Upload
sanmyl
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
1/64
Universidade de BrasliaBanco Central do Brasil
Coordenao de Extenso da Faculdade de DireitoCurso de Ps-Graduao lato sensuem Direito Econmico da Regulao Financeira
CLOVIS JOS RONCATO
TTULO DA MONOGRAFIA
SONEGAO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO
BRASLIA DFMAIO/2006
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
2/64
2
CLOVIS JOS RONCATO
TTULO DA MONOGRAFIA:
SONEGAO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO
Monografia apresentada Faculdade de Direito daUniversidade de Braslia (UnB), Braslia, Distrito Federal, paraa obteno do ttulo de especialista em Direito Econmico da
Regulao Financeira.
Orientador: Ricardo Vieira Orsi
BRASLIA DFMAIO/2006
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
3/64
3
SUMRIO
Introduo.........................................................................................................................................................01
1 Parte
Lavagem de Dinheiro
Captulo 1 - Origem e evoluo histrica do crime de lavagem de dinheiro
1.1. Origem histrica do crime de lavagem de dinheiro....................................................................................04
1.2. Mecanismos e normas internacionais para o combate lavagem de dinheiro.........................................071.2.1. Conveno de Viena de 1988................................................................................................08
1.2.2. Grupo de Ao Financeira Internacional (GAFI).................................................................08
1.2.3. Conveno de Estrasburgo de 1990.......................................................................................09
1.2.4. Diretiva 308/1991 das Comunidades Europias..................................................................10
1.2.5. Conveno de Palermo de 2000...........................................................................................10
Captulo 2 - Combate lavagem de dinheiro no Brasil
2.1. Lei 9.613/1998..........................................................................................................................................11
2.1.1. Bem jurdico tutelado........ ..................................................................................................12
2.1.2. Crimes antecedentes............................................................................................................15
2.1.3. Outros crimes derivados......................................................................................................23
2.1.4. Do procedimento e do julgamento......................................................................................24
2.2. Outras regulamentaes legais.................................................................................................................29
2.2.1.Lei 7.560/1986........................................................................................................................29
2.2.2.Decreto n. 2799/1998.............................................................................................................30
2.2.3. Lei Complementar 105/2001..................................................................................................30
2.2.4. Lei 10.467/2002......................................................................................................................31
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
4/64
4
2 Parte
Sonegao fiscal como crime antecedente ao crime de lavagem de dinheiro
Captulo 3 - Crimes antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro
3.1.Crimes antecedentes como elemantares do crime de lavagem de dinheiro.........................................32.
3.1.1.Taxatividade da Lei............................................................................................................33
3.1.2.Autoria e materialidade do crime antecedente...................................................................34
3.2.Outros crimes no enumerados pela lei...............................................................................................36
Captulo 4 - Infraes e crimes fiscais
4.1. Classificao do crime de sonegao fiscal......................................................................................39
4.2. Processo de apurao do crime de sonegao fiscal.........................................................................42
4.3. Extino da punibilidade pelo pagamento do tributo.......................................................................44
Captulo 5 - Motivos que justificam a no incluso do crime de sonegao fiscal como crime antecedente aocrime de lavagem de dinheiro...................................................................................................................46
CONCLUSO.........................................................................................................................................52
BIBLIOGRAFIA
Livros e Artigos........................................................................................................................55
Legislao e Jurisprudncia......................................................................................................59
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
5/64
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
6/64
6
de dinheiro garante a proteo a outros bens de interesse coletivo, como a administrao da
justia.
Diz-se que o crime de lavagem de capitais um crime complexo, pois depende daexistncia do crime antecedente. Esta uma das discusses mais presentes entre os
doutrinadores pois, de certo modo, compromete a aplicabilidade da lei no momento em que
limita a tipificao da lavagem vinculao dos crimes descritos nos incisos de I VIII do
artigo 1 da Lei 9.613/98. Acerca desta questo, os estudiosos na matria colocam que a
eficcia da lei fica prejudicada, pois os crimes antecedentes ali descritos no englobam todas
as possibilidades de atividades ilcitas que acarretam a lavagem de ativos financeiros. Crimes
como o de sonegao fiscal e outras atividades ilcitas, como o jogo do bicho, no esto
includos na lei.
Diante dessas crticas, preciso defender certos aspectos da lei. O presente trabalho
se dedica a analisar a no incluso do crime de sonegao fiscal como crime antecedente. O
legislador optou por enumerar de forma taxativa os crimes que mereciam maior tutela do
Estado. Sendo o interesse pblico o maior motivador do legislador, por meio dele que se
deve auferir a opo pela criminalizao de certas atividades.
O que se quer alcanar com as sanes penais em uma sociedade deve estar muito
bem definido no seu ordenamento jurdico. A eficcia da norma penal depende da sua
adequao aos anseios do interesse pblico. Ou seja, a mera punio do agente nem sempre
cumpre a inteno de coibir a prtica da ao criminosa ou restituir o bem tutelado. Dessa
forma, como ocorre com o crime de sonegao fiscal, a lei penal pode prever outros
mecanismos de tutela ao bem jurdico que transcendem a recluso ou a pena de multa.
Identificar a melhor forma de tutela dos bens essencial para a norma penal.Enquanto as leis existentes prevem a possvel extino da punibilidade pelo pagamento do
tributo antes do recebimento da denncia, ao mesmo tempo demonstram o desinteresse do
Estado em mover uma ao penal contra quem poderia, simplesmente, pagar o que deve e,
assim, recompor os danos ao errio. Por essa hiptese, entre outras expostas ao longo do
trabalho, caberia a opo pela taxatividade dos crimes antecedentes.
A Lei 9.613/98 seria, portanto, plenamente eficaz tal como se apresenta. Mesmo
diante das crticas doutrinrias quanto ao seu contedo, pode-se dizer que sua eficcia
garantida mediante sua correta utilizao e cooperao dos rgos estatais envolvidos.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
7/64
7
No entanto no se pretende aqui propugnar contra a evoluo e a adaptao da lei
diante de novos fatos. certo que o crime de lavagem de dinheiro adquire, a cada dia, novas
caractersticas que exigem do Estado novas capacidades e mecanismos de combate. Porm,
todas as modificaes legislativas devem passar por um rigoroso processo de debate a fim de
que sejam respeitados os princpios gerais do Direito e a Constituio Federal.
A partir de opinies doutrinrias de consagrados operadores do Direito e tambm
novos argumentos que defendem a adequao da Lei de lavagem de dinheiro ao sistema
jurdico brasileiro, esse trabalho visa contribuir para a valorizao do debate jurdico acerca
dessa rea pouco explorada em suas novas e diversas dimenses.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
8/64
8
1PARTE
LAVAGEM DE DINHEIRO
CAPTULO 1 - ORIGEM E EVOLUO HISTRICA DO CRIME DE LAVAGEM
DE DINHEIRO
Sumrio
1.1.A origem histrica do crime da lavagem de dinheiro.1.2. Mecanismos e normas internacionais para o combatedo crime de lavagem de dinheiro.
1.1. A ORIGEM HISTRICA DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
A expresso 'lavagem de dinheiro' surgiu na dcada de 20, nos Estados Unidos.
Naquela poca, as quadrilhas que visavam transformar o dinheiro obtido de forma ilcita em
dinheiro "legal", de forma que passasse a integrar a economia formal, o faziam atravs de
empresas "de fachada", com giro rpido de dinheiro. A maioria destes criminosos se utilizava
de lavanderias e lava-rpidos, o que possibilitava a incluso do dinheiro "sujo" juntamente
com o dinheiro obtido legalmente.3
Os objetivos das quadrilhas pioneiras no crime de lavagem de dinheiro eram os
mesmos das quadrilhas de hoje: desvincular os recursos provenientes do crime das atividades
criminosas que os geraram. No entanto, os mtodos para alcanar estes objetivos no so mais
os mesmos, a globalizao dos mercados proporcionou o desenvolvimento de inmeras outras
tcnicas mais sofisticadas e ousadas. Infelizmente, a mesma evoluo no ocorreu com as
tcnicas de preveno e combate a este crime.
Dos pases pioneiros no combate lavagem de dinheiro destaca-se a Itlia que, em
1978, j desenvolveu a conduta tpica que se resumia imposio de obstculos na
3LILLEY, Peter.Lavagem de dinheiro. So Paulo: Futura, 2001, pg. 16.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
9/64
9
identificao das origens dos bens. Muito se desenvolveu depois disso, tanto nas legislaes
internas como no mbito internacional.4
A cooperao internacional no combate lavagem de dinheiro teve um marcodecisivo na Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e de Substncias
Psicotrpicas, em Viena, no ano de 1988. A fim de prevenir a macrodelinqncia econmica
da comunidade internacional, pases como o Brasil (Decreto n. 154, de 26/06/91), signatrios
da Conveno, assumiram este compromisso internacional de combate interno e de
cooperao entre as naes. A prpria Itlia, aps este acordo internacional, tratou de
modificar sua legislao j existente e incluiu o trfico de entorpecentes como crime
antecedente da lavagem de dinheiro.
A conveno estabelece que os pases signatrios se comprometem a adotar medidas
que incriminem "a converso ou a transferncia de bens oriundos da atividade criminosa
conexa como trfico de substncia estupefaciente ou psicotrpica, com finalidade de
esconder ou encobrir a provenincia ilcita. O acordo tambm estabelece o confisco dos
produtos do crime ou dos bens e prope que o sigilo bancrio no seja to rigoroso."5
As normas desenvolvidas a partir da Conveno de Viena so chamadas deprimeira
geraoe prevem como crime antecedente unicamente o crime de trfico de drogas. A partir
de novos estudos e encontros internacionais, a troca de experincias mostrou que outros
crimes podem estar conexos com a lavagem de dinheiro. Desta forma foi desenvolvida a
segunda geraode legislaes, que ampliou o rol de crimes antecedentes conforme as 40
recomendaes do GAFI publicadas em 1990.
As legislaes de segunda geraooptaram por prever um rol taxativo de crimes
antecedentes, no permitindo a incriminao dos agentes por lavagem de dinheiro em caso deprtica de outros crimes no enumerados. A presso internacional, no entanto, tende a impor a
chamada terceira gerao, onde qualquer crime pode estar conexo com a lavagem de
dinheiro. Apesar da tendncia mundial em adotar a terceira gerao, pases como o Brasil,
encontram limites nas normas legislativas internas.
