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Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, v.16, janeiro junho de 2006. 120 Volume 16, janeiro a junho de 2006 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO MODERNO E A CRISE AMBIENTAL Renata Coelho Sartori Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo – Universidade Metodista de Piracicaba, 1989. Especialista em Arte-Educação – Faculdade Paulista de Artes, 2001. Mestre em Ecologia de Agroecossistemas – Universidade de São Paulo, USP/ESALQ, 2005. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] RESUMO Este artigo analisa a relação da crise ambiental com a urgente reforma paradigmática do pensamento. È argumentado que há necessidade de estudos que busquem alternativas para questões ambientais, não apenas sob seus aspectos ecológicos, mas também éticos, políticos, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e culturais. A análise desse quadro, bem como os indicadores ambientais, resultantes de estudos propostos pelas conferências ambientais internacionais, serão apresentados e discutidos. Palavras -Chave: crise ambiental; conhecimento científico; indicadores ambientais; convenções ambientais internacionais. ABSTRACT This article analyzes the relationship of the environmental crisis with the urgent paradigmatic reform of the thought. It is argued that there is not just need of studies that they look for alternatives for environmental subjects, under its ecological, but also ethical, political, social, economic, scientific, technological and cultural aspects. The analysis of that picture, as well as the environmental indicators, resultants of studies proposed by the international environmental conferences, they will be presented and discussed. Keywords: environmental crisis; scientific knowledge; environmental indicators; international environmental conventions.

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO MODERNO E A CRISE AMBIENTAL

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Volume 16, janeiro a junho de 2006

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO MODERNO E A CRISE AMBIENTAL

Renata Coelho Sartori Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo – Universidade Metodista de Piracicaba, 1989. Especialista em Arte-Educação – Faculdade Paulista de Artes, 2001. Mestre em

Ecologia de Agroecossistemas – Universidade de São Paulo, USP/ESALQ, 2005. Bolsista CAPES.

E-mail: [email protected]

RESUMO Este artigo analisa a relação da crise ambiental com a urgente reforma paradigmática do pensamento. È argumentado que há necessidade de estudos que busquem alternativas para questões ambientais, não apenas sob seus aspectos ecológicos, mas também éticos, políticos, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e culturais. A análise desse quadro, bem como os indicadores ambientais, resultantes de estudos propostos pelas conferências ambientais internacionais, serão apresentados e discutidos. Palavras-Chave: crise ambiental; conhecimento científico; indicadores ambientais; convenções ambientais internacionais. ABSTRACT This article analyzes the relationship of the environmental crisis with the urgent paradigmatic reform of the thought. It is argued that there is not just need of studies that they look for alternatives for environmental subjects, under its ecological, but also ethical, political, social, economic, scientific, technological and cultural aspects. The analysis of that picture, as well as the environmental indicators, resultants of studies proposed by the international environmental conferences, they will be presented and discussed. Keywords: environmental crisis; scientific knowledge; environmental indicators; international environmental conventions.

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INTRODUÇÃO

As considerações a seguir, acerca da crise ambiental e sua extensão, são

fundamentais às nossas reflexões, pois discutir a crise, seus complexos problemas

ambientais e reconhecer que a solução destes, também implica na reflexão sobre

mudanças profundas na organização do conhecimento, de um novo paradigma que

inclui a noção de totalidade, fundamental para a compreensão e para a ação equilibrada

no ambiente, que é inteiro e não fragmentado. Daí nota-se que a problemática ambiental

traz uma contribuição importante para repensar o ensino e a pesquisa, desempenhando

também o papel de não somente advertir, mas também conceber soluções para um

futuro sustentável.

Em outras palavras, “negar totalmente a crise ambiental, seria trair não apenas

nosso melhor julgamento, mas também a capacidade essencial da percepção humana”,

Hutchison (2000, p.22).

Leff considera evidente a relação entre crise, problemática ambiental e

problemas do conhecimento:

A crise ambiental é a primeira crise do mundo real produzida pelo

desconhecimento do conhecimento; da concepção do mundo e do domínio da

natureza (...). Os problemas ambientais são fundamentalmente problemas de

conhecimento (...). A crise ambiental constitui um chamado à reconstrução

social do mundo: apreender a complexidade ambiental (Leff, 2002a, p.207-

218).

Para Santos (2001, p.282-283), a degradação ambiental é um dos problemas

fundamentais, além da explosão demográfica e da globalização da economia. O autor

define como problemas fundamentais aqueles que estão “na raiz das nossas práticas e

nossas instituições, modos profundamente arraigados de estruturação e de ações sociais,

repercutindo com intensidade variável nos mais diversos setores da vida social”.

