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    Universidade de BrasliaBanco Central do Brasil

    Coordenao de Extenso da Faculdade de DireitoCurso de Ps-Graduao lato sensuem Direito Econmico da Regulao Financeira

    CLOVIS JOS RONCATO

    TTULO DA MONOGRAFIA

    SONEGAO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO

    BRASLIA DFMAIO/2006

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    CLOVIS JOS RONCATO

    TTULO DA MONOGRAFIA:

    SONEGAO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO

    Monografia apresentada Faculdade de Direito daUniversidade de Braslia (UnB), Braslia, Distrito Federal, paraa obteno do ttulo de especialista em Direito Econmico da

    Regulao Financeira.

    Orientador: Ricardo Vieira Orsi

    BRASLIA DFMAIO/2006

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    SUMRIO

    Introduo.........................................................................................................................................................01

    1 Parte

    Lavagem de Dinheiro

    Captulo 1 - Origem e evoluo histrica do crime de lavagem de dinheiro

    1.1. Origem histrica do crime de lavagem de dinheiro....................................................................................04

    1.2. Mecanismos e normas internacionais para o combate lavagem de dinheiro.........................................071.2.1. Conveno de Viena de 1988................................................................................................08

    1.2.2. Grupo de Ao Financeira Internacional (GAFI).................................................................08

    1.2.3. Conveno de Estrasburgo de 1990.......................................................................................09

    1.2.4. Diretiva 308/1991 das Comunidades Europias..................................................................10

    1.2.5. Conveno de Palermo de 2000...........................................................................................10

    Captulo 2 - Combate lavagem de dinheiro no Brasil

    2.1. Lei 9.613/1998..........................................................................................................................................11

    2.1.1. Bem jurdico tutelado........ ..................................................................................................12

    2.1.2. Crimes antecedentes............................................................................................................15

    2.1.3. Outros crimes derivados......................................................................................................23

    2.1.4. Do procedimento e do julgamento......................................................................................24

    2.2. Outras regulamentaes legais.................................................................................................................29

    2.2.1.Lei 7.560/1986........................................................................................................................29

    2.2.2.Decreto n. 2799/1998.............................................................................................................30

    2.2.3. Lei Complementar 105/2001..................................................................................................30

    2.2.4. Lei 10.467/2002......................................................................................................................31

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    2 Parte

    Sonegao fiscal como crime antecedente ao crime de lavagem de dinheiro

    Captulo 3 - Crimes antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro

    3.1.Crimes antecedentes como elemantares do crime de lavagem de dinheiro.........................................32.

    3.1.1.Taxatividade da Lei............................................................................................................33

    3.1.2.Autoria e materialidade do crime antecedente...................................................................34

    3.2.Outros crimes no enumerados pela lei...............................................................................................36

    Captulo 4 - Infraes e crimes fiscais

    4.1. Classificao do crime de sonegao fiscal......................................................................................39

    4.2. Processo de apurao do crime de sonegao fiscal.........................................................................42

    4.3. Extino da punibilidade pelo pagamento do tributo.......................................................................44

    Captulo 5 - Motivos que justificam a no incluso do crime de sonegao fiscal como crime antecedente aocrime de lavagem de dinheiro...................................................................................................................46

    CONCLUSO.........................................................................................................................................52

    BIBLIOGRAFIA

    Livros e Artigos........................................................................................................................55

    Legislao e Jurisprudncia......................................................................................................59

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    de dinheiro garante a proteo a outros bens de interesse coletivo, como a administrao da

    justia.

    Diz-se que o crime de lavagem de capitais um crime complexo, pois depende daexistncia do crime antecedente. Esta uma das discusses mais presentes entre os

    doutrinadores pois, de certo modo, compromete a aplicabilidade da lei no momento em que

    limita a tipificao da lavagem vinculao dos crimes descritos nos incisos de I VIII do

    artigo 1 da Lei 9.613/98. Acerca desta questo, os estudiosos na matria colocam que a

    eficcia da lei fica prejudicada, pois os crimes antecedentes ali descritos no englobam todas

    as possibilidades de atividades ilcitas que acarretam a lavagem de ativos financeiros. Crimes

    como o de sonegao fiscal e outras atividades ilcitas, como o jogo do bicho, no esto

    includos na lei.

    Diante dessas crticas, preciso defender certos aspectos da lei. O presente trabalho

    se dedica a analisar a no incluso do crime de sonegao fiscal como crime antecedente. O

    legislador optou por enumerar de forma taxativa os crimes que mereciam maior tutela do

    Estado. Sendo o interesse pblico o maior motivador do legislador, por meio dele que se

    deve auferir a opo pela criminalizao de certas atividades.

    O que se quer alcanar com as sanes penais em uma sociedade deve estar muito

    bem definido no seu ordenamento jurdico. A eficcia da norma penal depende da sua

    adequao aos anseios do interesse pblico. Ou seja, a mera punio do agente nem sempre

    cumpre a inteno de coibir a prtica da ao criminosa ou restituir o bem tutelado. Dessa

    forma, como ocorre com o crime de sonegao fiscal, a lei penal pode prever outros

    mecanismos de tutela ao bem jurdico que transcendem a recluso ou a pena de multa.

    Identificar a melhor forma de tutela dos bens essencial para a norma penal.Enquanto as leis existentes prevem a possvel extino da punibilidade pelo pagamento do

    tributo antes do recebimento da denncia, ao mesmo tempo demonstram o desinteresse do

    Estado em mover uma ao penal contra quem poderia, simplesmente, pagar o que deve e,

    assim, recompor os danos ao errio. Por essa hiptese, entre outras expostas ao longo do

    trabalho, caberia a opo pela taxatividade dos crimes antecedentes.

    A Lei 9.613/98 seria, portanto, plenamente eficaz tal como se apresenta. Mesmo

    diante das crticas doutrinrias quanto ao seu contedo, pode-se dizer que sua eficcia

    garantida mediante sua correta utilizao e cooperao dos rgos estatais envolvidos.

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    No entanto no se pretende aqui propugnar contra a evoluo e a adaptao da lei

    diante de novos fatos. certo que o crime de lavagem de dinheiro adquire, a cada dia, novas

    caractersticas que exigem do Estado novas capacidades e mecanismos de combate. Porm,

    todas as modificaes legislativas devem passar por um rigoroso processo de debate a fim de

    que sejam respeitados os princpios gerais do Direito e a Constituio Federal.

    A partir de opinies doutrinrias de consagrados operadores do Direito e tambm

    novos argumentos que defendem a adequao da Lei de lavagem de dinheiro ao sistema

    jurdico brasileiro, esse trabalho visa contribuir para a valorizao do debate jurdico acerca

    dessa rea pouco explorada em suas novas e diversas dimenses.

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    1PARTE

    LAVAGEM DE DINHEIRO

    CAPTULO 1 - ORIGEM E EVOLUO HISTRICA DO CRIME DE LAVAGEM

    DE DINHEIRO

    Sumrio

    1.1.A origem histrica do crime da lavagem de dinheiro.1.2. Mecanismos e normas internacionais para o combatedo crime de lavagem de dinheiro.

    1.1. A ORIGEM HISTRICA DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

    A expresso 'lavagem de dinheiro' surgiu na dcada de 20, nos Estados Unidos.

    Naquela poca, as quadrilhas que visavam transformar o dinheiro obtido de forma ilcita em

    dinheiro "legal", de forma que passasse a integrar a economia formal, o faziam atravs de

    empresas "de fachada", com giro rpido de dinheiro. A maioria destes criminosos se utilizava

    de lavanderias e lava-rpidos, o que possibilitava a incluso do dinheiro "sujo" juntamente

    com o dinheiro obtido legalmente.3

    Os objetivos das quadrilhas pioneiras no crime de lavagem de dinheiro eram os

    mesmos das quadrilhas de hoje: desvincular os recursos provenientes do crime das atividades

    criminosas que os geraram. No entanto, os mtodos para alcanar estes objetivos no so mais

    os mesmos, a globalizao dos mercados proporcionou o desenvolvimento de inmeras outras

    tcnicas mais sofisticadas e ousadas. Infelizmente, a mesma evoluo no ocorreu com as

    tcnicas de preveno e combate a este crime.

    Dos pases pioneiros no combate lavagem de dinheiro destaca-se a Itlia que, em

    1978, j desenvolveu a conduta tpica que se resumia imposio de obstculos na

    3LILLEY, Peter.Lavagem de dinheiro. So Paulo: Futura, 2001, pg. 16.

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    identificao das origens dos bens. Muito se desenvolveu depois disso, tanto nas legislaes

    internas como no mbito internacional.4

    A cooperao internacional no combate lavagem de dinheiro teve um marcodecisivo na Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e de Substncias

    Psicotrpicas, em Viena, no ano de 1988. A fim de prevenir a macrodelinqncia econmica

    da comunidade internacional, pases como o Brasil (Decreto n. 154, de 26/06/91), signatrios

    da Conveno, assumiram este compromisso internacional de combate interno e de

    cooperao entre as naes. A prpria Itlia, aps este acordo internacional, tratou de

    modificar sua legislao j existente e incluiu o trfico de entorpecentes como crime

    antecedente da lavagem de dinheiro.

    A conveno estabelece que os pases signatrios se comprometem a adotar medidas

    que incriminem "a converso ou a transferncia de bens oriundos da atividade criminosa

    conexa como trfico de substncia estupefaciente ou psicotrpica, com finalidade de

    esconder ou encobrir a provenincia ilcita. O acordo tambm estabelece o confisco dos

    produtos do crime ou dos bens e prope que o sigilo bancrio no seja to rigoroso."5

    As normas desenvolvidas a partir da Conveno de Viena so chamadas deprimeira

    geraoe prevem como crime antecedente unicamente o crime de trfico de drogas. A partir

    de novos estudos e encontros internacionais, a troca de experincias mostrou que outros

    crimes podem estar conexos com a lavagem de dinheiro. Desta forma foi desenvolvida a

    segunda geraode legislaes, que ampliou o rol de crimes antecedentes conforme as 40

    recomendaes do GAFI publicadas em 1990.

    As legislaes de segunda geraooptaram por prever um rol taxativo de crimes

    antecedentes, no permitindo a incriminao dos agentes por lavagem de dinheiro em caso deprtica de outros crimes no enumerados. A presso internacional, no entanto, tende a impor a

    chamada terceira gerao, onde qualquer crime pode estar conexo com a lavagem de

    dinheiro. Apesar da tendncia mundial em adotar a terceira gerao, pases como o Brasil,

    encontram limites nas normas legislativas internas.

