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NACAOB: Potencialidades e alguns resultados
Dario Scott (Unicamp)
Ana Silvia Volpi Scott (Unicamp)
Resumo
Um dos principais problemas dos demógrafos historiadores reside no fato de que, frequentemente, utilizam em suas pesquisas fontes que não foram elaboradas com o objetivo de estudar a dinâmica demográfica das populações. Entre essas fontes, destacam-se os registros paroquiais de batizado, casamento e óbito. Visando dar uma contribuição para a coleta, organização e exploração sistematizada desse conjunto documental, esta comunicação apresenta uma ferramenta desenvolvida especificamente para o uso desses registros, o NACAOB, que alimenta um banco de dados que dá suporte para análises de cunho demográfico. Paralelamente, a apresentação do software, pretende-se discutir suas potencialidades e apresentar alguns resultados baseados na utilização desta ferramenta, que tem sido utilizada por pesquisadores que integram o projeto integrado e interinstitucional “Além do Centro-Sul: por uma história da população colonial nos extremos dos domínios portugueses na América”, que conta com o apoio do CNPq.
NACAOB: Potencialidades e alguns resultados
Dario Scott (Unicamp)
Ana Silvia Volpi Scott (Unicamp)
Resumo
Um dos principais problemas dos demógrafos historiadores reside no fato de que, frequentemente, utilizam em suas pesquisas fontes que não foram elaboradas com o objetivo de estudar a dinâmica demográfica das populações. Entre essas fontes, destacam-se os registros paroquiais de batizado, casamento e óbito. Visando dar uma contribuição para a coleta, organização e exploração sistematizada desse conjunto documental, esta comunicação apresenta uma ferramenta desenvolvida especificamente para o uso desses registros, o NACAOB, que alimenta um banco de dados que dá suporte para análises de cunho demográfico. Paralelamente, a apresentação do software, pretende-se discutir suas potencialidades e apresentar alguns resultados baseados na utilização desta ferramenta, que tem sido utilizada por pesquisadores que integram o projeto integrado e interinstitucional “Além do Centro-Sul: por uma história da população colonial nos extremos dos domínios portugueses na América”, que conta com o apoio do CNPq.
Palavra chave: Demografia histórica; banco de dados, registros paroquiais.
INTRODUÇÃO
O software NACAOB, que será apresentado e discutido nesta
comunicação, tem uma trajetória que remonta aos inícios da década de 1990.
Desde então, ele foi sendo constantemente aperfeiçoado para atender as
demandas dos pesquisadores que atuam no campo da demografia histórica e
que se valem, para seus estudos, das séries de assentos paroquiais
produzidas com regularidade e uniformidade pela igreja católica, desde os
inícios dos tempos modernos.
É importante situar essa etapa inicial para compreender e avaliar as
atualizações subsequentes que foram integradas à ferramenta que hoje está
sendo utilizada por demógrafos historiador e historiadores que integram o
Grupo de Pesquisa CNPq – Demografia & História, liderados por Sergio
Nadalin (UFPR), que estão trabalhando no projeto integrado e interinstitucional
“Além do centro-Sul”1.
1 Além do Centro-Sul: por uma história da população brasileira nos extremos da América portuguesa, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa CNPq Demografia & História. Link do grupo veja: http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0103606I5VSA6C.
Nos inícios dos anos 1990 a lógica que informava a construção de
bancos de dados, na maioria dos casos, utilizava banco de dados estruturado a
partir do software Dbase e o NACAOB funcionava, obedecendo essa estrutura
da base de dados, no formato “mono-usuário”.
Na lógica dos estudos de demografia histórica que eram desenvolvidos
naquela época, e que se inspirava nas monografias paroquiais francesas, o
programa NACAOB trabalhava numa versão “mono-usuário”, isto é, cada
paróquia ou freguesia era tratada individualmente, estando “salva” e com seus
dados armazenados em diretórios diferentes, no equipamento (hardware)
pessoal de cada pesquisador ou no da instituição à qual estava vinculado.
Portanto, adequava-se perfeitamente, tanto aos programas e softwares
disponíveis no mercado, quanto às demandas individuais dos pesquisadores.
A ideia de desenvolver um software que atendesse pesquisadores que
trabalhavam no âmbito da Demografia Histórica nasceu de uma demanda
específica de um projeto que estudava os comportamentos demográficos e
familiares de uma comunidade no noroeste de Portugal. Assim a versão
original do NACAOB teve sua arquitetura lógica e sua estrutura de banco de
dados “pensada” e desenvolvida tendo como referência a realidade dos
registros paroquiais portugueses, que diziam respeito a uma população que se
organizava em torno de uma sociedade muito diferente daquela que se
estruturou no Brasil no período colonial e imperial. O que isso quer dizer, de um
ponto de vista mais geral, é que o banco de dados não havia sido projetado
inicialmente para incorporar, por exemplo, a população escrava, segmento que
conformava parcela fundamental da nossa população, não apenas por conta de
aspectos demográficos, como também a questões complexas ligadas às
hierarquias sociais, econômicos, culturais, políticas.
Em Portugal, o contato com trabalhos desenvolvidos por Norberta
Amorim, pesquisadora reconhecida no campo da demografia histórica
portuguesa, e que estimulavam a produção de monografias paroquiais,
utilizavam também o DBASE como banco de dados, obedecendo a mesma
lógica de estudo individual, com cada pesquisador organizando e inserindo os
dados da “sua paróquia”.
A inspiração para o desenvolvimento do NACAOB seguia a trilha
proposta por Louis Henry, que organizava as informações a partir de fichas de
ato para, em etapa posterior, elaboraria as conhecidas fichas de família, que
permitem as análises demográficas.
Por outro lado, a proposta de Norberta Amorim era agilizar o processo
de elaboração das fichas de família, “queimando” a etapa da coleta individual
por atos (batizado, casamento e óbito), partindo diretamente dos batizados,
para a elaboração da ficha de família. Esse procedimento levou ao
desenvolvimento da metodologia de reconstituição de paroquiais. Anos depois,
o grupo coordenado por Norberta Amorim, e que tinha a colaboração de
informáticos vinculados à Universidade do Minho, desenvolveu, nos anos 2000,
o “Sistema de Reconstituição de Paróquias” (SRP), inserindo as fichas de
família em um banco de dados.