A partir desses problemas, Santos aponta e critica os limites do conhecimento

científico da ciência moderna:

A profundidade e a amplitude desse tipo de problema suscitam soluções

também profundas e amplas e aí reside a dificuldade específica deste tipo de

problema (...) o tipo de conhecimento científico que apresenta soluções de

curto prazo, estreitas no âmbito e superficiais na espessura (...) deslegitimou

à partida a idéia de alternativas globais (...). É notório que a ciência moderna

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em geral e as ciências sociais em particular atravessam hoje uma profunda

crise de confiança epistemológica (Santos, 2001, p.283).

Durante as últimas décadas, na maior parte dos ramos da ciência e da

tecnologia, vem se intensificando a abordagem analítica-reducionista deixando de levar

em conta o aspecto essencial do mundo em que vivemos, a saber, a interconexão dos

fenômenos vivos (Viola, 2001). Na comunidade científica, segundo este autor, esta

abordagem permanece hegemônica. O que vem predominando se denomina de

conhecer cada vez mais sobre fatias cada vez mais restritas da realidade. Essa

comunidade deve levar em conta uma preocupação com o processo de fragmentação do

conhecimento em disciplinas especializadas.

Dessa forma, se os rumos sociais não sofrerem redirecionamentos, a crise

ambiental em um futuro não muito distante, irá atingir catástrofes ambientais, em que

grandes contingentes da população mundial virão a ficar sem acesso a água potável, a

alimentos saudáveis, solos agriculturáveis, atmosfera com qualidade etc. Assim, há

necessidade de estudos que busquem alternativas para questões ambientais, não apenas

sob seus aspectos ecológicos, mas também éticos, políticos, sociais, econômicos,

científicos, tecnológicos e culturais, ou seja, sob uma visão integrada do ambiente

desenvolvida por um enfoque que dê conta das relações existentes.

Além de Santos (2001), o caráter planetário dessa crise também é reconhecido

por outros autores, como podemos perceber no texto a seguir:

Na medida em que a maior parte das questões ecológicas conseqüentes é tão

obviamente global, as formas de intervenção para minimizar os riscos

ambientais terão necessariamente uma base planetária. Um sistema geral de

cuidado planetário pode ser criado, tendo como meta a preservação do bem-

estar ecológico do mundo como um todo (Giddens, 1991, p.169).

Assim como Giddens, Capra (1982, p.14) compartilha do mesmo pensamento,

afirmando que para descrevermos esse mundo, é necessário tomar uma perspectiva

ecológica, diferentemente da visão de mundo mecanicista de Descartes e Newton, ou

seja: “vivemos num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos,

psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes”.

A esse respeito, Morin corrobora com o pensamento de Capra em entrevista

dada a Sereza (2002, p.D6):

(...) estamos habituados a viver com conhecimentos separados, com

especialistas em todos os assuntos falando de um modo fragmentado. Isso

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torna muito difícil abordar os problemas de forma global, os problemas

fundamentais da humanidade.

Morin prega a construção de uma nova forma de pensar, permitindo a religação

dos saberes e a abordagem dos problemas de uma forma global, resultando em um novo

paradigma.

Indicativos à compreensão da dimensão da crise ambiental: um desafio ao

conhecimento científico moderno

Durante o século XX, a demografia, o desenvolvimento, a economia, as questões

ambientais tornaram-se problemas que dizem respeito a todas as nações, ou seja, ao

planeta como um todo. No início do século XXI alguns desses problemas herdados do

século XX continuam muito evidentes. Populações vêm dilapidando seus recursos como

peixes, florestas, água e terra cultivável num ritmo rápido e progressivo. A seguir, serão

apresentados resumidamente alguns aspectos dessa problemática ambiental.

Segundo estudo intitulado “Levantando o Consumo Ambiental Excessivo da

Economia Humana”, realizado por uma equipe internacional de pesquisadores, o

consumo de recursos naturais pelos seres humanos desde 1961 quase duplicou e hoje

supera em 20% a capacidade de reposição da Terra (Polakovic, 2002). O cálculo partiu

do pressuposto de que se pode explorar até 1,9 hectare por ser humano, mas este

número se torna questionável uma vez que o referido estudo não questiona a taxa de

natalidade e mortalidade do planeta, este questionamento revela a existência de um

conhecimento que isola os objetos, no caso, a ausência das taxas mencionadas, de seu

contexto do qual fazem parte. Afirma ainda, que qualquer avanço além dessa cota nos

deixaria sujeitos a catástrofes meteorológicas, como enchentes e secas, e perda da

qualidade de vida para as populações futuras.

