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NACAOB: Potencialidades e alguns resultados Dario Scott (Unicamp) Ana Silvia Volpi Scott (Unicamp) Resumo Um dos principais problemas dos demógrafos historiadores reside no fato de que, frequentemente, utilizam em suas pesquisas fontes que não foram elaboradas com o objetivo de estudar a dinâmica demográfica das populações. Entre essas fontes, destacam-se os registros paroquiais de batizado, casamento e óbito. Visando dar uma contribuição para a coleta, organização e exploração sistematizada desse conjunto documental, esta comunicação apresenta uma ferramenta desenvolvida especificamente para o uso desses registros, o NACAOB, que alimenta um banco de dados que dá suporte para análises de cunho demográfico. Paralelamente, a apresentação do software, pretende-se discutir suas potencialidades e apresentar alguns resultados baseados na utilização desta ferramenta, que tem sido utilizada por pesquisadores que integram o projeto integrado e interinstitucional Além do Centro-Sul: por uma história da população colonial nos extremos dos domínios portugueses na América”, que conta com o apoio do CNPq.

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NACAOB: Potencialidades e alguns resultados

Dario Scott (Unicamp)

Ana Silvia Volpi Scott (Unicamp)

Resumo

Um dos principais problemas dos demógrafos historiadores reside no fato de que, frequentemente, utilizam em suas pesquisas fontes que não foram elaboradas com o objetivo de estudar a dinâmica demográfica das populações. Entre essas fontes, destacam-se os registros paroquiais de batizado, casamento e óbito. Visando dar uma contribuição para a coleta, organização e exploração sistematizada desse conjunto documental, esta comunicação apresenta uma ferramenta desenvolvida especificamente para o uso desses registros, o NACAOB, que alimenta um banco de dados que dá suporte para análises de cunho demográfico. Paralelamente, a apresentação do software, pretende-se discutir suas potencialidades e apresentar alguns resultados baseados na utilização desta ferramenta, que tem sido utilizada por pesquisadores que integram o projeto integrado e interinstitucional “Além do Centro-Sul: por uma história da população colonial nos extremos dos domínios portugueses na América”, que conta com o apoio do CNPq.

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NACAOB: Potencialidades e alguns resultados

Dario Scott (Unicamp)

Ana Silvia Volpi Scott (Unicamp)

Resumo

Um dos principais problemas dos demógrafos historiadores reside no fato de que, frequentemente, utilizam em suas pesquisas fontes que não foram elaboradas com o objetivo de estudar a dinâmica demográfica das populações. Entre essas fontes, destacam-se os registros paroquiais de batizado, casamento e óbito. Visando dar uma contribuição para a coleta, organização e exploração sistematizada desse conjunto documental, esta comunicação apresenta uma ferramenta desenvolvida especificamente para o uso desses registros, o NACAOB, que alimenta um banco de dados que dá suporte para análises de cunho demográfico. Paralelamente, a apresentação do software, pretende-se discutir suas potencialidades e apresentar alguns resultados baseados na utilização desta ferramenta, que tem sido utilizada por pesquisadores que integram o projeto integrado e interinstitucional “Além do Centro-Sul: por uma história da população colonial nos extremos dos domínios portugueses na América”, que conta com o apoio do CNPq.

Palavra chave: Demografia histórica; banco de dados, registros paroquiais.

INTRODUÇÃO

O software NACAOB, que será apresentado e discutido nesta

comunicação, tem uma trajetória que remonta aos inícios da década de 1990.

Desde então, ele foi sendo constantemente aperfeiçoado para atender as

demandas dos pesquisadores que atuam no campo da demografia histórica e

que se valem, para seus estudos, das séries de assentos paroquiais

produzidas com regularidade e uniformidade pela igreja católica, desde os

inícios dos tempos modernos.

É importante situar essa etapa inicial para compreender e avaliar as

atualizações subsequentes que foram integradas à ferramenta que hoje está

sendo utilizada por demógrafos historiador e historiadores que integram o

Grupo de Pesquisa CNPq – Demografia & História, liderados por Sergio

Nadalin (UFPR), que estão trabalhando no projeto integrado e interinstitucional

“Além do centro-Sul”1.

1 Além do Centro-Sul: por uma história da população brasileira nos extremos da América portuguesa, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa CNPq Demografia & História. Link do grupo veja: http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0103606I5VSA6C.

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Nos inícios dos anos 1990 a lógica que informava a construção de

bancos de dados, na maioria dos casos, utilizava banco de dados estruturado a

partir do software Dbase e o NACAOB funcionava, obedecendo essa estrutura

da base de dados, no formato “mono-usuário”.

Na lógica dos estudos de demografia histórica que eram desenvolvidos

naquela época, e que se inspirava nas monografias paroquiais francesas, o

programa NACAOB trabalhava numa versão “mono-usuário”, isto é, cada

paróquia ou freguesia era tratada individualmente, estando “salva” e com seus

dados armazenados em diretórios diferentes, no equipamento (hardware)

pessoal de cada pesquisador ou no da instituição à qual estava vinculado.

Portanto, adequava-se perfeitamente, tanto aos programas e softwares

disponíveis no mercado, quanto às demandas individuais dos pesquisadores.

A ideia de desenvolver um software que atendesse pesquisadores que

trabalhavam no âmbito da Demografia Histórica nasceu de uma demanda

específica de um projeto que estudava os comportamentos demográficos e

familiares de uma comunidade no noroeste de Portugal. Assim a versão

original do NACAOB teve sua arquitetura lógica e sua estrutura de banco de

dados “pensada” e desenvolvida tendo como referência a realidade dos

registros paroquiais portugueses, que diziam respeito a uma população que se

organizava em torno de uma sociedade muito diferente daquela que se

estruturou no Brasil no período colonial e imperial. O que isso quer dizer, de um

ponto de vista mais geral, é que o banco de dados não havia sido projetado

inicialmente para incorporar, por exemplo, a população escrava, segmento que

conformava parcela fundamental da nossa população, não apenas por conta de

aspectos demográficos, como também a questões complexas ligadas às

hierarquias sociais, econômicos, culturais, políticas.

