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O Pântano Epistemológico da Ecologia: Retrospectivas e Perspectivas para a Ciência Ecológica Frederico de Meirelles Santos Pereira Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Esteves Rio de Janeiro Outubro de 2008 Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação em ecologia do Departamento de Biologia do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ) como um dos pré-requisitos para a obtenção do grau doutor em Ecologia.

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O Pntano Epistemolgico da Ecologia: Retrospectivas e Perspectivas para a Cincia Ecolgica

Frederico de Meirelles Santos Pereira

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Esteves

Rio de Janeiro

Outubro de 2008

Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao em ecologia do Departamento de Biologia do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ) como um dos pr-requisitos para a obteno do grau doutor em Ecologia.

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Este trabalho foi desenvolvido no Laboratrio de

Limnologia, do Instituto de Biologia do

Departamento de Ecologia, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, sob orientao do Prof.

Francisco de Assis Esteves, tendo sido o autor

financiado por bolsa de estudos concedida pela

CAPES.

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FICHA CATALOGRFICA

O Pntano Epistemolgico da Ecologia: Retrospectivas e Perspectivas para a Cincia Ecolgica

Frederico de Meirelles Santos Pereira - Rio de Janeiro, RJ, 2008

Tese de Doutorado em Cincias Ecolgicas. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Biologia. Departamento de Ecologia. Programa de Ps-Graduao em Ecologia (PPGE/UFRJ).

Palavras-Chave

1- Ecologia. 2- Epistemologia. 3- Caos. I -Ttulo.

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Banca Examinadora:

________________________________Prof. Dr. Francisco de Assis Esteves

_________________________________Prof. Dr. Fernando Fernandez

_________________________________Prof. Dr. Sidney Magela Thomaz

_________________________________Prof. Dr. Reinaldo Luiz Bozelli

_________________________________Prof. Dr. Francisco Rodrigues Barbosa

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O Pntano Epistemolgico da Ecologia

Imagem obtida pela sobreposio de imagens vetoriais. Representa o tangled bank de Charles Darwin banhado pelo microcosmo de Stephen Forbes: o Pntano Epistemolgico da Ecologia. Uma paisagem linda e ao mesmo tempo sombria, espreitada pelo homem e suas cidades, de uma complexidade to intangvel que nos leva necessidade de criar mundos imaginrios, ou tericos, que possuam suas propriedades. Na nica mitologia legitimamente Brasileira, os rio lagos e florestas so terra de Ci, a Me do Mato Virgem do Macunama de Mrio de Andrade. A personificao artstica de uma Natureza de natureza tinhosa, bela e imprevisvel. O presente trabalho, embora acadmico, foi movido pela mesma comoo lrica que Mrio de Andrade teve ao conhecer as histrias e lendas dos povos da floresta. Dedicamos este estudo Ci e a todos os brasileiros que o financiaram sem saber. Por Fernando Meirelles e Frederico Meirelles.

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Sumrio Agradecimentos.....................................................................................8 Resumo.................................................................................................10 Abstract................................................................................................11 1.Introduo.........................................................................................14 2. Mtodos............................................................................................17 3. A Pergunta de Darwin e as Respostas de Forbes e Hutcuinson A Concepo ...............................................................................................................25 4.George Evelyn Hutchinson..............................................................39 5- A dcada de Mgica da ecologia...................................................45 6. Em busca de leis ecolgicas ............................................................53 7.Ordem a partir da desordem...........................................................69 8. Evidncias empricas de mundos imaginrios..............................87 9. Concluses......................................................................................140 Bibliografia........................................................................................141 Anexos................................................................................................150

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AGRADECIMENTOS

Nenhum ser to solitrio e to dependente quanto o cientista, ou o aspirante a tal.

Para que este trabalho tenha sido realizado, uma gama enorme de pessoas agiram de forma

mais direta ou indireta, mais atualmente ou em tempos mais pretritos...

Em primeiro lugar agradeo Providncia, meio pelo qual Deus age. Agradeo

minha famlia que esteve comigo nos momentos mais difceis e felizes tambm: Jos,

ngela, Fernando e Renata. Meus pais queridos e meus irmos queridos, sempre ao meu

lado. Patrcia que conviveu pacientemente com minha obstinao, me ajudou a segurar

barras inimaginveis e me deu muito carinho nesses quase dois anos.

Junto minha famlia coloco meu querido professor Francisco de Assis Esteves, ou

o Chico, como meu mestre fundamental, de influncia enciclopdica, irrefutvel na

formao dos meus mbitos cientfico e pessoal. Com 18 anos recm feitos o Chico retirou,

com a autoridade meio de pai meio de mestre, o bon que eu insistentemente usava, me

entregou um jaleco e disse: agora voc um cientista. Como pessoa o Chico me ensinou

o valor da persistncia, fidelidade, da amizade e de uma leveza nica na forma de ver a

vida. Ver a vida com uma leveza oriental e operar verdadeiras revolues institucionais,

formar inmeros cientistas que hoje atuam com excelncia pelo Brasil afora (e no exterior

tambm). Ao conviver com o Chico por esses dez anos vi o que viver uma vida

verdadeiramente dedicada semeadura da informao. Com seu apoio e confiana e a fora

acadmica e de fraternidade da equipe do Laboratrio de Limnologia pude alar-me em

uma aventura que perurar por toda a minha vida.

Da equipe do laboratrio de Limnologia ressalto a Rose e o Cludio como os meus

primeiros professores em um laboratrio. A Adriana, o Adriano, a Luciana, o Jabour, o

Jayme, Andr Megali, Paloma, Letcia, Chiquitito, Salsicha, Gabriel, Dinho, Jnior, Clber

e Kika, Reinaldo Bozelli, Vincius Farjalla, Sandra, Marquinhos, Joo Jos, Ellen, Thas, ....

Diversas pessoas que esto e estiveram no laboratrio durante minha formao. So muitos

nomes. Tenho muitas saudades dos que esto longe, dos que saram. Lembro tambm do

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meu carinho pelo alunos novos que me animam com seu nimo juvenil. Agradeo ao

laboratrio de limnologia da UFRJ, sabendo que recebi muito mais do que doei...

Agradeo enormemente ao professor Paulo Bisch e professora Nice pelas aulas

aulas particulares e infindveis discusses que muito me influenciaram. Ao professor Jon

Cole tambm devo agradecimentos pela pacincia com que respondeu aos meus inmeros

e-mails.

Agradeo ao meu bero acadmico: o Instituto de Biologia, mais precisamente ao

Departamento de Ecologia da UFRJ na figura de diversas pessoas: Marcinha, Suely,

Fernando Fernandez, Fbio Scarano, Erica Caramaschi, Ricardo Iglesias, entre outros.

Todos muito solcitos e carinhosos, que fizeram essa dcada ser muito agradvel e

instrutiva. Tenho um carinho muito especial por todos com quem convivi nesse local de

excelncia e humanidade.

Ao pessoal de Maca: seu Paulinho, Lena, Ins e ao grande amigo Joo Marcelo.

CAPES pelo apoio financeiro.

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RESUMO O objetivo central deste estudo foi o de fazer uma leitura crtica e analtica da cincia ecolgica. Entendemos como os ramos mais fundamentais da cincia ecolgica a evoluo atravs do processo de seleo natural, o arcabouo terico que envolve o conceito de nicho ecolgico e a abordagem termodinmica. A teoria da evoluo pela seleo natural, representada originalmente por Charles Darwin, o ponto de partida para a construo da idia de nicho, que pode ser considerada como na forma apresentada por George E. Hutchinson. A abordagem termodinmica tem como ponto de partida a dcada de 1920, a partir da idia original de pirmide trfica aperfeioada posteriormente para o que hoje concebemos como trofo-dinmica. As matematizaes ocorridas na mesma dcada permitiram avanos conceituais e tcnicos fundamentais para as construes tericas acerca da competio e das interaes trficas. Paralelamente, avanos tericos da termodinmica permitiram a concepo da idia de sistemas dissipativos abertos afastados do equilbrio com potencial de auto-organizao, gerando um campo extremamente frtil para o entendimento da vida; das clulas biosfera. Procuramos, atravs do uso de modelos matemticos, integrar a viso termodinmica dinmica de populaes. Nossos resultados demonstraram ser compatveis com as evidncias empricas e corpos conceituais disponveis hoje. Identificamos fortes evidncias do papel do caos determinstico como facilitador de compensaes e de cenrios de maior produtividade e eficincia. Sobre a raridade de compensaes na natureza (covarincias negativas) recentemente observadas na literatura, mostramos que um sistema complexo operando parmetros aleatrios pode produzir relativamente poucas compensaes, sinalizando para o fato de que a estocasticidade pode abafar as covariaes negativas, enquanto o determinismo associado ao caos pode claramente amplific-las. Adicionalmente, apontamos para uma quasi simetria na natureza entre produo de biomassa (construo, variao de entropia negativa) e respirao (destruio,variao de entropia positiva), com leve vantagem para a segunda, idia j germinante no trabalho tido como inaugural na ecologia: The lake as a microcosm, de Stephen Forbes. Isso nos leva a um quadro de um paradoxo da destruio, onde as atividades respiratrias tendem a exceder as produtividades, sugerindo que a natureza pode possuir uma eficincia (produo/produo+respirao) modal inferior a 50% (onde produo=respirao) como condio fundamental para existncia estvel de vida. Ousamos especular que o entendimento da vida, de forma geral, s ocorrer a partir do entendimento da ecologia, em detrimento parial de fisiologias e sopas primordiais. E o entendimento pleno dos fenmenos ecolgicos deve ser acompanhado de uma viso lgica (cicular) que limita fortemente a idia de varivel dependente x varivel independente. Em suma, pretendemos abrir uma janela para grandes revolues que vm ocorrendo acerca do caos, termodinmica, auto-organizao e causalidade e incentivar suas possveis e plausveis aplicaes ecologia.

