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1 O MOVIMENTO CORPORAL NO COTIDIANO DE CRIANÇAS DO 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL I Fernanda Ajzen Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Maria Paula Zurawski Orientadora Ana Luisa Fridman Leitora RESUMO Neste artigo é apresentada uma análise sobre a necessidade de crianças do Ensino Fundamental de se movimentarem durante atividades consideradas intelectuais, bem como a relação do movimento corporal com a manutenção da atenção e aquisição da aprendizagem. Para tanto foram realizadas observações do cotidiano de uma sala do 3ºano de uma escola particular da Zona Oeste de São Paulo e uma entrevista com a diretora da instituição. A análise se apoia na psicogenética walloniana, que considera o movimento como integrante essencial no desenvolvimento do ser humano e enxerga a criança em todos os aspectos do seu desenvolvimento. Os dados foram analisados a partir de algumas categorias, a saber: liberdade para se movimentar na sala de aula; a presença de disciplinas, no currículo, que envolvam o movimento corporal; organização do espaço escolar; e quantidade de alunos por ano. Os dados coletados neste trabalho permitem evidenciar que as crianças de 8 anos têm grande necessidade de se movimentar ao realizar as atividades propostas pela escola, e que sua aprendizagem, bem como o desenvolvimento de suas atividades – mesmo as consideradas intelectuais – não sofrem prejuízo pelo fato de se movimentarem ao realizá-las. Palavras Chave: movimento corporal, mente corporificada, aprendizagem, desenvolvimento. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho considera que o movimento corporal é uma das principais dimensões da expressão e comunicação humanas. Baseia-se principalmente na concepção de Henri Wallon e nas propostas apresentadas por documentos curriculares como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1997) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), que apontam para a necessidade de reconhecer e trabalhar o movimento na escola como meio para a construção do conhecimento.

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1

O MOVIMENTO CORPORAL NO COTIDIANO DE CRIANÇAS DO 3º ANO DO

ENSINO FUNDAMENTAL I

Fernanda Ajzen

Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz

Maria Paula Zurawski

Orientadora

Ana Luisa Fridman

Leitora

RESUMO

Neste artigo é apresentada uma análise sobre a necessidade de crianças do Ensino Fundamental de se movimentarem durante atividades consideradas intelectuais, bem como a relação do movimento corporal com a manutenção da atenção e aquisição da aprendizagem. Para tanto foram realizadas observações do cotidiano de uma sala do 3ºano de uma escola particular da Zona Oeste de São Paulo e uma entrevista com a diretora da instituição. A análise se apoia na psicogenética walloniana, que considera o movimento como integrante essencial no desenvolvimento do ser humano e enxerga a criança em todos os aspectos do seu desenvolvimento. Os dados foram analisados a partir de algumas categorias, a saber: liberdade para se movimentar na sala de aula; a presença de disciplinas, no currículo, que envolvam o movimento corporal; organização do espaço escolar; e quantidade de alunos por ano. Os dados coletados neste trabalho permitem evidenciar que as crianças de 8 anos têm grande necessidade de se movimentar ao realizar as atividades propostas pela escola, e que sua aprendizagem, bem como o desenvolvimento de suas atividades – mesmo as consideradas intelectuais – não sofrem prejuízo pelo fato de se movimentarem ao realizá-las. Palavras Chave: movimento corporal, mente corporificada, aprendizagem, desenvolvimento.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho considera que o movimento corporal é uma das principais

dimensões da expressão e comunicação humanas. Baseia-se principalmente na concepção de

Henri Wallon e nas propostas apresentadas por documentos curriculares como os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) (1997) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (1998), que apontam para a necessidade de reconhecer e trabalhar o movimento na

escola como meio para a construção do conhecimento.

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Com a nova lei que determina que o Ensino Fundamental deva ter nove anos, as

linguagens expressivas deixam de ser contempladas cada vez mais cedo no cotidiano escolar.

A maioria das escolas considera e dá importância ao movimento das crianças na Educação

Infantil, mas deixam de contemplar o trabalho com esta dimensão quando as crianças iniciam

o Ensino Fundamental I. A necessidade de construir e aperfeiçoar competências intelectuais

como as de leitura e escrita faz com que se exija que crianças de cinco, seis e sete anos

permaneçam em estado de atenção e em uma mesma posição por tempos prolongados. Para

Wallon (apud GALVÃO, 1996), porém, nesta faixa etária a capacidade de atenção ainda está

em fase de desenvolvimento. Por considerar que as crianças que estão ingressando no Ensino

Fundamental ainda encontram no movimento uma forma privilegiada de comunicação e

expressão, utilizaremos, na análise das situações apresentadas neste trabalho, as considerações

e orientações didáticas presentes no RCNEI – Movimento Volume 3 (1998) que justifica

teoricamente a necessidade da presença do movimento corporal no cotidiano escolar das

crianças, inclusive as de 6 anos, faixa etária que, na época da escrita do documento, ainda

pertencia à etapa da Educação Infantil. Utilizaremos também como referência os Parâmetros

Curriculares Nacionais (1997), que oferecem subsídios para a organização curricular da etapa

do Ensino Fundamental, considerando o movimento em momentos específicos, como nas aula

de Educação Física e em aulas que trabalham as linguagens artísticas (Dança, Teatro e

Música).

A necessidade de pesquisar contextos de Ensino Fundamental I em que a importância

do movimento para as crianças seja contemplada surgiu da oportunidade de ter vivenciado, in

loco, situações no Ensino Fundamental I em que o movimento das crianças era muito pouco

considerado nas atividades cotidianas, e nas quais existia a ideia de que este atrapalhava os

momentos em que se exigia maior concentração para desenvolver trabalhos intelectuais.

Diante disso, esta pesquisa pretende analisar a presença e o papel do movimento nas

práticas diárias de uma classe de 3o ano do Ensino Fundamental I, de uma escola situada na

Zona Oeste paulistana, para verificar se as crianças das séries iniciais ainda têm a necessidade

de se movimentar com liberdade e se esta necessidade influencia sua aprendizagem e seu

desenvolvimento intelectual.

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2 METODOLOGIA

O desenvolvimento desta pesquisa consistiu na realização, durante quatro dias, de

observações da rotina de crianças do 3º ano do Ensino Fundamental I de uma escola particular

da Zona Oeste de São Paulo. Como complemento às observações, realizou-se uma entrevista

com a diretora da instituição para melhor compreender os aspectos observados.

Para a análise teórica dos dados, tomamos como referência principal a psicogenética

walloniana, levando em consideração títulos do próprio Henri Wallon e alguns autores que

discutem e analisam suas ideias, principalmente Izabel Galvão (1996). Por sua importância

histórica e grande contribuição, ainda hoje, para a organização de ambientes coletivos –

especialmente a escola, o trabalho de Michel Foucault (2012) também foi utilizado para a

compreensão das situações observadas, sua análise e posteriores conclusões. Também foram

usados como referências os documentos curriculares referenciais nacionais para a Educação

Infantil (1998) e para o Ensino Fundamental (1997).

3 JUSTIFICATIVA TEÓRICA

A ideia de que, no Ensino Fundamental, o trabalho com o corpo e o movimento dos

alunos perca espaço para as atividades intelectuais, para cuja realização é exigida a

imobilidade, foi o ponto de partida para essa pesquisa. Da mesma forma, a necessidade de

investigar ambientes de Ensino Fundamental que fugissem a esta concepção, continuando a

considerar e a respeitar a importância do movimento para o desenvolvimento das crianças,

inclusive o intelectual, levou-nos a pesquisar fundamentos teóricos que pudessem justificar

tanto a primeira quanto a segunda concepções.

Em sua primeira parte, os PCN – Educação Física apresentam um histórico da área no

Brasil, chamando a atenção para o fato de que, no século XX, a Educação Física em nosso

país estava muito ligada às instituições militares e à classe médica, baseando-se na ideia

militar de disciplina e tendo com o objetivo modificar os hábitos de saúde e higiene da

população. A Educação Física, então, disciplinaria os corpos e os tornaria imunes a doenças:

Dentro dessa conjuntura, as instituições militares sofreram influência da filosofia positivista, o que favoreceu que tais instituições também pregassem a educação do físico. Almejando a ordem e o progresso, era de fundamental importância formar indivíduos fortes e saudáveis, que pudessem defender a pátria e seus ideais. (PCN – Educação Física, 1997, p. 19)

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O mesmo documento reconhece a dificuldade de que essa forma de entendimento da

Educação Física, e a consequente separação entre “corpo e mente” - que vigora ainda hoje em

muitas instituições escolares – seja superada, requerendo um posicionamento crítico não

apenas dos profissionais da área, mas igualmente da comunidade escolar e da sociedade:

Por suas origens militares e médicas e por seu atrelamento quase servil aos mecanismos de manutenção do status quo vigente na história brasileira, tanto a prática como a reflexão teórica no campo da Educação Física restringiram os conceitos de corpo e movimento — fundamentos de seu trabalho — aos seus aspectos fisiológicos e técnicos. Atualmente, a análise crítica e a busca de superação dessa concepção apontam a necessidade de que, além daqueles, se considere também as dimensões cultural, social, política e afetiva, presentes no corpo vivo, isto é, no corpo das pessoas, que interagem e se movimentam como sujeitos sociais e como cidadãos (PCN – Educação Física, 1997, p.22).

