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IX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA FORÇAS ARMADAS E SOCIEDADE CIVIL: ATORES E AGENDAS DA DEFESA NACIONAL NO SÉCULO XXI ÁREA TEMÁTICA: Estudos Estratégicos O PAPEL DA ONU NA GRANDE ESTRATÉGIA DOS ESTADOS UNIDOS: um estudo da política externa e de segurança dos governos Bush (2001–2008) e Obama (2009–2016) Bruno Gomes Guimarães Doutorando do PPG em Estudos Estratégicos Internacionais — UFRGS Pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) Florianópolis, 6–8 de julho de 2016.

O papel da ONU na grande estratégia dos Estados Unidos · ... a sua concepção de legitimidade na ordem internacional, ativismo global, ... regionais de segurança. ... garante

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IX ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA

FORÇAS ARMADAS E SOCIEDADE CIVIL: ATORES E AGENDAS DA DEFESA NACIONAL NO SÉCULO XXI

ÁREA TEMÁTICA: Estudos Estratégicos

O PAPEL DA ONU NA GRANDE ESTRATÉGIA DOS ESTADOS UNIDOS: um estudo da política externa e de segurança dos governos Bush (2001–2008) e

Obama (2009–2016)

Bruno Gomes Guimarães

Doutorando do PPG em Estudos Estratégicos Internacionais — UFRGS

Pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE)

Florianópolis, 6–8 de julho de 2016.

O papel da ONU na grande estratégia dos Estados Unidos: um estudo da política externa e de segurança dos governos Bush (2001–2008) e Obama (2009–2016) Bruno Gomes Guimarães

RESUMO: O trabalho visa a examinar a política externa e de segurança dos Estados Unidos da América (EUA) durante os governos Bush (2001–2008) e Obama (2009–2016) para descobrir qual o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) em sua grande estratégia. O trabalho é dividido em duas seções. A primeira trata dos aspectos normativos da grande estratégia estadunidense: a sua concepção de legitimidade na ordem internacional, ativismo global, concepção de soberania e processos de integração. Na segunda parte, são analisados os aspectos securitários e geopolíticos, tais como guerras e intervenções militares, participação em operações de paz da ONU, doutrina militar e mecanismos regionais de segurança. A análise conjunta dos fatores normativos e securitários indica a visão que os EUA têm quanto ao papel que a ONU deve desempenhar na atual ordem internacional e permite a ponderação acerca das possíveis consequências à segurança global. PALAVRAS-CHAVE: Estados Unidos da América. Grande estratégia. Organização das Nações Unidas.

1 INTRODUÇÃO

No advento do século XXI, as Relações Internacionais passaram por significativas

transformações sistêmicas. Se, logo ao fim da Guerra Fria, dizia-se que o sistema

internacional passava por um momento unipolar, da década de 2000 em diante a

multipolaridade vem se assentando cada vez mais, notadamente após a crise econômica de

2007–2008 (VIZENTINI, 2004; KHANNA, 2008; BRZEZINSKI, 2012). Brasil, Índia, China,

Rússia e África do Sul (BRICS), entre outros, despontam como atores de grande peso para

o sistema internacional e abrem perspectivas de mudanças para a ordem mundial liberal

representada pelo domínio dos Estados Unidos da América (EUA) e, em menor grau, da

União Europeia (UE) e do Japão (KORNEGAY, 2013; MARTINS, 2013). As interações entre

esses atores serão fatores fundamentais para a evolução da ordem internacional

contemporânea, pois, como colocam Carlos Teixeira e Reginaldo Nasser (2010, p. 175), “as

diferentes percepções em torno da construção de uma ordem mundial implicam opções

políticas distintas na resolução dos problemas que se manifestam no sistema internacional”.1

1 A ordem internacional, mundial ou global nada mais é do que as características estruturais do Sistema

Internacional que emergem a partir da interação entre os vários Estados, grupos e sociedades humanas ao longo do tempo e que geram constrangimentos às ações dos atores no sistema internacional (CEPIK, 2014; CEPIK; MACHADO, 2011).

