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MOACIR ANDRADE UMA LENDA AMAZÔNICA

Moacir Andrade

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Moacir Andrade - Uma Lenda Amazönica

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Page 1: Moacir Andrade

MOACIR ANDRADEUMA LENDA AMAZÔNICA

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PREFEITO MUNICIPAL DE MANAUSAmazonino Mendes

VICE-PREFEITO MUNICIPAL DE MANAUSCarlos Souza

DIRETORA-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES

Lívia Mendes

VICE-DIRETOR-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES

Renato Seyssel

DIRETOR DE LOGÍSTICA E FINANÇAS DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES

Carlos Augusto Pereira da Silva

PRESIDENTE DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL

Thiago de Mello

SECRETÁRIO-EXECUTIVO

Jaime Pereira

Av. André Araújo, n.º 2767

Aleixo

CEP: 69060-000 – Manaus-AM

Tel.: 92-3215-3473

E-mail: [email protected]

Avenida André Araújo, 2767 – Aleixo

CEP: 69060-000 – Manaus-AM

Telefone: 92-3215-3474/3470

Site: www.manaus.am.gov.br

E-mail: [email protected]

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José Roberto Girão de Alencar(Organizador)

MOACIR ANDRADEUMA LENDA AMAZÔNICA

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Page 4: Moacir Andrade

Copyright © José Roberto Girão de Alencar (Org.), 2010

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Jaime Pereira

PROJETO GRÁFICO E REVISÃO

Marcos Sena([email protected])

CAPA

Thiago Barata(A1 Studio)

FICHA CATALOGRÁFICA

Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287

A368m Alencar, José Roberto Girão de (org.).

Moacir Andrade – Uma lenda amazônica. Organização de José Roberto Girão de Alencar. /Manaus: Edições Muiraquitã, 2010.

140 p.

ISBN 978-85-99122-10-5

1. Biografia 2. Artes Plásticas – Amazonas(Estado) I. Título

CDD 92722.ed.

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Homenagem

Esta edição de luxo com minhas prin-cipais obras que a Prefeitura Municipalde Manaus está realizando, é uma justahomenagem que o autor faz ao prefeitoAmazonino Mendes ao longo de suatrajetória, amigo e irmão, o meu muitoobrigado.

Manaus, 5 de outubro de 2010.

Moacir Andrade

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PREFÁCIO 9APRESENTAÇÃO 11

MOACIR ANDRADE – UMA LENDAAMAZÔNICAA biografia do artista 13Depoimentos 19Pintor da Amazônia, pintor do Brasil 23Moacir Andrade – Instinto Poderoso daAmazônia 25Barcos amazônicos, nos desenhos deMoacir Andrade 27Moacir Andrade e sua obra 29A arte de Moacir Andrade 37Apresentação de um livro 39O que diz o autor de “A Selva”! 41

Moacir Andrade, pintor do trópicoanfíbio 43Depoimento do autor do “Estatuto doHomem” 45Falam os imortais 49Fala o autor do Auto da Compadecida 51Meio século de arte amazônica 63O poetinha e outros luminares 67Mensagem do Peixe Vivo, o grande JK 69A fala do fundador do Masp 71Como Jefferson Péres vê seu amigo ecompanheiro do “Clube daMadrugada” 73O poeta do azul, pinta o amigo dasMadrugadas 75A visão de um jornalista “Prêmio Esso”77

Moacir Andrade o caboclo das tintas 79Para Moacir Andrade 81Escritor amazônida fala do pintor 83Moacir Andrade, um artista polivalente93O mundo maravilhoso da pintura“ingênua” de Moacir Andrade 97O que diz um jurista de Moacir 101Opinião de um Prêmio Nobel deLitratura 103A Imprensa e Moacir Andrade 107Moacir Andrade condecoradona França 109Prêmios e honrarias 111Moacir divulga arte amazonense nosEUA 113André Araújo – A profecia de um sucesso115

Moacir Andrade é nossa expressãocultural 119Os 45 anos de exposição do MoacirAndrade 121Medalha Cultural para Moacir Andrade 123Moacir Andrade comemora 45 anosde arte 125Moacir Andrade – Patrimônio vivoda cultura amazônica 127Exposições Individuais 131Museus e Pinacoteca com obras do autor135Obras nos acervos dos seguintes museuse pinacotecas 137

SUMÁRIO

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Tenho a grata satisfação de lan-çar este Caderno de Artes e abrir

uma exposição retrospectiva da vida eda obra do mais importante pintor eartista plástico amazonense.

A alegria é maior por coincidir esteevento com importantes datas denossa história: a fundação do ICBEU,que completa este ano 53 anos de umaprofícua existência dedicada à educa-ção e a cultura, o nascimento do nossofundador e querido amigo, prof. RuyAlencar, que completaria 84 anos nodia 15 de maio deste ano, se vivo esti-vesse e, finalmente, os 75 anos de car-reira do Moacir Andrade.

Por não ser especialista em litera-tura, deixo para os luminares comoGabriel Garcia Marques, Ariano Suas-suna, Jorge Amado, José Sarney, Cla-

rice Lispector, José Lins do Rego, JorgeAmado, Samuel Benchimol, JeffersonPéres, Jorge Tufic, Elson Farias e tan-tos outros, a incumbência de apresen-tar e comentar a obra e a personalidadedo artista, suas muitas facetas, escolas,correntes e diferentes percepções darealidade amazônica, carro chefe ou“leit motiv”, de sua temática principal:as terras e as gentes da Amazônia, o quede pronto, o insere em nossa história,como um humanista, um sociólogo,um defensor da Amazônia, enfim, umalenda viva.

Eles, em seus depoimentos, enri-quecem este catálogo, um verdadeiro“caderno de arte”, que editamos pararegistrar este momento histórico.

Prefiro referir-me ao artista como“prata da casa”, frequentador desde os

primórdios do “English SpeakingClub”, descoberto e lançado interna-cionalmente por nosso “mecenas”prof. Ruy Alencar, que, nos idos de1968, sob os auspícios da EmbaixadaAmericana, o encaminhou da provín-cia, para realizar suas primeiras exposi-ções internacionais, no Tennessee, emWashington e New York, nos EstadosUnidos, de onde fez seu “take off” parao mundo.

Como atual dirigente do ICBEUresgatei e trouxe de volta Moacir An-drade para nosso convívio cultural,convidando-o para ser um dos curado-res de nossa “galeria de artes” e aju-dando-nos na promoção e realizaçãode nossos projetos artísticos e culturais,e na descoberta e lançamento de umanova geração de artistas amazonenses.

Muitos outros artistas plásticos,poetas, escritores e pensadores passa-ram por aqui, ajudando-nos a mostraresta faceta de nossa missão culturalpouco conhecida, já que muitos nosconhecem, apenas, pela excelência denosso curso de língua inglesa.

Muitos outros mais poderão voltara este espaço que estará sempre abertoà cultura e à promoção de nossa gente.

Manaus, 2 de julho de 2009.

Aristóteles Lima ThuryPresidente do ICBEU

99Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Prefácio à primeira edição

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1100José Roberto Girão de Alencar (Org.)

Chegando em casa, 1975.

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Acapital da floresta há muito éo cenário onde vários autores

buscam inspiração para expressar ocotidiano mítico e místico, evocativada percepção singular do ambienteamazônico. São poemas, contos, crô-nicas, ficção e trabalhos científicosonde os temas nos trazem diversasnuanças de Manaus. Moacir Andrade– uma lenda amazônica, organizadopor José Roberto Girão de Alencar,que reúne biografia, telas e depoi-mentos de várias personalidades li-gadas à cultura sobre o escritor e

artista plástico Moacir Couto de An-drade, é uma dessas obras especiaisque chega para juntar-se ao acervo li-terário de Manaus.

As telas do virtuoso mestre da pin-tura brasileira, destacadas nesta obra,fascinam a sensibilidade dos admira-dores e expressam seu amor vívido eincondicional à arte amazônica, fun-dada não numa visão altruísta de ad-mirar o belo sem nada entender, masna sensação de ser participante dosprocessos criativos, na busca intermi-tente da harmonia das cores, do equi-

líbrio das formas, da melhor possibi-lidade de ser parte do milagre amazô-nico. Além disso, é um livroconstituído de lembrança, ternura esaudade, onde as paisagens que en-cantam o mundo remontam a umaviagem também endógena, reveladoradas belezas e fascínio de Manaus, en-tendida como a capital dos trópicos.

Na comemoração do aniversáriode Manaus, a cidade recebe este pre-sente de um de seus mais ilustres fi-lhos, que também completa oitentae quatro anos de dedicação e amor a

Manaus. Portanto, tenho a grata sa-tisfação de apresentar Moacir An-drade – Uma lenda amazônica epartilhá-lo como uma homenagem aManaus e um gesto de reconheci-mento por um de seus artistas maisinsignes.

Amazonino MendesPrefeito de Manaus

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Apresentação

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1122José Roberto Girão de Alencar (Org.)

Primeiro desenho de MoacirAndrade aos sete anos.

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BREVE RELATO ESCRITO PELO IN-TELECTUAL EURICO ANDRADEALVES, PUBLICADO NO “CORREIODA FEIRA”, VILA DA FEIRA, POR-TUGAL.

Moacir Andrade nasceu emManaus, capital do Estado do

Amazonas, no dia 17 de março de1927, na Santa Casa de Misericórdiade Manaus, à rua de Dez de Julho, noquarto n.° 9. Com poucos dias de nas-cido, seus pais, Severino Galdino deAndrade e Jovina Couto de Andradeviajaram para o interior do Amazonasonde o menino viveu a sua primeira in-fância. Isso aconteceu no município deManacapuru, no sítio denominado de“Nova Esperança”, de propriedade desua tia Josefa Couto da Silva, mais co-nhecida como “Zefinha”, professoramuito querida naquele pedaço de bei-radão do rio Solimões. Em 1934, Se-verino viajou para Manaus em buscade melhor educação para seus dois fi-lhos, Mozart e Moacir. As primeiras le-tras os meninos aprenderam com suamãe Jovina, que também era profes-sora naquele lugar. Depois de se esta-

belecerem em Manaus a rua JoaquimNabuco, próximo a Barão de São Do-mingos, fizeram residência a rua dosAndradas, mudando-se depois para arua Ramos Ferreira e finalmente para aDr. Machado, no bairro do Alto de Na-zaré onde o menino viveu até o ano de1953, quando convolou núpcias coma senhora Graciema Britto de An-drade, professora normalista.

O período elementar estudou noGrupo Escolar Ribeiro da Cunha, cujoprédio ainda existe à rua Silva Ramos.Terminando o curso primário, ingres-sou no Ginásio Amazonense Pedro IIem 1939. Com a notícia da aberturado Liceu Industrial anunciando o en-sino profissionalizante em Manaus,cuja inauguração oficial de suas novasinstalações feriu-se no dia 10 de no-vembro de 1941, dia do Estado Novo,instituído pelo presidente Getúlio Var-gas. Seus pais resolveram em comumacordo com seus padrinhos, Dr. Te-místocles Pinheiro Gadelha e ClotildesPinheiro, interná-lo nesse novo estabe-lecimento de ensino secundário pro-fissional, já que o menino era exímiodesenhista e suas pinturas despertavam

admirações às autoridades da época.Para as solenidades de inauguração dasnovas instalações da escola, o diretorda Instituição Pública juntamentecomo diretor do Liceu, Dr. Luiz PauloSarmento, resolveram realizar umaamostra de seus desenhos e pinturas,cuja exposição foi carinhosamente ar-rumada pelo então professor de dese-nho Projucan Rafael de Souza, seuantigo mestre e amigo, cujo eventoconstou no programa oficial.

No dia 2 de fevereiro de 1942, Moa-cir Andrade ingressava feliz comoaluno interno no Liceu Industrial deManaus, no Curso de Marcenaria, di-rigido pelo professor José Barbosa ecoadjuvado pelos mestres Horácio eAtaíde. Como o aluno interno, per-maneceu até fins de 1945, quando fi-nalizou o curso industrial queequivalia ao curso ginasial. Em 1946trabalhou como auxiliar de escritórioda firma comercial Ciex S/A, de pro-priedade de Isaac Benzecry, cuja ami-zade dura até hoje. Em 1948 ingressacomo desenhista de construções civisda empresa Mário Novelli, que cons-truiu o Sanatório Adriano Jorge, hoje

Hospital Geral de Manaus e inicia avida profissional como desenhista doengenheiro José Florêncio da CunhaBatista. Foi professor da Escola Nor-mal São Francisco de Assis ao tempodo saudoso mestre Fueth Paulo Mou-rão. Em 1953 no dia 9 de maio con-traiu núpcias com a senhora GraciemaBritto de Andrade, filha de João Fer-nandes de Britto, funcionário exem-plar da Alfândega de Manaus e dedona Petronilla do Valle Britto. O en-lace aconteceu na casa da noiva à ruaXavier de Mendonça, 230, bairro deN. S. Aparecida dos Tocos. Do casa-mento nascem cinco filhos: Graci-moema, casada com o Dr. FernandoRebouças Sampaio; Lúcia Regina, ca-sada com o engenheiro Jackson DinajáFeijó; Graciema, casada com o aero-nauta Antônio Carlos Branquinho;Moacir Andrade Júnior, Maria doCarmo Britto de Andrade e RaimundaSantos da Cruz, filha adotiva.

Em 1954, juntamente com os poe-tas Jorge Alaúzo Tufic, Antísthenes deOliveira Pinto, Alencar e Silva, SaulBenchimol, Carlos Farias de Carva-lho, Francisco Vasconcelos, Oscar

1133Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

A biografia do artista

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Ramos, Afrânio de Castro e AntonioTrindade, fundaram o Clube da Ma-drugada sob o pé de uma frondosa ár-vore em plena Praça da Polícia Militarque denominaram de “Mulateiro” ou“Banco dos Patos”. No dia 9 de abrilde 1952, realizou a sua segunda mos-tra no peristilo da Escola Técnica Fe-deral de Manaus. Em 1954, inau gu rousob os auspícios da recém-fundada so-ciedade cultural, uma exposição deseus quadros nos salões do IdealClube.