Em Portugal, o contato com trabalhos desenvolvidos por Norberta

Amorim, pesquisadora reconhecida no campo da demografia histórica

portuguesa, e que estimulavam a produção de monografias paroquiais,

utilizavam também o DBASE como banco de dados, obedecendo a mesma

lógica de estudo individual, com cada pesquisador organizando e inserindo os

dados da “sua paróquia”.

A inspiração para o desenvolvimento do NACAOB seguia a trilha

proposta por Louis Henry, que organizava as informações a partir de fichas de

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ato para, em etapa posterior, elaboraria as conhecidas fichas de família, que

permitem as análises demográficas.

Por outro lado, a proposta de Norberta Amorim era agilizar o processo

de elaboração das fichas de família, “queimando” a etapa da coleta individual

por atos (batizado, casamento e óbito), partindo diretamente dos batizados,

para a elaboração da ficha de família. Esse procedimento levou ao

desenvolvimento da metodologia de reconstituição de paroquiais. Anos depois,

o grupo coordenado por Norberta Amorim, e que tinha a colaboração de

informáticos vinculados à Universidade do Minho, desenvolveu, nos anos 2000,

o “Sistema de Reconstituição de Paróquias” (SRP), inserindo as fichas de

família em um banco de dados.

De lá para cá muitas mudanças ocorreram, não apenas em termos de

mudanças de paradigmas científicos, que valorizam as redes colaborativas, o

trabalho em equipe, e que implicaram em transformações nas relações entre

pesquisadores. Hoje a palavra de ordem é a colaboração através de redes de

investigação que, inclusive, apostem na internacionalização desta colaboração

e parceria.

Essas alterações podem ser de grande valia para o desenvolvimento

dos estudos no campo da Demografia Histórica, uma vez que não é novidade o

reconhecimento do grande investimento de recursos humanos, financeiros e de

tempo, para a transformação de dados não elaborados com fins demográficos

em banco de dados que permita a análise da dinâmica e da estrutura

demográfica das populações do passado.

A viabilização de trabalhos colaborativos, que integrem pesquisadores

com formação variada e de distintas instituições (nacionais e internacionais) foi

possível também graças às inovações tecnológicas que disponibilizaram

recursos técnicos que operacionalizam, a custos acessíveis, bancos de dados

maiores, mais potentes e com mais recursos.

O desenvolvimento das versões sucessivas do NACAOB tem procurado

incorporar todas as mudanças citadas, sobretudo as de caráter tecnológico.

Pretende oferecer, aos pesquisadores que se interessam em usar essa

ferramenta, um software com uma arquitetura lógica reorientada para o

trabalho em redes colaborativas.

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Nesse sentido, desde a implantação do projeto do Grupo de Pesquisa

Demografia & História, o NACAOB foi sendo ajustado e redesenhado para

atender as novas demandas do grupo de pesquisadores, liderados por Sergio

Nadalin.

Assim, desde 2009 o NACAOB passou para a versão visual e

multiusuário. A lógica do trabalho isolado de cada pesquisador está sendo,

gradativamente, substituída pelo uso da nova versão da ferramenta que

permite a alimentação simultânea das bases de dados, por distintos

pesquisadores, estudantes e bolsistas, embora as bases permaneçam

organizadas por paróquia/freguesia.

Esta comunicação pretende apontar as potencialidades e alguns

resultados do uso do NACAOB.

Materiais e Métodos

O NACAOB (NAscimentos/CAsamentos/ÓBitos) foi desenvolvido para

trabalhar com a fonte clássica utilizada pelos estudiosos da Demografia

Histórica.

Uma das primeiras alterações na estrutura do programa na versão visual

e multiusuário foi o ajuste para a inserção do segmento cativo da população,

permitindo a “entrada” de dados relativa aos escravos e aos seus respectivos

proprietários. Nessa mudança, aproveitamos para implementar o

compartilhamento de dados padronizados entre todas as bases (freguesias)

que estão sendo trabalhadas na plataforma, através da utilização de um banco

de dados em SQL, hospedado em um provedor, que permite o acesso dos

usuários (desde que cadastrado pelo administrador do sistema e que tenha

uma senha para efetuar o login) de qualquer lugar, que tenha conexão com a

internet.

No projeto de atualização do NACAOB contamos com o apoio do CNPq,

através dos projetos Além do Centro Sul e Família e sociedade no Brasil

Meridional (1772 – 1872)2 e, através de reuniões com os pesquisadores de

diversas instituições envolvidos nos projetos, trabalhamos para suprir todas as

2 “Família e sociedade no Brasil Meridional (1772 – 1872)” coordenado por Ana Silvia Volpi Scott com apoio do CNPq, através de Editais, Bolsa de Produtividade e Bolsas de Iniciação Científica.

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necessidades dos demógrafos historiadores na coleta e na organização dos

dados extraídos dos registros paroquiais.

Mantivemos todas as ferramentas de auxílio desenvolvidas na versão

monousuário e incluímos novos campos na base procurando assim, reproduzir

fielmente o documento original na plataforma digital.

A estrutura do banco de dados é relativamente simples, possui quatro

tabelas principais: as tabelas de eventos (batizados, casamentos e óbitos) e a

tabela de indivíduos (que permite a inserção de todos os indivíduos que foram

arrolados em cada evento). Além dessas, temos tabelas de apoio que têm

funções auxiliares, para ajudar os pesquisadores a incluir dados relativos a

cada evento, de forma padronizada, por exemplo, naturalidade, ocupação,

título ou patente, cor, causa morte. As tabelas de apoio são permanentemente

atualizadas a cada nova informação que for inserida, seja uma ocupação, uma

naturalidade, ou outro dado qualquer que ainda não esteja cadastrado no

sistema.

Entre as melhorias incorporadas na versão visual, relativa às tabelas de

apoio está no campo “nome”. Ela permite que o pesquisador efetue o registro

na grafia original da fonte e a sua equivalente, padronizada (por ex. Joseph,

Joze, José => padronizado para José). Esse recurso é fundamental para fontes

nominativas, porque facilita o posterior cruzamento, seja entre os próprios

registros paroquiais (para o caso da elaboração da ficha de família) ou para o

cruzamento com fontes nominativas de outro tipo, como inventários, listas

nominativas, etc. Equivale dizer que, mesmo que o nome José tenha sido

escrito de formas diferentes, ele será padronizado para José.