No período de 2001 a 2005 foi desenvolvido a "Avaliação Ecossistêmica do

Milênio" (AEM), considerada pela comunidade científica, como o maior e mais

importante programa de diagnósticos dos ecossistemas do planeta e seus reflexos ao

bem-estar da humanidade. A referida avaliação foi encomendada em 2000 pelo

secretário geral da ONU, Kofi Annan, contando com o apoio dos governos do mundo

inteiro, a partir das decisões tomadas em quatro convenções internacionais (Convenção

sobre Diversidade Bioló gica, Convenção das Nações Unidas de Combate à

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Desertificação, Convenção Ramsar sobre Zonas Úmidas e Convenção sobre Espécies

Migratórias).

Segundo Sartori (2005), na minuta-oficial da "AEM" consta que houve a

participação de 1.360 especialistas de 96 nações. O objetivo principal foi avaliar as

conseqüências das mudanças dos ecossistemas sobre o bem-estar humano, e estabelecer

uma base científica para assegurar a conservação e uso sustentável dos ecossistemas e

sua contribuição ao bem-estar humano. A metodologia utilizada pela "AEM" baseou-se

numa síntese referente às informações da literatura científica e respectiva bases de

dados e modelos sobre os ecossistemas, ressaltando que além das informações do

segmento científico, houve utilização de informações de outros segmentos da sociedade

como, por exemplo, o saber utilizado pelas populações tradicionais locais.

A perspectiva da “AEM” é alarmante, advertem os especialistas que cerca de

60% de todos os ecossistemas do planeta têm sido degradados, incluindo água pura,

pesca de captura, purificação do ar e da água, regulação climática local e regional,

ameaças naturais e epidemias. Alguns exemplos: entre 10% e 30% do mundo animal

estão em perigo de extinção, 20% dos corais e recifes foram perdidos nas últimas

décadas e outros 20% estão em perigo devido à utilização que o homem fez dos

ecossistemas.

Apesar dos esforços dos especialistas ao realizarem a “AEM”, o referido

documento admite falhas sobre os resultados e dados das pesquisas, as quais se referem

ou às características do sistema ecológico ou às características do sistema social, e não

às interações contextualizadas. Nesse contexto, tais pesquisas ao adotarem a abordagem

reducionista, revelam inadequação essencial para servir como base para o entendimento

da complexidade que envolve a problemática ambiental, assegurando o questionamento

dos paradigmas estabelecidos das ciências.

O desenvolvimento da aptidão para contextualizar tende a produzir a

emergência de um pensamento ‘ecologizante’, no sentido em que situa todo

acontecimento, informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade

com seu meio ambiente – cultural, social, econômico, político e, é claro, natural

(...) um tal pensamento torna-se, inevitavelmente, um pensamento do complexo

(...) (Morin, 2002, p.24-25).

Nas últimas semanas de março/2006, foi realizada em Curitiba/PR, a 8ª

Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica

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(COP-8). A COP reúne periodicamente os representantes de diversos países para a

discussão de temas relacionados à proteção da biodiversidade. O principal objetivo da

COP-8 é proteger e conservar a biodiversidade, promovendo o uso sustentável dos

recursos naturais, além da repartição justa e eqüitativa dos benefícios pelo uso desses

recursos, decorrentes do conhecimento tradicional das comunidades locais e indígenas.

O relatório das Nações Unidas apresentado na COP-8 aponta que o planeta está

perdendo sua biodiversidade a uma velocidade alarmante, ou seja, que nos últimos 25

anos, 40% da população de 3.000 espécies desses seres vivos sumiu devido a má

utilização que o homem tem feito dos recursos naturais.

Dos 15 indicadores usados pela CBD (como é conhecida a convenção), para

avaliar o estado da biodiversidade no planeta, nada menos que 13 se

encontram em tendências negativas. Globalmente, fatores como o número de

espécies ameaçadas, a integridade dos vários ecossistemas do mundo e o uso

sustentável dos recursos, andam descendo o ralo, de acordo com o relatório.

Os únicos dois indicadores que se destacam por sua tendência positiva nos

últimos anos são a quantidade de áreas protegidas pela legislação ambiental e

a qualidade da água (Lopes, 2006a, p. A14).

Denomina-se antropocêntrica essa postura da humanidade diante da natureza, na

qual o ser humano se coloca no centro e todas as outras partes que compõem o ambiente

estão a seu dispor, sem se aperceber das relações de interdependência entre os

elementos existentes no ambiente.

