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Capítulo I Definição e Evolução Histórica do Direito Relação entre a História e o Direito Definir um conceito para o Direito é um ponto de incessantes debates no âmbito dessa ciência, se no passado Kant afirmava que os juristas de seu tempo procuravam uma definição para o Direito, tal situação não se alterou substancialmente com o passar do tempo, conforme se observa nas palavras do doutrinador Antonio Enrique Pérez Luño, quando enfatiza que “existem poucas questões, no âmbito dos estudos jurídicos, que hajam motivado tão amplo e, aparentemente, estéril debate como aquela que faz referência à pergunta quid ius(?), que coisa é o direito(?)"(LUÑO, 1997, p. 27). Em meio aos debates sobre essa conceituação, muitos juristas buscam uma compreensão para o direito moderno, cada um com sua respectiva posição. Para Hans Kelsen, o pai da Teoria Pura do Direito, o direito é uma ordem normativa de conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano (KELSEN, 1997, p. 6), portanto, encara-se o direito como sendo um fato, não como um valor, enquanto que o para Miguel Reale, o grande filósofo do direito brasileiro, através de sua teoria

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Captulo IDefinio e Evoluo Histrica do Direito

Relao entre a Histria e o Direito

Definir um conceito para o Direito um ponto de incessantes debates no mbito dessa cincia, se no passado Kant afirmava que os juristas de seu tempo procuravam uma definio para o Direito, tal situao no se alterou substancialmente com o passar do tempo, conforme se observa nas palavras do doutrinador Antonio Enrique Prez Luo, quando enfatiza que existem poucas questes, no mbito dos estudos jurdicos, que hajam motivado to amplo e, aparentemente, estril debate como aquela que faz referncia pergunta quid ius(?), que coisa o direito(?)"(LUO, 1997, p. 27). Em meio aos debates sobre essa conceituao, muitos juristas buscam uma compreenso para o direito moderno, cada um com sua respectiva posio. Para Hans Kelsen, o pai da Teoria Pura do Direito, o direito uma ordem normativa de conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano (KELSEN, 1997, p. 6), portanto, encara-se o direito como sendo um fato, no como um valor, enquanto que o para Miguel Reale, o grande filsofo do direito brasileiro, atravs de sua teoria tridimensional, considerava o direito a partir de trs aspectos: fato, valor e norma.Diante de tais questionamentos, surge uma espcie de paradigma de ambiguidade em relao conceituao do Direito. Para ilustrar, cabe uma das lies de um importante jurista do Direito crtico brasileiro:Quando se v uma me bater com violncia em seu filho, diz-se que isso no direito. Quando se surpreende um ladro em pleno furto, fala-se que ele est agindo contra as leis. Quando se assalta um banco, tambm se diz que no se est agindo em conformidade com o direito. Mas tambm, para muitos, a atividade bancria de emprestar a juros no considerada correta, e, para alguns outros, fundar um banco um ato de muito mais roubo do que assaltar um banco.No justo, para alguns, que um mendigo roube o po. Mas no justo, para muitos outros, que o mendigo no tenha um po. Para alguns, o direito inspirado em livros tidos como sagrados, como a Bblia. Para outros, o direito puramente tcnico, e se restringiria a um conjunto de leis emanados do Estado.Perante tantas coisas que so denominados ou no por direito, e perante tantas outras em relao s quais se atribui um carter justo ou injusto, h uma grande dificuldade para identificar aquilo que se chama, especificamente, por direito (MASCARO: 2013, p. 1).De acordo com o jurista Alysson Leandro Mascaro, a dificuldade em tal conceituao decorre da prpria tradio metodolgica utilizada para identificar o fenmeno, pois ao invs de partir-se da observao concreta, parte-se de uma ideia inicial, portanto, invertendo-se o processo. A primeira dificuldade para delimitar o conceito de Direito reside no fato de que, em geral, o Jurista quer partir de ideias abstratas e vagas e, apenas depois, encontrar uma realidade que se adapte s suas teorias. Mas o procedimento deve ser justamente o contrrio. preciso investigar fenmenos concretos e, a partir deles, alcanar uma concepo terica posterior. (MASCARO: 2013, p.1) O direito , essencialmente, um fenmeno histrico (MASCARO:2013). Para que o fenmeno Jurdico possa ser entendido necessrio o auxlio da Histria como ferramenta indispensvel. Sem a anlise do passado, as definies do Direito se tornariam vagas, o que possibilitaria uma viso errnea dos fenmenos do Direito como, por exemplo, imutveis, desconsiderando-se as diferenas das vrias sociedades, ou mesmo uma falsa crena de neutralidade de seus institutos.Partindo para uma anlise histrica, perceptvel que durante um longo perodo de tempo, chamou-se por direito aquilo que atualmente no se consideraria como tal, entendia-se por direito o que hoje consideramos religio ou at mesmo poltica. A realidade que as sociedades antigas no conseguiam distinguir o direito da religio. Por exemplo, os Dez Mandamentos bblicos, h quem os considere um monumento jurdico, bem como h os que os entendem como um conjunto de normas religiosas.De acordo com os estudos de Mascaro, o direito era muito similar a uma espcie de artesanato nas sociedades antigas, ou pr-capitalistas. O jurista se utiliza do termo artesanato, por chegar a concluso que nessas sociedades inexistia uma tcnica jurdica impessoal e universalizada, logo o Direito se aproximava mais a uma arte do que a uma tcnica.

