MINELLA 1988 A luta pela reforma bancária no Brasil

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Artigo da disciplina ANÁLISE SÓCIO-POLÍTICA DO SISTEMA CAPITALISTA CONTEMPORÂNEO

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Ary Cesar Minella. Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Traduo Paulo Fres. Rio de Janeiro : Espao e Tempo; So Paulo : ANPOCS, 1988.[cpia digitalizada, revisada parcialmente; para uso exclusivo como subsdio didtico; as notas esto indicadas com nmeros sem destaque no texto; verso em word, solicita-se aos leitores que contribuam com revises, identificando-as e remetendo ao autor [email protected]]

Captulo I [p.29-81 do livro]

A LUTA PELA REFORMA BANCRIA NO BRASIL1.INTRODUO [p.31]

Em termos gerais, os estudos sobre o sistema bancrio brasileiro consideram a Reforma Bancria, implantada a partir de 1965, como resultado natural de estudos tcnicos, cuja elaborao final foi feita pelo governo Castelo Branco. Entretanto, as solues tcnicas tinham, na verdade, um significado muito mais amplo, pois vinculavam-se a determinados projetos polticos e continham um sentido de classesocial, em geral, no mencionado. Para analisar o tema sob essa perspectiva, vamos considerar: a) o contedo dos diversos projetos de Reforma Bancria, as emendas apresentadas, as discusses no Congresso Nacional e outras manifestaes a respeito: b) os possveis vnculos de classe dos parlamentares a respeito; c) o contexto mais geral do Pas no perodo e a presso exercida pelos diversos grupos sociais frente reforma. Examinaremos com especial nfase a posio e atuao dos banqueiros, considerando, em primeiro lugar, os Congressos Nacionais de Bancos, pois em tais eventos eram apresentadas, discutidas, aprovadas ou rejeitadas as teses sobre os diferentes temas a respeito do sistema bancrio-financeiro brasileiro, inclusive os concernentes Reforma Bancria. Esta foi, de fato, a questo preponderante discutida no III Congresso Nacional de Bancos, realizado em 1962. Alm disso, atentaremos para as posies e manifestaes particulares de banqueiros, identificando seus vnculos polticos e econmicos e sua representatividade dentro do sistema de classe. Tenhamos em conta que at o golpe de Estado de 1964, os conflitos sociais alcanaram especial significado no Parlamento, pois nele se condensavam sob a forma de projetos, leis, emendas etc. as posies polticas em disputa, representativas dos interesses das diversas foras sociais. Tais interesses deveriam transformar-se em lei e para isso precisavam passar pelo Parlamento. A polmica em torno da Reforma Bancria ganhou particular mpeto quando o governo Goulart props-se executar uma srie de reformas de base, incluindo a Reforma Bancria. A longa e tortuosa tramitao da Reforma Bancria no Congresso gerou muita confuso, razo pela qual apresentaremos a seguir uma sntese de seus antecedentes parlamentares, facilitando uma viso cronolgica do processo em questo. 2. UM LONGO E ARDUO CAMINHO NO PARLAMENTO 1 [p.33] Em 1946, o governo Dutra mandou elaborar um projeto de reforma bancria, que ficou a cargo de Correia e Castro, banqueiro e Ministro da Fazenda. O projeto, que levou o nome do autor, foi apresentado na Cmara dos Deputados em 1947, onde foi objeto de estudo e anlise por vrias comisses. Somente em abril de 1954 a Subcomisso de Reforma Bancria da Comisso de Economia e Finanas da Cmara dos Deputados apresentou um substitutivo cujo relator foi Daniel Faraco. Aprovado numa primeira discusso (junho), este projeto recebeu trinta emendas em segunda avaliao, retornando s comisses. Assim permaneceu por mais alguns anos quando Nogueira da Gama relatou novo projeto substitutivo que, aprovado pela Co- misso de Constituio e Justia (31 de janeiro de 1959), foi remetido

2Comisso de Economia; esta, por sua vez, esperou mais algum tempo e props a 20 de junho de 1962 a formao de uma Comisso Especial para emitir parecer a respeito. Em agosto de 1962, Daniel Faraco, relator desta Comisso, apresentou outro projeto substitutivo, que leva seu nome, e a partir da (at dezembro) tal substitutivo foi objeto de veementes discusses no Congresso. Foram apresentadas 118 emendas, alm de outros trs projetos substitutivos: o de Othon Mader, representando os interesses dos banqueiros; o de Salvador Lossaco, manifestando a posio dos trabalhadores bancrios e o de Srgio Magalhes e outros deputados, expressando a corrente nacionalista (Frente Parlamentar Nacionalista). Nesse mesmo ano (1962), como resultado da crise poltica surgida com a renncia do presidente Jnio Quadros em agosto de 1961, vigorava o regime parlamentarista de governo o que diminua o poder das foras sociais identificadas ou representadas pelo governo Joo Goulart e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Goulart pretendia enviar ao Parlamento um projeto prprio de Reforma Bancria e procurava ganhar tempo at a realizao do plebiscito em janeiro de 1963. Para elaborar tal projeto, Goulart decretara a formao de um grupo de trabalho j em 1962, porm o Ministro da Fazenda, Miguel Calmon, procurava adiar a efetivao do decreto. Mas as presses para a criao do Grupo se intensificaram inclusive com uma onda de greves de trabalhadores bancrios resultando na constituio do mesmo a 14 de dezembro de 1962. Opondo-se s presses para aprovao da proposta de Daniel Faraco, o governo tratou, portanto, de adiar a discusso da Reforma at o momento em que pudesse apresentar seu prprio projeto. Assim, em 12 de dezembro de 1962, a Comisso Especial resolveu solicitar uma segunda discusso da referida proposta, para que ento fossem enviadas as sugestes que o governo queria apresentar. Formou-se uma Comisso, cuja presidncia ficou nas mos do PTB, mas o relator foi Jos Maria Alkmin, deputado pelo Partido Social Democrtico (PSD), que elaborou proposta cujo ditame e substitutivo foi aprovado pela Comisso a 13 de dezembro de 1963. Neste ano, eram as foras contrrias a Goulart que tratavam de ganhar tempo e adiar qualquer deciso a respeito da Reforma Bancria. A conspirao contra o governo Goulart j estava em marcha e seus patrocinadores tinham interesse por uma Reforma Bancria que atendesse melhor a seus propsitos. Durante a convocao extraordinria do Parlamento, em janeiro de 1964, solicitou-se tratamento prioritrio Reforma Bancria. Contudo, esta deveria receber parecer da Comisso de Justia e a se encontrava quando ocorreu o golpe de Estado. Os ministros de Castello Branco, principalmente Octvio Gouveia de Bulhes, da Fazenda, procuravam impedir uma eventual aprovao do substitutivo Jos Maria Alkmin pelo Congresso, mesmo mutilado, pois numerosos parlamentares tiveram seus mandatos cassados pelo governo. Os deputados nacionalistas e os representantes de correntes populares foram os alvos preferidos de tais medidas. A Comisso de Justia, atravs de Aliomar Baleeiro, deputado pelo partido Unio Democrtica Nacional (UDN), votou pela inconstitucionalidade do projeto, sugerindo a devoluo do mesmo ao Executivo para que com base nas modificaes profundas das instituies e do novo Governo, este pudesse manifestar-se sobre o projeto.2 A manobra, contudo, no se mostrou eficaz, pois o ditame de inconstitucionalidade foi rejeitado pelo Congresso (19 de maio). A 20 de maio, submetido discusso nica, o projeto recebeu 39 emendas, retornando assim Comisso Especial cuja composio j estava alterada pela nova situao poltica. Em termos legais formais, somente atravs de um novo projeto substitutivo elaborado pela Comisso, poderia o governo apresentar a proposta que desejava ver aprovada pelo Parlamento. Bulhes formou uma comisso extraparlamentar de cinco pessoas, integrada por banqueiros que haviam participado da realizao do golpe, para elaborar um novo projeto (veremos mais adiante com detalhes a composio dessa comisso). O contedo desta nova proposta serviria de subsdio Comisso Especial, cujo relator seria ento Ulysses Guimares, tambm do PS, que se encarregaria de apresentar um projeto substitutivo, que viria a ser aprovado pela Comisso a 29 de julho de 1964. Aprovado tambm por outras comisses, sua redao foi, enfim, aceita pelo Congresso a 22 de setembro. O Senado aprovou-o a 23 de novembro, apresentando, contudo, algumas emendas. Aos 30 do mesmo ms, a Cmara dos Deputados manifestou-se a respeito das emendas propostas (somente duas foram rejeitadas e uma parcialmente) e a 23 de dezembro de 1964 foi enviado sano pelo Poder Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Captulo I: A luta pela reforma bancria no Brasil.

3Executivo. A 31 de dezembro o governo promulgou a Lei 4595 com alguns vetos parciais, mas que no alteravam de forma substantiva o projeto. A Cmara analisou os vetos em fins de maro de 1965 e aprovou-os. Esta foi, em sntese, a trajetria parlamentar da chamada Reforma Bancria. Analisaremos, agora, o prprio teor das diversas propostas e seu significado. 3. CRITRIOS DE ANLISE [p.36] As propostas de Reforma Bancria continham vrios pontos referentes ao sistema financeiro e monetrio nacional, sempre procurando dar-lhes uma estrutura organizacional e regras de funcionamento. No nos cabe analisar cada item de tais propostas pormenorizadamente. Vamos orientar nossa exposio para aqueles pontos fundamentais, pertinentes nossa anlise e que so os seguintes: a) o papel que se atribuiu ao sistema bancrio privado e pblico e a relao entre ambos; b) a poltica a seguir em relao ao capital estrangeiro dentro do sistema bancrio; c) a criao do Banco Central do Brasil, sua estrutura, funo, direo e relao com o Banco do Brasil; d) o Conselho Monetrio Nacional (CMN), seus poderes e, sobretudo, sua composio; e) a definio de uma politica de seletividade de crdito em funo de determinados interesses. Tais aspectos e a posio adotada a respeito revelavam a conexo existente com projetos sociais e polticos mais amplos e de contedo classista; poderamos cham-los de modelos de desenvolvimento, projetos scio-econmicos, ou tendncias fundamentais que, em suma, procuravam orientar os rumos do pas em determinada direo. 4. ANTECEDENTES: A REFORMA BANCRIA AT 1962 [p.37] Foge ao mbito de nossa anlise o Projeto Correia e Castro apresentado em 1947. Faremos referncia ao substitutivo Daniel Faraco de 1954, comparando-o com o apresentado por Nogueira da Gama em 1959. A referncia ao projeto de Faraco se faz necessria para fornecer elementos comparativos com seu projeto de 1962, que um substitutivo ao proposto por Nogueira da Gama. Daniel Faraco (1954) e Nogueira da Gama (1959)3 Daniel Faraco era deputado pelo Partido Social Democrtico (PSD). Bancrio, com altos cargos no Banco do Brasil, participou do bloco da Ao Democrtica Parlamentar (ADP) e exerceu importante papel em sua estratgia. Esteve vinculado ao grupo conspirador do golpe de Estado de 1964, assumindo o Ministrio da Indstria e Comrcio no governo Castelio Branco; citado entre os candidatos que receberam apoio financeiro e assistncia tcnica e administrativa do Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (IBAD) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) nas eleies de 1962. 4 Mantinha timas relaes com Octvio Gouveia de Bulhes e Eugnio Gudin e defendeu-os muitas vezes no Parlamento. Considerava o primeiro como uma das maiores figuras do pas, um homem que est sacrificando-se pela nao e ao segundo referia-se como uma voz molesta no Brasil por que diz a verdade.5 Um dos ministros de Casteilo tambm reconhecia os vnculos de Faraco com Bulhes e sua identidade de pensamento em assuntos financeiros.6 Faraco defendeu as medidas da Superintendncia da Moeda e do Crdito (SUMOC), sobretudo a famosa Instruo 113, responsvel em grande parte pelo processo de desnacionalizao da economia brasileira.7 Os banqueiros tambm contavam com Faraco para assessor-los em relao ao projeto substitutivo de 1962.8 Nogueira da Gama era deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e parte das posies nacionalistas do partido se expressariam em sua proposta de Reforma Bancria. A primeira diferena bsica entre a proposta de Faraco (1954) e a de Gama (1959) era em relao posio que iria ocupar o Conselho Monetrio Nacional no sistema bancrio; o deputado trabalhista o definia claramente como o rgo de cpula do sistema, com funes explcitas, enquanto Faraco apresentava um Conselho sem independncia definida. A respeito de sua composio existiam algumas diferenas no substanciais. O Conselho proposto por Gama seria composto por vinte membros, ao