Em 1955, ensina Desenho Geomé-trico nos colégios de Manaus, princi-palmente no curso gratuito da Uniãodos Estudantes Secundaristas do Ama-zonas. No mesmo ano expõe seus tra-balhos de pintura no Hall daBiblioteca Pública do Estado sob osauspícios do Clube da Madrugada. Em1956, novamente expõe na BibliotecaPública do Estado à rua Barroso, es-quina com a avenida Sete de Setem-bro. Em 1956, realiza uma mostra deseus quadros que denomina de “Ama-zônia de corpo inteiro”. Em 1957, mos-tra seus quadros nos aristocráticossalões do Ideal Clube na avenidaEduardo Ribeiro. Em 1958 expõe naBiblioteca do Estado. No mesmo anoviaja para a nova capital brasileira –Brasília, onde expõe oficialmente, sobos auspícios do presidente JuscelinoKubitschek. De Brasília voa para SãoPaulo onde mostra suas obras no

Museu de Arte de São Paulo. Nos finsde 59 e princípios de 1960, expõe naGaleria Montmart Jorge no Rio de Ja-neiro. Volta a Manaus e expõe no pe-ristilo da Biblioteca Pública. Nomesmo ano mostra seus quadros noprimeiro Salão de Arte Moderna deManaus. Ainda em 1960, viaja paraSão Paulo onde participa do ConcursoProbel de Pinturas. Voltando a Ma-naus expõe na Biblioteca Pública. Em1961, expõe no Salão de entrada da Es-cola Técnica Federal do Amazonas Nomesmo ano participa com destaque no1.° Salão Madrugada em Manaus. Em1962, viaja para Porto Alegre ondeexpõe na Galeria da Casa das Moldu-ras; voltando para Manaus mostra seusquadros na Galeria do Jornal do Co-mercio, na avenida Eduardo Ribeirocom os auspícios do Clube da Madru-gada. Em 1963, viaja para Brasília eexpõe na Galeria do Hotel Nacional.Retornando a Manaus expõe nova-mente na Galeria do Jornal do Co-mercio sob a égide do Clube daMadrugada. No mesmo ano viaja aoEstado do Pará participando do 1.°Salão de Artes da Universidade doPará. Em dezembro de 1963, viaja paraBrasília, onde fica até as vésperas da re-volução de março de 64, quando seusquadros ficam presos na residência ofi-cial da Granja do Torto. Depois de umprocesso que durou alguns meses, viajapara Brasília onde apanha seus qua-

dros e os mostra em Salvador da Bahia,na Galeria do Belvedere da Sé. Vol-tando a Manaus realiza uma exposiçãona 2.ª Feira de Artes Plásticas de Ma-naus, patrocinada pelo Clube da Ma-drugada. Em 1965, viaja para Recife,Pernambuco. Em 1966, expõe em For-taleza no Ceará sob o patrocínio domaior cronista social do Nordeste,Lúcio Brasileiro, considerado o Ibra-him Sued de Fortaleza. Ainda em 66,vai a Belém do Pará expondo na Gale-ria do Teatro Municipal por ocasiãodos festejos dos 350.° anos da cidade.Em 1967, expõe no Museu de ArteModerna de São Paulo. Em 1967,pinta uma gigantesca tela para a agên-cia do Banco Estado do Amazonas emManaus. Em 1968, viaja para os Esta-dos Unidos expondo nas universida-des de Knoxville, Union City, JacksonMemphis, e na sala dos representantesdo Tennessee no Congresso Nacionalde Washington. Ainda em 1968, viajaa Europa em Paris uma coleção de 35telas sobre a Amazônia Brasileira. DeParis voa a Lisboa realizando mostrasob o patrocínio do Ministério das Re-lações Exteriores e da Secretaria deEducação e Cultura do Estado doAmazonas. Em 1967, ingressa na Uni-versidade do Amazonas no Curso deAdministração de Empresas. Em 1968,realiza concurso público para a cadeirade Desenho Técnico, da Escola Téc-nica Federal conquistando o primeiro

lugar entre mais de 20 candidatos. Nomesmo ano é nomeado para cadeira dedesenho técnico da referida escolaonde ensina até hoje. Em 1969, volta aLondres onde expõe na Casa do Brasilsob o patrocínio do Ministério das Re-lações Exteriores e da Embaixada doBrasil em Londres. Em 1970, mostraseus quadros em Madri, sob a respon-sabilidade do Ministério das RelaçõesExteriores. No mesmo ano realiza umgrande painel para o Banco do Brasilem Manaus. Em 1971, realiza umagrande exposição em Quito no Equa-dor sob os auspícios do Ministério dasRelações Exteriores. Voa para Europa emostra suas obras em Bruxelas na Bél-gica. Retornando ao Brasil pinta ummural para a revista “O CRUZEIRO”.Em 1972, expõe na Mini Galery emIpanema, Rio. Volta a Europa e mos-tra seus quadros na Galeria do Paláciodos Restauradores. Retorna ao Brasil emostra suas teias na Galeria Espade emSão Paulo onde faz conferências paraprofessores de Arte (1974). No mesmoano viaja ao Japão, expondo em Tó-quio, Nara, Osaka e Hiroshima sobauspícios da Fundação Cultural Japo-nesa. Retornando ao Brasil, mostra emManaus os quadros que levou aoJapão. Ainda em 74, viaja para o Mé-xico expondo na Galeria Orozco. Em1975, viaja para os Estados Unidos ex-pondo em Botanic Hall, CheekwoodFine Artes Center, Nasville, Luzo Bra-

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silian Clube, Harpth Hall School, rea-lizando conferências em várias univer-sidades, entre as quais a de VanderbiltUniversit. Realiza ainda mostra emLearning Desabilite Center em Chat-tanooga no Tennessee, Latin Ameri-can Center of Vanderbilt Universit;Five Artes Center, da University deMartin; Universidade Tecnológica deCookville; em TTU Campos Elemen-tary Shool. Realiza conferências para aUniversidade de Knoxville; mostraseus quadros em Blytheville, Arkansas,Mississipi, Cotton, Osceola, Ark.Expõe seus quadros em Carriage TradeINN, Osceola, Ark USA. Realiza mos-tra e conferências nos salões do Holi-day Inn, Memphis. Realiza mostra econferências nos salões de HolidayInn, Memphis. Realiza conferências noprograma Point of View Channel 12durante 30 minutos em Chattanooga.Realiza mostra em Jewish CommunityCenter, em Chattanooga no Tennes-see. Realiza conferências e mostras deseus quadros no Student Center naUniversidade de Knoxville; nos salõesda Fine Arts Center da VanderbiltUniversity. Viaja para Washingtononde expõe na Galeria do Instituo Bra-sil Estados Unidos sob a atenção dosCompanheiros das Américas e Embai-xada Brasileira em Washington. Voltaao Brasil e realiza em Manaus uma ex-posição na Pinacoteca Pública do Es-tado. No mesmo ano mostra suas

obras no Círculo Militar de Manaus enos salões da Agência do Bradesco.Expõe ainda nos salões da sede da Su-perintendência da Zona Franca de Ma-naus. Ainda em 1975, expõe no SalãoAberto de Artes Plásticas da FundaçãoCultural do Amazonas. Em 1976,expõe em Brasília sob os auspícios doGoverno do Estado. Viaja a São Luísdo Maranhão e lá, mostra seus traba-lhos na Galeria Eney Santana. Volta aManaus e mostra seus quadros no Tea-tro Amazonas sob os auspícios da Fun-dação Cultural do Amazonas. Nomesmo ano expõe na Galeria da Agên-cia do Bradesco em Manaus. Para seter uma idéia do valor desse artista ca-boclo, basta ler o que A CRÍTICA pu-blicou na edição 14 de outubro de1985, assinado por um dos maiores crí-ticos de arte americanos. Ei-lo:

“A sua figura singular, alto, cabeçacoberta por uma vasta cabeleira, testalarga, com rosto marcado por um finobigode a moda mongol, com um per-manente sorriso esboçado nos lábios,impressionou-me desde o exato mo-mento em que lhe fui apresentadopelo então embaixador do Brasil emWashington, Araújo de Castro. Todaaquela maravilhosa obra sobre a Ama-zônia que ali estava exposta, tinha queter nascido daquela cabeça iluminada.Rubens Ricupero, adido cultural darepresentação diplomática brasileirana capital dos Estados Unidos, não pa-

rava um só instante, apresentando-lheàs personalidades presentes, entre asquais, os embaixadores da França, daInglaterra, da Bélgica, da Itália, daGrécia, de Portugal, da Espanha, daHolanda e de outros países, além deescritores de nomeada e pintores fa-mosos, cientistas, professores e colecio-nadores de obras de arte, con vidadospara o seu vernissage naquele belo co-meço de noite, no vetusto salão de ex-posições do Instituto Brasil EstadosUnidos”. A tranquilidade, o aprumoe o charme com que Moacir Andraderecebia os cumprimentos de seus con-vidados, era de um nobre de alta es-tirpe européia. Bem vestido, semperder de vista as pessoas que se apro-ximavam dele para os devidos cum-primentos, olhando nos olhos comofazem as pessoas de boa origem, con-versava em francês, espanhol e portu-guês, línguas que domina muito bem.O reitor da Universidade de Wa shing-ton, também professor de línguas lati-nas, encantado com a cultura e ocavalheirismo de Moacir Andrade,convidou-o para uma visita de cortesiaao seu gabinete de trabalho onde lheofereceu um coquetel, ocasião em quefoi apresentado as pessoas presentes,especialmente convidadas para aquelahomenagem. Mais uma vez tive a opor-tunidade de observar a mágica comque Moacir Andrade recebe e con-quista de imediato as personalidades

que o cercam. Durante a recepção,todos os quadros que estavam em ex-posição naquele recinto, foram vendi-dos quase que a moda leilão em razãodo grande interesse dos presentes emadquiri-los. Logo no dia seguinte, do-mingo, os jornais da cidade noticiavamo fato. Poucas vezes tive opor tunidadede ver brasileiros ilustres nas páginas“NEW YORK TIMES”, desta vez foiMoacir Andrade, do extremo nortedaquele país continental, homem deum saber extraordinário e poliformo,manifestado não só nas suas pinturasmaravilhosas, mas em livros, escultu-ras, entalhe em madeira, poesia,conto, enfim em várias manifestaçõesdo seu espírito privilegiado que do-mina com maestria, principalmenteem humanismo, cuja ternura faz con-centrar sobre si, a atenção de todosos presentes, nas conferências queprofere nos ambientes universitáriosde todo o mundo para onde é convi-dado especial.

Possuo vários livros de autoria deMoacir Andrade, todos eles de extremaimportância documental para pesqui-sas. “O último me foi remetido do Bra-sil há algumas semanas, intituladoNheengaré ou Poranduba dos Dabacuris –estórias dos beiradões amazônicos”.Livro excelente, cheio de sabor antro-pológico, de espírito folclórico local,das lendas, dos costumes do dia a diadaquela gente magnífica.

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Moacir Andrade, com sua argúcia, apar de sua imensa atividade de artistaplástico, é também um apaixonadopesquisador da vida amazônica, seuscostumes, suas crenças, seu folclore,suas lendas, seus mitos, etc. Servido deuma aguda sensibilidade de ensaísta,traz, nesta obra, ao conhecimento doleitor, em narrativas envolventes, o uni-verso encantado da Cobra-Grande, doBoto, do Curupira, do Mapinguari, daMatinta Pereira e outras entidades quepovoam e enriquecem o lendário damisteriosa região...

Tive grande prazer de assistir umade suas conferências na velha universi-dade de Washington e observei aten-tamente o desenrolar do temaabordado a Amazônia; fiquei deverasabismado em a facilidade a sutileza e arapidez com que Moacir Andrade ilus-tra palestras desenhando no quadronegro. Suas perspectivas, seus dese-nhos criativos, geométricos são de umabeleza ímpar e parecem feitos com ins-trumentos, tal a perfeição dos traços, asegurança das formas e o instante ne-cessário de sua presença como infor-mação imediata. Mesmo sem falaringlês, Moacir Andrade foi insistente-mente convidado para lecionar Dese-nho e Pintura naquela universidadetradicional americana, declinando, en-tretanto do honroso convite para vol-tar a terra – o Amazonas, que dizadorar profundamente.

Situado entre os maiores pintorescontemporâneos do mundo, MoacirAndrade prefere viver uma vida bucó-lica, simples, quase de um camponêsno Brasil, precisamente no extremonorte, no Amazonas, onde vive ro-deado de caboclos, ensinando pintura,desenho, escultura e entalhe em ma-deira aos meninos pobres de sua ci-dade, pintando os arrabaldes, osbarcos ancorados na praia do rioNegro e bebericando nos bares da ci-dade. Apesar de ser relativamentejovem, forte, pois tem apenas 58 anosde idade, já alcançou a glória univer-sal, tendo quadros em importantes co-leções particulares e famosos museusda Europa e América, mesmo assimcontinua pobre, humilde, vivendo davenda de seus quadros, livros e escul-tura que vende para colecionadores edonos de galerias que o procuram emseu ateliê à rua Comendador Alexan-dre Amorim, 253, no Bairro de Apa-recida em Manaus. Além de fazerpinturas e escrever livros que elemesmo edita, Moacir Andrade lecionaEducação Artística na Escola TécnicaFederal do Amazonas e viaja para o in-terior do Estado aproveitando as gran-des férias escolares, oportunidade emque faz campanhas em favor da defesado meio ambiente. Intransigente de-fensor da natureza brutalmente agre-dida, Moacir Andrade já percorreu asgrandes capitais do mundo exibindo

cartazes como homem sanduíche comdizeres em defesa da paz e dos bens na-turais da humanidade.

Muita coisa e muitos já falaramsobre a singular personalidade dessemonumento vivo universal que é Moa-cir Andrade, a quem o Brasil devemuito pelo que tem realizado em prolde sua cultura e em defesa de sua ver-dadeira soberania que é a consciênciacultural de seu povo.

Eurico de Andrade Alves, seuamigo dileto, jornalista português defina sensibilidade, presidente da Asso-ciação dos Amigos de Ferreira de Cas-tro, homem de grande valor moral eintelectual, verdadeiro embaixador desua terra, pelo muito que tem divul-gado da cultura de seu país natal – Por-tugal, assim falou do artista mundial(laureado com prêmios no Brasil e es-trangeiro, suas telas fazem parte do es-pólio de importantes museus domundo), a sua carreira vem conhe-cendo sucessos dignos de apreço e re-gistro.

Pintor, antropólogo, poeta, museó-logo, etnólogo, projetista, fundador demuseus e sociedades culturais, MoacirAndrade é, sobretudo um sonhador –(índio) vem fixando nas telas matiza-dos orgíacos de beleza e cor.

Moacir Andrade é um espírito ex-trovertido, irrequieto, que o leva a per-correr mundo e paisagem e adentrar-sena misteriosa Amazônia com a teleob-

jetiva da receptividade do seu nato sen-tido artístico onde mergulham tam-bém (e aí talvez o segredo do seu êxito)as suas raízes ancestrais, ou uma vezpor outra em fôlego de gigante, deslo-car-se a Londres, Paris, Lisboa, Roma,Madri ou Washington, para patentear,em mostras públicas, o fabuloso Ama-zonas que traz na alma (e no sangue) enas telas.

Em 1969 e 1973 visitou proposita-damente Ferreira de Castro em Entre-os-Rios, visitando a seguir Ossela(visita sentimental) a casa onde nasceuFerreira de Castro e São João da Ma-deira, onde passou dois dias.

Quadros seus figuram na Casa-Museu Ferreira de Castro, em Ossela,em São João da Madeira, estando o ar-tista a ultimar uns quadros de temáticapaisagística amazônica, que tencionaoferecer a Casa Museu Ferreira de Cas-tro em Sintra.

Para se ter uma idéia do valor desuas telas hoje no mercado de arte in-ternacional, basta dizer que em 1982num dos poucos leilões que a GaleriaMetropolitana de Nova York realizou,reunindo quase uma centena de artis-tas famosos de todo o mundo e detodos os tempos, figurava o nome deMoacir Andrade com quadros que so-mavam alguns milhões de dólares. Re-feridos quadros pertenciam ao acervode um só proprietário que teve a sortede vendê-los num dos primeiros lotes

1166José Roberto Girão de Alencar (Org.)

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Page 17: Moacir Andrade

Essa notícia teve lugar destacado nosprincipais jornais de Nova York, Parise Londres, colocando Moacir Andradeem maior evidência internacional.Seus amigos Jorge Amado, Vinicius deMoraes, Ferreira de Castro, ManoelBandeira, José Lins do Rego, MargotFontayn, Assis Chateaubriand e Anto-nio Olinto foram testemunhas das pri-meiras vitórias internacionais desseartista brasileiro cuja obra monumen-tal é hoje um lastro de valor incomen-surável do patrimônio universal.

Poucos artistas tiveram a honra dereceber em seu ateliê personalidadesilustres como Moacir Andrade já rece-

beu em seu ninho de trabalho à ruaComendador Alexandre Amorim,253, no bairro de N. S. Aparecida emManaus, entre eles o príncipe Charles,da Inglaterra, o príncipe Akiito, doJapão, Jorge Amado, Gilberto Freire,bailarina Margot Fontayn, GuimarãesRosa, Josué Montello, Jean-Paul Sartre,Eurico de Andrade Alves ente outrasaltas personalidades Vips.

Glória para o Brasil por ter comofilho um artista do quilate de MoacirAndrade, patrimônio universal da cul-tura amazônica, justo orgulho de todosos brasileiros como disse o grande so-ciólogo Gilberto Freire “...a perma-

nência de Moacir Andrade na Amazô-nia, é um símbolo augusto para a for-mação cultural e universitária damocidade, cuja liderança espiritual, in-telectual e moral se fez através da cons-trução de uma obra profundamentehumana que dura toda uma vida”.

Já tive a grata notícia de que viráexpor seus quadros aqui em Nova York.Será uma festa para nós americanos; euma oportunidade rara para aquelesque desejam possuir obras de real valore conhecer um artista que sem sair daAmazônia longínqua, conseguiu atrairsobre o seu trabalho, a atenção, o res-peito e a admiração do mundo.

Moacir Andrade é um nomegrande na pintura brasileira e mesmomundial (Laureado com prêmios noBrasil e estrangeiro, suas telas fazem já,parte de espólio de importantes mu-seus do mundo), a sua carreira vem co-nhecendo sucessos dignos de apreço eregistro.

Eurico Andrade Alves“Correio da Feira”, Vila da Feira,

edição n.° 4.018, Portugal.

1177Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

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1188José Roberto Girão de Alencar (Org.)

Chegando em casa,1975.

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Palavras da mãe de Moacir An-drade, dona Jovina Couto de Andrade,quando o artista tinha apenas oitoanos de idade, em 1936.

Meu filho, seus desenhos são lindos, umdia você será grande artista e eu tereigrande orgulho de você.