Durante esse perodo, pr-capitalista, as solues eram dadas com base no poder, no mando e na fora. Alm disso, a soluo dada a um caso poderia ser diferente em outro caso similar, para exemplificar:

Como arte do bom e do equitativo os romanos e de certa maneira os gregos e os povos antigos compreendiam o fenmeno jurdico. De fato, o direito romano a grande expresso pretoriana de dar a cada um o que seu. E, por sua vez, a Rgua de Lesbos, a medida da justia de Aristteles, demanda uma atividade por parte do jurista que muito pouco remete a uma tecnicidade universal, normativa impessoal. O fenmeno jurdico para os antigos muito mais a equidade que a tcnica. (MASCARO: 2003, p.37)

Diante de tais apontamentos possvel entender que no passado, direito, poltica e religio, bem como outros fenmenos sociais, formavam um todo da qual no era possvel distinguir um do outro, no havia separaes entre os assuntos que deveriam ser tidos como jurdicos daqueles que eram religiosos.Nilkas Luhman, grande socilogo alemo, apresenta essa concluso quando afirma que nas sociedades arcaicas o sistema direito no possua uma diferenciao funcional em relao a outros sistemas sociais (LUHMAN: 1983), por sua vez, Alysson Mascaro contribui com tal pensamento ao exemplificar que no escravismo e no feudalismo, formaes histricas pr-capitalistas, no havia uma instncia especificamente jurdica (MASCARO: 2007). Cabe salientar, que nas sociedades mais antigas, a religio ordenava, regulava e mandava em toda a sociedade, o que no veio a mudar substancialmente com a passagem do tempo, uma vez que o rei, o senhor feudal ou o senhor de escravos desenvolviam o mesmo papel em seu respectivo perodo histrico. Por conseguinte, o poder era adquirido pela capacidade de imposio da fora sobre os subordinados, logo, em meio a essa sistemtica era desnecessria a existncia de um ordenamento jurdico nos moldes atuais, pois caso existisse, no mximo justificaria os atos daquele que estava no poder (MASCARO: 2013). No entanto, se durante muito tempo inexistia uma especificidade entre esses fenmenos sociais, torna-se necessrio esclarecer que em algum momento da histria algo deu incio a uma transformao qualitativa do direito antigo. De acordo com os estudos de Mascaro, a partir de determinadas relaes sociais e econmicas, o direito inicia um processo de transformao, tal mudana surgiu atravs do capitalismo.

Direito e Capitalismo

Para que se compreenda a relao entre direito e capitalismo necessrio recorrer a um importante jurista sovitico Evgeny Pachukanis. A partir do Pensamento de Karl Marx, Pachukanis identificou a forma jurdica forma mercantil. Atravs de uma anlise dos fundamentos da sociedade capitalista, ele oferece a ideia de que toda vez que se estabelece uma economia de circulao mercantil na qual tanto os bens como as pessoas so trocveis, uma srie de ferramentas jurdicas precisa ser construda em apoio a essa economia mercantil (PASHUKANIS: 1989).Caracterizado pelo comrcio, a explorao do trabalho mediante salrio, a mercantilizaro das relaes sociais, etc, o capitalismo abriu margem para que o direito fosse identificado como uma esfera social especfica, tcnica, independente da vontade ocasional das partes, em consequncia Mascaro afirma o capitalismo d especificidade ao direito (MASCARO:2007, p13). Cabe exemplificar, para que algum compre e algum venda, preciso que exista a liberdade de contratar, para que haja a liberdade de contratar, os contratantes tem que ser sujeitos de direito, por sua vez os sujeitos de direito tem que possuir direitos e deveres e, por fim, h a necessidade de um terceiro, o Estado, para executar os contratos no cumpridos e garanta a propriedade privada das partes.H correntes contrrias ao pensamento citado, por exemplo, o jurista austraco Hans Kelsen, segundo seu entendimento, o direito tem de parecer um fenmeno universal, sendo que sua universalidade no poderia ser visualizada por seu contedo, mas antes por sua forma, vale mencionar, como ordem uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana ligando conduta oposta um ato de coero socialmente organizado (KELSEN, 2006, p. 71). A universalidade da forma jurdica defendida por Kelsen se ope ao entendimento que ser base do presente trabalho, pois o direito um fenmeno intrnseco ao modo de produo capitalista, devido a sua ligao com a garantia das relaes mercantis. De acordo com Pachukanis a forma jurdica se acopla forma mercantil e essa juno que delimita a coero poltica da norma estatal. (...)uma sociedade que coagida, pelo Estado das suas foras produtivas, a manter uma relao de equivalncia entre o dispndio de trabalho e a remunerao sob uma forma que lembra, mesmo de longe, a troca de valores-mercadorias, ser coagida igualmente a manter a forma jurdica. (PACHUKANIS, 1988, p. 28-29) Para ilutrar, cabe uma das lies de Alysson Leandro Mascaro:Para chegar a este elemento universal que identificaria o direito, muitos autores como o austraco Hans Kelsen, apontaram a norma jurdica, emanada do Estado, como a constituinte fundamental do direito, a ser analisada por uma cincia do direito. A norma jurdica, para o jurista, seria tal qual o tomo para o qumico. Sem dizer se as normas so boas ou ruins, sem fazer juzo de valor, disseram esses juristas que a cincia do direito, cientificamente, se resumiria apenas nisso. Essa concepo, por mais que tenha angariado muitos adeptos, , no entanto, altamente problemtica.Dizer que todo direito resumido apenas a normas estatais e que a cincia do direito deve se voltar apenas a elas um entendimento frgil e errneo por vrias razes. Em primeiro lugar, porque a especificidade do fenmeno do Estado no serve a qualquer organizao social da histria. Se quissssemos chamar por Estado tanto o Imprio Romano quanto as organizaes polticas institucionalizadas da atualidade estaramos incidindo num grave erro. O Estado , fundamentalmente, um fenmeno moderno. Assim sendo, a cincia do direito, ao identificar o direito s normas do Estado, no consegue ser uma cincia eterna sobre o direito. No mnimo ser preciso situar historicamente o objeto de estudo.E, ainda assim, num tempo especfico, que o moderno e contemporneo, no pacfica a identificao do direito apenas com a norma estatal. Imediatamente, por exemplo, h inmeras normas seguidas pela sociedade atual que no so emanadas pelo Estado, e que impem condutas tal qual o direito estatal, dado o grau de sua coeso nas estruturas de reproduo social. H determinadas instncias ideolgicas que determinam o direito e esto fora das normas jurdicas. Mais que isso, dentro do territrio soberano do Estado, pode haver grupos que no reconheam as normas do prprio Estado. No Brasil, costuma-se falar que h normas que no pegam. Ento, se no pegam, a prpria sociedade cria outras normas que no so necessariamente estatais? Para dar conta de tantas situaes extranormativas, uma teoria que queira apenas definir o direito como um conjunto de normas estatais talvez no consiga chegar a um resultado universal, que possa dar conta de explicar, fora da histria e da especificidade das relaes sociais concretas, os fenmenos que costumamos identificar por direito. (MASCARO, 2013, p. 33)Por conseguinte, entende-se que o capitalismo inaugura um mundo de instituies que sustenta uma certa prtica concreta de explorao. Os homens exploram o trabalho de outros homens e o produto desse trabalho explorado se torna mercadoria, o fruto desse trabalho, ou seja, a mercadoria tem grande importncia, pois ao ser transacionada, pois gera lucros, no entanto, para que haja segurana entre ambas as partes envolvidas, h a necessidade de contratos. Estes so garantidos pelo direito, visto como um instncia neutra e assim, produto necessrio do sistema de relaes mercantis.Logo, o direito moderno em sua forma plena resultado direto das relaes especficas do capitalismo, bem como os conceitos fundamentais do direito moderno, ou seja Contrato e Sujeito de Direito (PASHUKANIS: 1988), so vises de mundo especficas de uma classe social elevada a uma condio de universalidade.

