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Departamento de Sociologia
MAPEAMENTO DE CASAS DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA NO
RIO DE JANEIRO
Aluna: Ana Luzia de Oliveira Moreira Guimarães
Orientadora: Sônia Maria Giacomini
Introdução
O presente relatório tem por objetivo reunir os pontos mais relevantes do trabalho de
pesquisa desenvolvido ao longo de dois anos, no período de julho de 2009 a julho de 2011. A
pesquisa Mapeamento de Casas de Religiões de Matriz Africana no Rio de Janeiro surge
respondendo a uma demanda advinda do social e sua intrincada teia de relações; sua pertinência é
justificada ao mesmo tempo em que se investiga e elucida os mecanismos de estruturação e as
conseqüências da atuação do fenômeno social que a ocasionou: a intolerância religiosa. A
intensidade das tensões sociais conformadoras de tal fenômeno no seio de nossa sociedade é
exacerbada no fim do século XX, com o surgimento de grupos neopentecostais que rapidamente
ganharam terreno e influência, encabeçados pela precursora Igreja Universal do Reino de Deus.
Além de reorganizar o cenário religioso brasileiro, a atuação dessas igrejas neopentecostais vem
reforçando o preconceito em relação às religiões de matriz africana, preconceito esse que em
muitas ocasiões se confunde com o racial. Na disputa por adeptos – em sua grande maioria
provenientes de uma mesma classe social desprivilegiada – , esse tipo de protestantismo lança
mão de uma estratégia que mistura a identificação de todo o mal às entidades afro-religiosas com
uma teologia da “Guerra Espiritual”.
Como resposta à intensificação da intolerância, entidades e instituições das religiões
afrodescendentes têm se organizado na reivindicação de cidadania; desta forma o fenômeno da
intolerância religiosa tem sido um impulsionador da maior visibilidade dessas religiões, que por
tanto tempo permaneceram recônditas, ou acessíveis apenas sob um falso sincretismo. A atual
pesquisa pode ser considerada um exemplo dessa reação. Tendo sido iniciada em 2008, conta
com a participação de membros da academia e de um conselho de quatorze autoridades do
candomblé e da umbanda, o Conselho Griot, e pretende cadastrar casas de todas as tradições
religiosas afro-brasileiras localizadas no Estado do Rio de Janeiro, dando visibilidade ao conjunto
formado e sua territorialidade.
Com a incumbência de oferecer resistência as atitudes religiosas intolerantes, bem como
possibilitar a construção de políticas públicas que sirvam ao avigoramento e desmarginalização
das religiões de matriz africana, a pesquisa apresenta duas formas de atuação complementares: a
visita de pesquisadores aos espaços para a “cartografia social”, com a aplicação de um
questionário, e a reflexão teórica sobre o campo religioso brasileiro. O trabalho de campo
realizado pelo mapeamento tem como função dar visibilidade para as casas e divulgar a pesquisa
para que mais casas possam ser mapeadas. A reflexão teórica sobre fenômeno da intolerância
religiosa aqui proposta, além da leitura e discussão dos textos teóricos sobre o tema, voltou-se
nos últimos meses para uma abordagem inicial dos registros de intolerância que constam nos
questionários aplicados pela equipe de pesquisa do Mapeamento de Casas de Religiões de Matriz
Africana no Rio de Janeiro. O presente relatório é resultado dessa segunda parte da pesquisa, de
reflexão teórica, que tem como orientadora a professora Sônia Giacomini e como bolsista de
iniciação científica a aluna de graduação Ana Luzia de Oliveira Moreira Guimarães.
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Observações sobre o desenvolvimento da pesquisa
No que tange à caracterização do debate acadêmico já consolidado acerca da religiosidade
brasileira, essa parte da pesquisa foi dedicada à leitura, interpretação e discussão de textos
acadêmicos, artigos, monografias, teses e ensaios que tratassem sobre o tema do campo religioso
brasileiro. Destarte, as leituras selecionadas versavam tanto sobre candomblé e umbanda, quanto
sobre igrejas neopentecostais. Os fichamentos e resenhas produzidos foram de grande auxílio,
assim como o foram as discussões engendradas a partir das leituras. As reuniões com o grupo de
pesquisadores de campo foram significativas, pois demonstravam, com base na experiência
empírica, as características estudadas através dos livros, usos e costumes, cosmovisões e
organizações hierárquicas, entre outros aspectos. A participação em eventos públicos, como o I
Seminário Estadual de Combate à Intolerância Religiosa – em 18 de dezembro de 2009 –, o
Seminário “Herança Cultural Jeje-Nagô no Brasil” – em 18 de julho de 2011 – foram de suma
importância, de modo que deixavam entrever a inserção do tema da pesquisa na sociedade, a
mobilização e participação política, tanto das autoridades governamentais como dos cidadãos
participantes.
No que respeita à análise de questionários, busca-se apresentar resultados conclusivos que
possibilitem identificar alguns contornos do campo afro-religioso no Estado do Rio de Janeiro. A
análise de questionários d uma certa maneira corporifica a pesquisa, uma vez que, através da
observância dos relatos transcritos pelos pesquisadores de campo sobre os casos de intolerância
religiosa, dá-se voz e face a personagens que aparecem na maioria das vezes apenas como
números. A análise dos questionários foi resultado de um processo no qual os critérios de
classificação procuraram estar em consonância com o campo e a terminologia utilizados. Os
questionários foram analisados a partir de uma tipologia, nascida do próprio processo de análise:
a repetição de aspectos, ou a não-repetição, possibilitou estabelecer certos padrões através dos
quais o material foi organizado. Nesse momento da pesquisa, a importância das leituras avultou-
se: a familiarização com o tema e o diálogo entre teoria e realidade foram os aspectos
possibilitadores para o estabelecimento de hipóteses e algumas incipientes conclusões.
Do calundu ao candomblé: a formação do campo religioso afro-brasileiro
No intuito de analisar a formação do espaço religioso brasileiro, faz-se pertinente a
caracterização da formação das religiões de matriz africana. Fazendo uma digressão até seus
primórdios, é profícua a apresentação de um panorama sobre a formação do candomblé; por ser a
primeira religião de matriz africana a ser formada no Brasil, ela serviu de raiz da qual as demais
religiões afrodescendentes puderam se erigir, amalgamando elementos diversos de outras
crenças, indígenas e européias, formando religiões genuinamente brasileiras.
Para tanto, será caracterizada a formação de dois grupos distintos, que hoje exercem grande
influência entre os adeptos do culto às entidades do candomblé: a nação bantu e a nação jeje.
Partindo do pressuposto de que esses processos – no que concerne à formação de instituições e
organizações públicas a partir do século XIX – figuram a dupla posição de causa e conseqüência
da reafricanização da cultura brasileira, dois trabalhos serão utilizados como ilustração desse
movimento.
Robert Slenes apresenta um trabalho sobre a formação de uma identidade banto entre os
escravizados no centro-sul do território brasileiro. Seu argumento parte da afirmação de que entre
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o final do século XVIII até meados do XIX o trafico de escravizados direcionou para essa região
contingentes populacionais advindos da África Central. Através de estudos de carácter
lingüístico, o autor descreve uma unidade lingüística dessa região africana. Transcrevendo as
palavras de um pesquisador e lingüista britânico estudioso de África no século XIX, Slenes
descreve “a existência de uma única grande família lingüística em toda a África ao Sul do
Equador” (SLENES, 1992, p.50)
Slenes afirma que a semelhança entre essas línguas possibilitou que “cativos de diversas
etnias centro-africanas, destinados ao Brasil” pudessem “entender-se entre si” (ibid., p.51).
Analisando diversos estudos, fontes de época, o autor ressalta que a extensão dessa cumplicidade
lingüística era grande, abrangendo a áfrica central e regiões mais ao sul, como Moçambique. Essa
cumplicidade estendia-se a outros aspectos: “os escravos da África banto podiam encontrar-se,
através das palavras, não apenas no mesmo „barco‟ semântico, mas no mesmo „mar‟
ontológico” (ibid., p.52). Existiam, segundo ele, “grandes afinidades entre as culturas de uma
região extensa da África Central, no que diz respeito a suas pressuposições básicas sobre
parentesco e suas visões cosmológicas” (ibid., p.58). Elementos fundamentais à religião eram
então compartilhados por essas diferentes populações, bem como trocas interétnicas entre elas,
cuja “capacidade de criar novos símbolos e de reinterpretar o sentido de objetos e rituais
„estrangeiros‟” (idem) foram os fatores possibilitadores da criação dessa comunidade “bantu”,
que doravante irá se enraizar na cultura através da grande nação do candomblé, em decorrência
da “presença de uma consciência religiosa nitidamente centro-africana” (ibid., p.65). Slenes
ressalta que essa identidade comum pôde acontecer através da palavra, muito impulsionada pela
solidariedade engendrada pela lancinante condição de escravizados. Dessa forma, os escravizados
de origem “bantu” utilizavam essa cumplicidade lingüística como código contra os dominantes,
utilizando termos africanos, ou termos brasileiros sob uma lógica africana comum; essa
identidade ao longo do tempo “havia tomado feições políticas” (idem), formando muitas vezes
uma “interlíngua”, a saber, uma língua franca.
Através desses estudos, o autor chega à conclusão de que o tráfico de escravizados e a
condição diaspórica desses africanos foi promovedora de encontros que revelaram a África aos
africanos: “Ao mesmo tempo em que as vias de acesso à nova sociedade provavelmente não lhes
pareciam muito abertas, os africanos no Brasil viam suas ligações com seu continente de origem
constantemente renovadas pelo tráfico” (ibid., p.56). Africanos aqui chegados podiam rever os
rostos negros tão familiares, como também conhecer outros tons do mesmo negror, outras
culturas negras, outros tambores e palavras mágicas, conformadores de uma identidade africana
mais generalizada.
O segundo trabalho versa sobre grupos procedentes de outra região africana, geradores de
um tipo de crença afrodiaspórica. Elegendo como objeto de estudo os povos de línguas gbe e
iorubá da África Ocidental, Parés se dispõe a falar sobre a formação de uma outra identidade
entre os escravizados no Brasil: a identidade jeje. Esta é desenvolvida por povos provenientes do
Golfo do Benin, do Rio Volta ao Rio Níger, áreas que vão do atual Gana à Nigéria. Reproduzindo
as palavras da antropóloga Claude Lepine, o autor descreve que a área sobrecitada “„constitui
uma grande área cultural, onde podem ser observadas marcantes semelhanças ao nível das
instituições sociais e políticas, dos costumes, das práticas e crenças religiosas.‟” (PARÉS, 2006,
p.31). Essa semelhança provém, conforme nos informa o autor, de um passado de “„migrações e
contactos‟”. Parés nos inicia numa complexa rede de denominações que ele apresenta dividindo
o conceito de denominação: “distinguir entre denominações „internas‟, utilizadas pelos membros
de um determinado grupo para identificar-se, e denominações „externas‟, utilizadas, seja pelos
africanos ou pelos escravocratas europeus, para designar uma pluralidade de grupos
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inicialmente heterogêneos” (ibid., p.25); essa distinção é conceituada como “etnômio” e
“denominação metaétnica”, respectivamente.
Parés afirma que na Bahia, a denominação jeje se referia aos povos advindos do reino de
Daomé (atual Benin). Essa denominação configurava a priori um etnômio, posto que se referia a
um grupo minoritário, que se localizava na região que hoje é a cidade de Porto Novo, capital
litorânea do Benin. Por conta do Tráfico, essa denominação torna-se metaétnica, uma vez que
passa a englobar uma diversidade de grupos territorialmente diferenciados, inclusive os nagôs.
Essa denominação, que se referia à etnicidade, com o passar do tempo define religiosidade. Com
a perda da função operacional que essas denominações ofereciam aos dominantes por conta do
fim do tráfico em meados do XIX, elas encontram espaço para a sobrevivência entre os
escravizados, como parte de uma dinâmica de diferenciação entre eles. Isso porque as etnias
falantes da mesma língua e com traços culturais semelhantes passam a se organizar em torno de
práticas ritualísticas religiosas em comum. Isto posto, “as práticas de carácter religioso
conhecidas como calundus, e depois como candomblés, foram um dos espaços de contraste e
diferenciação dos mais importantes para a demarcação dos limites das diversas nações
africanas” (ibid., p.101)
O conceito de nação [1]
passa então a se definir não mais por uma mesma terra de origem ou
ascendência comum; ele simboliza “o padrão ideológico e ritual dos terreiros de candomblé da
Bahia” (ibid., p.102). O laço por parentesco se perde, e instaura-se o “parentesco pelo santo”.
Parés define seu conceito de religião: “aquele conjunto de práticas que estabelecem uma
interação entre „este mundo‟ (dos humanos) e o „outro mundo‟ invisível, habitado (geralmente)
por uma série de „entidades espirituais‟ responsáveis pela sustentabilidade da vida” (ibid.,
p.104), sendo o processo ritualístico o mediador dessa interação. Com essa noção de religião, o
autor vai buscar em África a base da institucionalização das religiões dos povos que lá viviam,
para que se possa entender como essas religiões serão institucionalizadas em solo brasileiro.