Buscando compreender a origem da dicotomia corpo-mente que parece justificar a

concepção predominante de trabalho com o corpo e com o movimento nas escolas, Fridman

(2013) faz breve histórico:

No campo da filosofia, a ideia da integração entre corpo e mente surgiu em

oposição às ideias de Platão (427-347 a.C.), que, ao discorrer sobre a educação,

defendia a supremacia do intelecto sobre o corpo (BRESLER, 2004). O primeiro

filósofo que concebeu o corpo como parte atuante do conhecimento, chamando a

atenção para uma forma corporificada de inteligência, foi o alemão Friedrich

Nietzsche (1844-1900). Outros estudiosos retomaram o assunto, como o filósofo,

psicólogo e educador americano John Dewey (1859-1952), que discorreu sobre a

divisão entre corpo e mente e sobre as várias formas de segregação em geral, e os

filósofos franceses Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Merleau Ponty (1908-1961), que

promoveram o ressurgimento dos estudos da fenomenologia do corpo no campo da

filosofia. (p.121)

Assim, a partir de reflexões e conhecimentos advindos de áreas como a filosofia, a

educação, a sociologia e as artes, na metade do século XX, surge o conceito de embodied

mind, ou mente corporificada, que reconhece o corpo como meio ativo para construção do

conhecimento.

Mesmo com a revisão do conceito que separa corpo e mente e o surgimento de novos

conceitos como o de embodied mind, as escolas ainda sofrem as consequências da primeira

visão. Ao ingressarem no Ensino Fundamental, as crianças devem permanecer por longos

períodos em uma mesma posição, realizando atividades que envolvam atenção e

concentração. Porém, ainda não estão preparadas para cumprir tais exigências. Segundo

Galvão (1996) “esta é uma conquista lenta e difícil, que depende da maturação fisiológica e

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da aprendizagem” (p.43). Galvão (1996), ao observar o cotidiano de uma classe de pré-escola

(atual 1º ano), constata:

As exigências posturais feitas pela professora pareciam ignorar as características do processo de consolidação das disciplinas mentais, exigindo da criança um grau de estabilidade e de controle do comportamento superior às possibilidades da idade. Além disso, baseavam-se em noções sincréticas acerca das relações entre atenção, aprendizagem e postura corporal. (p.43)

Um dos teóricos do desenvolvimento que mais pode contribuir com a reflexão

proposta por esta pesquisa é Henri Wallon (1968), que observa que é apenas por volta dos

sete anos que as crianças iniciam o controle de sua ação motora, tornando-se

progressivamente capazes de se manterem em uma mesma posição voluntariamente.

Contrariando a ideia vigente de que a imobilidade esteja relacionada à capacidade de

concentração, o mesmo autor pontua que é o movimento e a mudança de posição o que

possibilita a manutenção da atenção, sendo equivocada a ideia de que “a atenção seja

compatível com uma única posição corporal” (GALVÃO, 1996, p. 44).

No final da década de 1990, os documentos curriculares nacionais passaram a assumir

a importância do movimento para o desenvolvimento do pensamento e da inteligência e a

orientar expressamente que o trabalho com o movimento, tanto no âmbito da Educação Física

quanto das Artes (Dança, Teatro, Música). Os PCN, que orientam o trabalho proposto para

crianças de 7 a 10 anos (as antigas 1ª a 4ª série), trazem, no documento de Educação Física,

um histórico desta disciplina no Brasil, destacando que:

As relações entre Educação Física e sociedade passaram a ser discutidas sob a influência das teorias críticas da educação: questionou-se seu papel e sua dimensão política. Ocorreu então uma mudança de enfoque, tanto no que dizia respeito à natureza da área quanto no que se referia aos seus objetivos, conteúdos e pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. No primeiro aspecto, se ampliou a visão de uma área biológica, reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral. (PCN – Educação Física, 1997, p. 23)

No âmbito da Educação Infantil, o RCNEI (1998), bastante pautado nas ideias de

Henri Wallon, também aponta nesse sentido:

Além do objetivo disciplinar apontado, a permanente exigência de contenção motora pode estar baseada na ideia de que o movimento impede a concentração e a atenção da criança, ou seja, que as manifestações motoras atrapalham a aprendizagem. Todavia, a julgar pelo papel que os gestos e as posturas desempenham junto à percepção e à representação, conclui-se que, ao contrário, é a impossibilidade de mover-se ou de gesticular que pode dificultar o pensamento e a manutenção da atenção. (p.17)

Henri Wallon (1975) considerou o movimento como integrante essencial no

desenvolvimento do ser humano. Esse teórico enxerga a criança em todos os aspectos do seu

desenvolvimento. Sua teoria psicogenética da pessoa completa leva em consideração a

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dimensão cognitiva e afetiva do ser humano, além de estudar a relação da criança com o seu

meio. Segundo Wallon “verificou-se que não havia forma de se dirigir à inteligência da

criança sem se dirigir à criança no seu todo” (1975, p.379)

Galvão (1996), ao escrever sobre o trabalho de Wallon, afirma que entre tais aspectos

está incluído o movimento, não só considerando o seu papel no mundo físico, mas também na

relação com a afetividade e cognição.

Para Wallon, o desenvolvimento não ocorre linearmente, mas sim, de forma que a

passagem de um estágio de desenvolvimento para outro seja marcado por uma reformulação e

não por uma ampliação. Nesses momentos de passagem, pode ocorrer que a conduta da

criança se desorganize, pois se instala uma crise. Porém, Wallon enxerga esses momentos de

passagem entre um estágio e outro como cruciais para o desenvolvimento da criança.

Ao movimentar-se, as crianças expressam sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando as possibilidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. O movimento humano, portanto, é mais do que simples deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo. (RCNEI vol.3, p.15)

Um dos pontos que esta pesquisa procura mostrar é que as crianças, no anos iniciais

do Ensino Fundamental, necessitam movimentar-se com liberdade, e que essa possibilidade

tem relação direta com sua aprendizagem e seu desenvolvimento intelectual. Pensamos que

esta reflexão, a partir da pesquisa realizada, possa ampliar o olhar de educadores e gestores

não apenas sobre a questão do movimento, mas também sobre a organização dos ambientes

de convivência e aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

4 HISTÓRICO

Em seu texto Os corpos dóceis, Michel Foucault (2012) ajuda-nos a entender a cultura

das escolas do século XXI quanto à disciplina vinculada ao corpo, quando, inclusive, castigos

físicos eram permitidos e tolerados quando se ensinava as crianças. Embora na atualidade a

violência física não seja tolerada em ambientes escolares, este corpo passa a sofrer outros

tipos de violência, também no ambiente escolar, no sentido da contenção dos movimentos.

No século XVIII o corpo é descoberto como fonte de poder, e passa a ser visto como

máquina, ou seja, como passível de controle e facilmente adestrável. O objetivo das

instituições (escolas, hospitais, prisões) é torna-lo dócil e útil; os corpos devem não apenas

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fazer o que se quer, mas como se quer: devem ser rápidos e eficazes. Esta maneira de

enxergar o corpo passou a preponderar nas mais diversas instituições: família, escola,

hospitais, fábricas, quarteis etc.

Para que o corpo pudesse ser realmente controlado e dominado, na relação utilidade-

docilidade, utilizava-se o método das disciplinas:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento das suas habilidades, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais útil é. Forma-se então, uma política de coerções que consiste num trabalho sobre o corpo, numa manipulação calculada dos seus elementos, dos seus gestos, dos seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, os chamados "corpos dóceis". A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma "aptidão", uma "capacidade" que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita”. (FOUCAULT, 2012, p. 133)

A disciplina exige que cada corpo habite seu lugar, evitando a ocorrência de

agrupamentos. O importante é controlar e vigiar cada indivíduo, moldar seu comportamento.

Os indivíduos são classificados a todo momento e definidos por sua posição na “fila”. As

escolas são um bom exemplo de como isso se aplica:

A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa repartição de valores ou dos méritos. Movimento perpétuo onde os indivíduos substituem uns aos outros, num espaço escondido por intervalos alinhados. (FOUCAULT, 2012, p. 141)

Além de organizar o espaço, a disciplina prevê o controle do tempo, e também a isso

os corpos devem se adequar. Em muitas escolas, ainda hoje o tempo é dividido

minuciosamente e as atividades orientadas por comandos e ordens dos adultos, às quais os

alunos devem responder imediatamente, pois deve-se garantir a qualidade do tempo; nada

pode distrair ou perturbar, e os alunos são constantemente fiscalizados e controlados. Segundo

Foucault (2004, p.146) “o tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do

poder”. Um corpo bem ensinado resulta em gestos eficientes, e por isso deve ser muito bem

treinado.

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As análises realizadas por Foucault (2012) podem ser cruzadas com o caminho

percorrido pela Educação Física no Brasil. O olhar sobre o corpo e sua educação denuncia a

sociedade em que vivemos, que seres humanos gostaríamos de formar e estamos formando.

Em 1851 a disciplina Educação Física tornou-se obrigatória nas escolas do Município

da Corte (Rio de Janeiro). Porém, muitos foram contrários, já que não queriam ver seus filhos

realizando exercícios físicos, vinculados ao trabalho escravo, e que não estivessem ligados ao

desenvolvimento intelectual.

Em 1882, Rui Barbosa defendeu a inclusão da ginástica, como era chamada a

disciplina na época, na grade horária das escolas, pois acreditava que a atividade física dava

suporte à atividade intelectual.

No século XIX a Educação Física no Brasil estava muito ligada às instituições

militares e à classe médica, pois se baseava na ideia militar de disciplina e buscava modificar

os hábitos de saúde e higiene da população. A Educação Física então, disciplinaria os corpos

e os tornaria mais imunes a doenças.

Dentro dessa conjuntura, as instituições militares sofreram influência da filosofia positivista, o que favoreceu que tais instituições também pregassem a educação do físico. Almejando a ordem e o progresso, era de fundamental importância formar indivíduos fortes e saudáveis, que pudessem defender a pátria e seus ideais. (PCN – Educação Física, 1997, p. 19)

No início do século XX, sob influência da escola nova 1 , a educação brasileira

mostrou-se a favor da ginástica por ser essencial no desenvolvimento integral do ser humano.

Porém, na década de 30, a Educação Física voltou a ter referências militares e higienistas.