4SILVA, Csar Antnio.Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2001, pg. 34.5 Uma anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro/ Conselho de Justia Federal, Centro de EstudosJudicirios, Secretaria de Pesquisa e Informao Jurdicas. Braslia: CJF, 2002. Pg. 30
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
10/64
10
No obstante a participao brasileira na Conveno6, o pas s veio a desenvolver
legislao pertinente em 1998 com a Lei 9613/98, com a adoo de norma de segunda
gerao. Apesar das constantes crticas proferidas esta lei deve-se consider-la, no entanto,
como o primeiro grande passo na busca da preveno e do combate lavagem de dinheiro no
pas. necessrio se considerar que so inmeras as dificuldades na preveno desta
modalidade criminosa, pois trata-se de um crime complexo, com origens e ramificaes das
mais diferenciadas que se conhece.
A gravidade do crime de lavagem nem sempre visvel no cotidiano de um pas. Por
se tratar de um crime macroeconmico tem-se muitas vezes a falsa impresso de que suas
conseqncias s podem ser observadas no mbito internacional. Por esta distorcida viso
acerca do crime de lavagem, as autoridades mundiais no deram a devida ateno
investigativa, tampouco legislativa ao fenmeno. O que era, de incio, um crime isolado de
grupos criminosos especficos tornou-se um crime difundido mundialmente e em crescente
aperfeioamento.
As condies atuais, desde a globalizao at as formas de comunicao, como a
internet, proporcionaram uma maior velocidade das operaes financeiras e ofereceram o
ambiente ideal para a propagao desta modalidade criminosa, tambm pelo anonimato dosoperadores. A lavagem de dinheiro, portanto, pode ser feita de maneira virtual, sem a real
vinculao entre nomes e atividades.
Dentre outros aspectos atuais que propiciam a lavagem de dinheiro pode-se destacar
o interesse dos mercados financeiros. O mercado global pouco se preocupou em se resguardar
das atividades financeiras de origem ilcita e, muitas vezes, estimulou o mundo da ilegalidade
atravs dos sigilos das operaes financeiras internacionais. Se por um lado o pas sofre
internamente com o ciclo vicioso da lavagem, o mercado financeiro lucra com a
movimentao financeira gerada por crimes como o trfico ilcito de entorpecentes,
terrorismo, contrabando entre outros.
Como se v, a atual realidade econmica globalizada e informatizada, atua como
terreno frtil para multiplicao dos crimes internacionais como o crime de lavagem de
dinheiro. Por se tratar, como poucos, de um crime dinmico e em constante evoluo,
necessrio que as formas de preveno e de combate tambm evoluam com a mesma rapidez.6Conveno contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e de Substncias Psicotrpicas, em Viena, no ano de
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
11/64
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
12/64
12
1.2.1. Conveno de Viena
Realizada em 1988 a Conveno de Viena estabeleceu as primeiras linhas no
combate lavagem de dinheiro. Mesmo que tenha previsto como crime antecedente apenas otrfico de drogas e de substncias entorpecentes, a Conveno foi importante por ter definido
o tipo penal7:
Artculo 3. 1. b. i) La conversin o la transferencia de bienes asabiendas de que tales bienes proceden de alguno o algunos delos delitos tipificados de conformidad con el inciso (a) del
presente prrafo, o de un acto de participacin en tal delitos ode ayudar a cualquier persona que participe en la comisin detal delito o delitos a iludir las consecuencias jurdicas de sus
acciones.
ii) La ocultacin o el encubrimiento de la naturaleza, el origen,la ubicacin, el destino, el movimiento o la propriedad realesde bienes, o de derechos relativos a tales bienes, a sabiendas deque preceden de alguno o algunos de los delitos tipificados enconformidad con el inciso (a) del presente prrafo o de un actode participacin en tal delito o delitos.
Alm desse primeiro esboo da tipificao criminal, disps sobre a cooperao
internacional, previu a inverso do nus da prova ao que se refere origem ilcita dos bens do
acusado, bem como a possibilidade de quebra do sigilo bancrio.
1.2.2. Grupo de Ao Financeira Internacional (GAFI)
O Grupo de Ao Financeira Internacional (GAFI) foi criado em 1989 pelo chamado
G-7 - o grupo dos sete pases mais industrializados - com o objetivo de combater a lavagem
de dinheiro. Hoje, conta com 33 membros, 31 pases e governos e duas organizaesinternacionais. Conta ainda com mais de 20 observadores: cinco organismos regionais de tipo
GAFI e mais de 15 outras organizaes internacionais ou organismos8.
A adeso de outros pases ao Grupo garantiu maior efetividade cooperao
internacional, essencial ao combate ao crime de lavagem de dinheiro. A atuao do Grupo se
7BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot.Lavagem de dinheiro. So Paulo:Malheiros, 2005, pg. 138.8As quarenta recomendaes - GAFI. Disponvel em: www.fazenda.gov.br/coaf Acessado em 20 de janeiro de2005.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
13/64
13
materializou em 1990 quando foram publicadas as 40 Recomendaes, revisadas em 1996 e
em 2003.
Trata-se de um documento, no obrigatrio, mas de carter exemplificativo das aesque podem ser tomadas pelos pases interessados em cooperar. O documento preocupa-se
com os sistemas jurdicos, com as medidas a serem adotadas pelas instituies financeiras e
com a cooperao internacional.
A principal contribuio do GAFI foi a proposta de ampliao dos crimes
antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro. At ento, pela Conveno de Viena, o crime
de trfico de drogas era o foco das aes internacionais. Com a expresso "categorias de
infraes designadas", o documento sugeriu a previso de crimes como o terrorismo, a
explorao sexual, trfico de bens roubados, corrupo e suborno, fraude, pirataria, crimes
contra o ambiente, rapto, extorso, falsificao, manipulao de mercado, entre outros.
Em 2001, o GAFI desenvolveu outro documento especialmente dirigido ao combate
ao terrorismo no mundo, chamado de Oito Recomendaes Especiais sobre o Financiamento
do Terrorismo. A recomendao de que os dois documentos sejam tomados conjuntamente
no combate macrodelinqncia que supera as barreiras geogrficas.
1.2.3. Conveno de Estrasburgo de 1990
Aprovada pela Conveno do Conselho da Europa em 1990, a Conveno de
Estrasburgo entrou em vigor apenas em 1de setembro de 1993. Com o objetivo de atingir
uma poltica criminal comum entre os Estados-membros da ento Conveno de Europa, o
documento uma importante referncia a todos os pases que pretendem implementar o
combate lavagem de dinheiro.
A Conveno prev medidas a serem tomadas em mbito nacional e de cooperao
entre os Estados-membros. Entre as inovaes pode-se destacar a ampliao dos crimes
antecedentes e a previso de perda de instrumentos e do produto do crime.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
14/64
14
1.2.4. Diretiva 308/1991 das Comunidades Europias
Trata-se de um documento, de carter obrigatrio, aprovado em 10 de junho de 1991
pelo Conselho das Comunidades Europias com o objetivo de dificultar a utilizao dosistema financeiro na lavagem de dinheiro.
Alm das questes penais, como a definio do crime de lavagem de dinheiro, a
diretiva mantm seu foco nas atividades das instituies financeiras e dos estabelecimentos de
crdito e os obriga a identificar seus clientes, informar s autoridades competentes sempre que
suspeitarem de alguma transao, no proceder transaes que acreditem serem suspeitas,
entre outras aes impostas aos Estados-membros.
1.2.5. Conveno de Palermo de 2000
Tambm conhecida como Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, a Conveno de Palermo foi aprovada em dezembro de 2000 com o objetivo
de prevenir crimes como o trfico de pessoas e tambm de lavagem de dinheiro.
Em seu texto a Conveno prev a ampliao dos crimes antecedentes, dando
especial destaque aos crimes praticados por organizaes criminosas e corrupo.
Determina tambm a responsabilidade penal, civil ou administrativa das pessoas jurdicas,
normas de cooperao internacional com possibilidade de extradio, entre outras aes de
assistncia judiciria recproca.
No entanto, a principal contribuio da Conveno de Palermo foi a definio de
grupo criminoso organizado, que serve como referncia a pases como o Brasil que buscamuma integrao legislativa com a comunidade internacional9:
"Artigo 2, a - Grupo criminoso organizado - grupo estruturadode trs ou mais pessoas, existente h algum tempo e atuandoconcertadamente com o propsito de cometer uma ou maisinfraes graves ou enunciadas na presente Conveno, com ainteno de obter, direta ou indiretamente, um benefcioeconmico ou outro benefcio material."
9BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot. op. cit.pg. 216.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
15/64
15
CAPTULO 2 - COMBATE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL
Sumrio
2.1. Lei 9.613/1998. 2.1.1. Bens jurdicos tutelados 2.1.2.Crimes antecedentes. 2.1.3. Outros crimes derivados. 2.1.4. Doprocedimento e do julgamento. 2.2. Outras regulamentaeslegais. 2.2.1. Lei 7.560/1986. 2.2.2. Decreto n. 2.799/1998. Leicomplementar 105/2001. 2.2.4. Lei 10.467/2002.
2.1. LEI 9.613/1998
A partir das experincias de outros pases e frente ao seu dever assumido diante da
Conveno de Viena de 1988, ratificada no Decreto n. 156 de junho de 1991, o Brasil editou a
Lei 9.613/98, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro. Trata-se de uma lei que reflete
antigos anseios da sociedade no combate, no s da lavagem de dinheiro, mas dos crimes
antecedentes, mesmo que de forma indireta, atravs do poder coercitivo das penas previstas na
lei.
sua maneira, a legislao brasileira define a lavagem de capitais na exposio de
motivos da Lei10
"(...) constitui um conjunto de operaes comerciais oufinanceiras que procuram a incorporao na economia de cadapas, de modo transitrio ou permanente, dos recursos, bens eservios que geralmente 'se originan e estn conexos com
transacciones de macro o micro trfico ilcito de drogas', comoreconhece a literatura internacional em geral e especialmenteda Amrica Latina (cf. Raul Pea Cabrera, Tratado de DerechoPenal - Trafico de drogas y lavado de dinero, Ediciones
Juridicas, Lima, Peru, IV/54)"
A Lei 9.613/98 uma complexa interao de diversos ramos do Direito, como
Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Internacional, Administrativo, Financeiro e
Comercial, possibilitando ainda discusses constitucionais.