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ABSTRACT The main objective of this work was to do a critical and analitical aproach of ecological science . We assumed the evolution of species by natural selection, the niche theory and the thermodynamic approach as the main important branches of the ecological conceptual structure. The theory of evolution, originaly represented by Charles Darwin is starting point for the construction of the niche concept, as can be representend by George Evelyn Hutchinson. The thermodynamic point of view has its starting point in the 1920s by the development of the ideia of trophic pyramid which concept has evolved to what we know as trophodynamic. At the same decade, the use of maths determined conceptual and technical advances that were keys for competition and trophic interactions ideas. At the same time, thermodynamic adavances has generated the idea of open dissipative systems far from the equilibrium with auto-organization potencial, what has generated importante concepts for life understanding; from cells to biosphere. We aim to integrate thermodynamic and population dynamic by using mathematics aproaches. Ours results are in agreement with empirical evidences and concepts accepted nowadays. We have identified strong evidences of deterministic chaos role in compensations and efficiency and productivity. We have shown that, in relation to rarity of compensations in nature (negative covariances) recently reported, a complex system operating in randon parameters is able to produce a small number of compensations, pointing that stochastic can hide negative covariances, while determinism associated with chaos can amplify them. Additionaly, we point to a quasi simetria in nature between biomass production (construction, negative entropy variation) and respiration (destruction, negative entropy variation), with a small advantage for the latter, idea alread present in the work considered the first in ecology: The lake as a microcosm, by Stephen Forbes. It has determined an idea of destruction paradox , where respiration activities tends to exceed protuctivites, suggesting that nature can have an efficiency (production/production+respiration) modal lower to 50% (considering production=respiration), as fundamental condition for satable life existence. We dare to speculate that life underestand, in general, could only occur based on ecology underestand, in partial detriment to phisiology and primordial soups. And the complete undertanding of ecological phenomena needs a logical point of view (circular) what strogly limits the idea of dependent variable x independent variable. In short, we intend to open a window to important recent revolutions in chaos, thermodynamic, auto-organization and causality and incentive its possible and plausible applications in ecology.

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A mais srdida pelada de uma complexidade Shaeksperiana.

(Nelson Rodrigues, percebendo a absurda complexidade que pode ser vista em uma simples pelada de futebol qualquer)

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leo sobre tela de autoria de Luiz Rivera intitulado Hidden Lake (O lago oculto, 2006). A reduzida profundidade, que nos permite ver as antas e onas emersas, mostra que a regio anterior da paisagem um brejo, um pntano. De forma geral, toda regio litornea dos lagos e lagunas tropicais rasos apresentam uma fisionomia de wetland, brejos pantanosos em beleza e informao. Terras midas que, de to complexas, so campo rido para o pensamento. Uma homenagem Limnologia e a Harold Sioli, homem que se aventurou por paisagens como essa, trouxe avanos inestimveis para a maior Bacia de gua Doce do mundo, alavancou a limnologia no Brasil e formou o orientador desta tese. Um av cientfico digno de muito orgulho.

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1- Introduo Pretendemos neste volume, dissecar a estrutura terica e conceitual da ecologia

luz da epistemologia e da histria dessa cincia. Sendo o estudo da ecologia nos nveis de

ecossistema, comunidade e populaes fonte de alta complexidade fenomenolgica,

entendemos que faz-se necessria uma organizao no sentido epistemolgico, para que o

entendimento das causalidades e a predio sejam mais robustos nesta cincia. Nosso ponto

de partida central, ou premissa fundamental para as argumentaes aqui colocadas, o fato

de o pntano fenomenolgico, ou seja, a mirade de fenmenos sem causalidades

absolutamente claras, leva a cincia ecolgica ao estado de um pntano epistemolgico.

A terminologia pntano epistemolgico apenas uma alegoria para expressar a

impotncia da cincia convencional frente intrigante e deslumbrante complexidade da

vida e dos sistemas ecolgicos.

Entendemos como os ramos mais fundamentais da cincia ecolgica a evoluo

atravs do processo de seleo natural, o arcabouo terico que envolve o conceito de

nicho ecolgico e a abordagem termodinmica, sendo a ltima podendo ser traduzida

como a escola da ecologia energtica. A teoria da evoluo pela seleo natural,

representada originalmente por Charles Darwin, o ponto de partida para a construo da

idia de nicho, que pode ser considerada como na forma apresentada por George E.

Hutchinson, muito embora protoidias de nicho sejam bem anteriores a Hutchinson. A

abordagem termodinmica tem como representante original Raymond Lindeman, foi

aperfeioada por Eugene p. Odum e tem na teoria termodinmica dos ecossistemas ponto

de destaque de nossa anlise.

Pretendemos voltar ao passado e caminhar at o presente para construir uma

estrutura reflexiva que consideramos fundamental e pouco usual na construo das teorias

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ecolgicas. O objetivo deste ensaio propor uma contribuio, por menor que seja, para

uma redefinio do status epistemolgico da ecologia como cincia, algo que se faz cada

vez mais urgente. Mas para comearmos a nos aventurar nesse pntano precisamos

definir claramente qual o nosso problema: o pluralismo. A ecologia no possui uma

unidade, mas dividida em inmeras sub-disciplinas.

Definimos 3 objetivos principais para este trabalho:

I) Tentar formular caminhos conceituais e epistemolgicos para as seguintes questes:

1) A ecologia uma cincia autnoma?

2) Existem leis ecolgicas?

3) A evoluo pela seleo natural e os conceitos centrais da ecologia so teorias ou meras

tautologias que no se prestam predio?

4) Quais so as perspectivas para a ecologia no futuro?

II) Fazer um apanhado histrico considerando que a cincia ecolgica nasceu com a

concepo da Teoria da Evoluo das Espcies (Darwin, 1859) e teve um importante

impulso a partir do trabalho de Stephen Alfred Forbes (1844-1930) The lake as a

microcosm (Forbes, 1887);

III) Sinalizar para as frteis perspectivas que se encontram na teoria termodinmica

moderna e na teoria de sistemas dinmicos, ambas com nfase no conceito de caos como

ultra-sensibilidade a pequenas pertubaes, e para passveis reformulaes lgicas no que

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diz respeito a causa e efeito, apontando para urgncia de abordagens que incorporem a

causao circular.

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2. Mtodos

Este estudo se subdivide em duas partes fundamentais: I) uma parte de anlises

conceituais e histricas e; II) uma parte de anlises matemticas que envolvem resultados e

outras anlises conceituais adicionais. A principal metodologia da primeira parte foi o

mtodo da anlise conceitual baseada na leitura crtica de textos que consideramos

importantes para a construo e consolidao da cincia ecolgica. Os mtodos empregados

nas anlises dos modelos matemticos abordados so exibidos a seguir.

Usamos como substrato para nossas anlises 2 modelos matemticos distintos. O

primeiro um sistema de 3 equaes iterativas (os resultados no tempo t dependem dos

resultados no tempo t-1) modificado de Dihel (2003) (Modelo 1), onde consideramos um

produtor primrio (R), que possui em seus argumentos um componente logstico, um

consumidor primrio (N), que se alimenta somente de R, e uma terceira espcie que se

alimenta de R e N (onvora) (seo 2.1.1). O segundo modelo um sistema de 7 equaes

que apresentam relaes positivas e negativas entre si e possuem taxas de crescimento e

parmetros de interao aleatrios entre faixas pr-definidas (seo 2.1.2).

2.1 Modelos Matemticos

2.1.1 Modelo com 3 espcies

O modelo 1 representa as relaes trficas de 3 espcies: 1 produtor primrio (R), um

consumidor primrio (N), que se alimenta de R, e um onvoro (P), que se alimenta tanto de R

quanto de P (Modificado de Dihel, 2003):

P Ra -N Ra -KR -1 r R R

RPRN1t

N m - N P a -N Ra e N NNPRNRN1t

Pm - P N a e P R a e P PNPNPRPRP1t

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Os parmetros so definidos com da seguinte forma (unidades entre parnteses):

- aRN: taxa de procura e ataque de N em R (rea . biomassa de N-1 . tempo-1)

- aRP: taxa de procura e ataque de P em R (rea . biomassa de P-1 . tempo-1)

- aNP: taxa de procura e ataque de P em N (rea . biomassa de P-1 . tempo-1)

- eRN: taxa de converso de R em N (nmero no-dimensional entre 0 e 1)

- eRP: taxa de converso de R em P (nmero no-dimensional entre 0 e 1)

- eNP: taxa de converso de N em P (nmero no-dimensional entre 0 e 1)

- K: capacidade de suporte de R (biomassa de R . rea-1)

- mN: taxa de mortalidade de N (biomassa de N . tempo-1)

- mP: taxa de mortalidade de P (biomassa de P . tempo-1)

2.1.2 Modelo com 7 espcies

O modelo 2 se consiste em um balanceador numrico, ou um balanceador de

massas de 7 equaes. Podemos extrair propriedades ecolgicas, j que todas as suas

equaes possuem em sua estrutura o mapa logstico. A estrutura logstica , ento, acrescida

e/ou decrescida de fraes dos resultados de uma ou mais equaes no tempo t-1. As

equaes se do da seguinte forma:

27t6t5t1t12t1t1t1t1 1t PPPPPPP1PP

76t2t67t2t55t2t43t2t31t2t1t2t2 1t PPPP-PPPPPPP1PP

112t3t107t6t3t95t3t81t3t1t3t3 1t PPPPPPPPPP1PP

135t4t121t4t1t4t4 1t PPPPP1PP

163t5t152t5t144t5t1t5t5 1t PPPPPPP1PP

212t6t201t6t193t6t187t6t175t6t6t6t6 1t PPPPPPPPPPP1PP

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Onde:

so os parmetros de interao (25 ao todo) obtidos a partir de distribuies aleatrias

em intervalos pr-determinados: entre 0,001 e 0,05 consideramos ligaes fracas e entre

0,01 e 0,1 consideramos ligaes fortes. Para cada simulao foram obtidos 25 valores

aleatrios dentro de um dado intervalo, ou cenrio. Os parmetros tambm foram obtidos

aleatoriamente, com um valor para cada espcie para cada gerao. Para obteno de regime

catico geramos valores entre 3,3, e 3,8 e para dinmicas no caticas, entre 2 e 2,5.

2.2 Anlises Numricas

2.2.1 Expoentes de Lyapunov

A estimativa dos expoentes de Lyapunov teve como objetivo identificar a existncia

de caos determinstico nas diversas trajetrias estudadas. Uma dinmica catica, apresenta

como propriedade fundamental a hipersensibilidade a condies iniciais. A condio inicial

de uma trajetria o primeiro valor de onde parte uma trajetria (x0), sendo que pequenas

mudanas nesse valor inicial conferem divergncias de trajetrias regidas pela mesma

funo. Para melhor ilustrar consideremos x0 e x0 + 0 como duas condies iniciais vizinhas

separadas por uma pequena distncia 0. Consideremos que aps N iteraes de um mapa xj+1

= F (xj), onde N , o mdulo da distncia entre dois pontos das trajetrias vizinhas seja N. Se a relao entre 0 e N dada por:

(1)

logo, corresponde ao expoente de Lyapunov da dinmica unidimensional. Podemos

reescrever a expresso anterior como:

(2)

Ln

e

252t7t241t7t236t7t223t7t7t7t7 1t PPPPPPPPP1PP

- 20 -

Sendo a distncia N a diferena entre a N-sima iterao a partir do ponto x0 e a N-

sima iterao a partir do ponto x0 + 0, temos:

(3)

Em termos mais simples, a diferena entre os resultados aps N iteraes, partindo-se

de x0 e x0 + 0, dada por N.

