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editorial.

Muitos de nós, senão a maioria, passamos pela experiência de traba-

lhar numa clínica-escola, alguns como supervisores-professores, e talvez

quase todos como estagiários-terapeutas. Quando jovem, iniciei a escutar

pacientes na clínica-escola da Ufrgs, e o encantamento com a experiência

me é ainda vivo. Aprendi a construir um espaço, iniciado pela maneira

mais banal e concreta, como o mutirão do fim-de-semana com os namora-

dos que vinham ajudar a pintar paredes e cadeiras, até cair a ficha de que se

atende “em qualquer lugar”. Construir o espaço passava pelo concreto, pela

imagem de profissional, mas implicava um outro lugar, que não se cons-

truiria sem supervisores e colegas que acolhessem e oportunizassem novas

aberturas.

O Correio sobre Psicanálise e Universidade traz textos sobre a supervi-

são nas clínicas-escola das universidades e sobre o interesse pela psicanálise

nessas mesmas clínicas. São reflexões pertinentes sobre os impasses e as

possibilidades de trabalho junto a estudantes em seu início de prática clíni-

ca, dialogando também com a borda entre a psicanálise e a universidade.

Em geral vinculadas às faculdades de Psicologia, essas clínicas ainda

pedem o suporte da Psicanálise para o trabalho. Nos artigos de Luís

Fernando Lofrano de Oliveira e de Carlos Henrique Kessler, encontramos o

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editorial.

desenvolvimento de um debate sobre a extensão desse pedido à psicanáli-

se. Trata-se de um pedido diferente daquele da formação analítica, o qual,

porém, tem-se constituído, para muitos, como aquele em que se viu que era

hora de buscar análise e formação, o que não se deu sem o traço transmiti-

do em supervisão.

O supervisor de uma clínica-escola é em geral também professor, e os

efeitos possíveis de singularidade numa proposta universitária são interro-

gados por Aline Jordão. “Estar entre” é uma expressão que a autora encon-

tra para se referir ao espaço do operar entre o singular e o grupo, entre o

estudante e o terapeuta, entre a sistematização e a singularidade.

O espaço que está assim situado também deve-se abrir à fala e engendra

um quase paradoxo – o acumular conhecimento, necessário e esperado no

âmbito universitário, e a falta que não deve ser preenchida pelo aluno-

terapeuta. O texto de Tânia Maria de Souza aponta e desenvolve o fato de

que ensino e transmissão se aproximam no contexto acadêmico, mas não

precisam se confundir.

Além dos desafios implicados no acompanhamento do trabalho dos

estagiários-terapeutas no âmbito de uma clínica-escola, está a responsa-

bilidade junto à comunidade atendida. O artigo de Marianne Stolzmann

Mendes Ribeiro desenvolve essa questão ao recortar a triagem como ponto

inicial de acolhimento e criação de abordagens terapêuticas interessantes,

para além de sistemáticas enrijecidas.

E encontramos no texto de Liliane Seide Froemming que “a con-

tribuição da Psicanálise para trabalhar a escuta clínica transcende, em

muito, aquilo que habita um imaginário ditado pelo senso comum que

circunscreve apenas o quadro de um paciente deitado no divã falando

para seu analista. Transcende por vários motivos.”

Boa leitura!

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notícias.

III Jornada do Instituto APPOA

Psicanálise e Intervenções Sociais

Desamparo e Vulnerabilidades

23 e 24 de agosto de 2013

Hotel Continental – Porto Alegre

Largo Vespasiano Julio Veppo, 77,

Centro, Porto Alegre, RS

O desamparo é uma experiência fun-

damental da condição humana e é em tor-

no dela que se constitui a posição do sujei-

to no laço social. Freud faz do estado de

desamparo (hilflosigkeit) um conceito de re-

ferência em sua obra, enfatizando-o como o

protótipo das situações traumáticas, gera-

doras de angústia no adulto, pois o confronta, no tempo presente, com a

impotência de seu estado de desamparo infantil originário. Segundo ele, o

Imagem: Nem tudo são flores,de Betinha Trevisan, 1997.

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notícias.

mal-estar, a infelicidade e as situações traumáticas nos chegam de três

direções: do sofrimento de nosso próprio corpo, do mundo externo e das

insatisfações ou da violência desencadeadas pelas relações com os outros.

O sofrimento proveniente desta última talvez seja o mais penoso de todos

eles.

A cultura com que procuramos fazer frente à condição humana e seu

inevitável mal-estar nos defronta com inúmeras situações de vulnerabilidade

em seu movimento permanente de conflito entre civilização e barbárie. Em

todas estas situações, o sujeito está diretamente implicado. Quando somos

atingidos, o catastrófico se articula com o desamparo estrutural e somos

confrontados com o trauma do real irrepresentável.

O desamparo e as diferentes vulnerabilidades colocam um desafio para

a clínica da psicanálise em extensão. Propomos com esta III Jornada do

Instituto APPOA abrirmos o debate sobre nossas intervenções fundadas no

desejo do analista e na ética da Psicanálise.

Valores para inscrição:

Antecipadas até 17/08 Após e no evento

Associados R$ 70,00 R$ 90,00

Estudantes de Graduação

ou recém formado* R$ 80,00 R$ 100,00

Profissionais R$ 90,00 R$ 110,00

Informações e inscrições:

• Na sede da APPOA.

• Horário de funcionamento da Secretaria da APPOA: De segunda a

quinta-feira, das 8h30 às 12h e das 12h às 21h30 e sextas-feiras das 8h30

às 12h e das 12h às 20h.

* Estudantes de GRADUAÇÃO e recém formados até 2 anos devem enviar com-provante por e-mail ou fax.

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Psicanálise e clínica na universidade.

• Inscrições pelo site www.appoa.com.br. Após efetuar o pagamento

da sua inscrição pelo site, enviar por fax ou por e-mail o comprovante de

pagamento devidamente preenchido.

• Inscrições mediante depósito bancário, para Banco Itaú, agência 0604,

conta-corrente: 32910-2 ou Banco Banrisul, agência 0032, conta-corrente

06.039893.0-4. Neste caso, enviar, por fax ou e-mail, o comprovante de

pagamento devidamente preenchido, para a inscrição ser efetivada.

• Inscrições para grupos, informe-se na Secretaria da APPOA.

• As vagas são limitadas.

Atividades preparatórias à III Jornada do Instituto são divulgadas por

e-mail e nas linhas de trabalho disponíveis no site http://www.appoa.com.br/

instituto_appoa

Relendo Freud e conversando sobre a APPOA

Além do Princípio do Prazer

De 14 a 16 de junho 2013

Laje de Pedra Hotel e Resort

Canela/RS

O texto Além do Princípio do Prazer –

verdadeiro divisor de águas na obra

freudiana, foi escrito em 1919, porém só

publicado no ano seguinte, após inúmeras

revisões do autor. Embora a correspondên-

cia de Freud notifique que a primeira

redação do artigo tomou-lhe dois meses, de

março a maio de 1919, ele seguiu trabalhan-Luce Polare

de René Magritte, 1927.

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notícias.

do até meados de 1920 no texto e só o publicou no segundo semestre desse

ano. Desde então, tornou-se um clássico com consequências conceituais e

clínicas preciosas para o avanço da teoria psicanalítica. Nosso interesse em

retomá-lo se renova a cada releitura, pois há exatos 20 anos, ele inaugurava

os nossos trabalhos do Relendo Freud na APPOA.

Entre tantos aspectos, podemos destacar a transposição da dinâmica

psíquica em sua busca de prazer, concebida como diminuição de tensão,

enquanto o desprazer seria ocasionado pelo aumento desta. Tal dicotomia

não responde mais às interpelações da clínica e leva Freud a uma nova

metapsicologia, reconhecendo a existência de algo para além destes princí-

pios e cuja incidência "ordenaria" o psiquismo de cada sujeito. Dessa hipó-

tese resulta o conceito de compulsão à repetição, presente tanto no proces-

so de simbolização da criança em relação ao corpo materno, quanto na cena

analítica. A partir deste texto, se reconfigura a topografia do aparelho psí-

quico, com a proposição da pulsão de morte, que reposiciona a discussão

em torno dos conceitos de angústia, medo e trauma.

O trabalho analítico, a vivência da guerra e a observação das crianças,

levam Freud a se perguntar o que no funcionamento psíquico originaria a

compulsão à repetição, e qual sua relação com o princípio de prazer. Esta

compulsão, presente nas brincadeiras das crianças, nos sonhos traumáti-

cos, nas neuroses de guerra e na clínica psicanalítica, o leva a postular o

conceito de Pulsão de Morte, e a nos perguntarmos sobre suas incidências

na estruturação do sujeito e no laço social.

Portanto, ao reconhecermos a pertinência dessa discussão, convida-

mos aos colegas a partilhar conosco as suas leituras e indagações.

PROGRAMA

SEXTA-FEIRA – 14 de junho

18h45min – Coffee de Boas Vindas

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Psicanálise e clínica na universidade.

19h30mim

Uma nova teoria sobre o traumático

Norton Cezar da Rosa Jr.

Sobre a Neurose Traumática

Marta Pedó

SÁBADO – 15 de junho

9h30min

A presença da estética em "Mais além do princípio do prazer"

Silvia Raimundi Ferreira

Procurando por Atlântida

Simone Brenner

10h30min – Intervalo: Coffee Breack

22h – Confraternização na sala da lareira

DOMINGO – 16 de junho

9h30min

Passagem obrigatória: a repetição

Manuela Lanius

Pulsão de morte e Castração: alguns apontamentos

Ieda Prates da Silva

CONVERSANDO SOBRE A APPOA

INSCRIÇÕES

Valor: R$70,00

Inscrições na Secretaria da APPOA

RESERVAS

Central de Reservas

Fones: 0800.6443311 ou (54) 3278.9000

http://www.lajedepedra.com.br

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notícias.

Mudança de endereço eletrônico

Marcia Zechin informa a alteração de seu endereço eletrônico que

passará a ser: [email protected]

Mudança de endereço

Luciano Mattuella informa o novo endereço de seu consultório:

Av. Carlos Gomes, 126, sala 405 – Bairro Auxiliadora

Porto Alegre - RS

LOCAL DO EVENTO

Laje de Pedra Hotel e Resort

Rua das Flores, 222 - Canela/RS

Fone: 54 3278 9000

Fax: 54 3278 9300

E-mail: [email protected]

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temática.

O interesse pela psicanálisena clínica universitária1

Liliane Seide Froemming

Freud, em 1913, escreveu um artigo sobre o interesse das descobertas

da Psicanálise para outros campos do conhecimento. Inicia destacando a

própria Psicologia e segue com a Filologia ou ciência da Linguagem, a

Filosofia, a Biologia, a História da Evolução e da Civilização, a Estética, a

Sociologia e a Pedagogia. Foi publicado inicialmente no periódico italiano

Scientia atendendo a um pedido do redator-chefe.

A escuta na Clínica Psicanalítica, na Psicopedagogia Clínica, na Clíni-

ca Fonoaudiológica e no amplo campo abrangido pelo que se chama saúde

mental e outros espaços de trabalho nos remete a pensar este tema na

atualidade. Há muitas clínicas-escola em universidades e em órgãos públi-

1 Trabalho apresentado em novembro de 2012 na III Jornada da CEIP (Centro de Estudos e Intervenções Psicanalíticas).

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temática.

cos que trabalham com educação, saúde mental, dificuldades e sofrimentos

de natureza diversa. A contribuição da Psicanálise para trabalhar a escuta

clínica transcende, em muito, aquilo que habita um imaginário ditado pelo

senso comum que circunscreve apenas o quadro de um paciente deitado no

divã falando para seu analista. Transcende por vários motivos. Este psica-

nalista que atende seu paciente pode escrever, supervisionar, dar aulas e

assim ampliar e compartilhar sua experiência. O analisante em questão pode

ser professor, profissional da saúde ou de outra área, pai, mãe, filho, e os

efeitos de sua análise produzem repercussão nos espaços em que circula,

convive, trabalha. Para além do mencionado, o trabalho em equipe com

profissionais de diversas áreas e a discussão, em ateneus, de casos clínicos

atendidos, permite um trabalho de formação e transmissão constante e

enriquecedor para os profissionais, estudantes e pacientes envolvidos nes-

te processo.

Em conferência proferida em 1975 na Sorbonne, durante a abertura do

V Simpósio Internacional James Joyce, Lacan fala de seu encontro com a

obra de Joyce, aos 17 anos. Destaca que ambos foram alunos de colégio de

padres e considera os “jesuítas” de Joyce “mais sérios” que os mestres da

congregação em que estudou. Relembra a altura da pilha de livros de Joyce

que sempre arrastou consigo em sua errância, dentre outras quantidades de

livros. Cita uma frase de Joyce que soa como uma profecia: “O que escrevo

não deixará de dar trabalho aos universitários” (Lacan, 1975, p. 158). Quanto

a si próprio, declara: “Não sou universitário, embora me tratem como pro-

fessor, mestre e outras gracinhas. Sou um analista” (Lacan, 1975, p. 159).