O software também dispõe de tabelas auxiliares fixas, que padronizam

informações sobre o papel que cada indivíduo desempenha no evento. As

tabelas são: “RelacaoEvento” (relação com o evento, herdeiro(a); madrinha;

procurador; padrinho; testamenteiro; testemunha), “RelacaoFamiliar” (relação

familiar conforme Tabela 1), “RelacaoCasamento” (Relação ao casal -noivo ou

noiva, somente utilizado nos registros de casamento), “Sexo” (M-masculino, F-

feminino, I-ilegível), “EstadoCivil” (estado civil, C-Casado(a); D-Divorciado(a);

F-Falecido(a); Q-Desquitado(a); S-Solteiro(a); V-Viuvo(a)); “CondicaoJuridica”

(condição jurídica do indivíduo, A-Administrado; E-Escravo; F-Forro; G-

Ingênuo; L-Livre; S-Servo).

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Tabela 1 - Relação “Familiar” com o indivíduo principal do evento

Cód. Descrição

CA Cunhada

CJ Conjuge

CO Cunhado

CS Consignatário

ET Enteado(a)

FL Filho(a)

GA Sogra

GN Genro

GO Sogro

IA Irma

IO Irmão

MA Mãe

MD Madrasta

MM Avó Materna

MP Avô Materno

MR Primo(a) Materno

MT Tio(a) Materno

NA Neta

NO Neto

NR Nora

PA Pai

PD Padrasto

PM Avó Paterna

PP Avô Paterno

PR Primo(a) Paterno

PT Tio(a) Paterno

RC Receptor de exposto

SA Sobrinha

SO Sobrinho

SR Proprietário Esc.

TP Transportador Esc.

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

Podemos verificar na tabela 1 que incluímos os códigos SR e TP

(proprietário e transportador de escravo respectivamente) apesar de não terem

relação de parentesco com o indivíduo principal do ato, assim como o RC

(receptor de exposto). Essas inserções foram resultado de situações não

previstas anteriormente, com as quais os pesquisadores se depararam.

Os dados inseridos por cada um dos pesquisadores são disponibilizados

através de extrações periódicas ou por demanda, em formato de planilha

(EXCEL). Na tabela 2 podemos observar o exemplo da estrutura da extração

de indivíduos.

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Tabela 2 – Estrutura dos dados extraídos do NACAOB para indivíduos

Nome do campo Descrição do campo

CodIND Código do individuo

CodBAT Código do batizado

CodCAS Código do casamento

CodOBI Código do óbito

Codproprietario Código do indivíduo proprietário

Rel Familiar Código da relação familiar

Rel Evento Código da relação com o evento

Rel Casamento “NO” ou “NA” nos casamentos

IdAtributo Código do atributo

Atributo Descrição do atributo

Nome Nome como no original

Leg Legitimidade

Sexo Sexo

EC Estado Civil

CJ Condição jurídica

Cor Cor

IdNat Código da naturalidade

IdRes Código da residência

IdOcup Código da ocupação

IdAss Código da assinatura

Naturalidade Descrição da naturalidade

Residência Descrição da residência

Ocupação Descrição da ocupação

Data BAT Data do batizado

Dia semana BAT Dia da semana do batizado

Data CAS Data do casamento

Dia semana CAS Dia da semana do casamento

Data OBI Data de óbito

Consolidado Campo lógico S/N

IdIndividuoConsolidado Código do indivíduo consolidado

IdFamilia Código da família

IdFamiliaOrigem Código da família de origem

IIND Número de ordem do indivíduo no ato (0, 1, 2, ...)

CausaMorte Código da causa de morte

Descricao Descrição da causa de morte como no documento

IOBS Observação do indivíduo

BaseBAT Código da base de batizado

BaseCAS Código da base de casamento

BaseOBI Código da base de óbito

IdadeOBI Idade informada ao óbito

IdadeCOBI Idade calculada ao óbito

FaixaObito Quinquênio dos óbitos

FaixaCAS Quinquênio dos casamentos

Continua...

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Nome do campo Descrição do campo

FaixaBAT Quinquênio dos batizados

Data Nascimento Data de nascimento

IdadeDia Idade em dias

IdadeMes Idade em meses

IdadeAno Idade em anos

Sacramento Campo lógico S/N

Testamento Campo lógico S/N

IdFamiliaConsolidada Código da família consolidada

Nome padronizado Nome com a grafia padronizada

Ano BAT Ano do batizado

Mês BAT Mês do batizado

Ano CAS Ano do casamento

Mês CAS Mês do casamento

Ano OBI Ano do óbito

Mês OBI Mês do óbito

idadeInformada Idade informada

Cód classe CM Código da classificação da causa de morte

Causa Morte Descrição da classificação da causa de morte

GP_idade Grupo etário

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

Como podemos verificar na tabela 2, os campos utilizados são intuitivos

e permitem ao pesquisador (aquele que mais conhece a fonte de dados

utilizada) uma análise de diversas variáveis, de forma individual ou

correlacionada.

Potencialidades e limitações

A criação de um banco de dados compartilhado entre diversos

pesquisadores atua como um facilitador do trabalho no campo da demografia

histórica, pelo menos em duas frentes: em primeiro lugar porque o trabalho

desenvolvido por uma equipe de pesquisadores pode viabilizar a construção de

bases de dados que englobem mais localidades, inclusive as maiores e que,

consequentemente, incorporam população mais volumosa, dando mais

consistência aos resultados, que não estariam limitados a pequenas paróquias

rurais, como eram as já citadas monografias francesas e, em certa medida,

foram replicados nos vários estudos desenvolvidos em Portugal, sob a direção

de Norberta Amorim; em segundo lugar, bases de dados mais alargadas e que

incluam diversas regiões e períodos abrem o caminho para análises

comparadas, facilitadas inclusive porque os dados inseridos nas bases são

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padronizados e obedecem a procedimentos uniformizados, que foram definidos

pelos integrantes do grupo.