Nos transportando no tempo e além-mar, Parés chega ao remoto reino de Uidá. Apresenta-
se então um sistema religioso complexo, com um panteão bem definido, com práticas e espaços
ritualísticos fixos, hierarquias sacerdotais, um conjunto de princípios coeso e um considerável
número de devotos. As entidades cultuadas, além dos ancestrais, eram entidades da natureza,
como as árvores, o mar e a serpente. Responsáveis por manter o bem estar em tempos difíceis,
eram invocadas através de sacerdotes para curar doenças, para uma boa colheita, para fazer
chover, restabelecer a saúde, entre outras demandas. O corpo sacerdotal, tendo o monopólio do
saber necessário para se conectar com essas entidades, era privilegiado e respeitado, obtendo
assim a fonte para sua subsistência e também ótima relações com os reis e os chefes dos clãs. A
religião era elemento de coesão social e fonte de autoridade moral, e através desse “pacto
social”, figurava também um aparato de trocas econômicas relevantes: “a instituição do culto de
voduns, baseada em oferendas às divindades e em processos de iniciação dos devotos, encobre
uma dinâmica de troca de recursos econômicos que justifica a sua existência e perpetuação; e
esse fato não difere muito de certa dinâmica inerente aos cultos de voduns contemporâneos,
tanto no Benim como no Brasil” (ibid., p.106). Com essa digressão ao passado do Benin o autor
chega à conclusão de que “certas sociedades da África ocidental, especialmente aquelas
localizadas perto do litoral, desenvolveram progressivamente complexas instituições religiosas,
[1]
Para uma definição do conceito de nação ver: Luis Nicolau Parés. “Entre duas costas: nações, etnias, portos e
tráfico de escravos”, in: A formação do candomblé – História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: ed.
UNICAMP, 2006.
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fundamentais para sua organização sóciopolitico-economica, e, portanto, „centrais‟ no sistema
de relações sociais.” (idem)
Com a diáspora, os africanos que chegaram aqui no Brasil trouxeram em forma de memória
e vivências passadas seus cultos, porém estes vieram desprovidos das instituições sociais que lhe
davam fundamento. A constituição da comunidade de cultos de matriz africana é a construção
dessas instituições, através de fragmentos culturais amalgamados: “a formação de uma sociedade
afro-brasileira só se deu quando se reconstituíram novas instituições ou, nas palavras de
Bastide, com a criação de estruturas sociais complexas (infra-estruturas) que acomodassem as
múltiplas culturas africanas (superestruturas) trazidas por indivíduos ou grupos escravos”
(ibid., p.109). A reinstitucionalização das religiões africanas no Brasil passa por diferentes
momentos; da congregação de negros em irmandades católicas, passando pelo calundu, chega-se
ao candomblé.
O autor apresenta o calundu como a prática que antecede o candomblé, no que diz respeito
à complexidade institucional. Esse termo foi amplamente utilizado ao longo do século XVIII para
designar “atividades religiosas de várias índoles, porém de origem africana, em oposição às
práticas católicas ou ameríndias.” (ibid., p.115). O “calunduzeiro” era um ente móvel,
normalmente uma só pessoa que, atribuída de poderes mágicos, atendia pessoas na incumbência
de curar ou adivinhar. A partir do momento em que esses “calunduzeiros” passam a se organizar
minimamente em torno de práticas rituais coletivas que envolviam mais pessoas do que o
“mágico” e o consulente, a partir do culto de ídolos com a presença de altares é que se tem a
necessidade da criação de lugares fixos para esses cultos, portanto, inicia-se a formação e
consolidação do candomblé. O autor atribui essa mudança à presença do elemento jeje-nagô;
partindo da proposição de que “as bases da organização de tipo „eclesial‟, que permitiram a
formação das congregações extradomésticas descritas acima, encontram antecedentes nas
tradições dos grupos vindos da África ocidental, e, muito especialmente, dos jejes.” (ibid.,
p.119), Parés chega a seguinte conclusão: “Foi provavelmente a partir dessa tradição da África
Ocidental, em oposição às tradições congo-angola, mais baseadas nas atividades individuais dos
curadores-adivinhos, que se organizaram os primeiros cultos domésticos, em „casas e roças‟,
com uma estrutura social e ritual mais complexa” (ibid., p.116).
Assim Parés apresenta a formação do candomblé no Brasil. A comparação entre sua
apresentação sobre os grupos de língua gbe e yorubá com a exposição feita por Slenes dos povos
de língua banto reforça nossa tese inicial de que a reafricanização da cultura brasileira é causa e
conseqüência da formação das religiões de matriz africana, a começar pelo candomblé. A escolha
das fontes, ou ainda, a possibilidade documental que se mostra disponível para a reflexão de tais
autores sobre essas religiões no Brasil é reveladora de um outro aspecto crucial para o
entendimento do cenário religioso brasileiro atual. A maioria das fontes utilizadas são inquéritos
policiais, registros de prisões e sentenças judiciais, fato que releva a perseguição e
marginalização das quais esse segmento religioso sempre foi vítima.
Hédio Silva, especialista na questão da intolerância religiosa no que diz respeito à
legislação, chama atenção para a ineficácia da lei na atuação contra os abusos intolerantes. Em
seu artigo intitulado Notas sobre sistema jurídico e intolerância religiosa no Brasil, o autor se
posiciona a respeito da questão da intolerância religiosa no Brasil ser um dos aspectos das
relações raciais racistas, rechaçando a crença na neutralidade da lei na formação do modelo
nacional de tais relações. Associando a estrutura escravista à atuação da lei, o autor afirma que
“por muito tempo, incluído o século passado, a função da lei, especialmente da lei penal, como
também do sistema penal, não esteve totalmente dissociada do modelo de relações raciais e, por
extensão, do padrão religioso adotado pelos colonizadores e senhores de engenho.” (SILVA,
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p.304). O sistema jurídico de tradição romano-germânica adotado pelo Brasil desde seus
primórdios reservara regras de controle e subordinação de africanos escravizados.
Buscando apresentar um panorama histórico sobre o Direito brasileiro, Hédio Silva exibe as
Ordenações do Reino, sendo o Código Filipino a mais utilizada delas, na qual diversos artigos são
designados contra qualquer tipo de culto não-católico. Como exemplo, o autor cita o livro V das
Ordenações Filipinas, onde a heresia é criminalizada, bem como a feitiçaria e qualquer tipo de
festa ou baile organizado por escravizados. Já no Brasil império, o sistema legal, quando
destinado à população negra funcionava como uma catequese, cerceando sobremaneira qualquer
idéia de liberdade religiosa. Hédio afirma que a ênfase do código criminal era a repressão à
rebeldia negra, fosse ela de homens escravizados, livres ou libertos. Na sentenciação de um
crime, o status da pessoa negra mudava de acordo com sua posição e participação no fato
ocorrido : “sendo réu, era pessoa; sendo vítima, coisa.” (ibid, p.306). O autor chega à conclusão
de que “a história da empresa colonialista e do escravismo no Brasil confunde-se com a história
da subordinação do direito penal aos interesses dos senhores de engenho.” (ibid, p.308).
Com o fim da escravidão e a proclamação da República, a perseguição e criminalização aos
negros e seus cultos são levadas adiante. O código penal republicano operava em seus artigos “a
criminalização da capoeira, do curandeirismo e do espiritismo” (ibid, p. 309), sendo este último
descrito como a invocação de espíritos e bruxaria. O próximo código penal, outorgado em 1940,
modifica-se, não obstante mantendo a perseguição aos cultos afrodiaspóricos sob a alcunha de
curandeirismo e charlatanismo. O autor revela “a frequente associação feita pelo Judiciário entre
tais delitos e práticas religiosas de origem africana, vistas como insalubres, bárbaras e
primitivas” (ibid., p.315). Os cultos de origem africana sofreram desde o princípio com a atuação
da lei, com o direito penal e as próprias constituições nacionais como seus principais algozes.
É o que Hédio Silva tenta demonstrar apresentando um quadro histórico da relação Estado-
religião no Brasil. Desde as noções de religião de estado, com a proibição da construção de
templos não-católicos, até os tempos de idéias laicizadas, como o casamento de natureza civil e a
secularização de cemitérios, a perseguição aos cultos afrodiaspóricos seguiu inabalável. Prova
disto é o fato de que, mesmo depois da Carta de 1946, que prevê a imunidade tributária para os
templos religiosos, esta questão é ainda hoje ponto de conflito. Os templos afro-religiosos, antes
de conseguir a imunidade, tem de lutar para provar sua autenticidade, enquanto que qualquer
pessoa interessada em abrir uma igreja evangélica tem total liberdade para fazê-lo, vide a forma
epidêmica como se espalham igrejas de denominações várias ao longo de todo o vasto território
nacional. A Constituição de 1967, ao associar “o princípio da igualdade à proibição de
discriminação em razão de credo religioso” (ibid, p.312) abriu o caminho para o combate à
intolerância apenas na esfera da lei, no sentido de oferecer subsídios legais para a reação dos
praticantes, porém a sociedade continuou a operar com mecanismos preconceituosos, como deixa
entrever a Constituição de 1969: “assegurava ampla liberdade de crença, mas condicionava o
culto religioso à observância da ordem pública e dos bons costumes” (ibid, p.312). Adjetivações
como “desordem” e “maus costumes” eram freqüentemente atribuídas aos cultos de matriz
africana; daí a subordinação do funcionamento de tais cultos a permissões e registros frente a
secretarias de segurança pública e delegacias, como no caso do estado da Bahia, onde tais
medidas foram levadas à cabo até o ano de 1976, ou no estado da Paraíba, onde além de exigir
autorização da Secretaria de Segurança Pública, era exigido também a prova da sanidade mental
do responsável pelo terreiro, através de um exame psiquiátrico.
Mesmo após a laicização rigorosa do estado brasileiro através da Constituição de 1988, o
cenário de perseguição e ineficácia legal persiste até os dias atuais, como aponta o autor: “Na
cidade de São Paulo ainda hoje nenhum templo de candomblé tem assegurada a imunidade
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tributária, os ministros não conseguem obter a inscrição no sistema de seguridade social (na
qualidade de ministros religiosos) e os cartórios se recusam a reconhecer a validade dos
casamentos celebrados no candomblé.” (ibid, p.315). O estado laico revela-se nem tão laico
assim, como a permanência do ensino religioso sob a influência de segmentos religiosos cristãos
permite supor. Hédio Silva propõe o questionamento “da regulamentação da disciplina de
ensino religioso, a qual tem sido implementada nos Estados excluindo-se deliberadamente o
acompanhamento e participação das religiões afro-brasileiras; no estado do Rio de Janeiro, o
governo estadual contratou padres e pastores para ministrarem a disciplina nas escolas
públicas” (ibid., p.318).
Para Hédio, a intolerância religiosa está intrinsecamente relacionada com o racismo
fortemente entranhado na nossa sociedade. Destarte, o autor se propõe a demonstrar de que forma
os casos de intolerância religiosa podem ser autuados como crimes de racismo, através de sua
definição do conceito de etnia: “Etnia, uma categoria antropológica, refere-se a um conjunto de
dados culturais – língua, religião, costumes alimentares, comportamentos sociais – mantidos por
grupos humanos não muito distantes em sua aparência, os quais preservam e reproduzem seus
aspectos culturais no interior do próprio grupo, sem que estejam necessariamente vinculados
por nacionalidade comum, ainda que compartilhem um território comum” (ibid., p.317).
Informada por essa noção de etnia, a discriminação religiosa passa a conter aspectos de
discriminação étnica, logo, a aplicação da norma constitucional do crime de racismo tem
pertinência nesses casos.
Em suma, a apresentação dessas reflexões sobre o campo religioso afro-brasileiro nos
possibilita afirmar que sua formação representou a reconstituição de instituições africanas em
solo brasileiro, bem como a criação de religiões nascidas aqui. O processo de entretecer o que
havia sido esgarçado ao longo de um vasto oceano contou com a plasticidade dessas culturas,
abertas a novos usos e costumes, há muito familiarizadas com trocas interétnicas e com o apreço
pelo inaudito. Essa formação foi desde sempre acompanhada pelo preconceito, racismo e
discriminação, que resistiram à redemocratização e até hoje coabitam intimamente entre nós.
Ainda que a constituição de 1988 tenha mudado o estatuto legal das religiões de matriz africana,
existe “um hiato entre os direitos constitucionalmente deferidos e o cotidiano de violações de
direitos que vitimizam os templos e os ministros religiosos do candomblé” (idem). O que está em
jogo é a percepção de que a marginalização e discriminação das religiões de matriz africana
figuram um processo, cujo desenovelar paulatino garantiu sua enraização na sociedade brasileira.
O universo do Candomblé e o campo religioso afro-brasileiro
Uma vez caracterizada a formação dos cultos afrodiaspóricos no Brasil, é-nos pertinente
apresentar o campo religioso afro-brasileiro em suas especificidades e características. Fábio
Lima, em sua dissertação de mestrado, faz uma caracterização do candomblé e sua lógica
estrutural. A percepção de uma hierarquia fortemente instituída entre aqueles que detém o
monopólio do sagrado, a saber, os babalorixás e iyalorixás, e os leigos, os filhos de santo e fiéis, é
o aspecto que se apresenta de início. O equilíbrio dessa hierarquização é a relação dialética entre
expectativa e resultado. Sua constituição destaca-se na área urbana, sendo formado por agentes
religiosos, constituidores de um “corpo de sacerdotes”, fundamentado em tradições africanas. O
candomblé se consolidou em meados do século XIX, tecendo uma cooperação interétnica, tendo
um grupo de sacerdotes socialmente reconhecidos entres os negros e mestiços (escravizados e
libertos) da época.
O papel da liderança, atribuído aos pais e mães-de-santo, segundo Lima, cumpre uma
função pedagógica de transmissão e preservação dos preceitos sagrados e de uma ideologia
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própria que informa uma cosmologia de acordo com a mitologia de entidades ancestrais. Esta
ideologia informa ainda padrões e estilos de vida, usos e costumes do proceder cotidiano.
Detentores dos bens sagrados, estes sacerdotes são a autoridade inquestionável, cuja boa atuação
é medida “pela sua capacidade de manter a estabilidade, controlar os conflitos, de garantir o
recrutamento contínuo e evitar a deserção dos membros e da clientela” (LIMA, p.3); dessa
forma, a figura do sacerdote é indissociável do terreiro ao qual pertence.