Nesse contexto, resta saber se a ascensão dessas novas potências se dará de

forma pacífica ou não, quais os dilemas apresentados por essa emergência e que

transformações ocorrerão na ordem mundial. Potências em ascensão possuem percepções

e demandas distintas daquelas apresentadas pelas potências já estabelecidas e isso

naturalmente gera conflitos, os quais podem ser resolvidos de forma pacífica ou belicosa.

Como informa Henry Kissinger (2014), as ordens internacionais mais estáveis são aquelas

em que as percepções dos atores são mais semelhantes. Porém, as disputas normativas e

geopolíticas entre as potências emergentes e as tradicionais já demonstram uma gradual

erosão da relativa estabilidade da atual ordem internacional, como os casos das crises na

Síria e na Ucrânia, tentativas de mudança de regime e revoluções coloridas, bem como os

debates sobre a Responsabilidade de Proteger (R2P) com a possível mudança no conceito

de soberania, atestam (CARMONA, 2014; ROTMANN; KURTZ; BROCKMEIER, 2014).

Desde a sua fundação em 1945 até os dias de hoje, a ONU conseguiu garantir a

paz sistêmica, isto é, evitou a ocorrência de uma guerra mundial. Contudo, a presente

multipolaridade representa um desafio para a organização, posto que sua reforma seja

reivindicada por muitos Estados, emergentes ou não (Brasil e Japão, por exemplo), e que as

próprias normas em sua Carta sejam contestadas por outros, vide iniciativas como a R2P ou

revoluções coloridas que põem em cheque os princípios de soberania e não interferência —

bases da ordem internacional. Portanto, resta saber se a ONU será capaz de se adaptar a

essa ordem internacional em transformação. Com isso, abrem-se diversas perguntas como:

em um contexto de múltiplas visões em disputa, a concertação entre as nações ainda é

possível? Como as principais potências de hoje, tradicionais e emergentes, pensam a ordem

internacional e como elas agem nesse sentido? Qual é o papel da ONU nas grandes

estratégias dessas potências? A ONU conseguirá se manter relevante na ordem

internacional, especialmente em questões de segurança?

Para tentar responder a essas perguntas, é necessário reconhecer que a base da

atual ordem mundial é o sistema de Westfália. Ele é fundamentado em princípios como a

soberania nacional, não interferência em assuntos domésticos, independência nacional e

interesses nacionais. Até o século XXI a ordem mundial caracterizou-se por esses princípios

que garantem um sistema de Estados independentes que procuram evitar interferir em

assuntos internos e conter as ambições de outros Estados através de uma balança de poder

(KISSINGER, 2014, p. 3). A Carta da ONU representa o reconhecimento dessas regras

westfalianas por parte dos Estados-membros. Por outro lado, o Conselho de Segurança, é o

órgão que cimentou a importância da manutenção de determinada balança de poder entre

as grandes potências como modo de garantir a paz no mundo.

De fato, é esse balanceamento entre normas e poder que está no cerne da ordem

global. Kissinger (2014) diz que a estabilidade de uma ordem internacional depende do

equilíbrio alcançado entre legitimidade e poder: um conjunto de regras que define o que é

permitido fazer e que seja aceito por todos, por um lado, e uma balança de poder que sirva

para conter as situações em que essas regras são violadas, por outro. Esse equilíbrio, no

entanto, não é estático e, se bem gerenciado, garante que mudanças na ordem mundial

ocorram de forma gradual e sem grandes conflitos (KISSINGER, 2014). De forma

semelhante, Hedley Bull (2002) nota que, para ser duradoura, a ordem internacional deve,

em alguma medida, responder a demandas por mudanças tidas como justas e, por outro

lado, a exigência dessas mudanças deve levar em conta a manutenção da ordem.