Os livros que carregamos conosco e nos fazem viajar ... Viajar, ler e

escrever são recorridos, percursos que se entrecruzam. Fazer anotações,

anotar, apagar, reescrever, consultar roteiros escritos por outros que já cru-

zaram por tais caminhos. A partir daí fazer e registrar um itinerário singu-

lar, evocar com nostalgia lugares perdidos no passado, sentir o anseio na

busca do reencontro. Na viagem emerge o desejo de retornar para casa,

talvez destino de toda viagem.

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Psicanálise e clínica na universidade.

Tantas são as obras literárias que abordam o tema. O Bildungsroman ou

novela de formação é um estilo literário marcado pela exposição de viagens

que são metáforas do crescimento e da iniciação. Wilhelm Meister de Goethe

é um romance de juventude exemplar neste sentido.

Viajar implica cruzar fronteiras linguísticas, geográficas, e com isso

saber do estrangeiro que nos habita. Desde a Odisseia de Ulisses, passando

por Dom Quixote de Cervantes, viagem e literatura estão profundamente

enlaçadas.

Do que é da ordem das ditas ciências naturais, do laboratório, da pes-

quisa, estaria a psicanálise afastada? O percurso de Freud, é interessante

lembrar, iniciou pela neurologia. Ele vai buscar formação em Paris, com

Charcot.

Nessa direção, há que destacar o diálogo que Lacan estabeleceu com

Henri Ey, com outros psiquiatras e contemporâneos de várias áreas. Também

o convite que recebeu de Henri Wallon para escrever na enciclopédia que

estava organizando com Lucien Febvre (1938). O artigo sobre a fase do espe-

lho tem um fundo de inspiração na leitura da obra do próprio Wallon e Roger

Caillois. Este último, em 1931, deu o nome de “prova do espelho” a uma

experiência feita com crianças, onde estas, progressivamente, iam distinguindo

seu próprio corpo da imagem refletida no espelho. Lacan vai imprimir sua

marca na leitura desta experiência, vai falar da prematuração, da constituição

do sujeito, da fundação do registro imaginário; segue por via muito diversa,

tendo o conceito de inconsciente como baliza, mas conversa e realiza trocas e

se insere numa via de múltiplos interesses compartilhados.

Freud vai se ocupar de questões tidas como fora do campo da ciência.

Vai dizer que ao nos deparamos com a explicação psicanalítica dos atos

falhos, tão insignificantes à primeira vista, somos movidos a modificar nos-

sa concepção de mundo. Exemplifica com a análise de inúmeros acidentes

graves que permitem constatar a participação “involuntária”, inconfessada,

digamos, inconsciente da vontade do sujeito. Morte por acidente casual ou

suicídio? Eis a espinhosa dúvida com a qual somos obrigados a nos depa-

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temática.

rar. Também os sonhos não pertenciam ao campo da investigação cientifica,

vindo a ter um lugar princeps na psicanálise freudiana.

O primeiro interesse da psicanálise para as ciências não psicológicas

descrito por Freud no referido texto de 1913 é filológico, e a escrita vem a

ocupar um lugar fundamental. Só que os linguistas e filólogos da época

recém começavam a desenvolver este campo que hoje está em outro pata-

mar. A referência a Hans Sperber, que pode ser alvo de críticas à luz de

novos estudos, está presente na pesquisa sobre o sentido antitético das

palavras primitivas. Um marco atual é o intenso e rico trabalho desenvol-

vido com fonoaudiólogos. O interesse biológico radica em muitas ques-

tões, mas especialmente na nova visada que a psicanálise oferece à sexu-

alidade humana. O interesse estético tem propiciado alentados estudos e

trocas enriquecedoras, bem como a interlocução com a sociologia e a pe-

dagogia.

O discurso universitário perpassa a clínica exercida no contexto aca-

dêmico? Talvez tanto mais o discurso do mestre, porém outros contextos

tampouco são completamente imunes aos efeitos destes discursos.

Lacan nos leva a pensar sobre o discurso científico como acéfalo. O

imperativo categórico “Continua a saber” é o mandamento, sem que impli-

que a presença de alguém; ele pretende se fazer valer por si só, para além de

qualquer sujeito que assuma o lugar da enunciação. “Estamos todos embar-

cados, como diz Pascal, no discurso da ciência” (Lacan, 1992, p. 99).

Exercendo uma espécie de função de supervisor, Lacan nos transmite

muito de sua clínica. Ao ler livros e relatos de casos clínicos passa a escre-

ver comentários como o do Caso Dora de Freud em “Intervenção sobre a

transferência”, além de sua minuciosa exposição sobre as consequências

dos equívocos teóricos e clínicos em que incorre Balint expostos no Semi-

nário sobre Os Escritos Técnicos.

No Seminário As Psicoses, Lacan expõe um caso relatado por Joseph

Hasler, psicanalista húngaro, sobre um condutor de bonde de 33 anos, de

origem camponesa, que já exercera outras profissões como auxiliar em uma

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Psicanálise e clínica na universidade.

padaria e num laboratório químico. Num determinado dia o condutor sofre

uma queda do trem e é por ele arrastado. Sente dores, é levado para o

hospital, examinado, radiografado, recebe alguns pontos na cabeça e o

“diagnóstico” de que “não tem nada”. Logo passa a sentir uma dor na

costela que se irradia, o mal-estar cresce, tem desmaios. Volta a ser exami-

nado, mais uma vez lhe dizem que não tem nada e é assim encaminhado

a Hasler, cujas anotações sobre o caso datam de 1921. Nestas anotações,

expostas por Lacan, aparecem algumas esquisitices do paciente e também

as esquisitas interpretações de Hasler. Lacan nos adverte, operando um

deslocamento fundamental para pensarmos o caso clínico:

Há porém, um pequeno inconveniente, é que se percebe, com a

vinda do material, que o que foi decisivo na decomposição da neu-

rose, não foi o acidente, mas os exames radiológicos... É por ocasião

dos exames que o colocam sob a mira de instrumentos misteriosos,

que o sujeito desencadeia suas crises. E essas crises, o seu sentido, a

sua modalidade, a sua periodicidade, o seu estilo, aparecem liga-

dos, de forma muito evidente, a uma fantasia de gravidez (Lacan

1985, p. 195).

Hasler não percebe o alcance do material que expõe. A mulher do

motorneiro ouviu do médico que o examinou por ocasião do acidente a

seguinte frase: “Eu não consigo perceber o que ele tem. Parece que, se ele

fosse uma mulher, eu o compreenderia bem melhor” (Lacan, 1985, p. 196).

Hasler tende a absorver formulações teóricas semelhantes à psicologia do

ego, mas deixa marcas no texto que permitem Lacan supervisionar o caso a

posteriori e re-publicar um caso já publicado, sem ter que submetê-lo a um

“comitê de ética” nos cânones do discurso universitário. Opera aí uma

transmissão de sua escuta clínica, demonstrando algo do trabalho do

supervisor.

Na universidade não se formam analistas, porém é neste tempo e neste

lugar que, muitas vezes, um instante de ver se produz, no tempo lógico na

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temática.

direção da busca de uma análise, do início de uma prática clínica, do estu-

do, da supervisão e do endereçamento a uma instituição psicanalítica.

Situar a clínica marcadamente como um lugar de extensão na universi-

dade, além de ensino e pesquisa, foi assinalado em atividade realizada por

ocasião dos 35 anos da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS por

Maria Cristina Kupfer, a partir do relato de sua experiência na USP. Esse

lugar êxtimo da clínica na universidade há de ser considerado.

Referências bibliográficas

FREUD, S. O múltiplo interesse da Psicanálise (1913). Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

LACAN, J. As Psicoses. O Seminário, livro 3 (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

LACAN, J. O Avesso da Psicanálise. O Seminário, livro 17 (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

LACAN, J. O Sinthoma. O Seminário, livro 23 (1975-1976). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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temática.

Limites e possibilidades da clínicana universidade1

Marianne Stolzmann Mendes Ribeiro

As discussões sobre o alcance e os limites do atendimento psicológico

no contexto das instituições, sejam elas públicas ou privadas, têm levado

profissionais e pesquisadores a refletirem sobre a necessidade de transfor-

mação da prática psicoterápica, visando atender às especificidades da cli-

entela abrangida pelos serviços que promovem saúde mental.

Este trabalho propõe uma reflexão sobre os limites e impasses da clí-

nica na Universidade, mais especificamente, neste caso, na Clínica de Psi-

cologia da Universidade Feevale. Neste sentido, debruça-se sobre uma questão

crucial para todo e qualquer serviço que se proponha a atender pacientes

que buscam ajuda para aliviar o seu sofrimento psíquico: a escuta do sujei-

1 Trabalho apresentado na III Jornada da CEIP: Clínica na Universidade, Santa Maria- RS, Nov. 2012.

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temática.

to. Nesta discussão, abordarei a questão da triagem como um dispositivo

privilegiado para entender de que forma pensamos ser possível esta escuta

dentro do contexto de uma clínica-escola.

É importante circunscrever o lugar em que se dá essa experiência, pois

traz especificidades que merecem ser consideradas. Sendo o Centro Inte-

grado de Psicologia (CIP) um projeto de extensão que abrange uma clínica-

escola dentro de uma Universidade com princípios comunitários e

extensionistas, a questão da formação e da assistência no atendimento está

colocada de forma bastante singular. Logo, penso que as particularidades

dessa clínica precisam ser compartilhadas para que possamos entender a

especificidade desse trabalho.

Além da clínica-escola, o CIP conta também com vários outros projetos

inseridos diretamente na comunidade do Vale dos Sinos, como por exem-

plo, o atendimento às mulheres em situação de violência doméstica no

Fórum de Campo Bom, aos pacientes internados no Hospital Lauro Réus,

aos pacientes oncológicos da Liga Feminina de Combate ao Câncer, e parce-

rias com outras clínicas-escolas da Feevale, como a de Fisioterapia,

Quiropraxia, Fonoaudiologia e Nutrição, dentre outros. São cerca de 20

projetos de extensão que estão vinculados ao CIP, com diferentes aborda-

gens teóricas.

As clínicas-escolas dos cursos de psicologia têm tornado o atendimen-

to psicoterápico uma realidade cada vez mais acessível para a população,

além de ser um fértil campo de prática e pesquisa para os alunos em forma-

ção. Com isto, existe a necessidade de crescimento, aprofundamento e tro-

ca tanto a nível teórico quanto a nível prático relacionado à psicoterapia em

diferentes abordagens, promovendo, assim, avanços na área da Psicologia,

no incremento da qualidade de vida, inclusão social e na promoção de

ações interdisciplinares.

O material clínico que inspirou a escrita desse trabalho diz respeito à

atividade que exerço e a minha reflexão a partir do trabalho de supervisão

de estagiários e a coordenação do CIP realizado na Universidade Feevale.

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Psicanálise e clínica na universidade.

A clínica na Universidade é um tema que acredito bastante atual devi-

do às dificuldades em que se encontram aqueles que, atravessados pelo

significante clínica, sentem-se implicados em fazer deste dispositivo um

atravessador de uma práxis dentro dos mais diversos espaços institucionais.

Um caminho interessante a ser tomado seria observar a incidência da

psicanálise dentro dos procedimentos clínico-institucionais mais amplos,

no qual as noções de transferência, sujeito e sintoma balizam os procedi-

mentos de recepção e encaminhamento e com isso servem para o aprimora-

mento clínico do serviço e do tratamento psicanalítico propriamente dito.2

Pretendo aqui tomar o dispositivo psicanalítico como operativo para se

pensar alguns atravessamentos dentro da clínica na Universidade. São co-

nhecidas as críticas a respeito das tentativas de se aplicar a Psicanálise em

qualquer outra instituição que não seja a estritamente analítica. No entanto,

isso não impediu que a psicanálise se difundisse, enquanto uma escuta

particular do sofrimento psíquico, no seio de muitos e diferentes espaços

dentro das instituições. É claro que isso passa também por quanto se pode

abrir mão de uma relação idealizada com a Psicanálise. Dispositivo que

pode servir tanto para a abertura da escuta sobre a singularidade do caso,

quanto ao aprisionamento, pois o risco que se corre são as resistências

escondidas atrás de um par de regras burocráticas e engessadas, que servem

mais para proteger a instituição dos impasses ali vivenciados e ainda não

superados.

Lacan (1964/1998), na primeira lição do Seminário XI, pergunta-se so-

bre a práxis: “O que é uma práxis? Parece-me duvidoso que este termo

possa ser considerado como impróprio no que concerne à psicanálise. É o

termo mais amplo para designar uma ação realizada pelo homem, qualquer

que ela seja, que o põe em condição de tratar o real pelo simbólico” (p.

168). A clínica, nos diz Lacan, é o real enquanto impossível de suportar.

2 No meu artigo Bicho de sete cabeças: a clínica psicanalítica em instituições, na Revista da APPOA nº 32, aprofundo essadiscussão.

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temática.

No último capítulo de seu livro Vastas confusões e atendimentos im-

perfeitos, quando trata do psicanalista que convém, Figueiredo (1997) lança

luz sobre algumas questões que vale a pena lembrar. Em primeiro lugar,

ela aponta que o psicanalista que convém, convive, “e o faz através do

jogo, nada fácil, da política institucional da qual está livre em seu consul-

tório”. E acrescenta: “faz de sua diferença uma especificidade e não uma

especialidade”. Especificidade que diz respeito, principalmente, a sua

trajetória, que não é apenas teórica ou clínica, mas fundamentalmente sua

análise pessoal. Deve saber o tempo de intervir, mas também o de recuar,

pois sabe que lida com outras especificidades, logo precisa saber oferecer

a sua escuta, mas também esperar condições para que a transferência pos-

sa se estabelecer, o que às vezes é bastante difícil dentro das instituições.