Substituindo-se o termo N em (1) por F(N)(x0) - F(N)(x0 + 0) de (3), dado por:

(4)

(repare que o mdulo usado, pois no importa o sinal da diferena entre os resultados

vizinhos na N-sima iterao, mas sim seu valor absoluto).

A definio (4) nos apresenta um mtodo numrico para o clculo do expoente de

Lyapunov, dado que, apesar dos 3 modelos utilizados se comporem de equaes de diferena

simples, o mtodo analtico envolve procedimentos matemticos complexos e no pode ser

utilizado em todos os tipos de equaes iterativas, sobretudo em sistemas de equaes, as

quais so nosso substrato de anlise. Por essas razes optamos pelo mtodo numrico para o

clculo dos expoentes de Lyapunov em nossos 3 modelos. Utilizamos o mtodo analtico

para o clculo dos expoentes de Lyapunov para o mapa logstico, onde a derivada da equao

Nt+1=Nt.r.(1-Nt) no tempo t pode ser obtida pelo algoritmo r-2.Nt.r.

00 x

Nx

N FFLnN1

00 x

Nx

N FF

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2.2.2 Anlises de Covarincia

Foram realizadas anlises de covarincia das sries temporais das populaes nos 3

modelos estudados de acordo com a seguinte frmula:

Esta operao, que exprime um grau de correlao entre duas variveis (muito

embora possua pouca fora estatstica nesse sentido), teve como principal objetivo

determinar se duas dadas variveis (no caso dinmicas populacionais) so positivamente ou

negativamente correlacionadas, ou seja, o sinal da soluo da operao. Tendo em vista que

trabalhamos com a hiptese da importncia das covarincias negativas na estabilidade de

sistemas acoplados, o sinal final foi mais enfatizado do que a intensidade dos resultados.

Nos modelos 1, 2 e 3 as dinmicas populacionais foram arranjadas em todos os pares

possveis de acordo com a seguinte equao:

Onde N o nmero de combinaes possveis e n o nmero de espcies/dinmicas

abordados. Dessa forma temos os pareamentos de n espcies 2 a 2.

2.2.3 Taxas de Crescimento Discreto (TCDs)

As taxas de crescimento discreto foram utilizadas no modelo 1 e se definem da

seguinte forma:

n)(n)(

t)(

1)t(nt F

FTCD

N

i

ii

Nyyxxyx

1,cov

!22!2

nnNn

- 22 -

Em outras palavras: a taxa de crescimento discreto da espcie n no tempo t a soluo

da funo no tempo t+1 divida pela soluo no tempo t.

2.2.4 Eficincia de produo potencial (EPP)

A Eficincia de Produo Potencial (EPP) foi utilizada nos sistemas de equaes dos

modelos 1 e 2.

No modelo 1, para as espcies N e P, obtivemos uma razo entre uma soluo em um

tempo tn e uma operao feita com uma soluo no tempo tn-1. Os resultados do tempo tn-1 so

operados considerando as taxas de converso de tecido (e) iguais a 1 e desconsiderando os

termos de mortalidade (das espcies N e P) e as perdas por predao (no caso da espcie N,

que predada pelo onvoro P). Dessa forma obtemos, a partir de solues no tempo tn-1, um

valor de entrada potencial, ou produo potencial bruta, (que chamaremos PPB, da mesma

forma que para R) no tempo t. Finalmente as solues reais de N e P so dividas pelo valor

potencial.

A EPP obtida da seguinte forma:

Para a espcie N:

Para a espcie P:

ttRN1tN

t NRaNEPP

ttNPttRP1tP

t PNaPRaP

EPP

- 23 -

Do ponto de vista biolgico, a EPP se assemelha eficincia de produo de tecido

(EPT, razo entre a produo lquida de biomassa e o total de matria assimilado pelo

organismo), muito embora EPT e EPP no sejam grandezas comparveis. No caso da EPT,

uma frao do total de energia assimilado dissipada na forma de energia trmica ou

cintica, ou em suma, consumida pela respirao celular do organismo. Sendo os

organismos biolgicos sistemas dissipativos abertos, necessariamente parte da energia que

entra dissipada. Mesmo no tendo um sentido termodinmico formal, a EPP nos d uma

medida de eficincia importante, j que os parmetros de converso de tecido eNP, eRN e

eRP tm fundamento biolgico e termodinmico. Adicionalmente, importante ressaltar que,

ao descontar a mortalidade e as perdas por predao (no caso de N), conferimos EPP um

carter supra-organismo, que contm em si influncias das relaes com as outras espcies e

com o seu meio (no caso da mortalidade).

Para o clculo da EPP de R, consideramos a razo entre a soluo da equao de R

em um tempo tn+1 e a soluo potencial bruta de R (PPBR) a partir de uma soluo no tempo

no tempo tn. Procedeu-se da seguinte forma:

De onde se obtm:

Consideramos como entrada ou produo potencial bruta (PPB) o termo R r. O

clculo da eficincia se consiste na razo entre a produo realizada, que a soluo de (1) e

a PPB, onde temos:

KR

-1 Rr K

Rr -Rr

EPP 1-t1-t

21-t

1-t

tR

K

R-1 Rr R tt1t

K Rr

-Rr R2

tt1t

- 24 -

Em outras palavras, o prprio componente logstico corresponde eficincia que aqui

propomos.

Com o objetivo de compararmos as eficincias na ausncia e na presena de

predadores, realizamos operao semelhante, porm considerando as perdas por predao em

R:

Para o modelo de 7 espcies calculamos a EPP da seguinte forma (exemplo para a espcie 6) : Ou seja, a soluo realizada divida pela soluo potencial, da mesma forma que para a espcie R do modelo de 3 espcies.

r

Pa - NaKR-1

Rr

PRa - NRa - K

Rr -Rr

EPP 1-tRP1-tRN1-t

1-t1-tRP1-t1-tRN

21-t

1-t

tR

6

t

212t

6t20

1t

6t19

3t

6t18

7t

6t17

5t

6t

6t

6t

1tP

PPPPPPPPPPPP1P

EPP6

- 25 -

3- A Pergunta de Darwin e as Respostas de Forbes e Hutcuinson A Concepo

A beleza, a riqueza de formas, cores e sons, podem ser sentidos por qualquer um

que j esteve dentro de uma floresta ou na margem de um lago ou rio selvagem. O mesmo

para quem j teve a oportunidade de mergulhar sob guas repletas de corais. Quando nos

deparamos com a natureza, ou mesmo com uma representao dela, seja na forma de uma

pintura ou um conjunto de peas de um museu de histria natural, tendemos a estimular as

nossas noes ntimas de complexidade e ordem. A combinao dessas duas noes

cognitivas nos leva a sentimentos e sensaes aparentados com a beleza, a satisfao ou at

mesmo uma completude. No pretendemos tratar aqui de conceitos como biofilia, esttica

ou tentar promover uma discusso puramente filosfica, muito embora possamos abordar

certos conceitos comuns a essas reas do ponto de vista da estrutura cientfica da ecologia.

A idia de ordenar os fenmenos observados sob a forma de conceitos, teorias e

leis, permeia no s a histria da ecologia como tambm a da cincia como um todo. O

racionalismo de filsofos como Descartes e Liebniz propunha a idia de que certos tipos de

idias e mecanismos de pensamento so inatos, no necessariamente provm de

construes matemticas ou experincias, mas de uma necessidade intrnseca ao homem de

considerar que tudo deve ter uma causa. Uma dialtica estabelecida idia da razo

pura atravs da obra de John Locke (16321704): The Origins of Knowledge:

Rationalism and Empiricism. Locke ataca diretamente a doutrina das idias inatas

argumentando que essa estrutura de conhecimento dispensvel e desprovida de carter

- 26 -

explanatrio, e prope que todas as idias podem ser explicadas pela experincia. Sua

noo de experincia possui duas vertentes: a sensorial e a da observao das operaes

internas da mente. A ltima pode ser traduzida como reflexo, possuindo mbitos como

percepo, pensamento, dvida, crdito entre outros. Podemos estar sendo ousados, mas a

idia de Locke de um mbito interno da mente, pode ser usada contra suas prprias

idias, j que a sua noo de experincia est fortemente voltada para este, e este

intrnseco ao homem, e at certo ponto inato. Esta , porm, uma discusso por demais

especializada no ramo da epistemologia para nossas presentes intenes.

Andamos at aqui e uma pergunta pertinente seria: e a ecologia? Avancemos um

pouco no tempo at Stephen Alfred Forbes (1844-1930), que produziu um artigo clssico

que pode ser considerado inaugural na cincia ecolgica: The Lake as a Microcosm

(1887). Muito embora Hernest Haeckel tenha usado o termo ecologia pela primeira vez, o

clssico de Forbes de fato d incio e forma ecologia como a conhecemos. Mas, como ns

conhecemos a ecologia? Como uma cincia pura e fundamental? Ou como uma ferramenta

para a resoluo de problemas que afetam o homem? (No pretendemos agregar juzo de

valor s necessidades do homem e de como essas necessidades guiam os rumos da

ecologia, mas identificar com clareza este importante fato e suas conseqncias). De fato

Forbes deixou um legado subliminar em seu artigo e em sua trajetria cientfica. A despeito

de sua importante tentativa de responder pergunta que Darwin se fizera sobre como,

apesar de complexas interaes dinmicas, as espcies se mantm razoavelmente estveis

de ano a ano a sua fora motriz foi eminentemente prtica.

Haeckel reconhecido por Ernst Mayr (Mayr, 2004) como um pensador, um

filsofo. Cunhou o termo ecologia e definiu bases conceituais primordiais, a partir de sua

idia de utilizar o termo grego oikos, que significa casa. Uma casa que possui moradores

- 27 -

que se inter-relacionam entre si e com a prpria casa. Enxergar essa casa e buscar um

termo grego para nome-la um passo que envolve intuio, robustez conceitual e esttica.

como uma obra de arte semntica. Alis, Haeckel era, de fato, um artista. Produziu

ilustraes de beleza primorosa em seus trabalhos como naturalista (figura 1). Mas

voltemos a Forbes, que embora no tenha batizado a ecologia, foi seu verdadeiro parteiro.