Apenas em 1937 a Educação Física passou a entrar no currículo como prática

educativa obrigatória e não mais como disciplina curricular. Tinha objetivos como preparar os

jovens para defender a nação, cumprir deveres com a economia, fortalecer o trabalhador e

favorecer o espírito de cooperação em benefício da coletividade.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, abriu-se um

amplo debate a respeito do sistema de ensino brasileiro. Determinou-se então que a Educação

Física se tornaria obrigatória para os ensinos primário e médio.

Na década de 70 a Educação Física, novamente, passou a ter funções de manutenção

da ordem e do progresso. Visava-se a formação de um exército forte e saudável. Além disso,

as atividades esportivas passaram a ser de extrema importância para colaborar na melhoria da

1 Movimento de renovação do ensino, que surgiu no fim do século XIX e ganhou força na metade do século XX. Chegou ao Brasil em 1882, pelas mãos de Rui Barbosa, e exerceu grande influência nas mudanças promovidas no ensino na década de 1920.

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força de trabalho e estreitavam relações com o nacionalismo (campanha da seleção brasileira

na Copa do Mundo de 1970) (PCN – Educação Física, 1997, p. 21)

Na década de 80 a Educação Física sofreu grande mudança: as atenções se voltaram

para as crianças da pré-escola e primeiro a quarto anos, priorizando o desenvolvimento

psicomotor dos alunos. A partir daí, os primeiros cursos de pós-graduação em Educação

Física foram criados, pesquisas publicadas em revistas e livros e o retorno de professores pós-

doutorados fora do Brasil.

Ocorreu então uma mudança de enfoque, tanto no que dizia respeito à natureza da área quanto no que se referia aos seus objetivos, conteúdos e pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. No primeiro aspecto, se ampliou a visão de uma área biológica, reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral. No segundo, se abarcaram objetivos educacionais mais amplos (não apenas voltados para a formação de um físico que pudesse sustentar a atividade intelectual), conteúdos diversificados (não só exercícios e esportes) e pressupostos pedagógicos mais humanos (e não apenas adestramento). (PARÂMETRO CURRICULARES NACIONAIS – EDUCAÇÃO FÍSICA, 1997, p. 21)

A Lei de Diretrizes e Bases promulgada em 1996, determinou que a Educação Física

devia ser exercida em toda a escolaridade de primeira a oitava séries (1o ao 9o anos).

5 CONTEXTO OBSERVADO

As observações ocorreram em uma escola particular situada na Zona Oeste de São

Paulo, no bairro Alto de Pinheiros. Em 1984, quando foi fundada, essa instituição oferecia

apenas o Ensino Infantil, porém a partir de 2005 passou a contar com o Ensino Fundamental I.

Seu projeto político pedagógico, pautado na concepção socioconstrutivista, visa à construção

e o compartilhamento do conhecimento por parte dos alunos.

A brincadeira e a construção da história pessoal e social são os elementos centrais do

currículo dessa instituição. As crianças têm um longo tempo de quintal (recreio), quando

encontram uma grande variedade de brinquedos. Possuem em sua grade curricular um horário

de brincadeira direcionada pelo professor, o chamado “quintal dirigido”. Há uma quantidade

bastante reduzida de alunos por classe, o que possibilita maior interação entre crianças de

diferentes idades. Por exemplo, no terceiro ano há oito alunos, que, quando estão no

“quintal”, muitas vezes brincam com as crianças do 2o e 4o anos. Em alguns momentos, dois

anos se juntam para realizar atividades em uma única sala de aula.

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6 TRANSCRIÇÃO DAS OBSERVAÇÕES

DATA : 16/04/13

PROFESSORA G.

Disposição da sala:

ROTINA:

1. PORTUGUÊS

2. CIÊNCIAS

3. LEITURA

4. LANCHE

5. QUINTAL

6. CADERNOS

7. QUINTAL DIRIGIDO

8. SAÍDA

6 TRANSCRIÇÃO DAS OBSERVAÇÕES

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O primeiro aspecto que chama a atenção ao entrar na sala de aula é a pequena

quantidade de alunos: 5 meninos e 3 meninas.

A observação teve início quando as crianças estavam tendo aula de Português. Nessa

aula as crianças deveriam iniciar uma reescrita de uma fábula, que já haviam lido em casa,

mudando alguns elementos da fábula original. Cada criança estava sentada da maneira que

considerava confortável, alguns de joelhos na cadeira, outros mais debruçados sobre a mesa e

um aluno por vezes se levantava e escrevia de pé. Duas crianças se levantaram e foram em

outras carteiras para trocar informações com outros colegas, de forma a não atrapalharem os

demais. Trocavam livros e pesquisavam suas fábulas. A professora andava pela classe e

conversava com cada um dos alunos para ajudá-los em suas possíveis questões. Em nenhum

momento foi possível observar que as crianças estivessem conversando sobre outras coisas ou

não estivessem realizando o solicitado, todas estavam focadas na atividade. Notou-se que os

alunos têm autonomia, sabem o que devem fazer, podem ir ao banheiro sem pedir, e vão

apenas quando realmente é necessário.

A professora alertou que o tempo havia se esgotado e as crianças já sabiam que teriam

aula de ciências (a partir da rotina na lousa), e perguntavam o que iam fazer na aula. A

professora contou que iam ao laboratório e as crianças ficaram muito animadas. Antes de

irem para o laboratório a professora fez um levantamento com as crianças do que já haviam

aprendido até ali a respeito do sistema digestório: “o que fizemos na aula passada?”.

Enquanto as crianças falavam o que já haviam aprendido a professora ia colocando suas falas

na lousa, de forma a fazer um resumo do que já sabiam. Quando tinham problemas para se

expressar a professora incentivava os colegas a ajudarem e relembrava alguma coisa pra

indicar a melhor expressão. Antes de irem para o laboratório a professora falou para irem ao

banheiro, tomarem água, porque no laboratório tinham que ficar concentrados e a sala é

pequena. As crianças pegaram pranchetas e as fichas para a aula. Pegaram cadeiras para se

sentarem em volta da mesa em que foi realizada a experiência. As crianças aparentavam certa

agitação e ansiedade, movimentavam-se bastante e falavam alto.

Quando a professora começou a explicar pediu para que as crianças ficassem mais

calmas.

EXPERIÊNCIA 1 : COADOR DE CAFÉ+FILTRO+AÇÚCAR+ÁGUA.

A professora pediu para que um aluno lesse na ficha o procedimento da experiência.

Enquanto liam a professora fazia o que era pedido. Primeiro colocou o açúcar no filtro e

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perguntava o que estavam observando. As crianças respondiam e, à medida que respondiam a

professora ia problematizando: “Mas porque será que isso está acontecendo?”.

Na EXPERIÊNCIA 2: COPO+200ML DE LEITE+VINAGRE, ocorreu o mesmo

procedimento da experiência 1: enquanto um aluno lia, a professora fazia o que era pedido, só

que neste momento solicitou a ajuda de alguns alunos. Nesta experiência, precisaram esperar

alguns minutos até que a mistura reagisse. Durante esse tempo as crianças ficaram um pouco

inquietas, começaram a fazer brincadeiras e a cantar. A professora apenas solicitou que

evitassem se levantar e fazer movimentos bruscos, pois o ambiente era pequeno e com

utensílios que poderiam se quebrar. As crianças pararam de andar pela sala e apenas

continuaram a cantar, o que não atrapalhou o andamento da experiência. Quando a reação da

mistura começou a acontecer a professora pediu atenção dos alunos, que logo se voltaram

para ela. Ficaram entusiasmados com o resultado da experiência e logo levantaram diversas

hipóteses a respeito do que havia ocorrido com a mistura.

Ao término das experiências as crianças voltaram para a classe, terminaram seus

registros e se prepararam para tomar lanche.

Na escola existe um ambiente onde todos tomam lanche juntos, com mesas compridas.

Cada um escolhe onde quer se sentar para comerem os lanches trazidos de casa. Nesse

momento soube-se que horário do lanche é um momento um pouco conturbado, pois as

crianças ficam muito agitadas, correm, falam alto, deixam cair coisas, se atropelam.

Nesse dia as crianças estavam tranquilas, mas ainda falavam alto e se movimentavam

pelo espaço sem muito controle, deixando comida cair, ou esbarrando nos colegas.

Ao terminarem o lanche as crianças se dirigiram para a área externa onde ocorre o

“quintal” (recreio). Nesse espaço há uma quadra que ocupa grande parte do espaço, uma área

com areia, balanço e uma árvore. Há um espaço onde podem sentar e desenhar, lá fica

disponível uma grande variedade de brinquedos: espadas, bolas, bambolês, patinete etc. As

crianças ficam livres para fazerem o que têm vontade. Um grupo de meninos e meninas, de

diferentes anos, jogava futebol na quadra, alguns poucos ficaram na areia e desenhando, mas

a maioria utilizava os brinquedos disponíveis e brincavam em grupos. Corriam muito em

volta da quadra, se agarravam, utilizavam muito a espada de forma um pouco violenta,

falavam bastante alto, se jogavam e se empurravam. Apenas duas professoras estavam

presentes naquele momento e quase não interferiam na brincadeira das crianças, e as próprias

crianças quase não solicitavam as professoras. Apesar das brincadeiras e movimentos

aparentemente mais agressivos, neste dia, não houve nenhum conflito entre os alunos, todos

pareciam se entender nos jogos e brincadeiras.

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DATA : 7/05/13

Professora G.

ROTINA:

1. PORTUGUÊS

2. CIÊNCIAS

3. LEITURA

4. LANCHE

5. QUINTAL (QUADRA)

6. CADERNOS

7. QUINTAL DIRIGIDO

8. SAÍDA

A observação teve início quando as crianças estavam terminando a aula de português,

preparando-se para o inicio da próxima aula, ciências.

A sala estava disposta da mesma maneira da observação do dia 16/04.