1199Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Depoimentos

AQUI O DEPOIMENTO PREMONITÓRIO DA MÃE DO ARTISTA, DE POETAS, POLÍTICOS, ESCRITORES, JORNALISTAS E FIGURAS REPRESENTATIVAS NA-CIONAIS E INTERNACIONAIS DE NOMEADA, AO LONGO DE SUA TRAJETÓRIA DE SUCESSO.

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Page 20: Moacir Andrade

2200José Roberto Girão de Alencar (Org.)

Vendedor de vinho de açaí, 1937.

Vendedor de mel de cana, 12de abril de 1938.

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Page 21: Moacir Andrade

2211Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

O Teque-teque, 1935.

O vendedor de tartaruga,1939.

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Page 22: Moacir Andrade

2222JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

A Lenda daCobra-Grande,1987.

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Page 23: Moacir Andrade

Olivro que vai ler e ver – pois setratando de livro sobre um ar-

tista plástico há nele muito para ver,para o regalo dos olhos – tem por ob-jetivo comemorar os setenta e cincoanos de Moacir Andrade. Setenta ecinco? Tão idoso assim, o mestre ama-zonense? De idade são apenas cin-quenta, aí está forte como árvorevirgem, competente para a luta e osbens da vida, mas e esses cinquentasomam-se os vinte e cinco de criaçãoartística, de pintura, e então os setentae cinco valem por cem, pois os da ati-vidade pública contam dobrado. Ho-menagem mais justa não pode haver,nenhum filho do Amazonas merecetanto do Estado onde nasceu e dagente amazonense quanto esse cabocloque recriou para o mundo a saga infi-nita da floresta, do rio, dos animais,das árvores, dos mitos, dos barcos, dasilhas das curimãs, do homem – a vidaexuberante, terrível, bela, única daAmazônia, Nascido do povo amazo-nense, ele é ao mesmo tempo pai nãosó do povo como da paisagem, flores eda fauna, das águas do Amazonas.Todas as manhãs ao tomar da palheta,

ele pare em parto de beleza, povo eterra, bichos e o destino do grande rio.Que obra monumental construída emvinte e cinco anos, de incansável labor!

“Eu trabalho – declara Moacir An-drade como telurismo, com o regional,com as coisas autóctones, com todo omistério que caracteriza a Amazônia”.A definição do próprio artista é escla-recedora, mas não marca os limites daprojeção de sua pintura. Demonstracom clareza os materiais interiores e avisão exterior a impulsioná-la na cria-ção a modéstia impediu, porém queele dissesse que a projeção da vida re-criada em seus fabulosos quadros éenorme, repercute muito além dasfronteiras amazônicas, Brasil afora ealém das fronteiras do Brasil, nomundo vasto mundo. Primeiro eu oencontrei na Bahia, vai disso uns dozeanos ou mais, expondo para o aplausodos artistas e do povo baiano. Aindahá pouco tempo revi uma foto feita porocasião da mostra de Moacir – e já étempo que ele volte a Salvador comquadros atuais, das últimas fases – bemmais jovens ele, eu, mestre Rescala e oescultor Mirabeau Sampaio, mas infe-

lizmente, já desaparecidos dois grandesda plástica baiana ali presentes parasaudar o colega do Extremo Norte:Raimundo Oliveira, um anjo torto queum dia, cansado da feiúra se matou, eHenrique Oswald, cuja presença naBahia foi tão gratificante e tão breve –a morte o levou quando o chegava aoamadurecimento completo.

Depois desse primeiro encontrocom a pintura de Moacir Andrade ecom o ser humano magnífico – logonos tornamos amigos – eu os tenhovisto, ao pintor e a seus quadros, umpouco em toda parte do mundo: emSão Paulo, no Rio na Galeria Bonino,sob o comando competente e ternode Giovanna, em Londres com tantosucesso, nas ruas de Paris onde pe-rambulam vagabundos, sem horário esem compromissos. Soube dele emLisboa por Ferreira de Castro e AssisEsperança – um e outro, os dois gran-des romancistas lusitanos, só espera-ram a queda do fascismo a aurora daliberdade para se despedirem dos ami-gos e partirem na viagem derradeira.Com que entusiasmo Ferreira de Cas-tro, ele também cidadão da Amazô-

nia, me falou dos quadros de MoacirAndrade: a pintura mágica do cabo-clo das ribanceiras do grande riohavia comovido profundamente oautor! “A SELVA”. Um dia irei verMoacir Andrade, em seu chão, naságuas de seu rio.

Usei o adjetivo fabuloso para falardos quadros. Vale a pena usá-lo de re-ferência ao artista que os pintou, aohomem Moacir Andrade. Fabuloso ar-tista, fabulosa criatura humana, um serúnico, aliás, o artista é o homem, entreo criador é a obra criada a identidadeé total. Porque esse artista foi conce-bido no ventre da Cobra-Grande, fe-cundada pelo povo da Amazônia. Écom grande alegria que saúdo MoacirAndrade por ocasião de seu cinquen-tenário de nascimento e dos vintes ecinco anos de pintura, associando-me atodas as homenagens que lhe sejamprestadas. Por maiores e mais numero-sas, Moacir ainda merece mais. Não sódo Amazonas e dos amazonenses – eledeve ser festejado pelo Brasil inteiro epor todos os brasileiros.

2233Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Pintor da Amazônia, pintor do Brasil

Jorge Amado

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2244JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

A Lenda daBorboleta,

1979.

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Page 25: Moacir Andrade

Estávamos de saída, no hall doHotel Tropical, em Manaus,

centenas de turistas, vindos de todas aspartes do mundo entravam e saíamnuma estonteante variedade de raças,cores, fisionomias. Tipos estranhos,roupas feitas mais para espantar doque vestir, pressa, muita pressa emtodos. A pressa de sentir, ver, decifraro Amazonas. O Mistério da Amazôniaque continua.

Sofríamos, naquele instante, a pressãoincômoda de um compromisso: compa-recer na hora marcada. Uma palestracom jovens na Faculdade de Direito.

Os ponteiros do relógio pararam eo compromisso ficou na fila de espera.Havia alguém que nos queria falar.

Alto. Cheio de corpo. Principal-mente os bigodes, densos, bem nutri-dos, parecendo transmitir uma alegriasingular, alegria capilar. Os bigodes

estão assentados no rosto largo do pin-tor Moacir Andrade com precisão psi-cológica precisavam estar comoestavam. Sem eles, os olhos, vivos e es-treitos, não seriam tão vivos e tão es-treitos. Não debruçariam o sorrisobom, vagamente brejeiro, de crençaque conseguiu o que queria e lhe ha-viam dito que seria impossível alcançar.

Aproximou-se meio tímido pois,percebeu a nossa arrancada para o au-tomóvel.

Sou Moacir Andrade e temos umamigo comum que falava, com muitocarinho, no senhor: Ferreira de Castro.

O nome do autor de A Selva faz es-quecer tudo. Caímos um no peito dooutro, num abraço que corresponde,tente corresponder, ao manancial deternura humana que foi e é Ferreira deCastro. Temos dito de público, vale re-petir aqui esta verdade que torna a vida

mais bela e sua mensagem mais densa:os homens que plantam grandeza, quesemeiam beleza, que inspiram a espe-rança, nunca morrem.

Por isso, Ferreira de Castro, para osseus leitores, para os que tiveram a ven-tura de partilhar da sua amizade, é.

Estamos abraçados, amazonica-mente, com cipós afetivos, e vivemosde imediato, esse fenômeno que re-dime o homem de tanta coisa triste enegativa – instantaneidade, a certezade uma sólida e autêntica amizade.Falar em Ferreira de Castro é falar nomilagre. Afinal foi ele, até hoje, quemconseguiu fixar na palavra essa reali-dade inacreditável que é a naturezaamazônica. A Amazônia que Ferreirade Castro considera, no mundo dehoje, em que assistimos diariamente àfalência do espanto, o único ponto deterra em que o espanto permanece. O

homem cercado de tecnologia portodos os lados, subindo à lua e po-dendo, com os anticoncepcionais atéfixar o número dos espectadores paraesse espetáculo, o homem que tantosprodígios realiza, parece que assim pro-cede para fugir à consciência de que sónão consegue a conquista de convi-vência racional e humana.

Moacir Andrade enfrentou, com oseu gênio de pintor, o mesmo desafioque sofreu Ferreira de Castro. Porquese a Amazônia não cabe no verbo tam-bém não cabia na tela dos artistas queantecederam Moacir. Escritores, críti-cos de arte, homens famosos pelo no-tório saber, gênio literário e científico,como Sartre, Oto Maria Carpeaux,Clarice Lispector, Jorge Amado, já dis-seram sobre a arte e os quadros deMoacir Andrade as verdades consagra-doras que o tornaram, sem favor ou

2255Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Moacir Andrade – Instinto Poderoso da AmazôniaCarlos de Araújo Lima

Friburgo, 5/9/1979.

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Page 26: Moacir Andrade

exagero, um dos mais afirmativos pin-tores do mundo.

Há, Moacir Andrade, nos seus qua-dros e telas, duas forças contraditórias:a realidade do homem, no seu coti-diano, homem esmagado e nem por issovencido, e a inspiração em superposiçãode mensagens coloridas, da natureza te-lúrica, em transparência de sonho.

Na pintura de Moacir Andrade ohomem existe, corta ouriço de casta-nha, pesca, enfrenta as feras, rema nosigapós e o faz sem esmorecimento, ape-sar de mergulhado na sombra de umpesadelo social e de um sonho estra-nho. Moacir Andrade para pintar devesofrer muito, pois deixa-se estontearpelo atropelo de cores, matizes cam-biantes, penumbras, claridades úmi-das, e secas, é, no objetivo da fixaçãoartística, apelar para a imaginaçãocomo forma.

Única de buscar, através da suges-tão, agarrar a realidade quase impossí-vel. Quase, porque o escritor Ferreirade Castro conseguiu pintar a Amazô-nia em palavras e Moacir Andrade,com seu gênio excepcional, viveu o mi-lagre de sugerir com a força do colo-rido próprio, seu, de mais ninguém.São eles, os que desafiaram, vencerame decifraram a Esfinge.

O escritor, não contente em lograro impossível deixou a mensagem hu-manizadora do romance social, do re-trato de exploração do homem pelohomem que supera em violência aforça das águas e da floresta. O pintor,esse fabuloso Moacir Andrade, pormuito amar a sua gente e sofrer comela, por certo nesse amor, diríamosmelhor nessa paixão pela terra e peloirmão homem e vibração indispensá-vel à sugestão onírica. Em pintura eem termos de Amazônia a conclusãoé que vale mais sugerir já que é im-possível retratar.

Advogado que, por viver intensa-mente a angústia e a desgraça alheia,para interpretá-la nos tribunais, prezacada vez mais a vida. O crime tambémé um manancial de grandeza e foiinesquecível juiz brasileiro, magnatasilustres quem descobriu e afirmouque há crimes que só almas grandessão capazes.

Ora, o advogado é, por tradição eobrigação, o homem hábil.

Cabe-lhe, em primeiro lugar, sejaqual for à dificuldade que enfrenta eviva, situar-se com clarividência e se-gurança.

Porque não testar e demonstrar –somos os profissionais da prova – o

gênio de Moacir Andrade, de umaforma diferente?

Quando abro a correspondência deMoacir Andrade, sua carta solicitandoo prefácio e os álbuns, maravilhosos,tão ricos de colorido e de sonho, está ameu lado um estudante de Direito,que tem menos da metade de minhaidade, pertencente a uma geração maisjovem. Peço a Carlos Eduardo, meufilho, que veja – não conhecia aindaMoacir Andrade – que sinta e que, depronto, com a máquina de escrever aolado, traduza a sua reação.

Ficaram, ele e sua mulher, calados,vendo os álbuns, num silencio côncavo.

Foram para um canto, levandoMoacir. Sussurraram coisas que nãopude ouvir.

A máquina de escrever fez brotar, ajato, a impressão que se segue.

Vencendo natural constrangi-mento, que não cabe quando se tratada verdade, e, notadamente, da ver-dade artística, transcrevemos, a seguir,a reação.

O verdadeiro artista é aquele quenão se deixa aprisionar pelo tempo.

As épocas passam, as gerações se su-cedem, há hecatombes, revoluções eguerras, transformações sociais, e elescontinuam crescendo.

MOACIR ANDRADE ATRAVESSA OTEMPO

Foi o instinto da Amazônia que nosdeu Moacir Andrade. Quando a Ama-zônia se vê ameaçada pelos profissio-nais do lucro, do desmatamento, dadestruição ecológica, do massacre doverde, era indispensável que um gênio,da força telúrica de Moacir Andrademostrasse ao mundo aquilo que oHomem precisa e tem de preservar.Para sobreviver.

2266José Roberto Girão de Alencar (Org.)

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Page 27: Moacir Andrade

Apartir do surgimento deste pre-cioso trabalho de Moacir

Couto de Andrade, a cultura históricaa inteligência amazonense ficarão emdébito com o autor, pela disseminaçãode um conhecimento que, sem o seutrabalho de pesquisador envolvidopelos lances da temática aqui retratada,talvez ficasse ainda por muito tempoomitido ao julgamento apreciativo da-queles que, por serem estudiosos, con-vivem e lidam com as variadas facetasdo saber, nesta terra.

Ao traçar a traçar a longa e historiatrajetórias do Clube da Madrugadanestes primeiros 50 anos de sua exis-tência os traços de sua atuação na vidacultural do Amazonas, o autor, eletambém um dos partícipes no surgi-mento da entidade desde os seus pri-meiros desdobramentos, entrega aoscultores da inteligência amazonenseuma documentação preciosíssima dosbarcos e gentes, dos prédios e paisagem

(inclusive iconográfica) dos passos quederam origem aos múltiplos fazeres doClube, e aponta os pioneiros que co-rajosamente o conceberam para ser oque foi e ainda é no cenário amazo-nense das letras e das artes plásticas.

Comumente conhecido como umgrupo de sonhadores que começou assuas festivas e preciosas reuniões à som-bra do histórico mulateiro

– Felizmente ainda vivo e trepida-mente aos ventos – da Praça da Polícia,o Clube da Madrugada representou,em um determinado momento da vidacultural amazonense, a manifestaçãopura e sincera de uma mocidadeoriunda de camadas da população deManaus, mas que, nem por isso se dei-xou intimidar pelo existir então de fi-guras respeitáveis, tidas e havidas pelosmanauaras como quase pairando emum Olimpo inatingível, irrompendoem meio a isso com as suas manifesta-ções românticas de conhecimentos pró-

ximos do autodidatismo, mas nem portal circunstância, deixando de encantarem prosa e verso, a toda uma geraçãoque se extasiou ante a erupção franca esinceramente honesta, do talento inatode tantos jovens. Puro, espontâneo ehonesto em suas manifestações cultu-rais, o Clube da Madrugada nunca sepreocupou com a inexistência diantede si, de sedes pomposas onde se reu-nisse para saraus literários. Marcandoseu existir humilde, perfazia-se com oconviver funcional dos ambientes mo-destos e prosaicos, como cafés e baresque nem mais existem, ali deixando, in-felizmente sem a merecida eternali-dade, as belas manifestações do talentopuras e autênticas de tantos moços,muitos dos quais hoje nem tanto assime de outros a quem o chamado inevitá-vel das Parcas convocou para a travessiado Estige.

E esse quadro maravilhoso de pu-reza que o escritor e exímio desenhista

Moacir Andrade, também ele um pin-tor consagrado de coisas amazônicas,plasma neste livro em magníficos de-senhos em preto e branco, às vezes ma-rejadas pelas lágrimas da saudade, aorigem, a vida e o significado poliva-lente do que é o Clube da Madrugada.

A ele ficamos devendo e aí me in-cluo como velho integrante daquelaplêiade de tantos talentos, por esta obramagnífica, um MUITO OBRIGADOque não tem tamanho, de tão grandeque é. Neste barcos, nestas canoas, nes-tas lanchas vapores carregados de sau-dade, estão à vivência humilde dosnossos caboclos interioranos e a pa-ciência milenar da etnia vigilante, e sen-tinela sacrossanta da vida e o dizersempre presente da presença nacional.Esses desenhos de múltiplos instantesé a vibração da identidade Forte do ca-boclo amazonense, irmão da água e dafloresta – bem haja Moacir.

2277Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Barcos amazônicos, nos desenhos de Moacir AndradeArlindo Porto

Jornalista e Político

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Procissão fluvial de São Pedro, 1977.