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4passo que o de Faraco por apenas dezesseis; Gama procurava ampliar os setores representados, incluindo um representante do Conselho Nacional de Economia (CNE), um da Fundao Getlio Vargas (FGV) e o presidente do Instituto Brasileiro do Caf (IBC). Alm disso, previa a consulta s faculdades de Economia do pas, tratando assim de abrir caminho participao do mundo acadmico e intelectual. A incluso do CNE coincidia com proposta dos banqueiros formulada durante o II Congresso Nacional de Bancos que no s integrava o CNE ao Conselho Monetrio mas tambm, outorgava-lhe a presidncia deste. Nenhuma representao dos assalariados era prevista por ambos parlamentares, mas preservava-se um espao considervel burguesia na cpula das decises econmico-financeiras: entre os membros do Conselho, de acordo com o proposto por Gama e Faraco, seis seriam diretamente indicados pelos rgos representativos desta classe social, dos quais trs seriam banqueiros; quatro membros deveriam estar em atividades dentro do sistema bancrio por dez anos, o que daria grande oportunidade a altos dirigentes do setor bancrio privado, os quais tambm poderiam participar na direo do Banco Central (a ser criado) e por esta via integrar o Conselho Monetrio. Alis, a incluso dos seis diretores do Banco Central daria ao mesmo um peso considervel no Conselho. Os representantes da FGV e do CNE, rgos sob influncia ou controle de setores empresariais, coroavam a presena dos representantes da burguesia no Conselho Monetrio. A estruturao do Banco Central do Brasil era bastante semelhante em ambos os projetos substitutivos, mas havia uma diferena importante: Gama considerava este banco como rgo executivo do Conselho Monetrio, enquanto Faraco atribua-lhe tambm funes normativas. A delimitao de funes, a normativa e a executiva, seria a tendncia dominante na maioria das propostas posteriores inclusive a de Faraco em 1962. Em ambos projetos, com a implantao do Banco Central, extinguia-se a SUMOC, a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil e a Caixa de Mobilizao Bancria. Tais posies deparar-seiam, mais tarde, com a proposta de transformao do Banco do Brasil em Banco Central, proposta inclusive defendida por setores da burguesia de So Paulo. Nogueira da Gama apresentava certa tendncia nacionalista: sua proposta impedia os bancos estrangeiros de receberem depsitos de pessoas fsicas e jurdicas de nacionalidade brasileira; deveriam igualmente manter capitais e fundos de reserva distintos dos de suas matrizes no exterior. Gama defendia o que chamou de nacionalismo monetrio interno, definindo-se como uma poltica da moeda e do crdito em funo das necessidades do pas. Faraco seguia neste particular uma postura liberal, permitindo a existncia de agncias de bancos estrangeiros, sem inconvenientes para receber depsitos sempre que os mesmos no superassem o total de capital mais fundos de reservas aplicados no pas. Definia banco estrangeiro simplesmente como aquele organizado no exterior, oferecendo, por isso, ampla margem de manobra aos bancos associados ao capital internacional. Este aspecto era influenciado tambm pela forma como deveriam constituir-se os bancos privadds. Para Faraco, na forma de sociedade annima, com a metade do capital em aes nominativas e as demais podendo ser ao portador. Nogueira da Gama seguia a mesma orientao. Tal estrutura do capital abriria espao participao do capital estrangeiro. Veremos como outros projetos indicavam claramente que todo o capital deveria constituir-se em aes nominativas e de propriedade exclusiva de brasileiros. Por fim, a respeito da relao entre o sistema bancrio privado e o pblico, Faraco defendia explicitamente o papel do ltimo como complementar e secundrio iniciativa privada. Gama, por sua vez, defendia uma participao mais ativa do setor bancrio pblico. Em fins da dcada de 50, Nogueira da Gama, atravs de sua proposta de Reforma Bancria, atendia aos importantes interesses da burguesia brasileira, inclusive de alguns banqueiros. A defesa do setor bancrio para o capital nacional e o papel atribudo ao estado indicavam a diferena mais ntida em relao ao projeto de Faraco de 1954. O estrito carter classista de suas propostas expressava tambm uma determinada correlao de foras no interior de seu partido, posteriormente quando o PTB foi premido a ampliar sua composio (incio da dcada de 60), no prprio seio do partido amadureceriam projetos representativos do novo contexto poltico.

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5Daniel Faraco 1962 10 A luta em torno da Reforma Bancria ganharia particular fora com a apresentao de novo projeto substitutivo em agosto de 1962, cujo relator viria a ser, uma vez mais, Daniel Faraco. Este incorporaria algumas propostas do substitutivo Nogueira da Gama de 1959. Aceitaria, agora, a transformao do Conselho Monetrio Nacional em rgo decisrio (normativo) e do Banco Central em rgo executivo. Alegando um nmero excessivo de membros no Conselho, Faraco concentrava as decises nas altas autoridades federais e criava uma Comisso Consultiva sob o controle dos representantes da burguesia. Assim, o Conselho proposto teria cinco membros: o Ministro da Fazenda e os presidentes do Banco Central, Banco do Brasil, Banco Rural do Brasil (criado tambm por sua proposta) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE). Junto ao CMN funcionaria a Comisso Consultiva com nove membros, cuja atribuio seria solicitar e oferecer sugestes sobre todos os temas de competncia do CMN. A composio dessa Comisso revelava o completo predomnio da burguesia: os banqueiros teriam trs representantes e as confederaes (comercial, industrial e rural) seus representantes respectivos. Participariam, ainda, trs ministros: o da Agricultura, o da Indstria e Comrcio e o de Minas e Energia. A presidncia estaria a cargo do prprio Ministro da Fazenda. Previase tambm a possibilidade de constituir subcomisses para tratar de problemas especficos. A burguesia ficava, assim, sem representao formal direta no CMN, porm dominava completamente a Comisso Consultiva: de seus nove integrantes (excetuando a presidncia a cargo do Ministro da Fazenda), seis eram representantes dessa classe. Os banqueiros teriam posio privilegiada, pois 1/3 da comisso estaria nas suas mos. A preferncia de Faraco por esta frao da burguesia manifestava-se uma vez mais. O Banco Central, rgo executivo do CMN, seria administrado por um presidente e quatro diretores nomeados pelo Presidente da Repblica, sugeridos pelo presidente do Conselho Ministerial (o Brasil estava sob regime parlamentarista nessa poca) sob prvia aprovao do Senado. Impunha-se como condio que pelo menos dois dos designados houvesse exercido atividades financeiras por dez anos ou mais. Uma das propostas de Faraco provocaria grande polmica e oposio: a criao de um Banco Rural, como entidade autrquica, com finalidade de financiar a agricultura e a atividade pecuria. Todas as operaes de crdito, com atividades que estivessem a cargo do Departamento Agrcola e Industrial do Banco do Brasil, seriam transferidas ao novo banco, o qual poderia contratar a execuo de suas operaes com o Banco do Brasil e outros bancos. Em relao ao capital estrangeiro, dentro do sistema bancrio, Faraco adotou o princpio da reciprocidade. De acordo com esse princpio, seriam aplicados aos bancos estrangeiros os mesmos impedimentos ou restries equivalentes aos que fossem adotados para os bancos brasileiros no pas onde os bancos estrangeiros tivessem suas matrizes. Esta era uma diferena bsica em relao ao substitutivo de Nogueira da Gama. Essa mesma orientao viria a ser adotada pelo projeto do governo Goulart em 1963 e tambm pelo governo Casteilo Branco em 1964.11 O banco estrangeiro continuava sendo definido da mesma forma como o fora em 1954, dando margem, por isso, formao de bancs associados. Faraco, alm disso, mantinha a posio de 1954 em relao estrutura acionria dos bancos privados: sob a forma de sociedade annima, com pelo menos metade do capital em aes nominativas e as demais podendo ser ao portador. Previa a formao de bancos de financiamento que poderiam efetuar as mesmas operaes includas no projeto de Nogueira da Gama, mantendo igualmente sua posi.o ao permitir a criao dos bancos mltiplos sempre que fossem respeitadas as condies j assinaladas em 1954.