Tabela 3 – Situação atual dos registros no NACAOB (Março 2018)

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

A tabela 3 apresenta o estágio do banco de dados NACAOB em março

de 2018. Por ser um trabalho colaborativo está em permanente mudança a

partir da inserção de novos dados ou ajuste e correções nos dados já

cadastrados. São 24 as freguesias cadastradas, que conformam um conjunto

de mais de 98.000 assentos de batizado, 12.000 assentos de casamento e

54.000 registros de óbito. Neste universo a base conta com mais de 770.000

registros de indivíduos3.

Ainda no que refere à tabela 3, fica evidenciada a amplitude geográfica e

temporal do banco de dados. O núcleo duro está composto pelas freguesias

que integram o Grupo de Pesquisas Demografia & História e o projeto Além do

Centro-Sul 4 . Também fica claro o leque abrangente de instituições e

pesquisadores que fazem uso do NACAOB.

3 Esse número engloba os indivíduos que foram registrados nos distintos atos. É importante sublinhar que um indivíduo pode aparecer em diferentes atos. Um indivíduo que nasceu, casou uma vez, teve três filhos registrados na paróquia e lá faleceu, foi registrado, no mínimo em seis “atos”. Além disso, esse mesmo indivíduo pode ter sido registrado também como padrinho, avô, proprietário de escravo etc. A partir do cruzamento nominativo dos registros, o passo seguinte é “consolidar” toda a informação relativa a uma mesma pessoa. Isso gera uma ferramenta de análise ímpar, pois o pesquisador acompanha toda a trajetória desse indivíduo, os diversos papéis desempenhados, os atributos recebidos (de cor, condição jurídica etc) e se eles variaram ao longo de sua vida. 4 Para um panorama do projeto veja-se Nadalin & Scott (2017).

TotalAno

inicial

Ano

finalTotal

Ano

inicial

Ano

finalTotal

Ano

inicial

Ano

final

1 BR, RS, Porto Alegre, Nossa Senhora da Madre de Deus 33648 1772 1870 4618 1772 1855 32014 1772 1873 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott

8 BR, PA, Belém, Santana 692 1804 1895 861 1793 1869 UFPA Antonio Otaviano

12 BR, SP, Espirito Santo do Pinhal, Nova Lousã 200 1870 1888 39 1871 1888 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott

13 BR, PA, Belém, Sé 22686 1776 1889 335 1801 1850 UFPA Antonio Otaviano

14 BR, PA, Belem, N. S. de Nazaré 5861 1784 1889 4 1883 1883 UFPA Antonio Otaviano

15 BR, RS, Nossa Senhora da Conceição de Viamão 2449 1747 1792 184 1747 1759 1761 1748 1796 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott

16 BR, RS, Freguesia de São José de Taquari 131 1766 1774 284 1767 1801 IFRS Gabriel Berute

17 BR, SP, Franca, Nossa Senhora da Conceição 8 1830 1830 5 1812 1840 2 1814 1854 UNESP MARILIA Paulo Teixeira

18 BR, RS, Freg. Nossa Senhora do Rosário, Rio Pardo 581 1755 1801 1 1759 1759 UNISINOS Max Ribeiro

19 BR, CE, Quixeramobim 6797 1755 1834 UNICAMP Maísa Faleiros

20 PT, Minho, São Tiago de Ronfe 1447 1700 1877 299 1700 1861 898 1700 1883 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott

21 PT, Lousã 4547 1860 1889 1040 1860 1889 2589 1860 1889 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott

24 BR, RN, Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação 3871 1683 1874 2011 1727 1912 9593 1728 1950 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima

26 BR, RN, Freguesia Nossa Senhora dos Prazeres de Goianinha 2263 1832 1886 1506 1823 1885 3248 1800 1911 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima

27 BR, RN, Canguaretama. 107 1844 1845 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima

28 BR, RS, Freguesia do Senhor Bom Jesus do Triunfo 21 1757 1758 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott

29 Colonia Sacramento 1278 1472 1771 48 1741 1743 UFRGS Fábio Kühn

33 Picada Bom Jesus e Picada Pomerana 340 1868 1901 65 1868 1987 106 1868 1984 UFPR Sérgio Nadalin

35 BR, MA, Nossa Senhora das Dores do Itapecuru 318 1813 1821 UFMA Antônia da Silva Mota

36 BR, BA, Santiago do Iguape 5436 1704 1835 2176 1830 1855 USP Carlos Bacellar

39 BR, RN, Angicos 408 1880 1899 1063 1844 1864 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima

40 BR, MA, Nossa Senhora da Luz (Catedral) 369 1790 1806 UFMA Antônia da Silva Mota

42 BR, PE, Olinda, São Pedro Mártir 3779 1821 1924 434 1817 1920 UNESP MARILIA Paulo Teixeira

47 BR, MG, Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre dos Carijós 1722 1718 1762 483 1727 1758 Roberto Belisário

Pesquisadorid Localidade

Batizados Casamentos Óbitos

Instituição

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Tabela 4 – Batizados e Óbitos por quinquênios Sexo e Condição Jurídica

Fonte: NACAOB extração Março 2018

A título de exemplo, a tabela 4 apresenta a distribuição dos batizados e

óbitos cadastrados (para o conjunto das freguesias), no largo arco temporal

que abrange os finais do século XVII e a primeira metade do XX. Se

considerarmos apenas as freguesias situadas no território atual do Brasil, no

período escravista5, veremos que os dados desta tabela reúnem informações,

por exemplo, sobre 92.030 batizados, que se repartem em 76,7% de homens

5 O que implica na exclusão das paróquias 20 e 21 (São Tiago de Ronfe e Lousã), que foram objeto de estudo em projetos anteriores, que analisaram localidades portuguesas.