De lá para cá muitas mudanças ocorreram, não apenas em termos de
mudanças de paradigmas científicos, que valorizam as redes colaborativas, o
trabalho em equipe, e que implicaram em transformações nas relações entre
pesquisadores. Hoje a palavra de ordem é a colaboração através de redes de
investigação que, inclusive, apostem na internacionalização desta colaboração
e parceria.
Essas alterações podem ser de grande valia para o desenvolvimento
dos estudos no campo da Demografia Histórica, uma vez que não é novidade o
reconhecimento do grande investimento de recursos humanos, financeiros e de
tempo, para a transformação de dados não elaborados com fins demográficos
em banco de dados que permita a análise da dinâmica e da estrutura
demográfica das populações do passado.
A viabilização de trabalhos colaborativos, que integrem pesquisadores
com formação variada e de distintas instituições (nacionais e internacionais) foi
possível também graças às inovações tecnológicas que disponibilizaram
recursos técnicos que operacionalizam, a custos acessíveis, bancos de dados
maiores, mais potentes e com mais recursos.
O desenvolvimento das versões sucessivas do NACAOB tem procurado
incorporar todas as mudanças citadas, sobretudo as de caráter tecnológico.
Pretende oferecer, aos pesquisadores que se interessam em usar essa
ferramenta, um software com uma arquitetura lógica reorientada para o
trabalho em redes colaborativas.
Nesse sentido, desde a implantação do projeto do Grupo de Pesquisa
Demografia & História, o NACAOB foi sendo ajustado e redesenhado para
atender as novas demandas do grupo de pesquisadores, liderados por Sergio
Nadalin.
Assim, desde 2009 o NACAOB passou para a versão visual e
multiusuário. A lógica do trabalho isolado de cada pesquisador está sendo,
gradativamente, substituída pelo uso da nova versão da ferramenta que
permite a alimentação simultânea das bases de dados, por distintos
pesquisadores, estudantes e bolsistas, embora as bases permaneçam
organizadas por paróquia/freguesia.
Esta comunicação pretende apontar as potencialidades e alguns
resultados do uso do NACAOB.
Materiais e Métodos
O NACAOB (NAscimentos/CAsamentos/ÓBitos) foi desenvolvido para
trabalhar com a fonte clássica utilizada pelos estudiosos da Demografia
Histórica.
Uma das primeiras alterações na estrutura do programa na versão visual
e multiusuário foi o ajuste para a inserção do segmento cativo da população,
permitindo a “entrada” de dados relativa aos escravos e aos seus respectivos
proprietários. Nessa mudança, aproveitamos para implementar o
compartilhamento de dados padronizados entre todas as bases (freguesias)
que estão sendo trabalhadas na plataforma, através da utilização de um banco
de dados em SQL, hospedado em um provedor, que permite o acesso dos
usuários (desde que cadastrado pelo administrador do sistema e que tenha
uma senha para efetuar o login) de qualquer lugar, que tenha conexão com a
internet.
No projeto de atualização do NACAOB contamos com o apoio do CNPq,
através dos projetos Além do Centro Sul e Família e sociedade no Brasil
Meridional (1772 – 1872)2 e, através de reuniões com os pesquisadores de
diversas instituições envolvidos nos projetos, trabalhamos para suprir todas as
2 “Família e sociedade no Brasil Meridional (1772 – 1872)” coordenado por Ana Silvia Volpi Scott com apoio do CNPq, através de Editais, Bolsa de Produtividade e Bolsas de Iniciação Científica.
necessidades dos demógrafos historiadores na coleta e na organização dos
dados extraídos dos registros paroquiais.
Mantivemos todas as ferramentas de auxílio desenvolvidas na versão
monousuário e incluímos novos campos na base procurando assim, reproduzir
fielmente o documento original na plataforma digital.
A estrutura do banco de dados é relativamente simples, possui quatro
tabelas principais: as tabelas de eventos (batizados, casamentos e óbitos) e a
tabela de indivíduos (que permite a inserção de todos os indivíduos que foram
arrolados em cada evento). Além dessas, temos tabelas de apoio que têm
funções auxiliares, para ajudar os pesquisadores a incluir dados relativos a
cada evento, de forma padronizada, por exemplo, naturalidade, ocupação,
título ou patente, cor, causa morte. As tabelas de apoio são permanentemente
atualizadas a cada nova informação que for inserida, seja uma ocupação, uma
naturalidade, ou outro dado qualquer que ainda não esteja cadastrado no
sistema.
Entre as melhorias incorporadas na versão visual, relativa às tabelas de
apoio está no campo “nome”. Ela permite que o pesquisador efetue o registro
na grafia original da fonte e a sua equivalente, padronizada (por ex. Joseph,
Joze, José => padronizado para José). Esse recurso é fundamental para fontes
nominativas, porque facilita o posterior cruzamento, seja entre os próprios
registros paroquiais (para o caso da elaboração da ficha de família) ou para o
cruzamento com fontes nominativas de outro tipo, como inventários, listas
nominativas, etc. Equivale dizer que, mesmo que o nome José tenha sido
escrito de formas diferentes, ele será padronizado para José.
O software também dispõe de tabelas auxiliares fixas, que padronizam
informações sobre o papel que cada indivíduo desempenha no evento. As
tabelas são: “RelacaoEvento” (relação com o evento, herdeiro(a); madrinha;
procurador; padrinho; testamenteiro; testemunha), “RelacaoFamiliar” (relação
familiar conforme Tabela 1), “RelacaoCasamento” (Relação ao casal -noivo ou
noiva, somente utilizado nos registros de casamento), “Sexo” (M-masculino, F-
feminino, I-ilegível), “EstadoCivil” (estado civil, C-Casado(a); D-Divorciado(a);
F-Falecido(a); Q-Desquitado(a); S-Solteiro(a); V-Viuvo(a)); “CondicaoJuridica”
(condição jurídica do indivíduo, A-Administrado; E-Escravo; F-Forro; G-
Ingênuo; L-Livre; S-Servo).