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6Crticas ao projeto Faraco 12 As crticas ao projeto Faraco provinham de diferentes partidos, inclusive do prprio PDS, partido ao qual o parlamentar pertencia, assim como da esfera extraparlamentar. Enumeremos algumas delas. Em primeiro lugar, uma questo fundamental para os empresrios nacionalistas, e para as foras populares, no estava presente em tal projeto: a seletividade de crdito. Tal indefinio permitiria manter o livre acesso do capital estrangeiro ao crdito interno, inclusive aos prprios bancos pblicos, como o crdito para atividades especulativas e no produtivas, cujas conseqncias seriam desastrosas para o pas nos anos posteriores (tampouco o projeto de governo do golpe estabeleceu tal definio de seletividade). Em segundo lugar, de acordo com outros crticos, o projeto acabaria esvaziando ou liquidando o Banco do Brasil (BB), pois dele retirava as funes qu exercia como banco de Estado e, ao mesmo tempo, os recursos de seu principal departamento, o de crdito agropecurio, o que poderia aumentar o espao ocupado pelos bancos privados. Alm disso, criticava-se a criao de bancos cujas operaes fossem contratadas atravs do prprio Banco do Brasil e de outros bancos, aumentando a intermediao financeira e a burocracia, influindo nos custos do dinheiro e, por isso, na taxa de juros, aspecto que as fraes no bancrias da burguesia desejavam evitar. As correntes defensoras da transformao do Banco do Brasil em Banco Central ganharam impulso durante esse ano. Mais adiante, veremos como entre os prprios banqueiros no havia uma posio de consenso sobre o tema. Uma terceira crtica proposta de Faraco referia-se ingerncia do FMI e dos banqueiros nacionais e estrangeiros sobre a orientao dada poltica monetria e creditcia do Pas. A criao do Banco Central estava, na verdade, muito relacionada s presses histricas que o Fundo vinha fazendo. O Brasil era um dos poucos pases que ainda no contava com tal instituio. E nas negociaes de acordo e emprstimos, este ponto apresentava-se sempre nas mesas de negociaes. Tais crticas apoiavam-se tambm no fato de que a SUMOC, que seria transformada em Banco Central, era em grande parte dirigida ou controlada por pessoas vinculadas aos interesses do grande capital internacional e dos banqueiros nacionais. A transformao do BB em Banco Central reduziria em grande parte a hegemonia que esses grupos detinham, pois a estrutura do BB poderia expressar interesses mais amplos. Finalmente, outras crticas mencionavam a falta de referncia, na Reforma, s sociedades de crdito, financiamento e investimento, que tinham um desenvolvimento recente, mas que haviam introduzido uma srie de alteraes no funcionamento do sistema bancrio. 13 Com respeito ao Conselho Monetrio Nacional, a crtica bsica era de que sua composio, com apenas cinco membros, estava longe da capacidade deliberativa que deveria ter. Faraco e os parlamentares que o apoiavam trataram de responder a algumas dessas crticas.14 Para ele, a regulamentao das sociedades de crdito, financiamento e investimento deveria ser tarefa do CMN. Procurava, assim, afastar do Parlamento um dos temas mais controvertidos e gerador de conflitos entre a burguesia.O Banco Rural no reduziria os recursos do BB pois seria um rgo de cpula, uma espcie de Conselho Administrativo dos Emprstimos Rurais (ao estilo do sugerido por Nogueira da Gama, mas pode-se dizer que tal posio no fica explcita em seu prprio projeto). O Banco do Brasil no se debilitaria, pois continuaria como rgo executor das operaes; Faraco no aceitava a tese de transformao do BB em Banco Central, pois, segundo ele, no seria possvel a um organismo fiscalizarse a si mesmo. De acordo com este argumento, o Banco do Brasil realizava operaes comerciais e, por isso, competia com os demais bancos privados, no podendo portanto exercer as funes de banco central. A realidade demonstraria que tal argumento tinha somente valor retrico, pois os prprios banqueiros propuseram a criao de um banco central com participao do capital bancrio privado. Alm disso, alguns banqueiros e altos dirigentes do setor bancrio privado viriam a dirigir por longo perodo o prprio Banco do Brasil e o Banco Central depois da criao deste pelo governo Castello Branco. Ou seja, aplicando-se tal argumento, os banqueiros e seus intelectuais orgnicos jamais poderiam exercer cargos no Banco Central, pois estariam fiscalizando-se a si mesmos.

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7As emendas ao projeto Faraco 15 Desde sua apresentao em agosto at dezembro de 1962, o substitutivo Faraco recebeu 118 emendas. A anlise das mesmas permite aprofundar nosso conhecimento sobre as concepes em luta e identificar mais amplamente quais eram seus vnculos, caracterizando, qualitativamente, o contedo das emendas e relacionando o nmero de emendas apresentadas, pordeputados e partidos. Alguns deputados destacaram-se pelo nmero de emendas apresentadas como por exemplo Salvador Lossaco e Almino Affonso, ambos do PTB, responsveis por 55 das 118 (ou seja, 47%), entre as quais se incluiu uma emenda substitutiva. (Esta ser objeto de anlise mais adiante.) Outros membros do PTB apresentaram oito emendas e poderamos acrescentar duas mais firmadas com parlamentares de outros partidos (com o Partido Republicano-PR e com o Partido Socialista Brasileiro-PSB). Em termos quantitativos, portanto, o PTB foi responsvel por 65 emendas, ou seja 55% (Ver Quadro I) QUADRO 1 EMENDAS EMENDAS AO PROJETO FARACO, POR PARTIDOS (agosto-dezembro de 1962)

Partidos PTB UDN PSD PR Total

Emendas 63 44 6 2

ES 2 1 -

Total 65 45 6 2 118

% 55,1 38,1 5,1 1,7 100,0

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Brasil, Senado Federal, op. cit., V. 1, pp. 301-375.Obs.: a) Duas emendas do PTB levam tambm assinaturas de parlamentares de outros partidos: PR e PSB. b) Vinte emendas da UDN vm assinadas por parlamentares do PSD; c) ES: Emenda Substitutiva.

A UDN apresentou 45 emendas, inclusive uma substitutiva e foi secundada em vinte delas por deputados do PSD, destacando-se Raimundo Chaves, deputado pelo estado do Rio Grande do Sul, general do Exrcito, posteriormente vinculado Aliana Renovadora Nacional (ARENA). O PSD apresentou somente seis emendas e o PR apresentou duas. A nvel parlamentar, a polmica em torno do projeto Faraco polarizou-se entre o PTB e a UDN. Contudo, necessrio assinalar que as emendas apresentadas por um mesmo partido eram muitas vezes excludentes entre si. O PTB, inclusive, apresentou dois projetos alternativos. Acrescente-se a isso o fato de que determinadas emendas vinham assinadas por parlamentares de distintas filiaes partidrias. Analisemos, agora, o contedo das emendas, tratando de responder algumas questes, verificando se possvel determinar uma ntida posio partidria em relao Reforma ou caracterizar algumas tendncias bsicas e os interesses sociais que representavam. O conjunto das emendas mais significativas da UDN permite identificar as seguintes tendncias: a) Tendncia privatizao. Os indicadores de tal posio so numerosos: a composio do CMN sugerida por Othon Mader, um dos representantes dos banqueiros no parlamento (veremos com detalhes seu projeto mais adiante); a estruturao do Banco Central sob a forma de sociedade de economia mista; tal proposta foi compartilhada por outros parlamentares da UDN (Raimundo Chaves,

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8Ferro Costa e Costa Lima, este ltimo integrante da burguesia industrial). Estes, inclusive, foram mais longe: propuseram a mesma formao para o BNDE, Banco Rural e Banco de Importao e Exportao (os dois ltimos a serem constitudos). Alguns deputados da UDN propuseram um conjunto de medidas cujo objetivo seria o de ampliar o mbito e o poder de ao dos bancos privados. Isto seria realizado atravs de diversas maneiras: i) criao de bancos mltiplos (defendida na proposta de Menezes Cortes, militar e lder da UDN em 1965, na Cmara dos Deputados). (Tal posio no foi apoiada.por outros parlamentares de grande influncia poltica e do mesmo partido, como Herbert Levy, deputado e banqueiro de So Paulo que s aceitava o banco mltiplo de natureza comercial e rural); ii) emisso de bnus e supresso das restries para emprstimos a ascendentes, descendentes, parentes, etc. dos membros da diretoria dos bancos (proposta do deputado Costa Lima).6 b) Tendncia a ampliar a fiscalizao do Estado. Em aparente contradio com a anterior, porm igualmente presente dentro das propostas apresentadas pelos deputados da UDN. Por exemplo: i) ampliar a fiscalizao sobre as aplicaes dos bancos estrangeiros e inclusive, entre os poderes do CMN, fixar os limites para as taxas de servio (proposta de Menezes Cortes); ii) ampliaro poder de fiscalizao do Banco Central e permitir a este, em casos especiais, o monoplio da venda e compra de divisas; iii) submeter as sociedades de crdito, financiamento e investimento regulamentao e fiscalizao pelo Banco Central ou pelo CMN, com o que se evitaria uma definio por parte do Congresso sobre o tema; iv) caracterizar as atividades do sistema bancrio e financeiro como de interesse pblico o que poderia dar margem a uma maior regulamentao ou interveno do Estado (posio defendida pelos mesmos deputados); v) permitir ao CMN fixar os limites percentuais na aplicao do crdito; vi) obrigar os bancos a aplicar 20% dos emprstimos em operaes de desconto e financiamento para a agricultura e pecuria; vii) permitir a participao do Governo nas assemblias de acionistas dos bancos considerados nacionais, ou seja, com operaes em mais de um estado da Federao (este conjunto de propostas foi apresentado pelos deputados Raimundo Chaves, Ferro Costa e Costa Lima). c) Uma certa tendncia de cunho nacionalista. De acordo com a emenda apresentada por Costa Lima e Ferro Costa, os bancos e sociedades de investimento deveriam constituir_se sob a forma de sociedade annima, com aes nominativas de propriedade exclusiva de brasileiros. Tal tendncia estaria presente de forma mais acentuada em alguns parlamentares do PTB. d) Tendncia a definir a participao da burguesia sob a hegemonia dos banqueiros. Em termos de representao das distintas foras sociais no CMN, a UDN, basicamente atravs do substitutivo de Othon Mader, assumiu uma ntida e explcita preferncia pela frao burguesa formada pelos banqueiros. As tendncias bsicas que percebemos nas emendas apresentadas pelo PTB so as seguintes: a) Tendncia estatizante. Observada nitidamente a partir da transformao do BB em Banco Central, cujas aes privadas seriam expropriadas mediante indenizao ao assumir as novas funes; esta tendncia manifestava-se igualmente numa emenda de Lossaco, apresentada em agosto (1962), eliminando qualquer representao formal de classe no CMN, porm ampliando a participao ministerial no mesmo; e tambm na incluso de representantes das empresas estatais no Conselho (Srgio Magalhes e outros deputados); a Caixa Econmica Federal, por sua vez, gozaria de legislao especial (deputado Ary Pitombo); exclusividade dos depsitos governamentais aos bancos estatais. Em contraposio, uma das emendas substitutivas apresentadas pelo PTB reafirmava explicitamente o papel primordial dos bancos privados. b) Tendncia para uma representao de classe mais ampla. Nas suas primeiras manifestaes Lossaco, do PTB, no incluiu nenhuma representao de classe no CMN; porm, em dezembro, quando apresentou seu substitutivo incluiu, alm dos bancos privados, um representante dos bancrios. Outro substitutivo trabalhista, contudo, exclua esta representao, mantendo os banqueiros e representantes das demais fraes burguesas. A novidade na proposta de Lossaco foi a incluso, pela primeira vez a nvel de proposta parlamentar, de uma representao dos assalariados na cpula das decises do sistema financeiro e monetrio nacional. Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Captulo I: A luta pela reforma bancria no Brasil.