Estado e Direito

Para que se assimile o sentido de Estado, segundo o Evgeny Pachukanis, necessrio compreender que o capitalismo o sistema de explorao em que h a mediao de um terceiro que, ao menos na aparncia, deve se apresentar como neutro (PASHUKANIS: 1989). De acordo com Marcio Bilharinho Naves, tal fato se d porque:A dominao de classe na sociedade burguesa no se apresenta de forma direta e imediata como nas sociedades pr-capitalistas , exigindo, ao contrrio, um aparelho que se apresenta como poder impessoal que no funciona a servio dos interesses privados de uma classe, mas que se pe como autoridade pblica, distante e acima das classes, ou melhor ainda, estranha a elas. Ora o carter pblico do Estado s pode se constituir em uma sociedade organizada sob o princpio da troca por equivalente, que pressupe como condio necessria da circulao a presena de sujeitos proprietrios que se relacionam de modo voluntrio e livre, sem q presena de uma autoridade coatora externa. O operrio no coagido a vender a sua fora de trabalho para o capitalista, ele o faz por livre deliberao de sua vontade, por meio de um contrato.. (NAVES: 2000, p.79-80). Portanto, no Estado capitalista, a dominao se d de forma diferenciada em relao a outros modos de produo, existe uma estrutura social baseada na explorao de uma classe social sobre outra, no entanto, h a particularidade de tal explorao acontecer de forma indireta. Naves, grande filsofo do direito brasileiro, esclarece:O Estado pode se apresentar, assim, com vontade geral abstrata que se limita a garantir a ordem pblica e velar pela observncia das normas jurdicas, o que exclui o exerccio da coero estatal como sujeio de uma parte da sociedade por outra: A coero, enquanto prescrio de uma pessoa dirigida a outra, e sustentada pela fora, contradiz a premissa fundamental da relao entre possuidores de mercadorias. Por isso, em uma sociedade de possuidores de mercadorias, e dentro dos limites do ato de troca, a funo de coero no pode aparecer como funo social abstrata nem impessoal. A subordinao de um homem enquanto tal, como um indivduo concreto, significa para uma sociedade de produo de mercadorias a subordinao ao arbtrio, porque isso significa a subordinao de um possuidor de mercadorias a outro. Por isso, a coero no pode aparecer aqui em sua forma no mascarada, como um simples ato de convenincia. Ela deve aparecer como coero proveniente de uma pessoa abstrata e geral, como coero exercida no no interesse do indivduo da qual provm j que na sociedade mercantil todo homem um homem egosta , mas no interesse de todos os participantes das relaes jurdicas. O poder de um homem sobre outro homem exercido como o poder do prprio direito, isto , como poder de uma norma objetiva e imparcial. (NAVES: 2000, p.81).Diante do exposto, possvel compreender que o Estado moderno resultado das condies objetivas intauradas a partir do surgimento do capitalismo e destas dependente. Do mesmo modo, o direito na sua acepo moderna ao mesmo tempo criao e condio para as relaes mercantis.

Manifestaes do Direito na Histria

Em meio aos seus estudos, Nilkas Luhmann esclarece que assim como a sociedade, o direito tambm passou pelo processo de diferenciao funcional, diante disso, classifica trs grandes grupos de manifestaes do direito ao longo da histria (LUHMANN: 1983). De acordo com o socilogo, o direito pode ser dividido em direito arcaico, caracterstico dos povos sem escrita, o direito antigo, oriundo das primeiras civilizaes urbanas e o direito moderno que teria surgido aps s Revolues Francesa e Americana.