O terreiro, espaço sagrado, é destinado à manipulação dos signos. É o local da
ressignificação, da criação de novas práticas rituais. Informado pelo conceito de Bourdieu de
“habitus” [2]
, o autor acredita referir-se o conceito de nação dentro do candomblé não só ao
território, mas ao conjunto ideológico de um habitus, aos diferentes ritos. Essa noção de
pertencimento proporciona ao negro afro-brasileiro a dupla identidade de brasileiro e de africano;
o devoto que se identifica com a herança da África pode se auto-denominar brasileiro e “nagô”,
ou “banto”, de acordo com sua herança ideológica, sabendo que esta advém de específicas
regiões deste continente. Seria um pleonasmo afirmar que essa identidade africana não equivale à
identidade do africano em si. Os processos históricos descritos pelos autores aqui utilizados
deixam bem claro que a idéia de África foi, para os africanos e seus descendentes, deveras
alterada no processo de diáspora. Partindo da noção de que a identidade é uma construção, e de
que essa construção na pós-modernidade revela inúmeras possibilidades de referência [3]
, é
possível afirmar que, ainda que essa identidade não corresponda a uma identidade baseada em
uma nacionalidade, corresponde a uma “identidade imaginada”, informada pela noção que os
afro-brasileiros tem de seu continente de origem. O terreiro representa então a territorialidade
transcendental, não refere-se apenas ao espaço geográfico e geométrico ocupado, representa
também o espaço metafísico, é o orum e o aiyé. É o território ancestral, por isso mesmo africano,
aonde os antepassados vêm e podemos revê-los e reverenciá-los.
A atuação dos pais e mães-de-santo foi fundamental para a manutenção dessa identidade
africana. Ao longo da tese, Lima apresenta a ortodoxia de alguns deles. O perigo da deturpação
dos cultos era motivo constante de preocupação, assim como o perigo do embranquecimento de
seu corpo de devotos. Sendo assim, os pais e mães-de-santo dos candomblés mais ortodoxos e
tradicionais da Bahia restringiam a entrada de brancos, condenavam o alisamento dos cabelos, e
buscavam de todos os modos se reafricanizar, mantendo forte identificação com a origem
africana. Nesse sentido, Martiniano Eliseu do Bonfim deve ser lembrado. Como nos narra Lima,
ele foi uma autoridade dentro da comunidade do povo-de-santo. Conhecido internamente como
Martiniano-Ojeladé, contribuiu em pesquisas acadêmicas como informante, chegando a trabalhar
com Nina Rodrigues. Esse ex-escravizado fez constantes viagens à África, mais precisamente à
Nigéria, buscando religar a cultura africana brasileira à propriamente africana.
Esse proceder faz relembrar as idéias de Hampaté Bâ a respeito da importância e
significado da tradição para os povos de origem africana. No livro intitulado História Geral da
África , coordenado por Joseph Ki-Zerbo, Hampaté Bâ escreve um artigo cujo nome é A Tradição
viva. Esse autor malinês se põe a dissertar acerca da história oral. Logo num primeiro momento,
denuncia a visão preconceituosa construída sobre os povos africanos, na qual estes seriam
ahistóricos e desprovidos de cultura, por não utilizarem a escrita. Desde então o autor procura
[2] é um conhecimento acerca da atuação, regras de conduta “inscritas no corpo”, é um funcionamento sistemático
do corpo estruturado no campo; são informações dadas a priori, que se estabelecem marcando o proceder do
indivíduo; funciona “como princípios geradores e organizadores de práticas e representações” . cf. Fábio Lima.
“Candomblé: na encruzilhada da tradição e da modernidade” p. 1, l.15 -22. [3] Para mais ver: Stuart Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: ed. DP&A,
2002. & Da Diáspora –Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: ed. UFMG/ UNESCO, 2003.
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desarticular essa idéia: “Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade
mais fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração para geração.(...) os próprios
documentos escritos nem sempre se mantiveram livres de falsificações ou alterações,
intencionais ou não” (BÂ, p.182). Desautorizando essa premissa espúria de uma memória de
papel, o autor afirma que “O que se encontra por detrás do testemunho, portanto, é o próprio
valor do homem que faz o testemunho, o valor da cadeia de transmissão da qual ele faz parte, a
fidedignidade das memórias individual e coletiva e o valor atribuído à verdade em uma
determinada sociedade” (idem). A despeito de uma busca de veracidade do relato histórico, para
Hampaté Bâ o que importa é a forma como cada sociedade qualifica a palavra e a história. Entre
os povos da África ocidental, a palavra se reveste de uma importância divina e espiritual, e a
história é a estória da família, se estrutura por genealogias e não por uma cronologia. A palavra é
ainda, elemento de coesão social: “Lá onde não existe a escrita, o homem está ligado á palavra
que profere. Está comprometido por ela. Ele é a palavra.” (idem).
Está aí a base para o entendimento da diferença filosófico-epistemológica entre os povos
africanos e os povos ocidentais; a tradição oral vivifica a história, oxigenando com o ar dos
próprios pulmões o relato histórico. Desconcertando o pensamento cartesiano e esquentando uma
memória tão fria quanto o papel que a resguarda, a oralidade profere um determinado ponto de
vista que se distingue do ocidental de maneira diametralmente oposta. Prova disso pode ser a
interpretação que podemos ter do conceito de tradição ocidental explanado por autores como
Hobsbawn, Peter Burke e E. P. Thompson [4]
. Ao longo da história, a tradição foi construída
como algo estático, morto, um dado do passado, informado somente pela história.
Completamente diferente da “tradição viva” de que nos informa Hampaté Bâ. Essa importância
da palavra realmente faz das tradições africanas tradições vivas, que, para garantir sua autoridade
e confiabilidade se movimentam, se reinventam e se retradicionalizam. Como deixa a entender o
depoimento de Pai Cido de Oxum, recolhido do seu livro A panela do Segredo e transcrito por
Lima em sua tese : “Nenhuma religião sobrevive se não acompanhar as mudanças que
acontecem no mundo, seja no campo social, tecnológico, cientifico etc. O Candomblé, para
sobreviver ao longo desses anos, teve que se modificar, e essa é uma realidade, embora alguns
prefiram negar.(...). Manter uma mentalidade arcaica não é sinônimo de seguir a tradição.(...) A
maquina que faz a massa do acarajé não muda a dedicação nem o amor do filho ou filha-de-
santo.” (LIMA, p.11-12)
Fábio Lima chega a uma conclusão bastante semelhante à de Slenes e Parés, em suas já
sobrecitadas obras. O tráfico de escravos tem duas conseqüências: desorganizador e desagregador
étnico e reorganizador, propulsor de “etnogêneses” americanas. Em África o culto ao orixá se
restringia ao seu território; no Brasil, diversos orixás de diferentes procedências são cultuados
num mesmo espaço, novas identidades se formam misturando antigas etnias. O autor também se
posiciona sobre a questão da tradição, através de tal definição, baseada em Sahlins: “um conjunto
de sistemas simbólicos que são passados de geração a geração, que tem carácter repetitivo.
Repetição significa atualização dos esquemas de vida.” (ibid, p.24). Dentro dessa concepção está
subentendida a idéia de que em toda mudança vê-se a persistência de alguma substância do que é
considerado antigo, partindo do pressuposto de que “o princípio da mudança se baseia no
princípio de continuidade” (idem). Desta forma, a categoria tradição pode ser entendida como
[4]
Cf. Eric Hobsbawm & Terence Ranger. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. Peter
Burke. Cultura Popular na Idade Moderna - Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.E. P.
Thompson. Costumes em comum: estudos sobre cultura popular tradicional. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
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“um meio prático de garantir a preservação calcado em modelos que podem ser histórias
míticas, reais e reinventadas” (idem). A tradição é o que foi, é o que se vive e o que deve ser
feito no futuro. A visão dinâmica sobre a tradição – de que “as tradições tendem a ter um
carácter orgânico: se desenvolvendo e amadurecendo, ou enfraquecendo e „morrendo‟” (ibid,
p.25) – opõe-se, segundo Lima, à visão tradicional do campo acadêmico do início do século XX,
“em termos de uma cultura inerte ao tempo, não dando conta da historicidade, da posição dos
sujeitos na estrutura do campo religioso e da subjetividade desses atores.” (idem).
Essa plasticidade e adaptabilidade da tradição nas religiões afrodiaspóricas é um marco
referencial de suma importância. A cosmologia de uma moralidade diametralmente oposta à
cristã e baseada numa fértil mitologia abre espaço para que muitas concepções de vida que se
afastam da lógica ocidental possam nela sobreviver. Desta forma, as religiões de matriz africana
atraem para o seu corpo de fiéis um grande contingente de grupos socialmente marginalizados.
Refletindo sobre a relação entre religião e homossexualidade, Marcelo Natividade e Leandro de
Oliveira, em seu artigo intitulado Religião e Intolerância à homossexualidade, afirmam que “os
cultos afro-brasileiros são retratados, de modo geral, como formas religiosas mais flexíveis
frente à homossexualidade” (NATIVIDADE & OLIVEIRA, p.265). Isto se dá, segundo os
autores, posto que “tanto a homossexualidade como os cultos de possessão apresentam práticas
sociais divergentes relativamente aos valores dominantes.” (ibid, p.266). A marginalidade dessas
religiões, somada às suas concepções próprias acerca do gênero – que identificam as
demarcações de masculino /feminino não necessariamente de acordo com o modo como essas
categorias são entendidas oficialmente – são associadas à posição marginal do homossexual em
nossa sociedade.
A classificação de gênero encontra no candomblé, uma liberdade para além dos limites do
clássico dualismo homem/mulher. O orixá representa a personalidade e não a sexualidade do
praticante. Inúmeras figuras andróginas – como por exemplo Oxumaré, que possui as duas
identidades dentro de si – existem no panteão das entidades afrodiaspóricas, e “homossexuais e
heterossexuais podem ter como donos de cabeça tanto orixás masculinos como femininos.”
(ibid, p.269). Essa liberdade identitária seria, segundo os autores, atraente aos homossexuais,
como também a valorização simbólica do feminino existente em tais culturas. De fato, as
mulheres empenham nos cultos afrodescendentes, papéis de prestígio, ocupando cargos de
autoridade máxima. Neste cenário, a “cosmologia e a doutrina religiosas não segregam os
homossexuais, mas o incorporam ao culto em determinadas posições hierárquicas.” (ibid, p.270).
Prova disso é a designação de um termo específico para homens efeminados, chamados de adés. Diferentemente das religiões de cunho cristão que tratam o homossexualismo como um distúrbio
a ser ajustado, como um desvio de carácter que pode ser solucionado, as religiões de matriz
africana integram e reconhecem essa identidade na dinâmica do culto. A utilização do corpo
como peça fundamental, por conta dos transes e possessões, abre a possibilidade de trejeitos
masculinizados e afeminados para fiéis de ambos os sexos: “Entre o povo de santo prevalece um
sistema de representações do corpo que permite diversas expressões da sexualidade. O corpo é
menos a morada do pecado e mais veículo pelo qual os deuses se expressam” (idem).
Todavia, os autores chamam atenção para a diferença entre os candomblés mais tradicionais
e os mais liberais no que concerne ao tratamento dispensado ao homossexualismo. Em primeiro
lugar, existe uma diferença muito clara e deveras respeitada entre a “vida no santo” e “vida
secular”. O fiel e seguidor deve prestar atenção aos limiares entre os dois mundos, e os autores
conseguem perceber uma postura conscienciosa a respeito dessa linha sutil que estrema as duas
superfícies da realidade: “o discurso nativo significa a homossexualidade como um fato da vida
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que, como tal, exige medidas e interpretações práticas que não se encontram articuladas à
cosmologia e vivências religiosas.” (ibid, p.266).
Nos cultos tradicionais, os homossexuais se encontram menos possibilitados de exprimir
suas preferências eróticas através de performances do que nos cultos de tendência mais aberta
onde através de adereços, roupas e movimentos corporais eles expõem sua opção sexual. Nos
candomblés que reivindicam para si uma posição de tradição, eles muitas vezes sofrem censuras.
O artigo de Milton Silva dos Santos cujo título é Sexo, gênero e homossexualidade: o que diz o
povo-de-santo paulista?, no qual ele versa sobre de que modo o povo-de-santo paulista lida com
o homossexualismo, , demonstra bem essa diferença. Em depoimentos recolhidos em terreiros na
região de São Paulo, fica claro o posicionamento das casas tradicionais quanto ao
homossexualismo, como no depoimento de Pai Geraldo:
“Existem casas que não se dão ao respeito(...). Aqui, por exemplo, a mulher que tem a
opção sexual dela de ser lésbica... É opção dela, divergência sexual dela, ninguém tem nada a
ver com isso. (...) Homem não usa nem brinco! Nem homem, quem dirá viado. Nem brinco! Se os
homens têm de dar exemplo, os adés [homens homossexuais] também. Senão começam com
brinquinhos, depois vem a maquiagem, pulseiras, argolas, penduricalhos. Fica feio dançar para
o orixá.” (SANTOS, p.152).