Tabela 1 - Relação “Familiar” com o indivíduo principal do evento
Cód. Descrição
CA Cunhada
CJ Conjuge
CO Cunhado
CS Consignatário
ET Enteado(a)
FL Filho(a)
GA Sogra
GN Genro
GO Sogro
IA Irma
IO Irmão
MA Mãe
MD Madrasta
MM Avó Materna
MP Avô Materno
MR Primo(a) Materno
MT Tio(a) Materno
NA Neta
NO Neto
NR Nora
PA Pai
PD Padrasto
PM Avó Paterna
PP Avô Paterno
PR Primo(a) Paterno
PT Tio(a) Paterno
RC Receptor de exposto
SA Sobrinha
SO Sobrinho
SR Proprietário Esc.
TP Transportador Esc.
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Podemos verificar na tabela 1 que incluímos os códigos SR e TP
(proprietário e transportador de escravo respectivamente) apesar de não terem
relação de parentesco com o indivíduo principal do ato, assim como o RC
(receptor de exposto). Essas inserções foram resultado de situações não
previstas anteriormente, com as quais os pesquisadores se depararam.
Os dados inseridos por cada um dos pesquisadores são disponibilizados
através de extrações periódicas ou por demanda, em formato de planilha
(EXCEL). Na tabela 2 podemos observar o exemplo da estrutura da extração
de indivíduos.
Tabela 2 – Estrutura dos dados extraídos do NACAOB para indivíduos
Nome do campo Descrição do campo
CodIND Código do individuo
CodBAT Código do batizado
CodCAS Código do casamento
CodOBI Código do óbito
Codproprietario Código do indivíduo proprietário
Rel Familiar Código da relação familiar
Rel Evento Código da relação com o evento
Rel Casamento “NO” ou “NA” nos casamentos
IdAtributo Código do atributo
Atributo Descrição do atributo
Nome Nome como no original
Leg Legitimidade
Sexo Sexo
EC Estado Civil
CJ Condição jurídica
Cor Cor
IdNat Código da naturalidade
IdRes Código da residência
IdOcup Código da ocupação
IdAss Código da assinatura
Naturalidade Descrição da naturalidade
Residência Descrição da residência
Ocupação Descrição da ocupação
Data BAT Data do batizado
Dia semana BAT Dia da semana do batizado
Data CAS Data do casamento
Dia semana CAS Dia da semana do casamento
Data OBI Data de óbito
Consolidado Campo lógico S/N
IdIndividuoConsolidado Código do indivíduo consolidado
IdFamilia Código da família
IdFamiliaOrigem Código da família de origem
IIND Número de ordem do indivíduo no ato (0, 1, 2, ...)
CausaMorte Código da causa de morte
Descricao Descrição da causa de morte como no documento
IOBS Observação do indivíduo
BaseBAT Código da base de batizado
BaseCAS Código da base de casamento
BaseOBI Código da base de óbito
IdadeOBI Idade informada ao óbito
IdadeCOBI Idade calculada ao óbito
FaixaObito Quinquênio dos óbitos
FaixaCAS Quinquênio dos casamentos
Continua...
Nome do campo Descrição do campo
FaixaBAT Quinquênio dos batizados
Data Nascimento Data de nascimento
IdadeDia Idade em dias
IdadeMes Idade em meses
IdadeAno Idade em anos
Sacramento Campo lógico S/N
Testamento Campo lógico S/N
IdFamiliaConsolidada Código da família consolidada
Nome padronizado Nome com a grafia padronizada
Ano BAT Ano do batizado
Mês BAT Mês do batizado
Ano CAS Ano do casamento
Mês CAS Mês do casamento
Ano OBI Ano do óbito
Mês OBI Mês do óbito
idadeInformada Idade informada
Cód classe CM Código da classificação da causa de morte
Causa Morte Descrição da classificação da causa de morte
GP_idade Grupo etário
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Como podemos verificar na tabela 2, os campos utilizados são intuitivos
e permitem ao pesquisador (aquele que mais conhece a fonte de dados
utilizada) uma análise de diversas variáveis, de forma individual ou
correlacionada.
Potencialidades e limitações
A criação de um banco de dados compartilhado entre diversos
pesquisadores atua como um facilitador do trabalho no campo da demografia
histórica, pelo menos em duas frentes: em primeiro lugar porque o trabalho
desenvolvido por uma equipe de pesquisadores pode viabilizar a construção de
bases de dados que englobem mais localidades, inclusive as maiores e que,
consequentemente, incorporam população mais volumosa, dando mais
consistência aos resultados, que não estariam limitados a pequenas paróquias
rurais, como eram as já citadas monografias francesas e, em certa medida,
foram replicados nos vários estudos desenvolvidos em Portugal, sob a direção
de Norberta Amorim; em segundo lugar, bases de dados mais alargadas e que
incluam diversas regiões e períodos abrem o caminho para análises
comparadas, facilitadas inclusive porque os dados inseridos nas bases são
padronizados e obedecem a procedimentos uniformizados, que foram definidos
pelos integrantes do grupo.
Tabela 3 – Situação atual dos registros no NACAOB (Março 2018)
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
A tabela 3 apresenta o estágio do banco de dados NACAOB em março
de 2018. Por ser um trabalho colaborativo está em permanente mudança a
partir da inserção de novos dados ou ajuste e correções nos dados já
cadastrados. São 24 as freguesias cadastradas, que conformam um conjunto
de mais de 98.000 assentos de batizado, 12.000 assentos de casamento e
54.000 registros de óbito. Neste universo a base conta com mais de 770.000
registros de indivíduos3.
Ainda no que refere à tabela 3, fica evidenciada a amplitude geográfica e
temporal do banco de dados. O núcleo duro está composto pelas freguesias
que integram o Grupo de Pesquisas Demografia & História e o projeto Além do
Centro-Sul 4 . Também fica claro o leque abrangente de instituições e
pesquisadores que fazem uso do NACAOB.