Direito Arcaico

De acordo com Antnio Carlos Wolkmer, importante terico do direito brasileiro, toda cultura possui um aspecto normativo, que engloba os padres, regras e valores que caracterizam modelos de conduta.(...)cada povo e cada organizao social dispe de um sistema jurdico que traduz a especialidade de um grau de evoluo e complexidade. Falar, portanto, de um direito arcaico ou primitivo implica ter presente no s uma diferenciao da pr-histria e da histria do direito, como, sobretudo, nos horizontes de diversas civilizaes, precisar o surgimento dos primeiros textos jurdicos com o aparecimento da escrita. (WOLKMER: 2006, p.16)Por conseguinte, torna-se possvel afirmar ainda que direito arcaico pode ser interpretado atravs da compreenso do tipo de sociedade que o gerou (WOLKMER:2006). Se a sociedade pr-histrica se fundamenta no princpio do parentesco, nada mais natural do que considerar que a base geradora do jurdico encontra-se primeiramente, nos laos de consanginidade, nas prticas de convvio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenas e tradies(LUHMANN:1983).Apesar da clebra frase de Ulpiano, ubi homo ibi societas, ibi jus; ubi homo, ibi jus, que em seu sentido bsico expressa a ideia de que o direito existe onde existe o homem, uma tarefa extremamente rdua pesquisar sobre o direito arcaico, uma vez que no h registros escritos do perodo histrico correspondente. Diante disso, as pesquisas sobre a Histria do Direito voltam seus estudos para a evoluo ou trajetria histrica das formas jurdicas a partir das sociedades antigas, uma vez que estas j eram possuiam a escrita e um determinado grau de desenvolvimento.Portanto, ainda h muito a ser conhecido acerca das expresses e formas jurdicas das sociedades anteriores a escrita. Wolkmer elucida respeito:No s subsiste um certo mistrio, como falta uma explicao cientificamente correta e respostas conclusivas acerta das origens de grande parte das instituies jurdicas no perodo pr -histrico. Entretanto, ainda que prevalea uma consensualidade sobre o fato de que os primeiros textos jurdicos estejam associados ao aparecimento da escrita, no se pode considerar a presena de um direito entre povos que possuam formas de organizao social e poltica primitivas sem o conhecimento da escrita. Autores como John Gilissen questionam a prpria expresso direitoprimitivo, aludindo que o termo direito arcaico tem um alcance mais abrangente para contemplar mltiplas sociedades que passaram por uma evoluo social, poltica e jurdica bem avanada, mas que no chegaram a dominar a tcnica da escrita. Assim sendo, as inmeras investigaes cientficas tm apurado que as prticas legais de sociedades sem escrita assumem caractersticas, por vezes, primitivas, por outras, expressam um certo nvel de desenvolvimento.(WOLKMER: 2006, p.16-17)Em face do exposto, perceptvel que o direito arcaico no se enquadrava como um elemento possvel de ser identificado de forma isolada em relao as demais manifestaes sociais do perodo, no entanto visvel a existncia de um sistema de normas de conduta.

Direito Antigo

Para a correta compreenso do direito antigo necessrio partir da transio do direito arcaico para este. Segundo Antnio Carlos Wolkmer, trs fatores histricos determinam a transio da primeira manifestao do direito para a segunda, no caso o direito antigo (WOLKMER: 2006).De acordo com o terico brasileiro, o pontap inicial o surgimento das cidades, fato que primeiramente ocorre na regio da Mesopotmia, posteriormente, o segundo fato que colabora para essa transio a inveno da escrita, marco extremamente importante para a Histria como um todo, uma vez que passou-se a preservar a memria e a identidade dos povos urbanos, bem como facilitou o trabalho dos pesquisadores do porvir.O terceiro fator a colaborar com a transio do direito arcaico para o antigo a o surgimento do comrcio e da moeda metlica, atravs de um sistema de trocas de mercadorias e venda por meio dos mercados ou nas navegaes, sendo, pois, elementos fundamentais na formao e consolidao desses povos.Segundo o importante doutrinador brasileiro, Cristiano da Paixo Arajo Pinto, a sntese entre esse fatores, no caso, as cidades, a escrita e o comrcio, representou:(...)a derrocada de uma sociedade fechada, organizada em tribos ou cls, com pouca diferenciao de papis sociais e fortemente influenciada, no plano das mentalidades, por aspectos msticos ou religiosos. H, nestas sociedades arcaicas, um direito ainda incipiente, bastante concreto, cognoscvel apenas pelo costume e que se confunde com a prpria religio (PINTO: 2001, p. 36-37).Com esse direito consuetudinrio, baseado na religio, aos poucos se construiu uma nova sociedade, dessa vez, no entanto, urbana, complexa e dinmica, demandando consequentemente um novo tipo de direito. Esse novo direito teria como funo principal, garantir estabilidade s relaes contratuais que estavam surgindo dada a ascenso do comrcio para alm dos circulos familiares. A arbitrariedade dos governantes ou dos contraentes era um obstculo ao desenvolvimento dessas novas relaes sociais, logo a vigncia de normas e a interveno de um terceiro que garantisse o cumprimento dos acordos um elementos essencial para o desenvolvimento das novas formas de intereo entre os homens o que, posteriormente veio a propiciar as bases de uma ordem capitalista.