Em resumo, fica clara a noção de que a tradição do candomblé não é igual desde sempre,
“os ritos e mitos, muitas vezes, perderam sua originalidade e aqui foram ressimbolizados, assim
tal como a língua ritual dos cânticos, rezas e fórmulas mágicas, „identificável na sua estrutura e
no seu léxico, mas certamente modificada em seus valores semânticos e fonéticos‟” (LIMA,
p.21). A partir dessa noção fica mais fácil entender o campo afro-religioso e suas disputas. Os
limites desse campo são construídos a partir do domínio da tradição, que torna-se uma categoria
de diferenciação. O conflito acontece dentro de diferentes grupos de uma mesma casa e entre
diferentes terreiros. Os membros utilizam esta categoria para tentar se sobrepor aos opositores. O
ejó, a fofoca acaba sendo indicadora de transformação: “o ejó termina sendo, de alguma forma, a
crônica da novidade no espaço da comunidade” (ibid, p.17). A comunidade se entremeia dessa
maneira, através de comentários de reprovação ou aprovação de atitudes, que são consideradas
corretas ou não, de acordo com a tradição. O conhecimento, que é transmitido através da
oralidade, torna-se marco de distinção do status de cada membro na estrutura religiosa. A disputa
entre casas figura uma “luta simbólica que tem como finalidade uma elaboração diferencial da
identidade” (ibid, p.18); não obstante, uma oposição plena e contundente nunca existiu. A falta
de uma maior solidariedade se deve a falta de uma “estrutura formal centralizada” entre a
composição vária do campo afro-religioso.
Fábio Lima expõe uma sensível percepção sobre os processos de mudança social em que
essa tradição em toda sua plasticidade esteve envolvida: “as recriações e reinvenções das
tradições dos terreiros de candomblé, também obedeceram às estruturas econômicas da
sociedade dividida em classes a qual estavam inseridos” (ibid, p. 23). Isto posto, é improfícuo
ignorar o carácter pecuniário que as religiões adquiriram ao longo dos tempos. Nos dias atuais, o
que determina a adesão a uma agência religiosa é o desejo de administrar o próprio futuro. A
competência está no fato de oferecer previsibilidade e segurança. O autor aponta para a formação
de um mercado religioso, onde “Os indivíduos são conduzidos a racionalizarem as suas vidas
pelas ofertas expostas nos balcões do mercado religioso, um mosaico de fórmulas mágicas, de
doutrinas esotéricas, de medicinas paralelas, de psicanalismo e todo um amplo receituário de
modos de vida e superação de obstáculos” (ibid, p.31). O candomblé está inserido nesse
mercado, e muitos pais de santo vêem na religião a possibilidade de ascensão social . Além da
tradição, “o que está em jogo é a competência no campo religioso do pai e mãe-de-santo frente
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às expectativas” (ibid, p.32) e o jogo de búzios, as consultas privativas, podem tornar-se apenas
serviços mágicos ofertados, sem nenhum sentimento religioso. Esse tipo de proceder sofre muitas
críticas do “povo de santo”, assim como também não faltam censuras à atuação de sacerdotes que
não passaram por todos os níveis de iniciação. Chamados de “sacerdotes clandestinos”, são
denunciados pela má formação.
As religiões de matriz africana e a academia
A categoria tradição movimentou todo o debate acerca do campo afro-religioso brasileiro.
Esse debate nasce da ortodoxia de alguns sacerdotes mais tradicionais, que sempre rejeitaram
certas mudanças, principalmente as que incorporaram elementos para além das tradições
africanas. A figura do africano é romantizada, e funda-se um ideal de pureza, contra o culto às
novas entidades, e novas práticas ritualísticas. Assim, a presença do culto ao caboclo tornou-se
um demonstrativo da falta de tradição. Este ideal de pureza é uma invenção que tem a ver com as
“disputas de poder e prestígio” internas ao campo afro-religioso; a adoção do culto ao caboclo
deu-se inicialmente a partir do candomblé banto, de nação angola, o que acarretou a idealização
da pureza nagô, fenômeno que acontece no âmbito da sociabilidade dos candomblés. Foi no jogo
das relações sociais que essa idéia se fundou, sendo reproduzida pelo pensamento intelectual: “A
idéia de pureza foi idealizada pelos pesquisadores concomitante com a idéia de tradição,
relacionada com a história de cada casa-de-santo na preservação dos costumes e valores dos
ancestrais africanos.” (ibid, p. 9).
Essa noção de uma pureza nagô chega à academia muito por conta da participação de
intelectuais devotos e praticantes de religiões de matriz africana, a partir dos anos de 1970.
Figuras como a de Mestre Didi e organizações como a Sociedade de Estudos da Cultura Negra no
Brasil traduzem discussões próprias da sociabilidade religiosa afrodiaspórica para a linguagem
acadêmica através de “etnografias domésticas”. Como conseqüência, o debate acadêmico, num
primeiro momento tem o interesse totalmente voltado para o candomblé de nação nagô. A busca
pela pureza por parte dos pais e mães de santo definiu o olhar da antropologia e da história, que
elegeram o culto nagô como objeto de pesquisa e modelo de candomblé, através do qual era
possível direcionar “uma perspectiva intelectual de pensar o afro-brasileiro” (ibid, p.8). A idéia
de pureza é então associada a uma idéia de “valorização da áfrica” (idem). O culto nagô torna-se
modelo, parâmetro de análise comparativa, demonstrativo de “traços culturais que passaram a
serem tomados como expressão máxima de africanidade” (ibid, p.9). Os pesquisadores com
tendências de “genética cultural” reforçam a diferença entre origem iorubá e banto, classificando
os cultos de origem banto como “impuros”.
Num segundo momento, a partir da década de sessenta, em decorrência do surgimento de
um novo conceito de ciência social, que valorizava as descontinuidades e não mais a duração,
ocorre a abertura dos estudos para outros cultos e outras vertentes das religiões afro-brasileiras.
Neste sentido é digno de nota o pioneirismo de Edson Carneiro, no que diz respeito ao estudo dos
candomblés de outras nações, conforme nos relata Lima. A identificação de novas “morfologias
sociais” nas religiões afro-brasileiras faz com que a idéia de “transculturação” [5]
sobreponha a
idéia de aculturação, revelando que a identidade não é algo dado, e sim um processo
permanentemente mutável, uma construção contínua. A mudança é então valorizada, bem como
“o caráter dinâmico da cultura ao reinventar a tradição” (ibid, p.27).
[5]
cunhado na década de 40 pelo sociólogo cubano Fernando Ortiz. Cf. Mary Louise Pratt. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. São Paulo: EDUSC, 1999
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A atuação dos intelectuais “de santo” cumpriu também a função de sistematizar a doutrina,
transcrevendo em linhas o que até então só era transmitido em sons. O sobrecitado babalaô
Martiniano-Ojeladé pode ser considerado a vanguarda do candomblé intelectualizado. Esses
intelectuais orgânicos reafirmavam a cultura africana no Brasil, e à medida que mais se
informavam, mais desejosos ficavam de se auto-representar e se reafirmar enquanto afro-
descendentes. O movimento de dessincretização iniciado em 1983 como o manifesto da
descatolização, assinado por importantes iyalorixás das casas mais tradicionais da Bahia na
Conferência Mundial da Tradição e Cultura dos Orixás é um exemplo de grande relevância do
desejo de auto-representação. As “etnografias domésticas” são tidas como estratégia para
corroborar o ponto de vista e autoridade desses intelectuais “de dentro para fora”, que acreditam
ser academia uma das alternativas possíveis para transmitir a ideologia afro-centrada, entretanto,
um desafio, quando se chocam a cultura da oralidade e a produção escrita. Essa camada de
intelectuais atuou na implementação de planos de mídia: sites, revistas, com a incumbência de
educar e perseverar a cultura, história e memória do Candomblé, como a revista Orixás, conforme
nos exemplifica Lima.
A aproximação entre os intelectuais do santo com os demais profissionais acadêmicos
teceu boas parcerias, estabelecendo relações de aproximação e diálogo, todavia, muitas vezes,
houveram querelas. O que entra em jogo é a “luta concorrencial, agora pelo monopólio de falar
de si” (ibid, p.15). Os intelectuais “de dentro” questionam a autoridade dos acadêmicos, bem
como o papel secundário dentro da própria experiência. Estabelecem paradigmas e premissas
epistemológicas, apontando padrões, métodos de análise, formas de olhar. Ainda há a denúncia:
acusam alguns cientistas sociais de usar o estudo do candomblé para a autopromoção, e o mau
uso das informações recolhidas; os cientistas sociais muitas vezes agem “deturpando muito do
que lhes foi informado, ou equivocando-se nas suas interpretações e muitas vezes revelando
segredos a que tiveram acesso” (idem).
No intuito de sistematizar a doutrina religiosa afrodiaspórica os intelectuais praticantes de
religiões de matriz africana muito colaboraram para o alargamento dos horizontes desses campos
de estudos, bem como utilizaram essa sistematização como estratégia de defesa contra a
intolerância religiosa.
O neopentecostalismo
A presença de religiões neopentecostais é uma realidade demasiado notória na sociedade
brasileira. O rápido aparecimento e o quase epidêmico desenvolvimento nos permitem supor a
força dessas doutrinas e de suas estratégias de conversão e angariação de adeptos.
Emerson Giumbelli, antropólogo e professor da UFRJ, aponta para uma importante
mudança do campo religioso : “Nas últimas décadas, os evangélicos se tornaram os principais
protagonistas de uma redefinição do religioso no Brasil.” (GIUMBELLI, p.149). O advento da
categoria “os evangélicos”, não obstante caracterizar uma rude generalização por se tratar de um
número vário de vertentes, representa o papel de destaque que as igrejas neopentecostais
exerceram nessa trajetória, que, segundo ele, clarifica o campo religioso, tornando-o nédio,
aclarando seus contornos de um modo nunca antes experienciado. A força de tal lume se deve à
posição assumida pela Igreja Universal do Reino de Deus, que ao longo dos anos 90 vai se
estabelecer como principal igreja evangélica, amalgamando em seus discursos a diversidade das
demais igrejas, utilizando e reforçando a categoria “os evangélicos”. O autor chama atenção
ainda para o fato de que tal redefinição do campo religioso afeta à sociedade como um todo,
como também faz emergir as semelhanças entre católicos e evangélicos no que diz respeito ao
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modo de atuação, o agir que de forma aberta se deixa permear por outras lógicas, na busca
incessante por expansão.
Sobre essa mudança no campo religioso, diversos outros autores também se colocam. Ari
Pedro Oro, num artigo que tem como missão analisar as respostas afro-religiosas no Rio Grande
do Sul aos ataques iurdianos intolerantes, apresenta o crescimento da IURD como um fenômeno:
“A Universal, ou simplesmente Iurd, como também é conhecida, consiste num dos mais
impressionantes fenômenos religiosos do Brasil dos últimos anos.(...) esta igreja neopentecostal
brasileira alcançou um crescimento espantoso na última década.” (ORO, p.31). Consoante com
Giumbelli sobre a recomposição do campo religioso brasileiro, Oro acredita que a IURD operou
uma quebra no paradigma religioso quando “se insurgiu contra o lugar secundário que o
pentecostalismo ocupava no campo religioso dominado pelo catolicismo.” (ibid, p.32). A prova
mais visível dessa mudança é a exacerbação do religioso no espaço público: “A Iurd surgiu e
impôs uma lógica diferente da que predominava até então no campo pentecostal. Em vez de
templos modestos e retirados dos espaços nobres das cidades, a Iurd vai alugar grandes espaços
físicos (...) erguer templos e ultimamente catedrais de dimensões impressionantes” (ibid, p.38).
Giumbelli ressalta como principal característica da IURD “a agressividade com que se
contrapõe às religiões não evangélicas”. Desejoso de analisar tal aspecto mais profundamente, o
autor busca auxílio no conceito de fundamentalismo. Segundo sua definição, esta categoria
“remete à intervenção da religião sobre a sociedade”, e “serviria para abarcar, mais ou menos,
indistintamente, os ataques discursivos, os ataques rituais, as intrusões sociais e mesmo as
agressões diretas que vão parar nos registros policiais ou nas páginas de jornais populares.”
(GIUMBELLI, p.158). Esse termo, nascido no contexto norte-americano, cunhado pelos
protestantes como resposta ao liberalismo teológico, era utilizado como referência aos preceitos
bíblicos, que como o fundamento primordial e intocável, deveriam ser literalmente traduzidos e
interpretados ao pé da letra. Esse literalismo, considerava que a Bíblia ainda hoje serviria “para
orientar a vida e organizar o mundo”, sem que precisasse ser feita nenhuma adequação de termos
para a realidade atual, criticando a leitura filológica e o método da crítica histórica.
As igrejas neopentecostais no Brasil, tendo a IURD ainda como o referencial, adotaram
traços diretos desse fundamentalismo. No sentido de uma concepção de relação entre religião e
política e em seu projeto de um cristianismo hegemônico, essa analogia fica mais clara. Todavia,
o autor chama atenção para a ineficácia de uma generalização entre os sentidos da categoria
fundamentalismo de diferentes experiências. O lugar destinado à bíblia, no caso do
neopentecostalismo brasileiro, se difere bastante do seu uso pelo fundamentalismo do
protestantismo norte-americano. Giumbelli afirma que: “De fato, o uso que os pastores fazem da
Bíblia é bastante seletivo, privilegiando determinadas passagens e interpretações.(...) A leitura
da Bíblia pelos pastores da Igreja Universal não é literalista (...) porque a Bíblia é menos um
fundamento e mais um elemento dessa religiosidade pentecostal.” (ibid,p.165). No
neopentecostalismo à brasileira, a bíblia torna-se quase como uma alegoria, e representa muito
mais do que instrui.
Ronaldo de Almeida, professor da Unicamp admite existir uma certa “exegese bíblica”,
traço comum às religiões protestantes, porém de forma superficial. Em seu artigo intitulado Dez
anos do “chute na Santa – A Intolerância com diferença, o autor procura pensar como se dá a
relação da IURD com as demais crenças nos dias atuais, bem como a sua atuação em outras
esferas da vida social no Brasil. Tal como Giumbelli, Almeida também associa o proceder
neopentecostal brasileiro ao fundamentalismo norte americano, através da asserção de que “o
sistema doutrinário vindo para o Brasil assenta-se, em boa medida, na matriz fundamentalista-
evangélica, acrescida da doutrina do Espírito Santo” (ALMEIDA, p.182). O ponto de
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aproximação que o autor estabelece é o proselitismo, como o “impulso que inculca nos
evangélicos o dever de tornar as pessoas iguais a eles” (ibid, 183). Aprofundando ainda mais a
reflexão sobre o proselitismo neopentecostal, Vagner Gonçalves da Silva afirma que essa tática é
possível graças ao arcabouço midiático do qual o empreendimento neopentecostal lança mão.