A professora iniciou a aula retomando o texto que fizeram na aula anterior, a respeito

do que haviam entendido sobre o sistema digestório. Disse aos alunos que ao ler sentiu

que precisavam retomar alguns conceitos. Para isso ela trouxe o livro “A incrível fábrica

de coco, xixi e pum”. Quando a professora leu o título as crianças deram muita risada e

pareciam ansiosas para ouvir a leitura. Todos estavam sentados em suas carteiras, com

posturas diversas, notei que a maioria sentava de joelhos na cadeira, mas essa postura

muda com frequência. Ao longo da leitura as crianças faziam comentários e a professora

parava para discuti-los e escrevia alguns conceitos identificados pelas crianças na lousa,

todos pareciam estar bastante atentos e algumas vezes se levantavam para chegar mais

perto do livro. A postura dos alunos durante a leitura, de se mexer, mudar de posição,

levantar e fazer comentários pareceu não incomodar a professora.

Quando terminaram de ler o livro já estava na hora do lanche. Cada um pegou sua

lancheira e foram tomar lanche. Assim como na observação realizada anteriormente as

meninas sentaram-se em uma mesa e os meninos em outra. As crianças estavam tomando

seus lanches sentadas e calmas, porém pode se observar que os alunos dos demais anos,

estavam bem agitados, levantavam-se toda hora, esbarravam uns nos outros, corriam

enquanto comiam e apesar de serem repreendidos pelas professoras sua atitude não

mudou.

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No quintal as crianças estavam bastante agitadas correndo de um lado para outro com

espadas nas mãos , muitas vezes gestos agressivos (seguravam um ao outro pelas mãos e

as vezes envolta do pescoço) e muitos gritos. Uma criança chegou por perto, apontou a

espada, começou a gritar e depois saiu correndo. Apenas três alunas permaneceram

sentadas, três meninas que passaram o quintal inteiro desenhando.

Ao voltarem para a sala a professora os orientou a pegarem os cadernos de memória,

uma espécie de diário, onde têm a liberdade de se expressarem como quiserem para contar

o que estão vivendo na escola. Durante essa produção as crianças conversaram e trocaram

experiências do que haviam vivido no quintal, mas isso não tirou a atenção no que

estavam fazendo em seu diário, continuaram escrevendo e desenhando. A conversa

parecia ajudar na elaboração do que registravam em seus cadernos e em nenhum momento

a professora interferiu na conversa, apenas passou para olhar o que estavam produzindo.

Quando finalizaram o caderno todos começaram a arrumar suas coisas, pois já sabiam

que iriam para a quadra pra o Quintal dirigido e depois já seria o horário da saída.

O Quintal dirigido é realizado juntamente com os alunos do 4º ano; nesse momento as

duas professoras (do 3º e do 4º anos) propõem alguma atividade relacionada a área de

Educação Física. Nesse dia propuseram que jogassem queimada. Alguns alunos vibraram

outros reclamaram, pois queriam jogar futebol. As professoras dividiram os times e o jogo

começou. Todos pareciam empenhados em ganhar, em alguns momentos integrantes do

mesmo time se desentendiam e discutiam quanto a estratégia para vencerem. Uma das

professoras comentou : “Eles são muito competitivos!”. No fim do jogo esse comentário

ficou bastante claro. A equipe que ganhou comemorava e cantava músicas e a equipe que

perdeu ficou extremamente incomodada com a comemoração, alguns foram reclamar com

as professoras a respeito da comemoração excessiva do outro time e outros diziam que

elas haviam sido injustas quanto a divisão dos times.

DATA : 21/05/13

Professora G.

ROTINA:

1. PORTUGUÊS

2. CIÊNCIAS

3. LEITURA

4. LANCHE

5. QUINTAL (QUADRA)

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6. PROJETO

7. QUINTAL DIRIGIDO

8. SAÍDA

A professora iniciou a aula de português relembrando o que haviam aprendido sobre

marcadores de tempo. As crianças participaram, fazendo questões e contribuindo com o

que sabiam. Ao final da revisão a professora entregou as Fábulas que as crianças

escreveram e pediu que fizessem uma revisão em seu texto levando em consideração os

marcadores de tempo.

Os alunos iniciaram a revisão e sempre que necessário solicitavam a ajuda da

professora, que procurava fazer com que refletissem junto com ela para encontrarem uma

solução às suas questões. Durante a escrita observou-se que uma criança, por vezes

levantava-se e escrevia de pé, as demais movimentavam-se como de costume (ora

ficavam de joelhos na cadeira, ora com uma perna esticada por cima da outra que estava

dobrada na cadeira) e em nenhum momento a professora interferiu, pedindo que ficassem

em uma única posição. A medida que iam acabando a revisão a professora pedia para que

fossem aos computadores para digitarem suas Fábulas. Como a quantidade de

computadores é limitada eles iam de quatro em quatro e a medida que terminavam

trocavam com quem estava na sala.

Os alunos que já haviam terminado e ainda estavam na sala pegaram livros para ler.

Realizaram a leitura onde se sentiram mais confortáveis. Alguns sentaram-se ou deitaram

no chão, outros permaneceram em seus lugares.

Depois que todos haviam terminado de digitar a professora os orientou a fazerem uma

ilustração de suas fábulas para constar no livro que seria o produto final daquele projeto.

A maioria deles perguntou a respeito da aula de ciências, que seria a próxima aula escrita

na rotina na lousa. A professora disse que iriam adiar a aula de ciências pois precisavam

adiantar os desenhos das fábulas, por isso apagou a aula de ciências da lousa.

A professora os orientou a fazerem o seu melhor desenho, com muito capricho. Um

aluno reclamou dizendo que não sabia desenhar, a professora interviu e disse que não era

verdade e que cada um tinha um estilo de desenho e que deviam se empenhar para fazer o

melhor que conseguissem. Durante a realização da ilustração as crianças se

movimentavam bastante, mudando de posição, apenas uma criança se manteve sentado

na carteira durante toda a atividade. Ficavam de joelhos na carteira, sentados

convencionalmente, com as pernas cruzadas e duas crianças desenharam de pé, mas

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sempre concentrados no que estavam executando, pareciam realmente preocupados em

darem o seu melhor. Por vezes chamavam a professora para olhar o desenho, explicar o

que estavam fazendo e questionando se ela estava gostando da produção.

A professora pediu para que guardassem seu material pois estava na hora de irem pro

lanche e quintal. Novamente as meninas sentaram-se em uma mesa e os meninos em

outra. Os alunos do 3º ano tomaram seus lanches calmamente apesar de ser um momento

conturbando, pois algumas crianças dos demais anos falavam alto, corriam, causando

certo tumulto, e ignoravam o pedido das professoras para que se acalmassem.

No quintal os alunos do 3º ano ficaram na quadra e todos jogaram futebol, apenas uma

das meninas ficou desenhando. Os alunos dos demais anos brincavam em volta da

quadra. Alguns alunos com um patinete, outros com espadas, sempre correndo em volta

da quadra. Como observado anteriormente sempre ficam duas professoras para olhar o

quintal.

Ao fim do quintal todos subiram para as salas. O terceiro ano estava desenvolvendo

um projeto para melhoria do quintal do almoço, que acontece as terças e quintas quando o

2º, 3º, 4º e 5º anos tem integral2. Como as crianças estavam reclamando muito desse

momento o 3º ano ficou responsável por entender o motivo das insatisfações e tentar

implementar algumas mudanças. Nessa aula a professora entregou aos alunos a pesquisa

que eles haviam feito com os alunos do 2º, 4º e 5º anos e eles deveriam juntar as

informações obtidas na pesquisa. Os alunos liam suas respostas e a professora as

organizava na lousa. A professora anotou em um cartaz algumas conclusões que

chegaram, para começarem a pensar em possíveis ações. Ao final da aula a professora

disse que teriam um quintal dirigido diferente, pois iriam juntar-se com o 1º ano para

realizar os jogos teatrais. O 3º ano encontrou o 1º ano na garagem, onde a atividade

aconteceu.

Todos tiraram os sapatos e sentaram-se em roda com as professoras. A professora do

primeiro ano contou que fariam o jogo do espelho e explicou como funcionaria. Primeiro

formariam duplas, um deveria ficar em frente ao outro, formando duas fileiras.

2 Duas vezes por semana (terça e quinta feira) os alunos do Fundamental tem aula em período integral das 9h às 18h. No período da manhã têm aulas como: inglês, música, jogos e xadrez. Almoçam na escola e iniciam as aulas do período da tarde.

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A professora iniciou o jogo. Primeiro uma fileira era o espelho e deveria imitar

exatamente o que seu parceiro fazia, e depois trocava. A maioria das duplas estava

bastante concentrada, mas duas duplas acabaram se dispersando, saíram do jogo e

ficaram correndo pela garagem. Esses alunos foram orientados a observarem os demais

para entenderem como funcionava o jogo. Quando voltaram ao jogo as professoras

trocaram as duplas e todos conseguiram jogar. Ao terminarem essa etapa do jogo

voltaram a roda e a professora disse que três duplas fariam o jogo para o resto dos alunos

descobrirem quem era o espelho. A primeira rodada foi bastante interessante pois uma

dupla se saiu muito bem, ou seja, foi difícil descobrir quem era o espelho. Ao final da

primeira rodada as professoras discutiram com os alunos as estratégias utilizadas e a cada

rodada as duplas se concentravam mais e se saiam melhor. Para finalizar o jogo todos

sentaram em roda para conversarem sobre a atividade. As professoras fizeram questões

como: “O que acharam?”, “O que é legal?”, “O que é fácil?”, “O que é difícil?”

DATA : 11/09/13

Professora G.

ROTINA:

1. ARTES

2. MATEMÁTICA

3. LANCHE

4. QUINTAL

5. BIBLIOTECA DE CLASSE

6. EDUCAÇÃO FÍSICA

7. SAÍDA

A professora iniciou a aula de Matemática entregando a ficha que fizeram de lição de

casa. Disse que corrigiriam na lousa e chamou alguns alunos para escreverem como

fizeram para resolver o solicitado. Quando os alunos terminaram discutiram a forma

como cada um resolveu até que todos entendessem como cada um chegou ao resultado.