    4SILVA, Csar Antnio.Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2001, pg. 34.5 Uma anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro/ Conselho de Justia Federal, Centro de EstudosJudicirios, Secretaria de Pesquisa e Informao Jurdicas. Braslia: CJF, 2002. Pg. 30

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    No obstante a participao brasileira na Conveno6, o pas s veio a desenvolver

    legislao pertinente em 1998 com a Lei 9613/98, com a adoo de norma de segunda

    gerao. Apesar das constantes crticas proferidas esta lei deve-se consider-la, no entanto,

    como o primeiro grande passo na busca da preveno e do combate lavagem de dinheiro no

    pas. necessrio se considerar que so inmeras as dificuldades na preveno desta

    modalidade criminosa, pois trata-se de um crime complexo, com origens e ramificaes das

    mais diferenciadas que se conhece.

    A gravidade do crime de lavagem nem sempre visvel no cotidiano de um pas. Por

    se tratar de um crime macroeconmico tem-se muitas vezes a falsa impresso de que suas

    conseqncias s podem ser observadas no mbito internacional. Por esta distorcida viso

    acerca do crime de lavagem, as autoridades mundiais no deram a devida ateno

    investigativa, tampouco legislativa ao fenmeno. O que era, de incio, um crime isolado de

    grupos criminosos especficos tornou-se um crime difundido mundialmente e em crescente

    aperfeioamento.

    As condies atuais, desde a globalizao at as formas de comunicao, como a

    internet, proporcionaram uma maior velocidade das operaes financeiras e ofereceram o

    ambiente ideal para a propagao desta modalidade criminosa, tambm pelo anonimato dosoperadores. A lavagem de dinheiro, portanto, pode ser feita de maneira virtual, sem a real

    vinculao entre nomes e atividades.

    Dentre outros aspectos atuais que propiciam a lavagem de dinheiro pode-se destacar

    o interesse dos mercados financeiros. O mercado global pouco se preocupou em se resguardar

    das atividades financeiras de origem ilcita e, muitas vezes, estimulou o mundo da ilegalidade

    atravs dos sigilos das operaes financeiras internacionais. Se por um lado o pas sofre

    internamente com o ciclo vicioso da lavagem, o mercado financeiro lucra com a

    movimentao financeira gerada por crimes como o trfico ilcito de entorpecentes,

    terrorismo, contrabando entre outros.

    Como se v, a atual realidade econmica globalizada e informatizada, atua como

    terreno frtil para multiplicao dos crimes internacionais como o crime de lavagem de

    dinheiro. Por se tratar, como poucos, de um crime dinmico e em constante evoluo,

    necessrio que as formas de preveno e de combate tambm evoluam com a mesma rapidez.6Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e de Substncias Psicotrpicas, em Viena, no ano de

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    1.2.1. Conveno de Viena

    Realizada em 1988 a Conveno de Viena estabeleceu as primeiras linhas no

    combate lavagem de dinheiro. Mesmo que tenha previsto como crime antecedente apenas otrfico de drogas e de substncias entorpecentes, a Conveno foi importante por ter definido

    o tipo penal7:

    Artculo 3. 1. b. i) La conversin o la transferencia de bienes asabiendas de que tales bienes proceden de alguno o algunos delos delitos tipificados de conformidad con el inciso (a) del

    presente prrafo, o de un acto de participacin en tal delitos ode ayudar a cualquier persona que participe en la comisin detal delito o delitos a iludir las consecuencias jurdicas de sus

    acciones.

    ii) La ocultacin o el encubrimiento de la naturaleza, el origen,la ubicacin, el destino, el movimiento o la propriedad realesde bienes, o de derechos relativos a tales bienes, a sabiendas deque preceden de alguno o algunos de los delitos tipificados enconformidad con el inciso (a) del presente prrafo o de un actode participacin en tal delito o delitos.

    Alm desse primeiro esboo da tipificao criminal, disps sobre a cooperao

    internacional, previu a inverso do nus da prova ao que se refere origem ilcita dos bens do

    acusado, bem como a possibilidade de quebra do sigilo bancrio.

    1.2.2. Grupo de Ao Financeira Internacional (GAFI)

    O Grupo de Ao Financeira Internacional (GAFI) foi criado em 1989 pelo chamado

    G-7 - o grupo dos sete pases mais industrializados - com o objetivo de combater a lavagem

    de dinheiro. Hoje, conta com 33 membros, 31 pases e governos e duas organizaesinternacionais. Conta ainda com mais de 20 observadores: cinco organismos regionais de tipo

    GAFI e mais de 15 outras organizaes internacionais ou organismos8.

    A adeso de outros pases ao Grupo garantiu maior efetividade cooperao

    internacional, essencial ao combate ao crime de lavagem de dinheiro. A atuao do Grupo se

    7BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot.Lavagem de dinheiro. So Paulo:Malheiros, 2005, pg. 138.8As quarenta recomendaes - GAFI. Disponvel em: www.fazenda.gov.br/coaf Acessado em 20 de janeiro de2005.

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    materializou em 1990 quando foram publicadas as 40 Recomendaes, revisadas em 1996 e

    em 2003.

    Trata-se de um documento, no obrigatrio, mas de carter exemplificativo das aesque podem ser tomadas pelos pases interessados em cooperar. O documento preocupa-se

    com os sistemas jurdicos, com as medidas a serem adotadas pelas instituies financeiras e

    com a cooperao internacional.

    A principal contribuio do GAFI foi a proposta de ampliao dos crimes

    antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro. At ento, pela Conveno de Viena, o crime

    de trfico de drogas era o foco das aes internacionais. Com a expresso "categorias de

    infraes designadas", o documento sugeriu a previso de crimes como o terrorismo, a

    explorao sexual, trfico de bens roubados, corrupo e suborno, fraude, pirataria, crimes

    contra o ambiente, rapto, extorso, falsificao, manipulao de mercado, entre outros.

    Em 2001, o GAFI desenvolveu outro documento especialmente dirigido ao combate

    ao terrorismo no mundo, chamado de Oito Recomendaes Especiais sobre o Financiamento

    do Terrorismo. A recomendao de que os dois documentos sejam tomados conjuntamente

    no combate macrodelinqncia que supera as barreiras geogrficas.

    1.2.3. Conveno de Estrasburgo de 1990

    Aprovada pela Conveno do Conselho da Europa em 1990, a Conveno de

    Estrasburgo entrou em vigor apenas em 1de setembro de 1993. Com o objetivo de atingir

    uma poltica criminal comum entre os Estados-membros da ento Conveno de Europa, o

    documento uma importante referncia a todos os pases que pretendem implementar o

    combate lavagem de dinheiro.

    A Conveno prev medidas a serem tomadas em mbito nacional e de cooperao

    entre os Estados-membros. Entre as inovaes pode-se destacar a ampliao dos crimes

    antecedentes e a previso de perda de instrumentos e do produto do crime.

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    1.2.4. Diretiva 308/1991 das Comunidades Europias

    Trata-se de um documento, de carter obrigatrio, aprovado em 10 de junho de 1991

    pelo Conselho das Comunidades Europias com o objetivo de dificultar a utilizao dosistema financeiro na lavagem de dinheiro.

    Alm das questes penais, como a definio do crime de lavagem de dinheiro, a

    diretiva mantm seu foco nas atividades das instituies financeiras e dos estabelecimentos de

    crdito e os obriga a identificar seus clientes, informar s autoridades competentes sempre que

    suspeitarem de alguma transao, no proceder transaes que acreditem serem suspeitas,

    entre outras aes impostas aos Estados-membros.

    1.2.5. Conveno de Palermo de 2000

    Tambm conhecida como Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado

    Transnacional, a Conveno de Palermo foi aprovada em dezembro de 2000 com o objetivo

    de prevenir crimes como o trfico de pessoas e tambm de lavagem de dinheiro.

    Em seu texto a Conveno prev a ampliao dos crimes antecedentes, dando

    especial destaque aos crimes praticados por organizaes criminosas e corrupo.

    Determina tambm a responsabilidade penal, civil ou administrativa das pessoas jurdicas,

    normas de cooperao internacional com possibilidade de extradio, entre outras aes de

    assistncia judiciria recproca.

    No entanto, a principal contribuio da Conveno de Palermo foi a definio de

    grupo criminoso organizado, que serve como referncia a pases como o Brasil que buscamuma integrao legislativa com a comunidade internacional9:

    "Artigo 2, a - Grupo criminoso organizado - grupo estruturadode trs ou mais pessoas, existente h algum tempo e atuandoconcertadamente com o propsito de cometer uma ou maisinfraes graves ou enunciadas na presente Conveno, com ainteno de obter, direta ou indiretamente, um benefcioeconmico ou outro benefcio material."

    9BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit.pg. 216.

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    CAPTULO 2 - COMBATE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL

    Sumrio

    2.1. Lei 9.613/1998. 2.1.1. Bens jurdicos tutelados 2.1.2.Crimes antecedentes. 2.1.3. Outros crimes derivados. 2.1.4. Doprocedimento e do julgamento. 2.2. Outras regulamentaeslegais. 2.2.1. Lei 7.560/1986. 2.2.2. Decreto n. 2.799/1998. Leicomplementar 105/2001. 2.2.4. Lei 10.467/2002.

    2.1. LEI 9.613/1998

    A partir das experincias de outros pases e frente ao seu dever assumido diante da

    Conveno de Viena de 1988, ratificada no Decreto n. 156 de junho de 1991, o Brasil editou a

    Lei 9.613/98, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro. Trata-se de uma lei que reflete

    antigos anseios da sociedade no combate, no s da lavagem de dinheiro, mas dos crimes

    antecedentes, mesmo que de forma indireta, atravs do poder coercitivo das penas previstas na

    lei.

    sua maneira, a legislao brasileira define a lavagem de capitais na exposio de

    motivos da Lei10

    "(...) constitui um conjunto de operaes comerciais oufinanceiras que procuram a incorporao na economia de cadapas, de modo transitrio ou permanente, dos recursos, bens eservios que geralmente 'se originan e estn conexos com

    transacciones de macro o micro trfico ilcito de drogas', comoreconhece a literatura internacional em geral e especialmenteda Amrica Latina (cf. Raul Pea Cabrera, Tratado de DerechoPenal - Trafico de drogas y lavado de dinero, Ediciones

    Juridicas, Lima, Peru, IV/54)"

    A Lei 9.613/98 uma complexa interao de diversos ramos do Direito, como

    Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Internacional, Administrativo, Financeiro e

    Comercial, possibilitando ainda discusses constitucionais.

    10EM n 692/ MJ.