9O PSD apresentou separadamente seis emendas manifestando suas tendncias bsicas: a) Transformao do BB em banco central, mantendo sua estrutura de sociedade annima. Alkmin, defenderia igual posio em 1963 como relator da comisso que examinou o projeto de Goulart. b) Tendncia nacionalista. Impor-se-ia aos bancos a forma de sociedade annima com aes subscritas por pessoas fsicas brasileiras (deputado Hermes Pereira de Souza).17 Os dados quantitativos apresentados e a anlise do contedo das emendas permitem concluir que no havia uma poltica consensual a respeito da Reforma Bancria no interior de cada partido. No se identifica, portanto, uma ao coordenada em termos de apresentao de uma proposta coerente aceita por todo o partido. As tendncias ou manifestaes conflitantes indicam como uma caracterizao partidria no era suficiente para uma delimitao de posies, ainda que se pudesse identificar importantes diferenas entre o PTB e a UDN. Assim, o partido trabalhista revelava um carter nacionalista e estatizante muito mais acentuado, alm de expiessar nas emendas sua contraditria composio de classe. A incluso de um representante dos assalariados no CMN representou, em grande parte, uma conquista dos trabalhadores, principalmente dos bancrios, que vinham pressionando atravs de seus sindicatos e da Confederao Nacional de Trabalhadores em Empresas de Crdito (CONTEC). Esta ltima havia elaborado um projeto chamado Reforma Bancria Progressista que serviu de aval para o substitutivo apresentado por Lossaco. Isto implicava uma ampliao da composio de foras no interior do PTB, mas ao mesmo tempo aprofundava as contradies internas do partido. A presena de um representante dos trabalhadores no CMN significaria muito pouco em termos de influncia sobre as decises do mesmo. Contudo, a rejeio de tal representao por parlamentares trabalhistas indicava, claramente, as dificuldades em ampliar-se o espao de participao dos trabalhadores no partido e na vida nacional. A anlise feita permite concluir que as fraes burguesas, principalmente a dos banqueiros, no se expressavam exclusiva- mente atravs de um s canal poltico partidrio. Alm de possvel ttica.poltica, tal fato expressa principalmente as divergncias internas dos banqueiros sobre a Reforma Bancria, conforme demonstraremos mais adiante. 5. OS TRABALHADORES ENTRAM EM CENA: PROJETOS DE SALVADOR LOSSACO E DA CONTEC 18 [p.49] Vale a pena destacar o fato de que foi Salvador Lossaco, deputado pelo PTB de So Paulo, uma das poucas vozes portadoras de reivindicaes bsicas dos trabalhadores em relao a Reforma Bancria. Funcionrio do Banco do Brasil, havia dirigido o Sindicato dos Bancrios de So Paulo entre 1955 e 1957 e assumia a presidncia do Pacto de Unidade Intersindical em So Paulo. Alm disso, foi um dos fundadores do Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos (DIEESE) e da CONTEC, onde exerceria cargo de direo. Tinha assim uma tradio de militncia sindical e tambm estava ligado ao sistema bancrio.19 Na justificativa de seu projeto, que incorporava sugestes da CONTEC, Lossaco assinalou que seguia princpios renovadores e progressistas que deveriam transformar o sistema bancrio numa arma ao servio do desenvolvimento econmico-social do pas, de sua emancipao econmica e de elevao do padro de vida do povo brasileiro. Os princpios que enumerou foram os seguintes: a) carter social do crdito; b) supremacia da Constituio sobre o crdito; c) seletividade do crdito; d) redesconto e depsito compulsrio como instrumento de poltica econmica; e) nacionalizao dos estabelecimentos de crdito; f) representao dos trabalhadores na direo do sistema bancrio; g) preservao da unidade do Banco do Brasil; h) aperfeioamento tcnico e profissional dos bancrios; i) regulamentao da profisso de bancrio como garantia de eficincia do sistema bancrio.

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10Todas as propostas de reforma bancria tinham seus prprios princpios, em geral no explicitados. Lossaco incorporava uma tendncia presente tambm em outros parlamentares e correntes, no sentido de que era fundamental discutir os princpios que deveriam orientar uma reforma. Seria essa a questo fundamental, pois a partir da configurar-se-iam os elementos mesmos da Lei. Na conjuntura brasileira de ento, os princpios adotados eram indicadores dos grandes interesses em conflito, dos projetos que cada classe ou frao de classe procurava desenvolver. Existia, portanto, uma inovao importante na corrente representada ento pelo parlamentar do PTB. Os princpios adotados levantavam questes que a UDN e o PSD, assim corno outros parlamentares dentro do PTB, no desejavam tratar. Por exemplo, uma ntida definio do carter social do crdito e sua seletividade a favor do desenvolvimento de determinados setores da economia brasileira, incluindo o redesconto como instrumento de poltica econmica. A maioria dos porta-vozes da burguesia procurava evitar pontos to polmicos. O Conselho Monetrio Nacional, onde pretendiam manter firme sua representao, poderia encarregar-se do assunto, porm o que no desejavam era o confronto a nvel parlamentar. No projeto de Lossaco, o Conselho Monetrio Nacional (Lossaco chamava-o de Conselho Nacional da Moeda e do Crdito) seria integrado por nove membros, entre os quais seriam inclu- dos o Ministro do Trabalho e o da Previdncia Social, um representante dos banqueiros e um representante dos trabalhadores bancrios. Predominariam no Conselho, os Ministrios, sob a presidncia do Ministro da Fazenda. A novidade da proposta era, por um lado, a incluso do Ministro do Trabalho e, por outro, a de um representante dos trabalhadores. Lossaco atendia, assim, parcial- mente, a uma das reivindicaes da CONTEC, a qual lutava por maior representatividade dos assalariados no Conselho. Ao incluir um representante dos banqueiros, Lossaco tentava apresentar um projeto com maiores possibilidades de aceitao, inclusive pelo prprio PTB. Srgio Magalhes, por exemplo, ao apresentar sua proposta, exclua os trabalhadores do Conselho, o que indicava nitidamente as divergncias internas do partido a respeito. Lossaco procurava, assim, superar o problema com a incluso de ambas as representaes banqueiros e bancrios , deixando, contudo, de incluir uma representao direta das demais fraes burguesas. Lossaco atendia tambm a outra reivindicao dos bancrios, principalmente de amplos setores do Banco do Brasil, ao propor a transformao deste em Baflco Central. As aes do Banco do Brasil (BB), pertencentes a pessoas fsicas ou jurdicas privadas, seriam expropriadas mediante indenizao, O BB passaria assim a ser o rgo executivo do Conselho Monetro Nacional, dirigido por um presidente, oito diretores e com sete departamentos (Comrcio Exterior, Redescontos, Crdito Industrial, Crdito Agrcola, Colonizao e Crdito Geral). Alm disso, o Banco do Brasil em coordenao com demais integrantes do sistema bancrio e representantes de rgos de classe, promoveria a criao e manuteno de bolsas de estudo e centros para o aperfeioamento profissional do bancrio. A CONTEC, contudo, tinha uma poltica mais definida sobre esse tema. A respeito dos bancos estrangeiros, o Parlamento seguiria a linha traada por Nogueira da Gama, porm com algumas modificaes. Por exemplo, impor-lhe-ia uma srie de restries: no poderiam receber e manter depsitos e os que j os tivessem deveriam ento transferi-los, a curto prazo, para um banco pblico. Definia com maior exatido banco estrangeiro, considerando como tal todo aquele que, mesmo com sede no pas, tivesse a maior parte de seu capital em mos de pessoas residentes no exterior ou sem permanncia definitiva no pas.2 Ao mesmo tempo, Lossaco, atravs de sua proposta, imporia as mesmas restries que a legislao determinasse nos pases onde tivessem suas matrizes, ainda que nenhum banco brasileiro pretendesse neles estabelecer-se. O projeto de Lossaco, neste particular, atacava frontalmente os interesses dos bancos estrangeiros no mercado brasileiro. A respeito da estrutura do capital, Lossaco propunha a sociedade annima com capital nominativo e em relao s sociedades de crdito, financiamento e investimento, em geral omitidas nas propostas, o projeto do parlamentar trabalhista dispunha que o Poder Executivo deveria enviar ao Congresso um projeto de lei regulamentando a existncia e funcionamento de tais sociedades, assim como das empresas de seguro e capitalizao e das cooperativas. Dessa forma, tirava do mbito mais restrito do Conselho uma definio sobre tema to polmico, de profundo interesse tambm para o capital estrangeiro j que este atuava com grande fora nessa rea do setor financeiro.2 Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Captulo I: A luta pela reforma bancria no Brasil.

11Vejamos agora o projeto da Confederao Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crdito (CONTEC).22 Articulada em fins da dcada de 50, a CONTEC era o rgo mximo dos assalariados do setor23 e tratou de mobilizar-se e divulgar seu projeto de Reforma Bancria. Os canais da grande imprensa, entretanto, no estavam to abertos para isso, tanto quanto se encontravam para as posies defendidas pelos banqueiros e demais fraes da burguesia. As foras sociais representadas na CONTEC vinham sendo consideradas pelos banqueiros e burguesia em geral como expresso de classe perigosa que precisava ser combatida. Tanto assim que, em abril de 1964, alguns dias aps o golpe de Estado, o governo interviu na mesma. Alm disso, as organizaes bancrias ficaram entre as mais fortemente atingidas pelas medidas de interveno realizadas.24 Muitos dos lderes da CONTEC assim como de sindicatos e federaes de bancrios tiveram seus direitos polticos cassados. O projeto da Confederao dos bancrios foi elaborado entre 1962 e 1963 e tinha posio crtica a respeito do que fora proposto por Faraco e pelo Grupo de Trabalho do governo Goulart. As bases ou princpios adotados para definir sua reforma foram os seguintes: a) carter social e seletividade de crdito, compreendendo a captao e aplicao dos recursos, critrios de prioridade e proibio para o suprfluo e o luxo; b) nacionalizao dos bancos estrangeiros; c) monoplio estatal do cmbio; d) proibio de emprstimos e de outorgao de garantias para emprstimos a empresas controladas no exterior; e) transformao do Banco do Brasil em banco central; f) fortalecimento dos bancos oficiais (estatais); g) reestruturao do Banco do Brasil atualizando-o de acordo com as transformaes sociais e econmicas do pas; h) participao de representantes dos trabalhadores na direo dos rgos coletivos oficiais do Sistema Bancrio: no Conselho Monetrio, no Banco do Brasil e nos demais bancos oficiais; i) regulamentao da profisso dos empregados das empresas de crdito; j) .aperfeioamento profissional dos bancrios, atravs da criao de um Instituto (Instituto de Aperfeioamento dos Trabalhadores em Instituies de Crdito IATIC). O carter social do crdito e sua seletividade eram princpios bsicos da posio da CONTEC e foi o seu projeto o primeiro a salientar fundamentalmente estes pontos, procurando dar-lhes uma configurao de lei. Ao CMN caberia estabelecer os critrios de prioridade e determinar os setores, produtos, servios e regies que se ajustaram a tais critrios. Em conformidade com o projeto, estabelecia-se a seguinte escala de prioridades para os produtos e servios: a) crticos; b) essenciais; c) necessrios; d) suprfluos; e) de luxo e ostentao. O redesconto somente seria concedido queles ttulos e contratos resultantes da aplicao de recursos em atividades, setores e produtos classificados como crticos, essenciais ou necessrios ou aplicados em regies ou zonas mais carentes de recursos. Os emprstimos, crditos ou financiamentos para atividades de produo, comrcio e servios considerados suprfluos ou de luxo e ostentao ficavam proibidos. Todos os rgos coletivos de deciso ou administrao e os consultivos, de assessoria ou de fiscalizao das instituies de crdito do governo ou por ele controladas ou dirigidas, deveriam contar com representantes dos trabalhadores, que seriam nomeados pelos seus rgos de classe. O grau de participao seria obrigatrio e nunca inferior a um tero da composio do rgo, nem poderia ser menor que a representao patronal quando essa existisse. Esta proposta abria espao para os representantes dos assalariados de outros setores, quando a representao dos trabalhadores fosse snperior a um representante. Nesse caso, a metade ou a maioria sempre seria de representantes dos trabalhadores das empresas de crdito. Um tero da diretoria do Banco do Brasil seria designada pelas entidades de classe dos trabalhadores. Na Comisso Nacional de Crdito Rural criada pelo projeto para orientar o CMN na parte relativa poltica de crdito rural tambm deveriam participar quatro trabalhadores representando igualmente os do setor de crdito e os trabalhadores rurais. O CMN deveria ainda ser integrado por um tero de trabalhadores. Alm disso, a CONTEC atribua grande importncia ao Banco do Brasil no Conselho, pois seis de seus membros seriam ocupantes de postos de liderana naquele banco estatal.

