Memoria Identidade Genero e Sexualidade

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    MEMRIA, IDENTIDADE, GNERO E SEXUALIDADE

    Edmar Jos Borges

    Desde os primrdios, a histria oficial, registrada e legitimada nos mais

    diversos lugares de memria, tem sido a histria dos vencedores, daqueles com os quais o

    historiador estabelece uma relao de empatia (BENJAMIN, 2012, p. 225). Para o autor,

    todos os que at hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de

    hoje espezinham os corpos dos que esto prostrados no cho.

    Esse cortejo triunfal a prpria histria oficial, instrumento de poder dos

    vencedores, para destruir a memria dos vencidos e para impedir que uma percepo

    alternativa de histria fosse capaz de questionar a legitimidade de sua dominao (DECCA,

    apud SILVA, 2012, p. 80), a imagem de um grupo vencedor marchando galhardamente rumo

    a um futuro glorioso. Essa a imagem que, espera-se, deve ser preservada para as geraes

    vindouras, em detrimento das reminiscncias dos perdedores, sufocadas sob os escombros da

    derrota e da humilhao: conforme pontua Pollak (1989, p. 4), so memrias subterrneas.

    De fato, o advento dessa memria oficial, nacional, hegemnica, e o

    consequente silenciamento das outras memrias, proibidas e clandestinas, no se d de

    forma natural, mas deliberada, mediante o processo chamado por Pollak (ibidem, p. 7) de

    enquadramento, uma estruturao (ou solidificao) do social a partir de certos elementos

    para a construo de uma histria nacional.

    Trata-se de selecionar, por meio de documentos, monumentos, homenagens,

    textos, livros didticos, pinturas, relatos, museus, bibliotecas, etc., aquilo que deve ser

    lembrado. Atribui-se assim importncia ao que est dentro do enquadramento, ao qual sereservam os louros, os arcos de triunfo e as glrias das odes; ao que est fora, ao brbaro, ao

    extico, cabe o esquecimento, o silncio, a vergonha, o escrnio e a no existncia.

    A funo do enquadramento, ainda segundo Pollak, justamente manter a

    coeso interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum (loc.cit.),

    conservar a perenidade do tecido social e das estruturas institucionais de uma sociedade.

    Essa construo intencional e ideolgica da histria relaciona-se com a memria, embora com

    ela no se confunda. Assume-se aqui a mesma posio de Silva (2012, p. 79), segundo quema histria refere-se aos fatos ocorridos, narrados, descritos, registrados e que tendem acristalizar-se no seu processo de construo. J a memria (social e coletiva) um conceito que

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    diz respeito ao permanente processo de reconstruo e ressignificao dos fatos experinciadospor um indivduo ou coletivo.

    Percebe-se aqui a interseco de memria e identidade, neste caso a identidade

    social: a memria um elemento constituinte do sentimento de identidade (POLLAK,

    1992, p. 5), na medida em que permite aos indivduos ver (ou no) refletida sua prpria

    imagem no grupo representado pela histria oficial, a imagem que ela [a pessoa] constri e

    apresenta aos outros e a si prpria(loc. cit.): o enquadramento da memria constitui-se em

    uma representao, a qual cria nos indivduos o sentimento de pertencimento ou de no

    pertencimento ao grupo representado.

    E quem pode ver-se representado nesse enquadramento? Quem est ali

    enquadrado? Para Guacira Lopes Louro (2000, p. 9), a identidade referncia a do homembranco, heterossexual, de classe mdia urbana e cristo. (...) As outras identidades so

    constitudas, precisamente, como outras em relao a essa referncia : so os muitos grupos

    que no so representados pelo enquadramento, aqueles mesmos das memrias clandestinas;

    o enquadramento que privilegia homens brancos heterossexuais e abastados representa

    unicamente queles que possuam tais caractersticas, deixando de fora mulheres (todas),

    homens negros, homens e mulheres cuja orientao sexual diferencie-se da normatividade

    heterossexual pr-estabelecida, pobres, pessoas iletradas, camponeses, etc.