10EM n 692/ MJ.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
16/64
16
estruturada em nove captulos, respectivamente: 'Dos crimes de lavagem ou
ocultao de bens, direitos e valores'; 'Disposies processuais especiais'; 'Dos efeitos da
condenao'; 'Dos bens, direitos e valores oriundos de crimes praticados no estrangeiro'; 'Das
pessoas sujeitas Lei'; 'Da identificao dos clientes e manuteno dos registros'; 'Da
comunicao de operaes financeiras'; 'Da responsabilidade administrativa'; 'Do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras'.
A referida lei materializa os novos princpios do Direito que priorizam o interesse
coletivo. No h que se questionar, portanto, a invaso da privacidade no caso da quebra do
sigilo bancrio, por exemplo. Neste caso, em que a criminalidade atingiu nveis absurdos e
quase que incontrolveis, o interesse coletivo deve se sobrepor aos interesses individuais. A
lei de lavagem de dinheiro brasileira no , sem dvida, das mais modernas, mas um
primeiro passo para o desenvolvimento de uma legislao e de uma estrutura eficiente no
combate macrodelinquncia econmica.
O fato que a lei pode, assim como se apresenta, gerar bons resultados na preveno
e no combate aos crimes, tanto de lavagem como dos antecedentes. O que a lei exige, no
entanto, uma atuao conjunta de diversos rgo governamentais, tais como o Ministrio
Pblico, o Poder Judicirio, o Ministrio da Fazenda, dentre outros, com o fim de se garantirsua aplicabilidade e eficcia.
2.1.1. Bens jurdicos tutelados
A partir da aplicao prtica da Lei que surge a necessidade de melhor definio do
conceito do crime de lavagem de dinheiro. Para isso, indispensvel que se aprofunde o
estudo terico sobre quais so os objetivos e o alcance da Lei.
O desenvolvimento da Lei 9.613/98 se deu em resposta a uma necessidade
internacional de combate a crimes transnacionais e de natureza macroeconmica. Porm,
mesmo tendo se inserido entre os pases que combatem a lavagem de dinheiro, no Brasil ainda
persistem crticas quanto adoo do sistema de segunda gerao, o qual define
taxativamente os crimes antecedentes.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
17/64
17
Seja por no ter o legislador se preocupado em tipificar todos os crimes antecedentes,
seja por defender o sistema de terceira gerao, que deixa em aberto os possveis crimes
conexos, os crticos da Lei condenam-na ineficcia.
Em defesa do interesse coletivo em ver o efetivo combate lavagem de dinheiro,
bem como aos crimes antecedentes, no se pode descartar de todo o ato legislativo. Mesmo
que no atinja todos os seus objetivos, a Lei 9.613/98 pode, e deve, ser utilizada como um
instrumento da manuteno da democracia, da livre economia e da paz social.
Inserida no Direito Penal Econmico, a Lei de lavagem de dinheiro guarda um
carter subsidirio em relao ao Direito Penal11. Os crimes enumerados na Lei foram assim
selecionados tendo em vista a insuficincia das sanes j previstas no Cdigo Penal e nas leis
j existentes. No haveria razo para a punio agravada se um nico bem jurdico estivesse
sendo violado ou fosse este irrelevante ao interesse coletivo.
A inteno do legislador agravar a punio do agente frente gravidade e ao
alcance dos delitos. A complexidade das condutas criminosas ali previstas exige esse
aperfeioamento dos mecanismos de punibilidade do Estado. Ao lavar o dinheiro proveniente
de um outro crime, o criminoso no s fere o bem jurdico tutelado pelo tipo antecedente,
como tambm age contra outros bens de interesse social.
Porquanto a lavagem de dinheiro guarda ntima relao com os crimes a ela conexos,
o combate ao crime posterior inibe a prtica dos crimes antecedentes. Dessa forma, dentre os
bens jurdicos tutelados esto, sem dvida, os bens tutelados pelos crimes conexos.
A diversidade de opinies doutrinrias persiste, porm, quanto ao bem jurdico
tutelado especificamente pelo tipo penal da lavagem de dinheiro. A fim de se harmonizar as
diferenas doutrinrias prudente se considerar o tipo como pluriofensivo. Se, por um lado, a
lavagem de dinheiro representa uma ofensa ordem econmico-financeira, por outro tambm
lesa a administrao da justia.
A ordem econmica violada quando se interfere ilegalmente no fluxo de dinheiro e
bens e, com isso, se abala a livre concorrncia, pe-se em risco a segurana dos mercados
11SILVA, Csar Antnio da. op.cit.pg. 40.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
18/64
18
financeiros e d-se origem ao abuso do poder econmico por meio do surgimento dos
monoplios e cartis12.
Outro bem jurdico tutelado pela Lei a administrao da justia, no sentido depreservar o alcance das suas metas e finalidades. Nesse sentido, entende-se que o crime de
lavagem de dinheiro tem como objetivo principal ocultar a prtica do crime antecedente e
garantir a impunidade dos seus agentes. Em consonncia com esse entendimento, Rodolfo
Tigre Maia13define o crime como:
"(...) conjunto complexo de operaes, integrado pelas etapas
de converso (placement), dissimulao (layering) e integrao
(integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidadetornar legtimos ativos oriundos da prtica de ilcitos penais,
mascarando essa origem para que os responsveis possam
escapar da ao repressiva da justia."
Como se v, as diferentes abordagens da doutrina quanto ao bem jurdico tutelado
pela lei interferem na definio do crime de lavagem de dinheiro. De qualquer maneira, pode-
se apontar, nas diversas definies, pontos em comum que identificam o tipo e facilitam o
correto indiciamento do criminoso. Dessa forma, fica evidente que para a caracterizao do
crime de lavagem de dinheiro indispensvel o dolo do agente em "ocultar ou dissimular a
natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou propriedade dos bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime (...)".
Seja para criar maior proteo aos bens tutelados pelos crimes antecedentes, seja para
resguardar a administrao da justia ou a ordem econmico-financeira, certo que a
tipificao do crime de lavagem de dinheiro acaba por tutelar de igual maneira todos esses
interesses sociais. Irrelevante se faz apontar um nico interesse protegido. O importante
identificar que a inteno legislativa de fornecer maior e mais grave punio a aes que,
visivelmente, ferem mais de um bem juridicamente valorado.
12SILVA, Csar Antnio da. op. cit.,pg. 39.13MAIA, Rodolfo Tigre.Lavagem de dinheiro.(Lavagem de ativos provenientes do crime). So Paulo:Malheiros Editores Ltda, 1999, pg. 53.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
19/64
19
2.1.2. Crimes antecedentes
Seguindo os padres legislativos de segunda gerao, no seu artigo 1, a Lei
9.613/98 enumera os crimes antecedentes que figuram como elementares do crime delavagem de dinheiro, e possuem uma dependncia absoluta entre si. Desta forma, no h que
se falar em crime de lavagem de dinheiro se a origem do capital for meramente desconhecida.
Deve-se, antes de tudo, analisar o vnculo dos recursos a um dos crimes descritos na Lei.
A maioria dos doutrinadores, assim como os operadores do Direito que lidam com
esta Lei especfica, consideram-na taxativa no que se refere aos crimes antecedentes. Sendo
assim, nenhum outro crime, no presente na Lei, pode ser utilizado para caracterizar o crime
de lavagem.
No h regra para justificar o entendimento pela taxatividade da Lei, no entanto, o
juzo mais acertado que se pode fazer diante da legislao em questo. realmente uma
interpretao sempre questionvel, o operador da Lei fica merc das discusses doutrinrias
e dos futuros entendimentos do Supremo Tribunal Federal. Interessante o posicionamento
do autor Amlcar Falco, citado por Cinthia Palhares14, sobre a inteno do legislador em
fazer uma enumerao taxativa ou meramente exemplificativa:
"O critrio mais seguro para distinguir as duas situaesconsiste em que, no ltimo caso (exemplificativa), os fatos oucircunstncias so numerosos e guardam entre si traoscomuns, que permitem reuni-los numa categoria, enquanto, no
primeiro caso (taxativa), a enumerao menos ampla e osfatos ou circunstncias deixam sobressair caracteressecundrios a traduzirem situaes diversas em cada hiptese,tornando-se indeterminado, ou no aparecendo qualquerelemento ou trao comum."
A fim de ratificar a interpretao taxativa dos crimes antecedentes cabe aqui destacar
a justificativa de tal opo dada pelo prprio legislador, no caso, o ex-deputado e ex-ministro
do STF, Nelson Jobim15, na exposio de motivos da Lei de combate lavagem de dinheiro, o
qual coloca:
"Com o objetivo de reduzir ao mximo as hipteses dos tipospenais abertos, o sistema positivo deve completar-se com ochamado princpio da taxatividade. A doutrina esclarece que,
14PALHARES, Cinthia Rodrigues Menescal. A integrao no direito tributrio: consideraes acerca doemprego da analogia. Disponvel em http://jus2.uol.com.br. Acessado em 24 de maio de 2005.15EM n 692 / MJ.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
20/64
20
enquanto o princpio da reserva legal se vincula s fontes doDireito Penal, o princpio da taxatividade deve presidir aformulao tcnica da lei penal. Indica o dever imposto aolegislador de proceder, quando elabora a norma, de maneira
precisa na determinao dos tipos legais, a fim de saber,taxativamente, o que penalmente ilcito e o que penalmenteadmitido."
Deve-se ainda fazer uma breve explanao acerca de cada um dos crimes
antecedentes previstos pela lei, totalizando sete crimes: trfico ilcito de substncias
entorpecentes ou drogas afins; crime de terrorismo; crime de contrabando ou trfico de armas;
crime de extorso mediante seqestro; crime contra a administrao pblica; crime contra o
sistema financeiro nacional; crime praticado por organizao criminosa.
Em face enorme movimentao financeira e atroz conseqncia social gerada
pelo trfico de entorpecentes, o combate a este crime de extrema relevncia para o mundo
jurdico. Mesmo havendo previso legal prpria para sua punio, o trfico de entorpecentes
indiretamente punido pela Lei de Lavagem de Dinheiro.
As punies previstas na Lei 9.613/98 no tem carter meramente punitivo das
ilegais movimentaes financeiras, mas coercitivo na preveno dos crimes nela previstos
como antecedentes. No caso especfico no inciso I do art. 1 desta lei pode-se dizer que possuiaplicao imediata pelas autoridades estatais, seja no momento do inqurito policial, seja na
denncia privativa do Ministrio Pblico.