Uma ampla rede de comunicação de massa foi urdida, contando com programas de rádio, grande
material panfletário, sites, editoras e emissoras de tv. Oro caracteriza a Igreja Universal como
uma igreja midiática: “A Universal também vai dar grande atenção à mídia. Ela surge como uma
igreja midiática e hoje detém duas redes de televisão (...) exporta seus programas para vários
países(...) É também proprietária de 62 emissoras de rádio no país.” (ORO, p.39).
Silva atribui a grandeza dessa empresa midiática de uma “cruzada proselitista” ao status
adquirido pelos neopentecostais na sociedade brasileira. A crescente eleição de candidatos que
assumem a fé protestante, assim como candidatos coligados a igrejas evangélicas representa um
amparo aos ideais discriminatórios e perseguidores dos neopentecostais aos praticantes da fé
espírita. No campo da representação política, esses personagens atuam para atrasar e/ou
prejudicar o desenvolvimento das religiões de matriz africana. Ari Pedro Oro também atesta essa
influencia política: “A Iurd detém também importante presença na política. Elegeu seu primeiro
deputado federal em 1986. A partir daí sua progressão foi constante” (ORO, p.39). Almeida
indigita uma má utilização da fé como plataforma política por parte dos neopentecostais, fator de
incomodo perante a sociedade brasileira. O movimento do “púlpito ao palanque” promove na
opinião pública mais difundida, segundo a opinião do autor, a maledicência dos evangélicos,
“cujas lideranças costumam ser percebidas com desconfianças, sendo algumas consideradas
ambiciosas e arrivistas” (ALMEIDA, p.174). A filantropia é a estratégia que consolidou a
aproximação entre neopentecostalismo e política. Com efeito, a presença dos evangélicos na
prática da política “é retroalimentada pela presença na mídia e pela prática filantrópica. A mídia
garante visibilidade à igreja e aos seus candidatos e a filantropia estabelece um vínculo
clientelista.” (ibid, p.176). Giumbelli considera esse assistencialismo, no caso da IURD, como
tática de hegemonia religiosa; agindo desta maneira, esta igreja estaria querendo tornar-se a mais
influente no Brasil, e esse procedimento “de certa forma mimetiza o lugar ocupado pela Igreja
católica” (GIUMBELLI, p.162)
Retornando ao ponto da belicosidade iurdiana, a adoção da retórica da batalha espiritual é
ponto crucial para o entendimento da atitude neopentecostal. Apelando para a tradicional
dualidade entre o bem e o mal, essas doutrinas maniqueístas – ilustradas pela teologia da batalha
espiritual desenvolvida pelo protestantismo norte-americano e adaptada às especificidades
culturais brasileiras – associam todo o mal à atuação do diabo na terra. Vagner Gonçalves da
Silva pontua o comportamento exorcista da ideologia neopentecostal, na qual os demônios que
vivem na terra materializados na figura dos deuses de outras religiões devem, por obrigação do
fiel, ser combatidos e exterminados. A incumbência maior do crente seria “dar prosseguimento à
obra iniciada por Jesus Cristo de combate a tais demônios” (SILVA, p. 11) Esse dever moral e
espiritual exorcista é também uma tática proselitista. Shows e programas de tv são montados,
sempre fazendo representações difamadoras, trazendo depoimentos de pessoas convertidas e ex-
praticantes de cultos e práticas candomblecistas: “enquanto outras igrejas se mostram
relativamente discretas na expressão das práticas exorcistas, a Iurd faz disso o centro de suas
atividades ritualísticas” (ORO, p.35). Entidades do candomblé, principalmente o Exu, associadas
ao demônio cristão são a materialização do mal, no dualismo bem (deus) e mal (diabo), e são
exorcizadas nos cultos. Desse modo, Oro conclui a importância central da figura do diabo na
lógica neopentecostal: “as representações do diabo „constituem o eixo a partir do qual o
universo simbólico desta igreja é construído‟” (ibid, p.42).
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Muito apropriada é a caracterização que Oro faz da Igreja Universal como uma “igreja
religiofágica (...) que construiu seu repertório simbólico, suas crenças e ritualística
incorporando e ressemantizando pedaços de crenças de outras religiões, mesmo de seus
adversários.” (ibid, p. 33). O autor releva que, esta igreja incorporou do catolicismo “as noções
de milagre, inferno, pecado e demônio”, assim como “sua forma organizacional episcopal”
(ibid, p.34). A importância atribuída às entidades afro-religiosas é tamanha, que essa mitologia é
incorporada ao sistema simbólico das igrejas neopentecostais de modo que “ser bispo, pastor,
obreiro e mesmo freqüentador da Universal, ao menos aqui no Brasil, implica não somente em
conhecer a bíblia e a doutrina pentecostal mas também em dominar os códigos simbólicos, as
crenças e o discursos das religiões afro-brasileiras” (ibid, p.48). Prova disto é o status atribuído
aos ex-sacerdotes das religiões afro dentro da Iurd. Estes ocupam posição de destaque dentro da
ritualística, sendo chamados para traduzir termos e comportamentos de supostas entidades
incorporadas. Oro lança mão do conceito de ressemantização para dar conta de tal fenômeno.
Entendida como um processo de alteração de significados, a ressemantização introjeta o culto
afro-brasileiro em seu culto para poder apurá-lo, modificando seu sinal de positivo para negativo.
A partir de então, os símbolos alusivos às religiões afro-brasileiras são estigmatizados. Giumbelli
descreve esse fenômeno como um “sincretismo às avessas”, que paradoxalmente incorpora
através do exorcismo as entidades africanas à cosmologia neopentecostal. Esses processos de
“ressemantização” e “sincretismo às avessas” tem como um exemplo o “acarajé do Senhor”,
como nos relata Silva; o famoso alimento de entidades afrodiaspóricas é ressignificado à luz da
ideologia protestante.
A partir dessa explanação podemos concluir que o universo simbólico desse par de
seguimentos religiosos antagônicos estabelece uma relação dialógica, e que as igrejas
neopentecostais, inspiradas pela inauguradora Igreja Universal utilizam como principal tática de
recrutamento de adeptos a simbologia própria às crenças que considera como antônimas.
A intolerância religiosa
Nas décadas finais do século XX, a sociedade brasileira viu irromper um conflito,
prognóstico de uma mudança estrutural no que concerne ao espaço da religiosidade. Tal querela
foi o que se convencionou chamar de “intolerância religiosa”, envolvendo protestantes e espíritas,
em especial àqueles das religiões de matrizes africanas. Num extremo desse embate estão os
neopentecostais, e a intensificação da intolerância acontece ao mesmo tempo que o processo de
desenvolvimento e disseminação da cultura protestante no Brasil. No outro extremo,
diametralmente opostos, estão os espíritas, no caso, os pertencentes às religiões afro-brasileiras.
Eles são o alvo dos ataques neopentecostais e ocupam oficialmente um lugar marginal, segundo
as estatísticas de adesão religiosa.
Frente ao agravamento da hostilidade aos cultos afro-brasileiros e das respectivas reações,
Silva destaca algumas causas através das quais seria possível explicar esse fenômeno; a disputa
por adeptos de uma mesma origem ou classe social é a principal delas; o proselitismo é também
uma forte motivação, uma vez que a vontade de que todos se tornem iguais avulta a diferença e
aumenta o sentimento intolerante. Silva cita ainda o preconceito racial que existe sob a
discriminação religiosa. Todos os símbolos que remetem a herança africana são associados às
religiões afro-brasileiras, e dessa forma, marginalizados, estigmatizados e impugnados. O autor
traz o exemplo dos livros didáticos vetados pelos professores evangélicos por abordar temas
relativos à África e ao candomblé
O autor conceitua o termo “ataque” enquanto “uma investida pública de um grupo religioso
contra o outro” (SILVA, p.9) e aponta para a ambiguidade semântica do termo, que a um só
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tempo significa intolerância religiosa e discriminação para os espíritas, evangelização e libertação
na perspectiva neopentecostal. O ataque chegou, nas ultimas décadas do século passado, a fatos
extremados, como a invasão a terreiros, destruição de artefatos e agressão a pessoas; festas e
rituais religiosos em lugares públicos foram interrompidos, o que gerou uma maior mobilização
de reação a esses abusos intolerantes. O autor ressalta que, não obstante essa reação tenha sido
crescente, ainda é muito tímida frente à organização da grande empresa neopentecostal, disposta
a ocupar todos os lugares, sociais, políticos e religiosos. Aponta alguns episódios como
excitadores dos movimentos de reação, tais como o “chute na santa”, no qual um pastor
evangélico em rede nacional chuta uma imagem de uma santa (negra, diga-se de passagem), e a
morte da mãe Gilda, uma tradicional ialorixá de Lauro de Freitas, Bahia, que faleceu por conta de
um ataque cardíaco provocado pela perseguição e agressão à sua pessoa e familiares.
Ricardo Mariano também se propõe a apontar as causas do ataque neopentecostal às
religiões afrodiaspóricas. À emergência da reflexão acerca da intolerância religiosa, seu artigo
demonstra uma tentativa de inquirir suas causas, bem como se mostra atento à discussão
conceitual travada em torno do tema. Para tanto, procura nas igrejas neopentecostais a força
motriz que impulsiona o sentimento intolerante, relendo os argumentos teológicos e proselitistas,
formadores de um “antagonismo religioso”.
O autor destaca a noção de tolerância e intolerância; numa breve explanação histórica
pontua que a questão da tolerância nasce das guerras civis religiosas na Europa do século XVI,
onde a quebra da autoridade política da igreja católica e as perseguições aos protestantes
resultaram em leis precursoras da democracia moderna, que versavam sobre tolerância e
liberdade. A intolerância, por sua vez, é como a noção de possuir uma verdade que não aceita
nenhum argumento contendedor, que deve ser levada a todos de forma impositiva. Esse par de
conceitos antagônicos é, segundo Mariano, relativizado na sua utilização empírica, e apresenta
pólos negativos e positivos. O autor chama atenção para a vária interpretação, que se modifica
quando a discussão é inserida em diferentes contextos históricos e sociais. Os casos de
intolerância são de difícil interpretação, principalmente em países democráticos, onde a política
aberta e a liberdade de culto promovem a diversidade religiosa. A própria tipificação do crime de
intolerância religiosa (crime contra o sentimento religioso) é precária, dependendo da
interpretação dos agentes da lei. Ricardo Mariano atenta para a própria contradição da expressão
“tolerância religiosa”, uma vez que ela parte do pressuposto da liberdade de crença, e esse mesmo
pressuposto de liberdade é o direito que permite aos evangélicos por exemplo, considerarem
diabólicas certas crenças, usos e costumes religiosos que lhes são exógenos.
O autor chama atenção para a correta utilização dos termos e conceitos, bem como para a
diferenciação entre eles; afirma que no Brasil o candomblé possui liberdade religiosa, ainda que a
discriminação não tenha se erradicado. Mariano conclui que os crimes e a hostilidade direcionada
aos cultos afro-brasileiros foram aspectos construídos sócio-historicamente, frutos de um passado
racista e escravocrata. Regressa ao século XIX, e apresenta o racismo científico criado na sua
segunda metade como forte fator fundador de discriminação ao candomblé naquele contexto. A
escravidão ainda em voga tornava a perseguição aos cultos um dever cívico. Com o seu fim,
denominações como “baixo espiritismo” reafirmavam uma hierarquia religiosa que
subalternizava o candomblé, que a partir de então sofre forte repressão institucional até meados
do século XX. As acusações eram de cunho religioso, policial e judicial, ainda que as
justificativas para elas se respaldassem basicamente em chavões religiosos, mais precisamente
cristãos. O século XX é conceituado pelo o autor como um tempo de fragilidade, onde a própria
democracia nacional dava os primeiros passos, fato que possibilitou a permanência e a
manutenção tardia da marginalização e perseguição. No cenário atual, a liberdade fora garantida,
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posto que existem aparatos legais para tanto, mas a discriminação prevalece tardiamente, e se
manifesta na grande maioria das vezes por razões religiosas, na opinião do autor.
A discriminação de hoje teria haver então com a demonização dos cultos afro-brasileiros
efetuada pelo crescente protestantismo nacional. Buscando as motivações dessa discriminação
dentro da filosofia protestante, Mariano aponta para o carácter maniqueísta desse conjunto vasto
e vário de igrejas e denominações. Dentro da lógica dualista dessa cosmologia, dois pilares são
construídos: um no qual o bem é associado a deus, que é associado à espiritualidade elevada;
outro, onde o mal é associado ao demônio, cujo agir é relacionado à uma espiritualidade negativa,
ao que é mundano. Nessa hierarquização de dualismos, a figura do demônio exerce um claro
protagonismo; agente de todo o mal que acontece na terra, o seu campo de atuação é o
espiritismo – todas as suas vertentes –, através do qual ele se manifesta nos homens. Parte daí o
combate aos cultos afro-brasileiros, que se alimenta na esfera espiritual desse tipo de concepção,
e na esfera prática, de interesses expansionistas que visam angariar mais adeptos, retirados das
crenças espíritas direto para as fileiras do exército de cristo. Mariano vê a demonização das
entidades africanas como efeito de velhas idéias católicas e racistas inveteradas na mentalidade
nacional, todavia atesta para a auto-demonização que é feita por certos segmentos dessas
religiões. Lideranças e adeptos da umbanda, por exemplo, se baseiam em crenças dualistas cristãs
e nomeiam entidades com nomes de demônios bíblicos, as tratando como seres inferiores,
espíritos do mal.