Livres Escravos Total Livres Escravos Total Livres Escravos Total Livres Escravos Total

- 23 5 28 49 4 53 81 26 26 31 31 57

1680-84 3 5 8 5 5 13

1685-89 17 15 32 30 14 44 76

1690-94 72 23 95 84 19 103 198

1695-99 83 25 108 72 35 107 215

1700-04 87 30 117 91 36 127 244

1705-09 117 75 192 81 88 169 361 22 22 31 31 53

1710-14 128 240 368 125 274 399 767 26 26 32 32 58

1715-19 79 136 215 61 177 238 453 11 11 16 16 27

1720-24 57 102 159 54 125 179 338 14 14 32 32 46

1725-29 74 172 246 70 162 232 478 30 23 53 41 23 64 117

1730-34 211 204 415 212 177 389 804 65 144 209 44 41 85 294

1735-39 264 134 398 244 153 397 795 55 96 151 45 10 55 206

1740-44 336 141 477 371 152 523 1000 29 32 61 26 15 41 102

1745-49 292 209 501 286 161 447 948 31 17 48 46 18 64 112

1750-54 351 132 483 328 117 445 928 46 34 80 34 39 73 153

1755-59 570 44 614 584 38 622 1236 40 32 72 24 30 54 126

1760-64 289 20 309 283 15 298 607 97 41 138 78 25 103 241

1765-69 190 3 193 212 3 215 408 143 52 195 80 40 120 315

1770-74 216 24 240 213 21 234 474 129 64 193 68 41 109 302

1775-79 156 68 224 155 76 231 455 221 85 306 73 53 126 432

1780-84 343 108 451 303 93 396 847 187 109 296 134 74 208 504

1785-89 224 113 337 209 112 321 658 208 102 310 142 65 207 517

1790-94 107 105 212 118 115 233 445 328 145 473 202 99 301 774

1795-99 106 318 424 122 289 411 835 253 197 450 180 96 276 726

1800-04 551 513 1064 581 434 1015 2079 391 286 677 243 210 453 1130

1805-09 691 508 1199 657 526 1183 2382 512 432 944 371 298 669 1613

1810-14 762 530 1292 775 500 1275 2567 639 467 1106 413 332 745 1851

1815-19 969 479 1448 911 453 1364 2812 995 673 1668 656 468 1124 2792

1820-24 2118 748 2866 2037 730 2767 5633 829 637 1466 616 419 1035 2501

1825-29 2019 765 2784 2030 675 2705 5489 1115 928 2043 923 712 1635 3678

1830-34 2629 843 3472 2595 847 3442 6914 1109 1022 2131 954 774 1728 3859

1835-39 1048 506 1554 1019 472 1491 3045 1420 1078 2498 1306 868 2174 4672

1840-44 1453 760 2213 1538 735 2273 4486 1374 988 2362 1458 713 2171 4533

1845-49 1558 816 2374 1515 764 2279 4653 919 562 1481 767 418 1185 2666

1850-54 1246 530 1776 1463 506 1969 3745 1018 455 1473 1114 378 1492 2965

1855-59 1601 481 2082 1594 490 2084 4166 677 259 936 761 235 996 1932

1860-64 1961 412 2373 1958 403 2361 4734 625 159 784 727 149 876 1660

1865-69 1743 329 2072 1826 388 2214 4286 818 157 975 847 120 967 1942

1870-74 2404 123 2527 2485 107 2592 5119 719 84 803 773 68 841 1644

1875-79 2519 2 2521 2423 6 2429 4950 1095 13 1108 1120 10 1130 2238

1880-84 2218 2218 2266 2266 4484 895 2 897 846 16 862 1759

1885-89 1175 1175 1128 1128 2303 563 563 521 1 522 1085

1890-94 24 24 21 21 45 186 186 184 184 370

1895-99 15 15 20 20 35 10 10 6 6 16

1900-04 10 10 3 3 13 113 113 94 94 207

1905-09 39 39 46 46 85

1910-14 77 77 87 87 164

1915-19 336 336 281 281 617

1920-24 1 1 1 4 4 5 5 9

1925-29 527 527 495 495 1022

1930-34 287 287 248 248 535

1935-39 137 137 189 189 326

1940-44 167 167 178 178 345

1945-49 119 119 171 171 290

1950-54 2 1 3 3 19 19 17 17 36

HomensPeríodo Mulheres Total

Geral

Batizados Óbitos

Homens Mulheres Total

Geral

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livres, 23,3% de homens cativos; 77,1% de mulheres livres e 22, 9% de

mulheres escravizadas. No que diz respeito aos óbitos, temos 46.188 assentos,

que se distribuem em 63,2% de homens livres, 36,8% de escravos e, entre as

mulheres, temos 66,9% de livres e 33,1% de cativas.

A análise do banco de dados por freguesia mostra que a freguesia da

Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre é a que possui o conjunto

de dados mais robusto, reunindo entre batizados e óbitos (de livres e escravos)

65.617 registros cadastrados.

As potencialidades de exploração dos dados inseridos no NACAOB são

enormes e aumentam na medida em que as séries sejam mais completas e

sem lacunas ao longo do tempo, como se vê pelo caso da Madre de Deus de

Porto Alegre, que reúne registros indexados entre 1772 (criação da freguesia)

até 1872 (ano do primeiro recenseamento geral da população brasileira).

De outra parte, aqui cabe lembrar mais uma potencialidade do NACAOB,

que permite comparar os dados que foram transcritos e inseridos na plataforma

digital e confrontá-los com a imagem do documento original (se estiver

disponível). O acoplamento pode ser feito através de link com as imagens

digitalizadas pelos pesquisadores e/ou disponíveis através, por exemplo, do

site “Family Search”, mantido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos

Últimos Dias (mais conhecida como Mórmon).

Claro está que há limitações na utilização do NACAOB, uma delas, de

ordem técnica, uma vez que o programa só funciona com acesso à internet e

no sistema operacional Windows XP ou superior (inclusive Windows 10) com o

Microsoft.NET Framework 3.5 instalado. Também é necessário lembrar que a

intervenção do administrador do NACAOB na inclusão de novas freguesias e

usuários (bolsistas e/ou pesquisadores) para utilizarem a ferramenta é requisito

essencial para acessar o banco de dados. Para mais, atualmente ainda não

está disponível a possibilidade de efetuar extrações diretas do banco de dados,

que está hospedado em um provedor comercial e, por isso requer que o

administrador disponibilize as extrações de dados atualizadas para os

respectivos pesquisadores. As atualizações são feitas periodicamente, ou sob

a demanda dos interessados.