Direito moderno

Partindo-se para a analse do direito a partir da histria, possvel observar que vrios fenmenos que foram chamados por direito nos mais diversos perodos histricos trazem grandes distines entre si. O Direito Romano, por exemplo, que entre os antigos surge como o mais destacado ao ponte de ser considerado base jurdica fundamental, na verdade um direito bem diferente do atual, orientado por um Estado bem diferente dos Estados modernos, onde a fora impera sobre a lei (MASCARO: 2007). O sistema feudal tem, por sua vez, instituies sociais bem diferentes da atualidade, a ponto de existir incompatibilidade com a modernidade, que, alis, precisou desmontar a estrutura feudal para se erguer como sistema hegemnico j que esta, fudamentada na dominao direta dos senhores sobre os servos, prescinde de intrumentalizao jurdicoracional (MASCARO: 2003).A superarao do feudalismo se d atravs do surgimento uma nova racionalidade, cabendo ressaltar o papel da burguesia nesse processo. Esta classe social que se origina em meio a sociedade feudal, rebela-se a partir dos processo sociais que agem como incentivos a um novo ciclo de formao e expanso das relaes comerciais e mercantis.O advento da modernidade est marcado justamente pela valorizao dessa nova razo. Aliando-se as demais camadas oprimidas e insatisfeitas, a burguesia no mais se sustentar inerte aos privilgios dados a nobreza, exigindo os direitos fundamentais, como a liberdade, a igualdade, o termino do absolutismo e a submisso das autoridade do Estado s normas do direito, surge, consequentemente, o princpio da legalidade e a construo do direito enquanto norma jurdica.Diante desse contexto, elucida Alysson Leandro Mascaro:O sistema feudal, em todas as suas instncias, um sistema de injustias e exploraes, um sistema de desigualdade. O capitalismo altera esse quadro: ao abrir uma instncia nova, estatal, poltica e jurdica, abre a mais imediatamente visivel das instncias das relaes sociais, e , ao contrrio das relaes econmicas que so seu sustentculo, manda que a poltica e o direito falem a linguagem da igualdade. Esta linguagem nova faz com que a resistncia esmorea, e a lingua do descompasso e da injustia social seja jogada fora do mbito comum da poltica e do direito.(MASCARO:2003). Portanto, o sistema feudal, marcado pelo ideal de que a desigualdade entre os homens era algo necessrio e natural, exemplificado com, por exemplo, o pensamento de que o fato se ter nascido servo era parte da vontade de Deus, substitudo pelo capitalismo, que em si traz mais desigualdades que o sistema anterior, mas apresenta um discurso da igualdade de todos para encobrir a desigualdade resultante do processo.Atravs dos grandes marcos histricos da Revoluo Francesa e da Independncia Americana, a burguesia consegiu de forma rdua ascender , bem como conquistar a consolidao de uma organizao social, econmica e poltica baseada seus princpios liberais, valores predominantes at a atualidade.Em meio a esse contexto histrico de revolues surgem as primeiras constituies escritas, bem como as Declaraes de Direitos. Os direitos humanos fundamentais, antes inspirados na filosofia do direito natural religioso e depois no jusnaturalismo racional, tornam-se direitos constitucionais positivados, sua legitimidade vir atravs da criao de leis pelo parlamento, de normas jurdicas, dos meios institucionais de garantia da liberdade,da formalizao dos seus contedos (WOLKMER: 2003).Cabe salientar, no entanto, que desde as Revolues liberais at a atualidade, a interpretao desse novo direito ser dada pela burguesia, passando a mesma a defender direitos que de alguma maneira favorecessem s suas necessidades e protegessem os seus interesses econmicos, tendo como exemplo claro, o direito liberdade individual, traduzido na capacidade de contratar livremente, de mobilizar seus bens e patrimnio sem a interveno do poder pblico estatal.Captulo IIA sociedade burguesa e o novo direito

Direito e as Relaes Mercantis

O novo direito, como regime de plena legalidade em que h a vitria do governo de leis sobre a vontade dos homens, surge a partir da necessidade de circulao de mercadorias, ou seja, do mercado. O capitalismo, o novo sistema vigente, medida que representa a vitria das novas formas econmicas sobre as relaes feudais, substitui a vontade arbitrria dos grandes senhores, pelo imprio das leis, no entanto, por trs dessas leis existem homens e no mais o divino como nas experincias da antiguidade (MASCARO:2003).

Como principal interessada na garantia da circulao de mercadorias, da propriedade privada e do cumprimento dos contratos, a burguesia precisou se esforar na construo de uma nova estrutura de instituies para fundamentar as novas relaes sociais, a arcaica estrutura feudal, por exemplo, teve que ser desconstruda para uma nova composio fosse formada.

Em meio ao difcil e longo processo de transio, medidas como o estabelecimento de governos centralizados, unificao de territrios e, principalmente, subordinao lei, foram extremamente necessrias para concretizao da empreitada. Alm das medidas tomadas no perodo, outros fatores tambm foram cruciais para as mudanas, como, por exemplo, a redefinio da noo de liberdade, o ressurgimento das cidades, a desdemonizao do lucro, bem como o reaparecimento do dinheiro como fonte de riqueza, entre outros.

Cabe destacar o pensamento do escritor norte-americano Leo Huberman, segundo o qual, o direito burgus surgiu atravs na necessidade de circulao de mercadorias, foi imposto a partir da luta poltica, ou seja, das aes com intuito de conquistar o poder, passando pela luta por maior segurana e regulamentao impessoal at chegar a conquista do poder estatal (HUBERMAN: 1986).