No que respeita às reações do afro-religiosos, dispõe-se diversas opiniões, algumas até
divergentes. Giumbelli descreve uma vitimização, isto é, as religiões afro-brasileiras e seus
personagens são sempre retratados como vítimas, o que limita a reflexão acerca de sua atuação
como sujeitos, delimitando assim um dado lugar de passividade. È exatamente buscando elucidar
esse processo de vitimização que o autor escreve, entendendo que esse fenômeno é por si só
revelador do campo religioso. Esse processo se deve em parte pela pouca juridicização, que por
sua vez é conseqüência da falta de preparo e de interesse por parte das autoridades legais
responsáveis, como também pela dificuldade de analisar os casos de intolerância, cujo exame
muitas vezes apresenta aspectos que se dispõem afora da esfera legal. Giumbelli assesta para
uma desinformação por parte dos entes religiosos, sendo na maioria das vezes provenientes de
camadas populares; contudo, destaca o crescimento de uma preocupação que se direciona no
sentido de uma tomada de consciência acerca dos próprios direitos, no que concerne à
regularização e institucionalização de casas, a luta pela garantia de imunidade tributária e o
tombamento de propriedades históricas.
Essa tomada de poder reflete-se também nos crescentes processos abertos na justiça,
denúncias de casos de abuso e intolerância religiosa. A movimentação de contra-ataque reuniu
em si diversas vertentes do espiritismo, e contou até com a participação de outras religiões,
formando um movimento ecumênico de resistência à intolerância neopentecostal, uma vez que o
ataque é direcionado a toda e qualquer religião que não as protestantes. Os resultados são
favoráveis à causa espírita, processos, condenações e sentenças são benéficas, e as entidades de
defesa dos direitos humanos tomam partido, ainda que a falta de informação e a burocracia das
varas judiciais ainda desestimulem a mobilização pela reação. Neste sentido, Silva relembra os
movimentos de resposta à intolerância religiosa: O Movimento Contra a Intolerância Religiosa,
na Bahia; A Comissão de Assuntos Religiosos Afrodescendentes, em São Paulo; a Comissão de
Defesa das Religiões Afro-Brasileiras, no Rio Grande do Sul.
Oro apresenta uma outra visão a respeito da resposta afro-religiosa. Em sua opinião, o que
existe é a resignação negra. O autor levanta algumas hipóteses para um “relativo conformismo”.
A desmotivação seria então ocasionada pela eficácia das práticas de ressemantização da
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simbologia africana por parte da IURD e pela sua influência política e midiática, ou pela
diferença ética entre as ideologias: “a diferença entre a agressividade da ofensiva neopentecostal
e a relativa indiferença de parte das religiões afro-brasileiras reside também na diferença
existente entre tais religiões no que tange à concepção do mal e na conseqüente abrangência do
sistema ético, religiosamente justificado” (ORO, p.53). Um outra hipótese seria de que a
desmobilização estaria relacionada à própria estrutura fragmentária do campo religioso afro-
brasileiro, um mosaico de casas e terreiros autônomos que competem por adeptos. Ou ainda, o
silencio seria proposital, repetindo a estratégia que durante os quase quatrocentos anos de
escravização garantiu a sobrevivência de tais cultos.
Em resumo, a intolerância religiosa representa um processo de longa data construído
vagarosamente dentro da sociedade brasileira, que ainda está longe de ser resolvido.
A análise dos questionários
O Trabalho de mapeamento das casas e templos de religiões de matriz africana se iniciou
em meados de 2008. Durante esse tempo, foram mapeadas mais de 800 comunidades de terreiros
e outros tipos de comunidades afro-religiosas em todo o estado do Rio de Janeiro. Esse número
revela a importância da matriz africana na composição da religiosidade nacional; é digno de nota
que a perseguição dessa esfera do campo religioso brasileiro, levada a cabo ao caminhar de tantos
séculos, gerou um processo de marginalização da afro-religiosidade, que durante muito tempo
permaneceu oculta, como estratégia de preservação das religiões e proteção dos adeptos.
Destarte, sobre esse montante, é possível até arriscar-se a estabelecer duas hipóteses:
primeiro, que ele representa um novo momento e uma nova estratégia de preservação,
impulsionada pela intensificação do fenômeno da intolerância religiosa a partir dos anos 80 do
século XX, com o advento do neopentecostalismo, fato que gerou um movimento de auto-
afirmação e de mobilização social por parte dos adeptos afro-religiosos, como atestam em seus
escritos autores sobrecitados, como Oro e Giumbelli; segundo, que ele representa também uma
parcela bem menor do que se pode estimar do número total de comunidades no estado, ao passo
que o medo da perseguição ainda figura uma realidade muito intensa dentro desse universo
religioso.
Refletindo sobre a posição da afro-religiosidade nos dias atuais, Reginaldo Prandi, num
artigo intitulado As religiões Afro-brasileiras e seus seguidores, aponta que esse ramo do campo
religioso brasileiro está em declínio. Segundo suas pesquisas realizadas comparando censos
produzidos nas décadas de 80, 90 e 2000, o Brasil está menos católico, menos afro-religioso, e
mais neopentecostal. Todavia, Prandi afirma que “no caso das religiões afro-brasileiras, o senso
oferece sempre cifras subestimadas de seus seguidores. Isto se deve às circunstâncias históricas
nas quais estas religiões se construíram no Brasil.” (PRANDI, p.16). Sobre essas
“circunstâncias históricas” de que se refere o autor, o recente passado de perseguição – até muito
pouco tempo atrás as religiões afro-brasileiras eram proibidas e duramente perseguidas pela
polícia e outros órgãos públicos – e o racismo ainda muito forte em nossa sociedade são grandes
fatores, como mais a frente será melhor elucidado.
O mapeamento funcionou da seguinte forma: foram enviados pesquisadores de campo
devidamente treinados para visitar as comunidades, conversar pessoalmente com o responsável
religioso e aplicar um questionário, bem como operar a cartografia, por meio da tecnologia GPS.
O intuito era realizar uma “cartografia social”, permitindo visualizar graficamente a dispersão das
comunidades afro-religiosas assim como conhecer sua realidade social. A visitação cumpriu a
dupla função de mapear e divulgar a pesquisa, em coerência com a natureza do próprio campo
afro-religioso: relações de constantes trocas e proximidade no seio das comunidades afro-
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religiosas fazem com que este campo funcione como uma rede muito bem entretecida. O
questionário aplicado seguiu um padrão, cujos itens de maior relevância são:
- Denominações (nomes de auto-definição)
- Entidades patronas
- Ano de fundação da casa
- Localidade da casa
- Se há desenvolvimento de trabalhos sociais
- Se há filiação a federações ou associações
- Se o terreno onde funciona o espaço religioso é próprio
- Se possui CJNP
- Se o espaço religioso é legalizado
- Se o espaço religioso possui alvará da prefeitura ou de alguma federação para o funcionamento
- O número de adeptos da comunidade religiosa
- Se já houve algum endereço anterior
- Se a comunidade religiosa já sofreu intolerância religiosa
Nesse primeiro contacto com o material recolhido em campo, foram selecionados 391
questionários, como uma primeira tentativa de estabelecer padrões de análise que possibilitem
hipóteses e conclusões. O foco de análise recaiu sobre os relatos de intolerância religiosa; a
tipologia dos relatos, a recorrência de lugares ou nações e casos extremos formam algumas das
categorias de análise. Alguns dados começam a revelar as formas desse campo tão vasto e
desconhecido.
No que tange à pauta da questão da intolerância, 207 dos 391 questionários apontaram
uma maioria de comunidades que alegaram já terem sido vítimas de intolerância religiosa,
descrevendo, através de relatos, agressões de todos os tipos, chegando ao extremo de agressões
físicas e ameaças de morte. Surpreendente é o fato desses casos extremos de agressão serem tão
recorrentes. Dentre os 207 questionários onde aparecem os casos de intolerância religiosa,
surgem 46 referências a agressões físicas, tanto a pessoas quanto aos templos e espaços afro-
religiosos.
Como exemplos pertinentes, é possível transcrever alguns relatos dos questionários.
Numa casa de Umbanda localizada no bairro do Santíssimo, o respondente do questionário
revelou sofrer “agressão física e verbal. Corte de luz, ameaça de morte e destruição das
imagens, invasão da casa. As agressões são constantes, jogam fogo nos bancos, jogam fezes
dentro da casa, mexem na eletricidade, tentam inviabilizar as sessões.” (questionário nº36);
numa casa da nação Efón na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, outro relato: “Uma „filha
de santo‟ da casa foi apedrejada na rua por adeptos de outra religião” (questonário nº564); em
Anchieta, num templo da nação Ketu, “O pai de santo tomou um tiro por colocar um ebó na
rua.” (questionário nº156). Esses são apenas alguns dos casos extremos de intolerância religiosa.
E qual o motivo de tamanha intolerância? Segundo Ari Pedro Oro em seu artigo intitulado
Neopentecostais e afro-brasileiros: quem vencerá esta guerra?, publicado em 1997 pela revista da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, esse ódio religioso provém de uma interpretação que
o neopentecostalismo faz da realidade, informado por uma concepção “que deita raízes nas
profundezas da humanidade, em diversos contextos culturais, foi enfatizada e adaptada à
cosmovisão cristã na Idade Média européia, aportada no Brasil com os católicos portugueses e
perpetuada até o presente, tanto no campo da religião em particular quanto da cultura em geral,
que concebe o mundo em tensão permanente entre os espíritos ou demônios causadores do mal e
da desordem e os deuses associados ao bem e a ordem.”(ORO, 1997, p.3).
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Vivendo a humanidade nessa eterna guerra do bem contra o mal, as religiões de matriz
africana e o espiritismo em geral são, segundo essa interpretação, o principal meio de atuação das
forças do mal. Oro afirma que “o neopentecostalismo brasileiro reproduz e exacerba a crença no
demônio” (idem, p.3-4), sendo este responsável por tudo, literalmente tudo – desemprego,
infidelidade, doenças, vícios, pobreza, etc – de ruim que acontece no mundo e na vida das
pessoas, assim como o “espírito santo” atuando no extremo oposto. Destarte, conclui Oro, o
neopentecostalismo ignora a construção histórico-social das noções de “bem” e de “mal”, bem
como retira a responsabilidade dos seres humanos sobre suas ações, uma das explicações para as
ações agressivas de neopentecostais desferidas contra adeptos de outras religiões, mesmo quando
chegam a casos extremos de agressão física como apedrejamentos e tiros de revólver, não serem
consideradas mau comportamento, ou falha de carácter, levando em consideração de que se trata
de um segmento religioso muito rígido em relação a índoles, procederes e posturas.
Tentando confeccionar uma tipologia dos relatos de agressão, podemos perceber que
certos padrões se repetem. A referência à intolerância sofrida por parte de evangélicos aparece 76
vezes nos questionários analisados, e a referência ao demônio, utilizada para agredir verbalmente,
aparece mais de 20 vezes. A intolerância acontece na maioria das vezes através de agressões
verbais – a referência a essa prática aparece pelo menos 71 vezes nos questionários, na maioria
das vezes relacionada a pessoas e entidades neopentecostais. Uma outra prática muito comum
utilizada por esse segmento religioso contra os adeptos de religiões de matriz africana é a
utilização de músicas, através de alto-falantes, rádios e televisão, colocados em alto volume,
como estratégia de afrontamento e até como tentativa de impedimento da realização de rituais
afro-religiosos.
Essa prática faz parte de uma estratégia de conversão e confrontação, como nos elucida
Vagner Gonçalves da Silva, no já citado prefácio do seu livro. Essa demonstração de intolerância
religiosa é proselitista e se vale do carácter midiático das religiões neopentecostais. Através de
todo um aparato de comunicação de massa, incluindo aí programação televisiva, programas de
rádio, gravadoras e produtoras musicais, sites, editoras e emissoras de tv inteiras, esse segmento
religioso desrespeita a agride os demais.
Oro também reflete sobre o tema em seu artigo já citado. Considerando como fraca reação
dos afro-religiosos, o autor afirma que o espaço midiático e político ocupado pelo
neopentecostalismo é talvez uma das explicações: “(...)secundário poder político que as religiões
afro-brasileiras ocupam na sociedade brasileira. Paradoxalmente, trata-se de religiões
procuradas e freqüentadas em todo o país, por indivíduos de todas as camadas sociais, inclusive
por políticos, mas que não desfrutam de uma força política capaz de mobilizar a sociedade, a
mídia, os intelectuais, etc, contra as reiteradas e diuturnas acusações de que são vítimas.”(idem,
p.14).
Não obstante, a análise dos questionários nos possibilita entender a intolerância religiosa
para além do seu óbvio, isto é, a guerra religiosa entre neopentecostais e afro-religiosos; muitos
dos relatos deixam entrever que a intolerância não acontece apenas pelo advento do
neopentecostalismo. Suas bases estão enraizadas em outras esferas da nossa cultura. A
intolerância de vizinhos, ainda que suas religiões não façam parte dos relatos, e ainda que estes
não tenham religião, ou que não sejam neopentecostais, é outro padrão que muito se repete nos
questionários. Diversos foram os relatos de abaixo-assinados promovidos pela vizinhança
insatisfeita e intolerante, movidos contra responsáveis religiosos e contra a permanência de
templos afro-religiosos nos locais.