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    estruturada em nove captulos, respectivamente: 'Dos crimes de lavagem ou

    ocultao de bens, direitos e valores'; 'Disposies processuais especiais'; 'Dos efeitos da

    condenao'; 'Dos bens, direitos e valores oriundos de crimes praticados no estrangeiro'; 'Das

    pessoas sujeitas Lei'; 'Da identificao dos clientes e manuteno dos registros'; 'Da

    comunicao de operaes financeiras'; 'Da responsabilidade administrativa'; 'Do Conselho de

    Controle de Atividades Financeiras'.

    A referida lei materializa os novos princpios do Direito que priorizam o interesse

    coletivo. No h que se questionar, portanto, a invaso da privacidade no caso da quebra do

    sigilo bancrio, por exemplo. Neste caso, em que a criminalidade atingiu nveis absurdos e

    quase que incontrolveis, o interesse coletivo deve se sobrepor aos interesses individuais. A

    lei de lavagem de dinheiro brasileira no , sem dvida, das mais modernas, mas um

    primeiro passo para o desenvolvimento de uma legislao e de uma estrutura eficiente no

    combate macrodelinquncia econmica.

    O fato que a lei pode, assim como se apresenta, gerar bons resultados na preveno

    e no combate aos crimes, tanto de lavagem como dos antecedentes. O que a lei exige, no

    entanto, uma atuao conjunta de diversos rgo governamentais, tais como o Ministrio

    Pblico, o Poder Judicirio, o Ministrio da Fazenda, dentre outros, com o fim de se garantirsua aplicabilidade e eficcia.

    2.1.1. Bens jurdicos tutelados

    A partir da aplicao prtica da Lei que surge a necessidade de melhor definio do

    conceito do crime de lavagem de dinheiro. Para isso, indispensvel que se aprofunde o

    estudo terico sobre quais so os objetivos e o alcance da Lei.

    O desenvolvimento da Lei 9.613/98 se deu em resposta a uma necessidade

    internacional de combate a crimes transnacionais e de natureza macroeconmica. Porm,

    mesmo tendo se inserido entre os pases que combatem a lavagem de dinheiro, no Brasil ainda

    persistem crticas quanto adoo do sistema de segunda gerao, o qual define

    taxativamente os crimes antecedentes.

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    Seja por no ter o legislador se preocupado em tipificar todos os crimes antecedentes,

    seja por defender o sistema de terceira gerao, que deixa em aberto os possveis crimes

    conexos, os crticos da Lei condenam-na ineficcia.

    Em defesa do interesse coletivo em ver o efetivo combate lavagem de dinheiro,

    bem como aos crimes antecedentes, no se pode descartar de todo o ato legislativo. Mesmo

    que no atinja todos os seus objetivos, a Lei 9.613/98 pode, e deve, ser utilizada como um

    instrumento da manuteno da democracia, da livre economia e da paz social.

    Inserida no Direito Penal Econmico, a Lei de lavagem de dinheiro guarda um

    carter subsidirio em relao ao Direito Penal11. Os crimes enumerados na Lei foram assim

    selecionados tendo em vista a insuficincia das sanes j previstas no Cdigo Penal e nas leis

    j existentes. No haveria razo para a punio agravada se um nico bem jurdico estivesse

    sendo violado ou fosse este irrelevante ao interesse coletivo.

    A inteno do legislador agravar a punio do agente frente gravidade e ao

    alcance dos delitos. A complexidade das condutas criminosas ali previstas exige esse

    aperfeioamento dos mecanismos de punibilidade do Estado. Ao lavar o dinheiro proveniente

    de um outro crime, o criminoso no s fere o bem jurdico tutelado pelo tipo antecedente,

    como tambm age contra outros bens de interesse social.

    Porquanto a lavagem de dinheiro guarda ntima relao com os crimes a ela conexos,

    o combate ao crime posterior inibe a prtica dos crimes antecedentes. Dessa forma, dentre os

    bens jurdicos tutelados esto, sem dvida, os bens tutelados pelos crimes conexos.

    A diversidade de opinies doutrinrias persiste, porm, quanto ao bem jurdico

    tutelado especificamente pelo tipo penal da lavagem de dinheiro. A fim de se harmonizar as

    diferenas doutrinrias prudente se considerar o tipo como pluriofensivo. Se, por um lado, a

    lavagem de dinheiro representa uma ofensa ordem econmico-financeira, por outro tambm

    lesa a administrao da justia.

    A ordem econmica violada quando se interfere ilegalmente no fluxo de dinheiro e

    bens e, com isso, se abala a livre concorrncia, pe-se em risco a segurana dos mercados

    11SILVA, Csar Antnio da. op.cit.pg. 40.

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    financeiros e d-se origem ao abuso do poder econmico por meio do surgimento dos

    monoplios e cartis12.

    Outro bem jurdico tutelado pela Lei a administrao da justia, no sentido depreservar o alcance das suas metas e finalidades. Nesse sentido, entende-se que o crime de

    lavagem de dinheiro tem como objetivo principal ocultar a prtica do crime antecedente e

    garantir a impunidade dos seus agentes. Em consonncia com esse entendimento, Rodolfo

    Tigre Maia13define o crime como:

    "(...) conjunto complexo de operaes, integrado pelas etapas

    de converso (placement), dissimulao (layering) e integrao

    (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidadetornar legtimos ativos oriundos da prtica de ilcitos penais,

    mascarando essa origem para que os responsveis possam

    escapar da ao repressiva da justia."

    Como se v, as diferentes abordagens da doutrina quanto ao bem jurdico tutelado

    pela lei interferem na definio do crime de lavagem de dinheiro. De qualquer maneira, pode-

    se apontar, nas diversas definies, pontos em comum que identificam o tipo e facilitam o

    correto indiciamento do criminoso. Dessa forma, fica evidente que para a caracterizao do

    crime de lavagem de dinheiro indispensvel o dolo do agente em "ocultar ou dissimular a

    natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou propriedade dos bens, direitos

    ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime (...)".

    Seja para criar maior proteo aos bens tutelados pelos crimes antecedentes, seja para

    resguardar a administrao da justia ou a ordem econmico-financeira, certo que a

    tipificao do crime de lavagem de dinheiro acaba por tutelar de igual maneira todos esses

    interesses sociais. Irrelevante se faz apontar um nico interesse protegido. O importante

    identificar que a inteno legislativa de fornecer maior e mais grave punio a aes que,

    visivelmente, ferem mais de um bem juridicamente valorado.

    12SILVA, Csar Antnio da. op. cit.,pg. 39.13MAIA, Rodolfo Tigre.Lavagem de dinheiro.(Lavagem de ativos provenientes do crime). So Paulo:Malheiros Editores Ltda, 1999, pg. 53.

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    2.1.2. Crimes antecedentes

    Seguindo os padres legislativos de segunda gerao, no seu artigo 1, a Lei

    9.613/98 enumera os crimes antecedentes que figuram como elementares do crime delavagem de dinheiro, e possuem uma dependncia absoluta entre si. Desta forma, no h que

    se falar em crime de lavagem de dinheiro se a origem do capital for meramente desconhecida.

    Deve-se, antes de tudo, analisar o vnculo dos recursos a um dos crimes descritos na Lei.

    A maioria dos doutrinadores, assim como os operadores do Direito que lidam com

    esta Lei especfica, consideram-na taxativa no que se refere aos crimes antecedentes. Sendo

    assim, nenhum outro crime, no presente na Lei, pode ser utilizado para caracterizar o crime

    de lavagem.

    No h regra para justificar o entendimento pela taxatividade da Lei, no entanto, o

    juzo mais acertado que se pode fazer diante da legislao em questo. realmente uma

    interpretao sempre questionvel, o operador da Lei fica merc das discusses doutrinrias

    e dos futuros entendimentos do Supremo Tribunal Federal. Interessante o posicionamento

    do autor Amlcar Falco, citado por Cinthia Palhares14, sobre a inteno do legislador em

    fazer uma enumerao taxativa ou meramente exemplificativa:

    "O critrio mais seguro para distinguir as duas situaesconsiste em que, no ltimo caso (exemplificativa), os fatos oucircunstncias so numerosos e guardam entre si traoscomuns, que permitem reuni-los numa categoria, enquanto, no

    primeiro caso (taxativa), a enumerao menos ampla e osfatos ou circunstncias deixam sobressair caracteressecundrios a traduzirem situaes diversas em cada hiptese,tornando-se indeterminado, ou no aparecendo qualquerelemento ou trao comum."

    A fim de ratificar a interpretao taxativa dos crimes antecedentes cabe aqui destacar

    a justificativa de tal opo dada pelo prprio legislador, no caso, o ex-deputado e ex-ministro

    do STF, Nelson Jobim15, na exposio de motivos da Lei de combate lavagem de dinheiro, o

    qual coloca:

    "Com o objetivo de reduzir ao mximo as hipteses dos tipospenais abertos, o sistema positivo deve completar-se com ochamado princpio da taxatividade. A doutrina esclarece que,

    14PALHARES, Cinthia Rodrigues Menescal. A integrao no direito tributrio: consideraes acerca doemprego da analogia. Disponvel em http://jus2.uol.com.br. Acessado em 24 de maio de 2005.15EM n 692 / MJ.

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    enquanto o princpio da reserva legal se vincula s fontes doDireito Penal, o princpio da taxatividade deve presidir aformulao tcnica da lei penal. Indica o dever imposto aolegislador de proceder, quando elabora a norma, de maneira

    precisa na determinao dos tipos legais, a fim de saber,taxativamente, o que penalmente ilcito e o que penalmenteadmitido."

    Deve-se ainda fazer uma breve explanao acerca de cada um dos crimes

    antecedentes previstos pela lei, totalizando sete crimes: trfico ilcito de substncias

    entorpecentes ou drogas afins; crime de terrorismo; crime de contrabando ou trfico de armas;

    crime de extorso mediante seqestro; crime contra a administrao pblica; crime contra o

    sistema financeiro nacional; crime praticado por organizao criminosa.

    Em face enorme movimentao financeira e atroz conseqncia social gerada

    pelo trfico de entorpecentes, o combate a este crime de extrema relevncia para o mundo

    jurdico. Mesmo havendo previso legal prpria para sua punio, o trfico de entorpecentes

    indiretamente punido pela Lei de Lavagem de Dinheiro.

    As punies previstas na Lei 9.613/98 no tem carter meramente punitivo das

    ilegais movimentaes financeiras, mas coercitivo na preveno dos crimes nela previstos

    como antecedentes. No caso especfico no inciso I do art. 1 desta lei pode-se dizer que possuiaplicao imediata pelas autoridades estatais, seja no momento do inqurito policial, seja na

    denncia privativa do Ministrio Pblico.