3 Esse número engloba os indivíduos que foram registrados nos distintos atos. É importante sublinhar que um indivíduo pode aparecer em diferentes atos. Um indivíduo que nasceu, casou uma vez, teve três filhos registrados na paróquia e lá faleceu, foi registrado, no mínimo em seis “atos”. Além disso, esse mesmo indivíduo pode ter sido registrado também como padrinho, avô, proprietário de escravo etc. A partir do cruzamento nominativo dos registros, o passo seguinte é “consolidar” toda a informação relativa a uma mesma pessoa. Isso gera uma ferramenta de análise ímpar, pois o pesquisador acompanha toda a trajetória desse indivíduo, os diversos papéis desempenhados, os atributos recebidos (de cor, condição jurídica etc) e se eles variaram ao longo de sua vida. 4 Para um panorama do projeto veja-se Nadalin & Scott (2017).
TotalAno
inicial
Ano
finalTotal
Ano
inicial
Ano
finalTotal
Ano
inicial
Ano
final
1 BR, RS, Porto Alegre, Nossa Senhora da Madre de Deus 33648 1772 1870 4618 1772 1855 32014 1772 1873 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott
8 BR, PA, Belém, Santana 692 1804 1895 861 1793 1869 UFPA Antonio Otaviano
12 BR, SP, Espirito Santo do Pinhal, Nova Lousã 200 1870 1888 39 1871 1888 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott
13 BR, PA, Belém, Sé 22686 1776 1889 335 1801 1850 UFPA Antonio Otaviano
14 BR, PA, Belem, N. S. de Nazaré 5861 1784 1889 4 1883 1883 UFPA Antonio Otaviano
15 BR, RS, Nossa Senhora da Conceição de Viamão 2449 1747 1792 184 1747 1759 1761 1748 1796 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott
16 BR, RS, Freguesia de São José de Taquari 131 1766 1774 284 1767 1801 IFRS Gabriel Berute
17 BR, SP, Franca, Nossa Senhora da Conceição 8 1830 1830 5 1812 1840 2 1814 1854 UNESP MARILIA Paulo Teixeira
18 BR, RS, Freg. Nossa Senhora do Rosário, Rio Pardo 581 1755 1801 1 1759 1759 UNISINOS Max Ribeiro
19 BR, CE, Quixeramobim 6797 1755 1834 UNICAMP Maísa Faleiros
20 PT, Minho, São Tiago de Ronfe 1447 1700 1877 299 1700 1861 898 1700 1883 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott
21 PT, Lousã 4547 1860 1889 1040 1860 1889 2589 1860 1889 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott
24 BR, RN, Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação 3871 1683 1874 2011 1727 1912 9593 1728 1950 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima
26 BR, RN, Freguesia Nossa Senhora dos Prazeres de Goianinha 2263 1832 1886 1506 1823 1885 3248 1800 1911 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima
27 BR, RN, Canguaretama. 107 1844 1845 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima
28 BR, RS, Freguesia do Senhor Bom Jesus do Triunfo 21 1757 1758 UNICAMP Ana Silvia Volpi Scott
29 Colonia Sacramento 1278 1472 1771 48 1741 1743 UFRGS Fábio Kühn
33 Picada Bom Jesus e Picada Pomerana 340 1868 1901 65 1868 1987 106 1868 1984 UFPR Sérgio Nadalin
35 BR, MA, Nossa Senhora das Dores do Itapecuru 318 1813 1821 UFMA Antônia da Silva Mota
36 BR, BA, Santiago do Iguape 5436 1704 1835 2176 1830 1855 USP Carlos Bacellar
39 BR, RN, Angicos 408 1880 1899 1063 1844 1864 UFRN Carmen Alveal / Luciana Lima
40 BR, MA, Nossa Senhora da Luz (Catedral) 369 1790 1806 UFMA Antônia da Silva Mota
42 BR, PE, Olinda, São Pedro Mártir 3779 1821 1924 434 1817 1920 UNESP MARILIA Paulo Teixeira
47 BR, MG, Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre dos Carijós 1722 1718 1762 483 1727 1758 Roberto Belisário
Pesquisadorid Localidade
Batizados Casamentos Óbitos
Instituição
Tabela 4 – Batizados e Óbitos por quinquênios Sexo e Condição Jurídica
Fonte: NACAOB extração Março 2018
A título de exemplo, a tabela 4 apresenta a distribuição dos batizados e
óbitos cadastrados (para o conjunto das freguesias), no largo arco temporal
que abrange os finais do século XVII e a primeira metade do XX. Se
considerarmos apenas as freguesias situadas no território atual do Brasil, no
período escravista5, veremos que os dados desta tabela reúnem informações,
por exemplo, sobre 92.030 batizados, que se repartem em 76,7% de homens
5 O que implica na exclusão das paróquias 20 e 21 (São Tiago de Ronfe e Lousã), que foram objeto de estudo em projetos anteriores, que analisaram localidades portuguesas.