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12O projeto da CONTEC era muito mais ambicioso que o de Lossaco e de todos os demais incluindo o de Goulart, que no previam a possibilidade de representao dos trabalhadores. Os organismos sindicais, principalmente dos bancrios, conseguiriam especial participao na deciso dos rumos da poltica econmica do pas. Tal participao, que seria desde o nvel nacional at o local, poderia constituir tambm uma garantia de fiscalizao do cumprimento da seletividade do crdito. Entre outras implicaes, se restringiria em grande parte o espao estruturalmente existente para a especulao pois a questo do segredo bancrio tomaria outros rumos. A seletividade de crdito e a nacionalizao propostas pela CONTEC tinham possibilidades de sensibilizar setores da burguesia interessados em um programa nacionalista de investimentos produtivos que pudesse dar maior autonomia econmica ao pas.25 Como veremos em outra parte, um dos pontos de conflito entre a burguesia no financeira e os banqueiros, alm da taxa de juros, seria a aplicao de recursos em operaes especulativas em detrimento do crdito produo. Mas os setores da burguesia que pretendiam ou desejavam alcanar tais objetivos queriam faz-lo mantendo o processo sob seu controle e hegemonia e no estavam dispostos a entreg-lo ou compartilh-lo com a classe trabalhadora. Em relao estrutura de propriedade do capital, a CONTEC impunha a todas as empresas, inclusive s sociedades de crdito, financiamento e investimento, que a totalidade de aes nominativas fosse de exclusiva propriedade de brasileiros. As empresas direta ou indiretamente controladas por estrangeiros residentes fora do pas ficava proibido receber recursos das empresas de crdito do governo ou dirigidas e controladas por ele. A criao do Instituto de Aperfeioamento dos Trabalhadores em Instituies de Crdito (IATIC) outra inovao do projeto da CONTEC, que o prprio projeto Goulart incorporaria parcialmente.26 Por fim, devemos assinalar que a Reforma Bancria Progressista, apresentada pela CONTEC, tinha ntida preferncia pelo controle estatal do crdito, reservando ao capital privado no setor um carter complementar e por autorizao expressa do governo. Faraco e Goulart, ao contrrio, consideravam a participao estatal como complementar. Segundo a proposta da CONTEC, o CMN controlaria a aplicao dos recursos das instituies privadas, estabelecendo as prioridades de crdito e a porcentagem dos recursos destinados a cada uma delas. Alm disso, o Banco do Brasil seria, junto aos demais estabelecimentos pblicos, a instncia principal de crdito e deveriam ser criadas condies para expanso de suas agncias alm de, gradualmente, assegurar a exclusividade dos depsitos populares s empresas de crdito do estado. Em janeiro de 1963, a CONTEC firmava sua posio no Grupo de Trabalho. Este foi duramente criticado pela Confederao pois, segundo ela, procurava reformar o secundrio, deixando de lado o principal, no podendo, assim a reforma ser caracterizada como erdadeira reforma de base, tal como anunciava o governo (analisaremos mais adiante como os conflitos existentes manifestaram-se no grupo de trabalho). Os princpios sugeridos pela CONTEC e sua expresso no projeto de Reforma Bancria foram, no plano da luta por uma reforma desta natureza, a manifestao dos interesses de uma das foras sociais que tinham um projeo poltico de transformaes poltico-sociais e econmicas bastante amplo. Os lderes bancrios foram, em parte, representantes dos interesses da classe trabalhadora. A conscincia que disso tinham grande parte dos bancrios e os demais assalariados merece considerao especial. O projeto da CONTEC atingia profundamente os interesses de parte significativa da burguesia. Eliminava o espao que esta pretendia ocupar na cpula das decises econmico-financeiras do pas, colocando em seu lugar representantes dos trabalhadores. Definia uma seletividade de crdito e tambm a nacionalizao, o que se chocava frontalmente com as foras sociais que lutavam por ampliar e impor um modelo econmico cuja base fosse a produo e o consumo de bens durveis, sob controle do capital transnacional.

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13De nosso ponto de vista, o que foi dito esclarece as diferenas entre os distintos projetos apresentados. O projeto da CONTEC procurava limitar o espao para a especulao financeira e opunha-se aos interesses da burguesia que tentava, por todos os meios, eliminar, o mais que pudesse, a interveno do Estado na economia, a no ser naqueles setores no lucrativos e de infra-estrutura necessrios para a reproduo e acmulo de capital. Tal confronto de interesses no desapareceu, embora um tenha conseguido sobrepor-se ao outro a partir do golpe de Estado de 1964. 6. MARCHAS E CONTRAMARCHAS NO GOVERNO GOULART [p.56] Conforme j nos referimos, durante 1962 Goulart tentou ganhar tempo em relao Reforma Bancria, esperando um resultado positivo do plebiscito que se realizaria no princpio de 1963. Por outro lado, os assalariados, principalmente os bancrios, tinham grandes esperanas na formao do Grupo de Trabalho que seria criado para apresentar sugestes sobre a Reforma a Goulart. Ao terminar o ano de 1962 tais foras haviam conseguido uma importante vitria: adiara-se a votao do projeto de Daniel Faraco e conseguira-se enfim, a formao do referido grupo. Este passava a ser o novo campo de batalha para disputa dos diversos interesses e nele se manifestariam os vrios pontos de vista a respeito da Reforma Bancria. Entendimento difcil o Grupo de Trabalho O objetivo do Grupo27 era estudar os projetos de Reforma Bancria existentes e apresentar ao presidente Goulart sugestes a respeito. A composio do Grupo, contudo, indicava desde o incio, que seria praticamente impossvel chegar-se a um consenso sobre as sugestes. A anlise de tal composio revela e comprova o que se afirmou anteriormente: os interesses contraditrios a representados mostram nitidamente que houve articulaes diversas para fazerem-se representar e poderem influir nos trabalhos. Miguel Calmon, ento Ministro da Fazenda, tradicional banqueiro, vinculado ao Banco Econmico da Bahia e ao Partido Social Democrtico (PSD) dirigiu os trabalhos do Grupo; por sua recomendao, o delegado do Banco Econmico havia apresentado no II Congresso Nacional de Bancos, relizado em 1961, a proposta para formao de uma Associao Brasileirade Bancos. Calmon era, portanto, um representante dos interesses dos banqueiros com conscincia de organizao de classe. O Grupo foi inicial- mente integrado por dez membros passando depois a treze. Os banqueiros tinham dois representantes diretos que estavam vinculados ao IPES-IBAD, alm do representante da SUMOC tambm vinculado a estas organizaes golpistas. Os bancrios, inicialmente com um representante, conseguiram obter uma segunda representao. Goulart fazia-se representar por dois economistas, responsveis por srias crticas aos resultados alcanados pelo Grupo, j que muitas de suas sugestes no foram incorporadas. Isso revela como as foras de Goulart estavam debilitadas no Grupo de Trabalho e como os golpistas conseguiram importante vitria, revertendo as expectativas que os bancrios e outros setores tinham ao trmino do ano de 1962 e princpio de 1963.28 Os bancrios no conseguiram incorporar nenhuma proposta significativa e nem sequer algumas das propostas j explicitadas nas diretrizes do Plano Trienal de Governo conseguiram obter aprovao no seio do Grupo de Trabalho; este no se manifestou sobre o carter social e a seletividade do crdito, nem sobre os bancos estrangeiros e os emprstimos internos s empresas controladas pelo capital multinacional. Alm disso, aceitou a idia de que os bancos oficiais deveriam atuar em carter complementar ao dos bancos privados. Determinados princpios e normas sugeridos pelos representantes de Goulart foram igualmente rejeitados pelo Grupo. Os nacionalistas e os trabalhadores perdiam terreno na luta por uma Reforma Bancria representativa de seus interesses. A composio poltica no poder, PTB-PSD, expressava interesses de classe conflitantes que, numa conjuntura de crise econmica e intensificao da luta poltica, no encontravam uma soluo adequada.

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14O projeto de Goulart As dificuldades de Goulart em apresentar um projeto prprio manifestaram-se uma vez mais ao enviar ao Congresso Nacional mensagem com um anteprojeto de Lei e, devido a presses internas, ao enviar em seguida outra mensagem e anteprojeto reformulando o primeiro.29 Segundo as explicaes de ento, tal fato ocorreu porque o primeiro projeto no havia contado, em sua redao final, com a participao do Ministro da Fazenda, Santhiago Dantas, que se encontrava no exterior. Analisaremos a seguir algumas das diferenas bsicas entre os dois projetos identificando com maior clareza as razes pelas quais Goulart mudou sua primeira proposta. Em sua verso final, o projeto de Goulart, como a maioria daqueles j mencionados, criava o Conselho Monetrio Nacional encarregado de estabelecer a poltica monetria e creditcia do pas. A SUMOC que seria transformada em uma autarquia federal, com personalidade jurdica e patrimnio prprios, se encarregaria da execuo da poltica do CMN. Alm dos poderes prprios relacionados poltica monetria e creditcia, o Conselho fixaria tambm as diretrizes e normas da poltica comercial externa. Goulart props a seguinte composio para o Conselho: o Ministro da Fazenda, o diretor presidente da SUMOC, o presidente do Banco do Brasil, do BNDE, o Ministro de Estado Extraordinrio (Servio Nacional de Planejamento) e trs membros nomeados pelo presidente e aprovados pelo Senado com mandato fixo de trs anos. A indicao de trs membros, sem especificar com antecipao que setores deveriam representar, abria espao para a disputa nos bastidores entre os diversos representantes de classe e fraes de classe. Sua aprovao pelo Senado (em geral dominado por conservadores) criava uma barreira qualquer pretenso que acaso viesse a ter o governo de nomear membros no aceitos pela burguesia. De qualquer maneira, transferia para o interior do aparelho estatal o jogo de presses e influncias decorrente da designao de tais membros. A condio de serem escolhidos entre pessoas de reconhecida capacidade em assuntos financeiros e econmicos dissimulava, ou procurava dissimular, sob uma aparncia de imparcial capacidade tcnica, a representao de classe que estava em jogo. O projeto previa a convocao de representantes das classes produtoras dos empregados e empregadores, para a apresentao de sugestes sobre a poltica monetria e bancria. Com tal definio, evitava com alguma habilidade (ou, poderamos dizer, no incorporava simplesmente) uma das reivindicaes bsicas dos assalariados: a participao institucional na cpula das decises monetrias e creditcias. Revelava tambm que o poder dos trabalhadores na composio, de foras perdia claramente terreno frente burguesia. Como o projeto tampouco aceitava a tese de transformao do BB em Banco Central, desagradava no s aos assalariados, como tambm aos setores da burguesia impulsores desta proposta, sobretudo alguns membros da FIESP. Goulart no usava a denominao de Banco Central, pois a SUMOC continuaria com sua mesma denominao apenas assumindo as funes de banco central. Os departamentos de Redesconto e de Comrcio Exterior do BB seriam incorporados SUMOC, alm da Caixa de Mobilizao Bancria. A tese da criao de um banco rural, incorporando o Departamento Rural do BB, no foi aceita por Goulart, embora em 1962 houvesse mostrado intenes de criar tal organismo. Atendia, assim, parcialmente, queles que se opunham a tal medida por consider-la aniquiladora do BB, cuja atividade bsica era o crdito ao setor rural. Em relao ao capital externo, este projeto adotou o princpio da reciprocidade, tal como ocorrera tambm na proposta de Faraco. Por outro lado, a estrutura do capital dos bancos deveria constituir-se sob a forma de sociedade annima, com a totalidade das aes sendo nominativas, porm sem restringir sua propriedade unicamente a brasileiros. Os estrangeiros poderiam participar sempre que, em seu pas, houvesse iguais direitos para os capitalistas brasileiros. Impunha algumas restries s atividades bancrias, no sentido de evitar a formao de conglomerados financeiros. Aos bancos ficava proibido participar no capital de outras empresas, com exceo das sociedades de investimento, ficava proibida a emisso de bnus e aquisio de bens imveis no destinados a seu prprio uso. Os bancos deveriam apresentar minuciosas informaes SUMOC, permitindo assim melhor controle e fiscalizao. A respeito do crdito rural, Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Captulo I: A luta pela reforma bancria no Brasil.

