP

    P==

    1

    2

    (13)

    onde p1 e p2 so as medidas de disposio a pagar (ou aceitar) relativas a variao da disponibilidade de E.

    Duas variantes deste mtodo podem ser generalizadas: mtodos dos bens complementares (preos hednicos e custo de viagem) e mtodo da valorao contingente.

    MTODOS DE MERCADOS DE BENS COMPLEMENTAR ES

    FUNDAMENTAO TERICA

    Da mesma forma que mercados de bens e servios privados substitutos a bens e servios ambientais podem oferecer medidas de valor de uso dos recursos ambientais quando estes representam a produo de um bem de demanda final que no tem preo observvel, tambm mercados de bens e servios privados complementares a bens e servios ambientais podem ser utilizados para mensurao do valor de uso de um recurso ambiental.

    Bens perfeitamente complementares so aqueles consumidos em propores constantes entre si. Dessa forma, uma anlise que recorra aos mercados destes bens ou servios privados complementares pode gerar informaes sobre a demanda do bem ou servio ambiental relacionado com estes. Se um bem um complementar perfeito a outro bem, seu valor ser

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    zero se a demanda pelo outro bem for zero. Ou seja, existe uma funo utilidade onde X um vetor de quantidades de bens privados e Q o bem ou servio natural no valorado no mercado complementar a X, na seguinte forma:

    U = U(Q,X) (14)

    Maximizando U sujeito a restrio oramentria Y=PX, permite que diversos pontos da

    demanda individual de Xi em X sejam identificados, tal que:

    Xi = Xi (P,Q,Y) (15)

    Como Q influencia a demanda ordinria de Xi, ento, estimando a demanda de Xi para vrios nveis de Q, possvel estimar indiretamente a demanda de Q. Da medidas de variao do excedente do consumidor marshalianas de variaes de Q para Q podem ser estimadas como a rea entre as curvas de demandas Xi(P,Q,Y) e Xi(P,Q,Y).

    Entretanto, conforme veremos estas transformaes no so triviais e, portanto, vamos discutir dois mtodos com base neste fundamentos tericos.

    MTODO DE PREOS HEDNICOS13

    FUNDAMENTAO TERICA

    A base deste mtodo a identificao de atributos ou caractersticas de um bem composto privado cujos atributos sejam complementares a bens ou servios ambientais. Identificando esta complementaridade, possvel mensurar o preo implcito do atributo ambiental no preo de mercado quando outros atributos so isolados.

    O exemplo mais associado valorao ambiental relativo aos preos de propriedade. Diferentes unidades de propriedade tero diferentes nveis de atributos ambientais (qualidade do ar, proximidade a um stio natural, etc) e, portanto, se estes atributos so valorados pelos indivduos, as diferenas de preos das propriedades devido diferena de nvel dos atributos ambientais devem refletir a disposio a pagar por variaes destes atributos.

    Generalizando, suponha que um bem composto privado X tenha uma oferta perfeitamente inelstica, de forma que a oferta no varia quando o preo varia. Se a demanda por E, um bem ou servio ambiental complementar a X, aumenta ento aumentar tambm a demanda por X. Conseqentemente, como a oferta perfeitamente inelstica, todo aumento de oferta ser capitalizado no preo de X. Isto , alteraes de E alteram preos e no quantidades.

    Este mtodo permite avaliar o preo implcito de um atributo ambiental na formao de um preo observvel de um bem composto. Seja P o preo de uma propriedade, que pode ser assim expresso:

    Pi = f (ai1,ai2,...,Ei) (16)

    Onde ai representa os vrios atributos da propriedade i e Ei representa o nvel do bem ou servio ambiental E associado a esta propriedade i.

    13Ou tambm, o mtodo do preo implcito.

  • 24 - MANUAL PARA VALORAO ECONMICA DE RECURSOS AMBIENTAIS

    QUADRO 4 VALORANDO O CUSTO DA EROSO DO SOLO

    As perdas de produtividade e impactos externos negativos resultantes da eroso do solo fazem parte do custo social da produo agropecuria. Entretanto, estes custos so muitas vezes negligenciados pelos produtores e pelo poder pblico. Isto ocorre, em parte, pelo fato das consequncias da degradao do solo serem, em muitos aspectos, desconhecidas, s vezes indiretas ou difusas, e perceptveis somente em longos perodos de tempo. Uma das causas mais importantes o fato desses custos no serem totalmente refletidos nos preos de mercado dos insumos e produtos agrcolas, sendo assim facilmente negligenciados na tomada de deciso tanto privada como pblica. A mensurao dos custos da eroso do solo aparece, neste contexto, como um importante instrumento para a conscientizao quanto a n