O psicanalista lida com a questão do sintoma de um modo peculiar, sa-

bendo que ele é portador de uma verdade não sabida e sabe que “não lhe

cabe ser o ‘sabido’. Isto vale tanto para o trabalho em equipe quanto para

o trabalho clínico” (p. 168).

Penso que este é um dos grandes desafios que temos que lidar quando

se trata de uma clínica-escola: trabalhar com diversas formações, com dis-

positivos clínicos diferentes, no entanto com sujeitos, esses em sofrimento

psíquico que estão para além de um diagnóstico, de uma teoria, de saberes

e poderes. Neste sentido, a especificidade da função daquele que escuta,

me parece, decanta diretamente de sua formação, que tem a ver com as

possibilidades que, em sua análise pessoal, permitiram transformar o dese-

jo de curar (furor curandis), em desejo do desejo do Outro. Esse desejo,

que não se sustenta na certeza absoluta de um saber último e derradeiro,

mas está na base mesma de sua clínica, sustenta a práxis analítica.

Talvez essas questões nos ajudem a não perder de vista a dimensão

subjetiva do adoecimento mental, dimensão essa, nos dias de hoje, bastan-

te medicalizada e submetida a todo tipo de burocratização. Uma clínica

renovada desloca o processo de tratamento da figura da doença para a pes-

soa do doente. “Nosso dever, diz Lacan (2005), é melhorar a posição do

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Psicanálise e clínica na universidade.

sujeito” (p.68). A cura vem por acréscimo; “o importante não é compreen-

der, é atingir o verdadeiro” (Lacan, 1981, p. 60).

Uma questão bastante pertinente, mas também delicada, é a chegada do

paciente na clínica-escola. Uma das preocupações éticas presentes no nos-

so trabalho é oferecer o atendimento psicológico a quem realmente o deseja

ao ofertar a possibilidade de fala ao sujeito como forma de não excluí-lo do

processo que ele próprio desencadeou com a sua busca por atendimento.

Porém, ao pedir ao sujeito que fale, é preciso saber escutá-lo. Para a psica-

nálise, essa necessidade de escuta tem relação com o mal-estar constitutivo

da condição de cada sujeito frente ao seu inconsciente. Por isso a delicade-

za do que chamamos de triagem.

A triagem é um primeiro momento de escuta, no qual se buscará ele-

mentos que conduzam a uma avaliação se o que o sujeito busca ele vai ter

atendido neste lugar. O grupo de triagem do CIP é responsável pelo registro

dos atendimentos oferecidos aos pacientes que procuram o serviço e tem

como função realizar uma avaliação inicial do caso, buscando esclareci-

mento diagnóstico e definição do encaminhamento a ser dado. Atualmente

as possibilidades de encaminhamento dentro do CIP são: avaliação psico-

neurológica, psicoterapia individual e em grupo, oficina lúdica e grupo de

pais, além de outras ações extensionistas fora da Clínica.

O processo de triagem e indicação terapêutica dentro do CIP obedece a

critérios específicos que dizem respeito aos limites do atendimento. Deter-

minadas problemáticas são consideradas contraindicadas para o atendimento

oferecido na clínica-escola, como casos de psicose, neuroses graves, defi-

ciência mental, dependência química, risco de suicídio e outros transtor-

nos que necessitariam de atendimentos mais prolongados e uso de medica-

ção. Estes critérios foram discutidos pela equipe do CIP, mas cada caso

sempre é discutido em supervisão para avaliar a sua adequação ou não ao

serviço.

Assim, a proposta de ouvir o mais rápido possível cada sujeito em

questão, realizar uma avaliação clínica do caso, considerar critérios da ins-

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temática.

tituição e a disponibilidade de oferta de atendimentos em determinado

momento, fazem-nos acreditar na possibilidade de uma melhor condução

de cada caso, anterior à intervenção psicoterapêutica propriamente dita.

Em última instância, estaremos problematizando se o tipo de atendimento

que o serviço tem a oferecer pode ser recomendado e quais são os limites da

intervenção disponível, levando-se em conta a especificidade do contexto

ensino-aprendizagem em que se insere a clínica-escola.

A triagem, no nosso entender, deve ser mais do que a mera coleta de

dados sistematizados para subsidiar a construção de um encaminhamento.

Entendida enquanto um processo é um espaço privilegiado para, junto

com o paciente, avaliar as reais possibilidades de atendimento no serviço

naquele momento, bem como discutir alternativas de atendimentos em ou-

tros locais da rede (Herzberg e Chammas, 2009).

Outra questão importante diz respeito a como se dá a chegada do pa-

ciente em um serviço de saúde mental, seja ele público ou privado. Isso se

faz por diversas vias, mas, invariavelmente, a indicação não é nominal e

sim para o serviço. Com isso uma questão se interpõe de início: como se

estabelece a transferência para que uma escuta dentro de uma instituição

possa acontecer? Em qualquer situação é condição indispensável para que

o atendimento produza algum tipo de efeito o estabelecimento da transfe-

rência entre o paciente e o serviço e entre o paciente e o profissional. Pois

se a transferência se constitui através de uma relação individual, esta rela-

ção vai passar também pelo agenciamento do próprio espaço coletivo como

dispositivo, com o cuidado de criar condições para que se possa desdobrar

em uma abordagem singular do sujeito.

Aqui nos encontramos com o tema do público e do privado, e da dife-

renciação entre a queixa anônima e condições de estabelecimento de uma

demanda singular, temas esses trabalhados no texto de Ana Costa Uma

experiência de clínica institucional (2006). Nesse trabalho, a autora salienta

que o âmbito público traz dificuldades a mais ao campo específico da psica-

nálise: “a inclinação deste é escutar algum tipo de compromisso, engajamento

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Psicanálise e clínica na universidade.

de quem se queixa na relação com aquilo de que se queixa. Ou seja, para o

andamento do trabalho é necessário que as queixas venham acompanhadas

de algum tipo de implicação. [...] dificuldade será, então, recuperar alguma

dimensão de singularidade” (p.160) 3.

Portanto, essa primeira chegada ao serviço é de extrema importância

para o estabelecimento das possibilidades, ou melhor, das condições de

um tratamento para um sujeito, e deverá ser da mesma forma muito sutil na

escuta e acolhida de suas dificuldades. Essa escuta tem que ser pensada a

partir do contexto no qual o discurso do paciente se produz e não na busca

por um deciframento do sintoma que inviabilizaria a possibilidade de com-

parecimento do sujeito. Assim, busca-se uma responsabilidade do pacien-

te quanto à procura pelo atendimento. É neste sentido que entendemos o

que vem a ser a implicação subjetiva do paciente frente a seu sofrimento.

Alguns autores (Tenório, 1996; Corbisier, 1992; Levcovitz e cols., 1995

apud Tenório, 2000) dentre os quais Ana Cristina Figueiredo (1997) tra-

balham com o conceito de recepção, sublinhando que o termo designa

genericamente o primeiro atendimento, em geral em grupos, e é usado

muitas vezes no lugar do termo triagem, que dá uma ideia mais burocráti-

ca e menos acolhedora do atendimento. Para isso, é preciso contar com

uma equipe que partilhe dos mesmos princípios e que esteja permanente-

mente discutindo e reavaliando a sua práxis e que inclua o paciente nas

decisões e encaminhamentos propostos. Esse tipo de atendimento requer

sutileza da escuta, bem como sensibilidade e agilidade na condução de

cada caso.

Este significante triar revela vários sentidos...

Pensamos que o fato da psicanálise fundamentar a escuta desse tipo de

atendimento, visando ir além das queixas e demandas mais prementes,

pode favorecer um encaminhamento que possibilite o engajamento num

3 Abordo esta questão com maior profundidade no artigo Construções e invenções em acolhimento, 2011.

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temática.

processo terapêutico. Triar não pode ser sinônimo de resolver o problema

do outro, encaminhar ou despachar, mas criar condições para que o enca-

minhamento se realize, responsabilizar-se pela indicação e, por vezes,

acompanhar a chegada do paciente em outro local. Não significa respon-

der a demanda do outro de forma unívoca e apressada, num furor curantis

que vem somente ao encontro de suprimir a angústia da equipe e não do

sujeito.

Essas são algumas das reflexões produzidas a partir de questões bas-

tante complexas. Como situei no início desse trabalho, não têm um caráter

conclusivo, mas de abertura para novas reflexões. Elas se fizeram neces-

sárias para o trabalho desenvolvido, que buscou pensar a triagem como um

momento bastante singular da entrada de um sujeito no Serviço que o aco-

lhe e as especificidades deste dispositivo na clínica-escola. Certo é que

cada instituição, cada lugar, terá que construir os seus dispositivos um-a-

um, mas podemos pensar em balizadores comuns que nos auxiliariam a

evitar a repetição do sintoma institucional, da alienação da/na queixa tanto

do sujeito quanto da instituição. Isso interessa na medida em que recoloca

a questão, fazendo girar e reintroduzindo o não-saber, tão operatório na

busca de novas e criativas abordagens.

Apesar de considerarmos os limites impostos a um espaço como o da

triagem, consideramos possível um trabalho que possibilite a escuta do

sujeito, com todas as consequências daí decorrentes. Este espaço permite

também a quem tria vislumbrar questões transferenciais e diagnósticas,

realizando uma espécie de ensaio clínico, além de ser um lugar privile-

giado para intervir na instituição, modificando, inclusive, a lógica do seu

funcionamento.

Referências bibliográficas

COSTA, Ana. Uma experiência de clínica institucional. In: FIGUEIREDO, Ana Cristina; ALBERTI, Sônia (org.). Psicanálise e saúdemental: uma aposta. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 206, p. 124-130.

FIGUEIREDO, Ana Cristina. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica psicanalítica no ambulatório público. Rio deJaneiro: Relumè- Dumará, 1997.

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Psicanálise e clínica na universidade.

HERZBERG, Eliana e CHAMMAS, Débora. Triagem estendida: serviço oferecido por uma clínica-escola de Psicologia. Paideia. SãoPaulo, USP, vol. 19, nº42, 2009, p.107-114.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro: As psicoses (1955-56). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: A angústia (1962-63). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise [1964]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

TENÓRIO, Fernando; OLIVEIRA, Raquel; LEVCOVITZ, Sergio. A importância estratégica dos dispositivos de recepção. CadernosIPUB. Rio de Janeiro, UFRRJ/IPUB, nº 17, 2000, p.7-14.

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temática.

Psicanálise na clínica de psicologia

Luís Fernando Lofrano de Oliveira

Para quem se propõe a trabalhar com psicanálise, o fato de participar

de uma clínica universitária de psicologia provoca questionamentos diver-

sos quanto aos atendimentos e aos tratamentos que ali se realizam. Esses

questionamentos não cessam de surgir nesses ambientes acadêmicos em

que, apesar dos avanços da ciência na universidade, a psicanálise continua

a ser uma referência importante e constantemente solicitada. Esta solicita-

ção seria, em princípio, paradoxal; afinal, trata-se de uma clínica de psico-

logia. No entanto, a participação dos analistas é comum nessas clínicas e

há, muito frequentemente, certa expectativa quanto ao que eles têm a dizer

por ocasião dos impasses que são frequentes no andamento desse trabalho

clínico.

No dia a dia do exercício da clínica em psicologia que se pratica nas

universidades, o interesse pela psicanálise aparece na busca por algumas

coordenadas de orientação para os que se ocupam dos atendimentos. Qua-

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temática.

se sempre, esses atendimentos são realizados por estudantes de psicologia

que têm pouca ou nenhuma experiência em prática clínica. Neste contexto,

uma questão que nos surge é a de situarmos, a partir da psicanálise, algu-

mas precisões conceituais que colaborem para a delimitação do que é pos-

sível realizar por ocasião dessa experiência clínica acadêmica. Tratamos, a

seguir, de apontar algumas dessas precisões que poderiam, a nosso ver,

tanto fornecer algumas coordenadas de orientação quanto permitir ao aca-

dêmico permanecer no lugar discursivo que lhe é próprio, ou seja, de estu-

dante de psicologia.

Enquanto estudante de psicologia, o acadêmico procura meios de si-

tuar os limites da sua ação na clínica. Necessariamente, esses limites serão

os do campo da psicologia. Uma pergunta que podemos nos fazer acerca do

acompanhamento das inquietações desse estudante na clínica é a seguinte:

a partir de coordenadas da psicanálise, qual produção psíquica faria as

vezes de material psicológico nos atendimentos clínicos? Para esta pergun-

ta propomos como resposta a indicação que recolhemos de Freud, formu-

lada quando ele se refere ao material que decorre do processo de represen-

tação da pulsão. Segundo esta indicação, o processo que encontramos refe-

rido pelo autor é aquele que se desencadeia no Eu, por força da pulsão,

como uma espécie de reação psíquica a uma perspectiva de presença da

alteridade. A reação de que se trata corresponde ao processo pelo qual

ocorre o investimento libidinal de traços da percepção e a partir do qual se

definem fonte, meta, impulso e objeto da pulsão.