Os tipos penais abrangidos por este inciso esto claramente tipificados na Lei
6.368/76, nos arts. 12, 13 (equipamentos para fabricao e venda) e 14 (associao de duas ou
mais pessoas). Tratam-se de tipos penais abrangentes que tentam punir qualquer
envolvimento com o comrcio de entorpecentes. Por este motivo, o acusado por esses crimes
pode, perfeitamente, ser denunciado tambm pelo crime de lavagem de dinheiro a fim de que
prove a origem lcita de seus bens, sob pena de recluso e possvel perda, em favor da Unio,
dos bens, direitos e valores objetos do crime.
A mesma aplicao imediata que se observa no inciso I, visto anteriormente, no
est presente no inciso II. Refere-se ao crime de terrorismo como crime antecedente.
primeira vista, a incluso deste crime como um crime antecedente do crime de lavagem uma
resposta a possveis presses internacionais. Ao passo que o terrorismo um crime muito
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
21/64
21
presente no mundo, o Brasil ainda no possui uma correta e satisfatria tipificao do
terrorismo.
A nica meno do ordenamento jurdico brasileiro acerca do terrorismo estpresente na Lei de Segurana Nacional (Lei 7.170/83) que, em seu artigo 20, menciona a
expresso "atos de terrorismo". Insatisfatoriamente a referida lei cita, mas no delimita o que
vem a ser "atos de terrorismo". Por este motivo a Lei de lavagem fica emperrada neste ponto,
em que no pode alcanar o criminoso nem os produtos do seu crime.
Se, por um lado, a opo do legislador foi a de citar taxativamente os crimes
antecedentes, por outro deve ser respeitado o princpio da reserva legal. Portanto,
dificilmente o acusado poder ser enquadrado no crime de lavagem de dinheiro proveniente
de crime de terrorismo. A crtica, no entanto, no deve recair sobre a Lei 9.613/98 e sua
eficcia.
O processo de regulamentao de uma lei por outra uma constante no ordenamento
jurdico brasileiro. Se os "atos de terrorismo" no foram especificados at hoje porque,
certamente, no houve a necessidade nacional de tal ao legislativa. Houve, portanto, na lei
de Lavagem, uma salvaguarda do legislador em antever uma realidade, hoje meramente
estrangeira. Assim como o Min. Nelson Jobim16 coloca na exposio de motivos da lei, a
incluso deste tipo penal trata-se de "implementar o clssico princpio da justia penal
universal, mediante tratados e convenes, como estratgia de uma Poltica Criminal
transnacional."
O inciso III do art. 1 da Lei de Lavagem prev como crime antecedente o
"contrabando ou trfico de armas, munies ou material destinado sua produo". Os tipos
penais contidos nesta descrio so os dos arts. 334 do Cdigo Penal Brasileiro e 12 da Lei deSegurana Nacional, que assim prev:
"art. 12. Importar ou introduzir, no territrio nacional, porqualquer forma, sem autorizao da autoridade federalcompetente, armamento ou material militar privativo dasForas Armadas. (...)
Pargrafo nico. Na mesma pena incorre quem, semautorizao legal, fabrica, vende, transporta, recebe, oculta,mantm em depsito ou distribui o armamento ou material deque trata este artigo."
16EM n 692 / MJ. Disponvel em www.fazenda.gov.br/coaf .
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
22/64
22
Deve-se ressaltar, no entanto, que para se configurar o delito previsto no art. 12 da
LSN o ato dever estar tambm em conformidade com os arts. 1 e 2 desta mesma lei. Isto
porque no basta o agente "importar ou introduzir" o armamento, sua conduta deve ter como
objetivo de lesar ou expor a perigo: a integridade territorial, a soberania nacional, o regime
representativo e democrtico, a Federao, o Estado de Direito, a pessoa dos Chefes dos
Poderes da Unio (art. 1 da LSN). Assim entende a jurisprudncia:
PORTE DE ARMAS DE USO PRIVATIVO DAS FORASARMADAS - LEI DE SEGURANA NACIONAL - NOENQUADRAMENTO. 1. Uma vez no caracterizado crimecontra a segurana nacional, vez que o acusado no possuaarmamento privativo das Foras Armadas com o intuito de
praticar crime poltico, atentatrio segurana nacional, soberania do Pas ou, ainda, contra o regime democrtico ouquaisquer Chefes dos Poderes da Unio, h que ser afastada acompetncia da Justia Federal para o julgamento do feito. 2.Conflito conhecido, declarado competente o Juzo de Direito da2 Vara Criminal de Jacarepagu-RJ, o suscitado. (CC 21835 /
RJ . Rel. Anselmo Santiago)
PORTE DE ARMAS DE USO PRIVATIVO DASFORASARMADAS. INEXISTENCIA DE CONOTAO POLITICA.ENQUADRAMENTO NA LEI DAS CONTRAVENESPENAIS. 1. AINDA QUE SE TRATE DE PORTE DE ARMA
DE USO CIVIL PROIBIDO, A CONDUTA DO AGENTEINFRATOR NO PODERA SER ENQUADRADA COMODELITO CONTRA A LEI DE SEGURANA NACIONAL, SEINEXISTENTE, COMO NO CASO, A CONOTAOPOLITICA, DEVENDO O ATO, EM TESE, SER TIPIFICADOCOMO CONTRAVENO PENAL. 2. CONFLITOCONHECIDO, DECLARADO COMPETENTE O JUIZO DE
DIREITO DA 2A. VARA CRIMINAL REGIONAL DE SANTACRUZ-RJ, O SUSCITANTE. ( CC 16558 / RJ. Rel. AnselmoSantiago)
A mesma anlise restritiva do tipo penal deve ser tomada no crime de contrabando.
Onde o porte da arma de uso proibido no configura, por si s, o crime de contrabando.
Conforme a jurisprudncia:
PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PROIBIDO OURESTRITO. AUSNCIA DE CONFIGURAO DO CRIMEDE CONTRABANDO. INDCIOS DA PRTICA DO CRIMEDESCRITO NO ARTIGO 10, PARGRAFO 2, DA LEI9.437/97. COMPETNCIA DA JUSTIA ESTADUAL. 1. A
mera apreenso de armas de uso proibido ou restrito dasForas Armadas no caracteriza, por si s, o delito decontrabando previsto no artigo 334 do Cdigo Penal. 2.Configurado, em princpio, o crime de porte ilegal de arma de
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
23/64
23
uso privativo ou restrito previsto no artigo 10, pargrafo 2, daLei 9.437/97, de se reconhecer a competncia da JustiaEstadual relativamente ao inqurito policial. 3. Conflitoconhecido para declarar competente o Juzo de Direito da 3Vara de Timon/MA, suscitado. (CC 34461 / MA. Rel. HamiltonCarvalhino)
Portanto o simples fato de portar, importar ou introduzir armamentos com o
objetivo de lucro no se enquadra no tipo penal descrito17.
O crime antecedente previsto neste inciso IV do art. 1 da Lei de Lavagem de
Dinheiro refere-se ao tipo penal contido no art. 159 do Cdigo Penal Brasileiro. Trata-se de
um crime muito atual na realidade brasileira e, por fora da Lei 8.072/90, todas as figuras
descritas neste art.159 so consideradas crimes hediondos. Segundo o entendimento dajurisprudncia, o crime se consuma mesmo sem a obteno efetiva da vantagem econmica:
"Extoro mediante sequestro - Crime formal - Consumaoindependente da obteno da vantagem econmica exigidapelo agente - Inteligncia do art. 159 do CP - 'A extoromediante sequestro crime formal, que se consumaindependentemente da obteno da vantagem econmicaexigida pelo agente' (TJSP - Ap. 99.373-3/1 - 1 Cm. - Rel.Des. Jarbas Mazzoni - j. 02.12.1991 - RT 675/359)" 18
No seu art. 1, inciso V, a Lei de Lavagem assim define mais um crime antecedente:
"contra a administrao pblica, inclusive a exigncia, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condio ou preo para a prtica ou omisso de
atos administrativos."
Os tipos penais so os previstos no Ttulo XI do Cdigo Penal (Crimes Contra a
Administrao Pblica) sistematizados nos seguintes captulos:
a) crimes praticados por funcionrio pblico contra a administrao em geral (arts. 312 a
326);
b) crimes praticados por particular contra a administrao pblica (arts. 328 a 337);
c) crimes contra a administrao da justia (arts. 338 a 359).
17MAIA, Rodolfo Tigre. op. cit. pg. 7518PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, vol. II: parte especial. So Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2000. Pg. 417.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
24/64
24
Tambm esto includos nos antecedentes os crimes contra a Administrao Pblica
previstos na legislao especial como, por exemplo, os arts. 89 a 98 da Lei 8.666/93.
Frente a esta amplitude de tipos penais abrangidos pelo inciso V que recaem ascrticas da doutrina especializada19. Os crimes que podem ser enquadrados vo desde o
peculato, o trfico de influncia, at o contrabando e o descaminho. Tipos que, por muitas
vezes, no geram a aquisio de bens que possam ser "lavados" posteriormente.
Tal crtica descabida, pois a abrangncia do dispositivo no lhe tira a eficcia. O
contrrio talvez gerasse preocupao dos operadores. A restrio do crime antecedente
sempre um entrave para a tipificao do crime de lavagem de dinheiro. Aqui se v que as
inmeras crticas Lei 9.613/98 nem sempre encontram fundamento plausvel. Por um
momento, a censura lei recai sobre a sua falta de flexibilidade, no que se refere aos crimes
antecedentes, em outro a doutrina se detm a sua demasiada abrangncia. Como visto, a
amplitude da lei em nada lhe fere a eficcia, portanto este inciso pertinente e eficaz.
J no seu inciso VI, a Lei de lavagem de dinheiro inclui os crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional que, por sua vez, tem natureza firmada na CF/88 a qual determina que o
Sistema ser estruturado "de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do pas e
servir aos interesses da coletividade" (art. 192), devendo ser regulado em lei complementar.
A doutrina define o SFN como o conjunto de rgos, integrados por entes e pessoas jurdicas
de direito pblico e privado, com o objetivo comum de perseguir o equilbrio entre a oferta e a
procura de capitais20. Dos rgos integrantes destacam-se o Conselho Monetrio Nacional, o
Banco Central do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social e as
demais instituies financeiras pblicas e privadas, conforme o art. 1 da Lei 4.595/64 que
tratou da Reforma Bancria.