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Page 29: Moacir Andrade

Talvez por ser portador de here-ditariedade, da Ibericidade do

sangue português e do catolicismorural do Sertanejo Nordestino, MoacirAndrade manifesta como quem sua, ainstintiva materialização desse mundoonírico e policrômico da vida norte-nordestina. Jamais vi e não conheçonenhum pintor que tenha feito de suaobra o espelho da síndrome antropo-lógica dessa área tão vivida e tão des-crita por cientistas de toda a orbe,alguns deles transformando-a num tea-tro de verdadeira ficção científica, tal apolimorfia de sua natureza exuberante.

Moacir Andrade é um estudioso, umpesquisador, um analista dos costumesde sua terra, da nossa terra. Filósofo, fol-clorista, antropólogo, escultor, pintor,

historiador, entalhador de monumen-tais murais em madeira de lei espalha-dos por esse mundo afora; professor dehistória da arte, educação artística, de-senho técnico, matemática; bacharel emadministração de empresa pela Facul-dade de Ciências Econômicas, da Uni-versidade Federal do Amazonas,boêmio, frequentador de sórdidos bor-deis da cidade onde convive com seusamigos intelectuais e artistas locais,Moacir Andrade é antes de tudo isso,uma pessoa humana extraordinária;sempre de bom humor, espargindo ale-gria e comunicabilidade; vive a vida queDeus lhe deu, desprendido, sem nemuma ambição material que não seja pin-tar seus quadros escrever seus poemas elivros que agora somam mais de 20.

Conheço esse grande artista hámais de 50 anos, quando o vi pela pri-meira vez juntamente com grande et-nólogo Manuel Nunes Pereira numapalestra que realizei no auditório daEscola Técnica Federal do Amazonas.Sua figura longilínea e forte, logo meimpressionou – Ficamos amigos, umaamizade leal e depreendida sem ou-tros interesses que não seja o puroconviver e discutir literatura e amazo-nismo. A sua grandeza artística aindanão foi devidamente reconhecidapelo governo e pela sociedade amazo-nense onde nasceu e vive até hojecom sua família, filhos, netos, paren-tes e amigos.

Quando eu terminei de escrever omeu livro:

Um Pouco Antes, Além Depois,convidei Moacir Andrade para ilus-trar a referida obra, o que ele fezcom maestria, elogiado por todas aspessoas que leram o livro. Primo-roso ilustrador esse artista tem par-ticipado intensamente de todas asmanifestações culturais aconteci-dos em Manaus sempre se desta-cando com originalidade de seustrabalhos.

Já é hora do governo e empre-sas privadas se lembrarem em ho-menageá-lo dando-lhe um museuonde o artista certamente doará oseu riquíssimo acervo culturalpara gáudio dos que virão depois.Que Deus o abençoe Moacir An-drade.

2299Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Moacir Andrade e sua obraSamuel Benchimol

Sociólogo e economista da Amazônia

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3300JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

Batedores de juta, 1979.

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Page 31: Moacir Andrade

Moacir Andrade – um dos ar-tistas mais festejados do Bra-

sil e do mundo, sua trajetória nouniverso intelectual em todo o Terri-tório Nacional marca sua presençacomo uma estrela de primeira gran-deza. O brilho de seus movimentos cul-turais em todas as faces do prismaespiritual chama a atenção das maispoderosas personalidades da literaturae das artes em nosso País. Jornalista, es-critor, poeta, pintor, entalhador, pro-fessor de Matemática, DesenhoTéc nico, História da Arte; escultor, an-tropólogo e ambientalista, marcou oseu trabalho missionário e protéticocomo uma personalidade singular nauniversidade global da ciência do saberhumano. O seu valor incontestávellevou-o a comungar com as mais notá-veis inteligências planiciáveis no Tem-plo Sagrado da Academia Amazonensede Letras. Incansável trabalhador dolabor intelectual, criou várias entidadesculturais, entre elas:

A Academia de História do Amazo-nas, a Federação Cultural do Amazonas,o Instituto Brasileiro de Antro pologia daAmazônia, a Academia de Poesia do

Amazonas, a União Brasileira de Escri-tores do Amazonas, a Associação Inter-nacional dos Amigos de Ferreira deCastro, a Escolinha de Arte para crian-ças do Estado de Nashiville, no Tennes-see, nos Estados Unidos; foi o fundadorda Escola Gratuita de Artes Plástica doClube da Madrugada e do MovimentoEcológico em favor da permanência denossa floresta e contra a pesca predató-ria nos rios amazônicos.

Esses são apenas marcos históricosem meio à multidão de suas façanhaspioneiras e às quais se juntam às suascampanhas em favor da redenção dascrianças abandonadas, da redemocra-tização, da assistência mais efetiva donosso caboclo interiorano, da mecani-zação da nossa lavoura do aprimora-mento da pecuária, do incentivo àsartes, além dos fóruns e simpósios paradebate das mais palpitantes questõesdo País. Em 1940, com apenas 13 anosde idade saiu às ruas de Manaus comohomem sanduíche, verberando contraa devastação incontrolável e criminosada floresta amazônica que nesse tempojá preocupava as autoridades do Brasile do mundo.

Arquiteto, matemático e fabulosoartista plástico, Moacir Andrade foiautor de mais de 6.000 projetos de ar-quitetura, entre os quais vários proje-tos de templos Católicos ente os quaiso da Igreja de Nossa Senhora Apare-cida dos Tocos no bairro do mesmonome; a belíssima Igreja de São JoséOperário no bairro da Praça 14 de Ja-neiro, a Igreja de Nossa Senhora de Fá-tima também no mesmo bairro; aIgreja do Convento do PreciosíssimoSangue no bairro dos Bilhares, e daIgreja de São Francisco de Assis nobairro dos Educandos; a Igreja deBorba, a Igreja de Parintins, além demuitas outras em vários pontos do Ter-ritório Nacional.

Quando se escrever a história do sé-culo XX, no Brasil, principalmente noperíodo da face difícil de sua consoli-dação como nação livre, independentee soberana, terá registro especial e des-tacado o nome deste fabuloso escritore artista plástico – Moacir Andrade,conferencista primoroso, jornalista,professor respeitado e admirado pelajuventude; artista vitorioso, intelectual,animador cultural, poeta de fina sen-

sibilidade que mereceu do Grande Ma-nuel Bandeira os mais primorosos elo-gios, diplomata, divulgador apaixo nadodas coisas e das causas da AmazôniaBrasileira, líder de muitas campanhasem favor do meio ambiente, MoacirAndrade está aí, trabalhando intensa-mente em seus maravilhosos quadros,livros, poemas no verdadeiro sentidode humanismo que é a atenção per-manente às crianças sem futuro.

Olhos apertados como os de ummongol, profundos e humanos, bri-lhantes como pérolas virgens – vivíssi-mos. Testa alta, sobrancelhas cerradas,heranças de seus ancestrais portugue-ses, cabelos já fugindo de sua cabeçaprivilegiada, lisos e brancos como aneve, estatura alta, ereta, compleiçãoforte. Fala cativante e fácil, gestos rápi-dos e harmônicos como de um maestro;andar firme. Memórias privile giadas,prodigiosas, grande facilidade de ex-pressão, de comunicação. Irrequieto efecundo, personalidade muitas vezescontraditória. Gestos rápidos. Criadore devastador, renovador e demolidor.Organizador e boêmio, lírico e crítico.Pioneiro de muitas obras, tempera-

3311Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Gebes MedeirosJurista e Teatrólogo

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Page 32: Moacir Andrade

mento de um monge, às vezes impe-tuosos, mas de um charme cativante econquistador. Nos seus altos e baixosos momentos de rompânsia e os de ter-nura se fundem em gestos profunda-mente humanas. Ora agressivo, oramanso, humilde. De paixões ardentes,impetuosas e extremas, amou todas asmulheres, mas só a uma entregou seucoração do “Gengis Kan” a uma sómulher – dona Graciema Britto de An-drade, sua esposa amantíssima comquem teve seis filhos, todos bem enca-minhados na vida profissional, social,científica e política.

Moacir Andrade não tem métodospara as coisas temporárias, tudo paraele surge do instante como a inspira-ção que brota do seu cérebro privile-giado, fecundo e criativo.

Semeador da cultura e de unidadenacional.

Vida intensa e borbulhante, fabu-losa e tumultuária. Homem orquestra,pintor e escritor antes de tudo. Prega-dor do civimismo. Líder e irmão e ma-ninho de seus amigos. Inventivo edebatedor de idéias novas, homem deatividades múltiplas. Mesmo beiradoos seus bem vividos 70 anos, mantémo vigor de um jovem, pintando, escre-vendo, entalhando gigantes painéis en-talhados em madeira de lei, esculpindoem pedra e madeira, realizando pales-tras e conferências nas universidadesda Europa e América, frequentando,

igreja, puteiros e botequins sórdidos,onde diz encontrar a verdadeira paz.

Moacir Andrade faz do seu ateliê narua Alexandre Amorim, n.° 253, nobairro de Nossa Senhora Aparecidados Tocos, um Santuário-Museu, ondeguarda carinhosamente desenhos dosrostos de seus amigos, muitos deles jáhabitantes da Grande Luz como diziao imortal poeta Carlos Ouro Farias deCarvalho, seu grande irmão de imor-tais noites boêmias.

Minha amizade com esse imortal ar-tista plástico. Jornalista e homem deciência, começou em fevereiro de1942, quando fui encontrá-lo internono Liceu de Manaus. Ali no TeatroGustavo Capanema da escola, ensaieicom ele e outros alunos internos, apeça do grande autor brasileiro JulioDantas – “A Ceia dos Cardeais”. Foi asua primeira experiência como autorTeatral e a minha em território amazo-nense. Sua voz de barítono garantiu osucesso da peça que teve a presença dogovernador Álvaro Maia, o prefeitoAntônio Maia e de todas as autorida-des de Manaus.

Quando ele soube da intenção deque o prefeito iria derrubar todos os“fícus benjamins” da cidade, alegandoa peste de um inseto, Moacir Andradevestiu-se de homem sanduíche percor-rendo a cidade com cartazes que di-ziam: “A ÁRVORE É AMIGA EBENFEITORA DO HOMEM, PRE-

SERVE-A”. Quase foi expulso do colé-gio, pois, o prefeito era irmão do go-vernador e agente poderosos daditadura de Getúlio Vargas. Outraspeças emanamos naquele Teatro esco-lar, todas com pleno êxito. Quandofundei o Teatro Escola de AmadoresManaus, foi Moacir Andrade que meajudou na constituição da entidade.Em agosto de 1945, ele estava comigoajudando-me na construção da Feirade Amostras.

Ainda garoto, Moacir Andrade quisser muita coisa: palhaço de circo, bai-larino, comandante de navios-gaiolas,pastor protestante, oficial do Exército evendedor de feira, no entanto, sua con-vivência com artistas e escritores fa-mosos amigos de seu pai SeverinoGaldino de Andrade enveredou para ocampo da poesia. Seus primeiros poe-mas o arista dedicou para sua colega deinfância Jaciara de Assis, sua compa-nheira durante todo o curso elementarno Grupo Escolar Ribeiro da Cunha,na rua Silva Ramos, com quem convi-via nesses anos coloridos da sua infân-cia dourada, desde os oitos anos,Moacir Andrade iniciou a realizar seusdesenhos, retratando todas as coisasque via e as que tinham em sua me-mória privilegiada: eram os vendedo-res ambulantes, as lavadeiras, osbondes, os carroceiros e os navios-gaio-las que via pela primeira vez em suavida, quando vivia com sua família no

beiradão do rio Solimões no municí-pio de Manacapuru. Esses desenhosem número de 481, foram coleciona-dos e guardados pela sua querida ma-drinha professora Clotilde de AraújoPinheiro que morava na avenida Joa-quim Nabuco bem em frente onde éhoje o Hospital do Dr. Fajardo de pro-priedade do Estado.

Desses 481 desenhos, muitos foramdoados pelo autor a amigos diletos, in-clusive para mim que possuo uns cincoou seis.

Um sem número de personalidadesilustres já falou da obra e do homemMoacir Andrade, entre os quais o seugrande amigo Vinicius de Moraes, comquem viveu em Paris por longo tempo.Assim falou Vinicius: “...Por ser umdos grandes pintores vivos e ter alcan-çado a glória que apenas alguns artis-tas só conseguiram após a sua morte,Moacir Andrade não toma conheci-mento de sua importância no cenárioartístico nacional. Frequentando osbares da cidade em companhia de in-telectuais e artistas seus amigos, ondeoferece à mesa posta toda a ternura deseu humanismo, escrevendo poemas erascunhando estudos para futuros qua-dros, Moacir Andrade se confundecom a simplicidade da gente de Ma-naus onde nasceu e vive até hoje.

Moacir Andrade é desses gêniosperdidos e raros como o cometa deHalley – aparece de tempos em

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tempos, deslumbrando os olhos domundo.

Sua obra cheia de grandeza, hipno-tismo estético e muita poesia, desperta,cria, sacode, revoluciona, enlouquece,prende e emociona até a extasiar.

Seu ateliê na rua do ComendadorAlexandre Amorim, n.° 253, no bairrode Nossa Senhora Aparecida dosTocos, em Manaus, é ponto obrigató-rio das visitas de personalidades ilus-tres que lhe vão visitar e adquirir seusquadros geniais: O Príncipe Charles daInglaterra, o Príncipe do Japão, hojeImperador, o Príncipe da França, dosEstados Unidos, do Suriname, Vini-cius de Moraes, Jean-Paul Sartre, o Pre-sidente da África do Sul, AntonioOlinto, Zora Seljan, Roberto BenteMax, Paulina Kaz, Ubiratan de Mene-zes, a bailarina Margot Fontaire, NunesPereira, Jorge Amado, Eurico de An-drade Alves, Gilberto Freyre, Luiz Er-nesto Kaval, e muitos outros quedeixaram registrados em seu livro de vi-sitas, depoimentos sobre a vida e aobra desse grande artista.

Um dos mais belos depoimentossobre a vida e a obra de Moacir An-drade foi feto pela sua amiga e admi-radora, escritora Clarice Lispectordurante sua mostra no Rio de Janeiroem 1972: “...Moacir Andrade é o pro-feta da Amazônia, nasceu com umagrande missão – ensinar ao mundo oseu inequívoco destino de ser o san-

tuário na natureza, o último reduto devida mais sadia, menos poluída. Seusquadros não têm similares, são docu-mentados de muitas grandezas – umaincomensurável paixão materializada,onde habitam como mestres carinho-sos, o seu intenso amor pela Amazô-nia e sua profunda sensibilidade,falando de toda a grandeza daquelacontinental área brasileira, se fazendopresente nos quatro quantos domundo em corpo e espírito como umarauto policrômico. “Clarice Lispec-tor, assim como a poetiza e pintoraPaulina Katz foram de extrema impor-tância em sua vida artística. Convi-vendo com ele no Rio de Janeiro eapresentando-o aos mais famosos ar-tistas e escritores do Brasil.

Esse imortal artista plástico e escri-tor, além de já ter pintado muitas cen-tenas de quadros destes seus quaseoitenta anos, também escreveu váriasobras hoje consideradas de grandevalor antropológico, adotadas pelasuniversidades brasileiras.

É impossível registrar em algumas li-nhas a fabulosa trajetória da vida tu-multuada desse gigante da cultuabrasileira.

Moacir Andrade nasceu em Ma-naus, capital do Amazonas, no dia 17de março de 1927, Quinta-Feira, dia deSanta Gertrudes, às 10 horas damanhã de um dia chuvoso do invernodaquele ano. Foram seus pais o em-

preiteiro de obras, pedreiro e músico,Severino Galdino de Andrade e a pro-fessora Jovina Couto de Andrade, elefilho de portugueses da Povoa de Var-zim, em Portugal e ela também filha delusitanos Albergaia-a-Velho, em Portu-gal. Ambos vieram com seus familiarespara o Amazonas nos meados do sé-culo dezenove, atraídos pela notícia doalto preço da borracha. Já instalados nacapital da Hevea brasiliense, Severinopassou a trabalhar na construção civil,numa época em que os magnatas daborracha construíram os seus palace-tes, o governo do Estado aterrava osigarapés, abria as ruas, edificava obrasmonumentais como o Teatro Amazo-nas, o Palácio da Justiça, as pontes me-tálicas e eletrificava as ruas calçadascom paralelepípedos portugueses.