    Os tipos penais abrangidos por este inciso esto claramente tipificados na Lei

    6.368/76, nos arts. 12, 13 (equipamentos para fabricao e venda) e 14 (associao de duas ou

    mais pessoas). Tratam-se de tipos penais abrangentes que tentam punir qualquer

    envolvimento com o comrcio de entorpecentes. Por este motivo, o acusado por esses crimes

    pode, perfeitamente, ser denunciado tambm pelo crime de lavagem de dinheiro a fim de que

    prove a origem lcita de seus bens, sob pena de recluso e possvel perda, em favor da Unio,

    dos bens, direitos e valores objetos do crime.

    A mesma aplicao imediata que se observa no inciso I, visto anteriormente, no

    est presente no inciso II. Refere-se ao crime de terrorismo como crime antecedente.

    primeira vista, a incluso deste crime como um crime antecedente do crime de lavagem uma

    resposta a possveis presses internacionais. Ao passo que o terrorismo um crime muito

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    presente no mundo, o Brasil ainda no possui uma correta e satisfatria tipificao do

    terrorismo.

    A nica meno do ordenamento jurdico brasileiro acerca do terrorismo estpresente na Lei de Segurana Nacional (Lei 7.170/83) que, em seu artigo 20, menciona a

    expresso "atos de terrorismo". Insatisfatoriamente a referida lei cita, mas no delimita o que

    vem a ser "atos de terrorismo". Por este motivo a Lei de lavagem fica emperrada neste ponto,

    em que no pode alcanar o criminoso nem os produtos do seu crime.

    Se, por um lado, a opo do legislador foi a de citar taxativamente os crimes

    antecedentes, por outro deve ser respeitado o princpio da reserva legal. Portanto,

    dificilmente o acusado poder ser enquadrado no crime de lavagem de dinheiro proveniente

    de crime de terrorismo. A crtica, no entanto, no deve recair sobre a Lei 9.613/98 e sua

    eficcia.

    O processo de regulamentao de uma lei por outra uma constante no ordenamento

    jurdico brasileiro. Se os "atos de terrorismo" no foram especificados at hoje porque,

    certamente, no houve a necessidade nacional de tal ao legislativa. Houve, portanto, na lei

    de Lavagem, uma salvaguarda do legislador em antever uma realidade, hoje meramente

    estrangeira. Assim como o Min. Nelson Jobim16 coloca na exposio de motivos da lei, a

    incluso deste tipo penal trata-se de "implementar o clssico princpio da justia penal

    universal, mediante tratados e convenes, como estratgia de uma Poltica Criminal

    transnacional."

    O inciso III do art. 1 da Lei de Lavagem prev como crime antecedente o

    "contrabando ou trfico de armas, munies ou material destinado sua produo". Os tipos

    penais contidos nesta descrio so os dos arts. 334 do Cdigo Penal Brasileiro e 12 da Lei deSegurana Nacional, que assim prev:

    "art. 12. Importar ou introduzir, no territrio nacional, porqualquer forma, sem autorizao da autoridade federalcompetente, armamento ou material militar privativo dasForas Armadas. (...)

    Pargrafo nico. Na mesma pena incorre quem, semautorizao legal, fabrica, vende, transporta, recebe, oculta,mantm em depsito ou distribui o armamento ou material deque trata este artigo."

    16EM n 692 / MJ. Disponvel em www.fazenda.gov.br/coaf .

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    Deve-se ressaltar, no entanto, que para se configurar o delito previsto no art. 12 da

    LSN o ato dever estar tambm em conformidade com os arts. 1 e 2 desta mesma lei. Isto

    porque no basta o agente "importar ou introduzir" o armamento, sua conduta deve ter como

    objetivo de lesar ou expor a perigo: a integridade territorial, a soberania nacional, o regime

    representativo e democrtico, a Federao, o Estado de Direito, a pessoa dos Chefes dos

    Poderes da Unio (art. 1 da LSN). Assim entende a jurisprudncia:

    PORTE DE ARMAS DE USO PRIVATIVO DAS FORASARMADAS - LEI DE SEGURANA NACIONAL - NOENQUADRAMENTO. 1. Uma vez no caracterizado crimecontra a segurana nacional, vez que o acusado no possuaarmamento privativo das Foras Armadas com o intuito de

    praticar crime poltico, atentatrio segurana nacional, soberania do Pas ou, ainda, contra o regime democrtico ouquaisquer Chefes dos Poderes da Unio, h que ser afastada acompetncia da Justia Federal para o julgamento do feito. 2.Conflito conhecido, declarado competente o Juzo de Direito da2 Vara Criminal de Jacarepagu-RJ, o suscitado. (CC 21835 /

    RJ . Rel. Anselmo Santiago)

    PORTE DE ARMAS DE USO PRIVATIVO DASFORASARMADAS. INEXISTENCIA DE CONOTAO POLITICA.ENQUADRAMENTO NA LEI DAS CONTRAVENESPENAIS. 1. AINDA QUE SE TRATE DE PORTE DE ARMA

    DE USO CIVIL PROIBIDO, A CONDUTA DO AGENTEINFRATOR NO PODERA SER ENQUADRADA COMODELITO CONTRA A LEI DE SEGURANA NACIONAL, SEINEXISTENTE, COMO NO CASO, A CONOTAOPOLITICA, DEVENDO O ATO, EM TESE, SER TIPIFICADOCOMO CONTRAVENO PENAL. 2. CONFLITOCONHECIDO, DECLARADO COMPETENTE O JUIZO DE

    DIREITO DA 2A. VARA CRIMINAL REGIONAL DE SANTACRUZ-RJ, O SUSCITANTE. ( CC 16558 / RJ. Rel. AnselmoSantiago)

    A mesma anlise restritiva do tipo penal deve ser tomada no crime de contrabando.

    Onde o porte da arma de uso proibido no configura, por si s, o crime de contrabando.

    Conforme a jurisprudncia:

    PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PROIBIDO OURESTRITO. AUSNCIA DE CONFIGURAO DO CRIMEDE CONTRABANDO. INDCIOS DA PRTICA DO CRIMEDESCRITO NO ARTIGO 10, PARGRAFO 2, DA LEI9.437/97. COMPETNCIA DA JUSTIA ESTADUAL. 1. A

    mera apreenso de armas de uso proibido ou restrito dasForas Armadas no caracteriza, por si s, o delito decontrabando previsto no artigo 334 do Cdigo Penal. 2.Configurado, em princpio, o crime de porte ilegal de arma de

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    uso privativo ou restrito previsto no artigo 10, pargrafo 2, daLei 9.437/97, de se reconhecer a competncia da JustiaEstadual relativamente ao inqurito policial. 3. Conflitoconhecido para declarar competente o Juzo de Direito da 3Vara de Timon/MA, suscitado. (CC 34461 / MA. Rel. HamiltonCarvalhino)

    Portanto o simples fato de portar, importar ou introduzir armamentos com o

    objetivo de lucro no se enquadra no tipo penal descrito17.

    O crime antecedente previsto neste inciso IV do art. 1 da Lei de Lavagem de

    Dinheiro refere-se ao tipo penal contido no art. 159 do Cdigo Penal Brasileiro. Trata-se de

    um crime muito atual na realidade brasileira e, por fora da Lei 8.072/90, todas as figuras

    descritas neste art.159 so consideradas crimes hediondos. Segundo o entendimento dajurisprudncia, o crime se consuma mesmo sem a obteno efetiva da vantagem econmica:

    "Extoro mediante sequestro - Crime formal - Consumaoindependente da obteno da vantagem econmica exigidapelo agente - Inteligncia do art. 159 do CP - 'A extoromediante sequestro crime formal, que se consumaindependentemente da obteno da vantagem econmicaexigida pelo agente' (TJSP - Ap. 99.373-3/1 - 1 Cm. - Rel.Des. Jarbas Mazzoni - j. 02.12.1991 - RT 675/359)" 18

    No seu art. 1, inciso V, a Lei de Lavagem assim define mais um crime antecedente:

    "contra a administrao pblica, inclusive a exigncia, para si ou para outrem, direta ou

    indiretamente, de qualquer vantagem, como condio ou preo para a prtica ou omisso de

    atos administrativos."

    Os tipos penais so os previstos no Ttulo XI do Cdigo Penal (Crimes Contra a

    Administrao Pblica) sistematizados nos seguintes captulos:

    a) crimes praticados por funcionrio pblico contra a administrao em geral (arts. 312 a

    326);

    b) crimes praticados por particular contra a administrao pblica (arts. 328 a 337);

    c) crimes contra a administrao da justia (arts. 338 a 359).

    17MAIA, Rodolfo Tigre. op. cit. pg. 7518PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, vol. II: parte especial. So Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2000. Pg. 417.

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    Tambm esto includos nos antecedentes os crimes contra a Administrao Pblica

    previstos na legislao especial como, por exemplo, os arts. 89 a 98 da Lei 8.666/93.

    Frente a esta amplitude de tipos penais abrangidos pelo inciso V que recaem ascrticas da doutrina especializada19. Os crimes que podem ser enquadrados vo desde o

    peculato, o trfico de influncia, at o contrabando e o descaminho. Tipos que, por muitas

    vezes, no geram a aquisio de bens que possam ser "lavados" posteriormente.

    Tal crtica descabida, pois a abrangncia do dispositivo no lhe tira a eficcia. O

    contrrio talvez gerasse preocupao dos operadores. A restrio do crime antecedente

    sempre um entrave para a tipificao do crime de lavagem de dinheiro. Aqui se v que as

    inmeras crticas Lei 9.613/98 nem sempre encontram fundamento plausvel. Por um

    momento, a censura lei recai sobre a sua falta de flexibilidade, no que se refere aos crimes

    antecedentes, em outro a doutrina se detm a sua demasiada abrangncia. Como visto, a

    amplitude da lei em nada lhe fere a eficcia, portanto este inciso pertinente e eficaz.

    J no seu inciso VI, a Lei de lavagem de dinheiro inclui os crimes contra o Sistema

    Financeiro Nacional que, por sua vez, tem natureza firmada na CF/88 a qual determina que o

    Sistema ser estruturado "de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do pas e

    servir aos interesses da coletividade" (art. 192), devendo ser regulado em lei complementar.

    A doutrina define o SFN como o conjunto de rgos, integrados por entes e pessoas jurdicas

    de direito pblico e privado, com o objetivo comum de perseguir o equilbrio entre a oferta e a

    procura de capitais20. Dos rgos integrantes destacam-se o Conselho Monetrio Nacional, o

    Banco Central do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social e as

    demais instituies financeiras pblicas e privadas, conforme o art. 1 da Lei 4.595/64 que

    tratou da Reforma Bancria.