Estimulado por idias de cientistas como Agassiz, Darwin e Thomas Henry

Huxley, Forbes mergulhou profundamente em detalhadas analises de relaes alimentares

de insetos, aves e peixes, acreditando que informaes exatas so necessrias antes que o

valor de uma espcie para a sociedade possa ser acessado (Kingsland, 1991). Seus estudos

produziram forte efeito prtico, dando agricultura suas primeiras bases cientficas

(Forbes, 1880; Kingsland, 1991). Vemos uma vertente igualmente prtica, mas no sentido

de uma preocupao j existente com a ao humana sobre lagos em uma parte ainda

introdutria do The Lake as a Microcosm:

Esses lagos fluviticos so importantes campos de cultivo e reservatrio de vida,

especialmente por serem protegidos da sujeira e veneno das cidades e fbricas, pelos quais

as guas que fluem pelo estado [Illinois, EUA] se tornam, anualmente, cada vez mais

profundamente poludas.a (Forbes, 1887;p.538)

a These fluviatile lakes are most important breeding grounds and reservoirs of life, especially as they are protected from the filth and poison of towns and manufactories by wich the running waters of the state (Illinois, EUA) are yearly more deeply defiled. (Forbes, 1887)

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Figura 1- Ilustraes concebidas por Ernst Haekel (a, b e c). Haeckel e um provvel ajudante de trabalhos de campo (d).

b

d

a

c

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Agora voltemos pergunta fundamental de seu clssico e de como esta inaugura

no s a ecologia, mas uma idia que mais tarde invadiria a noo do homem sobre a vida,

a fsica propriamente dita e a ecologia. Forbes foi extremamente laborioso em encaixar suas

observaes e dados no arcabouo terico da teoria evolutiva vigente, dando importantes

contribuies sobre a natureza da adaptao, as causas da variao e a origem e extino

das espcies. O autor aceitava os argumentos de Darwin da evoluo pela seleo natural,

mas falhou ao tentar responder questo do clebre naturalista sobre como a luta pela

existncia produz o que pode ser definido como um mundo bem-regulado, onde as

populaes se mantm prximas a uma estabilidade de ano a ano. (Seria arriscado e no

pretendemos questionar a premissa de Darwin sobre a estabilidade, sendo fundamental,

entretanto, salientar sua semntica restrita a uma impresso de continuidade, sem sentido

matemtico e que pouco tem de aparentado com as noes de estabilidade desenvolvidas

posteriormente e sobre as quais falaremos mais frente). Forbes prope a seguinte

explanao nas ltimas linhas do seu The Lake as a Microcosm (consideramos

fundamental a manuteno dos trechos at aqui apresentados e de alguns prximos em sua

forma ntegra e lngua original, j que alguma tentativa de traduo poderia alterar sua

semntica exata. Acrescenta-se a isso o carter histrico e o ingls antigo, que tornam ainda

mais importante a integridade das passagens):

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b(...) Em um sistema onde a vida o bem universal, mas no qual a destruio da

vida a ocupao mais prxima, uma ordem emerge espontaneamente e tende a manter a

vida constantemente no limite mximo, um limite maior, de fato, do que seria possvel na

ausncia desse conflito destrutivo. No h, nessa reflexo, uma base slida para um

crdito na beneficncia final das leis da natureza orgnica? Se o sistema da vida como

um balano harmonioso de conflitos de interesses, no podemos acreditar em um resultado

onde o ajustamento espontneo seja auxiliado pelo esforo inteligente, pela simpatia e pelo

auto-sacrifcio, como nas relaes humanas?

Fica clara a estratgia teleolgica de Forbes, que usando de idias de harmonia

existentes j antes de Darwin, constri uma hiptese baseada em uma vontade divina,

metafsica. A idia de teleologia remete noo de finalidade, algo visto como um

problema quando tenta-se trabalhar luz da cincia. Um fenmeno, dentro da concepo

cientfica no pode acontecer para alguma finalidade. Mayr (1997, 2004) chama ateno

para o fato dos argumentos teleolgicos serem um problema no entendimento da biologia.

A prpria metafsica de Kant, ao tentar explicar o fenmeno da vida, caiu em argumentos

teleolgicos Mayr (1997, 2004). Mas a quantas andava a estrutura do conhecimento nessa

poca? Como podem as ltimas linhas de um trabalho dito inaugural na ecologia estar to

defasado, do ponto de vista epistmico, para sua poca? Por outro lado, como um cientista

naquela poca poderia se portar diante da complexidade impressionante da natureza do

ponto de vista da ecologia? No havia um corpo de informaes suficiente para a

- 31 -

elaborao de experincias ou construes matemticas formais. Forbes foi um dos

primeiros a arriscar chafurdar os ps no pntano do conhecimento ecolgico. Na

impossibilidade de uma proposio terica formal ele props uma metafsica importada do

mundo perfeito de Descartes (isso fica claro com a sua noo de harmonia, perfeio das

leis da natureza orgnica e, at mesmo uma devoo, evidenciada por sua intuio de

divindade no equilbrio das foras que vira).

Como foi lembrado por Hutchinson (1965), muito difcil diferenciar a idia do

tangled bank de Darwin das idias de Forbes acerca da natureza. No ltimo captulo da

consagrada obra Origem das Espcies Darwin expressa a pantanosidade da natureza de

forma bela, como que tomado por uma comoo lrica:

interessante contemplar um tangled bank, vestido de muitas plantas de vrias

espcies, com pssaros cantando nas abbadas, com vrios insetos esvoaando ao redor, e

com minhocas rastejando atravs da terra mida, e refletir que essas formas construdas

primorosamente, to diferentes umas das outras e to dependentes umas das outras de

maneira to complexa (...). Existe uma grandeur nesta viso da vida, com seus mltiplos

poderes, tendo sido originalmente soprada pelo criador em poucas formas, ou em apenas

uma; e que, enquanto este planeta tm ciclado de acordo a lei fixa da gravitao, a partir

da simplicidade dessas formas sem fim, mais belas e mais maravilhosas que existem, tm

evoludo. (Darwin, 1859) c

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Figura 2- O Tangled Bank por Ernst Haeckel (a). A primeira rvore desenhada por Darwin (b).

a b

b (...) In a system where life is the universal good, but the destruction of life the well nigh universal occupation, an order has spontaneously arisen which constantly tends to maintain life at the highest limit a limit far higher, in fact that would be possible in the absence of this destructive conflict. Is there not, in this reflection, solid ground for a belief in the final benificence of the laws of organic nature? If the system of life is such that a harmonious balance of confliting interests has been reached where every other, may we not trust much to the outcome where, as in human affairs, the spontaneous adjustements of nature are aided by intelligent effort, by sympathy, and by self-sacrifice? (Forbes, 1887)

cIt is interesting to contemplate a tangled bank, clothed with many plants of many kinds, with birds singing on the bushes, with various insects flitting about, and with worms crawling through the damp earth, and to reflect that these elaborately constructed forms, so different from each other, and dependent upon each other in so complex a manner (...). There is a grandeur in this view of life, with its several powers, having been originally breathed by the creator into a few forms or into one; and that, whilst this planet hs gone cycling on according to the fixed law of gravity, from so simple a beginning endless forms most beautiful and most wonderful have been, and are being evolved.(Darwin, 1859)

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O tangled bank de Darwin de difcil traduo; primeiro por no haver um termo

ou expresso em nossa lngua que permita o perfeito entendimento da metfora, e segundo

porque que o mais importante seu significado conceitual. Darwin fez uma figura de

rvores filogenticas com ramos mortos e outros ainda existentes, que cobrem a superfcie

da terra de forma emaranhada. O termo tangle significa emaranhado. A figura 2a mostra a

verso pictrica de Haeckel para o tangled bank e a 2b a primeira rvore desenhada por

Darwin. importante notar que essa metfora tem significado evolutivo, j que representa,

em parte, um emaranhado de rvores filogenticas, e ecolgico, quando Darwin v vida ao

seu redor, relaes ecolgicas expressas de forma potica. A concepo de Haeckel

contempla o aspecto puramente ecolgico.

Mas voltemos a Forbes. Quando este prope a idia de que a vida mantida em seu

limite mximo, podemos nos lembrar de quando Liebniz, em sua impressionante

metafsica, nos dizia que ns vivemos no melhor dos mundos, j que Deus (crucial para o

equilbrio lgico de suas propostas) sendo perfeito, s nos permitiria viver, dentre todos os

mundos possveis, no melhor. E quando diz que a vida mantida em um limite superior do

que seria possvel na ausncia de foras destrutivas, nos induz s idias da sinergtica,

como veremos mais frente. E mais: ao dizer que uma ordem emerge espontaneamente

do caos aparente, faz uma aluso bastante clara do conceito de auto-organizao, como

tambm discutiremos frente. Ao chegar ao final deste texto, o leitor entender o quo

longe Forbes foi. E isso tudo baseado em dados descritivos! Em uma poca onde o

vitalismo ainda era considerado na explicao dos fenmenos vivos. Ento nos

questionamos, impressionados, e, sem desrespeitar o papel fundamental da experincia, do

empirismo fundamental de Locke, reverenciamos toda a forma de racionalismo. Podemos

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enxergar um efeito sinrgico entre o racional e o experimental. Uma cincia que possui os

dois ser mais efetiva do que duas outras cincias que s possuam um deles, e o resultado

da soma dos dois maior do que o esperado pela soma de ambos separadamente.

O que podemos ento, extrair de um dos primeiros aventureiros desse pntano?

Uma metafsica plagiada dos racionalistas? Um banco de dados de observaes de um

naturalista? De forma alguma! Se a ecologia , ainda hoje, uma cincia jovem, naquela

poca era um embrio em seus estgios iniciais. Podemos dizer que este embrio formado

por um gameta, que carrega em si a bagagem das idias de Darwin e um outro que o

seguinte insight que prova o gnio de Forbes:

d uma proposio auto-evidente considerar que uma espcie no pode manter-se

continuamente, ano aps ano, a no ser que sua taxa de reproduo, ao menos, se iguale

sua taxa de morte. Se esta predada por outras espcies, ela deve produzir, regularmente,

um excesso de indivduos para destruio, ou, ao contrrio, desapareceria. Por outro lado,

a espcie dependente [um predador], evidentemente, no pode se apropriar, em mdia,

mais do que o excesso de indivduos dos quais ela preda, j que pelo contrrio, ela

diminuiria continuamente seu prprio suprimento de comida, e, indireta, mas certamente,

exterminaria a si mesma. Os interesses de ambas as partes ser, conseqentemente, melhor

contemplado por um ajustamento nas suas taxas de multiplicao (...). Ns podemos

concluir que realmente h uma comunidade de interesses entre estes aparentemente

adversrios mortais. E, adicionalmente, notamos que este interesse comum promovido

pelo processo de seleo natural; para como grande tarefa neste processo, eliminar o

menos apto (...).