Severino Galdino de Andrade es-pecializou-se em esculpir os belos Fron-tões que encimavam as fachadas dasbelas residências dos seringalistas en-dinheirados, nas horas vagas, ocupava-se no exercício da música, tocandoflauta, cujo instrumento manejavacom extrema naturalidade. Casou-seem 1923, em 1927, quando Manausvia-se mergulhada em extrema pobreza,em decorrência da queda inesperadada borracha a partir de 1911, Severinoviu-se sem trabalho, pois os proprietá-rios dos imóveis empobrecidos, deixa-ram Manaus aos montes. Foi umaépoca terrível; desempregado, as casas

comerciais fechando suas portas, os ar-mazéns abarrotados de borracha semcompradores; os navios-gaiolas queantes vasculhavam os muitos rios doAmazonas levando mantimentos e tra-zendo borracha estavam agora sendovendidos para o Sul do País ou para oExterior; a fome rondava os lares dosmenos favorecidos, a cidade sendo in-vadia por milhares de ex-seringueirosque procuravam à capital fugindo dosseringais abandonados e enchendo asruas do comércio pedindo esmolas. Foinesse ano que Severino deixou Ma-naus com sua mulher dona JovinaCouto de Andrade, seu filho Mozart eMoacir Andrade, recém-nascido.Foram fixar residência no beiradão dorio Solimões, município de Manaca-puru onde passaram a viver da pesca,da caça, da agricultura de sobrevivên-cia. Ali ficaram até o mês de fevereirode 1933, quando retornaram a Ma-naus em busca de educação dos seusdois filhos: Mozart Couto de Andradecom sete anos e Moacir Couto de An-drade com seis anos. Com essa idadeseis anos, Moacir já sabia ler, escrever econtar, pois sua mãe era professora eos tempos dos garotos era somentepara estudar.

O ano de 1936, 1937, 1938, MoacirAndrade estudou no Grupo EscolarRibeiro da Cunha, onde fez todo ocurso elementar. Em Fevereiro de1942, foi estudar como aluno interno

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no Liceu Industrial de Manaus, ondeconcluiu o curso industrial em dezem-bro de 1945.

Fez o curso do 2.° Grau do GinásioAmazonense Dom Pedro II, posterior-mente ingressou no Colégio Brasileirodo professor Pedro Silvestre onde fez ocurso de contabilidade.

Ingressou no curso Superior de Ad-ministração de Empresas, na Facul-dade de Ciências Econômicas daUniversidade Federal do Amazonas.

Ainda muito jovem foi convidadopelo professor Fueth Paulo Mourãopara lecionar na Escola Normal SãoFrancisco de Assis as matérias: Mate-mática e Desenho Geométrico Plano.Lecionou ainda no Colégio Estadualdo Amazonas, Escola Técnica Federaldo Amazonas, onde construiu ummagnífico mural em madeira enta-lhada e plantou uma mangueira hojecom quase 40 anos. Lecionou ainda noColégio Militar de Manaus, onde cons-truiu um monumental painel em ma-deira de lei totalmente em talha. Foiprofessor na Universidade Federal doAmazonas, onde lecionou Matemática,Desenho Técnico e Educação Artís-tica. E permanentemente convidadopelos colégios e universidades locaispara proferir conferências sobre cul-tura brasileira e problemas ambientais,temas de sua preferência. Recente-mente a Universidade Federal do Ama-zonas outorgou-lhe uma Medalha de

Honra ao Mérito por serviços presta-dos à cultura nacional. Moacir An-drade, apesar de ser um dos homensmais importante do Amazonas e doBrasil, comporta-se como um homemsimples, despido da rompânsia queveste quase todas as pessoas que che-gam à celebridade. Ele bem que pode-ria residir num dos bairros nobres queenchem a capital Amazonense, masprefere morar no bairro pobre e hu-milde onde casou-se e construiu sua fa-mília maravilhosa e seus filhos.

Certa vez ele estava recebendo emsua casa a visita de certa personalidade,quando uma prostituta bateu à suaporta dizendo que queria falar com ele.Logo o artista pediu que ela entrasse,acomodou-a num sofá à sala de suacasa e ouviu o que ela tinha a dizer.Quando a mulher ausentou-se, o cida-dão que o visitava, verberou que elenão poderia receber uma meretriz nasala de sua casa, ao que o mestre res-pondeu: “Toda mulher merece o meurespeito igualmente à minha esposa efilhos”. Esse foi um atestado eloquentedo alto espírito de humanismo dessamonumental figura do nosso mundoespiritual, para quem não existe pessoamelhor que outra.

Quando sua família mudou-se parao beiradão do rio Solimões no muni-cípio de Manacapuru, Moacir se exta-siava vendo os cardumes de peixessubirem o rio para desovar e os gran-

des navios-gaiolas deslizarem silencio-sos no meião do rio e os pássaros cons-truírem seus ninhos nas paredes dosgrandes barrancos à frente de sua casa.Aquela solidão fazia nascer no cérebromenino de Moacir Andrade, um tur-bilhão de coisas que ele mesmo nãocompreendia mas que transformaram-no no gênio que é hoje, essa glória danossa cultura, maior orgulho do nossopovo não somente como grande artistaque é, mas como pessoa humana, res-peitada, admirada e amada pela suagente que ele retrata com a alma de umgrande esteta todas as matizes do viveramazônico.

As exposições que Moacir Andraderealizou pelo Brasil significações artís-ticas etnográficas, folclóricas e antro-pológicas que se incorporam no livromonumental da identidade, da sensi-bilidade e da empatia que afloramdessa luz incandescente do sentimentouniversal do saber humano.

As mais importantes personalida-des do mundo artístico. Literário ecientífico já registraram nos livros depresenças de suas mostras por esse Bra-sil afora, pintando muito bem com ascores vivas da sua personalidade o querealmente é e o que esse homem signi-fica para a grandeza cultural do Ama-zonas e do Brasil.

Quando Moacir Andrade em 1962realizou uma mostra de seus quadrosem Recife, Pernambuco, sob os auspí-

cios do governador Miguel Arraes,tendo como secretário o escritorAriano Suassuna, este, escreveu em seulivro de presenças: “Moacir Andrade,trouxe para Recife, toda a Amazônia gi-gantesca, sumarida nas cores de seusquadros maravilhosos. Esse binômioextraordinário de paisagem homem epaisagem botânica se confunde nessebalé de gestos mágicos e inconfundí-veis hábitos, costumes, tradições eluzes de extrema beleza que brotam desuas mãos criadoras como o suor sa-crossanto de um Deus.

Descendente de pais nordestinos,carregado hereditariamente de toda essacarga cultural de suas origens, MoacirAndrade constrói inconscientementeum monumento à identidade de seupovo que sem dúvida como nós per-nambucanos, dedicamos-lhe profundaadmiração e respeito pela sua singularpersonalidade de um grande artista.

“Parabéns ao Amazonas, parabéns aoBrasil pelo filho prodigioso que tens”.

Quando o artista esteve em visita aPortugal em julho de 1969, recebeu dogrande escritor José Maria Ferreira deCastro o seguinte registro: “Suas obrassão peças valiosíssimas da iconografiabrasileira. E construídas com o materialfornecido pela sua privilegiada sensibili-dade, são hoje adquiridas pelos grandesmuseus do mundo e exigentes colecio-nadores particulares que disputam avi-damente a sua aquisição. Situado entre

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os melhores pintores contemporâneos,Moacir Andrade trans formou o seu tra-balho num veículo afetivo para divulgara continental área amazônica, com todaa plenitude de sua beleza singular, sobretudo o universo de sua inesgotável mi-tologia”.

As glórias que se acenderiam no fu-turo, iniciaram o seu brilho em de-zembro de 1938 quando o meninoMoacir Andrade era ainda aluno da-quela instituição de ensino do cursoelementar do Estado.

Por ser uma criança inteiramentededicada aos estudos fundamentais;disciplinado assíduo, estudioso, rece-beu num evento solene do diretorGeral da Instrução Pública ProfessorTemístocles Pinheiro Gadelha, atravésdo inspetor de alunos, professor JoãoCrisóstomo de Oliveira, um livro di-dático de Gramática da Língua Portu-guesa, de autoria do professor Gasparde Freitas, edição de 1933.

Hoje, considerado o Ícone da cul-tura brasileira, conquistador de inú-meros galardões, Moacir Andradecontinua como sempre foi: humilde,honesto, fiel as suas tradições de estu-dioso da Amazônia defensor intimo-rato dos direitos humanos e da nossafloresta, sobre tudo instrumento vigo-roso e permanente na defesa da sobe-rania brasileira.

3355MMooaacciirr AAnnddrraaddee –– UUmmaa LLeennddaa AAmmaazzôônniiccaa

Lenda amazônica,1975.

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Manaus, Chácara Lili, 15 de fevereirode 2008.

3366JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

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Todos estão cansados de saberque o Movimento Madrugada

resultou da inquietação de jovens inte-lectuais que ensaiavam um novo olharsobre a criação estética, poetas, ficcio-nistas, músicos e artistas plásticos, entreos que também agitaram o ambientedos estudos sociais e da vida política naAmazônia. Todos sabem também queMoacir Andrade foi um desses jovensantigos, artífice de um labor incansável,pintor com uma vasta obra distribuídaem vários lugares, galerias e coleçõesparticulares de apreciadores da Arte.Poucos sabem, no entanto, que Moacirjamais se acomodou às formas con-quistadas nas primeiras concepções desua pintura, mas, ao contrário, sempreesteve atrás de novas descobertas, novasformas, em busca de elementos nãousuais nos meios acadêmicos. Experi-mentou por vezes materiais heterodo-xos na realização de seus quadros, naconquista permanente de algo que emverdade revelasse o produto da agitaçãode seu espírito.

Impressionam os seus vastos painéise as suas grandiosas telas, mas é nas mi-niaturas, na composição de uma canoa

de japá e um remador na proa mano-brando o remo numa dobra de riotranquilo, que a sua pintura se realiza,tocando-nos mais intensamente a sen-sibilidade.

Nos tempos heróicos das conquis-tas da nova linguagem, preconizadapelos madrugadores do Café do Pina ePraça do Colégio Estadual, o pintordos papagaios de papel e dos galos debriga, da floresta e dos rios amazôni-cos, da vida do povo e das crianças,principalmente das crianças dos bair-ros de Manaus, foi Moacir Andrade oartista mais solicitado a realizar capas eilustrar livros dos escritores e poetas dogrupo, no seu modo de ser descon-traído e cordial.

Movido pelo dom da arte e do seumagnetismo pessoal, o pintor de Apa-recida, antigo bairro dos Tocos na ca-pital amazonenses, não se acomodoutambém compor a vida modorrenta daprovíncia, a cidade de Manaus tran-quila dos anos cinquenta e sessenta, esaiu virando mundo por Europa,França e Bahia, a levar a mensagem doamazônida legítimo e fazendo amigos.Houve épocas em que passou largas

temporadas por aí, ligado a universi-dades e galerias de arte, onde usufruiuo convívio de intelectuais e artistas edo povo que tem sido a fonte mais ge-nuína de suas visões criadoras. Masnunca se esqueceu da terra que lhe ser-viu de berço e onde fixou residência eplantou família, ao lado da mulher,dos filhos e hoje igualmente dos netos.Foi um dos mais expressivos coadju-vantes do espetáculo de transformaçãoda linguagem da cor no seio da socie-dade amazonense. Não satisfeito emaprender, dedicou-se à tarefa de ensi-nar em vários cursos abertos ao pú-blico infanto-juvenil e de ondesurgiram os artistas plásticos posterio-res ao Movimento.

Quatro foram os mais representati-vos cultores da Arte no Clube da Ma-drugada: Oscar Ramos, o primeiro e omais jovem, precoce em sua vocação,coerente no rigor com que realiza ageometrização das formas desde o iní-cio da construção de sua obra; AfrânioCastro, boêmio e rebelde, vida pessoaltumultuada e arrebatada tão cedo doconvívio dos seus companheiros, semter tido tempo de realizar aquilo que

todos esperavam do seu grande ta-lento; Álvaro Páscoa, um verdadeiroclássico da Arte Moderna, importantena gravura, no desenho, na escultura ena pintura, incorporado já maduro aoMovimento, originário das esplanadasportuenses ante o mar de Espinho,Portugal, mas ao chegar ao Brasil to-cado pelos ares do Grande Rio, namagia da sua paisagem e da sua gente,trabalhando a sua obra como um au-têntico amazônida; e Moacir Andrade,o autor deste livro, repositório de in-formações interessantes sobre a vidano Grande Vale, mas em primeiroplano a explosão dos desenhos empreto e branco, esse que é um instru-mento de transmissão de conhecimen-tos desde os primórdios da história dohomem.

Abramos, portanto o livro e apre-ciemos Histórias, Costumes e Tragédiasdos Barcos do Amazonas – Desenhos, oque em verdade vamos ver desenhos.Sem embargo do texto profuso, cominformação biográfica do autor e a des-crição dos temas abordados no vo-lume, são nos desenhos que a atençãose vai concentrar, as sínteses propicia-

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A arte de Moacir AndradeElson Farias

Poeta e ex-presidente da Academia Amazonense de Letras

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das pelas imagens, numa leitura mas,sugestivas que a leitura das palavras, e,por isso, mais comunicativa com o es-pírito do leitor. Surgem logo às pri-meiras páginas, o Teatro Amazonas emcontraste com uma carroça atrelada aum cavalo, uma canoa cheia de laran-jas, a catraia de um garimpeiro flu-tuando na entrada dos igarapés deManaus, canoas e casas penduradasnas ribanceiras inteiras ocupadas comos desenhos expostos em vivo movi-mento, de figuras que registram as re-lações do homem com o rio, a florestae a cidade.

No meio de Manaus são os aspectosda arquitetura, dos transportes urba-nos, os velhos bondes elétricos, o ca-peamento em paralelepípedos das ruasda cidade antiga, os coretos das praças,os chafarizes, os palacetes residenciaishereditários dos tempos áureos da bor-racha, os prédios públicos e as casasplantadas às margens dos igarapés, nadesorganização decorrente a própriaforma de como aqueles habitantes dacidade foram localizando e cons-truindo as suas moradias.

Dos elementos da cidade extintavão-se encontrar os catraieiros que comos seus barcos transportavam as pes-soas do centro para os bairros dos Edu-candos ou de São Raimundo, aslavadeiras dos igarapés, os garapeirosfluviais, os bondes, as carroças de tra-dição animal, e a cidade flutuante quese estendia entre a praia do mercadoAdolfo Lisboa e o igarapé dos Educan-dos, tudo isso que pulsa dos desenhosdeste livro, oferecendo ao leitor a opor-tunidade de fazer um passeio por esseburgo agora retido apenas em nossamemória.

Na cidade flutuante existia de tudo.Casas de comida e lojas de quinquilha-rias, salões de beleza e barbearias, ser-viços de som e quiosque de merendadistribuídos em avenidas, ruas e becosrepousados sobre toras de madeira debubuía sobre o rio Negro, com instala-ções sanitárias e lançadoras de dejetosindicativas de risco à saúde dos seusmoradores. Moacir mostra uma loja devariedades onde ele chama de super-mercado, mostra uma casa de diversãonoturna, tasca ou motel, e só não mos-

tra nem escola nem igreja, porque na-quele espaço de vivência tão aflita e detanta contradição humana, existia detudo, menos escolas ou igrejas...

Aquele pedaço de Manaus um diase acabou. Deu-se fim ao exotismo da-quele bairro que já se tornara atraçãoturística e cenário de cinema, locaçãode filmes realizados sobre a região. Acidade flutuante foi desmontada. Ascasas foram derrubadas do dia para anoite. Os moradores tirados de lánuma ação de governo boa ou má, nãocabe aqui julgar, nos primeiros atos daordem implantada após 1964. O povoda cidade flutuante subiu a terra firmee formou o bairro de São Francisco edeu início às invasões da Compensa.O que restou está nos traços do pintorapanhada neste livro. Depois vêm osnavios a vapor, os gaiolas e transatlân-ticos. Os barcos de reboques e os re-creios, as alvarengas de carga edescarga, as ubás, os barcos de pesca-dores de rede, as jangadas do rio Soli-mões transportando famílias inteiras,a bela Procissão de São Pedro queacontece todos os anos em frente à ci-

dade, festeiros e foliões do interior,enfim a vida do povo, do povão e suasalegrias.

Os bicos de pena de Moacir An-drade neste livro mostram figuras iso-ladas na maioria das imagens, canoas,motores e navios, meios de transpor-tes mais usados nos rios da Amazônia.Nas lâminas lançadas, registram-seconjuntos de casas plantadas às mar-gens dos igarapés da cidade, em SãoRaimundo e Educandos. Aí o expres-sionismo do pintor se manifesta com aforça de um talento em estado ele-mentar. Mas nelas já se podem obser-var o ordenamento conquistadograças à adoção de regras de composi-ção, a harmonia matemática e a sime-tria dos triângulos. Na intensidade deaplicação do nanquim nas páginas embranco, elementos colhidos nas técni-cas da água-forte o pintor firma o con-traste do claro-escuro que maisacentua os reflexos da luz faiscandosobre as águas.