15criava uma Comisso Nacional que se encarregaria dos aspectos normativos da poltica para o setor. A Comisso estaria no mbito da SUMOC e sua composio, ainda que bastante ampla, no incluiria nenhum representante direto da burguesia ou dos assalariados, embora estivesse prevista a sua convocao para dar sugestes.30 O projeto incorporava algumas das reivindicaes dos assalariados do setor bancrio. Assim, criava o Instituto de Aperfeioamento dos Trabalhadores em Instituies de Crdito (IATIC), com o objetivo de promover o desenvolvimento tcnico-profissional de tais assalariados, O IATIC seria mantido por uma contribuio das empresas pblicas e privadas de crdito, correspondente a 0,25% dos salrios pagos. A administrao, fiscalizao, consulta e assessoria do IATIC seriam constitudas por designaes das entidades de classe dos bancrios e banqueiros. Alm disso, o projeto assegurava aos trabalhadores bancrios uma de suas antigas aspiraes: a regulamentao de sua atividade profissional. Os bancrios, contudo, lutavam por uma contribuio ao IATIC correspondente a 1 % do total dos salrios pagos e reivindicavam para si a organizao e direo do Instituto. O fundamental, entretanto, no eram estes aspectos do problema. A crtica principal dos bancrios era a de que o projeto no assumia uma postura definida a respeito do carter social do crdito e muito menos sobre a seletividade do mesmo, alm de no incluir os assalariados nos rgos decisrios. Sobre a estatizao do crdito, Goulart declarou em sua mensagem que o governo deveria realizar uma ao complementar s atividades bancrias privadas, para atender plenamente s necessidades da economia. Considerava que alguns setores, como o de crdito rural e o de financiamento s exportaes, no eram ainda suficientemente atendidos pelos bancos privados justificando, por isso, a ao do Estado. Contudo, salientava a necessidade de criar condies favorveis ao desenvolvimento da iniciativa privada em tais setores, para reduzir progressivamente a ao do governo. Tais declaraes estavam em harmonia com os projetos de Faraco e dos banqueiros e viria a ser este, tambm, o esprito do projeto aprovado posteriormente pelo governo Castello Branco. A proposta inicial de Goulart (em seu primeiro anteprojeto) continha alguns aspectos cujo contedo era, de forma significativa, diverso daquele exibido pela segunda. Na primeira verso, por exemplo, a direo da SUMOC seria nomeada exclusivamente pelo presidente da Repblica. Na segunda, a nomeao do diretor executivo passava a depender de aprovao pelo Senado Federal. A primeira proposta previa uma composio acionria de ca,rter totalmente nominativo e de propriedade exclusiva de brasileiros. Talmedida nacionalista j no aparecia na segunda verso. Contrariava assim importantes correntes dentro do prprio PTB que lutavam por uma completa nacionalizao do sistema, incluindo a proibio de emprstimos dos bancos privados nacionais s empresas estrangeiras, proposta qual o projeto em nenhum momento fazia referncia. Inicialmente, para a composio do CMN, no se contemplava os trs membros indicados pelo presidente e aprovado pelo Senado; sua composio seria integrada pelo Ministro da Fazenda, do Planejamento, diretor presidente da SUMOC, presidente do BB e presidente do BNDE, no deixando espao para uma representao formal direta da burguesia, fato que a mesma no estava disposta a aceitar. A Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP) manifestou-se contrria proposta de Goulart e tratou de influir na Comisso Especial do Congresso que se encarregou de examinar o assunto.3 Para a FIESP, o defeito principal consistia na transferncia das funes de banco central exercidas pelo Banco do Brasil para a SUMOC, que no dispunha dos instrumentos necessrios para tal desempenho. Para eles, as deficincias existentes no funcionamento do sistema bancrio, principalmente no que se referia distribuio do crdito, no estavam na localizao dos rgos seno na poltica e normas adotadas para o setor. A FIESP criticava uma possvel debilitao do Banco do Brasil e tinha tambm presente a maior burocratizao e custos mais elevados que poderiam surgir em decorrncia da mudana proposta por Goulart. A burguesia industrial paulista ou, mais precisamente, o grupo que controlava ento a FIESP, assumia uma postura nitidamente oposta proposta dos banqueiros em relao forma de criao ou constituio do Banco Central.32 Consideramos que a influncia que acaso pudesse ter a burguesia paulista na SUMOC era muitssimo mais reduzida do que a que tinha na estrutura do prprio Banco do Brasil. E as linhas de poltica Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Captulo I: A luta pela reforma bancria no Brasil.

16econmica seguidas pela SUMOC haviam sido, em muitas ocasies, contrrias aos interesses de determinados grupos da burguesia industrial. Regressemos agora ao Congresso Nacional, campo da luta pela Reforma, e particularmente Comisso Especial encarregada de analisar o projeto enviado por Goulart. O resultado, dos estudos dessa Comisso o substitutivo Jos Maria Alkmin, cuja verso final foi aprovada nela mesma em dezembro de 1963. A Comisso Especial: o substitutivo Jos Maria Alkmin33 As novas articulaes polticas deveriam ser feitas agora em torno da Comisso Especial. O PTB ficou com a presidncia da mesma, porm o cargo-chave de relator foi ocupado por Jos Maria Alkmin, deputado pelo PSD.34 Nas discusses da Comisso evidenciou-se a rejeio da proposta do governo Goulart por parte de alguns setores do PSD, da Democracia Crist e, sobretudo de seu prprio partido, o PTB. Os representantes de tais partidos fizeram referncias crticas e, curiosamente, so os deputados de UDN, principalmente Herbert Levy e Raimundo Padilha, que defenderiam a concepo geral da proposta do governo. Os representantes do PTB, favorveis opinio dada por Jos Maria Alkmin, assinaram um documento manifestando seu ponto de vista, em termos gerais, muito crtico ao projeto de Goulart. Para eles, uma verdadeira reforma bancria deveria adotar medidas indispensveis sobre a disciplina do crdito e estabelecer uma poltica bancria conseqente com os interesses da democracia do crdito e do desenvolvimento nacional onde os interesses dos trabalhadores tivessem maior importncia.35 Vejamos, agora, quais foram algumas das principais modificaes apresentadas por Alkmin ao projeto do govern Goulart. O ponto bsico refere-se estruturao do banco central. A SUMOC no seria transformada em autarquia e teria principalmente funes de fiscalizao bancria enquanto que as funes de banco central estariam a cargo do BB. Tal postura contrariava a intensa campanha que faziam os representantes da UDN, os banqueiros e o IPES-IBAD para transformao da SUMOC em Banco Central. A transformao do BB em Banco Central, alm da incluso do Ministro da Indstria e Comrcio no CMN, indicava que Alkmin respondia a presses de setores da burguesia industrial, principalmente de So Paulo.36 Deputados como Herbert Levy e outros udenistas criticavam violentamente a opo adotada pelo relator e importantes peridicos, porta-vozes de setores burgueses mais conservadores como o Jornal do Brasil, lanavam editoriais e artigos enfurecidos contra o substitutivo Alkmin.37 O conflito entre os distintos setores ou porta-vozes da burguesia indicava que eram as contradies interburguesas que estavam em jogo j que as posies defendidas pelos assalariados foram afastadas do centro das discusses. No obstante, devemos recordar que a transformao do BB em Banco Central tambm era defendida pela CONTEC, porm a proposta desta tinha outro teor, ausente na proposta ou substitutivo Alkmin. O completo afastamento dos trabalhadores se daria, contudo, em prazo muito curto, com o golpe de Estado. 7. DEPOIS DO GOLPE [p.64] Manobras no Parlamento Mutilado A anlise da Reforma Bancria no perodo posterior ao golpe de Estado, em particular no que diz respeito ao espao parlamentar, deve ter em conta a nova conjuntura poltica do pas, com seus reflexos imediatos sobre o Congresso Nacional, agora mutilado pela cassao dos direitos polticos e dos mandatos de muitos parlamentares, sobretudo, daqueles que defendiam pontos de vista nacionalistas ou populares. A nova composio de foras no poder, criava espao para uma mais ntida influncia das fraes burguesas, fato que iria afetar o contedo da maioria das emendas ao substitutivo Alkmin durante os meses de abril e maio de 1964.