As aes criminosas contra o SFN esto previstas na Lei 7.492/86 e so conhecidas
como "crimes do colarinho branco". Trata-se de uma lei muito polmica, poca de seu
desenvolvimento. O Brasil se encontrava perplexo diante dos grandes crimes financeiros
praticados por gestores das organizaes bancrias que causavam grandes rombos, tanto para
19MAIA, Rodolfo Tigre. op. cit. pg. 77.20SILVA, Antnio Carlos Rodrigues. Crimes do colarinho branco: comentrios Lei n 7.492, de 16 de junho de1986. Braslia: Braslia Jurdica, 1999. pg.24.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
25/64
25
os particulares como para os cofres pblicos. O ento Deputado Federal responsvel pelo
anteprojeto da Lei, Nilson Gibson, assim justificou seu trabalho21:
"(...) os cofres pblicos, em funo da preocupaogovernamental de preservar a confiana no sistema, vem sendolargamente onerados com verdadeiros escndalos financeirossem que os respectivos culpados recebam punio adequada, se que chegam a receb-la.
A grande dificuldade do enquadramento desses elementosinescrupulosos, que lidam fraudulenta ou temerariamente comvalores do pblico, reside na inexistncia de legislao penalespecfica para as irregularidades que surgiram com o adventode novas e mltiplas atividades no Sistema Financeiro,especialmente, aps 1964.
Em conseqncia, chega, ao absurdo de processar e condenarum mero 'ladro de galinhas', deixando sem punio pessoasque furtam bilhes no apenas do 'vizinho', mas em nvelnacional."
Para que a Lei atingisse seus objetivos, o seu art. 1define Instituio Financeira
como:
"(...) a pessoa jurdica de direito pblico ou privado que tenhacomo atividade principal ou acessria, cumulativamente ou
no, a captao, intermediao ou aplicao de recursosfinanceiros de terceiros, ou moeda nacional ou estrangeira, oua custdia, emisso, distribuio, negociao, intermediaoou administrao de valores mobilirios."
Equipara s instituies financeiras as pessoas naturais que exeram essas atividades
e a pessoa jurdica que capte ou administre seguros, cmbio, consrcio, capitalizao ou
qualquer tipo de poupana, ou recursos de terceiros.
Do art. 2ao 23 a Lei se preocupa em definir os crimes em espcie. Evidente que
nem todos os crimes ali previstos esto aptos a gerar uma posterior lavagem de dinheiro.
Somente os crimes que gerem, direta ou indiretamente, a aquisio de bens podem promover
o crime de lavagem.
Os crimes praticados por organizao criminosa, previstos no inciso VII da Lei
9.613/98, assim como o crime de terrorismo, geram polmica doutrinria acerca da sua
tipificao e abrangncia.
21SILVA, Antnio Carlos Rodrigues. op. cit.pg.14.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
26/64
26
No obstante a existncia da Lei 9.034/95 para a preveno e represso de aes
praticadas por organizaes criminosas, a expresso "organizao criminosa" acabou
assemelhada ao conceito de quadrilha ou bando por fora do seu art. 1:
"art. 1. Esta lei define e regula meios de prova eprocedimentos investigatrios que versarem sobre crimeresultante de aes de quadrilha ou bando."
Infere-se do texto legal que a caracterizao do tipo exige, alm do mnimo de
quatro pessoas, que a organizao criminosa seja estvel22. O texto legal, tal como se
encontra, no abrange as contravenes penais como o jogo do bicho.
Desta forma, a simples associao de mais de trs pessoas para fins de cometer
crimes (art. 288 do CP) pode ser enquadrada como crime antecedente da lavagem de dinheiro.
A interpretao de tal inciso gera inmeras discusses doutrinrias acerca das intenes do
legislador em criar tal figura.
indiscutvel que a opo do legislador gerou uma ampliao desmedida do tipo
que possibilita a tipificao da lavagem de dinheiro. Por esse motivo, por exemplo, poderia se
incluir os crimes contra a ordem tributria (Lei 8.137/90) praticados por mais de trs pessoas,
entre outros tantos crimes provavelmente no intencionados pelo legislador.
No entanto, esta aparente abertura dada pelo legislador deve ser utilizada em
benefcio do combate lavagem de dinheiro, portanto em proveito do bem comum. apenas
um dos inmeros casos em que cabe ao intrprete da Lei utiliz-la da melhor maneira. No se
trata de interpretao extensiva da Lei, fato que seria discutvel, mas de identificar a "mens
legis", mesmo que esta seja aparentemente mais abrangente que a "mens legislatoris". como
coloca o autor Amlcar de Arajo Falco, citado por Cinthia R. M. Palhares23, na questo
conflitante entre interpretao da "mens legis" e interpretao extensiva:
"O intrprete, portanto, no cria, nem inova; limita-se aconsiderar o mandamento legal em toda a sua plenitude eextenso e a, simplesmente, declarar-lhe a acepo, osignificado e o alcance. Pode ocorrer que o legislador tenhaexpressado mal a sua vontade, estabelecendo-se entre a dicoda lei e o esprito uma inequivalncia ou um desequilbrioaparentes, de modo que a frmula verbal signifique menos(minus dixit quam voluit) ou mais (plus dixit quam voluit) do
22QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime organizado no Brasil: comentrios Lei n. 9.034/95: aspectospoliciais e judicirios: teoria e prtica. So Paulo: Iglu, 1998. pg. 18.23PALHARES, Cinthia Rodrigues Menescal. op. cit.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
27/64
27
que se intentava dizer. Em qualquer dos dois casos, ainterferncia do intrprete, restabelecendo o sentido da norma,
pela pesquisa de seu esprito (mens legis), no amplia, nemrestringe aquele sentido."
2.1.3. Outros crimes derivados
A lei ainda se estende a fim de abranger outras atividades que estejam intimamente
ligadas prtica da lavagem de dinheiro, assim descritos pela lei:
"art. 1(...)
1 incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimulara utilizao de bens, direitos e valores provenientes dequalquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
I -os converte em ativos lcitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, d ou recebe emgarantia, guarda, tem em depsito, movimenta ou transfere;
III -importa ou exporta bens com valores no correspondentesaos verdadeiros."
Assim como no caput do artigo, o 1 refere-se a um crime formal, cujo
aperfeioamento exige apenas que o agente pratique um dos comportamentos descritos no
tipo, sem necessidade de aperfeioamento material.
No entanto, para responder pelo crime desse 1 , o agente deve conhecer a
procedncia criminosa do dinheiro e ter a inteno de colaborar para a lavagem. Como coloca
Marcos Antnio de Barros, citado por Cesar Antnio da Silva24, a forma clssica de lavagemest prevista no caput do art.1 enquanto o 1 prev a "punio de condutas laterais que
colaboram com a lavagem".Este entendimento est claro na exposio de motivos da lei25
quando determina que, para estes casos, exige-se o dolo direto, admitindo o dolo eventual
somente nas hipteses do caputdo artigo.
24SILVA, Csar Antnio da. op. cit. pg. 122.25EM n 692 / MJ.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
28/64
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
29/64
29
gerais obedecem, segundo o art. 2, I, s disposies relativas ao procedimento comum dos
crimes punidos com recluso. Tal previso legal se mostra dispensvel tendo em vista ser o
Cdigo de Processo Penal perfeitamente aplicvel s legislaes especiais.
Trata-se de uma ao penal pblica, com titularidade atribuda ao Ministrio Pblico,
que tem incio com a denncia. Pela particularidade da lei de lavagem de dinheiro, a denncia
pode ser instruda mesmo que presentes apenas indcios do crime antecedente, assim como o
processo e o julgamento do crime de lavagem independe do julgamento do crime antecedente,
conforme a lei:
"art. 2O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...) II - independem do processo e julgamento dos crimesantecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticadosem outro pas;
(...) 1A denncia ser instrudo com indcios suficientes daexistncia do crime antecedente, sendo punveis os fatos
previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena oautor daquele crime."
Perante este dispositivo legal, nota-se a autonomia do crime de lavagem de dinheiro.
assegurada, portanto, a possibilidade de separao dos processos, em conformidade com oart. 80 do CPP. Mais do que uma convenincia do juiz, a separao processual, nestes casos,
mostra-se indispensvel, como coloca o autor Rodolfo Tigre Maia27. Seja pelo aspecto
instrumental, podendo estar o processo submetido legislaes estrangeiras, seja pela
natureza material do delito, exigindo cautela por se tratar de crimes de grande porte cuja
gravidade pe em risco a segurana nacional.
Os requisitos da denncia seguem o disposto no art. 41 do CPP, alm da exigncia
de indcios suficientes do crime antecedente. Do prprio 1 transcrito acima, depreende-seque "indcios suficientes" podem limitar-se materialidade do crime, sendo dispensvel
apontar, mesmo que indiciariamente, a autoria.
Cabe ainda a apreciao do posicionamento de alguns autores que criticam os
procedimentos legais adotados pela Lei 9.613/98, como Csar Antnio da Silva28que coloca:
" A Lei 9.613/98 cuida de alguns aspectos de ordeminstrumental, porm, com violao de certas garantias j
27MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit.pg. 111.28SILVA, Csar Antnio da. op. cit. pg. 131.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
30/64
30
asseguradas, em face de incoerncias, como a contradioentre o 2 do art. 2 , que veda a aplicao do art. 366 doCPP, e o 3 do art. 4 que manda aplic-lo. Somente estesartigos j so suficientes para demonstrar o despreparo donosso legislador."
A aplicao dos efeitos da revelia, neste caso, encontra poucos adeptos na doutrina.
Ocorre que a modificao do art. 366 do CPP, feita pela Lei 9.271, de 17/04/96, trouxe
adequao constitucional ao CPP. A possibilidade anterior de se julgar o denunciado revelia
feria o princpio do contraditrio resguardado pela Constituio Federal. No obstante esta
evoluo do ordenamento jurdico, muito esperada e aclamada pelos juristas, que suspende o
processo e a prescrio, a Lei de Lavagem afastou o preceito constitucional.
A opo do legislador, por aplicar a revelia ao acusado citado por edital, est longe
de ser pacificada pelos juristas. Por um lado, os que defendem o procedimento como
constitucional, colocam que se trata de poltica criminal frente macrodelinquncia. A
suspenso do processo seria incompatvel com os objetivos da Lei em questo, alm de
constituir um prmio aos delinqentes deste crime que, na sua maioria, possuem um alto
poder econmico.