    As aes criminosas contra o SFN esto previstas na Lei 7.492/86 e so conhecidas

    como "crimes do colarinho branco". Trata-se de uma lei muito polmica, poca de seu

    desenvolvimento. O Brasil se encontrava perplexo diante dos grandes crimes financeiros

    praticados por gestores das organizaes bancrias que causavam grandes rombos, tanto para

    19MAIA, Rodolfo Tigre. op. cit. pg. 77.20SILVA, Antnio Carlos Rodrigues. Crimes do colarinho branco: comentrios Lei n 7.492, de 16 de junho de1986. Braslia: Braslia Jurdica, 1999. pg.24.

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    os particulares como para os cofres pblicos. O ento Deputado Federal responsvel pelo

    anteprojeto da Lei, Nilson Gibson, assim justificou seu trabalho21:

    "(...) os cofres pblicos, em funo da preocupaogovernamental de preservar a confiana no sistema, vem sendolargamente onerados com verdadeiros escndalos financeirossem que os respectivos culpados recebam punio adequada, se que chegam a receb-la.

    A grande dificuldade do enquadramento desses elementosinescrupulosos, que lidam fraudulenta ou temerariamente comvalores do pblico, reside na inexistncia de legislao penalespecfica para as irregularidades que surgiram com o adventode novas e mltiplas atividades no Sistema Financeiro,especialmente, aps 1964.

    Em conseqncia, chega, ao absurdo de processar e condenarum mero 'ladro de galinhas', deixando sem punio pessoasque furtam bilhes no apenas do 'vizinho', mas em nvelnacional."

    Para que a Lei atingisse seus objetivos, o seu art. 1define Instituio Financeira

    como:

    "(...) a pessoa jurdica de direito pblico ou privado que tenhacomo atividade principal ou acessria, cumulativamente ou

    no, a captao, intermediao ou aplicao de recursosfinanceiros de terceiros, ou moeda nacional ou estrangeira, oua custdia, emisso, distribuio, negociao, intermediaoou administrao de valores mobilirios."

    Equipara s instituies financeiras as pessoas naturais que exeram essas atividades

    e a pessoa jurdica que capte ou administre seguros, cmbio, consrcio, capitalizao ou

    qualquer tipo de poupana, ou recursos de terceiros.

    Do art. 2ao 23 a Lei se preocupa em definir os crimes em espcie. Evidente que

    nem todos os crimes ali previstos esto aptos a gerar uma posterior lavagem de dinheiro.

    Somente os crimes que gerem, direta ou indiretamente, a aquisio de bens podem promover

    o crime de lavagem.

    Os crimes praticados por organizao criminosa, previstos no inciso VII da Lei

    9.613/98, assim como o crime de terrorismo, geram polmica doutrinria acerca da sua

    tipificao e abrangncia.

    21SILVA, Antnio Carlos Rodrigues. op. cit.pg.14.

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    No obstante a existncia da Lei 9.034/95 para a preveno e represso de aes

    praticadas por organizaes criminosas, a expresso "organizao criminosa" acabou

    assemelhada ao conceito de quadrilha ou bando por fora do seu art. 1:

    "art. 1. Esta lei define e regula meios de prova eprocedimentos investigatrios que versarem sobre crimeresultante de aes de quadrilha ou bando."

    Infere-se do texto legal que a caracterizao do tipo exige, alm do mnimo de

    quatro pessoas, que a organizao criminosa seja estvel22. O texto legal, tal como se

    encontra, no abrange as contravenes penais como o jogo do bicho.

    Desta forma, a simples associao de mais de trs pessoas para fins de cometer

    crimes (art. 288 do CP) pode ser enquadrada como crime antecedente da lavagem de dinheiro.

    A interpretao de tal inciso gera inmeras discusses doutrinrias acerca das intenes do

    legislador em criar tal figura.

    indiscutvel que a opo do legislador gerou uma ampliao desmedida do tipo

    que possibilita a tipificao da lavagem de dinheiro. Por esse motivo, por exemplo, poderia se

    incluir os crimes contra a ordem tributria (Lei 8.137/90) praticados por mais de trs pessoas,

    entre outros tantos crimes provavelmente no intencionados pelo legislador.

    No entanto, esta aparente abertura dada pelo legislador deve ser utilizada em

    benefcio do combate lavagem de dinheiro, portanto em proveito do bem comum. apenas

    um dos inmeros casos em que cabe ao intrprete da Lei utiliz-la da melhor maneira. No se

    trata de interpretao extensiva da Lei, fato que seria discutvel, mas de identificar a "mens

    legis", mesmo que esta seja aparentemente mais abrangente que a "mens legislatoris". como

    coloca o autor Amlcar de Arajo Falco, citado por Cinthia R. M. Palhares23, na questo

    conflitante entre interpretao da "mens legis" e interpretao extensiva:

    "O intrprete, portanto, no cria, nem inova; limita-se aconsiderar o mandamento legal em toda a sua plenitude eextenso e a, simplesmente, declarar-lhe a acepo, osignificado e o alcance. Pode ocorrer que o legislador tenhaexpressado mal a sua vontade, estabelecendo-se entre a dicoda lei e o esprito uma inequivalncia ou um desequilbrioaparentes, de modo que a frmula verbal signifique menos(minus dixit quam voluit) ou mais (plus dixit quam voluit) do

    22QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentrios Lei n. 9.034/95: aspectospoliciais e judicirios: teoria e prtica. So Paulo: Iglu, 1998. pg. 18.23PALHARES, Cinthia Rodrigues Menescal. op. cit.

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    que se intentava dizer. Em qualquer dos dois casos, ainterferncia do intrprete, restabelecendo o sentido da norma,

    pela pesquisa de seu esprito (mens legis), no amplia, nemrestringe aquele sentido."

    2.1.3. Outros crimes derivados

    A lei ainda se estende a fim de abranger outras atividades que estejam intimamente

    ligadas prtica da lavagem de dinheiro, assim descritos pela lei:

    "art. 1(...)

    1 incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimulara utilizao de bens, direitos e valores provenientes dequalquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:

    I -os converte em ativos lcitos;

    II - os adquire, recebe, troca, negocia, d ou recebe emgarantia, guarda, tem em depsito, movimenta ou transfere;

    III -importa ou exporta bens com valores no correspondentesaos verdadeiros."

    Assim como no caput do artigo, o 1 refere-se a um crime formal, cujo

    aperfeioamento exige apenas que o agente pratique um dos comportamentos descritos no

    tipo, sem necessidade de aperfeioamento material.

    No entanto, para responder pelo crime desse 1 , o agente deve conhecer a

    procedncia criminosa do dinheiro e ter a inteno de colaborar para a lavagem. Como coloca

    Marcos Antnio de Barros, citado por Cesar Antnio da Silva24, a forma clssica de lavagemest prevista no caput do art.1 enquanto o 1 prev a "punio de condutas laterais que

    colaboram com a lavagem".Este entendimento est claro na exposio de motivos da lei25

    quando determina que, para estes casos, exige-se o dolo direto, admitindo o dolo eventual

    somente nas hipteses do caputdo artigo.

    24SILVA, Csar Antnio da. op. cit. pg. 122.25EM n 692 / MJ.

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    gerais obedecem, segundo o art. 2, I, s disposies relativas ao procedimento comum dos

    crimes punidos com recluso. Tal previso legal se mostra dispensvel tendo em vista ser o

    Cdigo de Processo Penal perfeitamente aplicvel s legislaes especiais.

    Trata-se de uma ao penal pblica, com titularidade atribuda ao Ministrio Pblico,

    que tem incio com a denncia. Pela particularidade da lei de lavagem de dinheiro, a denncia

    pode ser instruda mesmo que presentes apenas indcios do crime antecedente, assim como o

    processo e o julgamento do crime de lavagem independe do julgamento do crime antecedente,

    conforme a lei:

    "art. 2O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:

    (...) II - independem do processo e julgamento dos crimesantecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticadosem outro pas;

    (...) 1A denncia ser instrudo com indcios suficientes daexistncia do crime antecedente, sendo punveis os fatos

    previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena oautor daquele crime."

    Perante este dispositivo legal, nota-se a autonomia do crime de lavagem de dinheiro.

    assegurada, portanto, a possibilidade de separao dos processos, em conformidade com oart. 80 do CPP. Mais do que uma convenincia do juiz, a separao processual, nestes casos,

    mostra-se indispensvel, como coloca o autor Rodolfo Tigre Maia27. Seja pelo aspecto

    instrumental, podendo estar o processo submetido legislaes estrangeiras, seja pela

    natureza material do delito, exigindo cautela por se tratar de crimes de grande porte cuja

    gravidade pe em risco a segurana nacional.

    Os requisitos da denncia seguem o disposto no art. 41 do CPP, alm da exigncia

    de indcios suficientes do crime antecedente. Do prprio 1 transcrito acima, depreende-seque "indcios suficientes" podem limitar-se materialidade do crime, sendo dispensvel

    apontar, mesmo que indiciariamente, a autoria.

    Cabe ainda a apreciao do posicionamento de alguns autores que criticam os

    procedimentos legais adotados pela Lei 9.613/98, como Csar Antnio da Silva28que coloca:

    " A Lei 9.613/98 cuida de alguns aspectos de ordeminstrumental, porm, com violao de certas garantias j

    27MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit.pg. 111.28SILVA, Csar Antnio da. op. cit. pg. 131.

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    asseguradas, em face de incoerncias, como a contradioentre o 2 do art. 2 , que veda a aplicao do art. 366 doCPP, e o 3 do art. 4 que manda aplic-lo. Somente estesartigos j so suficientes para demonstrar o despreparo donosso legislador."

    A aplicao dos efeitos da revelia, neste caso, encontra poucos adeptos na doutrina.

    Ocorre que a modificao do art. 366 do CPP, feita pela Lei 9.271, de 17/04/96, trouxe

    adequao constitucional ao CPP. A possibilidade anterior de se julgar o denunciado revelia

    feria o princpio do contraditrio resguardado pela Constituio Federal. No obstante esta

    evoluo do ordenamento jurdico, muito esperada e aclamada pelos juristas, que suspende o

    processo e a prescrio, a Lei de Lavagem afastou o preceito constitucional.

    A opo do legislador, por aplicar a revelia ao acusado citado por edital, est longe

    de ser pacificada pelos juristas. Por um lado, os que defendem o procedimento como

    constitucional, colocam que se trata de poltica criminal frente macrodelinquncia. A

    suspenso do processo seria incompatvel com os objetivos da Lei em questo, alm de

    constituir um prmio aos delinqentes deste crime que, na sua maioria, possuem um alto

    poder econmico.