Conforme lemos em Freud, o resultado deste processo é a produção de

um conjunto de representações, com base no qual o Eu chega a construir a

sua noção de realidade. Essa é a realidade que não vai bem e que faz com

que alguém procure o serviço de psicologia. No que ela é objeto da atenção

de um estudante de psicologia na clínica, essa dita realidade pode ser con-

siderada por ele como um conjunto de representações produzidas, como

tais, pela ação psíquica do paciente frente aos reclames da pulsão.

De fato, o paciente da clínica psicológica pode ser tomado como agente

do processo de representação da pulsão. Como acontece com todos os indi-

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Psicanálise e clínica na universidade.

víduos, ou ele coloca em ação este processo psíquico, ou a pulsão aparece

nele sob estado de afeto. A essas alturas, a atenção dispensada pelo estu-

dante de psicologia à fala desse paciente pode fornecer condições favorá-

veis para que esse último passe a tomar a palavra e, com isto, a situar em

seu discurso elementos de um universo de representações por ele construído.

Tendemos a considerar as representações como material psicológico na

medida em que são, segundo nossa leitura de Freud, o único produto psí-

quico de cuja construção alguém pode reclamar alguma lógica. Não estamos

falando, portanto, das vivências do inconsciente, ou seja, daquelas que

somente ocorrem mediante alguma suspensão da atividade do Eu. Referimo-

nos, antes, ao material que resulta da própria atividade desta instância

psíquica, pela tramitação da excitação mediante processos secundários, isto

é, mediante processos para cujos desdobramentos se faz necessária a fun-

ção do pensamento.

Se considerarmos que o investimento libidinal que caracteriza a pro-

dução das representações é narcísico, isto implica dizer que as formações

resultantes desse investimento se originam do próprio Eu. Normalmente

acontece que o indivíduo não as reconhece com essa origem tratando-as,

pelo menos de início nos atendimentos psicológicos, como uma realidade

alheia. Isto pode se alterar ao longo do atendimento se tivermos, de alguma

maneira, oportunidade de questionar o paciente, como fazia Freud, sobre o

que ele tem a ver com isso de que se queixa. Até segunda ordem, o discurso

do paciente se compõe de representações, ou seja, de construções unitárias

e correspondentes à sua própria individualidade, produzidas por investi-

mento narcísico de traços de percepção.

Em todo caso, mesmo sem entrarmos em pormenores quanto ao anda-

mento e aos desdobramentos do atendimento psicológico, a marca registrada

das representações que comparecerão na fala do paciente é, por uma ques-

tão de origem, que elas são um produto imaginário. Tanto que Freud as

chamou de Vorstellungen, termo alemão que se traduz em português por

imaginações. De fato, como se lê em Freud, a ação psíquica de representar é

a de fazer imagem por força da pulsão.

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temática.

Voltemos ao nosso estudante de psicologia, que está às voltas com os

atendimentos psicológicos realizados na clínica da universidade. Se o se-

guimos em supervisão a partir da psicanálise, ele tenderá a nos falar sobre

os seus impasses na escuta do paciente. Um dos princípios norteadores

que podemos adotar nessa circunstância é o de que ele persista na escuta

das representações produzidas pelo paciente. Deste modo, o material com

o qual ele passa a lidar é o que estamos considerando de ordem psicológi-

ca, construído por formações psíquicas prevalentemente imaginárias cha-

madas de representações. Caso ele permaneça atento a essas formações, a

tendência poderá ser a geração de mais material imaginário no discurso do

paciente. Nesse caso, a escuta do estudante permanecerá atinente ao âmbito

das formações psicológicas. Se essas formações têm uma lógica é porque

elas pretendem carregar uma erótica, narcísica neste caso, do investimento

libidinal de traços da percepção.

A essas alturas, o estudante tem como definir os limites da sua ação no

atendimento psicológico. Esses limites correspondem ao das operações

possíveis com as formações psíquicas imaginárias. Estas formações têm as

suas peculiaridades, e os limites da atuação do estudante estão condiciona-

dos pela lógica, logo pela erótica, tanto de construção como de articulação

desses elementos psíquicos de representação da pulsão.

A erótica narcísica que condiciona a formação do material psicológico

requer uma postura de prudência que se recomenda a todo estudante na

clínica. O apelo a identificações está sempre na base das formações imagi-

nárias chamadas por Freud de representações. O amor que lhe corresponde,

que tem lugar no âmbito dessas identificações, não se confunde com o que

se chama de transferência em psicanálise. Parece-nos importante destacar o

fato do estudante não estar encarregado de nenhum procedimento que se

opere ao nível da transferência, uma vez que seria um despropósito propor

a ele que se colocasse em posição de analista. Ele terá, no entanto, que se

haver com as tendências amorosas narcísicas próprias da formação das re-

presentações. O seu âmbito de ação continuará a ser o da individualidade,

tanto do paciente como do produto da sua ação de representar a pulsão.

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temática.

A clínica no contexto da universidade:limites e possibilidades

Aline Bedin Jordão1

Este artigo contempla algumas interrogações que se apresentam a

mim enquanto psicóloga e supervisora de uma Clínica de Psicologia, e

que dizem respeito aos possíveis encontros e desencontros da Clínica

com a Universidade. Diante dos nove anos em que venho acompanhando

e vivenciando a história da CEIP (Clínica de Estudos e Intervenções em

Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria), percebo que a constru-

ção de um espaço clínico no âmbito da Universidade não cessa jamais de

produzir questionamentos e convocar a revisão e a ressignificação dos fun-

damentos e das práticas que instituímos.

1 Psicóloga (CRP 07/11907), especialista em psicoterapia psicanalítica, mestre em psicologia clínica. Supervisora e coordenadoratécnica da Clínica de Estudos e Intervenções em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (Ceip/UFSM).

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temática.

Instituir algo demanda tempo, demanda avaliar as peculiaridades e

os propósitos do lugar que estamos buscando consolidar. A começar pela

concepção e estatuto de uma clínica universitária: esse lócus situado num

“entre”. Entre a formação acadêmica e o atendimento à comunidade. En-

tre o ensino, a pesquisa e a extensão. Um lugar intermediário – não estamos

nas salas de aula, certamente, mas também não estamos totalmente fora

delas. Nem dentro, nem fora. Talvez justamente essa posição do entre é o

que nos permita falar em construção.

Algumas perguntas complexas insistem: como situar a Clínica dentro

da Universidade? Trata-se de uma extensão do Curso de Psicologia ou de

uma instituição com certa vida própria? Um local de práticas, aprendiza-

dos ou um espaço de transmissão e formação?

Talvez os desdobramentos dessas questões só possam ser dimensionados

no um a um. Como cada um passa pela experiência com a clínica no con-

texto universitário? Como cada um se vê atravessado nesse encontro com a

clínica?

Aqui se situa a dimensão do desejo, da implicação e da disponibilida-

de de estar de fato dentro da experiência, de se permitir ser afetado por ela.

A partir do modo em que cada um é tocado por essa passagem pela clínica

e dos deslizamentos disso é que se pode refletir sobre os efeitos subjetivos

e clínicos para quem escuta e para quem é escutado. É através dos restos

dessa experiência que se pode situar os efeitos da mesma em cada um.

Marta Pedó (2010), em um texto intitulado “O que fazer com os res-

tos?” nos faz pensar sobre o caráter transformador e de convocação que os

restos produzem ao nos depararmos com eles. Com os restos se constrói.

Eles ficam sempre à espera de um destino, de uma transformação.

Cada turma de estagiários, ou mesmo cada estagiário que passa pela

clínica, deixa seus restos. Cada percurso nessa experiência produz restos.

O trabalho clínico e institucional efetivado deixa traços de ordem concreta

e de ordem simbólica, seja através dos resquícios transferenciais com os

pacientes atendidos na clínica, que se denunciam no ano seguinte após a

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junho 2013 l correio APPOA .31

Psicanálise e clínica na universidade.

“passagem” dos casos; seja pelos questionamentos gerados no decorrer do

ano pelo grupo de estagiários, que permitem repensar o espaço clínico; seja

pelas produções geradas no boletim da CEIP e nas jornadas clínicas anu-

ais, ou ainda referem-se às transformações subjetivas apresentadas pelos

estagiários e pelos pacientes, testemunhadas em espaço de supervisão. Os

efeitos dessa experiência na clínica muitas vezes resultam em desconstruções

e ressignificações acerca do lugar de estudante e na relação com o saber.

O trabalho da clínica na universidade privilegia justamente isso que

fica nesse lugar de resto. É a partir disso que se produz a clínica. Como

conceber isso no contexto universitário, onde a expectativa que impera é a

de que não haja restos? E de que, se houver, tais arestas devem ser polidas,

arredondadas ou até mesmo eliminadas?

No contexto da clínica, as pretensões acadêmicas de busca pela totali-

dade são colocadas em xeque. Abre-se a possibilidade de uma outra relação

com o saber dentro da universidade. O indecidido, inerente à clínica, tem

estatuto de valor. O saber a priori, universal e uniforme é constantemente

desacomodado.

Reflexo disso são as frequentes interrogações por parte dos estagiários

nas supervisões ou nas atividades de equipe da clínica: o que podemos

fazer aqui? Quais nossos limites? Somos alunos? Psicólogos? Analistas?

Estagiários? O que fazer com a psicanálise em um lugar que não se propõe

a ser um espaço de formação de analistas, mas onde não passam desperce-

bidas as manifestações do inconsciente e os enlaces transferenciais?

Estamos situados entre um enquadre de formação acadêmica de psicó-

logos, cujo tripé aponta para o ensino, pesquisa e extensão, e a ética da

psicanálise, que privilegia o tripé análise pessoal, supervisão e transmis-

são. Quem sabe em meio a alguns pontos de consonâncias ou divergências

possamos pensar a clínica universitária como um lugar terceiro, um espaço

litoral.

O encontro da clínica com a universidade nos apresenta questiona-

mentos de diversas ordens – a universidade, com seu calendário, com suas

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temática.

demandas de sistematização das atividades, com seu viés avaliativo, e com

seu discurso que muitas vezes faz equivaler saber e verdade – e impõe

sérios atravessamentos para a clínica, principalmente tendo em vista a con-

cepção de clínica da qual estamos aqui referindo.

Disso decorrem situações que nos exigem reflexão e trabalho – alguns

exemplos: como receber os pacientes? Como conceber a porta de entrada

desses pacientes? São muitas as tentativas: listas de espera, plantões psico-

lógicos, triagens – triagens simples, triagens estendidas. A serviço do que

está tal demanda de sistematizações? Isso nos importa no trabalho clínico

propriamente dito? Podemos dispensar as sistematizações estando num

contexto acadêmico? Como pensar a finalização dos estágios, por exemplo?

E os fins de tratamento, que dificilmente coincidem com o fim do estágio?

O calendário acadêmico nos impõe um início e um fim? E os encaminha-

mentos, ou passagens de pacientes, como ficam? Dependemos do período

em que o curso abre vagas para inscrição dos alunos nos estágios ou das

greves nas universidades?

Todas essas são interrogações que exigem um olhar. Certamente não

podemos desconsiderar os limites e atravessamentos institucionais, mas tais

circunstâncias ou situações não nos fazem recuar da sustentação de nossa

práxis, tampouco do estatuto que desejamos dar às clínicas universitárias.

O trabalho clínico, no fim das contas, sempre vai ser o norte pelo qual

possamos definir as situações, privilegiando os acontecimentos no um a

um, sem a necessidade de garantias prévias ou de dispositivos generalistas

instituídos. A tentativa é dissolver a lógica de um ordenamento administra-

tivo – organizacional do cotidiano, que regula o funcionamento, as entra-

das e saídas de pacientes, etc. Conforme discute Simone Rickes (2010), no

livro “Escritos da clínica”, essas normatizações generalistas resultam no

fato de que as regras são chamadas a decidir pelos sujeitos, ou seja, econo-

mizam o pensamento e reflexão daqueles sob os quais elas incidem.

Maria Cristina Poli (2012) em “Leituras da clínica, escritas da cultura”,

ao discutir a transmissão da psicanálise no contexto universitário, afirma

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Psicanálise e clínica na universidade.

que o saber a ser ensinado na academia pressupõe a apresentação de mapas

que traduziriam o mundo em palavras, numa lógica equivalente a uma arit-

mética exata. Trata-se do velho embate acerca do discurso da ciência e do

discurso biomédico que por vezes pode dar os ares de preponderância e

verdade. Verdades que muitas vezes dispensam os sujeitos de tomar posi-

ção sobre seu desejo e de responsabilizarem-se por suas consequências.

“(...) Diante dos índices normativos que diriam o que somos, dispensando-

nos do trabalho de apropriação e enunciação singulares, ficaríamos como o

cachorrinho que abana o rabo para o pedaço de osso que seu dono lhe

apresenta” (Poli, 2006, p. 40).