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17Ainda que o PSD e o prprio Alkmin apoiassem o novo governo surgido do golpe de Estado, o substitutivo Alkmin no representava, conforme j mencionamos, os interesses da nova composio que controlava o Estado. A articulao da Reforma passava agora iniciativa de Bulhes, Ministro da Fazenda do governo Castelio, que deveria, contudo, resolver um problema legal para conduzir, em conformidade com o protocolo, a proposta no Congresso. A ttica a ser adotada s admitia um caminho, caso se desejasse dar a aparncia de uma reforma resultante de aprovao pelo Congresso: fazer com que o substitutivo Alkmin voltasse Comisso Especial para ento ser apresentado um projeto que o substitusse. Esta manobra parlamentar no era difcil de ser conseguida devido nova situao poltica. A UDN e o PSD se encarregariam de apresentar vrias emendas e realizar a manipulao desejada pelo governo Castello. Aps a discusso, a 20 de maio de 1964, e sugeridas 39 emendas, o substitutivo Alkmin retornava Comisso Especial.38 O contedo das proposies demonstrava claramente as tendncias que haveriam de dominar a Reforma Bancria do governo Castello. Podemos citar, entre outras, as seguintes: a) garantir a participao das distintas fraes burguesas na cpula do sistema (CMN): atravs da representao direta, como por exemplo na emenda de Cunha Bueno (PSD) cujo Conselho seria de doze membros dos quais seis seriam nomeados pelas organizaes de classe da burguesia; ou atravs de Comisses Consultivas, como no projeto de Pedro Aleixo e Rondon Pacheco, ambos da UDN; b) debilitar as instituies de crdito estatais;39 c) fazer concesses ao setor bancrio privado, anulando algumas restries e exigncias impostas pelo substitutivo Alkmin e permitir a formao de conglomerados financeiros;40 d) fortalecer a SUMOC que assumiria as funes de banco central; o diretor executivo da SUMOC pressionava os parlamentares neste sentido;41 e) regular a competio entre os bancos, em alguns aspectos em que a mesma surtia resultados negativos em termos de custo operacional como, por exemplo, no horrio de atendimento externo ao pblico.42 A partir de fins de maio de 1964 at o final do ano, estaria a Reforma Bancria na Comisso Especial, cujo relator seria Ulysses Guimares do PSD. Com exceo do PTB, cujos membros foram substitudos, a Comisso era quase a mesma que aprovara o substitutivo Alkmin. A ausncia deste, contudo, eliminava uma das correntes de pensamento dentro do PSD em relao Reforma. A maioria dos parlamentares do PTB que participavam da Comisso havia sido cassada por decreto de Castelio. Por isso, seus conflitos internos seriam, substancialmente, secundrios. Articulao nos bastidores A adequao de uma Reforma Bancria em conformidade com o projeto poltico-econmico de Castelio, era agora a tarefa fundamental do grupo que ocupava os postos-chave no governo. J se demonstrou que a base do mesmo foi recrutada do grupo IPES-IBAD, do qual participava grande parte dos banqueiros brasileiros e estrangeiros que exerciam cargos de liderana no mesmo. O IPES-IBAD tinha sua prpria concepo de Reforma que procurou divulgar atravs da promoo de seminrios, artigos na imprensa, revistas especializadas e tambm no Parlamento atravs de deputados a ele vinculados. Participando do poder, tinha agora campo aberto para impor seu projeto, cujo delineamento bsico encontramos j nas emendas e substitutivos apresentados na Cmara. Os obstculos polticos a vencer no eram, contudo, de pequena monta. Por um lado, no havia entre os prprios banqueiros um consenso sobre a reforma, tal como demonstraremos no captulo seguinte; por outro, devia-se evitar o confronto com as fraes burguesas, principalmente a burguesia industrial. Alm disso, a influncia do capital transnacional na nova composio do poder, estabelecia certos

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18limites s pretenses de alguns banqueiros que desejavam expandir e formar grandes conglomerados financeiros. Do nosso ponto de vista, ao promulgar-se o projeto de Reforma, procurou-se, a nvel da legislao, criar limites para a formao de tais grupos. Contudo, convm esclarecer, no se impediu a prtica de tais formaes. Com os parlamentares nacionalistas cassados, alm da interveno nos sindicatos e na confederao dos bancrios, o governo havia eliminado alguns dos principais obstculos s suas pretenses. Octvio Gouveia de Bulhes, profundamente comprometido com os interesses do grande capital transnacional, formou uma comisso de cinco membros para elaborar um projeto que pudesse ser apresentado como alternativo aos existentes na Cmara. Tal projeto no trouxe grandes novidades em relao ao que j fora apresentado nas emendas e substitutivos. Tentava-se chegar a uma elaborao global que contivesse as principais determinaes de acordo com os interesses dos novos governantes. Vejamos a composio do grupo formado por Bulhes. Dele participavam: Dnio Nogueira, que foi nomeado superintendente da SUMOC pelo prprio Bulhes; Jorge Oscar de Mello Flores, ento presidente do Sindicato dos Bancos do Estado da Guanabara, um dos principais lderes do IPES-IBAD (era seu vice-presidente) vinculado a empresas de capital externo (uma anlise mais detalhada deste banqueiro vir no captulo VI); Orlandy Rubem Correia, tambm vinculado aos interesses externos e presidente do mesmo sindicato nos anos 60-62; Lair Bocayuva Bessa, importante lder banqueiro, com intensa atividade na sua organizao de classe e que presidia a Associao de Bancos do Estado do Rio; representando a SUMOC participava do grupo Hlio Vianna, que mais tarde seria presidente do Banco Central, tambm colaborador do IPES, alm de empresrio e parente de Castelio Branco (em julho de 1973 seria designado representante dos bancos privados na Comisso Consultiva Bancria).43 Embora no tenhamos confrontado os textos do grupo de Bulhes com o apresentado pelo relator do PSD, h indcios de que o resultado final no foi de agrado do grupo, pois, enviado ao Senado, o substitutivo Guimares sofreu algumas alteraes importantes, sobretudo com relao ao CMN. E ao ser discutido rio Senado, sofreu 43 emendas tendo os relatores da Cmara e do Senado que entrar em acordo para conseguir um texto final.44 A aliana entre o PSD e a UDN, que teria durao muito breve, definia agora os rumos da Reforma Bancria. Enfim uma Lei de Reforma Bancria Como bem reconheceram os deputados, o substitutivo que seria submetido opinio do Senado, surgiria de arranjos entre o Poder Executivo e o Legislativo.45 Antes de analisar brevemente as emendas do Senado, faz-se necessrio assinalar as modificaes introduzidas pelo novo relator do PSD ao substitutivo Alkmin. O substitutivo Ulysses Guimares alterava a composio do CMN, reservando representao direta da burguesia somente um posto. 46 Junto ao CMN era previsto o funcionamento das Comisses Consultivas: Bancria, Mercado de Capitais, Crdito Rural e Comercio Exterior. Em todas elas a burguesia tinha garantida sua representao direta. A soluo apresentada criaria uma dificuldade para o prprio governo e uma posio inaceitvel para a burguesia que vinha pressionando, inclusive atravs do PSD, por uma maior e direta representao no CMN. A possibilidade de ter um s representante direto no Conselho geraria forte presso entre os representantes das diferentes fraes da burguesia para conseguir a representao ligada a seus interesses. Isso. dava ao governo certo poder de arbitrar, porm burguesia, obviamente, no interessava este tipo de conflito, ainda mais quando a correlao de foras que se implantou a partir do Golpe er-lhe completamente favorvel, tendo em conta a retirada momentnea de cena dos setores nacionalistas e dos assalariados. A incluso de apenas um representante direto no era uma frmula capaz de acomodar os interesses existentes. Assim, o projeto sofreria fortes presses para que se mudasse a composio do CMN, o que seria conseguido atravs do Senado. Ao contrrio do de Alkmin, o novo substitutivo transformava a SUMOC em autarquia, ainda que sem o nome de Banco Central, exercendo as funes do mesmo.

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19O substitutivo foi objeto de veementes crticas por parte do PTB, PDC e do PTN.48 Entre as emendas propostas pelo Senadq, uma das mais substanciais era a que transformava completamente a composio do CMN. Segundo esta, o Conselho passaria a ter nove membros, dos quais seis seriam nomeados diretamente pelo presidente da Repblica, com aprovao tambm pelo Senado e teriam um mandato de seis anos. (Faraco havia proposto j em 1954 um Conselho com seis representantes do setor privado.) Alm dos nove membros mencionados, entre os quais estariam o Ministro da Fazenda, o presidente do BB e o presidente do BNDE, era includo tambm o Ministro da Indstria e Comrcio e tambm o do Planejamento, mas ambos sem direito a voto. Outra modificao importante e que visava proteger o segredo bancrio era a de que os pedidos de informao por parte dos legisladores deveriam ter a aprovao do plenrio da Cmara e a formao de uma Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) exigiria uma maioria absoluta de seus membros. A direo da SUMOC, reduzida de cinco para quatro membros, seria escolhida entre os membros nomeados pelo presidente para o Conselho. Para o Departamento de Cmbio e de Comrcio Exterior do BB tambm se escolheria entre os seis membros nomeados para o CMN. O Senado atendia assim s presses d prpria SUMOC, principalmente atravs de Dnio Nogueira, para dar amplos poderes mesma dentro do Conselho Monetrio. O articulador dessas posies no Senado foi Mem de S, que exercia a funo de relator para o assunto da Reforma, e que fora defensor do projeto Daniel Faraco de 1962. Estava tambm ligado por afinidade intelectual a Eugnio Gudin e foi Ministro da Justia no governo Castello.49 Contudo, a proposta do Senado seria tambm vetada pelo governo, pois este queria que os membros, os quais deveria eleger diretamente para funes normativas, fossem diferentes dos eleitos para funes executivas. O Senado manteve as Comisses Consultivas, cuja criao constava tambm na proposta de Goulart em 63 ainda que nada se houvesse especificado a respeito at ento. Foi criada outra Comisso, a de Crdito Industrial, onde os bancos e as sociedades de crdito, financiamento e investimento participariam lado a lado com os representantes da burguesia industrial. Os banqueiros brasileiros reservavam para si, sem dvida, um espao institucional de primeira ordem para poder influir na poltica creditcia e financeira do pas. Conseguiram no s participao direta no Conselho como em todas as comisses consultivas. As empresas de crdito, financiamento e investimento, objeto de vrias crticas, por burlarem a lei de usura e pela grande presena do capital estrangeiro nas mesmas, assim como gozavam do privilgio de no estarem submetidas legislao especfica, ganhavam tambm lugar de destaque junto ao CMN. E sua participao j estava garantida em muitas das comisses consultivas. Esta era uma resposta muito ntida s pretenses dos lderes de classe dessas empresas e tambm aos setores da prpria burguesia industrial que vinham criticando tais empresas e exigindo maior controle sobre as mesmas. O segredo bancrio, objeto dos mais extremados cuidados, obteve maior garantia a partir do momento em que o pedido de informaes por parte do legislativo passava a depender da aprovao pelo plenrio da Cmara ou do Senado, evitando assim a possibilidade de que algum parlamentar ou partido poltico pudesse exigir informaes, por sua prpria conta, do sistema bancrio. O sistema, que nessa poca era objeto de investigao por uma Comisso Parlamentar de Inqurito, procurava garantir-se por todos os meios. Aprovadas as emendas do Senado, o projeto foi enviado, ao governo para sano. Esta se deu com alguns vetos parciais que introduziram algumas modificaes importantes. Conforme j assinalamos, e segundo nosso ponto de vista, a mais significativa referia-se composio do CMN. Convm assinalar tambm que o governo vetou a proibio das empresas financeiras estrangeiras de participarem no capital de outras empresas. Vetou igualmente a proposta de esterilizao temporria do depsito compulsrio no Banco Central. Outro veto importante foi a supresso da Comisso Consultiva de Comrcio Exterior. Em relao ao capital estrangeiro, a Lei 4.595 reconhecia basicamente a posio existente tanto na proposta enviada durante o governo Goulart, quanto na de Faraco, ou seja, a reciprocidade. Contudo, o funcionamentb de um banco estrangeiro passava a depender, alm de aprovao pelo Banco Central, Banqueiros: Organizao e poder poltico no Brasil. Captulo I: A luta pela reforma bancria no Brasil.