Quando terminavam de corrigir a ficha de lição de casa a professora entregou outra

ficha com exercícios. As crianças pareciam extremamente concentradas na atividade, não

conversavam entre si e apenas se movimentavam para mudarem de posição e às vezes

falavam consigo mesmas, como por exemplo: “Ai, errei!”, “yes!”. A professora andava

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pela classe para ver como estavam resolvendo os problemas e se necessitavam de ajuda.

À medida que terminavam a atividade pegavam livros. Alguns permaneceram sentados

nas carteiras para realizar a leitura, e outros preferiram sentar-se no chão, dentro ou

mesmo na varanda da classe.

Quando todos haviam terminado a atividade a professora alertou para o horário e

solicitou que se preparassem para irem lanchar.

O lanche ocorreu tranquilamente, não havia crianças de outros anos presentes e os

alunos do 3º ano comeram com tranquilidade. Neste dia o quintal não ocorreu no espaço

onde há a quadra e sim onde há a garagem e um tanque de areia com uma casinha e um

brinquedo onde as crianças podiam escalar em cordas, além de uma árvore também

utilizada nas brincadeiras das crianças. Diferentemente das demais observações as

crianças presentes nesse quintal eram do 1º, 2º e 3º anos. Os alunos estavam

proporcionalmente divididos, alguns na areia, brincando na casinha, árvore e brinquedo e

outros na garagem revezando-se para brincarem com carrinhos. As crianças que estavam

nos carrinho brincavam de bater em outros carrinhos, uma criança empurrava até que a

outra que estava na “direção” conseguisse velocidade para bater nos outros carrinhos o

nas paredes. Em nenhum momento foi necessário que professoras intervissem, elas

apenas organizavam o tempo de cada um nos carrinhos para que desse tempo, de todas

que estavam na fila, brincassem também. As crianças pareciam agitadas e em alguns

momentos agressivas em suas brincadeiras, mas em nenhum momento entraram em

conflito ou necessitaram da intervenção das professoras presentes.

Ao subirem para a classe tiveram a aula de Biblioteca de Classe. Nessa aula os alunos

escolhem o que querem ler no revisteiro. Há na calasse uma espécie de estante/revisteiro,

que é denominada pela escola como a biblioteca de classe. Os livros são trazidos pelos

próprios alunos e trocados quando a turma, junto com a professora, decidem que é

necessário. Alguns pegaram livros que já estavam lendo, outros pegaram jornais ou gibis.

Nesta aula cada um senta onde quer e do jeito que quer.

Observou-se dois alunos lendo o jornal juntos e quando notados pela professora são

orientados a não lerem alto para não atrapalharem os colegas. Já os demais concentraram-

se sozinhos em sua leitura. Ao final da aula a professora perguntou o que achavam de

trazerem novos livros; os alunos concordaram, apenas um solicitou para que um dos

livros ficasse até que ele conseguisse terminar sua leitura. A professora pediu para que

trouxessem livros maiores e não apenas de contos, mas sim livros com capítulos, para que

comessem a criar o habito de ler livros maiores.

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Ao finalizar a aula todos arrumaram seus materiais e foram para a quadra para a aula

de Educação Física.

7 ANÁLISE DAS OBSERVAÇÕES

As observações ocorreram em uma única sala do 3º ano, durante quatro dias. A sala é

composta por 8 crianças, 3 meninas e 5 meninos, e conta com uma professora

polivalente. Além disso há a participação dos professores especialistas de educação física

e artes na rotina das crianças. Após as observações, foram depreendidas algumas

categorias relacionadas ao tema desta pesquisa, utilizadas para melhor organizar a

análise. São elas: liberdade para se movimentar na sala de aula; a presença de

disciplinas, no currículo, que envolvam o movimento corporal; organização do espaço

escolar e quantidade de alunos por ano.

7.1 LIBERDADE PARA SE MOVIMENTAR NA SALA DE AULA

Pode-se constatar, nas observações, que durante as atividades realizadas em sala de

aula a professora permite que as crianças mudem de posição livremente. Elas podem ficar

em pé, podem sentar-se no chão em momentos de leitura, muitas vezes desenham e

escrevem de pé e trocam ideias, desde que não atrapalhem o grupo e continuem atentos às

atividades.

Esta forma de respeito ao movimento das crianças, mesmo durante atividades que

exigem maior atenção parece concordar com o pressuposto de Wallon de que não é a

adoção de uma postura estática que contribui para a atenção e sim a estabilidade postural.

Conforme observa Galvão (1996):

Wallon (1968) faz críticas às concepções que definem atenção como um poder uniforme e global. Prefere definir atenção como a capacidade de o sujeito organizar sua ação visando atingir objetivos definidos por si mesmo, o que corresponde, no âmbito postural, à capacidade de adotar a posição mais apropriada a cada objetivo. Às vezes, é justamente a mudança de posição que possibilita a manutenção da atenção. (p.44)

Durante as atividades, mesmo que se movimentando e muitas vezes trocando ideias, as

crianças não deixavam de estar atentas ao que estavam fazendo, como por exemplo na

observação do dia 16/4. Em nenhum momento da reescrita da fábula observou-se que

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estavam conversando sobre outros assuntos ou realizando outras atividades. O mesmo foi

verificado na observação do dia 21/5. Enquanto as crianças realizavam o desenho de suas

fábulas, trocavam de posição frequentemente: ora ficavam em pé, ora de joelhos na

cadeira, ora sentados; porém essas trocas de posição, além de não serem “desordenadas”

não demonstraram que as crianças estivessem dispersas ou desatentas, pelo contrário;

estavam debruçadas em suas atividades, preocupadas com o resultado de seu desenho,

pois chamavam a professora para mostrar o que estavam fazendo e pediam sua

aprovação.

Galvão (1996) observa a relação entre a postura corporal e as atividades de escrita. É

comum pensarmos na postura sentada para a execução dessa atividade, porém fica

evidente que algumas crianças necessitam adotar outra posição até que consigam manter-

se sentadas para escrever.

Ajuriaguerra (1988) estudou minuciosamente os componentes posturais da escrita e identificou a necessidade de o sujeito , estando em posição sentada, contar com três apoios. Contudo, para crianças com dificuldades na manutenção desta postura, sugere a escrita em pé, como estágio anterior e preparatório para escrita em posição sentada. (p.44)

Em alguns momentos observados, pode-se verificar crianças com necessidade de

executar suas atividades em pé. No dia 21/5 esta situação ocorreu em dois momentos

diferentes. Durante a escrita de fábulas observou-se que uma criança, mais de uma vez,

levantou-se e realizou a escrita, por alguns minutos, em pé. Já na atividade em que

tinham que desenhar suas fábulas, a mesma criança que ficou de pé no momento da

escrita realizou todo o seu desenho nessa mesma posição, permanecendo nela durante

mais tempo, cerca de 15 minutos, movimentando-se apenas em volta de sua carteira ou

apoiando o pé na cadeira, mas sempre em pé. Nesta atividade outra criança realizou o seu

desenho ora de joelhos na cadeira, ora em pé.

7.2 A PRESENÇA DE DISCIPLINAS NO CURRÍCULO QUE ENVOLVAM O

MOVIMENTO CORPORAL

Além de terem a possibilidade de se movimentar durante as atividades que não

estejam ligadas especificamente ao movimento corporal, como nas aulas de matemática,

português, ciências etc., as crianças desta instituição têm muitos momentos reservados

para que o movimento corporal seja contemplado e o tempo e a quantidade dessas

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atividades estão em equilíbrio com as demais disciplinas (ANEXO II). Um exemplo deste

equilíbrio é o tempo em que realizam o lanche e o quintal; as crianças dispõem de 1h05’

para realizarem essas atividades. Dentro de sua rotina semanal há aulas de música,

quintal dirigido, artes, jogos, educação física e dança. O tempo das atividades, bem como

a alternância entre elas, demostra uma atenção, por parte da instituição, com relação ao

interesse e necessidades das crianças. Esta constatação fica clara, também, em conversa

informal com M., diretora e também proprietária da escola observada: “Você deve ter

visto que no currículo temos um olhar privilegiado para esse trabalho com o movimento,

não só por que eles têm o quintal dirigido, a educação física, a dança, mas porque eles

têm um tempo muito grande de quintal, pois consideramos igualmente importante.

Discutimos muito essa questão, as crianças tem um tempo de concentração e o corpo

fala junto e precisamos considerar isso. Eu não consigo ver crianças sentadas 50

minutos em uma cadeira. As crianças não dão conta de ficar e precisamos considerar

essa questão. Há um olhar para a necessidade do corpo, portanto essa tolerância maior

com a movimentação. Não é só essa tolerância para a movimentação mais intensa mas é

um olhar pra o corpo como um todo, desde coisas básicas: coloca sapato, tira sapato,

põe casaco, tira casaco. Tudo isso é assunto de trabalho, de reunião de equipe. São

questões sempre presentes, a gente pensa nas crianças, nas atividades, pensa muito na

questão do movimento. As crianças circulam muito pela escola, porque tem aulas na

sala, tem aulas em outros lugares, tem muitas situações em que elas vão fazer trabalhos

em outros lugares, atividades de observação de espaço. Tem também a relação do corpo

e do espaço, então isso está pensado também.”

As observações bem como a entrevista com a diretora deixam claro que a instituição

se preocupa com as necessidades corporais das crianças. O tempo das atividades, a

alternância entre elas e a quantidade de atividades que contemplam o movimento corporal

demonstram isto. Sobre isso Madalena Freire (1992) diz:

Desafio permanente, por parte do educador, na construção da rotina, é tecer uma articulação harmoniosa entre as atividades, no tempo e no ritmo que se desenvolvem no espaço. É procurar harmonia do pulsar do tempo rítmico das atividades no espaço. (p.44)

Para a autora esses momentos de alternância entre uma atividade e outra bem como a

mudança de ritmo entre os movimentos (hora mais acelerado, hora mais calmo) é

extremamente importante para a criação de uma rotina do grupo e cabe ao professor

administrar e reger esses momentos.