Apreender os benefícios da ciência, sem dispensar a experiência sin-

gular é umas das tarefas para quem trabalha com clínica na universidade,

em especial quando pautada pela ética psicanalítica. Talvez aqui se situe

um outro “entre”: entre o rigor conceitual e a vivência de cada um. Discur-

sos e lógicas aparentemente e supostamente incompatíveis – mas será que

precisariam ser mesmo incompatíveis? Será necessário aderir a uma ou

outra posição?

Tratando dessa discussão, Maria Cristina Poli (2012), pontua que a

clínica é, por excelência, o lugar onde o valor das proposições teóricas é

examinado e interrogado. As disciplinas teóricas, propagadas de modo

universitário, podem encontrar na clínica oportunidade de renovação. Para

ela, a clínica-escola é lugar do exercício da pergunta, do questionamento,

das dúvidas. Um espaço em que se possibilita a sustentação do encontro

de cada um com a clínica.

Talvez o fato de o estagiário sair da experiência com a clínica e com a

psicanálise em uma universidade sem saber ao certo quem ele é, possa ser

algo formador por si só. Aos coordenadores e supervisores destas clínicas

cabe sustentar e incitar o desejo de escuta, sempre atentando e respeitando

os limites do tempo de formação de cada um – tempo aqui não necessaria-

mente no sentido cronológico – e as questões acadêmicas que necessaria-

mente se impõem.

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temática.

Parte-se do pressuposto de que a formação se dá no singular, na medi-

da em que cada estagiário que se propõe a construir uma condição de escu-

ta se depara com suas questões e com os seus restos. Parte-se daquilo que

para cada um que se põe a escutar faz com que um atendimento se torne um

caso. Assim, cabe a cada um que se lança no percurso da escuta interrogar-

se, em nome próprio, acerca dos encaminhamentos a serem dados aos aten-

dimentos, lembrando que para isso torna-se fundamental o investimento

na supervisão e na análise pessoal. Nesse percurso, os estagiários podem

construir uma passagem da posição de estudante para uma posição de clí-

nico. Desenvolver uma possibilidade de escuta, para além de querer domi-

nar a técnica, levando sempre em conta que cada um agencia esse processo

a seu próprio modo e estilo. A proposta é a da construção de um saber que

se desdobre da experiência, e que caminhe sempre no sentido de uma aber-

tura. Não há, portanto, nenhuma preocupação em alcançar respostas ou

produzir um saber acadêmico, e sim promover sempre um relançamento de

questões no fazer da clínica.

Diante disso, faz-se necessário atentar para que a prática clínica no

contexto das Clínicas de Psicologia das Universidades não se restrinja a

uma lógica de formação acadêmica, submersa no cumprimento de exigên-

cias curriculares. O aluno se vê, portanto, exigido a ocupar um lugar dis-

tinto daquele que lhe foi demandado, até então, no curso de graduação,

incluindo o “impossível de saber” como um operador (Pinheiro e Darriba,

2010).

Ana Cristina Figueiredo (2008) destaca a importância da transmissão

de um desejo de saber como falta no saber, para que cada um recolha os

elementos do que lhe provocou alguma diferença e faça deles sua produ-

ção, marcando seu estilo. Assim, cabe à coordenação e aos supervisores

das clínicas universitárias possibilitar a sustentação do mal-estar que o

exercício clínico inevitavelmente provoca e recolher os efeitos de um pri-

meiro contato dos estagiários com a psicanálise.

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Psicanálise e clínica na universidade.

Para conduzir a um fim, penso que uma posição interessante no en-

contro de cada um com a clínica na universidade seja a de estranha famili-

aridade, como já nos situava Freud. Esta posição de estranhamento e fami-

liaridade com a instituição de formação talvez seja o que permita um lugar

para a alteridade, para o novo, para as diferenças – o que convoca a pensar.

Algo nem tão familiar que remeta a uma acomodação sem surpresas, nem

estranho demais a ponto de não ser possível encontrar um alinhamento

com a instituição em questão.

Certamente ainda temos muitas questões em aberto. Diante disso, res-

salta-se a importância de que cada instituição possa buscar suas vias, de

modo idiossincrático, frente aos impasses e tensões que a clínica na uni-

versidade produz. Ainda, que se mantenha presente o desejo de remodelar

e repensar a clínica tantas vezes quanto ela nos demandar. Frente aos limi-

tes, possibilidades, questionamentos e todo o espectro existente entre uma

e outra dimensão, as Clínicas nas Universidades certamente continuam

servindo como “endereço” aos que demandam uma escuta e um acompa-

nhamento e instigando o desejo pela clínica e pela psicanálise junto aos

estagiários, dando abertura para a construção de saberes e práticas sempre

singulares.

Referências bibliográficas

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POLI, Maria Cristina. Leituras da Clínica, Escritas da Cultura. Campinas: Editora Mercado de Letras, 2012.

POLI, Maria Cristina. Eu não procuro, acho: sobre a transmissão da psicanálise na universidade. Em: Lo Bianco, A. C. (org.). Freudnão explica: a psicanálise nas universidades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006.

RICKES, Simone, M. Uma clínica que se estende: novos desafios aos psicanalistas. In: Drugg, Angela; Freire, Kenia; Campos, Iris.(Org.). Escritos da clínica. 1ª ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2010, p. 23-28.

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temática.

Linhas de contexto das clínicasde universidades

Carlos Henrique Kessler

Desde que me aproximei, em 1986, ainda na condição de estagiário, da

Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS, vislumbrei ali uma interes-

sante possibilidade de trabalho. Na época, tinha muito presente o pronun-

ciamento de Freud (1918) no Congresso da IPA em Budapeste (publicado

pela Imago com o irritante título Linhas de Progresso na Terapia Psicanalíti-

ca). Neste texto, muito lembrado pela distinção entre o ouro puro da psica-

nálise e o cobre da sugestão, Freud também indica a ambição de que um dia

a psicanálise constitua institutos nos quais fosse possível formar um nú-

mero maior de analistas e atender uma camada mais ampla da população.

Então, contaminado por este texto, era fácil estabelecer esta analogia para

uma clínica como aquela, ligada à universidade.

Passados trinta e cinco anos de sua existência, temos registradas mais

de 30 mil pessoas que buscaram atendimento na Clínica da UFRGS – como

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correio APPOA l junho 201338.

temática.

costumou-se vir a chamá-la – a maior parte destes atendimentos tendo refe-

rência na psicanálise. Da mesma forma, muitos são os colegas, hoje psica-

nalistas, que por lá passaram. Usualmente entre 150 a 200 terapeutas, ou

clínicos, com diferentes abordagens e em diferentes momentos de formação

ali trabalham. Especialmente para aqueles que o fizeram ainda como estu-

dantes, quero crer que esta passagem possa ter sido importante no sentido

de contribuir para a decisão de buscar uma formação, especialmente a psi-

canalítica. A imersão em um processo no qual o sujeito é confrontado com

a responsabilidade de escutar diversas pessoas e, seguindo este processo

de escuta, averiguar o efeito desse trabalho, parece proporcionar um tem-

po para compreender a aquele que ainda não necessariamente decidira-se

quanto ao rumo a dar para a sequência de sua formação. E assim, a

posteriori, esta experiência pode ser incluída nesta trajetória de formação.

Esta virada entre uma posição de aluno que, em sala de aula, espera ou

tensiona o saber proposto pelo professor, para o clínico, que supõe um

saber naqueles mais experientes e conta com estes para dar suporte a seu

trabalho, é relatada por vários psicanalistas que trabalham em clínicas de

universidades brasileiras (entre outros, veja-se: Nobre, 2000; Figueiredo &

Vieira, 2000; Barros & Oliveira, 2003; Jorge & Costa, 2005). As mais de 200

monografias de especialização na ênfase de psicanálise produzidas em

nossa Clínica dimensionam também a passagem, ou permanência por um

tempo maior, de colegas em um momento um pouco mais avançado, que

ali encontraram espaço para seguir uma formação que aliasse teoria com a

possibilidade de experiência clínica.

As condições para a formação do psicanalista seguem sendo as inicial-

mente dispostas por Freud (1919), um curso universitário não estando in-

cluído entre estas: análise pessoal, estudo teórico, controle ou supervisão

da prática clínica. Mas como alguém chega a buscar esta formação ainda é

um leque amplo, onde a busca de tratamento (por alguém que a partir daí

descobre a psicanálise) pode ser a condição ideal, mas que, sabemos, tam-

bém pode se dar de diversas outras formas. Atualmente, em diversos paí-

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Psicanálise e clínica na universidade.

ses, mesmo com todas as polêmicas e disputas características do ambiente

das universidades, especialmente os cursos de psicologia têm se constitu-

ído em local de circulação dos conteúdos ligados à psicanálise. Nesse sen-

tido, considero que seja de interesse estratégico que psicanalistas estejam

nas universidades e, particularmente em nosso país, inseridos nas clínicas

destas universidades onde o início da formação prática já ocorre durante o

curso de graduação.

Muitos são os desafios que se colocam. A universidade não se pro-

põe e não forma analistas. Sua estrutura é organizada em semestres, nem

sempre com continuidade ou a desejada articulação. Lacan (1992) se ins-

pirou na experiência da universidade francesa para caracterizar, entre

seus quatro discursos, o universitário, tendo o saber sem fissuras como

agente e o astudado como produto. Mas – nunca é demais lembrar – os

discursos circulam, transitam. A universidade não detém o monopólio do

discurso universitário, nem este é o único presente ali. Então trata-se de,

para aqueles que nela estão, explorar suas potencialidades frente aos desa-

fios colocados. Temos as injunções da ciência e de seu método positivo: a

verificabilidade de Comte; a falseabilidade de Popper. Mas também temos

na universidade, como campo de circulação de diferentes saberes, o contato

com colegas que acompanham os movimentos atuais da filosofia, antropo-

logia, literatura, música, artes plásticas, educação; assim como as ciências

duras e biológicas em geral. No campo psi temos as indagações diagnósticas

e a proposição do DSM-5; as proposições das teorias cognitivo-comporta-

mentais ou os pós-estruturalistas deleuzianos, ambos tão díspares, mas

tendo como consenso que a psicanálise não teria mais tanta valia. Nesse

sentido, um outro campo importante se abre, além daqueles do atendimen-

to à população e da formação clínica referenciada na psicanálise, trata-se da

fronteira da pesquisa, do campo da investigação e produção conceitual. Em

nossa universidade estamos buscando constituir um Programa de Pós-Gra-

duação em Psicanálise, que agregará uma nova dimensão e contribuição

possível do trabalho que ali se desenvolve. No caso da intervenção na clíni-

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correio APPOA l junho 201340.

temática.

ca da universidade, esta articulação abre toda uma gama de possibilidades

de pesquisa clínica, para além do que foi até aqui possível.

Foi nesta perspectiva que desenvolvi meu doutorado (Kessler, 2009),

tendo como objeto a supervisão efetuada no contexto particular da Clínica

de Atendimento Psicológico da UFRGS. Se o trabalho ali proposto tem a

pretensão de uma referência na psicanálise, não pode ser exigível que, na

universidade, o clínico iniciante seja psicanalista; quanto ao supervisor,

deste sim se esperaria que tivesse uma trajetória decidida (advertida, no

sentido do seminário sobre o Ato Psicanalítico) quanto a isto, na medida

em que esteja atravessado pela experiência analítica. Portando-se como su-

jeito dividido, supondo o objeto a no comando, pode apostar que algum

traço dessa experiência possa se transmitir para quem começa sua prática

clínica. É na supervisão, portanto, que se trataria – em vez de se dedicar a

pensar se o paciente melhorou ou não e quanto – de estar prevenido quan-

to ao que acabamos de afirmar. Isso possibilitaria o deslocamento da pers-

pectiva de um sujeito que, ao buscar atendimento, falasse a partir de uma

posição de saber ou de busca de saber sobre si (S² no comando), para outra

em que ele, como sujeito do inconsciente, possa falar de onde esteja em

questão o desejo que o causa (a no comando). Tomar o objeto a como o

agente do discurso, deixando o saber (S²) em suspensão, fazendo o sujeito,

dividido ($), trabalhar de forma a que assim se produzam os significantes

(S¹) que lhe são constitutivos. Trata-se então de, em supervisão, sustentar,

dar suporte à posição do praticante. E que algo dessa posição possa, pro-

duzida em transferência de trabalho, marcar (pontuar) a trajetória clínica

desse sujeito, eventualmente transmitindo o traço de uma transferência com

a psicanálise, com seu discurso. Se podemos constatar que a prática clínica

supervisionada na universidade é, para muitos, via de entrada na formação

psicanalítica, devemos depreender ali a presença de um ato, tal qual situa-

da por Lacan (1967-8), quando disse que o ato é o que constitui um come-

ço, lá onde não havia um.

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Psicanálise e clínica na universidade.

De qualquer modo, devemos estar advertidos, também, aos restos dei-

xados pelos desdobramentos do mesmo pronunciamento de Freud (1918)

em Budapeste. Foi o germe do Instituto de Berlim, como sabemos, iniciati-

va recheada de boas intenções, ligada a ampla difusão da psicanálise, mas

que também podemos considerar como responsável pelo pior: a burocra-

tização da formação e da clínica a partir dos preceitos depois estabelecidos

por Eitingon e adotados pela IPA. As tantas exigências a priori, em termos

de temas de estudo, quantidade de horas de análise, análise didática e

supervisão, acabavam invertendo o processo da demanda de formação e a

implicação para com a mesma. Diríamos, assim, que ao analista cabe se

colocar frente ao impossível envolvido na presença do discurso do analista

na universidade. Terá que buscar produzir com um ato, especialmente na

supervisão, uma inflexão no discurso universitário para marcar um início

em direção à formação analítica.