20de aprovao tambm pelo Poder Executivo. Este, entretanto, vetou o texto original que submetia aprovao presidencial outros aspectos do banco estrangeiro, como a transferncia de agncias no territrio nacional, alteraes dos estatutos e mudanas no capital. O projeto assumia definitivamente a transformao da SUMOC em Banco Central, com as incorporaes j mencionadas. A esta instituio eram outorgados poderes em relao ao processo de centralizao bancria, assim como de regulamentao da competio entre os bancos. A lei do governo Castello rejeitava a formao dos bancos mltiplos e as empresas de um mesmo grupo deveriam manter sua estrutura jurdico-formal de maneira independente. Tal determinao legal, contudo, no iria impedir a posterior expanso e consolidao dos conglomerados financeiros. Nos anos subseqentes, estes iriam pressionar no sentido de modificaes da lei e as restries viriam a ser paulatinamente flexibilizadas. Veremos como, por exemplo, em fins da dcada de 70 os banqueiros colocaram em discusso a questo dos bancos mltiplos, numa tentativa de incorpor-los aos sistema legal. Em 1964, esta restrio legal no foi totalmente do agrado de alguns dos grandes banqueiros paulistas (veja-se Captulo II). Observese que, na verdade, o grupo constitudo por Bulhes no tinha porta-voz desses banqueiros. O depsito compulsrio determinado pela Lei era de at 25% do total dos depsitos das instituies financeiras. A metade do valor poderia ser sob a forma de subscrio de letras e obrigaes do Tesouro Nacional ou compra de ttul,os de dvida pblica federal. Previu-se, tambm, a possibilidade de aplicao de uma parte do depsito compulsrio na agricultura atendendo assim a reivindicaes de influentes setores agrcolas do Pas. Este depsito compulsrio seria, durante os anos subseqentes, objeto de intensas negociaes e presses entre banqueiros e governo. A Lei manteve as restries existentes a respeito dos emprstimos para acionistas com certo grau de participao (mais de 10%) e parentes ou familiares dos membros da diretoria das empresas de crdito. As diferentes fraes burguesas davam especial ateno ao controle das taxas de juros. As altas taxas foram constantemente denunciadas antes e depois do golpe de Estado. Na Lei, atribui-se ao CMN a funo de limitar a taxa de juros. Contudo a limitao seria feita sempre que fosse necessrio, deixando, portanto, o assunto em aberto e sujeito s presses conjunturais, sem atribuir ao Conselho a obrigatoriedade de controle sobre a referida taxa, assim como a de desconto, de comisses e outras formas de remunerao do servio bancrio. Tal posio, evidentemente, agradava aos banqueiros; porm, ao mesmo tempo, daria livre curso a um aguamento dos conflitos interburgueses. O Conselho Monetrio Nacional, resultante da Lei, permitia ou reforava um entrelaamento entre a burguesia no poder e seus representantes diretos, consolidando a articulao entre os grandes grupos econmicos nacionais e internacionais. As funes normativas que a lei atribua a este conselho, permitiria que este influsse amplamente nos rumos da poltica econmica global do pas.5 Os poderes que recebia o CMN transformava-o numa instncia decisiva onde as diversas fraes burguesas e seus representantes de classe e polticos teriam de colocar porta-vozes. A nomeao concreta dos integrantes do Conselho tornava-se agora campo de batalha dos grandes grupos econmicos. A Lei promulgada e aprovada por um Congresso mutilado era completamente omissa em alguns aspectos bsicos como, por exemplo, a definio de prioridades para o crdito, tanto para empresas pblicas como privadas. Isso no quer dizer que no existisse tal prioridade. Na verdade, o sistema bancrio teria agora a importante funo de, juntamente com o capital financeiro internacional, sustentar o projeto poltico-econmico delineado pela nova composio de foras no poder. Os rumos da economia e o desenvolvimento geral do pas nos anos seguintes demonstrariam claramente a servio de quem estaria o sistema bancrio brasileiro. A composio da cpula do sistema, o CMN, revelava um profundo carter elitista e classista, tanto a nvel dos ministrios do governo que a estavam representados, como em relao prpria burguesia, pois este espao era ocupado por lderes empresariais importantes no esquema impulsor do golpe, em geral ligados ao IPES-IBAD, o que garantia uma determinada linha da poltica econmico-financeira, aspecto bsico nos primeiros anos da revoluo. Os banqueiros teriam uma representao

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21privilegiada no novo esquema, seja no Conselho, seja nas Comisses Consultivas ou na direo das instituies bancrias pblicas (Banco do Brasil, por exemplo). Ao ser criado o Banco Central do Brasil, como rgo executivo do CMN, surgia um instrumento de fiscalizao e controle, capaz de instrumentalizar e manter sob determinadas condies a desenfreada competio existente no sistema. A direo do Banco seria tambm uma arena de luta para os grupos econmicos. Como rgo fiscalizador, regulador da concorrncia e centralizao, sua atuao iria, intencionalmente ou no, privilegiar determinadas condies estruturais e determinados grupos financeiros. Haveria uma perspectiva favorvel especializao tcnica e alteraes operacionais que beneficiariam o sistema em seu conjunto. Finalmente, o Banco Central permitiria ao governo ampliar seu conhecimento sobre o sistema, tanto sobre os dados econmicos a respeito das vrias instituies como sobre sua composio acionria e direo. A soluo temporria da luta poltica desencadeada em torno da Reforma Bancria teve seu desenlace legal e formal na Lei N 4.595, num contexto poltico muito particular, no qual as foras sociais que propunham outra alternativa haviam sido eliminadas momentaneamente do cenrio da discusso. Encontravam-se essas foras com suas atividades polticas tolhidas, privadas de instrumentos legais de representao de seus interesses, assim como tambm de canais de comunicao que possibilitassem ampla divulgao de sua proposta para a maioria da populao. A mudana na correlao de foras, estabelecida pelo golpe de Estado, tornou possvel que se adotasse a Reforma Bancria com as caractersticas j analisadas. A reforma, portanto, no teve soluo em si mesma: sua adoo e as linhas ou orientao que exibia, explicava-se no contexto mais amplo dos conflitos e das lutas de classe que desenvolviam-se nesta poca no Brasil. NOTAS DO CAPTULO 1 [p.73] 1 Fontes bsicas: a) Brasil, Senado Federal, Reforma bancria, Diretoria de Publicaes, Braslia, v. 1, 1963; v. II, 1964. b) Martins Rodrigues, discurso na Cmara dos Deputados, Dirio do Congresso Nacional (DCN), 8 de dez, de 1962, p. 7087 em Brasil, Senado Federal, op. cit., v. II, pp. 214-215;c) Relatrio do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Bancria, em Ibidem, v. II, pp. 276 e segs.; d) Salvador Lossaco, Apartes ao discurso de Oswaldo Lima Filho, DCN, 8 de dez. 1962, p. 7093 em Ibidem, v. II, pp. 2 19-220; e) Daniel Faraco, Comisso Especial, Relator, agosto 10, 1962, em Ibidem, v. 1, p. 282; f) Brasil. Congresso Nacional. Cmara dos Deputados. Diretoria de Servios Legislativos. Sinopse do projeto N. 15 de 5 de abril de 1963; g) Jorge Oscar de Meilo Flores, entrevista ao Autor, Rio de Janeiro, 14 de junho d 1982. h) Orlandy Rubem Correia, entrevista ao autor, Rio dei aneiro, 24 de julho de 1982. 2 Cf. Dirio do Congresso Nacional (DCN), 29 de abril de 1964, pp. 2716-2718. Herbert Levy, deputado e banqueiro, tambm compartilhava desta opinio. Segundo ele, o Ministro da Fazenda deveria manifestar-se a respeito. Na realidade, a Comisso de Justia no havia se reunido para deliberar e o parecer de Baleeiro, embora falando em nome da Comisso, expressava seu ponto de vista pessoal. (Cf. Ibidem) 3. As fontes para esta anlise comparativa so: a) Substitutivo e parecer Nogueira da Gama, (janeiro 1959) em Brasil, Senado Federal, op. cit., v. 1, pp. 163-261; b) Substitutivo Daniel Faraco (1954) em Ibidem, pp. 228 e segs.; Nogueira da Gama, Aparte ao discurso e Mem de S, DCN, 7 de dez. de 1962, p. 2620 em Ibidem, v. II, pp. 259-260. 4. Cf. Ren Armand Dreifuss, 1964: A conquista do Estado, 3 ed., Petrpolis, Editora Vozes, 1981, pp. 245, 246, 321, 334, 437 e Apndice D. 5. Cf. Daniel Faraco, DCN, 4 de dez., 1962, p. 6831 em Brasil, Senado Federal, op. cit., v. II, p. 164.

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226. Cf. Lus Viana Filho, O Governo Castelio Branco 3? ed., Rio de Janeiro, Livraria Jos Olympio Editora, 1976, p. 69. Segundo esse autor, Faraco declarou que tinha a certeza de xito em suas funes tendo Bulhes no Ministrio da Fazenda. 7. Cf. DCN, 5 de dez., 1962, p. 6877 em Brasil, Senado Federal, op. cit., v. II, p. 192. 8. Cf. Anais do II Congresso Nacional de Bancos (datilografado) 3? Sesso Plenria Ordinria, p. 4. 9. Outros pontos dos projetos chamam ateno. Por exemplo, em relao aos bancos mltiplos, tema polmico at os dias atuais e formalmente impedidos de existir: ambos substitutivos permitiam a existncia de tais bancos desde que mantivessem departamentos prprios com rigorosa especificao de recursos e escriturao. Alm disso, Gama dava particular ateno ao crdito rural e institua em seu projeto um Conselho Nacional de Administrao dos Emprstimos Rurais que teria autonomia tcnica, administrativa e financeira. Funcionaria como coadjuvante do Conselho Monetrio Nacional nos assuntos de crdito rural, devendo estruturar uma poltica de crdito para o setor. Pode-se afirmar que Nogueira da Gama ia mais longe, pois com sua proposta permitia aos bancos de financiamento promover a fundao de empresas e o lanamento para subscrio pblica de aes ou obrigaes emitidas por sociedades annimas (art. 32). Gama explicitava para que fins deveriam ser desinados os emprstimos dos bancos de financiamento revelando preocupao com a indstria de base. 10. Cf. Parecer e substitutivo Daniel Faraco (1962) em Brasil, Senado Federal, op. cit., pp. 282-298. 11. O projeto de Faraco especificava tambm uma srie de normas, que visavam basicamente proteger os interesses brasileiros em caso de liquidao, falncia da matriz etc. O princpio da reciprocidade e seus efeitos deviam ser julgados no contexto econmico internacional. Na dcada de 70 que iria ocorrer uma grande exp