Um outro aspecto central na resolução desses problemas é a formulação de um

conhecimento sobre novas bases, ou seja, a transição para um novo paradigma e que isto

se reflita na educação oferecida, formadora dos cidadãos que futuramente atuarão dentro

do novo paradigma nas instâncias acima referidas.

Sem um conhecimento integrado do todo, um pensamento sistêmico, o ser

humano não percebe e não respeita as relações de equilíbrio da natureza, agindo sobre o

ambiente de modo imprudente, o que acarreta uma desarmonia ambiental.

A ciência moderna nascida na cultura européia estabelece uma relação de

dualidade, a partir do momento que coloca o humano separado da natureza,

sujeito/objeto, ou entre conhecedor e conhecido, essa visão contribui profundamente

para o agravamento da crise ambiental, uma vez que produz formas de conhecimento

que buscam a dominação, a exploração e o controle do mundo natural.

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Assim, a ciência moderna não avançou na direção de um conhecimento

sistêmico, mas sim, fracionando e especializando o saber com o objetivo de penetrar

mais eficazmente no conhecimento das coisas, paradoxalmente, esse processo de

simplificação do mundo gerou a emergência da complexidade.

Há dois aspectos importantes na ciência moderna: 1º) o caráter pragmático que o

conhecimento adquire, ou seja, o conhecimento cartesiano vê a natureza como um

recurso, um meio para se atingir um fim, e 2º) o antropocentrismo – mencionado

anteriormente, isto é, o homem passa a ser visto como o centro do mundo; o sujeito em

oposição ao objeto, à natureza. O homem instrumentalizado pelo método científico pode

penetrar os mistérios da natureza e, assim, tornar-se senhor e possuidor da natureza.

Tais críticas à ciência mecanicista estão sendo combatidas gradualmente, por

abordagem holísticas de investigação nos últimos anos por um número crescente de

pesquisadores nas áreas biológicas, agrárias, exatas e humanas. Além disso, acredita-se

que a educação ambiental pode e deve promover o desenvolvimento de uma

compreensão integrada do ambiente ao considerá-lo em sua totalidade, levando em

conta a interdependência entre o meio natural, cultural e o socioeconômico, sob o

enfoque da sustentabilidade.

Segundo Boff (1999), o cuidado para com a Terra representa o global, o cuidado

para com o próprio habitat representa o cuidado local. “O ser humano tem os pés no

chão (local) e a cabeça aberta para o infinito (global)” (Boff, 1999, p.135).

Portanto, o autor afirma que cada pessoa precisa descobrir-se como parte do

ecossistema local e da comunidade biótica, seja em seu aspecto de natureza, seja em sua

dimensão social. Conclui ressaltando que “para cuidar do planeta precisamos todos

passar por uma alfabetização ecológica e rever nossos hábitos de consumo. Importa

desenvolver uma ética do cuidado” (Boff, 1999, p.134-135).

Essa ética do cuidado, principalmente do cuidado para com a saúde do planeta,

tem sido um desafio à política-econômica do mundo, uma vez que há divergências de

opiniões e de medidas a serem tomadas para reverterem a degradação ecológica e as

suas inúmeras conseqüências que atingem a fauna, flora e o os seres humanos.

Lopes (2006b, p. A14) ao fazer um balanço sobre os avanços da COP-8 afirma:

(...) é sintoma das dificuldades do sistema multilateral da ONU, incapaz de

fazer as nações enxergarem um problema realmente global e fazer alguma

coisa a respeito sem colocar seu interesse próprio de curto prazo na frente de

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todo o resto (...) os delegados acham que mais estudos são necessários.

Atiram pela janela o princípio da precaução, segundo o qual ninguém precisa

de todas as informações do mundo para agir contra uma catástrofe.

A “cegueira” das nações a respeito de não “enxergarem” o caráter global da

problemática ambiental, não pode ser vista apenas como um problema do conhecimento

herdado da ciência clássica pela moderna, à luz da visão cartesiana; mas também de

questões voltadas aos interesses político-econômicos de determinados países e/ou

corporações.

Nesse contexto, Gonçalves (1998) afirma que os ecologistas pregam o uso

racional dos recursos naturais, os economistas se preocupam com o preço e com o valor

de troca de mercadorias.

(...) são discursos excludentes, em que o valor de uso e valor de troca

necessariamente se opõem logo, conclui-se que numa sociedade onde a tônica

são as relações mercantis não é de se estranhar que o ecológico fique

subordinado ao econômico (Gonçalves, 1998, p.112-115).