Existe algo como uma “intolerância institucional” da qual se queixam muitos adeptos,
conforme os relatos nos questionários. A referência a esse tipo de intolerância aparece pelo
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menos 36 vezes, no conjunto de 209 questionários onde foi marcada a opção “sim”, quanto a
casos de intolerância religiosa. O que aqui é classificado como “intolerância institucional” é o
fato da opção religiosa ser motivo de demissões em empresas, preconceito em órgãos públicos e
discriminações externas ao ambiente das comunidades de terreiros. Diversos relatos acusam
hospitais, órgãos públicos, e principalmente escolas, de atitudes intolerantes.
Os relatos de agressão sofrida em transportes públicos, cemitérios no momento de ritos
fúnebres afro-religiosos, e em ambiente de trabalho são muito comuns nos questionários, assim
como a referência a formas veladas e dissimuladas de intolerância religiosa. A utilização de
paramentos religiosos, por exemplo, é sempre reprimida e condenada. A referência à agressão
policial também é muito recorrente. Diversos foram os relatos em que aparece a figura da polícia
como repressora, ou como arma utilizada por vizinhos e/ou evangélicos intolerantes. Este tipo de
intolerância pode ser explicado pelo fato de que “Até recentemente essas religiões eram
proibidas e por isso duramente perseguidas por órgãos oficiais.” (PRANDI, p.16). Esse passado
faz-se ainda presente: a memória da afro-religiosidade como prática proibida e ilegal ainda é
muito recente, o que permite e reforça a existência desses casos.
Ainda que não seja citado nos relatos de intolerância contidos nos questionários, o
racismo figura, para muitos autores que versam sobre o tema, um dos motivos latentes da
intolerância religiosa. Segundo Prandi, os adeptos das crenças afro-religiosas “seguem sobre forte
preconceito, o mesmo preconceito que se volta contra os negros independentemente de religião.”
(ibidem). O autor apresenta o processo a partir do qual as religiões de matriz africana
tradicionais, isto é, as quais se formaram desde a época da escravização, transformaram-se no
que ele chama de “religião universal”. Segundo o autor, a religião, que antes era freqüentada
apenas por afro-descendentes, nos dias atuais perde essa característica étnica, passando a ser
freqüentada por todo tipo de gente, sem que seja necessária a identificação com a “raça negra” e
sua luta por preservação do seu patrimônio cultural.
Ainda que esse processo de transformação do candomblé1 em religião universal seja
comprovado na realidade, o racismo ainda é forte motivo de intolerância às práticas afro-
religiosas, seja de maneira explícita ou de maneira subliminar. Os símbolos utilizados em rituais,
o toque dos tambores, as danças e comidas não são aceitos por fazerem referência à cultura
afrodiaspórica. Para Prandi, isto se deve “pelo peso do preconceito racial que se transfere do
negro para a cultura negra” (idem, p.26). Esse racismo “escondido” e enraizado é o que faz com
que muitos relatos recolhidos dos questionários não façam menção às religiões rivais como
causadoras de práticas intolerantes. Desta forma, a “intolerância institucional” é também
intolerância racial, ao passo que a simples menção a elementos dessa herança cultural, mesmo
que não sejam elementos da afro-religiosidade em si, já é o suficiente para que pessoas sejam
discriminadas, ainda que não se tenha certeza sobre suas opções religiosas.
Já Maurício Azevedo de Araújo, em sua dissertação de mestrado, defendida em 2007,
pela faculdade de direito da Universidade de Brasília, aborda a questão da relação do racismo
com a intolerância religiosa de outra maneira. Para ele, após as teses racialistas do início do
século XX caírem em desuso, o culturalismo substitui a compreensão sobre raça e etnia nos
centros de estudos nacionais. Teóricos da década de trinta, como Gilberto Freyre, surgem com
novas interpretações sobre as relações raciais e sobre a posição do elemento africano e afro-
descendente na cultura e sociabilidade do Brasil. Assim sendo, teorias são criadas buscando
entender o fenômeno não mais através da “raça”, e sim através da cultura.
[1]
Prandi afirma que o termo candomblé resume em si variadas religiões e práticas. Dessa forma, o Tambor de Mina,
o Xangô e o Batuque são também denominados como candomblé.
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Estabelece-se então, sendo fiel às palavras de Araújo, uma nova “verdade discursiva”,
que consiste em afirmar que a singularidade nacional está na convivência e na mistura entre três
elementos distintos, o “branco”, o “negro” e o “índio” na conformação da cultura nacional. E
para além, esta singularidade é positivada, sendo esta relação interpretada como “harmoniosa”,
ou pelo menos, menos agressiva e conflituosa do que em outros lugares onde estes três elementos
também conviveram. Araújo afirma que tal interpretação torna-se, na década de 50, um discurso
oficial de Estado, posto em prática através de políticas públicas que utilizavam o motim da
“convivialidade racial”, num período em que um projeto nacional-desenvolvimentista buscava
consolidar seus fundamentos ideológicos.
Nasce, assim, o que o Movimento Negro do Brasil convencionou chamar de “mito da
democracia racial”, que consiste na amenização da colonização portuguesa, na visão “açucarada”
das relações raciais no país. Para Araújo, o “mito da democracia racial” é um dos grandes fatores
causadores da intolerância religiosa, quando desferida contra as religiões de matriz africana.
Ainda que festejasse a cultura africana como importante matriz da cultura nacional, essa visão,
não obstante, ainda hierarquizava as relações raciais, sendo vista a cultura européia como mais
importante e determinante. A colaboração das três supostas “raças” não se dava com igual
importância, fato que, segundo Araújo, ainda confirmava a visão de inferioridade do elemento
negro e indígena.
Araújo utiliza um comentário de Gilberto Freyre para validar sua interpretação: “O livro
procurava enfatizar o fato de a formação brasileira representar um misto de impacto
civilizatório e cristianizante, traduzido pelo colonizador português, e uma espontaneidade, um
carácter telúrico, ecológico, primitivo, porém capaz, tanto em música como em arte, de afirmar
essa primitividade. Daí minha insistência em considerar o afro-negro co-colonizador do Brasil,
ao lado do português europeu.” (comentário de Gilberto Freyre sobre seu livro Casa grande e
Senzala, apud ARAÚJO, p.32). Para o autor essa visão nascida dessa interpretação que se
solidifica através da história, contribui para a intolerância religiosa nos dias atuais ao passo que
cristaliza uma visão acerca das religiões de matriz africana, uma certa imagem folclorizada e
distante, que faz com que esses cultos suscitem o passado, o primitivo, o barbarismo.
Quanto à relação de recorrência de casos de intolerância de acordo com lugares e nações,
ainda não está bem elucidada. Pelo que a análise inicial dos 391 questionários nos possibilitou
perceber, a intolerância está dispersa igualitariamente pelos focos de comunidades religiosas de
matriz africana, segundo a proporção de casas existentes nesses focos. Isto quer dizer que aonde
se encontra a maior concentração de casas, tem também a maior concentração de relatos de
intolerância. Das 391 comunidades registradas nesses questionários, 121 estão na Baixada
Fluminense, dispersas pelos municípios de Belford Roxo, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São
João de Meriti, Mesquita, Queimados, Nilópolis e Seropédica. É digno de nota a ínfima
existência de comunidades afro-religiosas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, sendo
classificadas apenas 3, nos bairros da Rocinha, Glória e Leme.
O segundo foco de comunidades afro-religiosas é a zona norte e a zona oeste da cidade do
Rio de janeiro, com 86 comunidades em cada uma dessas áreas, instaladas ao longo de bairros
como: Oswaldo Cruz, Anchieta, Olaria, Pilares, Vila Isabel, Cordovil, Quintino, Água Santa,
Vicente de Carvalho, Rocha Miranda, Bento Ribeiro, Tomás Coelho, Piedade, Ramos, Cachambi,
Vaz Lobo, Méier, Madureira, Campinho, Engenheiro Leal, Honório Gurgel, Penha, Rio
Cumprido, Abolição, Marechal Hermes, Parada de Lucas, Brás de Pina, Ilha do Governador,
Colégio, Vista Alegre, Engenho de Dentro, Cascadura, Coelho Neto, São Francisco Xavier, Irajá,
Rocha Miranda, na zona norte; e Santíssimo, Realengo, Recreio, Inhoaíba, Campo Grande,
Taquara, Guaratiba, Pedra de Guaratiba, Paciência, Magalhães Bastos, Pechincha, Bangu, Vila
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Kennedy, Senador Camará, Vila Valqueire, Praça Seca, Santa Cruz, Padre Miguel, Freguesia,
Cosmos e Curicica, na zona oeste.
Os casos de intolerância seguem quantitativamente de acordo com essa dispersão; sendo
assim, das 121 comunidades afro-religiosas localizadas na Baixada Fluminense, 62 afirmaram
sofrer intolerância religiosa; das 86 comunidades da zona norte da cidade, 45; das 86
comunidades da zona oeste da cidade, 35; das 42 comunidades localizadas em Niterói, São
Gonçalo ou Itaboraí, 25 sofrem com intolerância religiosa, e assim sucessivamente.
A nação Ketu configura uma maioria significativa; em 163 questionários é afirmada como
nome de auto-definição, compreendendo assim quase a metade do total dos 391 questionários
analisados, seguida pela Umbanda(75), nação Angola(49), nação Jeje(48), nação Efón(28), nação
Omolocô(12), entre outras nações de menor expressão, tais como Ijexá, Nagô, Cantoá, Tumba
Junçara, etc. A lógica da proporção também parece funcionar para os relatos de intolerância
analisados segundo as nações, ou denominações. Desta forma, a nação Ketu é a que mais se
queixa de abusos intolerantes (84 comunidades afirmaram sofrer intolerância), seguida pela
Umbanda(32 comunidades), nação Angola(25 comunidades), nação Jeje(24 comunidades), nação
Efón(17 comunidades) e nação Omolocô (6 casas).
Prandi reflete sobre a proporção entre Umbanda e Candomblé existente no interior do
campo afro-religioso. Afirma que a partir da década de 50 do século XX, a Umbanda ocupou a
posição majoritária dentro deste campo. Essa popularidade da Umbanda decorre do fato dela já
ter nascido “híbrida”, tendo permanecido o candomblé, pelo menos até a primeira metade do
século XX, como religião dos descendentes dos africanos escravizados. Porém, a partir da década
de 60, os quadros se alteram: “O candomblé foi extravasando suas fronteiras geográficas,
abandonando os limites originais de raça e etnia dos seus adeptos e ampliando seu território.
Espalhou-se pelo Brasil conquistando para seus quadros até mesmo antigos seguidores da
Umbanda. (...) marcando presença em esferas culturais não religiosas: literatura, cinema,
teatro, música, carnaval, televisão, culinária, etc.” (idem, p.21).
O crescimento do Candomblé em detrimento da Umbanda é exposto em números: “O
candomblé cresceu para dentro e para fora do universo afro-brasileiro. Seus seguidores
declarados eram cerca de 107 mil em 1991 e quase 140 mil em 2000, o que representa um
crescimento de 31,3% num período em que a população brasileira cresceu 15,7%. (...)Por outro
lado, a Umbanda, que contava com aproximadamente 542 mil devotos declarados em 1991, viu
seu contingente reduzido para 432 mil em 2000. Uma perda enorme de 20,2%.”(ibidem). Esta
relação é reafirmada pela análise inicial dos 391 questionários. No caso do estado do Rio de
Janeiro, a maioria dos questionários com a auto-denominação “nação Ketu”, somada à todas as
outras denominações de nações do candomblé que aparecem nesse item ultrapassam em números
a Umbanda.
Para Prandi esta alteração se deve pelo que ficou conhecido entre antropólogos e
sociólogos como movimento de africanização das religiões de matriz africana, que consiste em
“certas reformas de orientação fortemente intelectual, como o reaprendizado das línguas
africanas esquecidas ao longo de um século, a recuperação da mitologia dos deuses africanos
(...) e a restauração de cerimoniais africanos.”(idem, p.22). Um outro movimento, o de
descatolização, faz parte dessa reafricanização, que ao aproximar as religiões de matriz africana
de seus fundamentos africanos, as aproxima também de seus aspetos mágicos, ao mesmo tempo
em que as desassocia das referências cristãs, mantendo-as afastadas da antiga proteção do
sincretismo, já obsoleta. Esse processo faz com que, segundo Prandi, o candomblé ganhe um
maior status dentro do campo afro-religioso, por conter em seus terreiros maior conhecimento
sobrenatural e utilizar com maior frequência e propriedade essas forças mágicas. Isso atrai para o
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candomblé não só adeptos da umbanda, como também pessoas de fora da cultura afro-religiosa,
que se utilizam destas somente como forma de resolver questões pessoais, num contexto onde o
campo religioso é também um mercado.
Um outro aspecto interessante do universo das religiões afro-diaspóricas é o papel que
esses grupamentos desempenham em suas regiões e comunidades. Um montante de 245
comunidades afro-religiosas afirmaram atuar em trabalhos sociais. De acordo com o
entendimento dessas comunidades sobre o que é um “trabalho social” estão algumas atividades
declaradas nos questionários, tais como: cursos profissionalizantes; educação para adultos;
assistência social; reforço escolar; distribuição de cestas básicas; aulas de capoeira; aulas de
iorubá; palestras sobre orientação sexual para adolescentes; aulas de música; visitas a orfanatos;
doação de comida aos moradores de rua; assistência jurídica; ensino religioso; distribuição de
roupas e brinquedos; contação de estórias e aulas de artesanato; acolhimento de pessoas
desamparadas; doação de alimento para orfanatos; biblioteca, consultório médico: ginecologista,
acupuntura, mapeamento de chacras; jogo de búzios e ebó de graça; orientação para a tirada de
documentos; eventos culturais; aula de violão para a 3ª idade; aulas de alfabetização para
crianças; corte de cabelo gratuito; distribuição de frutas e legumes; caridade, trabalhos espirituais
no bairro; assistência médico-odontológica; cursos sobre a cultura afro; aulas de trança nagô,
aulas de dança e culinária africana; trabalho com crianças carentes; almoço comunitário;
distribuição de leite em pó; verificação da pressão arterial; acupuntura para idosos, curso de
cabeleireiro; etc.