Livres Escravos Total Livres Escravos Total Livres Escravos Total Livres Escravos Total
- 23 5 28 49 4 53 81 26 26 31 31 57
1680-84 3 5 8 5 5 13
1685-89 17 15 32 30 14 44 76
1690-94 72 23 95 84 19 103 198
1695-99 83 25 108 72 35 107 215
1700-04 87 30 117 91 36 127 244
1705-09 117 75 192 81 88 169 361 22 22 31 31 53
1710-14 128 240 368 125 274 399 767 26 26 32 32 58
1715-19 79 136 215 61 177 238 453 11 11 16 16 27
1720-24 57 102 159 54 125 179 338 14 14 32 32 46
1725-29 74 172 246 70 162 232 478 30 23 53 41 23 64 117
1730-34 211 204 415 212 177 389 804 65 144 209 44 41 85 294
1735-39 264 134 398 244 153 397 795 55 96 151 45 10 55 206
1740-44 336 141 477 371 152 523 1000 29 32 61 26 15 41 102
1745-49 292 209 501 286 161 447 948 31 17 48 46 18 64 112
1750-54 351 132 483 328 117 445 928 46 34 80 34 39 73 153
1755-59 570 44 614 584 38 622 1236 40 32 72 24 30 54 126
1760-64 289 20 309 283 15 298 607 97 41 138 78 25 103 241
1765-69 190 3 193 212 3 215 408 143 52 195 80 40 120 315
1770-74 216 24 240 213 21 234 474 129 64 193 68 41 109 302
1775-79 156 68 224 155 76 231 455 221 85 306 73 53 126 432
1780-84 343 108 451 303 93 396 847 187 109 296 134 74 208 504
1785-89 224 113 337 209 112 321 658 208 102 310 142 65 207 517
1790-94 107 105 212 118 115 233 445 328 145 473 202 99 301 774
1795-99 106 318 424 122 289 411 835 253 197 450 180 96 276 726
1800-04 551 513 1064 581 434 1015 2079 391 286 677 243 210 453 1130
1805-09 691 508 1199 657 526 1183 2382 512 432 944 371 298 669 1613
1810-14 762 530 1292 775 500 1275 2567 639 467 1106 413 332 745 1851
1815-19 969 479 1448 911 453 1364 2812 995 673 1668 656 468 1124 2792
1820-24 2118 748 2866 2037 730 2767 5633 829 637 1466 616 419 1035 2501
1825-29 2019 765 2784 2030 675 2705 5489 1115 928 2043 923 712 1635 3678
1830-34 2629 843 3472 2595 847 3442 6914 1109 1022 2131 954 774 1728 3859
1835-39 1048 506 1554 1019 472 1491 3045 1420 1078 2498 1306 868 2174 4672
1840-44 1453 760 2213 1538 735 2273 4486 1374 988 2362 1458 713 2171 4533
1845-49 1558 816 2374 1515 764 2279 4653 919 562 1481 767 418 1185 2666
1850-54 1246 530 1776 1463 506 1969 3745 1018 455 1473 1114 378 1492 2965
1855-59 1601 481 2082 1594 490 2084 4166 677 259 936 761 235 996 1932
1860-64 1961 412 2373 1958 403 2361 4734 625 159 784 727 149 876 1660
1865-69 1743 329 2072 1826 388 2214 4286 818 157 975 847 120 967 1942
1870-74 2404 123 2527 2485 107 2592 5119 719 84 803 773 68 841 1644
1875-79 2519 2 2521 2423 6 2429 4950 1095 13 1108 1120 10 1130 2238
1880-84 2218 2218 2266 2266 4484 895 2 897 846 16 862 1759
1885-89 1175 1175 1128 1128 2303 563 563 521 1 522 1085
1890-94 24 24 21 21 45 186 186 184 184 370
1895-99 15 15 20 20 35 10 10 6 6 16
1900-04 10 10 3 3 13 113 113 94 94 207
1905-09 39 39 46 46 85
1910-14 77 77 87 87 164
1915-19 336 336 281 281 617
1920-24 1 1 1 4 4 5 5 9
1925-29 527 527 495 495 1022
1930-34 287 287 248 248 535
1935-39 137 137 189 189 326
1940-44 167 167 178 178 345
1945-49 119 119 171 171 290
1950-54 2 1 3 3 19 19 17 17 36
HomensPeríodo Mulheres Total
Geral
Batizados Óbitos
Homens Mulheres Total
Geral
livres, 23,3% de homens cativos; 77,1% de mulheres livres e 22, 9% de
mulheres escravizadas. No que diz respeito aos óbitos, temos 46.188 assentos,
que se distribuem em 63,2% de homens livres, 36,8% de escravos e, entre as
mulheres, temos 66,9% de livres e 33,1% de cativas.
A análise do banco de dados por freguesia mostra que a freguesia da
Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre é a que possui o conjunto
de dados mais robusto, reunindo entre batizados e óbitos (de livres e escravos)
65.617 registros cadastrados.
As potencialidades de exploração dos dados inseridos no NACAOB são
enormes e aumentam na medida em que as séries sejam mais completas e
sem lacunas ao longo do tempo, como se vê pelo caso da Madre de Deus de
Porto Alegre, que reúne registros indexados entre 1772 (criação da freguesia)
até 1872 (ano do primeiro recenseamento geral da população brasileira).
De outra parte, aqui cabe lembrar mais uma potencialidade do NACAOB,
que permite comparar os dados que foram transcritos e inseridos na plataforma
digital e confrontá-los com a imagem do documento original (se estiver
disponível). O acoplamento pode ser feito através de link com as imagens
digitalizadas pelos pesquisadores e/ou disponíveis através, por exemplo, do
site “Family Search”, mantido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias (mais conhecida como Mórmon).
Claro está que há limitações na utilização do NACAOB, uma delas, de
ordem técnica, uma vez que o programa só funciona com acesso à internet e
no sistema operacional Windows XP ou superior (inclusive Windows 10) com o
Microsoft.NET Framework 3.5 instalado. Também é necessário lembrar que a
intervenção do administrador do NACAOB na inclusão de novas freguesias e
usuários (bolsistas e/ou pesquisadores) para utilizarem a ferramenta é requisito
essencial para acessar o banco de dados. Para mais, atualmente ainda não
está disponível a possibilidade de efetuar extrações diretas do banco de dados,
que está hospedado em um provedor comercial e, por isso requer que o
administrador disponibilize as extrações de dados atualizadas para os
respectivos pesquisadores. As atualizações são feitas periodicamente, ou sob
a demanda dos interessados.
Resultados: aplicação do NACAOB em um estudo de caso
Aqui exploraremos a aplicação do NACAOB ao estudo da mortalidade,
numa perspectiva comparada entre a população livre e escrava, a partir do
caso da Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1872). A motivação vincula-se a
dois aspectos: 1) o fato do estudo da mortalidade ser um tema pouco explorado
nos estudos de demografia histórica no Brasil; 2) o fato, já apontado em outros
trabalhos, da qualidade dos registros de óbito desta freguesia.
Contudo, foi necessário utilizar outras fontes para podermos estimar a
população total da freguesia ao longo do período selecionado, conforme
podemos ver na tabela 5, para calcular, por exemplo as taxas brutas de
mortalidade e natalidade.