As grandes potências2 contribuem para a ordem mundial de duas formas principais,

como afirma Bull (2002, p. 237–259): administrando os relacionamentos entre si e

explorando a sua preponderância para centralizar os assuntos do conjunto da sociedade

internacional. Quanto ao primeiro ponto, o autor nota mais especificamente que as potências

agem de acordo com os interesses da ordem quando preservam o equilíbrio de poder,

evitam e controlam crises no seu relacionamento recíproco, limitam ou controlam guerras

entre si. Quanto ao segundo, a ordem se garantiria através da ação conjunta em um

condomínio das grandes potências, com o respeito mútuo às suas esferas de influência,

interesse e responsabilidade e à exploração unilateral da preponderância em suas regiões

(com ou sem coerção). Em contraste, os Estados, grandes potências ou não, também

podem agir de forma a perturbar a ordem internacional estabelecida ao procurar destruir o

equilíbrio de poder em vez de preservá-lo, fomentar crises ao invés de controlá-las e ao não

conter a escalada da guerra, i.e. ao não limitar os conflitos armados.

Dado que atualmente os Estados Unidos são o país do sistema internacional com

mais capacidades (CEPIK, 2014), havendo uma preeminência estadunidense sobre os

demais (BRZEZINSKI, 2012; NYE, 2012), a sua posição é fundamental para a estabilidade e

manutenção da ordem mundial, representada pelo conjunto do sistema ONU. Como bem

lembra o teórico Kenneth Waltz (1999), normas e instituições têm que ser mantidas por

alguém e são os EUA que o fazem atualmente. De fato, Washington contribui com 22% do

orçamento geral da organização e com 28% do orçamento para operações de paz (UN,

2012, 2014). Mas, para além da mera manutenção financeira da instituição, os EUA também

são o grande fiador da ONU em matérias securitárias (ANDERSON, 2009).

Portanto, este artigo pretende descobrir e discutir o papel da ONU na grande

estratégia dos Estados Unidos. A grande estratégia é o fator a ser considerado, porque ela

2 Grandes potências são aquelas com as maiores capacidades do sistema. Contemporaneamente, as

características de uma grande potência são as capacidades estratégicas de segundo ataque (dissuasão nuclear), o comando do espaço e a inexpugnabilidade frente a ataques convencionais — fatores determinantes para o uso da força na era digital (CEPIK, 2014). Sendo assim, Rússia e China, além dos EUA, seriam grandes potências, tornando a ordem internacional tripolar ou multipolar, ainda que de forma acentuadamente assimétrica (CEPIK, 2014).

leva em conta tanto a faceta da legitimidade ou justiça quanto a do poder. Segundo Stephen

Krasner (2010, tradução própria) “grande estratégia” é um conceito que “descreve como o

mundo é, visiona como ele deve ser e especifica um conjunto de políticas que possam

atingir essa orientação” e contém tanto questões de poder quanto de crenças. A grande

estratégia é o “nível mais alto e abrangente de estadismo, diplomacia e política”, é a

estratégia máxima para as ações e a existência do Estado (MARTEL, 2015, p. 51). Ela

envolve a coordenação de fins e meios no longo prazo, levando em conta a possibilidade ou

mesmo existência de conflitos armados (PORTER, 2013). A conexão entre fins e meios é

onde a grande estratégia se encontra:

[Grande] Estratégia é, portanto, distinta tanto da política pública (o resultado desejado) quanto de operações (o exercício ou uso das ferramentas ou a relação entre vias e meios, tal como a condução de campanhas militares). Ela é melhor concebida não como um ator ou uma “coisa” identificáveis, mas como a ponte que funde ou relaciona todas elas juntas (PORTER, 2013, p. 5, tradução própria).

Ela visa a moldar o ambiente externo para garantir a segurança das instituições

políticas, integridade territorial, estilo de vida e valores do Estado e sua sociedade

(PORTER, 2013). Esse objetivo pode se dar através da regulação de regimes

internacionais, da influência sobre as escolhas políticas dos demais Estados ou mesmo

sobre seus regimes como um todo (KRASNER, 2010). Aqui fica evidente que a grande

estratégia dos países é um importante fator para ser levado em conta em análises de

Defesa e Relações Internacionais. A grande estratégia dos EUA é particularmente crucial

para a ordem mundial dada sua capacidade de influenciá-la, especialmente a ONU.