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Incumbiu-me o consagrado amigo,pintor, poeta, historiador, folclo-

rista, e acadêmico de muitas academias,o simplório intelectual Moacir Coutode Andrade, da prazerosa tarefa defazer a apresentação desta obra, a qualdenominou de Histórias, Costumes e Tra-gédias dos Barcos do Amazonas – Dese-nhos, o seu mais recente trabalhoartístico-literário.

Mas o esplendor da obra de Moa-cir Andrade já foi apresentado em di-versas partes do globo terrestreincluindo – se o Brasil e o Mundo.Nada que esse emérito artista plásticoproduzir, seja na arte, na ciência ounas letras, necessitará de apresentação.Suas telas, livros, e desenhos já se en-contram expostos e em evidências naEuropa, Estados Unidos, e nos maisdistantes países do Oriente e do Oci-dente. O mundo conhece Moacir, por-que sua obra invadiu o mundo. O seutalento multifacetado no âmbito cul-

tural, multiforme no cenário das artes,e polivalente quando navega no ar, nosolo e no subsolo da Amazônia, fazdesse caboclo contador de estórias umpintor das mais incríveis paisagens queDeus inventou para construir a suaprópria natureza.

Esse livro de História, Costumes e Tra-gédias dos Barcos do Amazonas – Desenhosé uma epopéia das gloriosas lutas dosamazonenses desde o início de suas raí-zes. Há nele, uma riqueza tão expres-siva cultivada pelos desenhos do autor;uma beleza incapaz de ser mensuradapela expressão completa de tudoaquilo que ocorre numa região onde apátria mergulha nas águas, o patrio-tismo se agasalha no verde das flores-tas e o amor telúrico é tão imensoquanto à dimensão que reina no azulde nossos céus.

É o livro, um veículo simbólico anos permitir navegar nas correntezasdo rio Amazonas, percorrendo seus es-

tuários, conhecendo as vicissitudes deum mundo encantado e misterioso.Nas suas narrativas, o autor concede –nos a graça de conhecer a vida feliz esimples dos nossos ribeirinhos, comovive o nosso pescador, e nos leva asgrandes reflexões, quando denuncia aslamentáveis tragédias com náufragos eoutros acidentes entristecedores, denossos rios.

Não é uma viagem de rotina, dessasem que o viajante toma o barco noponto de partida e percorre uma rotaaté o seu destino final. Nessa viagem, oMoacir pára em muitas enseadas, in-terrompe o trajeto nos diversos beira-dões, muda o percurso e contempla onaufrágio do navio-gaiola Purus, detéma sua viagem, a fim de lembrar o abal-roamento do navio Humaitá, percorreo trecho do rio, onde afundaram o Ja-guaribe e o Andirá.

Aproveita o frescor da brisa da matae senta no espaço do tempo, para con-

tar estórias de mitos e lendas, enrique-cendo com sua sabedoria amazônica, ofolclore da região.

No remanso de uma saudade lí-quida o pintor rema com seu pincel denanquim e vai deixando cromos daHistória do Amazonas, em traços foto-gráficos que nos levam ao esplendor dagoma elástica, aos recantos aprazíveis,como a praia do Mercado Municipal,as Festas dos Santos nos diversos mu-nicípios amazonenses e mostra o Portode Manaus, na sua grandeza incomum.

Ao desenhar os navios dos temposáureos da borracha, o artista faz umverdadeiro retrato falado dos mesmos,colocando-lhes os nomes, datas e ou-tras características, como o nome deproprietários e tripulantes.

3399Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Apresentação de um livroGaitano Antonaccio

Presidente da Academia de Letras Ciências e Artes do Amazonas – Alcear

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Árvores sobre barranco, 2007.

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Suas obras são peças valiosíssimasda iconografia brasileira. Elabo-

radas com o material fornecido pelasua privilegiada sensibilidade, são hojeadquiridas pelos grandes museus domundo e exigentes colecionadores par-ticulares que disputam avidamente asua aquisição.

Situado entre os melhores pintorescontemporâneos, Moacir Andradetransformou o seu trabalho num veí-culo afetivo para divulgar a continen-tal área amazônica, com toda aplenitude de sua beleza singular, so-bretudo o universo de sua inesgotávelmitologia.

4411Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

O que diz o autor de “A Selva”!Ferreira de Castro

Entre-os-Rios, Portugal, julho de 1969

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4422JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

A Lenda das Amazonas, 1960.

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Não há escritor que não seufane de ter alguma vez, ou

mais de uma vez, criado novas expres-sões para a caracterização de velha rea-lidade. “Confesso esta minha vaidadepara dizer que uma dessas criações é‘trópico anfíbio’”.

Com a expressão “trópico anfíbio”,procuro caracterizar principalmente aAmazônia Brasileira: sem dúvida, amais grandiosa expressão dessa espéciede trópico. Espécie de trópico que teveem Euclides da Cunha o seu apolo-gista máximo em língua literária. São

páginas, as suas, sobre a Amazônia,que rivalizam com as que o imortaliza-ram como intérprete de paisagem egentes dos sertões.

Pois, esse o trópico o que venho cha-mando anfíbio e do qual a AmazôniaBrasileira é tão vigorosa expressão –que encontrou em Moacir Andradequem, como pintor, lhe interpretassealguns dos significativos encantos deforma e de cor. Interpretação que con-tinua a processar-se. Pois a identificaçãode Moacir Andrade com a sua e nossaAmazônia é das que vão além de tem-

pos cronológicos: necessita de ir atodos os extremos daquilo que os espe-cialistas em classificar tempos chamam“duração”. Não representa uma fase nasua arte, mas a realização continua deuma vocação quase religiosa. E como seMoacir tivesse nascido brasileiro e setornado pintor para cumprir um voto:o de interpretar a Amazônia Brasileiracomo expressão de trópico anfíbio.Como terra, como mata, como verde,como céu, com o azul e também comágua. Água amazônica. Água que vive aconfundir-se com a terra.

Um pintor assim de sua região é umpintor como que monogâmico. Fiel aum imenso e exclusivo amor amazô-nico. Teluricamente amazônico. Brasi-leiramente amazônico.

De modo que à proporção que aAmazônia se torna, como está se tor-nando, mais brasileira, Moacir é partedesse processo para o qual vem con-correndo. Pois não é só através da ciên-cia, da engenharia, da economia, dapolítica, que se nacionaliza em pro-fundidade uma região ou uma área:também através da arte.

4433Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Moacir Andrade, pintor do trópico anfíbioGilberto Freyre

Autor de Casa-Grande & Senzala

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O pintor Moacir Andrade em seuateliê, 2004.

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Antes do mais, quero distinguir,comovido, neste momento em

que celebramos, de mãos dadas a ele,os quarenta e cinco anos de perma-nente atividade criadora de MoacirAndrade, a inquebrantável coerênciacom a sua vocação artística, nele per-manentemente vinculada ao compro-misso com a vida do homem do nossoAmazonas.

O primeiro e principal compro-misso de um artista é com a própriaarte. Mas Moacir tratou sempre de co-locar o seu talento a serviço da desco-berta, interpretação transfigurada ecântico colorido da mágica realidadeda nossa floresta e do homem seu ha-bitante.

No trabalho criador de Moacir nãohá contradição entre o artista e ohomem. Afinal é o próprio ato de exis-tir que permite e ampara a criação ar-tística. Para Moacir, que reúne em suaalma generosa as melhores virtudes docaboclo, a uma constante inquietação,o seu fascínio, seu deslumbramento, éo Amazonas: raiz, seiva e sortilégio deuma vida e de suas artes.

Tão poderoso é esse fascínio, que asua realização criadora não se limita àpintura, arte que o fez famoso e res-peitado dentro e fora de sua pátria.

Além da cor, da forma, da linha eda luz, Moacir Andrade se vale tam-bém da palavra, como matéria-primade expressão artística (ele autor de vá-

rios livros de matéria antropológica,hoje indispensáveis ao conhecimentoda vida e da alma que habita e convivecom a floresta e a água) – para a divul-gação e valorização da riqueza da cul-tura amazônica. Por onde Moaciranda, pelos tantos países onde se pro-movem exposições de sua pintura, oAmazonas vai com ele: na figura dacriança grandona, na sua sabedoria, noencantamento de seus quadros. O co-ração de Moacir Andrade não é ver-melho. No seu sangue lateja a forçatorrencial das nossas águas barrentas ea das antemanhãs de esmeraldas dosgrandes lagos, ardem às cores do en-tardecer rubro do rio Negro, palpita osilêncio esplendor das nuvens alvíssi-

mas e imóveis, esculturas barrocas sol-tas na vastidão do azul. Pelas suas veiaspercorrem os brilhos de cobre e safiradas águas do cauteloso rio e as vibra-ções ardentes dos barracos e dos telha-dos de palha ao sol do meio-dia.

O coração de Moacir é, sobretudoverde. Porque é banhado por todos osverdes, os verdes de todas as cores, queos seus olhos de grande artista sabemver floresta que ele ama, porque é elaquem lhe guia a mão abençoada depintor.

4455Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Depoimento do autor do “Estatuto do Homem”Thiago de Mello

poeta; escritor, jornalista e estudioso da Amazonologia.Manaus, dezembro de 1985

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4466JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

A Lenda do Ticuna.

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“Moacir Andrade registra nas bele-zas de suas telas toda a grandeza do fa-buloso Amazonas. O Folclore, astradições mais caras, o calor humanorepresentados na movimentação deseus folguedos populares, as lendas, an-tigas memórias dos velhos casarões deazulejos portugueses, tudo isso im-pregnado de muita paz, amor e emol-durados pela sensibilidade deima gi nação de um artista que muitocedo soube se impor no cenário inte-lectual de sua Pátria”.

Jean-Paul SartreFilósofo francês, Manaus, 1962.

4477MMooaacciirr AAnnddrraaddee –– UUmmaa LLeennddaa AAmmaazzôônniiccaa

A Lenda decomo surgiu osTicuna, 1977.

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4488JJoosséé RRoobbeerrttoo GGiirrããoo ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

Natividade, 1979.

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Nestes barcos, nestes caboclossofridos, nestas mulheres ren-

deiras, nestes remos, rios e ribanceiras,em toda esta policromia de belezas in-comparáveis, estão o Amazonas com agrande alma, de Moacir Andrade.

Manoel BandeiraRio, 2 de Novembro de 1960

É uma pintura maravilhosa, quesempre me trará felicidade, pois levo-acomigo. Foi providencial a minhavinda por Manaus.

Margot FonteynManaus, 26 de junho de 1962.

Moacir Andrade submete, em dis-ciplinados espaços de arte – galos detapeçaria, cintilação de mosaicos emagia de presépios – os paroxismos deseu diluviano zoorama, feéricos épicosde fauna: peixes, leviatãs, dragões, ar-pias, perlados de fria espuma e ocela-dos de recordações oníricas, à luz deum amarelo há um tempo telúrico etranscendente, apanha assim em tensaronda a vida do grande rio e grava nos

olhos de xerimbabos abissais e desme-sura e selva, a cósmica, calada essênciada Amazônia.

João Guimarães RosaManaus, 17 de janeiro de 1967.

Moacir Andrade materializou nascores de suas obras monumentais, ocanto do uirapuru, as aparições daboiúna veleira que singra tranquila atransparência das lendas orais dos riosamazônicos.

Câmara CascudoNatal – R.G.N.

Somente um filho do Amazonasseria capaz de captar com sensibilidadeos costumes da grande planície amazô-nica com toda a vibração e originali-dade que caracteriza o povo do Norte.

Rachel de QueirozRio, dezembro de 1959.

Foi com indizível prazer que tive oprimeiro contacto com a Amazôniabrasileira, através da pintura desse

grande artista que é Moacir Andrade,cuja presença aqui neste salão em sãoPaulo somente nos honra e nos digni-fica. Seus quadros trazem para nós umretrato em corpo inteiro, cheio de múl-tiplas belezas, sobretudo o que aquelaregião tão distante têm de mais sa-grado que é a identidade de seu povo,de sua gente tão brasileira como nóstodos. Moacir como pintor é tambémum antropólogo que com a sua sensi-bilidade de um exímio pesquisador,sabe penetrar profundamente no espí-rito do povo, registrando os seus maisíntimos gestos que constroem a sua in-dividualidade.

A Amazônia, como todas as outrasregiões do Brasil, é sem duvida a maisrica e mais exuberante região cultural,cuja rede portentosa de belezas incom-paráveis encantam a cada pessoa quetem o privilégio de desfrutá-la e Moaciré um pesquisador. Cada quadro aqui ex-posto é um retrato daquele grande ma-nancial poliozônico tão festejado e tãocobiçado por outras etnias. Além de umartista excepcional, Moacir Andrade étambém um grande conferencista e umconhecedor profundo daquela extraor-

dinária parte do Brasil. Assisti a sua pa-lestra na Universidade Federal de SãoPaulo e a maneira profissional como de-senvolveu a sua fala. Homem de múlti-plos conhecimentos, principalmente doque concerne a sua região, prende osseus ouvintes com a sua inteligência pri-vilegiada, conquistando o auditório queo aplaudiu de pé.

Parabenizo a fulgurante e privile-giada inteligência desse mestre queainda muito tem a oferecera culturanacional.

Ligia Fagundes TelesSão Paulo – 1974

DEPOIMENTO DO AUTOR DE MENINO DO

ENGENHO

Moacir Andrade, com sua extraor-dinária sensibilidade de um grande ar-tista, captou um grande segredoescondido nas franjas abissais das ori-gens daquele povo extraordinaria-mente simples.

Manipulou com mestria o ritmo dainfluencia do estranho sabor que lheenriquece a inteligência o acervo privi-

4499Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Falam os imortais

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legiado de um grande artista, o patri-mônio que foi se incorporando em suabagagem de inventividade, as cenas vi-vidas durante a sua infância no inte-rior do Amazonas – baixo Solimões nomunicípio de Manacapuru, onde viveuintensamente até os seis anos de idade.

Moacir Andrade criou um estilosingularíssimo que é somente dele, ja-mais copiou algo de outros artistasseus contemporâneos; completamenteafastado dos modismos que infestamtodo o cenário das artes do Brasil; ma-nifesta em sua obra, somente as cores,as formas e todo o universo que forja aidentidade de sua gente, gente hu-milde, simples, tranquila e impregnadada paz que é o privilégio de quem des-fruta daquela continentalidade que é aAmazônia.

Moacir Andrade, figura humana fa-bulosa, é sem dúvida um dos maiorespintores que já tive a ventura de co-nhecer, nascido logo após a decadên-cia do surto econômico da borracha,internou-se com sua família no interiordaquela portentosa região, onde rece-beu as bênçãos de seus ancestrais, e ín-dios que lhe injetam a energia e o vigor

que se manifestam na grandiosidadede seus quadros.

Assisti e ouvi a sua palavra por oca-sião da inauguração de seus quadros naGaleria Bonino em Copacabana e pudeaquilatar com segurança o seu poder deconquista através da palavra. MoacirAndrade é alem de um excelente artistaplástico, um comunicador vibrante,haja vista a sua postura de um jovemagigantado, uma bela voz de barítonoque lhe enfeitam a sua comunicabili-dade. O meu amigo Assis Chateau-briand que me convidou para essamostra, já tinha me falado desse simpá-tico mestre das cores e amante apaixo-nado pelo Amazonas, sua terra natal,fato que se pode verificar nas telas queora mostra ao povo do Rio de Janeiro.

Mitos, lendas, festas populares, há-bitos, religiosidade, superstições, enfimtudo que representa a identidade da-quela área verde de muitas cores inun-dadas com muitas águas.

José Lins do RegoRio de Janeiro, 29 de agosto de 1955.

5500José Roberto Girão de Alencar (Org.)

Vaso de Flores, 1989.

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...Moacir Andrade trouxe para Re-cife, toda a Amazônia gigantesca, su-mariada nas cores de seus quadrosmaravilhosos.

Esse binômio extraordinário depaisagem – homem e paisagem – bo-tânica se confunde nesse balet de ges-tos mágicos e inconfundíveis hábitos,costumes tradições e luzes de extremabeleza que brotam de suas mãos cria-doras como o suor sacrossanto de umdeus.