Referências bibliográficas

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KESSLER, C. H.; JERUSALINSKY, A.; BIANCO, A. C. L.; POLI, M. C.; QUEIROZ, T.; RIBEIRO, C. N. G.; MONTEIRO, E. A. (2011).Psicanálise e Universidade. Disponível em: http://www.lacan-brasil.com

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NOBRE, L. Da demanda de conhecimento à abertura ao saber – considerações sobre a prática da supervisão na universidade.Cadernos do IPUB 9, 2000, 93-8.

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temática.

A supervisão na clínica-escola

Tânia Maria de Souza

O trabalho de supervisão em uma clínica-escola não é diferente em

seus preceitos fundamentais, mas reúne alguns elementos que tornam esse

trabalho peculiar quando realizado neste contexto. A peculiaridade está

em ter que transitar entre dois lugares que se diferenciam de forma muito

marcante, que são: o lugar de professor e de supervisor em uma mesma

instituição, que é a universidade.

Não é impossível, uma vez que o trabalho acontece, e em muitos casos

em boas condições, mas requer um trabalho importante tanto do supervisor

quanto do supervisionando para transitar entre esses dois lugares sem se

confundir. Em supervisão, o supervisionando pode reivindicar um lugar

de aluno convocando o supervisor a responder de um lugar de professor,

assim como, em algumas atividades acadêmicas, apela para o supervisor

que naquela ocasião responde de um lugar de professor.

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temática.

Responder a isso pode inviabilizar o exercício da supervisão, o que

requer do supervisor que intervenha de forma a garantir que o supervisio-

nando não se entenda avaliado ou aprendendo com seu professor/

supervisor. É a sua prática (do supervisionando) que deve lhe retornar

desde a supervisão enquanto apropriação de seu saber. Apropriação daqui-

lo que escuta e que até então não percebia que escutava.

Assim, o trabalho em supervisão nos coloca uma primeira condição: a

disposição em se desvencilhar de um semblante de saber. O que implica

não responder de um lugar de mestria. É bastante comum que um estagiá-

rio em início de seu trabalho clínico queira entender algumas questões teó-

ricas com seu supervisor/professor e do que ele deve ser esclarecido é de

que lá não há o professor.

Não há um saber antecipado, mas é um trabalho que só acontece a

partir da escuta do supervisionando em supervisão. É com o que ele traz de

seu fazer clínico que trabalhamos. Esse é o primeiro ponto; o segundo é

sobre o lugar do qual o supervisor pode operar como tal.

Em geral esse lugar requer do supervisor uma presença, na medida em

que possa acompanhar a fala do supervisionando em um movimento de

retorno ao que ele está endereçando ao supervisor, uma vez que é no retor-

no disso que o trabalho acontece. Mas isso depende de o supervisor ins-

crever uma ausência – em presença – naquilo que o supervisionando espe-

ra ouvir. Ao endereçar suas questões clínicas, recebe-as de volta de forma a

poder se apropriar do que vem sendo seu trabalho com o paciente. A au-

sência é no sentido de não haver uma resposta que possa ser dada pelo

supervisor, ainda que algo relativo a uma construção clínica do caso acon-

teça. O cuidado é de que não instale uma terceira escuta, que seria a do

supervisor. (ex. quando o estagiário se prende ao que o supervisor disse,

ou poderia fazer em determinadas situações, ou programe o que dirá na

próxima sessão com o paciente). Como é da falta que se trata, ela nos chega

em muitos momentos de supervisão na forma do receio de ter fracassado

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junho 2013 l correio APPOA .45

Psicanálise e clínica na universidade.

ou de ter feito uma intervenção inadequada e, se a tomamos como falha, ou

fracasso, podemos ser aquele que avalia ou ensina como fazer melhor; ou

pior, seremos aquele que dirá como teria sido melhor.

Ensino e transmissão se aproximam no contexto acadêmico, mas não

precisam se confundir. Enquanto docentes e também supervisores respon-

dermos a isso, ou seja, preservarmos o vazio quando o supervisionando

pede pelo saber, será uma boa maneira de permitir a transmissão. Não há

como ensinar o que apenas podemos transmitir, considerando que a trans-

missão conta com o que não pode ser dito, que é o próprio do vazio, da

falta. Sobre a falta, não sabemos como dizer a não ser imaginariamente.

Assim, a prática da supervisão se trata de uma experiência de transmissão

e não de ensino, e o que está em jogo na transmissão, como já dizia antes,

é o saber inconsciente, enquanto o que não se sabe.

No entanto, o saber em causa não é somente o do inconsciente, há

também um saber sabido, aquele que se adquire na experiência com a prá-

tica clinica e pela experiência com a teoria no estudo em um laço associativo

com os pares e que se refere ao conhecimento. Esse saber faz função, opera-

mos com ele e nos autorizamos a partir dele. Bem sabemos que o que nos

autoriza não vem apenas disso, mas também. Esse saber pode originar ou-

tros espaços de formação na Clínica-Escola, como o programa de ensino,

que é organizado a partir de questões levantadas pelos próprios estagiários,

desde seu trabalho clínico e de supervisão. Desse modo, as dúvidas formu-

ladas teoricamente têm endereçamento fora da supervisão, ficando esta pre-

servada para o trabalho com a falta.

O trabalho de supervisão deve ser pensado enquanto encontro faltoso,

como aquilo que pode provocar mudanças de posições. Enquanto encontro

faltoso não deixa de ser um encontro com o Real e, devido a isso, promove

um movimento por seu efeito de encontro com a falta. Da mesma forma que

isso opera na clínica, também opera enquanto função na supervisão. Mo-

mento em que o supervisionando se vê diante das consequências de sua

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temática.

escuta em um laço transferencial com seu paciente. Se não for respeitado

nisso e escutado eticamente, o supervisionando pode se ver abandonado

em sua falta.

Sobre isso encontrei uma passagem de Safouan ao se referir de sua

experiência em supervisão com Lacan que diz o seguinte:

Lacan não procurava ensinar como conduzir uma análise. Deixava

você agir o melhor que podia, deixava a seu cargo o cuidado de se

informar se você estava suficientemente preparado, (...) levava você

a concluir se era o caso de retomar sua análise. Numa palavra, para

Lacan, ‘formar um analista’ era, acima de tudo, dar todas as oportu-

nidades para que algo da ordem do analista se realizasse (...) para

que algo se atenuasse, não tanto de seu narcisismo, mas das certezas

que o eu tira de sua fantasia fundamental (2009, p. 88).

Através de sua experiência de supervisão, Safouan nos ajuda a enten-

der que o trabalho nos exige uma saída desimpregnada do lugar de profes-

sor e o cuidado ético em não nos atrevermos a qualquer intervenção sobre

as questões do supervisionando. Ainda que elas apareçam e, que possa-

mos escutá-las, elas não estão endereçadas ao supervisor e o cuidado com

isso é fundamental.

Mesmo que esteja endereçada ao terapeuta, suposto pelo supervisio-

nando em seu supervisor, o supervisor jamais será um terapeuta no traba-

lho de supervisão. Uma terapia só ocorre em presença de um terapeuta,

assim como uma análise requer a presença de um analista. Confundir esses

lugares é o mesmo que negar a dignidade do trabalho clínico. Um supervisor

só pode responder de um lugar de supervisor. E se em algum momento

passar a analista, que seja com o cuidado ético que essa passagem requer e

que um analista deve saber conduzir.

Assegurado seu lugar, podemos considerar que, se o que está em causa

na supervisão é a escuta do terapeuta em relação ao seu paciente, seu efeito

deve ser o de lhe permitir uma torção em sua escuta para o caso que está

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Psicanálise e clínica na universidade.

acompanhando. Enquanto terapeuta, o supervisionando experimenta di-

versos caminhos na relação transferencial com seu paciente, mas nem to-

dos podem ser escritos, ou lidos, permanecendo como caminhos experi-

mentados, mas não revelados. Como falar disso sem o temor de ter entrado

em lugares proibidos? O limite se mostra no encontro com o supervisor,

que não pode estar desavisado dessa contingência, própria da experiência

transferencial. Vê-se testemunha de algo do qual não poderá dar testemu-

nho, mas por estar em um laço transferencial com o supervisionando, acom-

panha-o em sua escuta, lendo com ele o que não pode ser dito.

Uma supervisionanda fala de um paciente que atende há muito tempo,

mas que pensa não estar conseguindo escutar, porque sempre tem sono

durante o atendimento. Acha que sente sono porque o paciente parece nunca

falar de suas questões, embora fale de si todo o tempo da sessão, mas fala

de si através do relato de seu cotidiano. Questionada sobre sua questão

enquanto terapeuta, quanto ao que lhe fez decidir sobre a escolha deste

caso para a supervisão, diz que sua questão é justamente a falta de uma

questão, tanto do paciente, quanto sua em relação ao caso. Após esta super-

visão na qual só se pôde falar de um possível silêncio compactuado por

terapeuta e paciente, a supervisionanda relata que na sessão seguinte a

mesma cena se repete, até que o paciente, em um tom pouco mais alto que

o habitual, lhe diz que lhe incomoda reconhecer que a sua mãe nunca lhe

escutou, que embora parecendo atenta, sempre esquecia o que tinham con-

versado, sabia que a mãe não estava escutando. A terapeuta se vê atingida

em sua falta de questão e acredita ter acordado de sua sonolência podendo

retomar sua escuta. Então se interroga: “Será mesmo que não escutava, ou

o que escutava não tinha como dizer?”. Vemos aí uma escuta, ainda que

parecesse não haver, e, neste caso, a escuta também passava pelo corpo do

terapeuta.

A supervisão neste caso permitiu, através da narrativa, certa represen-

tação do que acreditava não escutar, com isso recuperando seu lugar. O

terapeuta, mesmo ainda estagiário, sabe por onde está conduzindo sua es-

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temática.

cuta, mas nem sempre se mantém em sua escuta sem se ver atravessado por

suas fantasias. E a supervisão deve lhe permitir apenas um encontro com

isso, nada mais. Qualquer movimento em direção à suas questões deve ser

decidido por ele mesmo. Se de alguma forma participamos disso, deve ser

por efeitos transferências e não por intervenções que tenham sido feitas

nessa direção. Não é o supervisor que pode lhe devolver algo enquanto

interrogante próprio.

Penso que questões narcísicas, ou de fantasias fundamentais do

terapeuta, devam ser consideradas para a escuta do caso. Ou seja, por que

surgiram essas questões e não outras? Ou, por que emergiram nesse mo-

mento do trabalho com o paciente? São questões que interessam ao traba-

lho de supervisão pela possibilidade de contar com um dos importantes

vetores da escuta clínica e, se não for tomado como tal, aí sim a escuta do

caso pode ser interrompida. Ao falar sobre isso, o supervisionando pode

se situar em relação a sua própria fala, saindo de uma posição passiva e

ingênua em relação à transferência, para se ver mobilizado pelo seu desejo.

Se não fosse assim, será que se inquietaria a ponto de confessar o que

pensava ser uma falha sua? Mesmo sendo um terapeuta em formação acadê-

mica e ainda estagiário, já acompanhamos e testemunhamos as

consequências do desejo em sua prática. Situação em que sai de cena a

preocupação com o saber.

Quando o supervisionando nos diz que sentiu sono, medo, compai-

xão, preocupação, desejo de que o paciente não retornasse, tristeza ou

raiva, enfim, para citar apenas algumas das manifestações que podem apa-

recer, podemos chamar isso de efeitos da transferência do lado do

terapeuta. E tais elementos fazem parte da escuta. Sentir algo pelo pacien-

te pode ser uma resposta do terapeuta a um apelo fantasmático do pacien-

te. Escutar um sujeito em seu trabalho com o inconsciente tem suas

consequências, e, para que não fiquem coladas no terapeuta como inabili-

dades suas com o seu inconsciente, que a recondução da escuta através

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Psicanálise e clínica na universidade.

delas se desobstaculiza. Quando o supervisionando faz um ato falho em

supervisão, pode ser um momento em que algo da fala do paciente emirja

enquanto sujeito do significante, que através de seu ato falho esteja refe-

rindo uma escuta não-falha do terapeuta.

Referências bibliográficas

SAFOUAN, Moustapha. Sobre a distinção lacaniana entre a psicanálise terapêutica e a psicanálise didática. in. DIDIER-WEILL,Alain; SAFOUAN, Moustapha (orgs.). Trabalhando com Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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debates.

A nossa ficção científica1

Elaine Starosta Foguel

Freud denominava sua psicanálise uma doutrina, também a chamava

de Ciência da natureza. Em 1884, no auge do positivismo, ocorreu a pola-

rização dos campos científico e filosófico, [respectivamente Naturwissen-

schaften e Geistwissenchaften.] Por um lado, os estudos da natureza de

tradição galileana e, por outro, os estudos históricos e filosóficos. Os vocá-

bulos explicar/esclarecer (erklaren) e compreender (verstehen) indicavam,

respectivamente, a função e a característica central de cada um. É neces-

sário, então, que questionemos o que é tradição galileana antes de estu-

darmos a “máquina de sonhar” (Monzani, 1989) que Freud construiu no

Capítulo VII, A psicologia dos processos oníricos; veremos que afirmar ser a

psicanálise uma ciência da natureza dá muito pano para a manga...