Entretanto, como assinala William Martel (2015), a grande estratégia não é pensada

e conduzida de forma puramente racional e desvinculada de um contexto histórico e político;

ela surge de tradições e da geopolítica e entranha-se nas instituições do Estado. O autor

nota diversos períodos na formação do pensamento grão-estratégico estadunidense, sendo

que o mais recente é fortemente influenciado pelos ataques terroristas de 11 de setembro

de 2001 e pela crescente multipolaridade do mundo. Esses itens modificaram (e modificam)

a forma por que os EUA veem e articulam a sua grande estratégia (MARTEL, 2015).

Dessa forma, o foco deste trabalho é os governos dos presidentes George W. Bush

(2001–2008) e Barack H. Obama (2009–2016). Embora grande estratégia inclua questões

de política doméstica, o enfoque recai mormente sobre a política externa e de segurança

(PES) dos Estados Unidos. O motivo é que, mesmo que de suma importância, suas

questões internas têm peso menor para a ONU do que sua PES. Primeiro será feito um

panorama geral das grandes estratégias de Bush e Obama. Os aspectos normativos serão

tratados em seguida, cuidando a concepção de legitimidade que os EUA têm na ordem

internacional, seu ativismo global, concepção de soberania e processos de integração

econômica. Em um terceiro momento, são vistos os fundamentos securitários e geopolíticos

da grande estratégia de Bush e de Obama, tais como guerras e intervenções militares,

participação e apoio militar em operações de paz da ONU, doutrina militar e mecanismos

regionais de segurança. Por fim, tecem-se conclusões a respeito do papel da ONU na

grande estratégia estadunidense e sobre a própria vitalidade da instituição.

2 A GRANDE ESTRATÉGIA DOS EUA SOB BUSH E OBAMA

Quando eleito, George W. Bush (2001–2008), do Partido Republicano, criticava

duramente as intervenções militares do governo anterior de Bill Clinton. Bush pretendia

voltar-se ao fortalecimento das capacidades militares do país, combater a proliferação

nuclear e erigir um sistema de defesa antimísseis , em vez de participar de tentativas de

construção de Estados (state-building) e de operações de paz como fizera seu antecessor

(MARTEL, 2015; VELASCO E CRUZ, 2012). Ainda que ações nesse sentido não tenham

sido abandonadas, a ênfase da PES dos Estados Unidos alterou-se significativamente com

os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, mantendo uma característica basilar: a

aversão a instituições internacionais (ONU) e multilateralismo.

Justamente no primeiro ano de seu mandato, Bush foi obrigado a lidar com os

ataques terroristas em solo estadunidense e, com isso, alterar a grande estratégia que vinha

sendo desenhada. É nessa conjuntura que a Guerra ao Terror é lançada. Com ela, Bush

pretendia travar uma guerra a ideias como a tirania e o terrorismo. Martel (2015) fala que,

nesse momento, os EUA pretendiam eliminar, ao invés de apenas conter, as fontes de

desordem no sistema internacional e promover a democracia como forma de combatê-las.

Essas fontes de desordem seriam tanto os grupos terroristas quanto os Estados que servem

de santuário para eles. Países supostamente fomentadores do terrorismo, tais como Coreia

do Norte, Irã, Síria e Iraque, foram chamados de Estados párias (rogue states) pertencentes

a um “Eixo do Mal”. Nesse contexto, o governo Bush disseminou um discurso de medo em

que se temia que armas nucleares caíssem nas mãos e fossem usadas por terroristas para

atacar dos EUA. Combinavam-se três fenômenos que até então eram tidos como isolados:

países hostis a Washington com capacidade de desenvolver e mesmo usar armas de

destruição em massa, organizações terroristas com vontade de usá-las e Estados que, por

incapacidade ou intencionalmente, oferecem abrigo a terroristas (TEIXEIRA; NASSER,

2010).