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Este trecho deixa claro que Forbes chegou idia de um balano predador-presa

usando de raciocnio puro. No havia ainda, nessa poca, uma evidncia emprica ou um

experimento que indicasse que tal balano ocorresse. A fora dessa inferncia verbal

tambm foi notada por McIntosh (1987). Devemos ressaltar que auto-evidente a definio

de axioma. Forbes prope que o balano predador-presa axiomtico.

A parte em negrito foi posta em evidncia originalmente pelo autor. Essa comunidade de

interesses se refere a interesses comuns. Esse conceito o clmax do artigo, era aonde o

autor queria chegar. A nossa metfora dos gametas torna-se mais robusta com o seguinte

trecho, que corresponde ao penltimo pargrafo (que de fato sua grande concluso antes

de se entregar a explicaes de ordens divinas):

Two ideas are thus seen to be sufficient to explain the order evolved from this seeming

chaos; the first that of a general community of interests among all the classes of organic

beings here assembled, and the second that of beneficent power of natural selection which

compels such adjustments of the rates of destruction and of multiplication of the various

species as shall best promote this common interest.

Neste trecho ressaltada a idia de interesses comuns, alm do papel da seleo

natural como promotora de ajustes obscuros que permitem a existncia e permanncia

desses interesses comuns. Fica transparente a idia de uma ordem que aparece de um

caos aparente, e as explicaes so um misterioso interesse comum e um poder

- 36 -

beneficente da seleo natural sustentando e otimizando esta estrutura conceitual. Quando

colocada a idia de um interesse comunitrio a partir do raciocnio do balano entre

predadores e presas, destruio e multiplicao, percebemos ao mesmo tempo uma

nebulosidade e uma intuio sobre o que a vida. O interesse de ambas as partes

(predador e presa) continuar existindo. Charles Darwin atribua natureza biolgica

que vira leis responsveis pela sua existncia e manuteno. Essas leis so: crescimento e

reproduo; a hereditariedade (promovida pela reproduo); a variabilidade de caracteres e

taxas de crescimento elevadas o bastante para promover a luta pela sobrevivncia, que sob

a ao da seleo natural, promove a divergncia de caracteres e a extino de formas

menos aperfeioadas (Darwin, 1859).

Interessante notar que tanto Forbes quanto Darwin assumiam a luta, mas viam

nesta a produo de uma harmonia. Poderamos chamar a isso de um paradoxo da

harmonia, onde foras no-cooperativas e em embate eterno (sempre lembrando que a

luta no tem significado estritamente literal, ou seja, competidores no precisam se

encontrar fisicamente para estarem lutando pela existncia) produzem ordem e harmonia.

A dualidade luta-harmonia foi tambm notada por Hutchinson (1965), em uma obra

extremamente tcnica e ao mesmo tempo lrica: The Ecological Theater and The

Evolutionary Play. O prprio ttulo da obra (que ser melhor discutida mais frente)

demonstra as aspiraes estticas e artsticas do pai da ecologia.

d It is a self-evident proposition that a species can not maintain itself continously, year after year, unless its birth-rate at least equals its death-rate. If it is preyed upon by another species, it must produce regulary an excess of individuals for destruction or else it must certainly dwindle and disappear. On the other hand, the dependent species evidently must not appropriate, on a average, any more than the surplus and excess of individuals upon wich it preys, for if it does so it will continuously diminish its own food supply, and thus indirectly but surely exterminate itself. The interests of both parties will therefore be best served by an adjustment of their respective rates of multiplication (...) We thus see that there is realy a close community of interest between these two seemingly deadly foes. And next we note that this common interest is promoted by the process of natural selection; for it is the great office of this process to eliminate the unfit.(...) (Forbes, 1887).

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Analisemos melhor essas idias: no existe uma colaborao ou cooperao

entre as espcies (na viso dessa colocao de Forbes e na idia de lutade Darwin); o

interesse comum nada mais do que um ponto de equilbrio entre as foras de

destruio e multiplicao.

Podemos ir ainda mais longe ao colocar que Forbes (e at certo ponto Darwin)

entenderam que so possveis interesses comuns a foras antagnicas, sendo este um

claro sinal de sua intuio sobre o que viriam a ser os jogos em sistemas no

cooperativos. Chegamos aqui a uma abordagem diferente: a de que o substrato de anlise

pode ser considerado um jogo.

Mais precisamente um jogo no-cooperativo. Von Neumann & Morgenstern (1944)

(apud. Nash, 1950) desenvolveram originalmente as bases gerais da teoria dos jogos,

concentrando-se essencialmente em jogos cooperativos, com aplicaes limitadas para a

economia (muito embora a inteno fosse largas aplicaes).Este tipo de jogo prev

coalizes e os jogadores muitas vezes conhecem as estratgias uns dos outros. Poucos anos

depois, Nash (1950) prope uma teoria que produz uma contradio com a original: os

jogos no-cooperativos, onde n-jogadores so motivados por interesses prprios e

desconhecem as estratgias dos oponentes, sendo as coalizes ausentes. O exemplo mais

ilustrativo deste tipo de problema est no dilema do prisioneiro (Luce & Raiffa,1957

apud. Riechert & Hammerstein (1983)), um jogo onde dois participantes desconhecem as

estratgias alheias e as decises de confessar ou calar-se produzem destinos

extremamente diversos para os oponentes. O ingrediente bsico desta teoria est na noo

- 38 -

de um ponto de equilbrio, onde h uma contemplao equitativa entre todas as partes

(Nash, 1950).

O interesse comum de Forbes faz sentido em um mbito mais geral do problema, que

advm de uma noo de equilbrio promovido pelas foras seletivas. No entanto,

reconhecemos que o mbito conceitual de predador-presa no envolva interesses comuns,

mas sim, do ponto de vista dos indivduos, uma independncia de interesses.

No demorou muito para que fosse fundada uma linha terica de aplicao da teoria

dos jogos na biologia, a partir de Nash (1950). O estudo de Smith & Price (1973) inaugura

as aplicaes da teoria dos jogos na biologia, sob o nome de teoria evolucionria dos

jogos (evolutionary game theory). Nas duas ltimas dcadas, estudos ecolgicos

envolvendo a teoria dos jogos aparecem em diferentes mbitos da ecologia, notadamente

em relaes predador-presa (Iwasa, 1982; Hugie & Dill, 1994; Sih, 1998; Bouskila,1995;

Bouskila, 2001) e seleo sexual (Roughgarden et al. 2006; McNamara et al. 2006; Akay

& Roughgarden, 2006).

Sobre Sthephen Forbes podemos extrair as seguintes concluses:

1) Forbes intuiu uma semntica de balano entre multiplicao e destruio que

alimentaria as futuras matematizaes que ocorreriam a partir da dcada de 1920 para a

competio e relaes predador-presa;

2) Conseguiu um esboo terico com conceitos protoecolecolgicos fortemente ligados s

idias evolucionistas;

- 39 -

3) Sua idia de interesses comuns, muito embora negligenciada, foi proftica e reapareceu

quase um sculo depois com a abordagem das relaes predador-presa sob o vu conceitual

da teoria de jogos;

4) Fica subliminar uma noo de ordem a partir da desordem, idia que apareceria com

mais clareza em Schrdinger (1944) no livro intitulado What is life? (O que a vida?).

Como vemos, temos de fato um pntano de idias para uma paisagem que de to

rica torna-se rida para o pensamento. A ecologia d os seus primeiros passos (ou sofre

suas primeiras mitoses) sob uma atmosfera de poesia (o texto de Forbes uma poesia para a

natureza) e mistrio. Que futuro pode ser reservado a esse filho mestio de um dos maiores

monumentos do conhecimento humano (a teoria de Darwin, que um experimento em si

mesma, mas ao mesmo tempo parcialmente tautolgica) e de insights profticos e carentes

de uma estrutura formal mnima (The Lake as a Microcosm) de um velho naturalista

brilhante e de pensamentos aventureiros de Illinois que alavancaram a cincia da ecologia?

4- George Evelyn Hutchinson (figura 3)

Temos em Hutchinson (1965) um compndio da vasta contribuio desse autor para

a ecologia, principalmente no que tange s idias acerca do conceito de Nicho Ecolgico

luz da evoluo das espcies. Da obra de Hutchinson como um todo, podemos,

- 40 -

grosseiramente, discernir duas correntes conceituais principais que so oriundas das duas

seguintes perguntas:

4.1- Pergunta de Hutchinson nmero 1:

Por que existem tantos tipos diferentes de espcies e qual a diferena mnima

entre duas espcies semelhantes para que essas no ocupem o mesmo nicho? (Hutchinson,

1959);

Esta pergunta (mais precisamente suas respostas) trouxe avanos inestimveis e

tambm grandes problemas. McArthur (1955) se utilizando engenhosamente da teoria da

informao e de trabalhos pretritos, inova com a noo de que mais ligaes trficas em

uma comunidade a tornaria mais estvel, deixando vestgios conceituais que ainda hoje

alimentam o chamado diversity stability dabate (o debate sobre diversidade-estabilidade).

Em seu Homage to Santa Rosalia, Hutchinson considera os argumentos de McArthur

como premissa e desencadeia o seguinte raciocnio: maior diversidade leva a maior

estabilidade, sendo assim, comunidades mais diversas teriam mais chances de persistir pelo

fato de serem mais estveis (Hutchinson, 1959), o que obviamente tautolgico. Uma

importante evidncia emprica na poca foi o estudo de Elton (1958) (apud. Hutchinson,

1959), que conclua que em comunidades mais diversas, as introdues de espcies

invasoras eram dificultadas.