Estado moderno e legalidade

Em meio as necessidades burguesas de, por exemplo, unificar territrios feudais para a criao de mercados consumidores, surge o Estado moderno. Dentro de tal instituio, havia uma clara tentativa burguesa de que na instncia da transao, ou seja, nas relaes mercantis, houvesse pelo menos uma aparncia de igualdade diante da lei.

No incio da Idade Moderna, com o Absolutismo, o Estado era dominado pela nobreza e pelo monarca de modo incontrastvel. Esse primeiro momento do capitalismo, embora o Estado j funcionasse como garantidor dos contratos, porque j se impunha como poder soberano, no buscava ainda respeitar e executar todas as regras contratuais burguesas, mas fundamentalmente, garantir privilgios para a nobreza, que ento se opunha aos burgueses. Por isso as revolues burguesas, como a Revoluo Francesa, lutaram pelo fim do Absolutismo, para, em seu lugar, declarar os direitos iguais a todos, ele no mais privilegiaria os nobres e, a partir da, tratando igualmente a todos, estaria na prtica privilegiando a burguesia, porque todos estariam igualmente obrigados a respeitar os contratos e um horizonte econmico, cultural, poltico de uma classe dominante. (MASCARO: 2008, p. 22)

Ainda, para ilustrar, cabe uma lio do importante jurista do direito crtico brasileiro:

O surgimento do Estado moderno, e seu fortalecimento, at chegar s formas polticas absolutistas, ao mesmo tempo a condio necessria para a ascenso burguesa e seu obstculo fundamental. Sem a unificao territorial em Estados nacionais, o espao para o comrcio estaria tolhido pelas estruturas feudais. Com o Estado, o esforo poltico-econmico, mais ainda, passa a estar ligado s burguesias nacionais na acumulao de capitais. (MASCARO: 2003, p. 27)

Portanto, o absolutismo desenvolve um papel ambguo em relao burguesia, uma vez que, ao mesmo tempo que uma condio para o crescimento burgus tambm um empecilho. A forma poltica encontrada no absolutismo se baseia em uma estrutura social que impede a igualdade formal e, em consequncia, a liberdade negocial burguesa.

No entanto, ainda que a relao da burguesia com o absolutismo no fosse a mais harmoniosa, para houvesse a reproduo capitalista, a burguesia necessitava de acordos e pactos com o Estado absolutista vigente, logo na dependncia instvel da poltica se assentariam as bases de uma reproduo que ainda no autnoma (MASCARO: 2003, p. 27).

Ainda que a passagem de poder das mos do absolutismo para a burguesia tenha acontecido em um longo perodo de tempo, a consolidao do domnio burgus necessitou do uso da fora (LUHMANN: 1983), o exemplo claro de tal afirmao foi a Revoluo Francesa.

Direito Moderno e a Poltica

Com a vitria das revolues movidas pela burguesia, houve a conquista de certa estabilidade das relaes mercantis, pois foi afastada a imprevisibilidade que a simples alterao de humor de um dos poderosos do absolutismo poderia acarretar. Ao contrrio do Absolutismo, imps-se uma legalidade que limita a poltica, consequentemente foi possvel a limitao dos governantes do Estado sobre seus interesses pessoais.Apesar dos benefcios trazidos pelas revolues burguesas, como, por exemplo, a aparente igualdade que passou a existir entre todos, necessrio salientar que os maiores privilgios ficaram para a burguesia. Segundo Leo Huberman, liberdade, igualdade, fraternidade foi uma frase popular gritada por todos os revolucionrios, mas que coube principalmente burguesia desfrutar (HUBERMAN: 1983), ou seja, na Revoluo Francesa, bem como em outras revolues, foi com a burguesia que ficou o poder poltico.Entre os vrios fatos histricos do perodo, importante destacar a asceno poltica de Napoleo Bonaparte na Frana, atravs dele e de sua fora militar, um importante objetivo da burguesia foi alcanado de forma mais clara, com sua fora Militar, Bonaparte desenvolveu a submisso legalidade de maneira mais contundente.A codificao napolenica mais um importante passo para a burguesia, uma vez que havia, de fato, uma regulamentao dos interesses da nova classe dominante, no somente regulamentao, mas atravs de uma anlise do Cdigo Civil Napolenico, torna-se claro que tal documento tinha, entre vrios outros objetivos, proteger a propriedade burguesa.De acordo com Leo Huberman, o cdigo napolenico foi feito pela burguesia para a burguesia, feito pelos donos da propriedade para a proteo da propriedade (HUBERMAN: 1986, p.138). Tal documento possua 2.000 artigos, desta quantidade citada, 800 artigos regulamentavam a propriedade privada, restando apenas 7 artigos para regulamentar o direito trabalhista.

O Cdigo Civil Napolenico no legitimava a formao de sindicatos, bem como proibia as greves, no entanto, havia a permisso de associaes de empregadores. Vale destacar ainda, a previso de que em caso de disputa judicial sobre salrios, o depoimento do patro em considerao, no se levando em conta o relato do empregado.