Como corolário da Guerra ao Terror, lançou-se a Doutrina Bush, simbolizada pela

Estratégia de Segurança Nacional (National Security Strategy) de 2002 e mantida em 2006.

O documento previa como lidar com essas ameaças. Basicamente, advogava-se o uso

unilateral da força, se preciso, e ataques preventivos3. A lógica por trás disso é a de que o

governo Bush falava em “irracionalidade” por parte dos inimigos dos EUA e que esse fator

não permitiria que eles fossem dissuadidos ou contidos: se contenção e dissuasão não

funcionam, resta a solução do ataque preventivo: Dados os objetivos de Estados párias e terroristas, os Estados Unidos não podem mais depender unicamente de uma postura reativa como fizemos no passado. A inabilidade de dissuadir um agressor potencial, a iminência das ameaças de hoje, e a magnitude o dano potencial que poderia ser causado pela escolha de armas por parte de nossos adversários, não permitem essa opção. Nós não podemos deixar nossos inimigos atacarem primeiro. [...] Os Estados Unidos mantêm há tempos a opção de ações preemptivas para enfrentar uma ameaça suficiente à nossa segurança nacional. Quanto maior for a ameaça, maior é o risco da inação — e ainda mais imperioso o caso para usar de ação antecipada para nos defendermos, mesmo que haja incerteza quanto ao momento e local do ataque do inimigo. Para evitar ou prevenir tais atos hostis por parte de nossos adversários, os Estados Unidos irão, se necessário, agir preemptivamente (BUSH, 2002, p. 15).

Além da ação preventiva e do unilateralismo, a Doutrina Bush continha uma terceira

faceta: a promoção da democracia. Esta era tida como um meio de eliminar a tirania e o

terrorismo do mundo. Os Estados Unidos assumiriam uma postura de confrontar o

extremismo ofensivamente promovendo a democracia e a liberdade pelo globo

(especialmente no Oriente Médio). Assim, esses dois valores tornavam-se instrumentos de

guerra (MARTEL, 2015). Cria-se na derrubada de autocratas e em processos de

democratização à força: bastaria que um regime ditatorial fosse derrubado para que a

democracia florescesse automaticamente.

As invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003) são exemplos da

implementação da Doutrina Bush. Mesmo que com diferentes justificativas para a guerra,

ambos os países foram atacados com o intuito de mudar seus regimes (regime change).

Visou-se à sua rápida democratização. Inicialmente o plano parecia funcionar: A suposição equivocada de que os EUA poderiam realizar engenharia social através de seu poder militar indômito [...] encontrou suas raízes no Afeganistão. Em dezembro de 2001, parecia que as forças armadas dos EUA tinham ganho uma vitória rápida e impressionante contra o Talibã e instalaram um regime amigo em Cabul que seria capaz de governar o país efetivamente num futuro previsível. [...] no início de 2002 parecia que os EUA tinham achado um modelo para vencer guerras no mundo em desenvolvimento de forma rápida e decisiva, portanto, eliminando a necessidade uma ocupação prolongada. Dava-se a impressão que as forças armadas estadunidenses poderiam retirar-se de um país logo após terem derrubado seu regime e instalado um novo líder, e ir adiante para o próximo alvo (MEARSHEIMER, 2011, p. 25, tradução própria).

3 Os documentos falam em ataques e ações preemptivas e não preventivas. A diferença entre os termos é

relevante no Direito Internacional, pois ações militares preemptivas são legais e previstas, mas a guerra preventiva não. Pelo que é posto na Estratégia de Segurança Nacional, está a se defender este caso, ilegal, portanto, apesar do uso daquele termo (BUSH, 2002; TEIXEIRA; NASSER, 2010).