1 Esta é a versão condensada de um artigo que está na Coletânea do Campo Psicanalítico de Salvador 2012. É sobre as origensepistêmicas da forma psicanalítica da interpretação. Não contempla nem as influências judaicas, nem as literárias.

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debates.

Galileu foi não apenas um grande cientista, mas o fundador da

metodologia científica. Seu legado decisivo para o desencadeamento da re-

volução científica foi a abordagem geométrica e matemática do objeto de

estudo. Em palavras simples, o que Galileu inaugura não é a observação da

physis, que já ocorria na Grécia, mas a aplicação, ao objeto observado, de

formas e equações da geometria, que passam a ser o verdadeiro objeto de

estudo da ciência. Este método desencadeou e proporcionou a revolução

científica. Foi isso o que Freud fez quando desenhou o aparelho psíquico

do capítulo VII do livro dos sonhos?

Até os últimos momentos de sua vida Freud sempre defendeu que a

psicanálise era uma ciência da natureza. Em 1938, ele ainda sustentava que

“É simplesmente como as coisas acontecem nas ciências naturais. Também

a psicologia é uma ciência natural. O que mais pode ser?” (Freud, [1938]

1974, p. 316-317, v. 23). Logo, Freud não optou pelo método filosófico isto

é, não buscou, Verstehen, compreender: a psicanálise não é uma visão de

mundo. Realmente, podemos ler nas suas cartas a Fliess (1895) que Freud

nunca pretendeu abrir mão da cientificidade, apesar de ter aberto mão,

antes de 1900, da base neuronal. Vejamos este trecho da carta de 22 de

setembro de 1898, (Masson,1986) em plena efervescência da interpretação

dos sonhos, e tendo engavetado o Projeto:

Querido Wilhelm:

Não estou nem um pouco em desacordo com você, nem tenho a

menor inclinação a deixar a psicologia suspensa no ar, sem uma

base orgânica. No entanto, à parte essa convicção, eu não sei como

prosseguir, nem teórica, nem terapeuticamente, de modo que pre-

ciso comportar-me como se apenas o psicológico estivesse em exa-

me. Porque não consigo encaixá-lo [o orgânico e o psicológico] é

algo que nem sequer comecei a imaginar.

Contudo, logo depois, Freud desenhou um diagrama muito simples,

quase ingênuo, no Capítulo VII: esta pequena escrita de traços e abrevia-

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Psicanálise e clínica na universidade.

ções foi a base necessária para a revolução que ele processava no pensa-

mento da tradição ocidental. Denominou seu esquema de aparelho psíqui-

co, formalizando a Metapsicologia através de uma base topológica. Pode-

mos afirmar que o ato de escrita de Freud correspondia ao que Galileu

fizera ao fundar o método científico através da mecânica e da cosmologia, e

que serviria de paradigma para toda a ciência clássica? Deixemos esta ques-

tão aqui por um momento.

2) Gostaríamos agora de retomar de outro ângulo a partir de duas cita-

ções da Interpretação dos sonhos: a primeira passagem está no Capítulo II,

O método da interpretação dos sonhos: análise de um sonho modelo. Freud

afirma sua tese geral da obra, de que “ [...] os sonhos realmente têm um

sentido e que é possível ter-se um método científico para interpretá-los”

(Freud, 1900, p. 135, v. 4) [...] e que, no tocante às estruturas dos sonhos

sua decomposição coincide com sua solução (Freud, 1900, p. 135, v. 4)2.” Na

edição em espanhol da Amorrortu, temos a indicação da frase no original:

Auflösung, Lösung. A segunda passagem está no Capítulo VII no qual Freud

confessa que, relativamente aos processos psíquicos envolvidos no ato de

sonhar, ele estaria na escuridão (Freud, v. 5, p. 542), exatamente por uma

falta de base para sua explicação, tendo ele abandonado em 1895 a base

neuronal para descrever o inconsciente.

Ora, se a decomposição/Auflössung, leva a uma solução/Lössung como

efeito necessário, então o próprio trabalho da análise do sonho tal como

Freud o desenvolve, revela, indica sua interpretação. Esta metáfora bioquí-

mica nos deixa frente a frente com as lentes do microscópio no laboratório:

o que o cientista analisa e nomeia e escreve na observação da lâmina

magnificada é um ato de Erklaren, e que esclarecer o real através da palavra

seria afinal o farol do tratamento. Não diríamos que está longe de ser verda-

de, se consideramos que a livre associação dirigida pela presença do analis-

ta tem por efeito a decomposição e mesmo a solução do sentido, por parte

2 Auflössung: dissolução, solução, desenlace, resolução, redução. Lösung: solução, desenlace, desfecho.

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debates.

do analisante. O que se segue à segunda passagem, isto é, o que Freud

passa a desenvolver para resolver o impasse da base supera as expectativas:

ele lança mão de uma nova racionalidade, que ele designa de científica,

para dar conta do novo objeto que está sendo por ele construído. Agora ele

tem um sistema descritivo e referencial – tópico, dinâmico e econômico -

através do qual a experiência clínica pode ser formalizada e os conceitos

articulados.

3) O propósito imediato desta base ou aparelho psíquico é explicar o

aspecto regressivo-alucinatório dos sonhos. Ele deduz, inventa e constrói o

aparelho a partir da sua clínica e da sua própria auto-análise, o desenha, dá

nomes a seus espaços ou partes. Nele inclui absolutamente tudo o que já

havia descrito sobre o recalque no texto dos Studien, e adiciona peças a sua

máquina de sonhar. Com esta escrita ele inicia a formalização do campo

psicanalítico […] os pensamentos e as estruturas psíquicas em geral nunca

devem ser encarados como localizados em elementos orgânicos do sistema

nervoso.

Freud define a função e interação entre inconsciente, pré-consciente,

consciente a percepção, a censura, e o polo motor. Ele calcula e descreve

como o sonho se forma, porque alucinamos, vemos e vivenciamos as cenas

do sonho, porque não acordamos e porque acordamos, etc., e eis que é

bom, o aparelho funciona.

Quanto à tradição galileana, vemos que Freud constrói um aparelho

que não estava na Physis, como a lua e os planetas estão. Galileu construiu

seu telescópio, observou os astros, desenhou-os, comparou-os a figuras

geométricas, aplicou as fórmulas algébricas correspondentes e calculou o

que acontece e o que poderá ocorrer. Há uma diferença metodológica gigan-

tesca entre os dois. Aqui o telescópio é uma escrita que não observa o

objeto, ele o produz. O aparelho alucina seus objetos: podemos afirmar que

produz imagens reais se quisermos usar a expressão lacaniana retirada da

óptica na experiência de Bouasse. Na expressão de Derrida, a metapsicologia

foi o salto freudiano. Devemos, no entanto, indagar o que, na filosofia da

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Psicanálise e clínica na universidade.

ciência do seu tempo teria inspirado e mesmo autorizado Freud a se servir

de um esquema de traços como se fosse um aparelho em si, e por que isso

teve o efeito real de fundar um campo de saber que descreve, suporta,

calcula e articula nossa experiência.

4) Se tal diagrama metapsicológico tem o efeito real de alavancar uma

práxis, é por que ele brota de uma experiência real. Isso é necessariamente

verdade, mas não é suficiente, pois esse esquema seria simples demais sem

a ficção que o faz trabalhar. O Ficcionalismo do filósofo Hans Vaihinger

apareceu em 1911 numa obra intitulada A filosofia do como se. No seu

sentido epistemológico, ficção é, segundo Lalande, uma “hipótese útil para

representar a lei ou o mecanismo de um fenômeno, mas do qual nos servi-

mos sem afirmar a sua realidade objetiva. É aquilo a que se chama frequen-

temente, hoje em dia, de um modelo físico” Tal ficção pressupõe uma in-

venção, porém ela não admite o arbitrário, e deve ser rigorosa nas suas

consequências; “é um constructo portador de virtualidade de conhecimen-

tos” (Assoun, p. 57, 1996).

Então, se por um lado a psicanálise não possui uma base neuronal e

tampouco é homeomorfa metodologicamente à física galileana, por outro

lado ela se serve dos aparelhos de escrita que não serão sua exclusividade

na construção do saber no século XX. Não deseja outra coisa a não ser

esclarecer, decompor, analisar, construir . Não visa à compreensão, nem

filosófica, nem religiosa, nem psicológica. Este é o pressuposto sine qua

non da interpretação dos sonhos: não é a busca de uma mensagem, mas

sim um momento do laço do sujeito com o desejo inconsciente. A elucidação

deste laço através da fala do analisando na transferência produz efeitos

reais e verdadeiros.

5) Devemos observar que na Traumdeutung há três escritas do sonho:

o rébus alucinado, praticamente inacessível; o texto do sonho contado, um

parágrafo geralmente curto, e o sonho analisado, páginas e páginas do livro

de Freud. Para ele, em 1900, as cadeias associativas do analisante corres-

ponderiam às sobredeterminações que estavam recalcadas e que foram

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debates.

condensadas e deslocadas (Monografia Botânica). Mas em 1937 Freud dirá

que a análise também é construção ficcional, às vezes invenção delirante,

colocando a questão que nos toma até hoje, do que é mesmo a Auflössung.

Parece que neste artigo sobre as construções em análise sua prática e sua

“meta-epistemologia” se abraçam: um tanto de lembrança, um tanto de

invenção, a psicanálise/Auflössung/erklaren é a nossa verdadeira ficção

científica.

Referências bibliográficas

ASSOUN, P-L. Introdução à epistemologia freudiana. Rio de Janeiro: Imago, 1983.

ASSOUN, P-L. Metapsicologia freudiana, uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

Dicionário Alemão/Português – Português/ Alemão. Porto: Porto, 1990, p. 41 e 413.

DERRIDA, J. “Freud, a cena da escritura.” In: ______. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 179-227.

FREUD, S. [1895]. Interpretação de sonhos. In:______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de SigmundFreud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. 4.

_________ [1895]. Interpretação de sonhos In:______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de SigmundFreud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. 5, p. 361- 670.

_________ [1938]. Algumas lições elementares de psicanálise. In:______. Edição standard brasileira das obras psicológicascompletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. 23, p. 316-317.

MASSON, J. M.. A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess, 1887-1904. Rio de Janeiro: Imago, 1986.

MONZANI, L.R. Freud, o movimento de um pensamento. Campinas: Unicamp, 1989.

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debates.

A psicanálise e a rede de atençãoà saúde mental

Fernando Hartmann1

Porque uma colmeia não é uma cidade? Nós teríamos vários pontos

em comum, mas esbarramos justamente na cultura, ou se desejarem, na

linguagem. Emile Benveniste (1995, p. 60) em um artigo que se chama

“Comunicação animal e linguagem humana” de 1952 compara pesquisas

feitas entre o processo de comunicação nas abelhas e a linguagem no ho-

mem. As abelhas possuem um sistema de comunicação muito preciso

para indicar, através de movimentos que se assemelham a uma dança, a

localização precisa onde os membros da colmeia poderiam encontrar néc-

tar e pólen. Através de várias pesquisas foi possível constatar que as abe-

1 Psicanalista, Membro da Association Lacanienne Internationale, Professor de Psicologia da Universidade Federal de Rio Grande,Prof. convidado do Mestrado em Linguística e Sociedade da UNIVÁS-MG, Prof. visitante do Curso de Especialização ClínicaPsicanalítica da ULBRA Santa Maria, Coordenador do Centro de Atendimento Psicológico da FURG.

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debates.

lhas mostram-se capazes de produzir e de entender uma verdadeira men-

sagem, que encerra inúmeros dados. A diferença capital com relação à lin-

guagem humana, Benveniste aponta ser o fato de que uma mensagem pro-

duzirá na outra abelha somente certa conduta que não é uma resposta. Uma

abelha através da “dança” indica a outra abelha onde se encontra o jardim

de flores, mas isso não produz um diálogo, mas sim uma conduta da outra

abelha de dirigir-se até o jardim. Após fazer este trajeto, esta outra abelha

poderá indicar a outra o local através da mesma dança, porém ela não pode-

rá indicar o local sem antes fazer o trajeto, ou seja, é necessária a experiên-

cia objetiva, não sendo possível a transmissão a partir de uma mensagem.

Segundo Benveniste (1995, p. 65) “o caráter da linguagem é o de propiciar

um substituto da experiência que seja adequado para ser transmitido sem

fim no espaço e no tempo, o que é típico do nosso simbolismo e o funda-

mento da tradição linguística.” Uma outra diferença é o fato de que a men-

sagem das abelhas não se deixa analisar, sendo impossível decompor o seu

conteúdo em elementos formadores, ela se apresenta em bloco. Não haven-

do decomposição da mensagem em elementos, não haverá também a com-

binação entre elementos que poderiam propiciar algo de novo, diferente,

como acontece na linguagem humana, ou seja, a dança em oito sempre

indicará a distância no mundo das abelhas, isto é, trata-se de uma espécie

de totalidade do movimento.