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7.3 ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR

Outra questão observada e citada pela diretora da instituição, bastante pertinente à

questão do movimento corporal, diz respeito ao espaço físico da escola. Como relatado

pela diretora, os espaços são ligados ao corpo e se relacionam com ele, então devem

também ser pensados para que as crianças consigam expressar-se, tanto dentro como fora

da sala de aula.

A respeito disto, observa Zabala (1988):

(...) quando falamos de espaço não estamos fazendo referência simplesmente a um acúmulo de objetos situados em um lugar. A ideia de espaço faz alusão, mais do que aos componentes isolados que o formam, à particular relação que se estabelece entre ele e as pessoas que o frequentam. Na sua consideração educativa, o espaço é um acúmulo de recursos de aprendizagem e desenvolvimento pessoal. Justamente por isso é tão importante a organização dos espaços de forma tal que constituam um ambiente rico e estimulante de aprendizagem. (p. 241)

Ou seja, o espaço não deve ser visto como um lugar físico simplesmente, deve haver

nele uma intenção para que ele seja de fato um recurso de aprendizagem. A concepção

política e pedagógica de uma escola passa pelos espaços construídos onde se darão todas

as vivências escolares.

Se eu considero que as crianças são os verdadeiros protagonistas da sua aprendizagem, que aprendem a partir da manipulação e da experimentação ativa da realidade e através das descobertas pessoais; se, além disso, entendo que “os outros” também são uma fonte importante de conhecimento, tudo isso terá reflexos na organização de minha sala de aula: tendo espaços para o trabalho em pequenos grupos, distribuindo o mobiliário e os materiais para que as crianças tenham autonomia e “enchendo” o espaço de materiais que despertem o interesse infantil para manipular, experimentar e descobrir. (Ibdem, p. 250)

Nos momentos em que se observou a rotina do 3º ano a sala de aula sempre esteve

disposta da seguinte maneira:

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Esta maneira de dispor a sala favorece a autonomia da crianças, a troca entre elas e o

deslocamento ou mudança de posição sem que isso torne

refere-se ao espaço da seguinte maneira: “Sendo um continente para o movimento, o

espaço oferece-lhe o terreno e os temas para sua realização”.

A autonomia está relacionada ao fato de que todos os materiais e trabalhos realizados

estão à disposição dos alunos, como po

murais, materiais de escrita, desenho e colagem em prateleiras abertas.

Galvão (1996) ressalta:

No nosso entender, apropriarinterações signiffavorecimento da atividade autônoma de seus elementos. Ocupar a sala com objetos que funcionem como sugestão para a atividade instrumental ou expressiva nos parece o ponto princip

Muitas vezes, quando as crianças finalizam uma tarefa

professora indique alguma atividade:

ler em qualquer lugar da sala e em qualquer posição, podem até ler em duplas sem que

isso atrapalhe os demais. Ou seja, além do espaço possibilitar a realização simultânea de

duas atividades, ele por si só sugere atividades sem que a professora tenha que dar algum

direcionamento. Por exemplo, na observação do dia 11/09

atividade de matemática, e, à medida que terminavam, pegav

leitura onde consideravam mais confortável, sem que a professora os orientasse para isso

e sem que atrapalhassem os demais que continuavam a realizar a tarefa

Esta maneira de dispor a sala favorece a autonomia da crianças, a troca entre elas e o

deslocamento ou mudança de posição sem que isso torne-se perturbador. Galvão (1996)

espaço da seguinte maneira: “Sendo um continente para o movimento, o

lhe o terreno e os temas para sua realização”.

A autonomia está relacionada ao fato de que todos os materiais e trabalhos realizados

estão à disposição dos alunos, como por exemplo livros, estudos realizados expostos nos

murais, materiais de escrita, desenho e colagem em prateleiras abertas. A esse respeito

No nosso entender, apropriar-se da influência do espaço sobre a dinâmica das interações significa concebê-lo como organizador da atividade do grupo, visando o favorecimento da atividade autônoma de seus elementos. Ocupar a sala com objetos que funcionem como sugestão para a atividade instrumental ou expressiva nos parece o ponto principal. (p.45)

quando as crianças finalizam uma tarefa, não é necessário que a

essora indique alguma atividade: as crianças, sozinhas, pegam livros e leem. Podem

ler em qualquer lugar da sala e em qualquer posição, podem até ler em duplas sem que

trapalhe os demais. Ou seja, além do espaço possibilitar a realização simultânea de

duas atividades, ele por si só sugere atividades sem que a professora tenha que dar algum

direcionamento. Por exemplo, na observação do dia 11/09, as crianças realizavam um

e, à medida que terminavam, pegavam livros e

am mais confortável, sem que a professora os orientasse para isso

e sem que atrapalhassem os demais que continuavam a realizar a tarefa original

23

Esta maneira de dispor a sala favorece a autonomia da crianças, a troca entre elas e o

se perturbador. Galvão (1996)

espaço da seguinte maneira: “Sendo um continente para o movimento, o

A autonomia está relacionada ao fato de que todos os materiais e trabalhos realizados

r exemplo livros, estudos realizados expostos nos

A esse respeito

se da influência do espaço sobre a dinâmica das lo como organizador da atividade do grupo, visando o

favorecimento da atividade autônoma de seus elementos. Ocupar a sala com objetos que funcionem como sugestão para a atividade instrumental ou expressiva nos

não é necessário que a

as crianças, sozinhas, pegam livros e leem. Podem

ler em qualquer lugar da sala e em qualquer posição, podem até ler em duplas sem que

trapalhe os demais. Ou seja, além do espaço possibilitar a realização simultânea de

duas atividades, ele por si só sugere atividades sem que a professora tenha que dar algum

as crianças realizavam uma

am livros e realizavam a

am mais confortável, sem que a professora os orientasse para isso

original. Neste

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caso observa-se também que o espaço favorece a movimentação das crianças sem que

isso torne o ambiente ruidoso e adverso para nenhuma das partes. Além disso, a

disposição das carteiras em “U” possibilita maior interação entre as crianças e entre a

professora e as crianças. A professora circula no meio das carteiras, podendo ter uma

visão geral das crianças e auxiliando-as quando necessário. Foi possível observar crianças

levantando durante uma leitura, ficando no meio do “U” para interagirem com uma

imagem mostrada no livro, por exemplo. Nesse caso o espaço é utilizado a favor

do movimento corporal das crianças e professora, além de ser um facilitador da relação

entre todos ali presentes.

Além da sala de aula, as áreas externas são bastante utilizadas pelas crianças desta

instituição nos momentos de quintal, ou recreio. Existem dois espaços onde esses

momentos podem ocorrer: no pavimento superior, em que se encontra a quadra, a

biblioteca, um pequeno banco de areia, duas árvores, cantos com mesas para quem quer

desenhar e outro canto com alguns brinquedos disponíveis; e no pavimento inferior, onde

também é realizada a entrada e a saída, em que há uma garagem com um espaço livre

coberto e uma parte livre descoberta onde estão disponíveis carrinhos e patinetes para as

crianças. Do lado oposto à garagem há um banco de areia com uma casinha alta, uma

árvore e um brinquedo com cordas transpassadas que as crianças podem escalar. Nenhum

dos dois espaços é muito amplo, porém há diversas opções de brincadeiras. As turmas se

dividem e alternam os dias em que brincarão no pavimento superior ou inferior.

Nos quatro dias observados, pode-se notar certa agressividade nas brincadeiras das

crianças, principalmente as mais velhas, dos 4º e 5ºanos. Quando os observei no

pavimento superior, algumas crianças brincavam na quadra de futebol, porém a maioria

brincava em volta da quadra, correndo, com espadas ou gravetos nas mãos e alguns com

patinetes. Apesar dos movimentos muitas vezes parecerem desordenados e agressivos em

nenhum momento presenciei desentendimentos entre as crianças ou a necessidade de

interferência dos professores. Observou-se também muito contato físico entre as crianças,

uma segurando a outra como se estivessem se prendendo, ou com as mãos em volta do

pescoço uma da outra, como se estivessem enforcando. Muitas vezes se puxavam ou se

empurravam. Poucas crianças permaneciam mais calmas, sentadas desenhando. No

geral, as crianças se apropriam de todo o espaço disponível: sobem nas árvores, correm

por todo o espaço livre, utilizam os brinquedos disponíveis etc.

Outro aspecto que pode ser considerado é a quantidade de professoras que ficam

durante o quintal. Apesar de haver sempre duas professoras andando pelo espaço, elas

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deixam as crianças livres e interferem muito pouco em suas brincadeiras. Os alunos

brincam com autonomia e liberdade.

Faria (2003), aponta para a importância de que o espaço deva ser um lugar em que as

crianças possam experimentar e exercer sua independência:

O espaço, externo e interno, deve permitir o fortalecimento da independência das crianças: mesmo sendo seguro, não precisa ser ultraprotetor, isto é, em nome da segurança não deve impedir experiências que favoreçam o autoconhecimento dos perigos e obstáculos que o ambiente proporciona. Assim, as crianças vão aprender, por exemplo, a subir e descer dos móveis que estão na altura do adulto, vão aprender a tomar cuidado redobrado quando pegarem uma faca ou tesoura com ponta e corte etc. Criar o sentido de pertencimento à natureza será favorecido por atividades com os quatro elementos: água, terra, ar e fogo. Em vez de simplesmente omiti-las por-que são consideradas perigosas, poderemos, em nome de objetivos pedagógicos essenciais como o sentir-se natureza, aprender juntos, adultos e crianças, como se aventurar no (dito) perigo sem machucar-se. Os espaços para isso devem permitir também a realização de atividades individuais, em pequenos e em grandes grupos, com e sem adulto(s); atividades de concentração, de folia, de fantasia: atividades para movimentos de todo tipo, propiciando a emersão de todas as dimensões humanas, de acesso a situações e informações diferentes daquelas que as crianças têm em casa e/ou vão ter na escola, destacando principalmente o direito ao não-trabalho, o direito à brincadeira, enfim, o direito à infância. (p.79)

A diretora M. também fala sobre a importância desse espaço do brincar, quando

perguntada a respeito dos brinquedos disponíveis no quintal: “Temos a preocupação de

garantir os brinquedos tradicionais, como perna de pau, latas, corda, elástico etc.; mas

também temos brinquedos de faz de conta que tem a ver com a linguagem das crianças,

como espadas por exemplo. Temos que garantir que as crianças tenham esse espaço

para brincar e brinquedos que favoreçam o faz de conta e a espada faz parte disso.