Todavia, esses dois casos logo mostraram os limites da ação militar estadunidense

com esse intuito, primeiramente no Iraque e pouco depois no Afeganistão. Justamente por

não levar em conta as questões de construção de Estado desde o início das operações —

de acordo com as críticas de Bush a Clinton —, a tentativa dos EUA de implantar

democracia no Afeganistão e no Iraque enfrentou sérios problemas e desafios. A falta de

legitimidade e os altos custos foram os principais empecilhos. Por causa disso, os EUA

recorreram à ONU para reerguer os Estados afegão e iraquiano já a partir de 2004. A partir

de então Washington interviria militarmente e a ONU viria em seguida para construir

Estados, i.e. fazer a tarefa mais difícil. Essa nova realidade foi exposta rapidamente na

própria Estratégia de Segurança Nacional de 2006, a qual previa que a ONU seria um vetor

da promoção da democracia e da “agenda da liberdade” (BUSH, 2006, p. 46).

Não obstante isso, outras medidas que reforçariam a hegemonia estadunidense de

forma unilateral foram tomadas durante o governo Bush, envolvendo o emprego de mísseis

convencionais e nucleares e a instalação de defesas antimísseis. Já em dezembro de 2001,

os EUA retiraram-se do tratado antimísseis balísticos (Tratado ABM) com a Rússia para

permitir o desenvolvimento de escudos antimísseis de todos os alcances (curto, médio,

intermediário e longo). Sistemas de defesa antimísseis balísticos foram instalados no

mesmo ano no Alasca e na Califórnia, alegando-se que serviriam de proteção contra

mísseis norte-coreanos. Em seguida, propôs-se a implantação de um sistema semelhante

na Europa e no Japão, supostamente protegendo-os do Irã e da Coreia do Norte,

respectivamente. Em adição a essas iniciativas, Bush também deu luz verde para a

implantação do Global Strike, um sistema de defesa que usa mísseis balísticos em terra ou

em submarinos para destruir alvos em qualquer lugar do mundo e que, até então,

considerava-se inviável devido ao risco de causar uma guerra nuclear (PICCOLLI, 2012). O

Global Strike encaixava-se perfeitamente na Doutrina Bush pois, embora fosse promovido

como um instrumento de dissuasão, era, na verdade, um sistema ofensivo e preventivo: [...] a missão do Global Strike é focada em derrotar a ameaça antes que ela seja desencadeada. Em seu sentido mais extremo, o Global Strike procura criar uma situação próxima à invulnerabilidade para os Estados Unidos ao forçar a vulnerabilidade completa a qualquer adversário em potencial. Como resultado, o Global strike trata-se principalmente de travar a guerra e não de dissuasão (KRISTENSEN, 2006, p. 4, tradução própria).

Percebe-se com isso que a grande estratégia dos EUA sob o governo Bush visava

ao domínio global (MEARSHEIMER, 2011). Através da Doutrina Bush e de iniciativas como

o Global Strike, os EUA dependeriam primariamente do uso da força unilateral para fazer

valer sua vontade e moldar o mundo à sua imagem, baseando-se no conteúdo ético do

neoconservadorismo: intervenção militar, mudança de regime, imposição do liberalismo

político e econômico, universalidade dos valores Ocidentais e uma ótica de conflitos

civilizacionais (HEREJK RIBEIRO, 2015, p. 8; MEARSHEIMER, 2011).

Em contraste com a postura unilateralista de Bush, Barack Obama comprometeu-se

a trabalhar mais através de parcerias com aliados e de instituições multilaterais

(especialmente a ONU) para atingir os interesses dos EUA assim que foi eleito. Obama,

acima de tudo, pretendia priorizar a recuperação econômica do país, afetado tanto pela crise

de 2007/2008 quanto pelos altos déficits criados por Bush nas guerras do Iraque e do

Afeganistão. De fato, Obama ressaltou esses dois pontos em sua primeira Estratégia de

Segurança Nacional: Nossa estratégia de segurança nacional é, portanto, focada na renovação da liderança estadunidense para que nós possamos defender nossos interesses mais efetivamente no século XXI. Nós faremos isso através baseando-nos nas fontes de nossa força em casa à medida que moldamos uma ordem internacional que possa enfrentar os desafios de nossa era. Essa estratégia reconhece a conexão fundamental entre a nossa segurança nacional, nossa competitividade nacional, resiliência e exemplo moral. E ela reafirma o comprometimento dos EUA a perseguir nossos interesses através de um sistema internacional em que todos os países têm direitos e responsabilidades determinados (OBAMA, 2010, p. 1, tradução própria).