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Resultados: aplicação do NACAOB em um estudo de caso

Aqui exploraremos a aplicação do NACAOB ao estudo da mortalidade,

numa perspectiva comparada entre a população livre e escrava, a partir do

caso da Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1872). A motivação vincula-se a

dois aspectos: 1) o fato do estudo da mortalidade ser um tema pouco explorado

nos estudos de demografia histórica no Brasil; 2) o fato, já apontado em outros

trabalhos, da qualidade dos registros de óbito desta freguesia.

Contudo, foi necessário utilizar outras fontes para podermos estimar a

população total da freguesia ao longo do período selecionado, conforme

podemos ver na tabela 5, para calcular, por exemplo as taxas brutas de

mortalidade e natalidade.

Tabela 5 – Evolução da População da Freguesia da Madre de Deus

(1780-1872)6

Sabemos que os resultados apresentados na tabela 6 podem apresentar

uma variação devido a qualidade dos dados, mas estes foram os resultados

preliminares que obtivemos. Chama a nossa atenção o fato de a taxa bruta de

mortalidade se, calculada por segmento da população (livre x escravo), a TBM

sempre foi maior entre os escravos. Já a TBM para toda a população se

6 A redução estimada de 33% no desmembramento da freguesia foi calculada através da diferença baseada em uma média móvel de 5 anos, anterior e posterior à divisão, relativa aos assentos de batizado e de óbito.

Homens Mulheres Homens Mulheres

1780*

588 508 1096 64,0 357 261 617 36,0 1713 11,8 116 137

1798 1011 1020 2031 58,3 878 574 1452 41,7 3483 6,9 99 153

1802 1331 1179 2511 60,0 1035 637 1672 40,0 4183 6,5 113 163

1805 1453 1307 2760 63,3 1008 588 1597 36,7 4357 6,6 111 171

1807**

1910 1336 3245 64,7 1109 661 1771 35,3 5016 6,7 143 168

1810 2164 1424 3588 64,9 1141 802 1943 35,1 5531 6,4 152 142

1814 1853 1515 3368 59,3 1408 904 2312 40,7 5680 7,6 122 156

1846*** 3303 3449 6752 70,4 1729 1110 2839 29,6 9591 6,7 96 156

1847*** 2541 2653 5194 68,9 1428 917 2345 31,1 7539 6,6 96 156

1848**** 3497 3803 7300 70,8 1834 1177 3011 29,2 10311 6,6 92 156

1858***** 3470 3774 7244 71,7 1549 1312 2861 28,3 10105 6,9 92 118

1872 3653 3261 6914 84,0 558 757 1315 16,0 8229 6,8 112 74

Média 66,7 Média 33,3

Ano

Livres

Total %

Escravos

Total %Total

Geral

% < 1

ano

Razão

sexo

Livres

Razão

sexo

Escravos

Fonte: De 1780 à 1810 Mapas de população, de 1814 à 1858 relatórios do presidente de provincia e o censo de 1872.

* % < 1 ano é na realidade < 7 anos em 1780

** % < 1 ano foi estimado pela média dos outros anos.

*** Mapas de 1846, 1847 e 1848 da provincia apresentam somente a população livre. População escrava foi estimada por interpolação entre

os anos 1814 e 1858.

**** Mapa de 1848 da provincia apresenta 15.389 como total da população de Porto Alegre. Consideramos uma redução de 33% referente

ao desmembramento de 1832 efetivado em 1844 N. S. Rosário.

***** Mapa de 1858 da provincia apresenta 29.723 como total da população de Porto Alegre. Consideramos uma resução de 66% referente

ao desmembramento de 1832 efetivado em 1844 N.S. Rosário e 1859 N.S. Dores.

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mostrou crescente até 1847, partindo de 37,9 por mil em 1780 tendo seu ápice

em 1810 com 70,0 por mil, mas após 1847 mostra uma tendência de redução

chegando 29,2 óbitos por mil habitantes em 1872.

Quanto as taxas brutas de natalidade, as mesmas oscilaram bastante.

Tabela 6 – População, TBN e TBM (por mil) da Madre de Deus de Porto Alegre

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

José Eustáquio D. Alves (2008) apresenta estimativa das taxas brutas

de natalidade e mortalidade para o Brasil, a partir do ano de 1872. Essa pode

ser uma referência válida para cotejar com as taxas encontradas para a Madre

de Deus ao longo do século XIX, ainda que se leve em consideração que os

dados utilizados pelo autor partam do censo de 1872 e referem-se a todo o

Brasil e os nossos dados dizem respeito apenas a uma freguesia desde sua

origem, e por conseguinte uma população de pequenas proporções embora em

expansão, o que pode causar oscilações bruscas, distorcendo os resultados.

De todo modo, para o ano de 1872, Alves encontra para o Brasil uma TBM em

torno de 30 por mil (Alves, 2008). Para a Madre de Deus os dados apontam

para uma TBM de 29,2 para o mesmo ano, portanto dados compatíveis e

perfeitamente aceitáveis.

No entanto, os dados dos assentos de óbitos da Madre de Deus

inseridos no NACAOB nos permitiram enveredar pela discussão de crises de

mortalidade que tenham afetado a sua população no período analisado.

Para o estudo das crises de mortalidade foram aplicadas as

metodologias propostas por Jacques Dupâquier (Dupâquier, 1979) e Massimo

Livi Bacci / Lorenzo Del Panta (Del Panta e Livi Bacci, 1979).

Podemos verificar no gráfico 1 que os dois métodos apresentam quase

as mesmas curvas, exceto nas extremidades que divergem devido a diferença

Livres Escravos Total Livres Escravos Total Livres Escravos Total

1780 1096 617 1713 3,7 43,7 18,1 33,8 45,3 37,9

1798 2031 1452 3483 2,5 89,5 38,8 41,4 52,3 45,9

1802 2511 1672 4183 68,1 49,6 60,7 36,2 50,2 41,8

1805 2760 1597 4357 71,0 57,6 66,1 40,6 57,6 46,8

1807 3245 1771 5016 57,9 53,1 56,2 46,2 75,7 56,6

1810 3588 1943 5531 73,3 52,0 65,8 65,2 78,8 70,0

1814 3368 2312 5680 94,1 52,3 77,1 53,7 76,1 62,9

1846 6752 2839 9591 45,5 62,3 50,5 31,1 53,5 37,7

1847 5194 2345 7539 50,6 76,3 58,6 50,3 92,1 63,3

1848 7337 2974 10311 37,9 67,3 46,4 27,7 62,5 37,7

1858 7244 2861 10105 39,5 28,3 36,3 23,9 24,1 23,9

1872 6914 1315 8229 31,1 19,0 29,2

AnoPopulação Taxa Bruta de Natalidade (TBN) Taxa Bruta de Mortalidade (TBM)

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na forma de cálculo das médias móveis e o ano de referência para a

comparação com o desvio padrão.