Esta discusso se d luz do conceito moderno de nicho ecolgico. Hutchinson, j

preocupado com a questo do paradoxo do plncton, vem com a sada: (...)[the] problem

as to how much difference between two species at the same level is needed to prevent them

- 41 -

from occupying the same niche.(...). O autor mede, ento, caracteres mtricos relacionados

ao aparato de alimentao de certos animais com nichos (alimentares) semelhantes em

simpatria e alopatria e chega a uma razo de aproximadamente 1.28-1.3 quando em

simpatria. Esse resultado expressa uma idia que fora observada antes notadamente por

Brown & Wilson (1956) e Lack (1947), conhecida por divergncia de caracteres. O fato da

existncia da divergncia bastante claro e demonstrvel empiricamente, mas a taxa de

Hutchinson tomou uma semntica de regra, lei, e esse status foi severamente criticado,

especialmente no turbilho ideolgico da ecologia que ocorreria na dcada de 1980 como

discutiremos mais frente.

A idia de nicho no foi inveno de Hutchinson. A intuio, ou mais, a constatao

de que espcies ocupam lugares em um ecossistema j era conhecida preteritamente. Mas

esses lugares no tinham a complexidade conceitual que foi concebida por Hutchinson, e

sim o sentido de habitat (Grinnell, 1917) ou um termo no-tcnico com sentido de um

espao abstrato que podia estar ocupado ou vazio (Kingsland, 1991). Joseph Grinnell

conclui seu artigo clssico com a seguinte colocao:

It is, of course axiomatic that no two species regulary established in a single fauna

have precisely the same niche relationships.

A meno ao axioma foi grifada aqui propositalmente. Observemos a audcia do

autor em atribuir tal status epistemolgico suas observaes de naturalista

(reconhecidamente brilhante, diga-se de passagem). Sua idia de no-sobreposio o

embrio do princpio da excluso competitiva, desdenhado por Elton (Hardin, 1960) e

formalizado mais tarde por Gause (1935). Organizemos essas idias em trs sentidos:

- 42 -

1) Grinnell, um naturalista especialista em aves e mamferos, percebeu e transmitiu

com clareza a semente da excluso competitiva baseada na noo de nicho.

Adicionalmente, o autor se detia a estudos descritivos, tendo pouca inclinao a

experimentaes (Hutchinson, 1978 apud. Kingsland, 1991);

2) Com sua alma de naturalista, possua uma noo de habitat que contemplava

diversas variveis (biticas e abiticas), de fato multidimensional. Sendo assim, mesmo que

no ficasse claro um nicho conceitualmente elegante em sua obra, contestamos Kingsland

(1991) no sentido de considerar o nicho de Grinnell um protonicho, mais espacial do que

qualquer outra coisa;

3) Grinnell subjulgou a biologia epistemologicamente quando coloca seu axioma

em uma poca que a fsica florescia de uma forma que no mais se repetiu no sculo XX.

(na verdade houve um florescimento to revolucionrio quanto a Mecnica de Newton, a

Relatividade de Einstein, ou os primrdios da Fsica Quntica, a partir de Ilya Prigogine e

colaboradores na segunda metade do referido sculo, mas o leitor dever seguir mais

algumas pginas para descobri-lo).

Temos aqui o primeiro grande problema da ecologia: a falta de formalismo

epistemolgico. Notem a cadeia de raciocnio da teoria ecolgica vigente na poca:

1- A excluso competitiva um axioma;

2- Sendo assim, duas espcies no podem ocupar exatamente o mesmo nicho;

- 43 -

3- O fato de no poderem ocupar um mesmo nicho reforado empiricamente pela

divergncia de caracteres e as no-sobreposies de nicho (espao-temporal) observadas na

natureza por McArthur, Lacke e Gause (evidncias que contemplam tanto o mbito

populacional como comunitrio);

4- Hutchinson formaliza a idia de nicho e procura regras aritimticas para a

divergncia de caracteres (a razo 1,3 da simpatria de espcies semelhantes);

5- Hutchinson continua aceitando o carter axiomtico da excluso competitiva,

soma a isso a divergncia de caracteres e a idia da diversidade/conectividade-estabilidade,

e explica a diversidade das espcies com um argumento circular.

Quanto tautologia referida no ltimo tpico temos a seguinte passagem original do

Santa Rosalia:

Modern ecological theory therefore appears to answer our initial question at least

partially by saying that there is a great diversity of organisms because communities of

many diversified organisms are better to persist than are communities of fewer less

diversified organisms. ()

4.2- Pergunta de Hutchinson nmero 2:

Como explicar o Paradoxo do Plncton, que afronta o to arraigado axioma da

excluso competitiva? (Hutchinson, 1941, 1961, 1965).

- 44 -

A segunda pergunta deflagrou silenciosamente uma verdadeira revoluo sobre

como a natureza ecolgica poderia funcionar. A divergncia de caracteres, a no

sobreposio de nicho espao-temporal e a importncia do comportamento na paisagem

adaptativa assumiam um corpo terico que tem seu marco no Homage to Santa Rosalia.

O artigo representou uma sntese que intencionava explicavar a diversidade e a abundncia

das espcies ecolgica e evolutivamente. Muito embora a construo conceitual fosse

relativamente slida e explicasse uma srie de fenmenos, havia um fenmeno em

particular que contradizia a premissa bsica da excluso competitiva e criou o conceito do

at hoje conhecido (e desafiante) paradoxo do plncton.

Ao se perguntar como poderiam numerosas espcies de fitoplncton coexistirem

com poucos e semelhantes requerimentos (nutrientes bsicos e luz), deu incio a uma saga

que at hoje desafia eminentes eclogos afeitos matemtica.

Figura 3- George Evelyn Hutchinson

- 45 -

5- A Dcada Mgica da Ecologia e Seus Desdobramentos

Atribui-se ao ano de 1905, o ano milagroso de Einstein, tendo o clebre fsico

apresentado ao mundo sua Teoria da Relatividade Restrita entre outros avanos que

conferiram fsica da poca um avano de quase meio sculo. O mesmo podemos dizer da

dcada de 1920 para a ecologia. A principal diferena que Einstein foi conclusivo quanto

ao efeito fotoeltrico e a equivalncia de matria e energia, enquanto os eclogos dos anos

de 1920 deram incio a caminhos que continuariam e amadureceriam com o tempo.

Talvez seja um tanto arriscado delinear uma dcada de ouro para a ecologia, mas

a histria dessa cincia nos leva a acreditar fortemente na importncia da dcada de 1920

para sua constituio. Foi um momento singular, que merece ser eternamente lembrado

como o incio da matematizao de abundncias populacionais com formalismo e intuio

ecolgica, e o do surgimento dos embries da idia do que seria mais tarde a trofo-dinmica

(Lindeman, 1942) . Essa linha de homens afeitos tanto matemtica quanto ecologia

proporcionou o incio de uma saga que tm seu pice com Sir Robert May na dcada de

1970. Ressaltamos Lotka (1925) como o maior representante dessa revoluo. Seus

desdobramentos permitiram o advento do estudo do caos na ecologia, o que seria decisivo

para o futuro dessa cincia.

O comportamento catico em ecossistemas tem sido recentemente assunto de

popularidade crescente no mbito da matemtica, ecologia e cincias biolgicas em geral. O

aspecto mais atraente das dinmicas caticas o fato de modelos determinsticos simples

gerarem oscilaes de aspecto errtico sem a influncia de intervenes estocsticas externas

(May, 1976). Tais dinmicas exibem extrema sensibilidade a condies iniciais e apresentam

- 46 -

decrscimo de previsibilidade proporcional ao tempo transcorrido de uma dada histria,

podendo-se assumir uma imprevisibilidade do comportamento no longo prazo (Moon, 1987).

Desde os achados de Sir Robert May na dcada de 1970 (May, 1976; May, 1974),

modelos matemticos tm demonstrado que dinmicas caticas podem ser geradas por

diversos mecanismos ecolgicos, incluindo a competio por recursos limitantes (Huisman &

Weissing 1999; Huisman et al. 2006), interaes predador-presa (Gilpin, 1979; Vandermeer,

1993) e funcionamento de cadeias trficas (Hastings & Powell, 1991; Van Nes & Scheffer,

2004). Contrastando com os importantes avanos tericos, demonstraes convincentes da

ocorrncia de caos na natureza so extremamente raras (Zimmer, 1999). As principais

dificuldades encontradas para a deteco de caos na natureza so a obteno de sries

temporais suficientemente grandes, rudo amostral (em virtude de erros intrnsecos

obteno de dados com tcnicas de campo) e variabilidades externas de carter estoctico

(como flutuaes nas condies ambientais) que obscurecem o papel real das interaes entre

espcies. A favor das dvidas sobre a ocorrncia de caos na natureza esto as evidncias de

que cadeias trficas possuem ligaes fracas entre seus elementos, o que resulta na

estabilizao das dinmicas de seus componentes (McCann et al. 1998; Neutel et al. 2002).

Experimentos ecolgicos em laboratrio apresentam condies favorveis obteno

de dados de boa resoluo sob condies controladas e tm indicado a ocorrncia de

comportamento catico, contribuindo para a complementao emprica dos j existentes

indcios tericos (Beninc et al. 2008). O comportamento catico tem sido demonstrado

experimentalmente para a dinmica de espcies isoladamente (Ellner & Turchin, 1995;

Costantino et al. 1997), uma cadeia trfica microbiana de trs espcies (Becks at al 2005),

bactrias nitrificantes em um bioreator de tratamento de esgotos (Graham et al 2007) e um

- 47 -

experimento de longo prazo com diversos grupos de organismos planctnicos (Beninc

2008).

A idia de que as dinmicas de comunidades naturais so intrinsecamente caticas

baseada nos resultados tericos de modelos simples quando comparados complexidade real

da natureza. Reconhecidamente, dinmicas caticas podem surgir de uma variedade de

interaes trficas, como um consumidor se alimentando de duas espcies de presas

competindo entre si (Vance,1978; Gilpin, 1979; Takeuchi & Adachi, 1983), dois

consumidores explorando separadamente duas presas que competem entre si (Alekseev &

Kornilovsky, 1985; VanderMeer, 1993) e um predador no topo de cadeias trficas simples

lineares (Kuznetsov & Rinaldi, 1996; DeFeo, O. & S. Rinaldi, 1998; Hastings & Powell,

1991). Muito embora essas relaes possam produzir resultados complexos, estes s so

observados em uma faixa restrita de um gradiente de parmetros. Em virtude de tais fatos,

muito difcil extrapolar esses padres para cadeias trficas em geral. No entanto, ao

considerarmos uma regra geral inspirada em sistemas fsicos, poderamos reforar a

conjectura de o caos ser inerente a sistemas trficos: sistemas que contm interaes de

oscilaes podem facilmente exibir comportamento catico (Rogers, 1981; VanBuskirk. &

Jeffries, 1985). A partir deste argumento, seria razovel aceitar o carter intrnseco do caos

em diversos mbitos da ecologia onde as partes de sistemas complexos apresentam

oscilaes.