Por meio de suas marchas vitoriosas, Napoleo levava consigo o mercado livre e os princpios elencados em seu Cdigo. As conquistas do exrcito napolenico enfraqueceram por completo o domnio do sistema feudal em toda a Europa, o que por consequncia acarretou a conquista burguesa do direito de comprar e vender, como, quando e onde quisesse.Nas regies conquistadas por Napoleo, a servido foi abolida, as obrigaes e pagamentos feudais foram eliminados e o direito dos camponeses proprietrios e dos comerciantes de desenvolver suas relaes mercantis estabelecida sem antigas restries, regulamentos ou contenes.Diante de tal contexto histrico, o projeto burgus se consolida e se e espalha pelas regies anexadas ao imprio napolenico. Cabe destacar que a regio dominada pelo imperador francs se estendia por quase toda poro continental da Europa, uma vez que a ilha que atualmente compreende o Reino Unido no pde ser conquistada por Napoleo Bonaparte em funo das dificuldades geogrficas, no caso, o mar dificultava a empreitada.O interessante resultado relacionado a esse fato histrico que a no influncia do cdigo napolenico acarretou diferenas entre os sistemas de direito dos pases europeus, diferenas essas que seguem at a atualidade. O sistema de direito conhecido como civil law, que se fundamenta nas normas escritas e codificadas, o sistema em vigor nos pases que estiveram sob o domnio de Napoleo, bem como nas respectivas ex-colnias, como, por exemplo, na Amrica Latina, incluindo o Brasil.No entanto, na ilha chamada Gr-Bretanha que no foi dominada por Bonaparte, as contradies entre a burguesia e a nobreza foram conformadas a partir de um outro processo, logo seu direito e de suas ex-colnias consequentemente diferenciado. Na Inglaterra, bem como em ex-colnias como nos Estados Unidos, vigora o sistema de direito chamado common law que se caracteriza por uma nfase a anlise jurisprudencial do que lei escrita. Entre as vrias caractersticas apresentadas pelo direito moderno, a principal ligada a poltica a condio de limitao imposta a esta. A partir do direito moderno e do respeito s regras escritas que o acompanham, garantiu-se a liberdade de propriedade e dos meios de produo e circulao mercantil atravs da delimitao das possibilidades do fazer e do no fazer dos governantes.

Direito: de Arte a Tcnica

No passado, no havia, em si, uma tcnica jurdica, no sentido de alcanar a impessoalidade ou a universalidade, o direito se desenvolvia como uma espcie de ao ocasional, uma vez que as solues dadas em um determinado caso poderiam variar em funo, por exemplo, do poder ou fora de uma das partes, bem como a deciso proferida poderia no se repetir em um caso parecido (MASCARO: 2006).Diante de tal contexto, o jurista Alysson Leandro Mascaro chega a afirmar que na antiguidade, o direito se assemelhava a uma arte, pois, ao contrrio do direito moderno, se buscava a interpretar em cada situao o que era o bom e o justo (MASCARO:2006).Em meio as suas lies sobre a fenomenologia do direito, o jurista brasileiro, Jeannette Antonios Maman afirma:Na Grcia, em Roma, na Europa em geral at o incio dos tempos modernos, o direito no tratado como coisa, mas como predicado, vale dizer, como justia ou qualidade dos entes justos (...) a noo de direito pouco sentida nos dias de hoje. (MAMAN: 2000, p. 193)

Ainda, para ilustrar, Alysson Leandro Mascaro esclarece:

(...) no mundo pr-capitalista o jurista era uma espcie e arteso do direito. No havia uma tcnica jurdica impessoal e universalizada que correspondesse a uma atividade mercantil tambm impessoal e universalizada. Se no passado, ento, no se fazia diferena entre arte jurdica e tcnica jurdica, no mundo capitalista tal indistino cai por terra. O direito no mais o artesanato da justeza nas coisas e nas situaes e nas atitudes das pessoas. Agora o direito um elemento mecnico, estrutural, tcnico, que por sua vez reflete a prpria mecanicidade das relaes capitalistas. Da que por jurdicos no se chamaro mais os fatos, as coisas e as situaes concretas, e sim as normas e procedimentos que, imparciais e mecnicos, servem de sustentculo circulao mercantil e explorao capitalista do trabalho. Tais tcnicas, pelas quais imediatamente o jurista costuma identificar o direito, so a face imediata constituda pelas formas sociais. (MASCARO: 2006, p. 7)Portanto, enquanto que com o advento do capitalismo e da modernidade, o direito ligado a tcnica de elaborao e interpretao de um sistema de leis, o direito antigo se focava em uma busca a equidade e a noo de justia, seguindo o contexto social do lugar e da poca.Cabe destacar uma interessante caracterstica do direito antigo, diante de uma concepo de que a desigualdade social se justificava por uma determinao da vontade divina, havia um verdadeiro privilgio na concentrao de bens nas mos de alguns em detrimento da falta nas mos de outros.Um claro exemplo de tal situao, se encontra no sistema feudal, o fato de algum ter nascido em uma famlia de nobres, permitia que o mesmo por direito tivesse toda uma concentrao de bens em seu poder, enquanto que o filho de camponeses no poderia, j que est era a vontade divina. Logo, a magia, fortuna (sorte) e direito dividiam a proximidade com deuses e ideologia (MASCARO: 2003).Diferentemente a subjetividade reinante em perodos anteriores, o direito moderno traz uma objetividade ao ser entendido como um conjunto de normas positivadas. Atravs da formao da sociedade burguesa, o direito se torna algo tcnico, consequentemente, se aproxima das cincias naturais.O principal resultado da aproximao com tais cincias a relao causa-efeito que passa a se instaurar, logo maior objetividade nas decises, se na antiguidade as decises eram tomadas de forma artesanal, ou seja, para cada caso uma soluo arbitrria, no direito moderno a ideia de que para o crime X haver a pena Y.Importante mencionar, que diante desse arcabouo, a teoria pura do direito de Hans Kelsen toma formas e ganha seu espao, uma vez que, no momento que se comea a elevar a tecnicidade do direito, surge uma confuso entre o direito e as leis positivadas do Estado. Direito Moderno e a Estabilidade Jurdica