H aqueles que defendem a no aplicao do art. 366 do CPP em casos especficosde m-f processual do acusado. Ou seja, no se suspende o processo daqueles que se
"escondem" voluntariamente com o objetivo de evitar a citao pessoal. Para esses
doutrinadores trata-se de "inconstitucionalidade parcial da norma sem reduo do texto29, na
busca da garantia e da efetividade processual.
Ocorre que, na prtica, a revelia como sano ao no comparecimento em juzo pode
ocasionar violao ao devido processo legal. Dificilmente os processos referentes lavagem
de dinheiro correro revelia, sob pena de avaliao recursal em Corte constitucional. O autorRodolfo Tigre Maia30 coloca, portanto, este artigo como inaplicvel por ntida violao de
preceito constitucional.
A verdade que esta discusso doutrinria permitida pela Lei de Lavagem de
Dinheiro gera seu enfraquecimento. Alm de demonstrar o despreparo do legislador, cria
desnecessrios constrangimentos aos operadores do Direito. As opinies so unnimes a cerca
da necessidade da lei, mas o mesmo no se pode dizer quanto a sua eficcia. Frente a estes
29BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. pg. 80.30MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit.pg. 125.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
31/64
31
deslizes do legislador, como a falta de adequao constitucional, a aplicao e a eficcia da lei
se tornam frgeis e alvo fcil das crticas doutrinrias.
Frente a isso, a melhor anlise da lei a desconsiderao de certos dispositivos,como o 2 do art. 2 , pela sua total ineficcia e inconstitucionalidade. Opta-se, portanto, pela
eficcia da lei como um todo, tendo em vista a sua relevncia social, e relativizao de
dispositivos esparsos e incapazes de inutilizar a lei em questo.
Quanto a outros aspectos processuais, a Lei de Lavagem veda expressamente a
concesso de fiana e a liberdade provisria seguindo o entendimento da Lei dos crimes
hediondos. As crticas quanto a este dispositivo giram em torno da sua inflexibilidade e at
inconstitucionalidade. A proibio de liberdade provisria, com ou sem fiana, vista, muitas
vezes como priso compulsria h muito extinta do ordenamento jurdico brasileiro.
Os questionamentos quanto proibio de liberdade provisria culminam em
questes constitucionais como o Princpio da presuno de inocncia, presente no art. 5 ,
LXII da CF/88. Sugerem, para tanto, que o dispositivo deveria seguir, no mximo, a
orientao da Lei n 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, no
seu art. 31 que dispe:
"Art. 31. Nos crimes previstos nessa Lei e punidos com pena derecluso, o ru no poder prestar fiana, nem apelar antes deser recolhido priso, ainda que primrio e de bonsantecedentes, se estiver configurada situao que autoriza a
priso preventiva."
Neste dispositivo, a priso possui um carter cautelar que, segundo Cesar Antnio da
Silva31, no est presente na Lei de Lavagem, que antecipa a execuo da sentena antes do
trnsito em julgado.
No entanto, o Min. Nelson Jobim32, na exposio de motivos da Lei defende que a
proibio da liberdade provisria atende s peculiaridades do crime em questo e segue as
tendncias jurisprudenciais, como a Smula n9 do STJ.
No tocante fiana, a Constituio Federal, em seu art. 5 , incisos XLII, XLIII e
XLIV prev como crimes inafianveis as prticas de racismo, tortura, trfico ilcito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, os definidos como crimes hediondos, a ao de
31SILVA, Cesar Antnio da. op. cit.pg. 144.32EM n 692 / MJ
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
32/64
32
grupos armados, civis ou militares. Alguns doutrinadores, como Cesar Antnio da Silva33
consideram que esta proviso constitucional tem como objetivo taxar e limitar os crimes em
que no se concede fiana.
Ocorre que o texto constitucional no probe a extenso destes crimes mediante leis
esparsas, apenas objetiva moralizar e garantir os direito e garantias individuais. Diante de um
crime com graves propores econmicas e sociais e legislador pode defini-lo como
inafianvel, como o fez na Lei de Lavagem de Dinheiro, que goza do Princpio da presuno
de constitucionalidade34.
Em mais uma particularidade processual, a Lei de Lavagem de Dinheiro traz a
delao premiada como um benefcio concedido no seu artigo 1 , 5, que reduz a pena de
um e dois teros. Alm da possibilidade de reduo da pena, o juiz pode ainda conceder o
perdo judicial ao deixar de aplicar ou substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos.
Esto previstas, na verdade, duas espcies distintas de premiao. Enquanto uma a
delao premiada propriamente dita, a outra se refere confisso premiada. A primeira
consiste na colaborao do autor, ou do co-autor, em prestar depoimentos que levem a
determinao da autoria do fato delituoso. A segunda, por sua vez, ocorre quando h
confisso do crime e a indicao da localizao dos bens, direitos ou valores, ou melhor, do
objeto do crime.
Este instituto da delao premiada est presente no ordenamento jurdico brasileiro
em outros momentos como na Lei dos crimes hediondos (Lei 8.072, de 25/07/90), na lei dos
crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492, de 16/06/86), na lei que define os
crimes contra a ordem tributria (Lei 8.137, de 27/12/90), bem como na lei que dispe sobrea proteo a testemunhas e vtimas ameaadas (Lei 9.807, de 13/07/99).
Trata-se de uma causa especial de diminuio de pena, com relevncia para a
apurao dos crimes, devendo ser prestada espontaneamente a uma autoridade durante o
inqurito policial ou no decorrer da ao penal at a sentena35.
33SILVA, Cesar Antnio da. op. cit.pg. 145.34BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. pg. 84.35Idem, pg. 60.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
33/64
33
Acerca deste assunto tambm podem ser encontradas na doutrina diversas opinies
sobre sua aplicabilidade. Alguns julgam a delao premiada prevista em lei um ato eticamente
reprovvel. Neste sentido Luiz Flvio Gomes defende:
"Colocar em lei que o autor merece prmio difundir a culturaantivalorativa. um equvoco pedaggico enorme. Ainda que ovalor perseguido seja o de combater o crime, ainda assimconstitui um preo muito alto tentar alcanar esse fim com ummeio to questionado."36
A inverso do nus da prova est presente no 2 do art. 4 da Lei 9.613/98, que
assim dispe:
"art. 4
(...)
2O juiz determinar a liberao dos bens, direitos e valoresapreendidos ou seqestrados quando comprovada a licitude desua origem."
A origem de tal entendimento se encontra na Conveno de Viena (art. 5, n 7) e foi
objeto de previso do direito argentino (art. 25 da Lei 23.737/89), segundo os argumentos da
exposio de motivos da Lei brasileira37. Ressalta-se que esta inverso s se estende ao
perdimento desses bens aps a condenao do ru. A Conveno de Viena38assim dispe:
"art. 5(...)
7 -As partes podem considerar a possibilidade de inverter onus da prova no que diz respeito origem lcita dos
presumveis produtos ou outros bens que possam ser objeto deperda, na medida em que os princpios do respectivo direitointerno e a natureza dos procedimentos judiciais e outros o
permitam."
Trata-se de um dos institutos mais inovadores da Lei, que no pode ser considerado
como lesivo CF/88. um dos pontos que garantem a eficcia da Lei e satisfaz seus
objetivos de punir grandes e afortunados criminosos.
fato que, ressalvados poucas opinies divergentes, a maioria dos operadores do
direito consideram tal dispositivo justificvel e constitucional, segundo as pesquisas
realizadas pelo Conselho de Justia Federal39.
36GOMES, Luiz Flvio. CERVINI, Ral. Crime organizado. So Paulo: Revista do Tribunais, 1997. Pg. 165.37EM n 692 / MJ38 Uma anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro . op. cit.pg. 116.39 Uma anlise crtica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro op. cit.pg. 115.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
34/64
34
2.2. OUTRAS REGULAMENTAES LEGAIS
2.2.1. Lei 7.560, de 19 de dezembro de 1986
Cria o Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), dispe sobre bens apreendidos e
adquiridos com produtos de trfico ilcito de drogas ou atividades correlatas. Esta lei contribui
para o combate ao trfico ilcito de entorpecentes, ao mesmo tempo que regulamenta
aplicao da Lei de Lavagem de Dinheiro.
No seu art. 2, inciso VI, a Lei determina que uma das fontes de recurso da FUNAD
proveniente da pena de perdimento, prevista no inciso I do art. 1 da Lei 9.613/98. Esta
determinao foi inserida nesta lei de 1986 pela Lei 9.804/99, da mesma forma que institui a
destinao dos recursos da FUNAD para o custeio das despesas relativas ao cumprimento das
atribuies e aes do COAF (Conselho de Controle da Atividades Financeiras), segundo
determina o art. 5, IX da lei em questo.
Esto previstas tambm diversas outras destinaes para os recursos do Fundo como
os programas de formao profissional sobre educao, preveno e tratamento do uso de
drogas, programas de educao tcnico-cientfica e campanhas educativas preventivas do uso
de drogas, organizaes voltadas ao tratamento e recuperao de usurios, entre outras.
2.2.2. Decreto n. 2.799, de 8 de outubro de 1998
Foi atravs deste Decreto que foi institudo o Estatuto do COAF - Conselho de
Controle de Atividades Financeiras. Anexo ao Decreto est o Estatuto do Conselho que tem
como finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as
ocorrncias suspeitas de atividades ilcitas.
O COAF integrante da estrutura do Ministrio da Fazenda, com jurisdio em todo
territrio nacional. A organizao e as competncias do Conselho esto tambm
regulamentadas na Portaria no. 330, de 18 de dezembro de 1998.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
35/64
35
2.2.3. Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001
Dispe sobre o sigilo das operaes de instituies financeiras. Por meio desta lei
complementar as atividades de investigao se tornam possveis, pois determina que o BancoCentral, a Comisso de Valores Mobilirios e os demais rgos de fiscalizao, devem
fornecer ao COAF as informaes cadastrais e de movimento de valores relativos s
operaes que, nos termos de instrues emanadas das autoridades competentes, possam
constituir-se em srios indcios dos crimes previstos na Lei 9.613/98.
2.2.4. Lei 10.467/2002
A promulgao da Lei 10.467/2002 buscou dar efetividade ao Decreto n. 3.678/2000
que trouxe ao ordenamento jurdico brasileiro as resolues da Conveno sobre o Combate
da Corrupo de Funcionrios Pblicos Estrangeiros em Transaes Comerciais concluda
em Paris, em 17 de dezembro de 1997.