Ao analisarmos, no entanto, a topologia de sistemas trficos, nos deparamos com um

cenrio diferenciado. De forma geral, so considerados sistemas trficos lineares, de acordo

com a viso de uma cadeia e no de uma teia trfica. Ao adicionarmos espcies onvoras,

ou seja, que consomem presas em mais de um nvel trfico, observamos uma tendncia de

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bifurcaes reversas em todas as espcies envolvidas, conferindo um padro geral de

oscilaes menos drsticas e eliminao do caos (Mccann & Hastings,1997).

Podemos concluir que os ltimos anos tm revelado a presena de dinmicas caticas

em interaes ecolgicas, sobretudo nas interaes trficas. Com muitas ressalvas, surge a

idia de uma inerncia do caos na ecologia e at mesmo a possibilidade do caos ser uma

necessidade ecolgica (Gross, 2005). Ao lidarmos com sistemas complexos, no seria

surpresa encontrarmos dialticas e ambigidades, como no caso da inerncia ou no do caos

na ecologia, mas possivelmente tais contradies so necessrias para o melhor entendimento

de uma paisagem conceitual to pantanosa.

Sendo a ecologia uma cincia altamente complexa, j seriam de se esperar

ambigidades latentes. Citemos duas delas: o paradoxo do plncton (Hutchinson, 1961) e o

paradoxo do enriquecimento (Rosenzweig, 1971). O primeiro baseado no fato de muitas

espcies de fitoplncton comumente coexistirem tendo em comum poucos nutrientes

limitantes, o que contradiz o princpio da excluso competitiva, que prev que espcies

competindo exatamente pelos mesmos recursos no podem coexistir (Hardin, 1960). O

segundo paradoxo aponta para colapsos de sistemas muito enriquecidos por nutrientes,

fazendo uma aluso ao processo de eutrofizao artificial que ameaa crescentemente a

integridade de sistemas aquticos e terrestres no mundo todo, especialmente em pases em

desenvolvimento.

Hutchinson (1961) apresentou uma primeira hiptese para explicar tal paradoxo: (...)

I put forward the idea that diversity of the phytoplankton was explicable primarily by a

permanent failure to achieve equilibrium as the relevant external factors changed. Notamos

que, intuitivamente, o autor j percebia a importncia do no-equilbrio na manuteno da

estrutura de tais sistemas complexos. O caos determinstico foi recentemente utilizado como

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ferramenta para a explicao do paradoxo do plncton por Huisman & Weissing (1999), que

argumentam que as trajetrias complexas de diversas espcies simptricas reduzem a

probabilidade de sincronia e permitem a coexistncia, mesmo sob os mesmos fatores

limitantes (Figura 4). Surge aqui um espao para um questionamento sobre a teoria de nicho

ecolgico: ao invs de ocorrer uma no sobreposio de nichos (entenda-se o nicho neste

caso como a utilizao desses determinados nutrientes pelo fitoplncton, muito embora o

nicho ecolgico de uma espcie englobe outras variveis abiticas e biticas) o corre uma

no sobreposio de trajetrias. Podemos aqui, conjecturar sobre a importncia da

heterogeneidade numrica das trajetrias, que pode ser medida pela Entropia de Shannon,

mesmo ndice utilizado pelos bilogos para medir a diversidade de espcies (conhecido como

ndice de Shannon).

Da mesma forma que a mecnica clssica falha ao explicar fenmenos em escala

micro ou nanomtricas, o conceito de nicho falha ao ser aplicado ao plncton. Nada pode

superar o tecido espao-temporal em um hierarquia de importncia de variveis. Para que

um dado fenmeno ocorra, faz-se necessria a presena objeto observado na malha do

espao-tempo.

No caso de seres vivos com tempos de gerao mais altos como mamferos, aves

e rvores, observamos frequentemente padres de no-sobreposio espao-temporal.

Citemos o exemplo mais clebre e fundamental, o estudo de McArthur (1958).

No estudo clssico de MacArthur (1958), o autor demonstra empiricamente que

tempo, espao e comportamento so utilizados por cinco espcies de um mesmo gnero de

ave (Dendroica) e permitem sua simpatria em pequena escala a despeito de suas

semelhanas morfolgicas e requerimentos (close related species). No sentido de

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comprovarmos nosso argumento em relao a importncia do espao-tempo, selecionamos

a seguinte passagem de McArthur (1958, pgina 617):

For the five species of warbler considered here, there are three quite distinct

categories of different factors which could regulate populations. Different factors can

mean different resources, the same resources at different places, or the same resources at

different times. ()

Consideremos que as mltiplas posies que um pssaro, seus ninhos e seus

alimentos podem tomar em uma rvore na escala convencional das rvores e dos pssaros.

Imaginemos agora as rvores estudadas por MacArthur sendo reduzidas escala de

micrmetros. Nesta escala, os volumes se tornam proporcionalmente muito menores em

relao s superfcies, e sendo assim, para um dado volume, o nmero de stios de interesse

se torna proporcionalmente astronmico, a tal ponto que uma sobreposio se torna muito

pouco provvel (embora no impossvel). Esse insight espacial aliado aos reduzidos tempos

de gerao ludibria uma possvel sobreposio espao-temporal e com isso a excluso

competitiva passa a no fazer sentido.

Notemos que esse argumento no tenta de forma alguma questionar o princpio da

excluso competitiva, mas sim propor que a noo de nicho faz pouco sentido em escalas

to pequenas como as do plncton.

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Figura 4- Extrado de Huisman & Weissing (1999). Em (a )as trajetrias errticas de diferentes espcies de populaes tericas de fitoplncton. Em (b) o espao de fases de 3 das espcies consideras mostrando comportamento de atrator estranho(strange atractor), sintomtico da ocorrncia de comportamento catico.

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Outro problema altamente intrigante o paradoxo do enriquecimento (Rosenzweig,

1971). Este pode ser contradito quando se considera o caos espao-temporal em simulaes

computacionais (Petrovskii et al. 2004). Em outras palavras, quando considerado o espao e

uma potencial heterogeneidade no fluxo das populaes envolvidas nas relaes trficas, o

colapso esperado no ocorre.

Outro exemplo do papel contrutivo do caos descrito por Allen et al. (1993). Ao

considerar populaes modeladas a partir do mapa logstico com possibilidade de imigrao

e emigrao entre si, observa que o incremento nas taxas de crescimento das populaes

(parmetro de controle) aumenta as probabilidades locais de extino (populaes

individuais), enquanto que globalmente (a metapopulao), as chances de colapso so

reduzidas.

Diante do panorama atual do caos determinstico na ecologia, possvel aceitar no

s a presena do mesmo na natureza, como tambm inferir sobre seu papel construtivo e

fundamental. J em 1887, Stephen Forbes se perguntou como poderia haver uma aparente

harmonia diante de to complexas relaes de predao e competio, criao e destruio.

Surgia a uma dialtica, um paradoxo da harmonia, que nos remete ao processo de ordem a

partir da desordem. A ecologia ainda se apresenta muito arraigada idia do equilbrio e da

estabilidade e equilbrio, que ainda um reflexo tardio da revoluo cientfica ocorrida a

partir do Renascimento que foi consolidada com a fsica newtoniana.

Como bem lembrou G. E. Hutchinson em seu The Lacustrine Microcosm

Reconsidered (reimpresso em Hutchinson (1965), Ecological Theater and The Evolutionary

Play), tanto Forbes quanto Darwin aceitavam a luta mas entendiam que ela produzia

harmonia. Hutchinson termina sua visita ao microcosmo de Forbes lembrando a enorme

diversidade existente desde partculas sub-atmicas at artefatos humanos e fazendo uma

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referncia obra de Mozart em sol menor para piano e cordas (Hutchinson, 1965; p.120).

Esta uma boa forma de demonstrar que complexidade e harmonia podem coexistir e se

alimentar mutuamente.

6- Em busca de Leis Ecolgicas

6.1- A lei do crescimento exponencial ou a inrcia populacional

No uso cotidiano, o termo inrcia nos d a idia de algo parado, inerte, sem

movimento. Bom, um corpo pode estar prximo velocidade da luz, mas sem que haja

foras agindo sobre ele, temos a inrcia no sentido conceitual fsico de Newton. Mais

precisamente temos a primeira lei de Newton, onde na ausncia de foras atuantes, um

corpo (macroscpico) se mantm em movimento retilneo uniforme.

Mas voltemos s origens. Lotka (1925:64-65) props sua Lei do Crescimento

Populacional da seguinte forma:

Mais recentemente, Ginzburg (1986; apud. Turchin, 2001) publicou um trabalho

onde faz uma analogia entre o crescimento exponencial e a primeira lei de Newton. O

mesmo autor se referiu a abordagem como the inertial view (o ponto de vista inercial).

Usar de analogias na cincia , de fato, algo muito perigoso e requer uma eterna

vigilncia, mas mesmo conceitos bem fundamentados na cincia, como calor, energia de

NFdtdN

- 54 -

uma forma geral e fora no so perfeitamente tangveis do ponto de vista do conhecimento

(epistemolgico). A idia de calor, por exemplo, uma abstrao de um fenmeno

recorrente que necessita de uma forma para poder preencher um corpo conceitual (no

caso especfico aqui, o da termodinmica).

A vida de fato muito complexa, mas h uma propriedade que a difere dos seres

inanimados que so sua reprodutibilidade e um algo no-tangvel que uma espcie de

mpeto. A ltima frase nos faz cair em uma armadilha equivocada que levaria-nos a cair

nos argumentos do antigo vitalismo.