    Ao considerar-se especificamente as questes de gnero e sexualidade, pode-se

    dizer que o registro da histria ocidental oficial tem privilegiado o mbito da ao pbica e

    poltica, nico domnio direto da interveno do poder e campo dos verdadeiros valores

    (PERROT, 1989, p. 2), campo esse desde sempre dominado por homens. Nesse espao, as

    mulheres tem sido tnues sombras (lo. cit.): o afastamento deliberado das mulheres daplis

    para o ikos (VARIKAS, 1996), ou, em outras palavras, do pblico para o privado (e a

    prpria diviso ideolgica desses dois mbitos, com a consequente valorizao do primeiroem detrimento do segundo) constitui-se assim em uma violenta forma de silenciamento,

    negando peremptoriamente s mulheres quaisquer possibilidades de fazer ouvir suas vozes;

    essas, quando aparecem, e se porventura aparecem, so as vozes da assim chamada histeria

    que reclamam de alguma trivialidade sem maior importncia.

    Cabe aqui um importante parnteses: o gnero no algo natural,

    biologicamente determinado, antes social e historicamente construdo, engendrado (...) por

    meio de cdigos lingusticos e representaes culturais (DE LAURETTIS, 1987, p. 208),como a separao entre pblico e privado brevemente descrita acima. Explicando melhor, a

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    autora (loc. cit.) coloca que o gnero como representao e como auto represen tao,

    produto de diferentes tecnologias sociais (...) e de discursos, epistemologias e prticas crticas

    institucionalizadas, bem como das prticas da vida cotidiana.

    Tampouco natural a sexualidade. Louro (ibidem, p. 4-5) discute essa questo,

    principiando pela viso determinista (na qual um atributo biolgico constitui-se na origem,

    ncleo ou essncia da sexualidade), passando pela perspectiva essencialista (que atribui a

    origem da sexualidade a algo inato) e pelo modelo de influncia cultural (que, apesar de

    afastar-se dos modelos anteriormente descritos, aprofundando-se na complexidade da

    manifestaes de sexualidade em diferentes contextos culturais, no rompeu com a

    existncia de um ncleo sexual comum a todos os seres humanos, ou seja, a universalizao

    da heteronormatividade) para finalmente chegar a uma explicao construcionista, segundo a

    qual se afirma o carter construdo, histrico, particular e localizado da sexualidade. Em

    outras palavras, no se trata de negar aspectos biolgicos da sexualidade, mas de

    problematizar a questo afirmando que mesmo tais aspectos so socialmente construdos por

    meio de tecnologias especficas.

    Neste momento, as noes de memria, identidade, gnero e sexualidade

    comeam a emaranhar-se. a partir desses corpos, reais e engendrados, que vo se construir

    as memrias das pessoas: o engendramento cria memrias marcadas pelo gnero e pela

    sexualidade. Isso porque tudo que se forma como conscincia mediado pelo corpo

    engendrado, pelo lugar espao temporal (social e historicamente construdo) que se ocupa.

    Rememorar no simplesmente trazer tona um evento tal como este tenha ocorrido, mas

    reconstru-lo, refaz-lo, no momento mesmo em que se o evoca, mediado pela representao

    que se tem de si mesmo ou de si mesma no momento da rememorao. Nas palavras de Eclea

    Bosi (1994, p. 55)

    lembrar no reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, asexperincias do passado. A memria no sonho, trabalho (...). A lembrana a umaimagem construda pelos materiais que esto, agora, nossa disposio, no conjunto derepresentaes que povoam nossa conscincia atual.

    Teresa de Lauretis esclarece que a noo de gnero, enquanto representao e

    auto-representao, cria um sentimento de pertencimento a um grupo (masculino ou

    feminino) e lega a quem o integra valores, identidade, prestgio, relaes de parentesco.

    possvel afirmar, ento, que assim como a ideologia tem como funo constituir indivduos

    concretos em sujeitos, o gnero tem a funo de constituir indivduos concretos em homens emulheres. (ibidem, p. 212-3).