Descendente de pais nordestinos,carregado hereditariamente de todaessa carga cultural de suas origens,Moacir Andrade constrói, inconscien-temente um monumento à identidadede seu povo que sem dúvida, como nóspernambucanos dedicamos-lhe pro-funda admiração e respeito pela suaobra monumental.

Parabéns ao Amazonas, parabénsBrasil pelo filho prodigioso que tem.

Ariano SuassunaRecife, 26 de julho de 1962.

2 MINUTOS EM TORNO DE UMPINTOR

Todas as vezes que procuro um ân-gulo para situar e tentar a análise in-tuitiva do pintor Moacir Couto deAndrade, baseando-me nas últimasconquistas pessoais no campo da arte aque vem dando sua milagrosa vitali-dade de homem múltiplo, de homemque vive sujeito as obrigatoriedade ti-rânicas do horário normal de trabalho,donde extrai seu pão quotidiano, eisque, a súbito convite do artista, en-contro-me cara-a-cara com uma novacolheita de motivos e técnicas atéontem alheias ao estreito alcance denossas vistas.

A tela hoje defronta, de par comessa evidência colorida que ditos tra-balhos provocam na sensibilidade afo-gueada, tolhem repentinamentequalquer julgamento crítico, deixandoprevalecer à curiosidade surpreendidaque assalta a inteligência do espectadorregional das nossas coisas simples, do

nosso folclore, afinal aproveitado porum talento que, ao invés de por a dis-cutir escolas, recolhe-se ao seu mundopitoresco, e trabalha.

Pelas inúmeras exposições do pin-tor Moacir Couto de Andrade (foi oprimeiro artista a expor em Brasília),onde a equilibrada evolução timbra-sede modo personalíssimo através dacaptação direta, vivencial, autenticamesmo, de tipos, aspectos e paisagensque seu pincel irrequieto anima à pro-porção que revaloriza, nota-se uma per-manente busca de cada vez melhorexprimir-se, embora esse revestimento,como não é comum verificar-se nospintores “de metrópole”, mantenhainalterado o conteúdo poético ou a te-mática elegida.

Exemplos deste espírito de finali-dade a si mesmo repontam em pintu-ras como “Bumba-meu-Boi”, “CasasPernaltas”, “A Dança do Tipiti”, “Fa-zedor de Remos”, “Menino das Gri-naldas”, seguindo-se- lhes outrospendentes ainda de título, e que ofe-

recem ao contemplador sugestões re-novadas de unidade estética, unidadeessa a que não se subordinam nuncasolicitações virtualísticas já de princí-pio recusadas pelo pintor. Ademais,seu atelier varia quase sempre delugar, segundo a posição em que podeser encontrado o objeto de sua livreescolha, face ao qual se instala comseu cavalete, apoderando-se logo dareação que aquele lhe provoca no ín-timo para, desse choque umbilical,dar nascimento à obra. Para ele a cria-ção artística inexiste se lhe falta qual-quer indicação, a menor que sejacomo ponto de referência concreto,ponte entre a realidade e o mito, decuja manifestação se vale para salien-tar as abstrações do artista, assim de-monstradas pelo toque mágico queestiliza e transfigura.

Entretanto, não iremos aqui repetirfórmulas, ou incursionar pela exegese.Propósito outro motivou estas linhas,que não à de apresentar Moacir Coutode Andrade no público. Muitos foram

5511Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Fala o autor do Auto da Compadecida

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já os críticos de arte que escreveramsobre ele, notadamente o paulistaJOSÉ GERALDO VIEIRA – umapena e uma vida a serviço das letras edas artes brasileiras. E que agora o pin-tor se prepara tendo em vista encetarviagem por todo o norte e sul do país,quiçá ao Exterior, oportunidade emque exporá os seus quadros à visitaçãopública, mostrando por onde passe queo Amazonas se universaliza através desua paleta. (Muito infelizmente – e emparticular no Amazonas – as iniciativasdessa monta raro encontram a reper-cussão merecida. O povo acostuma-seao aplauso fácil, e os governos em geralse nivelam a essa demonstração de maugosto, que vai gradativamente criandonos verdadeiros talentos um complexode isolamento e cujos tentáculos seagarram implacáveis, para secaremcomo “árvores estéreis”).

Não pertencendo à classe dos queaplaudem levianamente nem a dos quese utilizam de momentos efêmerospara aparecerem e me atreva a dizerque Moacir Andrade é um vencedor,carregando em suas manifestações,aquilo retraem aos áridos recantos daparábola, Moacir Couto de Andradeescolhe sempre o terceiro caminho dasviagens, a procura de ambiente, cul-tura, experiência vital. E disto que lhetem resultado a presença de elementosnovos dentro de sua esfera artesanal –que, diga-se de passagem, mantém li-

gações indissolúveis com o que ele con-serva de mais sadio de sua herança clás-sica; não aludo ao plano das criaçõesplásticas, pois Moacir Couto de An-drade começou moderno – falo no desua formação psicológica ao tempo emque a palavra modernismo (aqui naprovíncia) era sinônimo de heresia, oucoisa pior.

Lançando-se em mais este em-preendimento individual, o pintoramazonense orgulha-se de, por sua pró-pria conta, sem nenhuma ajuda supe-rior, levantar ferro com suas telas,maleta e o infalível dossiê aonde vãorecortadas e coladas, indiscriminada-mente, referências (elogiosas ou nãosoube quanto até hoje produziu. Detudo que lemos, porém, na oportuni-dade de uma devassa amigável nesselivro de recortes, pouquíssimas frasesatestaram, em meio à indecisão oramais ora menos pretensiosa de pseu-docríticos locais, um discernimento fir-mado em análise correta do artista esua obra. Abundam os ditirambos fac-ciosos. Recortam-se os juízes cujas en-trelinhas navalham sarcasmo eproposital cegueira face às possibilida-des futuras desse moço de pouco maisde trinta anos.

Mas os grandes salões de arte detodo Norte e Sul do Brasil, estarãoabertos ao pintor Moacir Couto deAndrade. A incerteza de ontem,quando para expor em São Paulo e

Brasília teve que pedir a opinião deconsideráveis números de amigos, éagora esta certeza inabalável, firme, es-pacial, que leva dentro de si. Porquesuas telas recriam nosso folclore, mos-tram nossas ruas, costumes, tristezas,necessidades – mas tristezas e necessi-dades repassadas de uma alegria semintenção dolorosa, que é a própriaalma do caboclo amazônico, sua es-tóica filosofia sem Grécia nem que-jandos.

Augurando-lhe os melhores êxitos,é em nome de todos os componentesdo Clube da Madrugada (ora em fasede ressurgimento) que saúdo o artistaMoacir Couto de Andrade.

Jorge TuficManaus, 23 de agosto de 1959.

Jornalista, escritor, poeta, historiador.“A GAZETA” 23/08/1959

DE VISAGENS E MILAGRES

Moacir Couto de Andrade é o ar-tista plástico mais viajado entre tantos,incluindo escritores e turistas, nascidono Amazonas. Pense-se em uma galeriade artes na Finlândia ou na Noruegaou na Dinamarca ou no Japão ou naInglaterra ou na Suíça ou na Austráliaou na Áustria ou na Suíça ou na Bél-gica ou na Irlanda ou na Grécia ou naFrança ou na Alemanha ou em Portu-gal ou na Califórnia ou no Equador ou

no México ou nos Estados Unidos ouno Canadá ou, é claro, no Brasil e suasprovíncias mais chistosas, e se rastearápelo menos um traço de tinta ou umpedaço de madeira talhada desse ar-tista em que seu nomadismo global foimai tocado e definitivamente marcadopela vizinhança de Manaus com os bar-rancos e barracos dos rios amazônicos.

Mas ele tem 81 nos de idade!, Secontestará entre as jovens gerações,que não precisam sair de Manaus paraser globalizadas, com a inveja própriadaqueles cuja única aventura na vidafoi plantar uma árvore, publicar umlivro medíocre e parir um filho pare-cido com o vizinho, antes de se apo-sentar e frequentar o Clube doRessentimento instalado num barzi-nho de um bairro sórdido da cidade.Foi muito jovem que Moacir Andradeousou esses vôos internacionais, bemantes dos 50. Para alimentar aindamais inveja paroquiana, ele é o artistaplástico do Amazonas, incluindo escri-tores ou artesãos fora do Amazonas.

De Jorge Amado e Rachel de Quei-roz e Dinah Silveira de Queiroz; de Vi-nicius de Moraes e Guimarães Rosas;de Ferreira de Castro e Gabriel GarciaMarques. De Manabu Mabe e Flaviode Carvalho e Sergio Bernardes aBurle Max; de Câmara Cascudo e Gil-berto Freyre a Jean-Paul Sartre, entreoutros tantos juízos, com o acréscimoda receptividade sempre simpática a

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sua obra dos principais jornais brasi-leiros e alguns estrangeiros.

Sabe-se que não é a malaria quemata o caboclo, mas a pavulagem, umdistúrbio mental que o acomete sem-pre que troca a canoa por um automó-vel, um barraco sobre um barranco porum barraco sobre o asfalto malcuidadode Manaus. O brilho dos salões nacio-nais e internacionais e os discursosilustrados tocaram muito pouco esseprofessor de desenho geométrico quese dedicou a colorir a assimetria cadavez mais confusa do espaço amazo-nense e sua gente.

Tocou nos momentos em que ocirco boêmio do Clube da Madrugada,a partir da metade dos anos 50, deci-diu mudar a sintaxe e a dedicação daexpressão amazonense, num reflexotardio das tendências do modernismobrasileiro dos anos 20 e 30 do séculopassado, Moacir Andrade surfou nessebanzeiro – uma onda tímida. Investiuno abstracionismo, sem a virulência doexpressionismo que caracterizaria umAfrânio de Castro, por exemplo, e nosurrealismo, com que pintou, esculpiu,desenhou, xilogravou, muitas das len-das amazônicas que os amazonensesnão conhecem mais.

Foram muitas as “idéias fora delugar” – como o crítico Roberto Sche-warz confronta a escritora de Machadode Assis com as de seus antecessores econtemporâneos – que compuseram o

repertório do Clube da Madrugada efoi dessas experiências que resultaramna obra de dois grandes poetas de lín-gua portuguesa do Amazonas, MaxCarpentier e Elson Farias, estes sim,bem situados no seu lugar e nas suasidéias.

A experimentação refinou o melhorde Moacir Andrade e essa é a sua me-lhor tradição, aos 81 anos de idade,ainda em efervescência em seu ateliê: otelurismo, o ludismo e o lirismo que eledescobre nas gentes dos barrancos,amontoados nos barcos dos rios, nascalçadas que já não existem mais emManaus; um documento que a pressade uma nova gente sem descanso atro-pela intoxicada de televisão e informá-tica e ações de Bolsa de Valores. Essasnovas lendas de um povo sem descanso,de um dia sem noite, em que os ho-mens desaprenderam a falar, não fre-quentam o mormaço do ateliê docaboclo que continua pintando as visa-gens e milagres do que um dia foi real.Longa vida ao homem que trabalha evive em paz com os seus fantasmas.

Aldisio FilgueirasJornalista, escritor, poeta e biógrafo.

A VISÃO DO AUTOR DE “VIDA EMORTE SEVERINA”

Gostei de ter conhecido, conver-sado e ter convolado amizade com esse

5533Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

A babá da Gracieminha, 1958.

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sertanejo nortista da Amazônia; de terobservado com atenção, respeito e ad-miração, seus quadros construídoscom o material mais caro e mais raronos nossos tempos atribulados de hojeem dia (07.07.1955). Moacir Andradenão é igual à maioria de seus colegaspintores que tenho conhecido atravésdesse mundo de Deus, nas minhas via-gens como diplomata; ele é autócto-nes, singular, único, solitário no seumundo artístico das selvas selvática; elenão imita, não rouba as idéias alheias,ele arranca das regiões abissais das suasentranhas, toda uma população de fan-tasmas que habitam o seu mundo in-terior; agasalhados como tesourosindevassáveis em sua alma de artista ge-nial, sim porque Moacir é um gênio –assim ele materializa em cores, formase conteúdo toda uma multidão deseres mitológicos que habita aquela re-gião alagada por muitas águas de queele é feito. Descendente de nordestino– seu pai Severino, filho de portugue-ses, trocou o sertão seco, esturricado,faminto do Nordeste, pelo sertãoúmido e afogado daquela incomensu-rável pátria das águas.

Por isso, ele se manifesta um Telú-rico, um amazônida impregnado detodas essas cicatrizes ancestrais de por-tugueses e índios. Moacir não pode es-capar de sua ancestralidade quemanifesta não só em seus quadros mo-numentais, mas na poesia, maneira de

falar, de se comunicar com as pessoas.Homem de cultura superior e jornalista,poeta, conferencista, contador de histó-rias (o seu humor é imaginavelmenteempático), tem o poder de logo con-quistar as pessoas. Basta dos convidadosque afluíram à sua mostra na GaleriaBonino em Copacabana patrocinadapelo enviado da Comunicação que o jor-nalista Assis Chateaubriand, condecompareceram artistas como: ManoelBandeira, Ubiratan de Lemos, Acyoli,David Nasser, Pascoal Carlos Magno,José Lins do Rego, Raquel de Queiroz,Áureo Melo, Rodrigo de Melo Francode Andrade, Paulina Kaz, além de deze-nas de convidados todos seus amigos eadmiradores. Seus quadros, depois dessamostra deverão viajar para a Europaonde certamente receberão a consagra-ção que bem merece.

João Cabral de Melo NetoRio de Janeiro, julho de 1955.

* * *

Eu era Adido Cultural da Embai-xada do Brasil em Londres, ocasião emque o pintor. Moacir Andrade realizouuma exposição de seus quadros noSalão Nobre da Embaixada, sob a res-ponsabilidade do Ministério das Rela-ções Exteriores do Brasil.

Foram 36 obras, todas elas ver-gando sobre Festas do povo, lendas,

mitos, personagens populares, comovendedores de rede, piruliteiros, ven-dedores de puxa-puxa, vendedores detartaruga daquele mesmo palco étnicoda Amazônia brasileira.

O sucesso foi total, Moacir An-drade vendeu todos o os quadros. Eufiquei com um que hoje faz parte daminha Pinacoteca aqui no Rio. Destavez, o que o pintor nos mostra, são pai-sagens de mil verdes, de uma belezamágica, impressionante, cheios de algoque nos aguça a sensibilidade. Elas pos-suem além de uma simples obra dearte, de um gosto, um mistério quenem o autor sabe explicar. Moacir setransforma no ato de pintar, de utili-zar as tintas. As paisagens que MoacirAndrade expõe nesse instante, sãojóias que transcende além da nossaimaginação, de simples mortal, ele pe-netra no mais fundo das suas regiõespsíquicas de onde retira filigranas quecom suas mãos de feiticeiro sagrado,aplica nos detalhes de cada trabalho eo resultado se vê nessas milhões de to-nalidades de verde, amarelo, azul, vio-leta, marrom, que se transformamnesse resultado maravilhoso que são assuas obras monumentais. As paisagensde Moacir Andrade são os resultadosdas suas manifestações de estado detranse, elas não representam apenasum mundo botânico, amazônico: a suaobra é composta de elementos pura-mente espirituais, onde se pode sentir

esse estado abstrato de imagens impal-páveis arrancadas desse trinômio fun-damental da Água, Terra e Floresta,onde habitam gnomos, ninfas e iarasque lhe dão vida e energia nas suas pin-turas geniais, porque Moacir Andradeé um gênio criador. Não foi necessárioque ele se deslocasse da longínquaAmazônia, para aprender a construiressa obra singular. Ele trouxe consigodas suas origens os genes de algummago ancestral que agora se manifestacomo uma luz incandescente no seutrabalho de artista extraordinário. Nãofoi gracioso o título que o artista rece-beu por ocasião de sua mostra em Parisem 1989, quando uma comissão de crí-ticos de artes o considerou “o maiorpintor de paisagem tropical domundo” Moacir Andrade conquistoua ORBE com sua inteligência privile-giada e sua obra amazônica, telurica-mente amazônica, que agora lherendeu a glória de ser um artista reco-nhecidamente único.

Antonio OlintoDiplomata, africanólogo, escritor e

crítico de artes.Rio de Janeiro, julho de 1992.

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A Lenda da Maniva, 1978.

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A Lenda do Homem que não dormia, 1982.

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A Lenda da Índia Maué, 1968.