Gráfico 1 – Crises de mortalidade da Madre de Deus

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

Como podemos ver na tabela 7, o método de Dupâquier é mais sensível

as variações ocorridas na mortalidade no período, classificando as crises por

faixas (1 a 2 fraca, 2 a 4 média, 4 a 8 forte, 8 a 16 importante, 16 a 32 uma

grande crise e acima de 32 considera uma catástrofe), enquanto que o método

de Del Panta e Livi Bacci considera crise somente os índices que se situam

acima de 50.

Como os registros de óbito da freguesia da Madre de Deus de Porto

Alegre registram a informação da causa da morte, com regularidade a partir de

1800, pudemos analisar as causas de maior incidência para os anos em que os

métodos apontaram crises. De qualquer forma, temos que registrar que essa

informação não era feita por médicos e sim pelos párocos ou pessoas não

ligadas a área da saúde.

Outra questão importante é que identificamos através dos relatórios do

presidente da província, que os óbitos de Dezembro de 1855 e Janeiro de 1856

não foram registrados na freguesia. Esse dado é importante pois marca o

período que a cidade de Porto Alegre sofreu com a uma epidemia de cólera

morbus. Sendo assim, para estimar o total de óbitos “perdidos” naquele

período, valemo-nos dos óbitos registrados na Santa Casa de Porto Alegre,

aos quais tivemos acesso a partir de trabalho elaborado pelos pesquisadores

do Centro Histórico-Cultural Santa Casa de Porto Alegre.

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Tabela 7 – Crises de mortalidade da Madre de Deus

Ano Método Del Panta e Livi

Bacci

Método Dupâquier

Crises de mortalidade

1782 72,5 1,3

Até 1800 não eram declaradas as causas de morte

1795 45,5 5,0

1798 25,4 3,6

1799 -9,2 1,5

1800 -11,7 1,6

1801 50,5 4,6 Varíola

1803 -8,5 1,2 Varíola

1804 28,3 2,5 Varíola

1806 75,2 4,1 Sarampo

1810 17,3 1,3 Varíola / Tuberculose

1813 6,5 1,2 Varíola / Tuberculose

1815 -3,0 1,0 Tuberculose

1816 13,1 1,8 Diarreia e enterite / Tuberculose

1817 12,4 1,9 Varíola / Tuberculose

1818 13,0 1,8 Doenças do aparelho circulatório / respiratório

1824 -5,5 1,8 Diarreia e enterite

1825 10,6 4,2 Diarreia e enterite

1826 3,5 2,0 Diarreia e enterite

1827 10,3 2,2 Varíola

1828 19,0 2,3 Sarampo

1829 24,9 2,1 Diarreia e enterite / Tuberculose

1837 78,1 6,2 Escarlatina

1838 32,0 1,1 Diarreia e enterite / Varíola

1855 160,3 15,1 Cólera

1865 169,7 1,4 Diarreia e enterite Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

O relatório do presidente da província aponta 1001 óbitos entre

dezembro de 1855 e janeiro de 1856 para a freguesia (primeiro distrito), sendo,

263 homens e 273 mulheres livres e 250 homens e 215 mulheres escravos,

esses números são compatíveis com os arrolados na documentação da Santa

Casa e foram incorporados para os cálculos apresentados na tabela 7. Sem a

incorporação desses dados, nenhuma das metodologias teria detectado a pior

crise de mortalidade que afetou a população de Porto Alegre no século XIX.

Desconsiderando as crises de menor intensidade, comparamos o

impacto delas na população livre e escrava ao longo dos meses, nos anos em

que elas foram detectadas.

Uma das primeiras inferências que podem ser feitas, é que

independentemente da doença, livres e escravos padeciam do mesmo mal. O

gráfico 2 nos mostra as crises de 1801 (Varíola), 1806 (Sarampo), 1825

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(Diarreia e enterite), 1829 (Diarreia e enterite / Tuberculose), 1837 (Escarlatina)

e 1855/56 (Cólera).

Gráfico 2 – Sazonalidade das crises de mortalidade da Madre de Deus de

Porto Alegre (1801, 1806, 1825, 1829, 1837, 1855/1856)

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

O gráfico nos mostra que apenas a diarreia / enterite e tuberculose

atacavam livres e escravos ao longo de todo o ano.

Outra variável que é passível de ser analisada com os dados da Madre

de Deus é a incidência das doenças de acordo com as faixas etárias. O que

nos chama a atenção e que de certa forma era esperado, é que as crianças

eram as vítimas preferenciais de doenças como varíola, sarampo,

diarreia/enterite, já que aproximadamente 50% dos óbitos registrados se dava

até os 4 anos de idade. A exceção fica por conta da tuberculose que incidia de

maneira mais regular nos diferentes grupos de idade, como se pode observar

nas tabelas seguintes.