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    Essa construo ideolgica que separa e hierarquiza masculino e feminino, por

    meio das mais diferentes tecnologias (banheiros, roupas, brinquedos, discursos em geral,

    como os da medicina ou da religio, esportes, a prpria lngua e a generificao das coisas,

    etc.) cria um sistema de gnero, um sistema simblico ou um sistema de significaes que

    relaciona o sexo a contedos culturais de acordo com valores e hierarqu ias sociais (ibidem,

    p. 211). Essa construo atribui, portanto, valores e define posies ideolgicas de poder,

    lugares socialmente apropriados a cada um e a cada uma: como j se disse anteriormente, aos

    homens o espao pblico da poltica, das guerras, das conquistas, da economia, das grandes

    navegaes; mulher, o espao familiar, maternal, do cuidado, do artesanato, da fragilidade e

    submisso.

    Uma breve visita etimologia dos termos marido e mulher na lngua inglesa

    pode ilustrar essa questo: a palavra husbandderiva do nrdico antigo com o significado de

    cabea masculina da casa, ou mestre da casa, enquanto wife vem de wif, (mulher ou

    dama), termo em si inadequado para dirigir-se a uma senhora, sendo prefervel wifman (de

    onde vem a palavra woman), ou seja, a mulher de um homem (ONIONS, 1966, p. 322 e

    511): percebe-se que, nesse sentido, o homem existe por si s, mas a mulher somente em

    funo do homem; do contrrio, o termo husbandwife (o senhor da casa de uma mulher)

    seria possvel...

    Memrias so ento construdas, tanto aquelas que se adaptam melhor ao

    enquadramento hegemnico, quanto as subterrneas, todas a partir de seus respectivos lugares

    de memria e poder: enquanto a masculina poder ser facilmente encontrada nos livros,

    jornais, documentos oficiais, bustos e esttuas, as memrias femininas, cujos modos de

    registro esto ligados sua condio, ao seu lugar na famlia e na sociedade at bem pouco

    tempo (como diz Perrot, para as mulheres de antigamente, e pelo que resta de antigamente

    nas mulheres de hoje, que no pouco) podem somente ser encontradas (desde que tenham,

    por algum feliz acaso, sido preservados da destruio, ou da autodestruio) nos dirios e nas

    cartas abandonados em stos, nas fotografias, nos mimos e bibels: impossibilitada de

    reconhecer-se na representao da histria, as mulheres existem e resistem no instante fugaz

    da palavra ou no cuidado com seus pertences (PERROT, ibidem, p. 11-3),.

    E onde encontrar, ento, as memrias de gays, lsbicas, transgneros e

    bissexuais? Vale lembrar que quando se fala, logo acima, de uma memria masculina

    facilmente enquadrvel, entenda-se memria masculina heterossexual. De acordo com Silva

    (ibidem, p. 80),

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    aqueles que no compartem a orientao de seu desejo segundo a norma heteroertica nuncativeram direito a um lugar na histria oficial, a no ser como atores secundrios quedesviavam, distorciam ou mesmo maculavam a histria e a memria oficial da humanidadeheterossexualmente orientada.

    Ora, se a memria de um indivduo se tece no relacionamento com a famlia,com a classe social, com a escola, com a Igreja, com a profisso; enfim, com os grupos de

    referncia peculiares a esse indivduo, as muitas memrias pessoais, em comunho, formam

    a esfera maior da tradio, que a memria coletiva de cada sociedade. Como diria o poeta

    Joo Cabral de Melo Neto,

    Um galo sozinho no tece a manh:

    ele precisar sempre de outros galos (...).

    A memria no sonho, trabalho (BOSI, loc. cit.), e trabalho artesanal coletivo , sem um

    nico dono, impregnado pelas marcas de quem produz,; a experincia que passa de pessoa

    a pessoa (BENJAMIN, ibidem, p.198).

    Essas memrias clandestinas existem, sim, mas subterrneas, ou dito de outra

    forma, no mesmo lugar onde se encontram as memrias femininas das cartas e dirios: dentro

    do armrio; no caso das lsbicas, gays, bissexuais e transgneros, no em armrios

    propriamente ditos, mas nessa estrutura definidora de opresso gay no sculo XX

    (Sedgwick, 2007, p. 26), na regulao social e ideologicamente construda para conter gays,lsbicas, bissexuais e transgneros; para parafrasear mais uma vez o poeta Joo Cabral de

    Melo Neto, na parte que lhes cabe deste latifndio.