Nas palavras de Mayr (2004, pgina 37): A natureza da vida, a propriedade de

estar vivo, sempre foi um enigma para os filsofos. Descartes tentou resolv-lo

simplesmente ignorando-o. Ernst Mayr prope que a refutao do vitalismo foi um dos

eventos que permitiu a construo de uma cincia biolgica autnoma. Para os vitalistas os

organismos eram controlados por uma fora invisvel, definida pelo termo alemo

Lebenskraft, que significa fora da vida, ou no latim vis vitalis. Esta era uma fora

misteriosa, oculta, assim como era a gravidade de Newton. Como o prprio Newton

reconhecia, essa fora era um enigma, a despeito das impressionantes previses que o

conjunto matemtico-conceitual na qual estava inserida permitia. O vitalismo foi popular

do sculo XVII ao incio do sculo XX, mas falhou ao tentar explicar fenmenos do mundo

vivo de maneira experimental, e, em suma, nunca foi possvel demonstrar a existncia de

tal fora. Na nova biologia, a Lebenskraf tornou-se desnecessria, quando novas

ferramentas genticas e da biologia molecular conseguiam explicar mais convincentemente

o fenmeno da vida (Mayr, 2004).

Voltando questo da no tangibilidade de certas idias, temos em Mayr (1997,

pgina 25): irnico que os fisicalistas tenham atacado os vitalistas por invocarem uma

- 55 -

misteriosa fora vital e, ainda assim, em suas prprias explicaes [para a vida],

tenham usado fatores igualmente misteriosos como energia e movimentos . O

movimento fisicalista do sculo XIX trouxe avanos para os campos da citologia e botnica

atravs de Matthias Schleider que insistiu que as plantas so formadas inteiramente por

clulas e que todos os seus elementos estruturais altamente diversificados so clulas ou

produtos da atividade celular. Da mesma forma, Emil DuBois-Reymond desmistificou

alguns mistrios da fisiologia nervosa atravs de explicaes fsicas (eltricas) para o

funcionamento dos nervos. Adicionalmente, cientistas como Hermann Helmholtz e Carl

Ludwing tiveram papel de destaque na inveno de instrumentos cada vez mais sofisticados

para a realizao de medies precisas (Mayr, 1997). Controvertidamente, Mayr (1997)

argumenta que a despeito dos avanos conceituais e metodolgicos dos fisicalistas, esta

escola foi bastante ingnua e precipitada no entendimento dos processos vivos.

Toda essa complicao no entendimento da vida, do que a vida, ainda no foi

resolvida e, surpreendentemente, na fsica moderna da termodinmica e dos processos

auto-organizantes no lineares que respostas muito importantes tm sido dadas nos ltimos

anos (Murphy & ONeill, 1995), como veremos mais frente.

Dadas as imprecises epistemolgicas sobre a vida e a biologia, usemos de um

argumento matemtico simples: o da adio. A vida programada para continuar,

tanto do ponto de vista gentico como termodinmico (quando se mantm afastada do

equilbrio). Um ser vivo, potencialmente, d origem a outros seres vivos e o crescimento

exponencial descreve isso com clareza. Olhemos o crescimento exponencial de forma

desmembrada: uma funo de potncia sempre ser uma soma, e mais; todas as operaes

matemticas bsicas podem ser reduzidas ou descritas na forma de somas. A cada gerao

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de uma populao, seres so adicionados e subtrados, e assumindo uma populao

fechada, temos uma definio de alto status epistemolgico:

Temos que B o nmero de nascimentos e D o nmero de mortes. As letras b e d

correspondem a taxas per capta de morte e nascimento e r taxa per capta de mudana de

tamanho populacional. Falamos em status epistemolgico como uma medida da robustez

desta proposio matemtica. De fato, em uma populao fechada, a formulao acima

explica com perfeio o tamanho de uma populao hipottica, sem que para isso

precisemos formular experincias. A idia da inrcia de Newton j existia na estrutura de

conhecimento de Aristteles, onde o mesmo postulava que na ausncia de influncias

externas, o resultado seria um comportamento fsico semelhante ao de Newton. Tanto a

idia de uma lei de crescimento exponencial quanto a lei da inrcia de Newton so

resultados de especulaes, onde apenas suas conseqncias podem ser empiricamente

testadas (Turchin, 2001).

6.2- O problema das causalidades recprocas

Em lgica, chama-se de recproca a proposio obtida pela troca entre sujeito e

predicado de uma dada proposio e por inversa entende-se a negativa de uma proposio

rNNdbdNbNDBdtdN

- 57 -

deste tipo (Abbagnano, 1998). Causalidades recprocas so notadamente observadas nas

cincias polticas (Miller, 1999) e na ecologia (Bradley et al. 2006; Aquilino at al. 2005).

Por razes bvias nos concentraremos no ltimo caso. O paradigma da diversidade

biolgica um bom exemplo de reciprocidade, assim como a hiptese de Gaia. No entanto,

no precisamos ir muito longe para percebermos a dualidade causal nas relaes

ecolgicas. Nas relaes trficas em geral, quando consideramos duas espcies, temos que

uma espcie est em funo da outra e vice-versa. Temos em Bradley et al. (2006) o

seguinte questionamento: a diversidade de espcies causa ou conseqncia dos recursos

que limitam a biomassa de uma comunidade? O autor atribui status de paradoxo a esta

situao contrastante. O mais correto seria chamarmos tal contraste de tautologia.

A princpio podemos postular que alguns aspectos importantes da vida so

formulaes tautolgicas. A evoluo das espcies pela seleo natural, a explicao de

Hutchinson para a existncia de sistemas complexos tendo como causa a estabilidade dos

mesmos e a Hiptese de Gaia (Lovelock, 1979). Podemos reconhecer dois grupos distintos

de tautologias na ecologia: as que tm como mecanismo um processo seletivo e as que

envolvem causalidades recprocas em relaes ecolgicas. Das segundas temos o

paradigma da diversidade (Naeem, 2002) que analisaremos em seguida. A composio de

espcies fator causal para, certas variveis abiticas e o contrrio tambm vlido.

Considera-se de longa data que o nmero de espcies em uma comunidade est

ligada disponibilidade de recursos que a limitam (Darwin, 1859). Historicamente se tem

considerado a diversidade de espcies como varivel dependente de fatores biticos e

abiticos, onde se pergunta como a mesma varia em funo de gradientes de recursos e

paisagens de condies abiticas. Mais recentemente, uma perspectiva alternativa surge e

prope que a riqueza ou a diversidade de espcies varivel independente que regula a

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eficincia com a qual organismos capturam e convertem recursos em nova biomassa

(Bradley et al. 2006; Aquilino at al. 2005; Tilman, 1999; Loreau et al. 2000; Naeem 2002;

Hooper et al. 2005).

Temos em Naeem (2002) uma cuidadosa e robusta discusso a esse respeito. Ao

utilizar equaes heursticas, permite organizar essas idias confusas de forma didtica. O

autor prope, inicialmente, que a passividade da diversidade biolgica em face a outras

variveis contrasta com a viso emergente do papel ativo da diversidade sobre outras

variveis atravs das funes do ecossistema (ecosystem function), geram uma dialtica,

uma situao contrastante, que proporciona o surgimento de um paradigma (um paradigma

um tipo de modelo). viso tradicional atribuda a nomenclatura de Tese central da

ecologia de comunidades (Central thesis of community ecology, CTCE), que chamaremos

TCEC. O seguinte modelo heurstico definido (Naeem, 2002):

S = f(d, B, e, A, ) (1)

A letra S representa o nmero de espcies no equilbrio, que est em funo de d

(vetor da densidade de cada espcie), B (matriz de interaes biticas), e (vetor das

condies abiticas), A (matriz de varincia-covarincia das condies abiticas) e . O

parmetro representa um termo complexo que corresponde a eventos estocsticos, no-

linearidades e erros que impossibilitam a predio de distribuies com preciso acurada

(Naeem, 2002). De acordo com o autor, tal formulao possui fortes limitaes, j que

entende a biodiversidade como fator passivo, quando na verdade esta tambm possui papel

constitutivo sobre vrias das variveis as quais est submetida.

- 59 -

O paradigma emergente desse cenrio o Biodiversity-ecosystem function

paradigm (paradigma da biodiversidade-funo do ecossistema, PBFC), onde a

biodiversidade inteiramente explicada pela funo dos ecosystemas. Para tanto, toma-se a

equao anterior e postula-se que o vetor das variveis abiticas (e) definido a partir das

densidades das espcies (d), da matriz de interaes biticas (B) e do termo , como abaixo:

(2)

Podemos notar uma inverso latente. Notemos que a diversidade e dada por d e no por S.

A seguir temos a TCEC reescrita da seguinte forma:

(3)

O termo F representa uma funo especfica do ecossistema, como por exemplo,

seqestro de CO2, taxas de decomposio ou mineralizao de nitrognio. E finalmente F

definido como abaixo:

(4)

Onde f o vetor das abundncias de nutrientes (C, N, P, K, S) que ciclam entre as

formas orgnicas e inorgnicas, sendo P a matriz de transio entre as diferentes formas

e = f(d, B, )

S = f(F)

F = f(d, B, f, P, e, A, )

- 60 -

(orgnicas e inorgnicas). Em sntese, uma funo especfica do ecossistema (F) a funo

da biodiversidade (d, B), processos biogeoqumicos (f, P) e o ambiente abitico. Para

exemplificar, o autor sugere que a produo primria a funo das densidades das das

espcies fotossintticas (d), a matriz da interao entre elas (B), o contedo de nutrientes do

solo (f), as taxas de transio dos nutrientes entre estado orgnico e inorgnico (disponvel)

e os fatores covariantes de precipitao, insolao e temperatura (e, A). Este exemplo pode

induzir ao erro, j que assume as varveis abiticas como eventos estocsticos e alctones

ao sistema. Por exemplo, em um lago, a presena do fitoplncton pode, potencialmente,

atenuar a penetrao luminosa. Sendo assim, as variveis abiticas podem ser funo da

densidade de organismos presentes, e no somente fatores externos, estocsticos, que

independem da prpria biota presente. A equao 2 exprime tal exemplo.

Podemos notar que, se S definido como uma funo de F, e F definido como

funo das variveis tradicionalmente consideradas na tese tradicional com algumas

variveis adicionais que permitem contemplar os processos que definem a funo do

ecossistema, S continua sendo definido de forma semelhante anterior (TCEC). Podemos

expressar esta idia atravs da seguinte funo composta que faz um retorno idia original

da tese central da ecologia de comunidades:

(5)

S =f [ f(d, B, f, P, e, A, )]

- 61 -

Como vimos acima, tanto a tese convencional da ecologia de comunidades (TCEC)

quanto o rearranjo proposto por Naeem (2002) (PBFC) admitem uma srie de variveis

independentes que alimentam variveis dependentes, sejam elas a riqueza de espcies da

tese tradicional quanto a funo do ecossistema (F). A reformulao de Naeem (2002) no

resolve completamente o problema (como o prprio autor reconhece), pois mantm a