    H aqueles que defendem a no aplicao do art. 366 do CPP em casos especficosde m-f processual do acusado. Ou seja, no se suspende o processo daqueles que se

    "escondem" voluntariamente com o objetivo de evitar a citao pessoal. Para esses

    doutrinadores trata-se de "inconstitucionalidade parcial da norma sem reduo do texto29, na

    busca da garantia e da efetividade processual.

    Ocorre que, na prtica, a revelia como sano ao no comparecimento em juzo pode

    ocasionar violao ao devido processo legal. Dificilmente os processos referentes lavagem

    de dinheiro correro revelia, sob pena de avaliao recursal em Corte constitucional. O autorRodolfo Tigre Maia30 coloca, portanto, este artigo como inaplicvel por ntida violao de

    preceito constitucional.

    A verdade que esta discusso doutrinria permitida pela Lei de Lavagem de

    Dinheiro gera seu enfraquecimento. Alm de demonstrar o despreparo do legislador, cria

    desnecessrios constrangimentos aos operadores do Direito. As opinies so unnimes a cerca

    da necessidade da lei, mas o mesmo no se pode dizer quanto a sua eficcia. Frente a estes

    29BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. pg. 80.30MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit.pg. 125.

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    deslizes do legislador, como a falta de adequao constitucional, a aplicao e a eficcia da lei

    se tornam frgeis e alvo fcil das crticas doutrinrias.

    Frente a isso, a melhor anlise da lei a desconsiderao de certos dispositivos,como o 2 do art. 2 , pela sua total ineficcia e inconstitucionalidade. Opta-se, portanto, pela

    eficcia da lei como um todo, tendo em vista a sua relevncia social, e relativizao de

    dispositivos esparsos e incapazes de inutilizar a lei em questo.

    Quanto a outros aspectos processuais, a Lei de Lavagem veda expressamente a

    concesso de fiana e a liberdade provisria seguindo o entendimento da Lei dos crimes

    hediondos. As crticas quanto a este dispositivo giram em torno da sua inflexibilidade e at

    inconstitucionalidade. A proibio de liberdade provisria, com ou sem fiana, vista, muitas

    vezes como priso compulsria h muito extinta do ordenamento jurdico brasileiro.

    Os questionamentos quanto proibio de liberdade provisria culminam em

    questes constitucionais como o Princpio da presuno de inocncia, presente no art. 5 ,

    LXII da CF/88. Sugerem, para tanto, que o dispositivo deveria seguir, no mximo, a

    orientao da Lei n 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, no

    seu art. 31 que dispe:

    "Art. 31. Nos crimes previstos nessa Lei e punidos com pena derecluso, o ru no poder prestar fiana, nem apelar antes deser recolhido priso, ainda que primrio e de bonsantecedentes, se estiver configurada situao que autoriza a

    priso preventiva."

    Neste dispositivo, a priso possui um carter cautelar que, segundo Cesar Antnio da

    Silva31, no est presente na Lei de Lavagem, que antecipa a execuo da sentena antes do

    trnsito em julgado.

    No entanto, o Min. Nelson Jobim32, na exposio de motivos da Lei defende que a

    proibio da liberdade provisria atende s peculiaridades do crime em questo e segue as

    tendncias jurisprudenciais, como a Smula n9 do STJ.

    No tocante fiana, a Constituio Federal, em seu art. 5 , incisos XLII, XLIII e

    XLIV prev como crimes inafianveis as prticas de racismo, tortura, trfico ilcito de

    entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, os definidos como crimes hediondos, a ao de

    31SILVA, Cesar Antnio da. op. cit.pg. 144.32EM n 692 / MJ

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    grupos armados, civis ou militares. Alguns doutrinadores, como Cesar Antnio da Silva33

    consideram que esta proviso constitucional tem como objetivo taxar e limitar os crimes em

    que no se concede fiana.

    Ocorre que o texto constitucional no probe a extenso destes crimes mediante leis

    esparsas, apenas objetiva moralizar e garantir os direito e garantias individuais. Diante de um

    crime com graves propores econmicas e sociais e legislador pode defini-lo como

    inafianvel, como o fez na Lei de Lavagem de Dinheiro, que goza do Princpio da presuno

    de constitucionalidade34.

    Em mais uma particularidade processual, a Lei de Lavagem de Dinheiro traz a

    delao premiada como um benefcio concedido no seu artigo 1 , 5, que reduz a pena de

    um e dois teros. Alm da possibilidade de reduo da pena, o juiz pode ainda conceder o

    perdo judicial ao deixar de aplicar ou substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de

    direitos.

    Esto previstas, na verdade, duas espcies distintas de premiao. Enquanto uma a

    delao premiada propriamente dita, a outra se refere confisso premiada. A primeira

    consiste na colaborao do autor, ou do co-autor, em prestar depoimentos que levem a

    determinao da autoria do fato delituoso. A segunda, por sua vez, ocorre quando h

    confisso do crime e a indicao da localizao dos bens, direitos ou valores, ou melhor, do

    objeto do crime.

    Este instituto da delao premiada est presente no ordenamento jurdico brasileiro

    em outros momentos como na Lei dos crimes hediondos (Lei 8.072, de 25/07/90), na lei dos

    crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492, de 16/06/86), na lei que define os

    crimes contra a ordem tributria (Lei 8.137, de 27/12/90), bem como na lei que dispe sobrea proteo a testemunhas e vtimas ameaadas (Lei 9.807, de 13/07/99).

    Trata-se de uma causa especial de diminuio de pena, com relevncia para a

    apurao dos crimes, devendo ser prestada espontaneamente a uma autoridade durante o

    inqurito policial ou no decorrer da ao penal at a sentena35.

    33SILVA, Cesar Antnio da. op. cit.pg. 145.34BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. pg. 84.35Idem, pg. 60.

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    Acerca deste assunto tambm podem ser encontradas na doutrina diversas opinies

    sobre sua aplicabilidade. Alguns julgam a delao premiada prevista em lei um ato eticamente

    reprovvel. Neste sentido Luiz Flvio Gomes defende:

    "Colocar em lei que o autor merece prmio difundir a culturaantivalorativa. um equvoco pedaggico enorme. Ainda que ovalor perseguido seja o de combater o crime, ainda assimconstitui um preo muito alto tentar alcanar esse fim com ummeio to questionado."36

    A inverso do nus da prova est presente no 2 do art. 4 da Lei 9.613/98, que

    assim dispe:

    "art. 4

    (...)

    2O juiz determinar a liberao dos bens, direitos e valoresapreendidos ou seqestrados quando comprovada a licitude desua origem."

    A origem de tal entendimento se encontra na Conveno de Viena (art. 5, n 7) e foi

    objeto de previso do direito argentino (art. 25 da Lei 23.737/89), segundo os argumentos da

    exposio de motivos da Lei brasileira37. Ressalta-se que esta inverso s se estende ao

    perdimento desses bens aps a condenao do ru. A Conveno de Viena38assim dispe:

    "art. 5(...)

    7 -As partes podem considerar a possibilidade de inverter onus da prova no que diz respeito origem lcita dos

    presumveis produtos ou outros bens que possam ser objeto deperda, na medida em que os princpios do respectivo direitointerno e a natureza dos procedimentos judiciais e outros o

    permitam."

    Trata-se de um dos institutos mais inovadores da Lei, que no pode ser considerado

    como lesivo CF/88. um dos pontos que garantem a eficcia da Lei e satisfaz seus

    objetivos de punir grandes e afortunados criminosos.

    fato que, ressalvados poucas opinies divergentes, a maioria dos operadores do

    direito consideram tal dispositivo justificvel e constitucional, segundo as pesquisas

    realizadas pelo Conselho de Justia Federal39.

    36GOMES, Luiz Flvio. CERVINI, Ral. Crime organizado. So Paulo: Revista do Tribunais, 1997. Pg. 165.37EM n 692 / MJ38 Uma anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro . op. cit.pg. 116.39 Uma anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro op. cit.pg. 115.

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    2.2. OUTRAS REGULAMENTAES LEGAIS

    2.2.1. Lei 7.560, de 19 de dezembro de 1986

    Cria o Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), dispe sobre bens apreendidos e

    adquiridos com produtos de trfico ilcito de drogas ou atividades correlatas. Esta lei contribui

    para o combate ao trfico ilcito de entorpecentes, ao mesmo tempo que regulamenta

    aplicao da Lei de Lavagem de Dinheiro.

    No seu art. 2, inciso VI, a Lei determina que uma das fontes de recurso da FUNAD

    proveniente da pena de perdimento, prevista no inciso I do art. 1 da Lei 9.613/98. Esta

    determinao foi inserida nesta lei de 1986 pela Lei 9.804/99, da mesma forma que institui a

    destinao dos recursos da FUNAD para o custeio das despesas relativas ao cumprimento das

    atribuies e aes do COAF (Conselho de Controle da Atividades Financeiras), segundo

    determina o art. 5, IX da lei em questo.

    Esto previstas tambm diversas outras destinaes para os recursos do Fundo como

    os programas de formao profissional sobre educao, preveno e tratamento do uso de

    drogas, programas de educao tcnico-cientfica e campanhas educativas preventivas do uso

    de drogas, organizaes voltadas ao tratamento e recuperao de usurios, entre outras.

    2.2.2. Decreto n. 2.799, de 8 de outubro de 1998

    Foi atravs deste Decreto que foi institudo o Estatuto do COAF - Conselho de

    Controle de Atividades Financeiras. Anexo ao Decreto est o Estatuto do Conselho que tem

    como finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as

    ocorrncias suspeitas de atividades ilcitas.

    O COAF integrante da estrutura do Ministrio da Fazenda, com jurisdio em todo

    territrio nacional. A organizao e as competncias do Conselho esto tambm

    regulamentadas na Portaria no. 330, de 18 de dezembro de 1998.

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    2.2.3. Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001

    Dispe sobre o sigilo das operaes de instituies financeiras. Por meio desta lei

    complementar as atividades de investigao se tornam possveis, pois determina que o BancoCentral, a Comisso de Valores Mobilirios e os demais rgos de fiscalizao, devem

    fornecer ao COAF as informaes cadastrais e de movimento de valores relativos s

    operaes que, nos termos de instrues emanadas das autoridades competentes, possam

    constituir-se em srios indcios dos crimes previstos na Lei 9.613/98.

    2.2.4. Lei 10.467/2002

    A promulgao da Lei 10.467/2002 buscou dar efetividade ao Decreto n. 3.678/2000

    que trouxe ao ordenamento jurdico brasileiro as resolues da Conveno sobre o Combate

    da Corrupo de Funcionrios Pblicos Estrangeiros em Transaes Comerciais concluda

    em Paris, em 17 de dezembro de 1997.