Alm de incluir o crime praticado por particular contra a administrao pblica
estrangeira como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro, modificou o Cdigo PenalBrasileiro. Tipificou a "corrupo ativa em transao comercial internacional" e o "trfico de
influncia em transao comercial internacional" incluindo, para tanto, os artigos 337-B e
337-C. A aplicabilidade dos artigos garantida pela incluso do art. 337-D no qual se
conceitua "funcionrio pblico estrangeiro" e suas formas equiparadas.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
36/64
36
2PARTE
SONEGAO FISCAL COMO CRIME ANTECEDENTE AO CRIME DE
LAVAGEM DE DINHEIRO
CAPTULO 3 - CRIMES ANTECEDENTES AO CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO
Sumrio3.1. Crimes antecedentes como elementares do crime delavagem de dinheiro. 3.1.1. Taxatividade da lei. 3.1.2.Autoria e materialidade do crime antecedente. 3.2. Outroscrimes no enumerados na lei
3.1. CRIMES ANTECEDENTES COMO ELEMENTARES DO CRIME DE
LAVAGEM DE DINHEIRO
As legislaes penais espanhola, sua, francesa, australiana, colombiana, entre
outras, adotam a chamada terceira gerao no combate lavagem de dinheiro. No
determinam quais sejam os crimes antecedentes que possibilitam a denncia de crime de
lavagem. Por este caminho, tais legislaes consideram que o crime de lavagem se caracterizapela transformao do capital ilcito em ativos lcitos, independente da atividade que gerou o
dinheiro "sujo".
A legislao brasileira, por sua vez, adotou, no obstante ser de terceira gerao40, a
chamada "segunda gerao", que opta pela enumerao dos crimes antecedentes. Estes crimes
tornam-se, desta forma, elementares do crime de lavagem de dinheiro, sem os quais no se
pode incriminar o sujeito pela prtica da lavagem. Segundo Celso Delmanto41:
40MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit.pg. 68.41DELMANTO, Celso. Cdigo penal comentado. 4ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, pg. 66.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
37/64
37
"Elementares. So tambm dados ou fatos, as que compem aprpria descrio do fato tpico e cuja ausncia exclui oualtera o crime".
Estes crimes antecedentes so chamados pela doutrina de tipos diferidos ou
remetidos. Figuram como condicio sine qua non, por serem um elemento normativo do tipo42.
Nesse caso especfico trata-se de elemento normativo jurdico43, pois exige um juzo de
valorao jurdico para a definio dos tipos remetidos.
3.1.1. Taxatividade da lei
No sistema adotado pelo Brasil no h configurao do crime de lavagem de dinheiro
sem a existncia de um dinheiro "sujo" proveniente de um dos crimes enumerados pela lei.
No resta dvida sobre a atuao limitada da lei por conta da opo legislativa de vincular o
crime de lavagem a crimes taxativamente enumerados, mas, por outro lado, garante maior
segurana jurdica.
Tal opo do legislador brasileiro gera controvrsias doutrinrias pois, de certa
forma, limita a aplicabilidade da lei. Dois so os pontos colocados pela doutrina quando se
refere aos crimes antecedentes enumerados pela lei de lavagem de dinheiro, o primeiro
quanto a incluso dos crimes de terrorismo e do crime praticado por organizao criminosa,
que no so tipificados pelo Direito Penal. A segunda questo o silncio da lei quanto ao
crime de sonegao fiscal e quanto a contraveno do "jogo do bicho", de forma que o
dinheiro proveniente destas atividades no est sujeito lei de lavagem de dinheiro.
Ao se determinar o rol de crimes antecedentes, como condio sine qua non, a lei,
aparentemente, perde eficcia. Porm tal afirmao, defendida com veemncia por algunsdoutrinadores, no absoluta. A Lei de Lavagem, em momento nenhum, pode ser considerada
como ineficaz ou como "letra morta". Frente sua relevncia social, a Lei deve ser aplicada
independente de suas falhas legislativas que, apesar de evidentes, so insuficientes para
retirar-lhe a utilidade.
A soluo que pode ser apontada, para ampliar a utilizao da lei, a aplicao do
inciso VII do art. 1. A expresso "organizao criminosa", embora no tipificada no Cdigo
42BONFIM, Marcia Bonassi Mougenot e BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. pg. 53.43CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral.5Ed. So Paulo:Saraiva, 2003, pg. 175.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
38/64
38
Penal equiparada quadrilha ou bando, por fora da Lei 9.034/95. Nesse sentido entende o
autor Rodolfo Tigre Maia44:
" (...) No se criou qualquer requisito adicional dependente deintegrao hermenutica pelos operadores do Direito paradeterminar-se a presena de organizao criminosa: bastar -to somente - a presena dos requisitos tradicionalmenteexigveis para o crime descrito no art. 288 do CP, desde queassociados efetiva prtica de pelo menos um crime."
Assim, apesar de lamentvel o conceito escolhido pelo legislador, pode ser utilizado
em favor do interesse social. Qualquer crime praticado por mais de trs pessoas pode ser
considerado como crime antecedente elementar ao crime de lavagem de dinheiro. Nada
impede tal entendimento e utilizao legal, pois no se trata de interpretao extensiva da lei,mas conjugao de conceitos legais na busca dos interesses coletivos.
3.1.2. Autoria e materialidade do crime antecedente
A opo legislativa na Lei 9.613/98 se assemelha adotada pelo Cdigo Penal no
crime de receptao (art. 180) onde esse delito punvel, ainda que desconhecido ou isento de
pena o autor do crime de que proveio a coisa. O 1 do art. 2 da Lei de Lavagem de
Dinheiro assim prev:
1 A denncia ser instruda com indcios suficientes daexistncia do crime antecedente, sendo punveis os fatos
previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena oautor daquele crime.
Do texto legal infere-se que bastam indcios da materialidade do delito antecedente,
sendo irrelevante o conhecimento da autoria. Difcil a determinao do qu seriam indciose
em qual momento eles se tornam suficientespara o oferecimento da denncia. Nesse sentido
entende Rodolfo Tigre Maia45:
"(...) indcios suficientes sero aqueles que, independentementede sua quantidade, quando sopesados luz dos princpiosgerais de apreciao da prova em sede criminal, da experincia
jurdica e das especificidades da modalidade de ilcito a que se
44MAIA, Rodolfo Tigre. op. cit.pg. 78.45Idem.pg. 120.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
39/64
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
40/64
40
No sistema jurdico brasileiro no h esse comprometimento da materialidade.
Presente a ao tpica e antijurdica j se constata a existncia de um crime47. A anlise da
culpabilidade se d depois de configuradas a tipicidade e a antijuridicidade. Desta forma
aceitvel que, mesmo quando desconhecido o autor do crime antecedente, possa o Estado
exercer seu poder punitivo em face do autor do crime de lavagem de dinheiro.
3.2. OUTROS CRIMES NO ENUMERADOS NA LEI
Por optar pela enumerao dos crimes antecedentes, a Lei 9.613/98 no permite
interpretaes extensivas destes crimes. A lei tem a inteno de ser taxativa com relao s
elementares do crime de lavagem, nenhum outro crime no previsto em seu texto pode ensejar
a criminalizao por crime de lavagem de dinheiro.
A doutrina apresenta dois crimes que poderiam, sem dvida, integrar os crimes
antecedentes: o crime de sonegao fiscal e a contraveno do "jogo do bicho". Os que
defendem a incluso do crime de sonegao, como crime antecedente ao crime de lavagem de
dinheiro, baseiam seus argumentos nas enormes fortunas desviadas do errio por meio das
fraudes fiscais, nas quais os proveitos so remetidos ao exterior, como teria ocorrido naschamadas contas CC-5. Segundo Cesar Antnio da Silva48:
" As contas CC-5 passaram assim a ser denominadas porquecriadas pela Carta-Circular n 5, de 1969, expedida pelo
Banco Central, permitindo a remessa de dinheiro do Brasilpara o estrangeiro e vice-versa. Quando o dinheiro retorna, j'lavado', aplicado nos fundos como se fosse dinheiroestrangeiro, pertencente a estrangeiro; porm , trata-se dedinheiro brasileiro 'lavado', pertencente a brasileiro."
Quanto sonegao fiscal, existem alguns argumentos jurdicos e polticos para ano incluso no sentido de que, neste caso, corre anteriormente um processo administrativo.
Este processo administrativo, para alguns doutrinadores, vincula o processo penal. Assim
como coloca Ives Gandra da Silva Martins, citado por Cesar Antnio da Silva49: "(...)
ningum poder ser condenado por crime tributrio quando ainda pender de julgamento o
processo administrativo."
46SILVA, Csar Antnio da. op. cit. pg. 101.47CAPEZ, Fernando. op. cit., pg. 268.48SILVA, Cesar Antnio da. op. cit.pg. 6349Idem.pg. 64.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
41/64
41
Em sentido contrrio a Ives Gandra, doutrinadores, como o prprio Cesar A. de
Silva, defendem que, condicionar o processo penal ao processo administrativo, seria dar maior
credibilidade instncia administrativa em detrimento da judiciria.
No entanto, a Lei 9430/96 no deixa dvidas ao exigir o esgotamento da via
administrativa para a caracterizao do crime de sonegao:
"Art. 83.A representao fiscal para fins penais relativa aoscrimes contra a ordem tributria definidos nos arts. 1 e 2 da
Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ser encaminhada aoMinistrio Pblico aps proferida a deciso final, na esferaadministrativa, sobre a existncia fiscal do crdito tributriocorrespondente.
Pargrafo nico.As disposies contidas no caput do art. 34da Lei n 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aosprocessos administrativos e aos inquritos policiais eprocessos em curso, desde que no recebida a denncia pelojuiz."
O posicionamento doutrinrio no est ainda pacificado por conta da existncia da
Smula 609 do STF: pblica incondicionada a ao penal por crime de sonegao fiscal.
Porm, h de se considerar que tal Smula, editada em 1984, tinha a inteno de regulamentar
o entendimento da legislao em vigor poca. A matria era regulamentada pela Lei
4729/65 que se omitia quanto necessidade de esgotamento da instncia administrativa
tributria.
Frente atual legislao, a citada Smula no parece ter aplicabilidade. ntida a
inteno da Lei 9430/96 em garantir a comprovao da materialidade do crime de sonegao
fiscal por via administrativa para, s ento, dar incio ao penal. Ressalvada, ainda, a
extino da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denncia.