Temos também os materiais menos estruturados, como os blocos de madeira, que podem

ser usados no chão e na areia. A gente se preocupa em dar espaço para as brincadeiras

de fantasia e que favoreçam o desenvolvimento dos grandes movimentos. Vamos

avaliando o que funciona, o que não funciona. De uns tempos para cá, por exemplo,

diminuímos a quantidade de brinquedos disponíveis, por que percebemos que as crianças

estavam se perdendo na grande quantidade. Mas vamos repondo e trazendo coisas

novas, por exemplo, o patinete surgiu quando descobrimos que essa era uma

brincadeira divertida e funcionava no nosso espaço. E tem também os brinquedos que

são do espaço, e eu acho que é o que as crianças mais fazem, como subir nas árvores.”

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7.4 QUANTIDADE DE ALUNOS POR AGRUPAMENTO

A constatação da liberdade para se movimentarem dentro da sala de aula sem que isso

interferisse na aprendizagem e na atenção das crianças, e de que não resultava em um

ambiente desorganizado e ruidoso, criou a necessidade de considerar também a

quantidade de alunos presentes na sala de aula. O RCNEI (1998) recomenda que:

(...) Nesse sentido, é importante que o trabalho incorpore a expressividade e a mobilidade próprias às crianças. Assim, um grupo disciplinado não é aquele em que todos se mantêm quietos e calados, mas sim um grupo em que os vários elementos se encontram envolvidos e mobilizados pelas atividades propostas. Os deslocamentos, as conversas e as brincadeiras resultantes desse envolvimento não podem ser entendidos como dispersão ou desordem, e sim como uma manifestação natural das crianças. Compreender o caráter lúdico e expressivo das manifestações da motricidade infantil poderá ajudar o professor a organizar melhor a sua prática, levando em conta as necessidades das crianças. (Volume 3, p.19)

Ao pesquisar a respeito dos demais anos notou-se que a escola como um todo tem uma

pequena quantidade de alunos por ano, principalmente no Ensino Fundamental: o G1 tem

11 alunos, o G2 conta com 13 alunos, o G3 e G4 com 15, o G5 com 14 alunos, o 1ºano

tem 9 alunos, o 2ºano 8 alunos, o 3ºano com 8 alunos, o 4º ano tem 7 alunos e o 5ºano

conta com 9 alunos.

Tal constatação, aliada às observações, pode demonstrar que a pequena quantidade de

alunos dentro da sala do 3ºano, é uma aliada ao movimento corporal das crianças, pois as

necessidades de trocarem de posição não tornam o ambiente tumultuado e não atrapalham

nem as crianças, nem a professora. Afinal, oito crianças se movimentando é muito

diferente de vinte e cinco crianças.

Para que se pudesse entender melhor a diretora foi questionada a esse respeito. Sobre a

pequena quantidade de alunos por sala M. nos falou: “Teoricamente o limite seria de 16

crianças por turma. Durante um tempo nós ficamos com um número bem menor de

alunos por sala. O nosso 1º ano agora vai estar completo, suponho que a partir daí a

gente comece a ter turmas maiores no fundamental. Trabalhamos muito bem com

números pequenos, mas se a gente chegar a ter mais alunos vamos ter que ter o cuidado

de nos reorganizarmos para continuarmos a fazer o que sempre fizemos:

acompanhamento individualizado; muitas vezes as professoras fazem lições diferentes

para as crianças. Por isso acredito que teremos que nos preparar para isso. Existe uma

certa comodidade em trabalhar com um número menor de crianças por sala, mas ao

mesmo tempo a gente tem que tomar alguns cuidados, por exemplo, quando o grupo é

muito pequeno algumas coisas se cristalizam dentro da sala e é mais fácil se quebrar

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quando há mais crianças, por isso temos que ter um cuidado nesse sentido. O que

fazemos para enriquecer o trabalho, e que eu gosto muito, e se os grupos crescerem a

gente perde, e espero conseguir fazer de um jeito que não se perca, é a integração entre

as turmas. Esta forma de trabalho funciona muito bem não só porque tem um número

pequeno de alunos e quando junta aumenta, por exemplo em uma aula de educação

física, mas por que conseguimos fazer trocas. No primeiro semestre o 2º e o 3º anos

estavam fazendo um projeto juntos, 4º e 5º estavam tendo aulas de português juntos, esse

semestre o 4º e o 5º anos estão tendo aulas de história e geografia juntos. Temos uma

aula que é de orientação de estudos e as professoras se redistribuem nas salas, ou seja,

outras professoras podem ajudar outras turmas enquanto a sua está com o professor

especialista. Há uma integração bastante grande enriquece muito. Enriquece por que as

turmas ficam maiores, mas enriquece também por que tem uma diferença, uma

diversidade dentro do grupo, que é muito interessante.”

Na fala de M. fica claro que a preocupação da instituição com relação à quantidade de

alunos dentro de uma sala de aula é com relação a qualidade de ensino/aprendizagem e da

troca entre as crianças. É possível notar que há um interesse que as classes fiquem

maiores, mas sempre tomando um cuidado para que o ensino individualizado e o olhar

para cada aluno não se perca. Há pontos positivos e negativos nos dois casos, no que diz

respeito a qualidade do ensino. Quando há poucos alunos é mais fácil olhar cada criança

individualmente, podendo realizar atividades diferentes e específicas, a depender da

demanda da turma; porém há menos trocas e as crianças lidam menos com diferenças.

8 CONCLUSÃO

A partir das situações observadas e dos dados obtidos na entrevista com a diretora, é

possível reconhecer que esta escola possui um ambiente diferente daquele oferecido

tradicionalmente por várias escolas, quando se trata da equação corpo-movimento-

atenção-aprendizagem. Diferencia-se, principalmente, quanto à crença de que é

necessário estar imóvel para realizar atividades que exijam o pensamento intelectual.

Observou-se que há a permissão para que as crianças se movimentem livremente dentro

da sala de aula, uma vez que não atrapalhem o andamento das atividades realizadas.

Segundo Foucault (1975) é no século XVIII que o corpo passa a ser visto como

passível de controle e as instituições (escolas, hospitais, prisões), com o objetivo de que

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se mantivesse a ordem, o utilizassem como uma máquina, tornando-o “dócil” e “útil”.

Esta maneira de lidar com o corpo pode ser observada em escolas mais tradicionais, nas

quais subsiste a ideia de que o silêncio e o corpo controlado garantem que as crianças se

tornem mais atentas e produtivas, além de tornarem o ambiente ordenado e harmonioso:

É muito comum que, visando garantir uma atmosfera de ordem e de harmonia, algumas práticas educativas procurem simplesmente suprimir o movimento, impondo às crianças de diferentes idades rígidas restrições posturais. Isso se traduz, por exemplo, na imposição de longos momentos de espera - em fila ou sentada – em que a criança deve ficar quieta , sem se mover; ou na realização de atividades mais sistematizadas, como de desenho, escrita ou leitura, em que qualquer deslocamento, gesto ou mudança de posição pode ser visto como desordem ou indisciplina. (RCNEI vol.3, p.17)

Outra questão constatada é o fato das professoras desta escola suportarem a

movimentação das crianças – “suportar” no sentido não apenas de conseguir aguentá-la,

mas também de dar suporte – em nenhum momento observou-se a professora agindo de

forma coerciva em relação à movimentação das crianças. Não se sabe se as professoras

desta instituição têm conhecimento dos conceitos que fundamentam esta análise, como o

de embodied mind ou mesmo da psicogenética walloniana; é possível porém constatar,

através das observações e da entrevista com a diretora, que a instituição em questão dá

elementos para que as professoras desenvolvam uma atitude positiva diante das

movimentações das crianças. Em entrevista com a diretora M. ela afirma: “Há um olhar

para a necessidade do corpo, portanto essa tolerância maior com a movimentação. Não

é só essa tolerância para a movimentação mais intensa, mas é um olhar pra o corpo

como um todo, desde coisas básicas: coloca sapato, tira sapato, põe casaco, tira casaco.

Tudo isso é assunto de trabalho, de reunião de equipe. São questões sempre presentes, a

gente pensa nas crianças, nas atividades, pensa muito na questão do movimento.”

Nesta fala, M. menciona sobre um aspecto importante, e que também ajuda a

caracterizar esta escola como diferente das escolas tradicionais: nela, destinam-se tempos

para a aprendizagem de aspectos do cotidiano das crianças, como tirar e colocar sapatos. O

corpo de cada criança é respeitado nesta instituição. O corpo é de cada um, e não da

professora – como o é, em instituições onde a análise de Foucault se verifica. Ainda

assim, a diretora M. mostra-se preocupada com relação à questão do movimento corporal

das crianças e pretende olhar com maior cuidado para essa questão: “Estou com muitas

questões nesse momento com relação a isso porque eu vejo que as crianças não estão

dando conta da questão do movimento, apesar de tudo o que a gente faz, de todas as

possibilidades que a gente dá.”.