Tabela 5 – Evolução da População da Freguesia da Madre de Deus
(1780-1872)6
Sabemos que os resultados apresentados na tabela 6 podem apresentar
uma variação devido a qualidade dos dados, mas estes foram os resultados
preliminares que obtivemos. Chama a nossa atenção o fato de a taxa bruta de
mortalidade se, calculada por segmento da população (livre x escravo), a TBM
sempre foi maior entre os escravos. Já a TBM para toda a população se
6 A redução estimada de 33% no desmembramento da freguesia foi calculada através da diferença baseada em uma média móvel de 5 anos, anterior e posterior à divisão, relativa aos assentos de batizado e de óbito.
Homens Mulheres Homens Mulheres
1780*
588 508 1096 64,0 357 261 617 36,0 1713 11,8 116 137
1798 1011 1020 2031 58,3 878 574 1452 41,7 3483 6,9 99 153
1802 1331 1179 2511 60,0 1035 637 1672 40,0 4183 6,5 113 163
1805 1453 1307 2760 63,3 1008 588 1597 36,7 4357 6,6 111 171
1807**
1910 1336 3245 64,7 1109 661 1771 35,3 5016 6,7 143 168
1810 2164 1424 3588 64,9 1141 802 1943 35,1 5531 6,4 152 142
1814 1853 1515 3368 59,3 1408 904 2312 40,7 5680 7,6 122 156
1846*** 3303 3449 6752 70,4 1729 1110 2839 29,6 9591 6,7 96 156
1847*** 2541 2653 5194 68,9 1428 917 2345 31,1 7539 6,6 96 156
1848**** 3497 3803 7300 70,8 1834 1177 3011 29,2 10311 6,6 92 156
1858***** 3470 3774 7244 71,7 1549 1312 2861 28,3 10105 6,9 92 118
1872 3653 3261 6914 84,0 558 757 1315 16,0 8229 6,8 112 74
Média 66,7 Média 33,3
Ano
Livres
Total %
Escravos
Total %Total
Geral
% < 1
ano
Razão
sexo
Livres
Razão
sexo
Escravos
Fonte: De 1780 à 1810 Mapas de população, de 1814 à 1858 relatórios do presidente de provincia e o censo de 1872.
* % < 1 ano é na realidade < 7 anos em 1780
** % < 1 ano foi estimado pela média dos outros anos.
*** Mapas de 1846, 1847 e 1848 da provincia apresentam somente a população livre. População escrava foi estimada por interpolação entre
os anos 1814 e 1858.
**** Mapa de 1848 da provincia apresenta 15.389 como total da população de Porto Alegre. Consideramos uma redução de 33% referente
ao desmembramento de 1832 efetivado em 1844 N. S. Rosário.
***** Mapa de 1858 da provincia apresenta 29.723 como total da população de Porto Alegre. Consideramos uma resução de 66% referente
ao desmembramento de 1832 efetivado em 1844 N.S. Rosário e 1859 N.S. Dores.
mostrou crescente até 1847, partindo de 37,9 por mil em 1780 tendo seu ápice
em 1810 com 70,0 por mil, mas após 1847 mostra uma tendência de redução
chegando 29,2 óbitos por mil habitantes em 1872.
Quanto as taxas brutas de natalidade, as mesmas oscilaram bastante.
Tabela 6 – População, TBN e TBM (por mil) da Madre de Deus de Porto Alegre
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
José Eustáquio D. Alves (2008) apresenta estimativa das taxas brutas
de natalidade e mortalidade para o Brasil, a partir do ano de 1872. Essa pode
ser uma referência válida para cotejar com as taxas encontradas para a Madre
de Deus ao longo do século XIX, ainda que se leve em consideração que os
dados utilizados pelo autor partam do censo de 1872 e referem-se a todo o
Brasil e os nossos dados dizem respeito apenas a uma freguesia desde sua
origem, e por conseguinte uma população de pequenas proporções embora em
expansão, o que pode causar oscilações bruscas, distorcendo os resultados.
De todo modo, para o ano de 1872, Alves encontra para o Brasil uma TBM em
torno de 30 por mil (Alves, 2008). Para a Madre de Deus os dados apontam
para uma TBM de 29,2 para o mesmo ano, portanto dados compatíveis e
perfeitamente aceitáveis.
No entanto, os dados dos assentos de óbitos da Madre de Deus
inseridos no NACAOB nos permitiram enveredar pela discussão de crises de
mortalidade que tenham afetado a sua população no período analisado.
Para o estudo das crises de mortalidade foram aplicadas as
metodologias propostas por Jacques Dupâquier (Dupâquier, 1979) e Massimo
Livi Bacci / Lorenzo Del Panta (Del Panta e Livi Bacci, 1979).
Podemos verificar no gráfico 1 que os dois métodos apresentam quase
as mesmas curvas, exceto nas extremidades que divergem devido a diferença
Livres Escravos Total Livres Escravos Total Livres Escravos Total
1780 1096 617 1713 3,7 43,7 18,1 33,8 45,3 37,9
1798 2031 1452 3483 2,5 89,5 38,8 41,4 52,3 45,9
1802 2511 1672 4183 68,1 49,6 60,7 36,2 50,2 41,8
1805 2760 1597 4357 71,0 57,6 66,1 40,6 57,6 46,8
1807 3245 1771 5016 57,9 53,1 56,2 46,2 75,7 56,6
1810 3588 1943 5531 73,3 52,0 65,8 65,2 78,8 70,0
1814 3368 2312 5680 94,1 52,3 77,1 53,7 76,1 62,9
1846 6752 2839 9591 45,5 62,3 50,5 31,1 53,5 37,7
1847 5194 2345 7539 50,6 76,3 58,6 50,3 92,1 63,3
1848 7337 2974 10311 37,9 67,3 46,4 27,7 62,5 37,7
1858 7244 2861 10105 39,5 28,3 36,3 23,9 24,1 23,9
1872 6914 1315 8229 31,1 19,0 29,2
AnoPopulação Taxa Bruta de Natalidade (TBN) Taxa Bruta de Mortalidade (TBM)
na forma de cálculo das médias móveis e o ano de referência para a
comparação com o desvio padrão.