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Roges BastideSão Paulo – Museu de Arte de São

Paulo – 1958

Fase extraordinário artista plásticoque ora nos visita, trouxe para SãoPaulo o que pode uma pessoa realizarcom os infinitos recursos de sua criati-vidade. Moacir Andrade utiliza toda asua potente inventividade para mate-rializar em suas obras monumentais asmanifestações da identidade étnica deseu povo. Percebe-se que o seu trabalhoé construído com o polimento mate-rial fornecido pelo resultado da obser-vação de um etnólogo, umantropólogo interessado em registrar oque demais autêntico se manifesta nosgestos simbólicos do seu dia-a-dia. Sãobrincadeira de Boi-bumbá, rezadeiras,catraieiras, festas de santos, macumbas,Festa do Espírito Santo, festejos de SãoSebastião de Manacapuru, Matinta-Pe-reira, lendas e uma enorme multidãode personagens da infindável mitolo-gia da Amazônia. Talvez, pelo fato deviver praticamente isolado do resto domundo numa região ainda virgem aosolhos dos pesquisadores, Moacir An-drade criou a sua própria escola, suaprópria técnica, que não se iguala a ne-nhum artista seu contemporâneo. Oque mais me impressionou nessa per-sonalidade singular, e o fato de ser,além de um pintor fabuloso, um con-ferencista dono de uma bagagem ri-

quíssima de conhecimentos de Ama-zonologia.

Moacir Andrade é além de pintor,professor de Desenho Técnico, Mate-mática, Física, Português e, o que émais importante um verdadeiro mis-sionário do humanismo, coisa muitorara nos nossos dias. Possuir o poderinigualável da empatia que só os dota-dos dessa razão da magia possuem. As-sisti à conferência que proferiu para osprofessores da Universidade Federal deSão Paulo e pude constatar o seu fa-buloso poder da comunicação com osmestres.

Tive a honra de conhecer não so-mente um artista plástico, mas umsábio, um gênio dos abissais recursosdo gênero humano.

Max CarpentierPoeta, autor de Sermão da selva,

Tiara do verde amor, Celebração da vida– missa planetária.

Membro da Academia Amazonensede Letras.

Desde que Rimbaud (quem sabetendo analisado Aristóteles) revelou acor dos vegetais, a dimensão pictóricado verso tornou-se elemento técnico derespeito na elaboração do poema. Pode-se até intuir que a coragem dos surrea-listas, de desprezar completamente aracionalidade, o anexo superficial entreos objetos, decorre da certeza de que o

simples cuidado com a iluminação doverso já assegura a possibilidade do fe-nômeno estético. A luz, falando pelascores, é tão profunda quanto à idéia, nasensibilização do espírito.

Estas considerações me ocorrem en-quanto constato, no livro dos poemasde Moacir Andrade, que o mestre dapintura utilizou como pátina, no cin-zelamento de seus poemas-portais, suaimortal experiência da cor Movimen-tos da luz, imagens recortadas, anos eanos apreendido a indizível, a febre dearco-íris da policromia, tudo irrompeagora, calafrio caboclo, na elaboraçãodesses portais de vivencia amazônicaantiga e redimida, pedra e madeira emverso, O artista encontrou, no poema,outra maneira de vivenciar o mistériodas cores, trabalhando a vertigem dainformação teórica e a busca que se ori-gina na fascinação cristã do belo.

Alma voluptuosa que sempre se en-tregou sem reservas às marcas gerais davida, o maior paisagista do mundoabre-nos agora as portas do seu mundointerior, suas paisagens de sonho e dememória, num inventário heroica-mente sentimental de tudo quantoamou e sofreu em seus dias de beleza.São portais, quer dizer, iluminuras for-tes que nos franqueiam os muros dasua cidade interior, o pátio de seus pas-sos e vozes mais secretos.

Os primeiros, Os Portais da Infância,levam-nos ao território passarinheiro

dos quintais perdidos, ao encontro depersonagens, objetos e espantos quecompõem o inabandonável universodos anos verdes. São poemas mágicos esinceros como uma história de menino,feitos com a paina dos ninhos, as crinasdo cavalo de vassoura, o barro coloridodas ruas vagabundas. São poemas leais,como leal deve ser o homem para coma súmula de sua meninez. Não se traí ocanto do primeiro pássaro, o significadoda mão do sorveteiro, o relâmpago eter-namente com panheiro que nasceu dosolhos da primeira amada. Saint-Exu-péry, que conhecia os recantos mais in-devassáveis da natureza humana, pôdeum dia dizer, com tom de vitória dequem afinal se decifrara: “sou da minhainfância”. Moacir Andrade vem no seulivro também mostrar que pertence in-delevelmente à sua infância, e isso ex-plica a vitalidade de sua compleiçãoartística, a ternura de seu relaciona-mento com a vida, a sábia inocência deseus versos livres.

Depois, abrem-se Os Portais daTerra, em que o poeta revela as cauda-losas feições da sua terra, seus víncu-los placentários com toda umaestética verde, de que se tornou em-baixador e paladino, sacerdote eídolo, construção esplêndida e como-vente que ora se fecha numa cúpulade versos. A matéria desses portais é ainumerável argila, a pernalta humildedas palafitas, a mise ricórdia peregrina

5588José Roberto Girão de Alencar (Org.)

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A Lenda da Borboleta, 1979.

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dos cardumes, os vestígios do pri-meiro instante de Deus quando criouo continente da promissão aquática.E vemos, adentrando esses portais, osbarcos dos estirões abandonados;peixe que salta para a luz como umhomem que se redime; o rosto dosbeiradões que resistem; a lágrima sub-mersa da vida ribeirinha; os ramos,asas da água; as águas asas do sonharda terra. São poemas de raiz, de caulee pássaro. A cadência dessas estrofes,que esbanjam o mistério dos talve-gues, é aquela do ritual esfuziante dapiracema em flor.

Os últimos portais do livro de Moa-cir, Os Portais das Horas, abrem-se para ocenário da contingência humano, limi-tado pela agonia da busca a pontuali-dade da dor. É o livro das cicatrizesjamais caladas, da saudade da mulherque não veio do fardo de conviver comessências somente reveladas à alma dosartistas. Então uma rua se ilumina de in-fortúnio se o seio ausente ateia luar àstrevas. Então milhares de folhas, indefi-níveis folhas, caem como chuva de espi-nhos sobre o sonho, compõem o súbito

outono que anuncia a estação da eterni-dade. É o poeta diante da totalidade dosofrimento que lhe coube absorver domundo para comungar e repartir a vida.Somente a dor pode conferir ao poemaa qualidade da transcendência. A poesiatem uma espécie de compromisso reli-gioso com o sofrimento; sobrevive comele, busco-o, interpreta-o, com a missãode transfigurá-lo e bani-lo da existênciavisível. Nesse sentido, cada dor de poetaaperfeiçoa mais a humanidade. A con-tribuição de Moacir é bem o comparti-lhar estético e sereno de fundossofrimentos, a sua parte no esforço su-pragenético de eliminação das dores domundo.

Em Moacir Andrade, o pintor ofe-receu ao poeta as cores e o talento paraa edificação desses Portais de excelentequalidade humana e intensa e coloridaforça de alma, que devemos prezarcomo o sumário de uma existência in-teiramente dedicada às fontes superio-res da beleza.

6600José Roberto Girão ddee AAlleennccaarr ((OOrrgg..))

Lago do Tarumã ànoite, 1994.

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A Lenda da Mucura, 1967.

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Cipós, 2000.

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Com cinquenta anos dedicadosà pintura e milhares de qua-

dros espalhados pelo mundo, o artistaplástico amazonense Moacir Andradeé considerado não só um dos melho-res artistas contemporâneos, mas tam-bém o maior intérprete da culturaamazônica e pintor de paisagem Tro-pical do Mundo.

Evandro LoboProfessor e Ex-vice Reitor da UFAM

Ao se entrar no ateliê do artistaMoacir Andrade é que se percebe quetudo que se tenta falar dos seus cin-quenta anos de atividade artística épouco. Abarrotado de livros, quadros,esculturas (algumas dos presentes rece-bidos do artista), documentos, cente-nas de fotografias antigas, tintas epincéis, o ateliê mostra que a dimen-são e importância de Moacir Andradepara arte, no contexto regional e mun-dial, vão além deste meio século com-pletado este ano.

Numa tentativa de demonstrar essereconhecimento foi promovido pelaSuperintendência Cultural do Amazo-

nas, dos dias 14 e 18 de janeiro, a ex-posição “O Tempo e a Arte de MoacirAndrade”, na Pinacoteca do Estado,onde foi mostrado boa parte das foto-grafias, documentos, prêmios, reporta-gens feitas sobre ele, livros e quadrosdo pintor desde o início de sua car-reira, em 1941, quando fez sua pri-meira exposição, até suas obras maisrecentes.

Entretanto, se formos levar emconta os rabiscos feitos aos nove anosde idade pelo garoto Moacir Andrade,verificaremos que na verdade já temmais de meio século que ele resolveuadotar a Amazônia como tema básicode seus trabalhos e se tornar um dosmais importantes interpretes, tradutor,ou mesmo recriador. “Nunca conseguime libertar da Amazônia, desdequando nasci”, admite. E essa paixãonatural, não se estabelece apenas dedentro para fora, com o pintor atentoà paisagem, à mitologia, o folclore e àspessoas da região. Essa relação tambémfoi demonstrada de fora para dentro,quando ele conta que nos primeirosanos de sua carreira, em decorrênciadas dificuldades financeiras, ele tinha

que produzir suas próprias tintas a par-tir de substâncias naturais, como osumo das folhas das árvores ou a partirdo barro lavado sem areia, misturandoà “goma” (farinha de tapioca diluídaem água).

Moacir Andrade hoje tem 64 anose desde a infância passada em maiorparte no município de Manacapuru,no interior do Estado do Amazonas, jáera comum vê-lo desenhar carroças,vendedores de cata-ventos, lavadeirascasas de palha, barcos de todos os tipos,o rio, a mata, enfim, tudo que faziaparte do seu pequeno universo, que setornaria maior parte da expansão deseu deslumbramento e fascínio pela re-gião. “Eu trabalho com o telurismo,com o regional, com as coisas autócto-nes”, com todo o mistério que caracte-riza a Amazônia”, resume o artista.

A dimensão desse fascínio, dessapaixão permanente pela Amazônia,pode ser observado hoje nos mais deseis mil quadros de Moacir Andradeespalhados pelo mundo todo e um re-conhecimento quase que unânime deartistas e intelectuais brasileiros e es-trangeiros.

“ARAUTO POLICRÔMICO” –Toda a obra de Moacir Andrade éfruto de suas inúmeras viagens pela re-gião. É uma espécie de síntese de suaobservação da vida amazônica. Mas,quanto à forma, Moacir não costumadefinir suar arte a define como umasimples manifestação do seu espíritocriador. “Jamais me ative à corrente ouescolas tradicionais de pintura, sejamelas, clássica, moderna, abstrata, con-creta surrealismo, impressionismo etc.”“A arte tem de ter como resultado for-mas e cores agradáveis”, diz ele, sim-plificando.

Essa simplicidade em definir seutrabalho toma, no entanto, contornosmaiores, mais entusiasmados, na vozde amigos e admiradores famosos,como a escritora Clarice Lispector, que1972 considerou profética a obra deMoacir Andrade, considerado-o tam-bém uma espécie de “arauto policrô-mico da Amazônia”. “Também outroescritor, Gabriel Garcia Marquez, deusua definição de Moacir em um artigopublicado em 1968, quando o artistaexpunha nos Estados Unidos: A obrade Moacir Andrade é um gesto largo e

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Meio século de arte amazônica

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eterno de formas e cores, uma pode-rosa energia injetada nas veias da his-tória universal – presença permanenteda Amazônia brasileira”.

Cerca de 80 museus, pinacotecaspúblicas e particulares no Brasil e noExterior dispõem, hoje, obras de Moa-cir Andrade e seus quadros estão ava-liados em torno de quatro milhões decruzeiros (aproximadamente 20 mil dó-lares). Mas toda essa “valorização” nãoparece entusiasmar muito o pintor. Elediz que a arte tem que ser usada comoveículo social, por isso que boa parte doque ganha com a venda dos quadros,ele reinveste ou “socializa”, através deprojetos culturais ou ajudando amigose parentes. No entanto, ele alimenta aesperança de chegar a ter o valor de Pi-casso, por exemplo. Não esquece tam-bém de todos aqueles que o ajudaramachegará notoriedade dentro e fora dopaís. A lista é enorme, vai desde suamãe, Dona Jovina, até figuras famosas,como o filósofo Jean-Paul Sartre. Sãopessoas que, de uma forma ou de outra,contribuíram para torná-lo conhecido.

Moacir Andrade também ostentauma relação enorme de homenagens eprêmios recebidos ao longo dessesanos de vida artística. Entre essas ho-menagens, está a que ele recebeu doCentro Internacional de Artes Visuaisda Universidade de Berna, na Suíça ea Medalha de Ouro recebida em Por-tugal, como Mérito Cultural.

Para jovens artistas que pretendemver nele um exemplo, Moacir ensinaque não basta apenas o artista procu-rar ajuda, ele mesmo tem que se aju-dar, “basta ter um lápis e papel paradesenhar, que pode ser emprestado ouaté achado no lixo”. Além desse es-forço natural, Moacir Andrade reco-menda a busca constante pelo novo,pelo original, inusitado, tanto notraço, quanto na cor.

ALEM DA IMAGEM – Se alguémse envolve com a Amazônia comoMoacir Andrade se envolveu, nãobasta apenas mostrá-la através dastelas, das gravuras e desenhos que pro-duziu durante todo esse tempo. E foiisso ele fez, não só nas palestras, con-ferências que deu em várias institui-ções, órgãos em escolas de arte domundo todo, mas também nos diver-sos artigos e livros publicados por elea respeito da cultura amazônica. Aotodo, foram 23 livros. Na sua maiorparte, são verdadeiros tratados antro-pológicos, extraídos da simples pes-quisa; sem o embasamento sociológicotípico que conhecemos, mas fiéis àabordagem que se pretendem, ou seja,dar a dimensão real da cultura dospovos amazônicos.

Ele foi buscar no caboclo, nas len-das, nos costumes, todo o conteúdo desua arte e de sua preocupação socioló-gica. Em decorrência disso, ele nãoacredita muito no “interesse” estran-

geiro pela floresta amazônica, mesmoporque, segundo ele, não vê o dinheiroeles (as fundações e outros organismosestrangeiros) estão investindo na re-gião. “Se quiserem dar dinheiro, quedêem, mas não pensem defender ouocupar a região”.

“Sou visceralmente contra isso” dizMoacir, acrescentando que a defesa eocupação da região são uma preocupa-ção secular dos próprios amazônidas.Aliás, ele tem uma tese de que a Ama-zônia só não foi totalmente ocupadadevido a três defesas naturais: o solopobre, as doenças tropicais e o clima.

Para Moacir, quando se fala de de-fesa do meio ambiente, não se devepensar só em floresta, rios, plantas eanimais. “Meio ambiente é tudo, prin-cipalmente a sua rua, sua casa. Se vocêjoga lixo na rua, cospe nos rios, poluios igarapés, está também contribuindopara poluir o meio ambiente”, ensinao pintor. Moacir foi fundador de mui-tas sociedades culturais em todo omundo. Fundou a associação para edu-cação de crianças nos Estados Unidose em Portugal a Associação Interna-cional dos Amigos de Ferreira de Cas-tro. Depois, vem a Itália, Espanha,Alemanha e muitos outros países.

A disposição para escrever tambémé grande. Já se encontra em fase de edi-ção um livro sobre “Histórias, Artes, ecostumes Desaparecidos ou a Desapa-recer”, além de um projeto sobre “Len-

das Amazônicas” e um livro sobre tea-tro com título “Sala de Audiências”.

PRÓXIMOS PASSOS: Chegar aoscinquenta anos de carreira artísticanão parece ter cansado Moacir An-drade. Ele já se prepara para mais umasérie de exposições pelo Exterior, co-meçando por Portugal, numa promo-ção da Unesco e da AssociaçãoInternacional dos Amigos de Ferreirade Castro. Depois, vem a Itália, Espa-nha, Alemanha e muitos outros paísesonde pretende deixar a sua marca.

Moacir Andrade encara o futurocomo “agora”, a cada passo que dá, acada obra que cria. Mas não se podedeixar para trás facilmente toda a con-tribuição dele para o enriquecimentodas artes na região amazônica. Quemsabe não lhe caberia um museu, aindaem vida, só para guardar aquilo que oateliê dele já não comporta mais?

6644José Roberto Girão de Alencar (Org.)

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