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Esta fala da diretora, bem como as observações realizadas, tornam evidente que as

crianças do Ensino Fundamental ainda têm a necessidade de se movimentar com liberdade,

e que esta precisa ser respeitada. Quanto à relação entre a movimentação mais livre, menos

controlada das crianças e sua aprendizagem e desenvolvimento intelectual, porém, talvez

fossem necessários mais dados. Entretanto, é possível dizer que as crianças completam

seus trabalhos com dedicação, interessam-se por eles, compartilham pontos de vista numa

atmosfera favorável à discussão e à crítica, como se vê na atividade da transcrição da

fábula (16/4), na produção do caderno de memória (7/05), na revisão e desenho das

fábulas (21/05) ou ainda na resolução dos exercícios de matemática (11/09). Todas essas

capacidades atestam que as crianças estão se desenvolvendo intelectualmente e aprendendo

muitas coisas, mesmo num ambiente mais livre, mais apropriado pelas crianças e menos

controlado pelo adulto do que em escolas de orientação tradicional.

Assim, é possível concluir que há lugar para as escolas que olham a criança de forma

inteira, levando em consideração que esta é corpo e mente. Mas ainda há desafios a serem

superados. Conciliar a liberdade de movimentação, considerando a ideia de embodied

mind, com a necessidade igualmente importante de autoconhecimento e autocontrole – em

oposição à impulsividade que caracteriza os comportamentos infantis – é um deles.

ANEXOS

I.

Entrevista com a diretora da instituição, M.

Data: 9/10/2013

Durante minhas observações notei uma pequena quantidade de alunos por sala.

Você poderia me falar um pouco como a instituição lida com essa questão?

Teoricamente o limite seria de 16 crianças por turma. Durante um tempo nós ficamos

com um número bem menor de alunos por sala. O nosso 1º ano agora vai estar completo,

suponho que a partir daí a gente comece a ter turmas maiores no fundamental.

Trabalhamos muito bem com números pequenos, mas se a gente chegar a ter mais alunos

vamos ter que ter o cuidado de nos reorganizarmos para continuarmos a fazer o que

sempre fizemos: acompanhamento individualizado; muitas vezes as professoras fazem

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lições diferentes para as crianças. Por isso acredito que teremos que nos preparar para

isso. Existe uma certa comodidade em trabalhar com um número menor de crianças por

sala, mas ao mesmo tempo a gente tem que tomar alguns cuidados, por exemplo, quando o

grupo é muito pequeno algumas coisas se cristalizam dentro da sala e é mais fácil se

quebrar quando há mais crianças, por isso temos que ter um cuidado nesse sentido. O que

fazemos para enriquecer o trabalho, e que eu gosto muito, e se os grupos crescerem a

gente perde, e espero conseguir fazer de um jeito que não se perca, é a integração entre as

turmas. Esta forma de trabalho funciona muito bem não só porque tem um número

pequeno de alunos e quando junta aumenta, por exemplo em uma aula de educação física,

mas por que conseguimos fazer trocas. No primeiro semestre o 2º e o 3º anos estavam

fazendo um projeto juntos, 4º e 5º estavam tendo aulas de português juntos, esse semestre

o 4º e o 5º anos estão tendo aulas de história e geografia juntos. Temos uma aula que é de

orientação de estudos e as professoras se redistribuem nas salas, ou seja, outras

professoras podem ajudar outras turmas enquanto a sua está com o professor especialista.

Há uma integração bastante grande enriquece muito. Enriquece por que as turmas ficam

maiores, mas enriquece também por que tem uma diferença, uma diversidade dentro do

grupo, que é muito interessante .

Existe uma preparação com as professoras para que elas tenham um olhar

diferenciado com relação ao movimento corporal das crianças? Por que notei que as

crianças tem muita liberdade dentro da sala de aula, por exemplo, de se sentarem

como se sentem melhor, se levantam quando sentem necessidade e eu observei que

era um comportamento que não incomodava a professora observada. Observei que

além de não atrapalhar a professora isso não atrapalhava as crianças com relação a

atenção à atividade realizada.

Você deve ter visto que no currículo temos um olhar privilegiado para esse trabalho

com o movimento, não só por que eles têm o quintal dirigido, a educação física, a dança,

mas porque eles têm um tempo muito grande de quintal, pois consideramos igualmente

importante. Discutimos muito essa questão, as crianças tem um tempo de concentração e o

corpo fala junto e precisamos considerar isso. Eu não consigo ver crianças sentadas 50

minutos em uma cadeira. As crianças não dão conta de ficar e precisamos considerar essa

questão. Há um olhar para a necessidade do corpo, portanto essa tolerância maior com a

movimentação. Não é só essa tolerância para a movimentação mais intensa mas é um

olhar pra o corpo como um todo, desde coisas básicas: coloca sapato, tira sapato, põe

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casaco, tira casaco. Tudo isso é assunto de trabalho, de reunião de equipe. São questões

sempre presentes, a gente pensa nas crianças, nas atividades, pensa muito na questão do

movimento. As crianças circulam muito pela escola, porque tem aulas na sala, tem aulas

em outros lugares, tem muitas situações em que elas vão fazer trabalhos em outros

lugares, atividades de observação de espaço. Tem também a relação do corpo e do

espaço, então isso está pensado também. Mas estou com muitas questões nesse momento

com relação a isso porque eu vejo que as crianças não estão dando conta da questão do

movimento, apesar de tudo o que a gente faz, de todas as possibilidades que a agente dá.

Eu fico impressionada, em ver crianças de quinto ano que não conseguem ficar sentadas,

logo começam a pedir : posso tomar água, posso isso, posso aquilo. As crianças levantam

para qualquer coisa, e às vezes isso me incomoda, e não é porque eu quero que elas

fiquem imóveis mas é porque eu quero que elas consigam se concentrar mais, e eu estou

muito preocupada por que eu noto que elas não estão conseguindo isso. E é uma crise que

eu estou vivendo no momento. Eu não sei se tem a ver com esse momento que as crianças

estão vivendo do mau uso e a relação que eles têm com o computador e jogos, mas ao

mesmo tempo eles passam muito tempo na escola e eles não ficam no computador, não tem

joguinho, não tem TV. Nós estamos começando a viver isso dentro da escola então tem que

pensar no que fazer, porque eu não observava essa agitação das crianças há um tempo

atrás. Eu ainda não sei o que fazer, mas eu tenho me visto mais preocupada em tratar essa

questão com as crianças, mesmo que seja pra fazer atividades mais curtas, e a gente já faz

isso. Preparamos eles pra as aulas, sempre perguntamos : alguém quer tomar água, fazer

xixi? Isso já é prática da escola, tanto que se você olhar a agenda das crianças tem lá

“orientação para realização da lição de casa”, a gente coloca: lave as mãos, faça xixi,

organize seu espaço. Quer dizer, é uma ideia de que a criança precisa se concentrar.

Temos na rotina momentos que chamamos de “organização”, para que as crianças

guardarem seu material, apontem seus lápis, cuidem de seu espaço, limpem a sua sala,

mas eu tenho visto que a gente precisa fazer muito mais isso. Agora se tem outras coisas

que a gente precisa pensar na organização da rotina para que as crianças deem conta

dessa agitação, eu não sei, é uma questão.

Um momento que eu notei de bastante agitação corporal foi na hora do quintal. Por

vezes os movimentos e manipulação dos brinquedos eram de certa forma agressivos.

Como é feita a escolha dos brinquedos disponíveis?

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Temos a preocupação de garantir os brinquedos tradicionais, como perna de pau,

latas, corda, elástico etc.; mas também tem

com a linguagem das crianças,

crianças tenham esse espaço para brincar e brinquedos que favoreçam o faz de conta e a

espada faz parte disso. Temos também os materiais menos estruturados, como os blocos de

madeira, que podem ser usados no chão e na areia. A gente se preocupa em dar espaço

para as brincadeiras de fantasia e que favoreçam o desenvolvimento dos grandes

movimentos. Vamos avaliando o q

cá, por exemplo, diminuímos a quantidade de brinquedos disponíveis, por que percebemos

que as crianças estavam se perdendo na

trazendo coisas novas, por exem

uma brincadeira divertida e funcionava no nosso espaço. E tem também os brinquedos que

são do espaço, e eu acho que é o que as crianças mais fazem, como subir nas árvores.

II.

Rotina semanal do 3º ano do Ensino Fundamental I de 2013

preocupação de garantir os brinquedos tradicionais, como perna de pau,

etc.; mas também temos brinquedos de faz de conta que tem a ver

com a linguagem das crianças, como espadas por exemplo. Temos que garantir

crianças tenham esse espaço para brincar e brinquedos que favoreçam o faz de conta e a

so. Temos também os materiais menos estruturados, como os blocos de

madeira, que podem ser usados no chão e na areia. A gente se preocupa em dar espaço

para as brincadeiras de fantasia e que favoreçam o desenvolvimento dos grandes

ando o que funciona, o que não funciona. De uns tempos para

a quantidade de brinquedos disponíveis, por que percebemos

que as crianças estavam se perdendo na grande quantidade. Mas vamos

trazendo coisas novas, por exemplo, o patinete surgiu quando descobrimos que essa era

uma brincadeira divertida e funcionava no nosso espaço. E tem também os brinquedos que

são do espaço, e eu acho que é o que as crianças mais fazem, como subir nas árvores.

ano do Ensino Fundamental I de 2013

32

preocupação de garantir os brinquedos tradicionais, como perna de pau,

de conta que tem a ver

Temos que garantir que as

crianças tenham esse espaço para brincar e brinquedos que favoreçam o faz de conta e a

so. Temos também os materiais menos estruturados, como os blocos de

madeira, que podem ser usados no chão e na areia. A gente se preocupa em dar espaço

para as brincadeiras de fantasia e que favoreçam o desenvolvimento dos grandes

e uns tempos para

a quantidade de brinquedos disponíveis, por que percebemos

vamos repondo e

plo, o patinete surgiu quando descobrimos que essa era

uma brincadeira divertida e funcionava no nosso espaço. E tem também os brinquedos que

são do espaço, e eu acho que é o que as crianças mais fazem, como subir nas árvores.

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