Essa atuação das religiões de matriz africana é muito importante, por revelar um carácter
fundamental dessas crenças: o senso de comunidade. Dentro de sua filosofia, o espaço, o terreiro,
a terra onde acontecem os ritos, é considerada sagrada. Dentro da dinâmica afro-religiosa, o
trabalho coletivo é uma prática comum e fundamental: todos cumprem funções e dividem tarefas.
Reginaldo Prandi chama atenção para a natureza quase familiar de organização dessas religiões.
E afirma que a dinâmica de formação dessas religiões se caracterizou “pela formação de
pequenas comunidades, em que todos se conheciam e se relacionavam. A religião recriava
simbolicamente relações sociais comunitárias que o avanço da industrialização e da
urbanização ia deixando de lado.” (idem, p.25).
O autor atesta, porém, que essa realidade não se alterou. Enquanto as demais religiões
evoluíram de acordo o sistema capitalista, oferecendo “serviços religiosos” convergentes com as
demandas atuais – um evangélico tem acesso à palavra e ao discurso do pastor sem ao menos
necessitar sair de casa, através de massiva programação televisiva, programas e rádios, e diversas
outras formas –, dentro do campo afro-religioso a relação permanece, sob esse aspecto, arcaica.
Dessa forma, a interação do espaço afro-religioso com a comunidade que o cerca é de suma
importância, talvez maior do que a relação do neopentecostalismo com este, posto que o
candomblé é a comunidade, depende dela para existir.
Quanto à situação jurídica, uma grande maioria de casas possui terreno próprio; das 391,
apenas 21 das casas não possuem o terreno em que funcionam; isto reflete a já mencionada
tensão entre afro-religiosos e a vizinhança. Diversos relatos apontam para a dificuldade em se
alugar um imóvel, caso o proprietário esteja ciente de que ali funcionará um templo afro-
religioso. 164 espaços estão legalizados, e apenas 94 possuem CNPJ. 215 comunidades estão
filiadas a algum tipo de federação ou associação. Sobre esses números, muito pode se dizer. O
recente passado de ilegalidade, como já foi acima exposto, dificulta a legalização, tanto jurídica
quanto imagética desse segmento religioso. Hédio Silva Jr. expõe essa dificuldade em seu já
citado artigo, quando por exemplo, menciona a pesquisa realizada por Ana Lucia Pastore
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Schirtzmeyr, onde esta observa a recorrência da associação entre os delitos de charlatanismo e
curandeirismo às práticas afro-religiosas, nos anais da justiça referentes ao século XX.
Araújo considera que foi a partir da formação e atuação de um movimento negro no Brasil
que o segmento afro-religioso teve os caminhos abertos para que reivindicações de proteção
jurídica pudessem surgir. A começar pela atuação da Frente Negra Brasileira, criada em 1931, a
reivindicação política desses movimentos abriu caminho para que a afro-religiosidade começasse
a ser respeitada enquanto religião. A década de 70 é, segundo o autor, momento de especial
importância, pois é quando, após um intervalo imposto pela ditadura, o movimento negro
nacional, pegando carona no contexto mundial revolucionário – as lutas pelos direitos civis nos
Estados Unidos, as lutas pela descolonização do continente Africano – se articula e reivindica
maiores direitos.
O que entra em jogo então é a noção de “afrocentrismo2”, conforme expõe Araújo: “Ao
invés de uma ação política voltada à integração e assimilação ao modelo universalista de
identidade nacional, marcada pela predominância da cultura eurocêntrica, o movimento negro
contemporâneo vai pautar suas ações por uma política de afirmação da africanidade, na
perspectiva de que a superação da hierarquia racial deve passar pelo reconhecimento das
tradições africanas.” (ARAÚJO, p.46). Essa noção é fundamental para a legalização do
candomblé e para sua legitimação enquanto religião.
O “mito da democracia racial”, ao folclorizar o candomblé, destorce sua imagem. Assim,
segundo Araújo, o entendimento desse fenômeno social enquanto instituição religiosa é
dificultado: “os novos mecanismos de controle e normalização que se moldam na esteira da
exaltação do Brasil como modelo de convivência racial podem ser sintetizados em duas táticas
de dominação: a reificação do universo religioso africano agenciado pela folclorização e
construção da imagem exótica do Candomblé, que, ao tempo em que atende aos interesses do
mercado de turismo e da imagem do estado brasileiro no cenário internacional, alimenta a
discriminação e a falta de reconhecimento jurídico e social de seu status de religião.” (idem,
p.35). Se a percepção do candomblé enquanto religião é desfocada, que dirá a percepção sobre a
intolerância religiosa. Se a “verdade discursiva” oficial entendia o Brasil como um país onde as
raças conviviam cordialmente, como é possível que exista discriminação a elementos da cultura e
sociabilidades afrodescendentes?
O movimento negro, entendido aqui como as diversas organizações de afro-descendentes
pela luta de seus direitos civis, vai dissolver essa visão encrostada no seio de nossa sociedade,
iniciando assim até mesmo a noção de intolerância religiosa. Para Araújo, dois momentos podem
ser elencados como marcos de resultados dessa luta: a promulgação do decreto 25.095, em 15 de
janeiro de 1976, eximindo as comunidades afro-religiosas da obrigação de conseguir um
requerimento policial para o funcionamento; e o Manifesto das Yalorixás contra o sincretismo
religioso, em 1983. Como atesta Hédio Silva, leis como a promulgada em 29 de dezembro de
1972, nº3 097, do Estado da Bahia, e a de nº3 443, de 6 de novembro de 1966, da Paraíba,
subordinando a existência e atividade das casa afro-religiosas à Secretaria de Segurança Pública,
eram, até o século passado, comuns.
[2]
Afrocentrismo é um conceito cunhado por intelectuais africanos e afro-diaspóricos do final do século XIX e início
do XX, impulsionados pelas mudanças mundiais, como o fim da escravização e as guerras civis nos Estados Unidos,
travadas em torno da questão racial. Cf: Afrocentrismo: Entre uma contranarrativa histórica universalista e o
relativismo cultural. FARIAS, Paulo. F. de Moraes. Tradução de João José Reis, in: Revista Afro-Ásia, nº29-30,
2003.
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O sincretismo foi largamente utilizado pelos adeptos do “mito da democracia racial”
como prova de convivência cordial de raças no Brasil. A luta pelo fim dessa prática, é também a
luta pelo reconhecimento da afro-religiosidade enquanto instituição religiosa, sem que para tanto
fosse preciso associá-la ao catolicismo. O fato de os terreiros de comunidades afro-religiosas
serem obrigados a pedir permissão policial pelo seu funcionamento era uma das maiores provas
do desrespeito às religiões de matriz africana, como atesta Araújo: “A obrigatoriedade de
pagamento de taxa e requerimento de licença policial para a realização das atividades litúrgicas
representava o caso típico de limite ao direito à liberdade religiosa das religiões de matriz
africana, que mesmo sendo exaltadas e utilizadas comercialmente pela elite branca, ainda
permaneciam como caso de polícia, entendidas como perigo à ordem pública.” (idem, p.51).
A filiação a associações pode ser entendida como resquício dessa situação de perseguição
do Estado ao segmento afro-religioso. Se já não é mais preciso pedir permissão policial para o
funcionamento de templos afro-religiosos, a necessidade de proteção a partir de filiação à
associações ou federações ainda é uma necessidade imperiosa. Os números do questionário
comprovam isso: entre as casas que possuem alvará de funcionamento, 189 foram outorgados por
federações ou associações, enquanto que apenas 32 são da Prefeitura. Numa das reuniões com os
pesquisadores de campo, foi enfatizado a reclamação dos adeptos da afro-religiosidade quanto a
atuação desses órgãos. Sendo necessário o pagamento de uma taxa para filiação, segundo um dos
pesquisadores de campo, as autoridades afro-religiosas muito se queixam que as associações e
federações não servem efetivamente para nada, não se engajando na luta pela consolidação dos
direitos dessas religiões, tampouco lutando ativamente contra a intolerância religiosa.
Prandi afirma que “as federações de umbanda e candomblé, que supostamente uniriam os
terreiros, não funcionam” (PRANDI, p.24); mas, segundo a sua visão, isto se dá por conta da
dinâmica estrutural das religiões de matriz africana, uma vez que a autoridade das Ialorixás e dos
Babalorixás nunca é contestada, aspecto que causa dificuldades de interação dentro do próprio
universo afro-religioso. Nos questionários aparecem várias referências a esses órgãos, sendo
alguns de maior recorrência: União Espírita dos Cultos Afro-Brasileiros; União Umbandista dos
Cultos Afro-Brasileiros; União Umbandista Pomba Branca; União Espírita de Umbanda; União
Espiricista de Umbanda do Brasil; Federação Umbandista dos Cultos Afro- Brasileiros;
Federação Brasileira de Umbanda; Federação Nacional de Cultos Afro Brasileiros; Federação de
Umbanda e Nações Africanas; Federação Espírita Dedo de Deus; Federação Pomba Branca;
Associação Umbandista do Brasil; Centro de Tradições Afro- Brasileiras, entre outros de menor
relevância.
A existência de poucas casas legalizadas e pouquíssimas casas possuidoras de CNPJ
contrasta em muito com a situação do neopentecostalismo. Não é preciso ler autores da academia
para entender a facilidade com que igrejas evangélicas contam para seu funcionamento, sendo
necessário apenas olhar ao longo de toda a cidade, onde cada vez mais proliferam templos
neopentecostais. Prandi fala sobre a desigualdade de condições entre os dois segmentos religiosos
rivais: “Sobretudo, nem o candomblé em suas diferentes denominações, nem a umbanda têm
quem fale por eles, muito menos quem os defenda. Muito diferente das modernas organizações
empresariais das igrejas evangélicas, que usam técnicas modernas de marketing, que treinam
seus pastores-executivos para a expansão e prosperidade material das igrejas, que contam com
canais próprios e alugados de televisão e rádio, e com representação aguerrida nos legislativos
municipais, estaduais e federal.”(idem, p.25). Essa discrepância torna a questão da intolerância
ainda mais dificultosa para as religiões de matriz africana.
Esse contacto inicial com os questionários recolhidos em campo, portanto, nos possibilita
algumas hipóteses. Como foi demonstrado, a nação Ketu possivelmente é majoritária dentro do
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campo afro-religioso no Estado do Rio de Janeiro. A Baixada Fluminense parece ser o espaço
onde se localiza a maior existência de templos e espaços das religiões afro-diaspóricas. A
situação jurídica ainda sofre com o recente passado de ilegalidade do segmento religioso, e com
as investidas de evangélicos, que ocupam muito mais espaços de poder. Uma grande maioria de
comunidade parece sofrer com a intolerância religiosa, ainda que em tempos de liberdade de
opção religiosa garantida. Esses e outros aspectos são fundamentais para a luta contra a
intolerância religiosa, uma vez que só partir da sua compreensão enquanto fenômeno será
possível traçar as bases para a sua erradicação, na direção de uma sociedade mais justa e
tolerante.
Conclusão
Definido o campo religioso brasileiro e seus conflitos, é-nos possível apontar algumas
conclusões. A formação do candomblé simbolizou a reafricanização da cultura brasileira, a
preservação da herança africana, bem como atuou como uma agente possibilitador da criação de
uma identidade africana para os negros brasileiros. O campo religioso afro-brasileiro é ainda hoje
muito pulverizado, ainda que após os anos de 1960 essa segregação tenha diminuído a partir de
uma tomada de consciência por parte de membros dessas religiões intelectualizados. O advento
das doutrinas neopentecostais significou uma reorganização do campo religioso brasileiro e seu
crescimento se deu de uma maneira assaz intensa e veloz, tendo como principal expoente a Igreja
Universal do Reino de Deus, que oferece aos demais neopentecostais “os horizontes
conquistados através da assistência social, da mídia e da política” (GIUMBELLI, p.166). O
neopentecostalismo tomou o lugar principal religioso por conta da força de sua doutrina e da
eficácia de suas estratégias de angariação de novos adeptos, e principalmente por causa de sua
adaptabilidade. A intolerância religiosa é produto de um processo histórico racista e
discriminatório, fruto da marginalização atemporal das religiões de matriz africana, acrescido
pela recomposição do campo religioso brasileiro, cujos novos protagonistas, por razões de
disputa de influências e poder, atribuíram às entidades afrodiaspóricas a culpa por todo o mal que
acontece no seio de nossa sociedade.
Como conseqüências, podemos indicar a maior visibilidade das religiões afrodiaspóricas, e
a reafirmação da democracia a partir de uma mobilização social de combate à intolerância. Ainda
que a liberdade religiosa tenha sido garantida legalmente para as religiões de matriz africana, na
prática essa dura realidade persiste obsoletamente, entranhada em nossa cultura. A diferença
representativa e demográfica favorável aos pentecostais dificulta a desmarginalização dos cultos
e age como mantenedora de velhos preconceitos e discriminações. Os textos lidos nos permitiram
a construção da percepção de que religiões de matriz africana e neopentecostalismo não são pólos
tão opostos, apesar de decididamente antagônicos. A estratégia lançada pela Universal de
ressemantização e incorporação de elementos de outras religiões em sua cosmologia criou uma
relação dialética entre protestantismo e espiritismo, pondo-os em constante relação de
aproximação e antagonismo “tal como dois espelhos que se refletem mutuamente” (ORO, p.67).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
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Artigos utilizados:
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Departamento de Sociologia
- SILVA, Hédio. “Notas sobre sistema jurídico e intolerância religiosa no Brasil”.
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