E continua: Nós precisamos focar o engajamento estadunidense no fortalecimento de instituições internacionais e galvanizar a ação coletiva que possa servir a interesses comuns [...]. O ponto de partida para essa ação coletiva será nosso engajamento com outros países. O fundamento desse engajamento é o relacionamento entre os Estados Unidos e nossos amigos próximos e aliados [...]. Nós estamos trabalhando para construir parcerias mais profundas e mais efetivas com outros importantes centros de influência [...] (OBAMA, 2010, p. 3, tradução própria).

Obama propunha diminuir os compromissos dos EUA ao redor do globo,

especialmente no Oriente Médio, e compartilhar o fardo com seus aliados. Havia uma lógica

de engajamento seletivo, segundo a qual os Estados Unidos liderariam, mas sempre em

consonância com seus parceiros. Ações multilaterais de liderança compartilhada, para

Obama, serviria para conter a arrogância e a presunção dos Estados Unidos (GOLDBERG,

2016). Segundo Martel (2015), o desafio de Obama seria retrair-se sem minar a confiança

dos seus aliados. De fato, Obama acredita que o establishment de política externa em

Washington tem um fetiche em torno da “credibilidade” comprada com o uso da força

(GOLDBERG, 2016).4 Em vez de exportar democracia por meio da força, privilegiar-se-ia o

apoio a atores não governamentais ao redor do mundo para fortalecer a sociedade civil em

países de regimes democráticos ou autoritários, independentemente de sua posição política

desde que fossem pacíficos (OBAMA, 2010).

4 Em entrevista a Jeffrey Goldberg (2016, tradução própria), Obama disse que “bombardear alguém só para

provar que você está disposto a bombardear alguém deve ser o pior motivo para usar a força.”

Ainda assim, no início de seu primeiro mandato, havia diversos liberais

intervencionistas em seu governo dispostos a, nas palavras de Mearsheimer (2011, p. 30,

tradução própria), continuar “tentando governar o mundo, ainda que com menor ênfase em

diplomacia do porrete e maior em trabalho com aliados e instituições internacionais”. O autor

nota que, assim como os neoconservadores do governo Bush, os liberais intervencionistas

estão dispostos a utilizar as forças armadas dos EUA para fazer engenharia social, mesmo

que não creiam que seja fácil exportar democracia para outros países. Samantha Power,

Hillary Clinton, Ben Rhodes e Susan Rice estavam entre os principais nomes dessa linha no

alto escalão do governo Obama.

O principal caso em que os EUA agiram seguindo esse preceito foi na intervenção

da Líbia em 2011. Seguindo iniciativa francesa e britânica, Obama fez questão de seguir o

direito internacional e obter o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)

para evitar o massacre de civis no país, além de conseguir apoio da Liga Árabe para ações

militares. A intervenção ocorreu apenas após ter-se aprovado uma resolução no CSNU,

ainda que com abstenção de Brasil, Índia, Rússia, China e Alemanha. Com a queda de

Gaddafi, a Líbia foi apresentada como um caso de sucesso e um novo modelo de

intervenção em que havia uma concepção minimalista da guerra, segundo a qual a força

seria usada com eficiência máxima, mas não haveria necessidade de envolver-se na

organização da (re)construção do Estado (VELASCO E CRUZ, 2012). Ocorrera uma

mudança de regime barata e de “pegada leve” (light footprint). Basicamente, viu-se a

aplicação por via multilateral das ideias neoconservadoras de derrubada de autocratas para

a democratização rápida dos países.