    Alm de incluir o crime praticado por particular contra a administrao pblica

    estrangeira como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro, modificou o Cdigo PenalBrasileiro. Tipificou a "corrupo ativa em transao comercial internacional" e o "trfico de

    influncia em transao comercial internacional" incluindo, para tanto, os artigos 337-B e

    337-C. A aplicabilidade dos artigos garantida pela incluso do art. 337-D no qual se

    conceitua "funcionrio pblico estrangeiro" e suas formas equiparadas.

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    2PARTE

    SONEGAO FISCAL COMO CRIME ANTECEDENTE AO CRIME DE

    LAVAGEM DE DINHEIRO

    CAPTULO 3 - CRIMES ANTECEDENTES AO CRIME DE LAVAGEM DE

    DINHEIRO

    Sumrio3.1. Crimes antecedentes como elementares do crime delavagem de dinheiro. 3.1.1. Taxatividade da lei. 3.1.2.Autoria e materialidade do crime antecedente. 3.2. Outroscrimes no enumerados na lei

    3.1. CRIMES ANTECEDENTES COMO ELEMENTARES DO CRIME DE

    LAVAGEM DE DINHEIRO

    As legislaes penais espanhola, sua, francesa, australiana, colombiana, entre

    outras, adotam a chamada terceira gerao no combate lavagem de dinheiro. No

    determinam quais sejam os crimes antecedentes que possibilitam a denncia de crime de

    lavagem. Por este caminho, tais legislaes consideram que o crime de lavagem se caracterizapela transformao do capital ilcito em ativos lcitos, independente da atividade que gerou o

    dinheiro "sujo".

    A legislao brasileira, por sua vez, adotou, no obstante ser de terceira gerao40, a

    chamada "segunda gerao", que opta pela enumerao dos crimes antecedentes. Estes crimes

    tornam-se, desta forma, elementares do crime de lavagem de dinheiro, sem os quais no se

    pode incriminar o sujeito pela prtica da lavagem. Segundo Celso Delmanto41:

    40MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit.pg. 68.41DELMANTO, Celso. Cdigo penal comentado. 4ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, pg. 66.

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    "Elementares. So tambm dados ou fatos, as que compem aprpria descrio do fato tpico e cuja ausncia exclui oualtera o crime".

    Estes crimes antecedentes so chamados pela doutrina de tipos diferidos ou

    remetidos. Figuram como condicio sine qua non, por serem um elemento normativo do tipo42.

    Nesse caso especfico trata-se de elemento normativo jurdico43, pois exige um juzo de

    valorao jurdico para a definio dos tipos remetidos.

    3.1.1. Taxatividade da lei

    No sistema adotado pelo Brasil no h configurao do crime de lavagem de dinheiro

    sem a existncia de um dinheiro "sujo" proveniente de um dos crimes enumerados pela lei.

    No resta dvida sobre a atuao limitada da lei por conta da opo legislativa de vincular o

    crime de lavagem a crimes taxativamente enumerados, mas, por outro lado, garante maior

    segurana jurdica.

    Tal opo do legislador brasileiro gera controvrsias doutrinrias pois, de certa

    forma, limita a aplicabilidade da lei. Dois so os pontos colocados pela doutrina quando se

    refere aos crimes antecedentes enumerados pela lei de lavagem de dinheiro, o primeiro

    quanto a incluso dos crimes de terrorismo e do crime praticado por organizao criminosa,

    que no so tipificados pelo Direito Penal. A segunda questo o silncio da lei quanto ao

    crime de sonegao fiscal e quanto a contraveno do "jogo do bicho", de forma que o

    dinheiro proveniente destas atividades no est sujeito lei de lavagem de dinheiro.

    Ao se determinar o rol de crimes antecedentes, como condio sine qua non, a lei,

    aparentemente, perde eficcia. Porm tal afirmao, defendida com veemncia por algunsdoutrinadores, no absoluta. A Lei de Lavagem, em momento nenhum, pode ser considerada

    como ineficaz ou como "letra morta". Frente sua relevncia social, a Lei deve ser aplicada

    independente de suas falhas legislativas que, apesar de evidentes, so insuficientes para

    retirar-lhe a utilidade.

    A soluo que pode ser apontada, para ampliar a utilizao da lei, a aplicao do

    inciso VII do art. 1. A expresso "organizao criminosa", embora no tipificada no Cdigo

    42BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. pg. 53.43CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral.5Ed. So Paulo:Saraiva, 2003, pg. 175.

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    Penal equiparada quadrilha ou bando, por fora da Lei 9.034/95. Nesse sentido entende o

    autor Rodolfo Tigre Maia44:

    " (...) No se criou qualquer requisito adicional dependente deintegrao hermenutica pelos operadores do Direito paradeterminar-se a presena de organizao criminosa: bastar -to somente - a presena dos requisitos tradicionalmenteexigveis para o crime descrito no art. 288 do CP, desde queassociados efetiva prtica de pelo menos um crime."

    Assim, apesar de lamentvel o conceito escolhido pelo legislador, pode ser utilizado

    em favor do interesse social. Qualquer crime praticado por mais de trs pessoas pode ser

    considerado como crime antecedente elementar ao crime de lavagem de dinheiro. Nada

    impede tal entendimento e utilizao legal, pois no se trata de interpretao extensiva da lei,mas conjugao de conceitos legais na busca dos interesses coletivos.

    3.1.2. Autoria e materialidade do crime antecedente

    A opo legislativa na Lei 9.613/98 se assemelha adotada pelo Cdigo Penal no

    crime de receptao (art. 180) onde esse delito punvel, ainda que desconhecido ou isento de

    pena o autor do crime de que proveio a coisa. O 1 do art. 2 da Lei de Lavagem de

    Dinheiro assim prev:

    1 A denncia ser instruda com indcios suficientes daexistncia do crime antecedente, sendo punveis os fatos

    previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena oautor daquele crime.

    Do texto legal infere-se que bastam indcios da materialidade do delito antecedente,

    sendo irrelevante o conhecimento da autoria. Difcil a determinao do qu seriam indciose

    em qual momento eles se tornam suficientespara o oferecimento da denncia. Nesse sentido

    entende Rodolfo Tigre Maia45:

    "(...) indcios suficientes sero aqueles que, independentementede sua quantidade, quando sopesados luz dos princpiosgerais de apreciao da prova em sede criminal, da experincia

    jurdica e das especificidades da modalidade de ilcito a que se

    44MAIA, Rodolfo Tigre. op. cit.pg. 78.45Idem.pg. 120.

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    No sistema jurdico brasileiro no h esse comprometimento da materialidade.

    Presente a ao tpica e antijurdica j se constata a existncia de um crime47. A anlise da

    culpabilidade se d depois de configuradas a tipicidade e a antijuridicidade. Desta forma

    aceitvel que, mesmo quando desconhecido o autor do crime antecedente, possa o Estado

    exercer seu poder punitivo em face do autor do crime de lavagem de dinheiro.

    3.2. OUTROS CRIMES NO ENUMERADOS NA LEI

    Por optar pela enumerao dos crimes antecedentes, a Lei 9.613/98 no permite

    interpretaes extensivas destes crimes. A lei tem a inteno de ser taxativa com relao s

    elementares do crime de lavagem, nenhum outro crime no previsto em seu texto pode ensejar

    a criminalizao por crime de lavagem de dinheiro.

    A doutrina apresenta dois crimes que poderiam, sem dvida, integrar os crimes

    antecedentes: o crime de sonegao fiscal e a contraveno do "jogo do bicho". Os que

    defendem a incluso do crime de sonegao, como crime antecedente ao crime de lavagem de

    dinheiro, baseiam seus argumentos nas enormes fortunas desviadas do errio por meio das

    fraudes fiscais, nas quais os proveitos so remetidos ao exterior, como teria ocorrido naschamadas contas CC-5. Segundo Cesar Antnio da Silva48:

    " As contas CC-5 passaram assim a ser denominadas porquecriadas pela Carta-Circular n 5, de 1969, expedida pelo

    Banco Central, permitindo a remessa de dinheiro do Brasilpara o estrangeiro e vice-versa. Quando o dinheiro retorna, j'lavado', aplicado nos fundos como se fosse dinheiroestrangeiro, pertencente a estrangeiro; porm , trata-se dedinheiro brasileiro 'lavado', pertencente a brasileiro."

    Quanto sonegao fiscal, existem alguns argumentos jurdicos e polticos para ano incluso no sentido de que, neste caso, corre anteriormente um processo administrativo.

    Este processo administrativo, para alguns doutrinadores, vincula o processo penal. Assim

    como coloca Ives Gandra da Silva Martins, citado por Cesar Antnio da Silva49: "(...)

    ningum poder ser condenado por crime tributrio quando ainda pender de julgamento o

    processo administrativo."

    46SILVA, Csar Antnio da. op. cit. pg. 101.47CAPEZ, Fernando. op. cit., pg. 268.48SILVA, Cesar Antnio da. op. cit.pg. 6349Idem.pg. 64.

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    Em sentido contrrio a Ives Gandra, doutrinadores, como o prprio Cesar A. de

    Silva, defendem que, condicionar o processo penal ao processo administrativo, seria dar maior

    credibilidade instncia administrativa em detrimento da judiciria.

    No entanto, a Lei 9430/96 no deixa dvidas ao exigir o esgotamento da via

    administrativa para a caracterizao do crime de sonegao:

    "Art. 83.A representao fiscal para fins penais relativa aoscrimes contra a ordem tributria definidos nos arts. 1 e 2 da

    Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ser encaminhada aoMinistrio Pblico aps proferida a deciso final, na esferaadministrativa, sobre a existncia fiscal do crdito tributriocorrespondente.

    Pargrafo nico.As disposies contidas no caput do art. 34da Lei n 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aosprocessos administrativos e aos inquritos policiais eprocessos em curso, desde que no recebida a denncia pelojuiz."

    O posicionamento doutrinrio no est ainda pacificado por conta da existncia da

    Smula 609 do STF: pblica incondicionada a ao penal por crime de sonegao fiscal.

    Porm, h de se considerar que tal Smula, editada em 1984, tinha a inteno de regulamentar

    o entendimento da legislao em vigor poca. A matria era regulamentada pela Lei

    4729/65 que se omitia quanto necessidade de esgotamento da instncia administrativa

    tributria.

    Frente atual legislao, a citada Smula no parece ter aplicabilidade. ntida a

    inteno da Lei 9430/96 em garantir a comprovao da materialidade do crime de sonegao

    fiscal por via administrativa para, s ento, dar incio ao penal. Ressalvada, ainda, a

    extino da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denncia.