    Essa mesma regulao do armrio chamada por Rancire (apud SILVA,

    ibidem, p. 82) de polcia,

    uma ordem dos corpos que define as divises entre os modos do fazer, os modos de ser e osmodos do dizer, que faz que tais corpos sejam designados por seu nome para tal lugar e taltarefa, uma ordem do visvel e do dizvel que faz com que essa atividade seja visvel e outrano o seja; que essa palavra seja entendida como discurso e outra como rudo.

    Conforme se discutiu aqui, as tecnologias de gnero e o enquadramento

    buscam perpetuar essa ordem dos corpos e os seus respectivos lugares de poder e dominao.

    Toda tentativa por parte de homens e mulheres homossexuais, bissexuais e transgneros de

    criar espaos de emergncia, visibilidade e produo de narrativas decorre de intensa

    luta poltica entre aqueles que controlam a memria oficial e eles prprios, que propem umacontramemria oficial ao disputarem significados do passado, ao confrontarem-se com aquelesque detm o poder com vistas a adquirir o direito de construir publicamente a sua memriacoletiva (SILVA, ibidem, p. 80).

    Assim, enquanto vencidos e vencidas tentam retirar de sobre si os escombros,

    os vencedores, com seus ps em marcha sobre esses mesmos destroos e ao som de fanfarra,

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    esforam-se para manter tudo como est. Mesmo sob tais escombros, os galos tecem a manh

    com suas vozes, constroem sua memria artesanal. A questo : possvel, desde sobre o

    monturo, ouvir tais vozes, ou contemplar a tessitura dessa manh?

    Para Gayatri Chakravorty Spivak (2010, p. 14), no. O subalterno no pode

    falar enquanto ocupe a posio de subalterno, ou seja, sem emancipao. Conforme colocado

    por Louro (ibidem, p. 8-9), identidades LGBT so marcadas como outras justamente

    tomando-se a heteronormatividade hegemnica e inquestionvel como referncia; em

    consequncia, a pessoa subalternizada, como tal, ser representada no apenas por

    comparao identidade hegemnica, mas a partir do olhar hegemnico, da que, muitas

    vezes, a identidade marcada no pode falar por si mesma.

    sobre esse problema da representao que se detm Spivak. A autora indiana

    recorre aos termos da lngua alem vertretung e darstellung, significando, respectivamente

    (ibidem, p. 31-33), representar assumindo o lugar de outro (como na poltica) e representar na

    forma de encenao (como nas artes cnicas). Spivak discute a relao entre esses dois termos

    levando em considerao o trinmio poder/desejo/interesse: para ela, os grupos

    subalternizados (exatamente os das memrias subterrneas, no representados no

    enquadramento) alm de no ocuparem os espaos de poder, possuem ainda desejo e interesse

    que no so propriamente seus, mas da classe opressora hegemnica introjetados em seus

    discursos; o interesse das massas e, na verdade, ideologia, inclusive ideologia de gnero e

    sexualidade. Desprovidas assim de agenciamento (ao, interveno sobre o meio, que

    pressupe interesse), as pessoas subalternizadas no tem possibilidade de fala, a no ser,

    nessas condies, por meio da re-presentao/substituio/encenao, que se constitui, ao fim,

    em mais uma forma de silenciamento.

    No quer dizer que as pessoas subalternizadas no tenham voz; pelo contrrio,

    e exatamente por terem voz que conseguem tecer memrias, ainda que subterrneas. A

    questo aqui so as vozes contidas na relao dominao -explorao que governa a

    sociedade patriarcal e heterossexista Sem voz audvel, no h emancipao, nem

    participao poltica. A palavra traz consigo dignidade, visibilidade e exerccio de direitos;

    por outro lado, o silenciamento associa-se ao vituprio e invisibilidade. Se as vozes

    subalternizadas no se fazem ouvir, perpetua-se a paz (sem voz), nome que os vitoriosos do

    ao silncio dos vencidos, para figura-la como definitiva (SILVA, ibidem, p. 84).