Gráfico 1 – Crises de mortalidade da Madre de Deus
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Como podemos ver na tabela 7, o método de Dupâquier é mais sensível
as variações ocorridas na mortalidade no período, classificando as crises por
faixas (1 a 2 fraca, 2 a 4 média, 4 a 8 forte, 8 a 16 importante, 16 a 32 uma
grande crise e acima de 32 considera uma catástrofe), enquanto que o método
de Del Panta e Livi Bacci considera crise somente os índices que se situam
acima de 50.
Como os registros de óbito da freguesia da Madre de Deus de Porto
Alegre registram a informação da causa da morte, com regularidade a partir de
1800, pudemos analisar as causas de maior incidência para os anos em que os
métodos apontaram crises. De qualquer forma, temos que registrar que essa
informação não era feita por médicos e sim pelos párocos ou pessoas não
ligadas a área da saúde.
Outra questão importante é que identificamos através dos relatórios do
presidente da província, que os óbitos de Dezembro de 1855 e Janeiro de 1856
não foram registrados na freguesia. Esse dado é importante pois marca o
período que a cidade de Porto Alegre sofreu com a uma epidemia de cólera
morbus. Sendo assim, para estimar o total de óbitos “perdidos” naquele
período, valemo-nos dos óbitos registrados na Santa Casa de Porto Alegre,
aos quais tivemos acesso a partir de trabalho elaborado pelos pesquisadores
do Centro Histórico-Cultural Santa Casa de Porto Alegre.
Tabela 7 – Crises de mortalidade da Madre de Deus
Ano Método Del Panta e Livi
Bacci
Método Dupâquier
Crises de mortalidade
1782 72,5 1,3
Até 1800 não eram declaradas as causas de morte
1795 45,5 5,0
1798 25,4 3,6
1799 -9,2 1,5
1800 -11,7 1,6
1801 50,5 4,6 Varíola
1803 -8,5 1,2 Varíola
1804 28,3 2,5 Varíola
1806 75,2 4,1 Sarampo
1810 17,3 1,3 Varíola / Tuberculose
1813 6,5 1,2 Varíola / Tuberculose
1815 -3,0 1,0 Tuberculose
1816 13,1 1,8 Diarreia e enterite / Tuberculose
1817 12,4 1,9 Varíola / Tuberculose
1818 13,0 1,8 Doenças do aparelho circulatório / respiratório
1824 -5,5 1,8 Diarreia e enterite
1825 10,6 4,2 Diarreia e enterite
1826 3,5 2,0 Diarreia e enterite
1827 10,3 2,2 Varíola
1828 19,0 2,3 Sarampo
1829 24,9 2,1 Diarreia e enterite / Tuberculose
1837 78,1 6,2 Escarlatina
1838 32,0 1,1 Diarreia e enterite / Varíola
1855 160,3 15,1 Cólera
1865 169,7 1,4 Diarreia e enterite Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
O relatório do presidente da província aponta 1001 óbitos entre
dezembro de 1855 e janeiro de 1856 para a freguesia (primeiro distrito), sendo,
263 homens e 273 mulheres livres e 250 homens e 215 mulheres escravos,
esses números são compatíveis com os arrolados na documentação da Santa
Casa e foram incorporados para os cálculos apresentados na tabela 7. Sem a
incorporação desses dados, nenhuma das metodologias teria detectado a pior
crise de mortalidade que afetou a população de Porto Alegre no século XIX.
Desconsiderando as crises de menor intensidade, comparamos o
impacto delas na população livre e escrava ao longo dos meses, nos anos em
que elas foram detectadas.
Uma das primeiras inferências que podem ser feitas, é que
independentemente da doença, livres e escravos padeciam do mesmo mal. O
gráfico 2 nos mostra as crises de 1801 (Varíola), 1806 (Sarampo), 1825
(Diarreia e enterite), 1829 (Diarreia e enterite / Tuberculose), 1837 (Escarlatina)
e 1855/56 (Cólera).
Gráfico 2 – Sazonalidade das crises de mortalidade da Madre de Deus de
Porto Alegre (1801, 1806, 1825, 1829, 1837, 1855/1856)
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
O gráfico nos mostra que apenas a diarreia / enterite e tuberculose
atacavam livres e escravos ao longo de todo o ano.
Outra variável que é passível de ser analisada com os dados da Madre
de Deus é a incidência das doenças de acordo com as faixas etárias. O que
nos chama a atenção e que de certa forma era esperado, é que as crianças
eram as vítimas preferenciais de doenças como varíola, sarampo,
diarreia/enterite, já que aproximadamente 50% dos óbitos registrados se dava
até os 4 anos de idade. A exceção fica por conta da tuberculose que incidia de
maneira mais regular nos diferentes grupos de idade, como se pode observar
nas tabelas seguintes.