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Tabela 8 – Óbitos por diarreia e enterite na Madre de Deus (1772-1872)

Grupo etário Livre % Escravo % Total %

< 01 360 23,7 170 12,2 530 18,2

01 - 04 454 29,9 245 17,6 699 24,0

05 - 09 120 7,9 90 6,5 210 7,2

10 - 14 31 2,0 101 7,3 132 4,5

15 - 19 32 2,1 101 7,3 133 4,6

20 - 24 43 2,8 122 8,8 165 5,7

25 - 29 47 3,1 75 5,4 122 4,2

30 - 34 52 3,4 138 9,9 190 6,5

35 - 39 24 1,6 16 1,1 40 1,4

40 - 44 56 3,7 101 7,3 157 5,4

45 - 49 22 1,4 15 1,1 37 1,3

50 - 54 48 3,2 86 6,2 134 4,6

55 - 59 23 1,5 10 0,7 33 1,1

60 - 64 58 3,8 45 3,2 103 3,5

65 - 69 12 0,8 5 0,4 17 0,6

70 - 74 43 2,8 22 1,6 65 2,2

75 ou mais 60 3,9 20 1,4 80 2,7

não informado 35 2,3 30 2,2 65 2,2

Total Geral 1520 100,0 1392 100,0 2912 100,0

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

Tabela 9 – Óbitos por tuberculose na Madre de Deus (1772-1872)

Grupo etário Livre % Escravo % Total %

< 01 118 13,2 80 11,6 198 12,5

01 - 04 81 9,0 76 11,0 157 9,9

05 - 09 23 2,6 22 3,2 45 2,8

10 - 14 28 3,1 33 4,8 61 3,8

15 - 19 49 5,5 44 6,4 93 5,9

20 - 24 104 11,6 67 9,7 171 10,8

25 - 29 73 8,1 53 7,7 126 7,9

30 - 34 91 10,2 85 12,3 176 11,1

35 - 39 44 4,9 32 4,6 76 4,8

40 - 44 56 6,3 78 11,3 134 8,4

45 - 49 36 4,0 10 1,4 46 2,9

50 - 54 45 5,0 47 6,8 92 5,8

55 - 59 22 2,5 4 0,6 26 1,6

60 - 64 31 3,5 23 3,3 54 3,4

65 - 69 15 1,7

0,0 15 0,9

70 - 74 27 3,0 9 1,3 36 2,3

75 ou mais 34 3,8 11 1,6 45 2,8

não informado 19 2,1 17 2,5 36 2,3

Total Geral 896 100,0 691 100,0 1587 100,0

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

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Tabela 10 - Óbitos por varíola na Madre de Deus (1772-1872)

Grupo etário Livre % Escravo % Total %

< 01 209 20,6 82 13,8 291 18,1

01 - 04 364 35,9 135 22,8 499 31,0

05 - 09 153 15,1 43 7,3 196 12,2

10 - 14 48 4,7 44 7,4 92 5,7

15 - 19 47 4,6 41 6,9 88 5,5

20 - 24 63 6,2 83 14,0 146 9,1

25 - 29 34 3,3 44 7,4 78 4,9

30 - 34 32 3,2 70 11,8 102 6,3

35 - 39 14 1,4 5 0,8 19 1,2

40 - 44 15 1,5 24 4,0 39 2,4

45 - 49 2 0,2 2 0,3 4 0,2

50 - 54 2 0,2 7 1,2 9 0,6

55 - 59 1 0,1

0,0 1 0,1

60 - 64 3 0,3 4 0,7 7 0,4

65 - 69

0,0

0,0

0,0

70 - 74 1 0,1

0,0 1 0,1

75 ou mais 1 0,1

0,0 1 0,1

não informado 26 2,6 9 1,5 35 2,2

Total Geral 1015 100,0 593 100,0 1608 100,0

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

Tabela 11 - Óbitos por sarampo na Madre de Deus (1772-1872)

Grupo etário Livre % Escravo % Total %

< 01 91 17,4 35 14,6 126 16,5

01 - 04 279 53,2 109 45,6 388 50,9

05 - 09 89 17,0 54 22,6 143 18,7

10 - 14 25 4,8 14 5,9 39 5,1

15 - 19 9 1,7 5 2,1 14 1,8

20 - 24 9 1,7 8 3,3 17 2,2

25 - 29 6 1,1 5 2,1 11 1,4

30 - 34 6 1,1 4 1,7 10 1,3

35 - 39

0,0

0,0

0,0

40 - 44 1 0,2 4 1,7 5 0,7

45 - 49

0,0

0,0

0,0

50 - 54

0,0

0,0

0,0

55 - 59

0,0

0,0

0,0

60 - 64 1 0,2

0,0 1 0,1

65 - 69

0,0

0,0

0,0

70 - 74

0,0

0,0

0,0

75 ou mais

0,0 1 0,4 1 0,1

não informado 8 1,5

0,0 8 1,0

Total Geral 524 100,0 239 100,0 763 100,0

Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018

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Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi apresentar o software NACAOB e algumas

das possibilidades de exploração do banco de dados criado com as

informações que podem constar nas fontes paroquiais, especialmente nos

assentos de óbitos.

A base de dados colaborativa, alimentada por um conjunto cada vez

maior de pesquisadores, está em continuo crescimento e possibilita um vasto

leque de estudo comparativo das componentes demográficas, além da abertura

para estudos no campo da história social da população, que não foram

abordados nesta comunicação. O trabalho cuidadoso e apurado, que tem por

princípio procedimentos padronizados, fornece um rico e quase inesgotável

material para o avanço das análises da demografia e da história no Brasil.

É possível conhecer a ferramenta através não apenas dos trabalhos que

vem sendo publicados, mas também visitando o site www.nacaob.com.br.

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Referências Bibliográficas

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DEL PANTA, L.; LIVI BACCI, M. Chronology, intensity and diffusion of mortality in Italy, 1600-1850. In: CHARBONNEAU, H.; LAROSE, A. (Ed.). The great mortalities: methodological studies of demographic crises in the past. Liège: IUSSP, 1979. p. 69–81.

DUPÂQUIER, Jacques — L'analyse statistique des crises de mortalité, in «The great mortalities: methodological studies of demographic crises in the past», ed. by Hubert Charbonneau et André Larose, Liège, Ordina Éditions, 1979, pp. 83-84.

SCOTT, A. S. V.;SCOTT, D. (2009). NACAOB: una opción informatizada para historiadores de la familia. In: Dora Celton; Mónica Ghirardi; Adrián Carbonetti. (Org.). Poblaciones históricas: fuentes, métodos y líneas de investigación. 1ed. Rio de Janeiro: ALAP Editor, p. 171-185.

SCOTT, D. (2017). A população do Rio Grande de São Pedro pelos mapas populacionais de 1780 a 1810. Revista Brasileira de Estudos de População (REBEP). Belo Horizonte, v.34, n. 3, p. 617-633.