Além disso, também há uma questão colocada por Lopes (2006b) sobre os

delegados da COP-8 ignorarem o princípio da precaução, achando que mais estudos

devem ser feitos; é importante ressaltar que a ciência há mais de 20 anos vem

demonstrando, através de inúmeras pesquisas, geralmente financiadas com o dinheiro da

própria sociedade, que o planeta está entrando numa fase de extinções em massa

causada pelo homem, logo o tempo parece se tornar um fator determinante, confirmadas

as possibilidades de catástrofes em escala mundial.

Neste contexto, segundo Tortato (2006, p.A18) o secretário-geral da CDB,

Ahmed Djoghlaf confirma que “o tempo está passando, o relógio não pára e o que

temos são esforços de países (em ações isoladas)”. Na abertura da referida conferência,

ele apresentou o relatório da ONU mostrando que o planeta sofreu uma devastação

ambiental sem precedentes nos últimos 25 anos.

Convém refletir que a educação e as pesquisas são importantes, mas isoladas não

conseguem resolver os problemas ambientais da humanidade. É importante salientar

como parte da solução desses problemas, a elaboração de estratégias dos líderes

políticos, ou seja, a formulação de políticas públicas, bem como a colaboração da

sociedade. Pois pensar os problemas ambientais globalmente “exige conhecimento

científico e perspicácia política” (Ribeiro, 2001, p.114).

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No entanto, durante os debates públicos, a adoção de medidas para se reverter o

quadro de degradação ambiental, por parte dos governantes, tem sido constantemente

caracterizada e retratada pela mídia, pela comunidade científica, por Organizações Não-

Governamentais, entre outros segmentos da sociedade, como um pacote de boas

intenções, mas de poucos efeitos, e muitas vezes nem de boas intenções.

A história recente mostra que boas intenções não são suficientes; como o

ambicioso plano de ação definido pela RIO-92, a Agenda 21, que até agora não foi

totalmente implementado; a decisão da CBD/COP-8 de que apenas em 2010 esteja

pronto um regime sobre os recursos genéticos, a ser desenvolvido por um grupo de

cientistas e executivos especializados em ambiente; os países-signatários do Protocolo

de Catagena sobre Biossegurança, os quais decidiram na MOP-3 (3ª Reunião das

Partes/CBD) estender até 2012 o prazo de transição para identificação de substâncias

transgênicas em cargas destinadas à exportação entre outras.

Hoje, não há dúvida que no sistema capitalista, como exemplo, o mercado do

“verde” está em grande expansão, calcula-se que os negócios envolvendo “produtos

ecológicos movimentam anualmente quatrocentos e cinqüenta bilhões de dólares, mais

do que a indústria bélica de todos os países do mundo” (Moraes, 1995, p.27-29).

Há políticos e industriais que “fazem carreira graças ao meio ambiente,

mascarando suas atividades tão poluidoras quanto antes”. Em contrapartida, é certo que

outros encaram “a questão ecológica com seriedade e aplicam em fazer da proteção do

meio ambiente uma nova dimensão da política econômica e das empresas” (Alphandéry

et al., 1992, p.76).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos esses problemas apresentados parecem ser faces diferentes de uma mesma

crise, movidos pela mesma dinâmica. A maior parte dos intelectuais e especialistas

analisa essa realidade de forma restrita e, portanto, inadequada, uma vez que esses

problemas são sistêmicos estando assim ligados intimamente, sendo assim

interdependentes. Essa forma de analisar a realidade apontou falhas, conforme

observamos em alguns relatórios de indicadores ambientais apresentados em

conferências ambientais. Logo, os problemas não podem ser entendidos no âmbito da

metodologia fragmentada, presente principalmente na maioria das instituições de ensino

e pesquisa.

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A crise ambiental é a crise do nosso tempo, o risco ecológico questiona o

conhecimento do mundo, sendo chamada por Leff de crise do pensamento ocidental:

Apreender a complexidade ambiental implica um processo de desconstrução e

reconstrução do pensamento (...) a crise ambiental problematiza o

pensamento metafísico e a racionalidade científica, abrindo novas vias de

transformação do conhecimento por meio do diálogo e da hibridização de

saberes (...) (Leff, 2202a, 191-192).

Em entrevista concedida à Wright (2006, p.10), a historiadora inglesa, Karen

Armstrong, faz a seguinte observação: “se quisermos salvar nosso planeta, precisamos

superar nosso campo ideológico. Se não, realmente estamos em grave perigo” .

Enfim, devemos considerar a complexidade da problemática ambiental como um

desafio e como uma motivação para a comunidade científica experimentar novas formas

de pensar e produzir ciência.

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