Tabela 8 – Óbitos por diarreia e enterite na Madre de Deus (1772-1872)
Grupo etário Livre % Escravo % Total %
< 01 360 23,7 170 12,2 530 18,2
01 - 04 454 29,9 245 17,6 699 24,0
05 - 09 120 7,9 90 6,5 210 7,2
10 - 14 31 2,0 101 7,3 132 4,5
15 - 19 32 2,1 101 7,3 133 4,6
20 - 24 43 2,8 122 8,8 165 5,7
25 - 29 47 3,1 75 5,4 122 4,2
30 - 34 52 3,4 138 9,9 190 6,5
35 - 39 24 1,6 16 1,1 40 1,4
40 - 44 56 3,7 101 7,3 157 5,4
45 - 49 22 1,4 15 1,1 37 1,3
50 - 54 48 3,2 86 6,2 134 4,6
55 - 59 23 1,5 10 0,7 33 1,1
60 - 64 58 3,8 45 3,2 103 3,5
65 - 69 12 0,8 5 0,4 17 0,6
70 - 74 43 2,8 22 1,6 65 2,2
75 ou mais 60 3,9 20 1,4 80 2,7
não informado 35 2,3 30 2,2 65 2,2
Total Geral 1520 100,0 1392 100,0 2912 100,0
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Tabela 9 – Óbitos por tuberculose na Madre de Deus (1772-1872)
Grupo etário Livre % Escravo % Total %
< 01 118 13,2 80 11,6 198 12,5
01 - 04 81 9,0 76 11,0 157 9,9
05 - 09 23 2,6 22 3,2 45 2,8
10 - 14 28 3,1 33 4,8 61 3,8
15 - 19 49 5,5 44 6,4 93 5,9
20 - 24 104 11,6 67 9,7 171 10,8
25 - 29 73 8,1 53 7,7 126 7,9
30 - 34 91 10,2 85 12,3 176 11,1
35 - 39 44 4,9 32 4,6 76 4,8
40 - 44 56 6,3 78 11,3 134 8,4
45 - 49 36 4,0 10 1,4 46 2,9
50 - 54 45 5,0 47 6,8 92 5,8
55 - 59 22 2,5 4 0,6 26 1,6
60 - 64 31 3,5 23 3,3 54 3,4
65 - 69 15 1,7
0,0 15 0,9
70 - 74 27 3,0 9 1,3 36 2,3
75 ou mais 34 3,8 11 1,6 45 2,8
não informado 19 2,1 17 2,5 36 2,3
Total Geral 896 100,0 691 100,0 1587 100,0
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Tabela 10 - Óbitos por varíola na Madre de Deus (1772-1872)
Grupo etário Livre % Escravo % Total %
< 01 209 20,6 82 13,8 291 18,1
01 - 04 364 35,9 135 22,8 499 31,0
05 - 09 153 15,1 43 7,3 196 12,2
10 - 14 48 4,7 44 7,4 92 5,7
15 - 19 47 4,6 41 6,9 88 5,5
20 - 24 63 6,2 83 14,0 146 9,1
25 - 29 34 3,3 44 7,4 78 4,9
30 - 34 32 3,2 70 11,8 102 6,3
35 - 39 14 1,4 5 0,8 19 1,2
40 - 44 15 1,5 24 4,0 39 2,4
45 - 49 2 0,2 2 0,3 4 0,2
50 - 54 2 0,2 7 1,2 9 0,6
55 - 59 1 0,1
0,0 1 0,1
60 - 64 3 0,3 4 0,7 7 0,4
65 - 69
0,0
0,0
0,0
70 - 74 1 0,1
0,0 1 0,1
75 ou mais 1 0,1
0,0 1 0,1
não informado 26 2,6 9 1,5 35 2,2
Total Geral 1015 100,0 593 100,0 1608 100,0
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Tabela 11 - Óbitos por sarampo na Madre de Deus (1772-1872)
Grupo etário Livre % Escravo % Total %
< 01 91 17,4 35 14,6 126 16,5
01 - 04 279 53,2 109 45,6 388 50,9
05 - 09 89 17,0 54 22,6 143 18,7
10 - 14 25 4,8 14 5,9 39 5,1
15 - 19 9 1,7 5 2,1 14 1,8
20 - 24 9 1,7 8 3,3 17 2,2
25 - 29 6 1,1 5 2,1 11 1,4
30 - 34 6 1,1 4 1,7 10 1,3
35 - 39
0,0
0,0
0,0
40 - 44 1 0,2 4 1,7 5 0,7
45 - 49
0,0
0,0
0,0
50 - 54
0,0
0,0
0,0
55 - 59
0,0
0,0
0,0
60 - 64 1 0,2
0,0 1 0,1
65 - 69
0,0
0,0
0,0
70 - 74
0,0
0,0
0,0
75 ou mais
0,0 1 0,4 1 0,1
não informado 8 1,5
0,0 8 1,0
Total Geral 524 100,0 239 100,0 763 100,0
Fonte: NACAOB extração Janeiro 2018
Considerações Finais
O objetivo deste trabalho foi apresentar o software NACAOB e algumas
das possibilidades de exploração do banco de dados criado com as
informações que podem constar nas fontes paroquiais, especialmente nos
assentos de óbitos.
A base de dados colaborativa, alimentada por um conjunto cada vez
maior de pesquisadores, está em continuo crescimento e possibilita um vasto
leque de estudo comparativo das componentes demográficas, além da abertura
para estudos no campo da história social da população, que não foram
abordados nesta comunicação. O trabalho cuidadoso e apurado, que tem por
princípio procedimentos padronizados, fornece um rico e quase inesgotável
material para o avanço das análises da demografia e da história no Brasil.
É possível conhecer a ferramenta através não apenas dos trabalhos que
vem sendo publicados, mas também visitando o site www.nacaob.com.br.
Referências Bibliográficas
ALVES, J. E. D. (2008). A transição demográfica e a janela de oportunidade. SP: Inst. Fernand Braudel, http://www.braudel.org.br/pesquisas/pdf/transicao_demografica.pdf (acesso em março de 2018).
DEL PANTA, L.; LIVI BACCI, M. Chronology, intensity and diffusion of mortality in Italy, 1600-1850. In: CHARBONNEAU, H.; LAROSE, A. (Ed.). The great mortalities: methodological studies of demographic crises in the past. Liège: IUSSP, 1979. p. 69–81.
DUPÂQUIER, Jacques — L'analyse statistique des crises de mortalité, in «The great mortalities: methodological studies of demographic crises in the past», ed. by Hubert Charbonneau et André Larose, Liège, Ordina Éditions, 1979, pp. 83-84.
SCOTT, A. S. V.;SCOTT, D. (2009). NACAOB: una opción informatizada para historiadores de la familia. In: Dora Celton; Mónica Ghirardi; Adrián Carbonetti. (Org.). Poblaciones históricas: fuentes, métodos y líneas de investigación. 1ed. Rio de Janeiro: ALAP Editor, p. 171-185.
SCOTT, D. (2017). A população do Rio Grande de São Pedro pelos mapas populacionais de 1780 a 1810. Revista Brasileira de Estudos de População (REBEP). Belo Horizonte, v.34, n. 3, p. 617-633.