Atravs de princpios como o da previsibilidade jurdica, o direito moderno busca a estabilidade com seus conceitos de segurana jurdica, afastando-se portanto das inseguranas jurdicas tpicas do direito antigo.Se em um primeiro momento, principalmente durante sua ascenso, a burguesia se utilizou do direito natural, seguindo o princpio de que todos os homens nascem iguais e no podem ser oprimidos por outro (WOLKMER: 2006), aps a consolidao da vitria burguesa, o positivismo adotado como meio pelo qual se pode extrair a ideia de que no h direito fora da norma escrita.Logo, atravs do domnio burgus sobre o Estado esse se converte em jurdico e o direito torna-se cincia do Estado (MASCARO: 2003). Ao instaurar a instncia jurdica, a sociedade burguesa alcana algo inimaginvel em perodos anteriores, consegue romper sua dependncia com a poltica, bem como submeter a mesma as suas vontades.Ao restringir o direito a limites formais, a burguesia consegue fazer com que a poltica siga a programao oriunda desse novo direito. Tal situao traz de fato a estabilidade jurdica, pois, caso houvessem mudanas, as mesmas seguiriam regras pr-estabelecidas, passando a no mais existir a imprevisibilidade do passado.

Sujeito de direito

Se em outros sistemas, como, por exemplo, o feudal, a desigualdade entre os homens era clara em todas as questes, no capitalismo ela encoberta por um vu de formalidade. O instituto do sujeito de direito foi elaborado de uma forma a basear-se no formalismo e, concomitantemente, aparentar uma condio de neutralidade.De acordo com Evgeni Pashukanis, importante jurista sovitico, o modelo jurdico do sujeito de direito o prottipo do burgus elevado a condio do universal humano, logo o modo de vida desejado pelo grupo particular acaba sendo imposto como modelo universal do sujeito (PASHUKANIS: 1988).Ainda, sobre a mesma temtica, Mascaro destaca: As concretas relaes de produo capitalistas geram uma instncia de constituio, controle e represso especficos. Embora o jurista argumente que seus institutos surgem de um impulso tico ou moral, na verdade o direito advm e concretas relaes sociais. Alguns dizem que o instituto jurdico do sujeito de direito nasceu dos imperativos morais e religiosos da dignidade humana. Falso. Muito mais determinante que a prpria dignidade do trabalhador a sua condio de nada possuir e, portanto, ter de ser vender autonomamente explorao capitalista. da que surgiu a noo do sujeito de direito: todos so sujeitos livres para se venderem ao mercado. Mais do que uma simples tecnicalidade, o conceito de sujeito de direito uma forma necessria ao tipo de relao social que se estabeleceu, capitalista, da contnua reproduo da troca de equivalentes. O direito subjetivo, a autonomia da vontade e tantos outros conceitos tcnicos do direito moderno surgem como formas reflexas imediatas dessas relaes fundamentais do capitalismo (MASCARO: 2006, p. 6) (grifo nosso).Diante do exposto, torna-se fcil constatar que a lgica do mercado capitalista se sobrepe ao pensamento crtico e tudo passa a ser determinado dentro dos limites da institucionalidade.

Direito e Igualdade

Enquanto que no direito antigo a desigualdade era apresentada de maneira clara, o direito burgus prefere apresentar a mesma desigualdade encoberta em uma aparncia de igualdade.(...)Quando o direito das sociedades capitalistas, por meio de suas normas, declara que todos so iguais perante a lei, na verdade est procedendo a uma dominao ao mesmo tempo tcnica e ideolgica. Tcnica porque est excluindo o privilgio da nobreza, por exemplo, e tratando de maneira formalmente igual ao contratante e ao contratado, e isso de interesse ao capitalismo, na medida em que o Estado executar a qualquer um que contratar caso no cumpra o contrato. Ideolgica porque deixa entender uma igualdade que s formal, mas no concreta. Ao tratar igualmente o capitalista e o proletrio, o direito nivela, com a medida, dois sujeitos desiguais, sem igualar suas condies. Assim, ao invs de demonstrar a desigualdade real entre as partes, o direito a esconde (MASCARO: 2006, p. 30) (grifo nosso). Ainda, para esclarecer, o jurista do direito crtico brasileiro explica:A igualdade formal, que serviu de lema das revolues liberais, o espelho de um mundo feito de um grande mercado, no qual todos se igualam na condio de compradores e de vendedores, no qual at a explorao deixa de ser um mando direto e passa a ser a igual vontade jurdica entre patro e empregado. A vitria da legalidade a vitria de um mundo feito um grande mercado. Por mais diversos sejam os homens, por mais egostas seus interesses, todos num passe de mgica so formalmente iguais aos outros, exploradores e explorados, e, perante a imparcialidade da lei, a igualdade e a vontade sem coero cobrem todos os atos jurdicos com o manto da justia formal. No mundo no qual se instala a plena legalidade acaba a injustia formal. (MASCARO: 2003, p.25)

Portanto, por mais contraditrio que possa ser, a tcnica jurdica legitima a injustia real. Ao submeter a luta social luta legalista h tambm a submisso as regras do jogo democrtico burgus, onde as possibilidades de mudana so podadas pela sujeio a legalidade, que mantm a essencialidade das relaes sociais que sustentam o capitalismo (VALES: 2011).

O direito moderno no um corretivo estrutural da desigualdade e um promotor da efetiva liberdade, mas age, sim para camuflar as injustias estruturais por meio de normas aparentemente justas no que tange sua forma (MASCARO: 2006). Logo, enquanto o direito antigo apresentava a injustia na aparncia e na realidade, o direito moderno somente modificou sua a aparncia, uma vez que, apesar de se desenvolver em outros moldes, sua realidade continua a ser injusta.