    Pensando nisso, o pesquisador ou a pesquisadora ps-coloniais tem como

    tarefa a criao de espaos por meio dos quais o subalterno esse outro que est abaixo -

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    possa falar, e, ao falar, possa ser ouvido. Trata-se de uma volta ao passado, que no o dos

    vencedores, mas o dos vencidos, dos deslocados, dos que foram colocados sombra, para

    encontrar ali as centelhas de esperana (BENJAMIN, ibidem, p. 224), a possibilidade de

    mudana, de transformao, de um futuro que no aconteceu, desejado e abafado. Para

    encontrar essa centelha de esperana, materialistas histricos devem considerar sua tarefa

    como escovar a histria a contrapelos (ibidem, p. 225).

    A escolha de um mtodo j , em si, poltica. Como disse o poeta Robert Frost,

    Two roads diverged in a wood, and I

    I took the one less traveled by,

    And that has made all the difference.

    Neste caso, escolher o caminho menos trilhado talvez seja optar pela histria

    oral, abordagem de pesquisa prioritariamente qualitativa que privilegia, primeiramente, uma

    perspectiva terica segundo a qual fontes orais, como relatos e entrevistas, ou mesmo escritas

    ditas no oficiais, como dirios e cartas, tem o mesmo valor histrico de documentos

    chancelados, como atas, tratados, decretos, etc., na medida em que so todos esses

    possibilidades de representao do real, a partir das quais se pode aproximar de determinado

    fenmeno. Alm disso, como consequncia dessa atribuio de importncia a diversos tipos

    de fontes histricas, por meio da histria oral privilegiam-se aqueles sujeitos cujas vozes noso registradas pelo enquadramento da histria. Sujeitos das memrias subterrneas.

    (LOURO, 1990, 21-8).

    Ao oportunizar espaos de fala e de escuta a essas pessoas reais e engendradas,

    cuja voz constantemente sufocada pelas estruturas opressoras da sociedade, pesquisadores e

    pesquisadoras podem, qui, possibilitar reflexo por parte de quem fala, auto

    reconhecimento desse lugar de separao (entre homens e mulheres, brancos e negros,

    brancas e negras, heterossexuais e gays, lsbicas, bissexuais e transgneros) que coloca a

    dominao ao abrigo da crtica (VARIKAS, ibidem, p. 2). No se trata de uma viso

    salvacionista e messinica, segundo a qual o poder redentor jaz sobre as mos de quem

    pesquisa; uma tentativa perversa de compreender o outro que est abaixo, com o objetivo de

    traz-lo para seus prprio referenciais, totalizando-o (GUIMARES, 2012, p. 89); tal viso

    no far mais do que levar re-presentao do subalterno e ao seu re-silenciamento.

    Ao invs disso, trata-se de oportunizar contato, troca, sem diluio de

    fronteiras. Como afirma Bakhtin (1997, p. 27-8):

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    Quando contemplo um homem situado fora de mim e minha frente, nossoshorizontes concretos, tais como so efetivamente vividos por ns dois, nocoincidem. Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e sabereialgo que ele prprio, na posio que ocupa, e que o situa fora de mim e minhafrente, no pode ver: as partes de seu corpo inacessveis ao seu prprio olhar a

    cabea, o rosto, a expresso do rosto , o mundo ao qual ele d as costas, toda umasrie de objetos e de relaes que, em funo da respectiva relao em que podemossituar-nos, so acessveis a mim e inacessveis a ele. Quando estamos nos olhando,dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos. Graas a posiesapropriadas, possvel reduzir ao mnimo essa diferena dos horizontes, mas paraelimin-la totalmente, seria preciso fundir-se em um, tornar-se um nico homem.

    nesse olhar no coincidente, de dissenso, nessa compreenso da parcialidade

    do olhar e da compreenso que se d na differnce que se pode, pelo contato, pelo tato, pela

    narrativa artesanal e, por isso, bela, que se pode encontrar a centelha da esperana; a

    esperana de que as vozes que tecem a manh sob os escombros venham a se constituir em

    luz-balo.

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