Assim, o contribuinte que praticar os atos previstos no art. 1 ou 2 da Lei 8.137/90,
ser alvo de investigao administrativa, mas poder reconhecer a sonegao ou a fraude por
meio do pagamento, antes do recebimento da denncia. Com o pagamento, afasta a
punibilidade e, seu ato anterior, de sonegao ou fraude, no pode ser considerado ato ilcito
capaz de dar incio ao penal nem configurar um crime antecedente ao crime de lavagem
de dinheiro.
Em consonncia com esse pensamento est o Parecer n. 1004/2002 emitido peloCOAF, em 28 de agosto de 2002, sobre o Projeto de Lei n. 6850/2002 de autoria do Deputado
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
42/64
42
Hlio de Oliveira Santos que prope, entre outras mudanas, a incluso do crime de
sonegao como crime antecedente:
"(...) 8 - Na prtica, a proposio seria equivalente revogao dos objetivos do Decreto n 2.730, de 10 de agostode 1998, que dispe sobre o encaminhamento ao MinistrioPblico Federal da representao fiscal para fins penais de quetrata a Lei n 9.430/96.
9 - Nesse Decreto (n 2.730) o pagamento do crdito tributrioe consectrios extingue o processo fiscal e, por conseguinte,obsta a comunicao dos fatos ao Ministrio Pblico (art. 2).
A eventual aprovao do Projeto de Lei sob comento,transformaria o delito em crime de ao pblicaincondicionada, donde, mesmo terminados os procedimento
fiscais, prosseguiriam os trmites processuais em decorrnciada tipificao de lavagem. Essa especial situao, comcerteza, inibiria o pagamento por parte do contribuinte faltoso,objetivo primeiro do fisco."(grifo nosso)
O argumento decisivo para a no incluso est presente na exposio de motivos da
lei, em que o Min. Nelson Jobim observa que o crime de lavagem s se caracteriza com a
incluso de capital, proveniente de crime, na economia. imprescindvel que este ato do
agente se configure como um aumento do seu patrimnio. E conclui:
"(...) Por isso que o projeto no inclui, nos crimesantecedentes, aquele delitos que no representam agregao,ao patrimnio do agente, de novos bens, direitos ou valores,como o caso da sonegao fiscal. Nesta, o ncleo do tipoconstitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigao fiscal.
No h, em decorrncia de sua prtica, aumento de patrimniocom a agregao de valores novos. H, isto sim, manutenode patrimnio existente em decorrncia do no pagamento deobrigao fiscal."
Como visto, existem vrios argumentos que convergem para o entendimento de que a
incluso do crime de sonegao fiscal como crime antecedente ao de lavagem no condiz nem
com os objetivos da Lei, nem com os interesses da administrao pblica em ter os tributos
pagos devidamente.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
43/64
43
CAPTULO 4 - INFRAES E CRIMES FISCAIS
Sumrio
4.1. Classificao do crime de sonegao fiscal. 4.2.Processo de apurao do crime de sonegao fiscal. 4.3.Extino da punibilidade pelo pagamento do tributo.
4.1. CLASSIFICAO DO CRIME DE SONEGAO FISCAL
Parte da doutrina opta por fazer distino entre infraes e crimes tributrios50.
Enquanto as primeiras obedecem as normas de direito administrativo, os segundos seguem os
princpios e normas do direito penal e esto descritos na Lei 8.137/90 como crimes contra a
ordem tributria, bem como no Cdigo Penal Brasileiro, como o contrabando e o descaminho,
por exemplo.
A configurao de um crime tributrio pressupe dupla infrao, um delito descrito
na norma penal e uma transgresso a um dever tributrio. Por outro lado pode haver uma
inobservncia de um dever fiscal sem que se configure um crime. Nesse sentido51:
"Na verdade, h uma compreenso de que o injusto penaldepende do injusto tributrio, isto , existe o princpio daunidade do injusto penal e tributrio (como penal-civil,
penal-comercial etc). Os crimes contra a ordem tributria,supem no s a realizao das condutas tpicas, descritasna lei penal, como ainda, obrigatoriamente, a ofensa dosdeveres tributrios, logo, se o direito tributrio autoriza ocomportamento, exclui-se a antijuridicidade e no seconfigura o crime tributrio. As espcies penais socomplementadas pelas normas tributrias, da falar-se quea lei penal tributria lei penal em branco."
50CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio.So Paulo: Saraiva, 2005, pg. 51051 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Notas sobre o ilcito tributrio na doutrina e na jurisprudncia doSupremo Tribunal Federal . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 274, 7 abr. 2004. Disponvel em:
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
44/64
44
A Lei 4.729/65, anterior nova regulamentao, designava os crimes como
"sonegao tributria" nos quais bastava a prtica de qualquer das condutas, independente do
resultado. Por sua vez, a Lei dos crimes contra a ordem tributria em vigor os classifica como
delitos de dano, cujo resultado descrito, "suprimir ou reduzir tributos", deve ser alcanado
para a consumao do crime. Ou seja, sem leso ao bem jurdico tutelado no h crime.
A natureza de crime de dano fica clara no art.1da Lei 8.137/90. Porm, a mesma
clareza no evidente no art.2da referida lei o qual prev: "fazer declarao falsa ou omitir
declarao(...)"; "deixar de recolher(...)"; "exigir, pagar ou receber(...)"; "deixar de
aplicar(...)" "utilizar ou divulgar programa(...)". No obstante descreverem crimes formais,
podem se interpretados como crimes materiais visto que o caput do pargrafo determina que
se constituem "crimes de mesma natureza".52 Assim, da mesma forma que as condutas
descritas no art. 1, enquanto no verificado dano ao bem jurdico tutelado o crime no se
consuma.
As infraes e os crimes tributrios tambm podem ser classificados quanto
participao do agente em subjetivos ou objetivos. A regra geral em direito tributrio a da
infrao objetiva, assim consideradas quando a vontade do agente no tem relevncia para a
apurao do crime. Nesse caso, a norma descreve o resultado que, se atingido, configura o atoilcito, mesmo que ausente o dolo ou a culpa do infrator. o caso, por exemplo, do no
pagamento do imposto predial e territorial urbano at a data prevista53.
As infraes subjetivas, por outro lado, s se configuram quando provado que o autor
atuou com dolo ou com culpa, conforme previso legal. o que ocorre quando o contribuinte
do imposto de renda omite alguma receita a fim de recolher quantia menor que a devida. A
legislao do Imposto sobre Produtos Industrializados, Decreto n. 4544/2002, descreve trs
ilcitos claramente subjetivos - sonegao, fraude e conluio - da seguinte forma54:
"Sonegao toda ao ou omisso dolosa tendente a impedirou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parteda autoridade fazendria: I - da ocorrncia do fato gerador daobrigao tributria principal, sua natureza ou circunstnciasmateriais; II - das condies pessoais do contribuinte,
52SOUZA, Nelson Bernardes de. Crimes contra a ordem tributria e processo administrativo. Jus Navigandi,
Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponvel em: . Acesso em:25 de maro de 2006.53CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., pg. 512.54Idem.pg. 512.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
45/64
45
suscetveis de afetar a obrigao tributria principal ou ocrdito tributrio correspondente.
Fraude toda ao ou omisso dolosa tendente a impedir ouretardar, total ou parcialmente, a ocorrncia do fato geradorda obrigao tributria principal, ou a excluir ou modificar assuas caractersticas essenciais, de modo a reduzir o montantedo imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.
Conluio o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturaisou jurdicas, visando qualquer dos efeitos da sonegao ou da
fraude."
Os exemplos de infraes ou crimes subjetivos podem ser encontrados em diversas
leis tributrias e no h impedimento para que o legislador crie ou modifique outros. A
previso legal, no entanto, deve ser expressa j que, como visto, e segundo o art. 136 doCdigo Tributrio Nacional, a regra geral o do delito objetivo.
Luciano Amaro55 comentando o art. 136 do CTN aduz que:
"O preceito questionado diz, em verdade, que aresponsabilidade no depende da inteno, o que torna (em
princpio) irrelevante a presena de dolo (vontade conscientede adotar conduta ilcita), mas no afasta a discusso de culpa(em sentido estrito)."
Seguindo esse entendimento, alguns doutrinadores entendem que a responsabilidade
do art. 136 no plenamente objetiva. Pode o suposto sonegador, para eximir-se de sano,
basear sua defesa na ausncia de culpa, porm no na ausncia de dolo nos delitos objetivos.
A particularidade dos delitos subjetivos de que a inteno do contribuinte, essencial
para a consumao do crime ou da infrao, deve ser provada, j que o dolo e a culpa no se
presumem. Porm, comum que o legislador tributrio, inadvertidamente, inclua no texto
legal a presuno do dolo do agente, fato que fere os princpios gerais do Direito.
Dessa forma, o crime de sonegao fiscal um delito subjetivo que visa impedir ou
retardar, dolosamente, o conhecimento da autoridade fazendria da ocorrncia do fato
gerador ou de condies pessoais do contribuinte. Portanto, no pode ser confundido com o
mero inadimplemento de algum tributo, caso em que no h qualquer indcio de m-f do
55 In:NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. op.cit.
7/25/2019 MonografiaClovisRoncatto.pdf
46/64
46
contribuinte. No inadimplemento o que ocorre a falta de pagamento, sem inteno dolosa ou
emprego de meios fraudulentos56.
4.2. PROCESSO DE APURAO DO CRIME DE SONEGAO FISCAL
Outro ponto de controvrsia quanto ao crime de sonegao fiscal o conflito entre o
processo administrativo e o judicial. A princpio as duas esferas so independentes e
trabalham dentro das suas competncias. No entanto, nem sempre essa independncia entre os
poderes Executivo e Judicirio absoluta.
O Brasil, desde a Constituio de 1897, opta pelo princpio da universalidade dajurisdio ou princpio da garantia jurisdicional. Nesse sentido prev a atual Constituio
Federal:
Art. 5 XXXV - a lei no excluir da apreciao do Poder
Judicirio leso ou ameaa a direito.
Conjugado ao monoplio da jurisdio pelo Poder Judicirio est a separao dos
poderes tambm prevista constitucionalmente:
Art. 2 So poderes da Unio, independentes e harmnicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio.
Se por um lado a administrao no tem poder jurisdicional, por outro o Poder
Judicirio no poderia interferir nas decises de cunho administrativo. Como esta recproca
no verdadeira, j que no se pode afastar a apreciao do Poder Judicirio, melhor
afirmar que "julgar a administrao ainda julgar e no administrar"57 . Desta forma, a
separao dos poderes implica dizer que o Poder Judicirio pode julg