    Assim, o contribuinte que praticar os atos previstos no art. 1 ou 2 da Lei 8.137/90,

    ser alvo de investigao administrativa, mas poder reconhecer a sonegao ou a fraude por

    meio do pagamento, antes do recebimento da denncia. Com o pagamento, afasta a

    punibilidade e, seu ato anterior, de sonegao ou fraude, no pode ser considerado ato ilcito

    capaz de dar incio ao penal nem configurar um crime antecedente ao crime de lavagem

    de dinheiro.

    Em consonncia com esse pensamento est o Parecer n. 1004/2002 emitido peloCOAF, em 28 de agosto de 2002, sobre o Projeto de Lei n. 6850/2002 de autoria do Deputado

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    Hlio de Oliveira Santos que prope, entre outras mudanas, a incluso do crime de

    sonegao como crime antecedente:

    "(...) 8 - Na prtica, a proposio seria equivalente revogao dos objetivos do Decreto n 2.730, de 10 de agostode 1998, que dispe sobre o encaminhamento ao MinistrioPblico Federal da representao fiscal para fins penais de quetrata a Lei n 9.430/96.

    9 - Nesse Decreto (n 2.730) o pagamento do crdito tributrioe consectrios extingue o processo fiscal e, por conseguinte,obsta a comunicao dos fatos ao Ministrio Pblico (art. 2).

    A eventual aprovao do Projeto de Lei sob comento,transformaria o delito em crime de ao pblicaincondicionada, donde, mesmo terminados os procedimento

    fiscais, prosseguiriam os trmites processuais em decorrnciada tipificao de lavagem. Essa especial situao, comcerteza, inibiria o pagamento por parte do contribuinte faltoso,objetivo primeiro do fisco."(grifo nosso)

    O argumento decisivo para a no incluso est presente na exposio de motivos da

    lei, em que o Min. Nelson Jobim observa que o crime de lavagem s se caracteriza com a

    incluso de capital, proveniente de crime, na economia. imprescindvel que este ato do

    agente se configure como um aumento do seu patrimnio. E conclui:

    "(...) Por isso que o projeto no inclui, nos crimesantecedentes, aquele delitos que no representam agregao,ao patrimnio do agente, de novos bens, direitos ou valores,como o caso da sonegao fiscal. Nesta, o ncleo do tipoconstitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigao fiscal.

    No h, em decorrncia de sua prtica, aumento de patrimniocom a agregao de valores novos. H, isto sim, manutenode patrimnio existente em decorrncia do no pagamento deobrigao fiscal."

    Como visto, existem vrios argumentos que convergem para o entendimento de que a

    incluso do crime de sonegao fiscal como crime antecedente ao de lavagem no condiz nem

    com os objetivos da Lei, nem com os interesses da administrao pblica em ter os tributos

    pagos devidamente.

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    CAPTULO 4 - INFRAES E CRIMES FISCAIS

    Sumrio

    4.1. Classificao do crime de sonegao fiscal. 4.2.Processo de apurao do crime de sonegao fiscal. 4.3.Extino da punibilidade pelo pagamento do tributo.

    4.1. CLASSIFICAO DO CRIME DE SONEGAO FISCAL

    Parte da doutrina opta por fazer distino entre infraes e crimes tributrios50.

    Enquanto as primeiras obedecem as normas de direito administrativo, os segundos seguem os

    princpios e normas do direito penal e esto descritos na Lei 8.137/90 como crimes contra a

    ordem tributria, bem como no Cdigo Penal Brasileiro, como o contrabando e o descaminho,

    por exemplo.

    A configurao de um crime tributrio pressupe dupla infrao, um delito descrito

    na norma penal e uma transgresso a um dever tributrio. Por outro lado pode haver uma

    inobservncia de um dever fiscal sem que se configure um crime. Nesse sentido51:

    "Na verdade, h uma compreenso de que o injusto penaldepende do injusto tributrio, isto , existe o princpio daunidade do injusto penal e tributrio (como penal-civil,

    penal-comercial etc). Os crimes contra a ordem tributria,supem no s a realizao das condutas tpicas, descritasna lei penal, como ainda, obrigatoriamente, a ofensa dosdeveres tributrios, logo, se o direito tributrio autoriza ocomportamento, exclui-se a antijuridicidade e no seconfigura o crime tributrio. As espcies penais socomplementadas pelas normas tributrias, da falar-se quea lei penal tributria lei penal em branco."

    50CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio.So Paulo: Saraiva, 2005, pg. 51051 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Notas sobre o ilcito tributrio na doutrina e na jurisprudncia doSupremo Tribunal Federal . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 274, 7 abr. 2004. Disponvel em:

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    A Lei 4.729/65, anterior nova regulamentao, designava os crimes como

    "sonegao tributria" nos quais bastava a prtica de qualquer das condutas, independente do

    resultado. Por sua vez, a Lei dos crimes contra a ordem tributria em vigor os classifica como

    delitos de dano, cujo resultado descrito, "suprimir ou reduzir tributos", deve ser alcanado

    para a consumao do crime. Ou seja, sem leso ao bem jurdico tutelado no h crime.

    A natureza de crime de dano fica clara no art.1da Lei 8.137/90. Porm, a mesma

    clareza no evidente no art.2da referida lei o qual prev: "fazer declarao falsa ou omitir

    declarao(...)"; "deixar de recolher(...)"; "exigir, pagar ou receber(...)"; "deixar de

    aplicar(...)" "utilizar ou divulgar programa(...)". No obstante descreverem crimes formais,

    podem se interpretados como crimes materiais visto que o caput do pargrafo determina que

    se constituem "crimes de mesma natureza".52 Assim, da mesma forma que as condutas

    descritas no art. 1, enquanto no verificado dano ao bem jurdico tutelado o crime no se

    consuma.

    As infraes e os crimes tributrios tambm podem ser classificados quanto

    participao do agente em subjetivos ou objetivos. A regra geral em direito tributrio a da

    infrao objetiva, assim consideradas quando a vontade do agente no tem relevncia para a

    apurao do crime. Nesse caso, a norma descreve o resultado que, se atingido, configura o atoilcito, mesmo que ausente o dolo ou a culpa do infrator. o caso, por exemplo, do no

    pagamento do imposto predial e territorial urbano at a data prevista53.

    As infraes subjetivas, por outro lado, s se configuram quando provado que o autor

    atuou com dolo ou com culpa, conforme previso legal. o que ocorre quando o contribuinte

    do imposto de renda omite alguma receita a fim de recolher quantia menor que a devida. A

    legislao do Imposto sobre Produtos Industrializados, Decreto n. 4544/2002, descreve trs

    ilcitos claramente subjetivos - sonegao, fraude e conluio - da seguinte forma54:

    "Sonegao toda ao ou omisso dolosa tendente a impedirou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parteda autoridade fazendria: I - da ocorrncia do fato gerador daobrigao tributria principal, sua natureza ou circunstnciasmateriais; II - das condies pessoais do contribuinte,

    52SOUZA, Nelson Bernardes de. Crimes contra a ordem tributria e processo administrativo. Jus Navigandi,

    Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponvel em: . Acesso em:25 de maro de 2006.53CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., pg. 512.54Idem.pg. 512.

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    suscetveis de afetar a obrigao tributria principal ou ocrdito tributrio correspondente.

    Fraude toda ao ou omisso dolosa tendente a impedir ouretardar, total ou parcialmente, a ocorrncia do fato geradorda obrigao tributria principal, ou a excluir ou modificar assuas caractersticas essenciais, de modo a reduzir o montantedo imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.

    Conluio o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturaisou jurdicas, visando qualquer dos efeitos da sonegao ou da

    fraude."

    Os exemplos de infraes ou crimes subjetivos podem ser encontrados em diversas

    leis tributrias e no h impedimento para que o legislador crie ou modifique outros. A

    previso legal, no entanto, deve ser expressa j que, como visto, e segundo o art. 136 doCdigo Tributrio Nacional, a regra geral o do delito objetivo.

    Luciano Amaro55 comentando o art. 136 do CTN aduz que:

    "O preceito questionado diz, em verdade, que aresponsabilidade no depende da inteno, o que torna (em

    princpio) irrelevante a presena de dolo (vontade conscientede adotar conduta ilcita), mas no afasta a discusso de culpa(em sentido estrito)."

    Seguindo esse entendimento, alguns doutrinadores entendem que a responsabilidade

    do art. 136 no plenamente objetiva. Pode o suposto sonegador, para eximir-se de sano,

    basear sua defesa na ausncia de culpa, porm no na ausncia de dolo nos delitos objetivos.

    A particularidade dos delitos subjetivos de que a inteno do contribuinte, essencial

    para a consumao do crime ou da infrao, deve ser provada, j que o dolo e a culpa no se

    presumem. Porm, comum que o legislador tributrio, inadvertidamente, inclua no texto

    legal a presuno do dolo do agente, fato que fere os princpios gerais do Direito.

    Dessa forma, o crime de sonegao fiscal um delito subjetivo que visa impedir ou

    retardar, dolosamente, o conhecimento da autoridade fazendria da ocorrncia do fato

    gerador ou de condies pessoais do contribuinte. Portanto, no pode ser confundido com o

    mero inadimplemento de algum tributo, caso em que no h qualquer indcio de m-f do

    55 In:NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. op.cit.

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    contribuinte. No inadimplemento o que ocorre a falta de pagamento, sem inteno dolosa ou

    emprego de meios fraudulentos56.

    4.2. PROCESSO DE APURAO DO CRIME DE SONEGAO FISCAL

    Outro ponto de controvrsia quanto ao crime de sonegao fiscal o conflito entre o

    processo administrativo e o judicial. A princpio as duas esferas so independentes e

    trabalham dentro das suas competncias. No entanto, nem sempre essa independncia entre os

    poderes Executivo e Judicirio absoluta.

    O Brasil, desde a Constituio de 1897, opta pelo princpio da universalidade dajurisdio ou princpio da garantia jurisdicional. Nesse sentido prev a atual Constituio

    Federal:

    Art. 5 XXXV - a lei no excluir da apreciao do Poder

    Judicirio leso ou ameaa a direito.

    Conjugado ao monoplio da jurisdio pelo Poder Judicirio est a separao dos

    poderes tambm prevista constitucionalmente:

    Art. 2 So poderes da Unio, independentes e harmnicos

    entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio.

    Se por um lado a administrao no tem poder jurisdicional, por outro o Poder

    Judicirio no poderia interferir nas decises de cunho administrativo. Como esta recproca

    no verdadeira, j que no se pode afastar a apreciao do Poder Judicirio, melhor

    afirmar que "julgar a administrao ainda julgar e no administrar"57 . Desta forma, a

    separao dos poderes implica dizer que o Poder Judicirio pode julg