Se uma abelha utilizasse a dança em oito para indicar outra coisa que

não a distância, ou seja, se ela pudesse utilizar a dança em oito como um

significante, as coisas poderiam ser diferentes. No lugar de uma comunica-

ção do tipo codificação e posterior decodificação teríamos uma linguagem.

Benveniste chamará de poder e privilégio das línguas naturais esta capaci-

dade de se tomar reflexivamente por objeto, ou seja, o seu caráter autonímico.

Uma abelha não consegue manter um diálogo com outra abelha, ela não

tem condições de comunicar outra coisa com a sua dança em forma de oito

além da localização. Ela não consegue nem mesmo enganar a outra, infor-

mando a localização errada, também não consegue dizer: “Ah!, que abelhinha

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Psicanálise e clínica na universidade.

linda está passando ali.” No humano, nós podemos usar esta dança do oito

para dizer qualquer coisa diferente da localização. Fazendo uma analogia

com a nossa língua, nós podemos com a dança do oito falar da dança do

oito. Nós tornamos a dança do oito um terceiro, quer dizer, aquele do qual

falamos. Isso possibilita sairmos da relação dual Eu e Tu, para construir-

mos um terceiro, Um Outro.

A linguagem humana não traduz o mundo, ela cria o mundo. Essa é a

diferença. Após a entrada do sujeito no trem da linguagem a realidade será

sempre aquela criada pela linguagem. A questão é que as abelhas não con-

seguem sair de uma posição dual. Elas não conseguem, por não terem aces-

so ao que chamamos de significantes, o que possibilitaria a construção de

um terceiro. Aquele que na relação humana entre Eu e Tu é do qual se fala.

Esse terceiro não existe nas sociedades naturais.

Os sujeitos falantes, simbolizáveis como Eu e Tu, nunca pararam de

construir terceiros, os eles eminentes, deuses em relação aos quais eles

podiam se autorizar a ser. O terceiro, o centro dos sistemas simbólicos-

políticos, tem portanto, em todos os casos figura de ficção, de ficção sus-

tentada pelo conjunto de falantes. É por isso que não se pode separar o

político de certo número de mitos, de narrativas e de criações artísticas

destinadas a sustentar essa ficção.

O Outro, ou terceiro, é o que joga o humano para uma relação além do

eu e tu, da dualidade. O terceiro, ao longo dos tempos, nós podemos no-

mear, foram os deuses gregos, o Deus cristão, o rei, o imperador, o governo,

a igreja. O terceiro é a tentativa de fazer Um. A identificação, base para a

constituição do Eu é sempre com um Ele e não com o Tu. Este Ele que o

humano tem criado ao longo dos tempos e que chamamos de Deus, de lei,

de estado e mesmo cidade. O Ele que é o de que se fala, escapa a relação Eu

e Tu, mas sustenta esta relação justamente para que ela não reste puramente

dual, que seria da ordem de uma paranóia.

Conforme Dany-Robert Dufour (2000, 2005) deve-se fazer a existência

do terceiro remontar ao nascedouro do direito, no momento mesmo da

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debates.

constituição do espaço político, quando um terceiro, entre outros possí-

veis, é construído e colocado em cena por um grupo de sujeitos falantes.

Nessa medida, as sociedades sempre foram políticas no sentido de que

sempre se deram um terceiro ao qual sacrificar. Entretanto, nem sempre

foram conscientes desse processo. Para que ele viesse à consciência foi

preciso esperar o “milagre grego” dos séculos V e IV antes de nossa era.

Enquanto antes os homens inventavam, sem saber, terceiros dos quais

tiravam seu ser, a Grécia filosófica mudou a distribuição das cartas: a de-

liberação, relacionando-se à organização da Cidade, interveio na escolha,

na forma e na organização do terceiro. Aliás, o termo “política” remete a

esse sentido: a polis, a cidade grega, é o terceiro que a sociedade grega se

deu ao longo dos séculos V e IV antes da era cristã; e o politikos é a ciên-

cia que tem como objeto essa cidade. O termo permaneceu, seja qual for o

terceiro que as sociedades se deram, mas evidentemente vale para todas

as ocorrências.

Nas primeiras comunidades humanas o que servia como limite ao

homem para colocar a vida da comunidade acima das vontades pessoais,

singulares? Em uma determinada época, o que sustentava a vida em co-

mum era a religião, a crença em algo superior ao poder da natureza ou que

mesmo se confundia com esse poder. Os deuses e a natureza se confun-

diam, assim como acontece em várias tribos indígenas na Amazônia. Nas

primeiras formas de comunidades a religião servia como um terceiro na

relação do homem com seu semelhante na comunidade. Dentro de uma

comunidade era necessário o pertencimento a uma religião. A religião ser-

via como ordenadora da comunidade, através de sacrifícios e oferendas.

As cidades apareceram na nossa história para os homens se protege-

rem da natureza e de outros homens, também para dividir esforços, rique-

zas. Vivemos em comunidades, tentando nos proteger contra a natureza e

ajustar os relacionamentos mútuos. Na cidade cristã, o Estado é um micro-

cosmo pensável segundo um macrocosmo organizado e causado por um

deus único. No estado moderno, Deus não funda mais a ordem política, “A

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Psicanálise e clínica na universidade.

ordem do Estado e o Estado como ordem” procedem de uma causa não

mais divina, mas humana. No estado de direito o terceiro passa a ser a lei.

Hoje o terceiro parece ser o mercado, procura e oferta. Seguindo esta lógica,

como podemos pensar o cuidado a saúde pública no Brasil?

Seria possível relacionar o Sistema Único de Saúde (SUS) a produção

de um terceiro, a tentativa de fazer Um, único? O SUS é um conjunto de

ações e serviços de saúde prestado por órgãos e instituições públicas fede-

rais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta, e das fun-

dações mantidas pelo poder público. É um sistema formado por várias

instituições dos três níveis de governo, federal, estadual e municipal, e

complementado pelo setor privado contratado e conveniado. O SUS tem

como principais objetivos a identificação e divulgação dos fatores condi-

cionantes e determinantes de saúde, a formulação da política de saúde nos

campos econômico e social e a assistência às pessoas por ações de promo-

ção, proteção e de recuperação da saúde, com a realização integrada de

ações preventivas e assistenciais. Os princípios básicos do SUS são: uni-

versalidade, integralidade, descentralização, racionalidade, resolutividade,

participação democrática, equidade, intersetorialidade. Segundo Ceccim

(2007, p. 46) “o Brasil inventou um referencial teórico, a Saúde Coletiva,

para absorver a cidadania em compromisso científico e acadêmico; desen-

volveu o controle social em saúde para gerar uma prática de abertura e

efetuação política pelo compromisso legal, moral e ético com a cidadania”.

Consideramos que o terceiro não é a rede. O terceiro não existe. O

terceiro é uma questão topológica. A consistência do terceiro passa pelos

trajetos percorridos pelos sujeitos. Neste sentido, os princípios básicos do

SUS são importantes, não tanto pela sua existência, mas pela sua ficção.

Porque eles apontam buracos, faltas, bordas, nós. Tendências de trajetos

realizados, não realizados, a realizar. Vetores sob a superfície. Como dizia

Lacan no seminário sobre a lógica do fantasma: “o inconsciente é a políti-

ca”. O inconsciente não é o que está nas profundezas, é o social, é estruturado

como uma linguagem.

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debates.

Um dos últimos textos de Freud (1987, p. 258), datado de 1937, “Aná-

lise Finita e Infinita” traz escrito em uma nota de rodapé que: “é impossível

definir saúde, exceto em termos metapsicológicos, isto é, por referência às

relações dinâmicas entre as instâncias do aparelho psíquico que foram

identificadas – ou (se se preferir) inferidas ou conjecturadas – por nós”. A

grandeza de Freud neste texto está em assumir a impossibilidade de definir

saúde, salvo inferindo, conjecturando, ou seja, forçando um tanto as coisas

para um determinado parâmetro. O interessante é que em outra parte deste

mesmo texto derradeiro, Freud (1987, p. 257) relaciona a metapsicologia

com a necessidade de auxílio de uma feiticeira. Ele escreve sobre a

Metapsicologia da Feiticeira: “Sem especulação e teorização metapsicológica

– quase disse ‘fantasiar’ – não daremos outro passo à frente”. A minha

proposta é pegarmos carona neste ato falho declarado de Freud, “quase

disse fantasiar”, pois não chegaremos a uma definição plausível de saúde

sem fantasiar. A hipótese que levanto é de que uma das dificuldades de

construção do fluxo de atendimento da rede de saúde mental nos municí-

pios deriva de uma dificuldade das instituições, e, portanto, das pessoas

que formam as instituições, de fantasiar. Definir saúde de uma forma con-

creta, puramente orgânica, ainda adaptacionista, ligada a questões de um

assistencialismo político criminoso, vai no sentido contrário à poética da

subjetividade, da criação, da singularidade, da fantasia necessária ao sus-

tento da vida. A vida humana é algo muito frágil e precisamos de muito

desejo para sustentá-la, suportá-la, sem a fantasia fica difícil sustentar o

desejo. Isso Lacan (2002) nos apontava no seminário “O desejo e sua inter-

pretação” quando falava de Hamlet. Às vezes, parece que esquecemos,

recalcamos, que os trajetos, as direções, os fluxos são determinados e im-

pulsionados pelo desejo, que não é desejo de nada concretamente defini-

do, mas desejo de desejar. Quem faz o fluxo na rede de saúde mental são os

sujeitos (do desejo) implicados neste sistema. Como disse Freud, é o dese-

jo que anima o aparelho psíquico. Então nós estamos a organizar os fluxos

da rede de saúde mental nos municípios em geral, sem nos perguntar sobre

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Psicanálise e clínica na universidade.

estes sujeitos do desejo que impulsionam a rede. Chamar a Feiticeira, como

fez Freud, talvez seja apontar um pouco para a fantasia que sustenta o

desejo e produz os fluxos dos sujeitos no mundo. A psicanálise, talvez

possa contribuir com a organização dos fluxos da rede, apontando para a

importância do desejo para a saúde.

Referências bibliográficas

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. Trad. Maria da Glória Novak e Maria Luisa Néri. Campinas: Ed. Pontes, 1995.

CECCIM, Ricardo Burg. Invenção da saúde coletiva e do controle social em saúde no Brasil: Nova Educação na saúde e novoscontornos e potencialidades à cidadania. In: Revista e Estudos Universitários – Cidadania. Sorocaba: Ed. UNISO, 2007.

DUFOUR, Dany-Robert. Os Mistérios da Trindade. Rio de Janeiro: Cia. De Freud Ed., 2000.

DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir cabeças. Rio de Janeiro: Cia. De Freud Ed., 2005.

FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável. In: Obras Completas. vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1987.

LACAN, Jacques. O desejo e sua interpretação (Seminário inédito VI, 1958-1959). Tradução da Associação Psicanalítica de PortoAlegre, Publicação Interna, 2002.

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agenda.

agenda

dia hora atividade

próximo número

07, 21 e 28 14h Reunião da Comissão da Revista

07 e 21 16h30min Reunião da Comissão de Aperiódicos

10 e 24 20h30min Reunião da Comissão do Correio

06, 10 e 27 19h30min Reunião da Comissão de Eventos

06 e 20 19h Reunião da Comissão da Biblioteca

06 e 21h Reunião da Mesa Diretiva

junho. 2013junho. 2013junho. 2013junho. 2013junho. 2013

eventos do ano

data evento local

14, 15 e 16 de junho Relendo Freud Hotel Laje de Pedra – Canela – RS

23 e 24 de agosto III Jornadado Instituto APPOA Hotel Continental – Porto Alegre – RS

26 e 27 de outubro Jornada clínica Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS

20132013201320132013

Jornada do Percurso de Escola XI (I)

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normas editoriais do Correio da APPOA

O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe umtrabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pelaAssociação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clí-nica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefade programação editorial.

Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elabo-rado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leiturainteressante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com osaspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.

Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que se-jam respeitadas as seguintes normas:

1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, SeçãoEnsaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria daAPPOA ([email protected]);

2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:– Fonte Times New Roman, tamanho 12– O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço– Notas de rodapé em fonte tamanho 10

3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da

obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume(se for o caso);

5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do

texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para

palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05,

para publicação no mês seguinte;10) o autor, não associado a APPOA, deverá informar em uma linha como

deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugeriralterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem neces-sárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão dasprovas gráficas;

11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do

Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.

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Editorial 1

Notícias 3

Temática 9O interesse pela psicanálise na clínica universitária 9

Liliane Seide Froemming

Limites e possibilidades da clínica na universidade 15 Marianne Stolzmann Mendes Ribeiro

Psicanálise na clínica de psicologia 25 Luís Fernando Lofrano de Oliveira

A clínica no contexto da universidade:limites e possibilidades 29

Aline Bedin Jordão

Linhas de contexto das clínicas de universidades 37 Carlos Henrique Kessler

A supervisão na clínica-escola 43 Tânia Maria de Souza

Debates 51 A nossa ficção científica 51

Elaine Starosta Foguel

A Psicanálise e a rede de atençãoà saúde mental 57

Fernando Hartmann

Agenda 65