Entretanto, pouco tempo depois, ficou claro que, na verdade, a intervenção fora um

fracasso, pois a Líbia entrou em uma guerra civil da qual brotaram diversos grupos

terroristas, entre eles o Estado Islâmico. Isso fez com que Obama se tornasse cada vez

mais avesso a intervenções militares, especialmente no Oriente Médio. Os membros de seu

governo mais alinhados com posturas liberais intervencionistas foram perdendo espaço em

suas deliberações a tal ponto em que ele chegou a vetar o recebimento de planos de

intervenção que não viessem do Departamento de Defesa (GOLDBERG, 2016).

O questionamento a intervenções militares, mesmo que em concerto com aliados,

passou a fazer parte da chamada Doutrina Obama. Porém, como lembra Velasco e Cruz

(2012), ela não era pacifista, o emprego do poderio militar estadunidense que seria muito

mais seletivo. Com efeito, o caráter mais unilateral da doutrina foi o aumento do uso de

drones (veículos aéreos não tripulados) e de forças de operações especiais para o combate

ao terrorismo ao redor do globo. Martel (2015) nota que, apesar das promessas de Obama

de aumentar a transparência e controle civil dessas operações de assassinato de

extremistas, suas medidas foram no sentido contrário ao manter segredo e ampliando a

autoridade presidencial nesses assuntos.

A Doutrina Obama também prega a negociação com países adversários dos EUA.

Se, por um lado, Bush disseminava o discurso de Estados párias irracionais com os quais

não faria sentido conversar, por outro, Obama se dispôs a achar soluções negociadas

diplomaticamente com seus rivais. Logo no início de seu mandato, em 2009, procurou

reaproximar-se da Rússia, com a qual as relações encontravam-se frias após a Guerra da

Geórgia em 2008. Nos marcos desse reset (termo usado à época), Moscou voltou a permitir

o uso do espaço aéreo russo para operações logísticas estadunidenses no Afeganistão e

concordou, juntamente com a China, a instauração de sanções internacionais no âmbito do

CSNU contra o Irã. EUA e Rússia também concordaram em reduzir seus arsenais nucleares

e Washington comprometeu-se a não instalar o escudo antimísseis na Europa nos moldes

planejados por Bush. Com a China, também houve diversas conversas e acordos sobre

meio-ambiente e mudanças climáticas, assuntos considerados por Obama como a principal

ameaça ao futuro estadunidense (OBAMA, 2010, 2015; GOLDBERG, 2016). Além disso,

houve importantes aberturas com relação a Cuba e ao Irã ao longo de seu segundo

mandato. Com Teerã inclusive houve importantes negociações multilaterais com Rússia,

China e Alemanha, entre outros, para alcançar um acordo a respeito de seu programa

nuclear, o qual diminuiu significativamente a possibilidade de uma guerra entre EUA e Irã.

O acordo com o Irã permitiu que os EUA pudessem voltar a se focar em seu

objetivo principal sob Obama: o pivô para a Ásia (ROBERTO; GOMES GUIMARÃES, 2014).

Lançado em 2011, ele visava à reorientação da PES estadunidense para a costa asiática do

Pacífico, incluindo a Índia, devido ao seu grande peso securitário e econômico (MARTEL,

2015; ROBERTO; REIS, 2015). A motivação principal do pivô é a ascensão da China, tanto

em quesitos econômicos quanto militares. Inicialmente priorizaram-se os aspectos militares

do pivô: aumentou-se a presença naval na região em uma estratégia de contenção da China

(ROBERTO; REIS, 2015). Além disso, foram intensificadas as negociações da Parceria

Transpacífico (TPP), uma área de livre comércio que excluiria Pequim proposta ainda

durante o governo Bush. Todavia, a eclosão da Primavera Árabe, especialmente a guerra na

Síria, em 2011 e do conflito na Ucrânia em 2013/2014 apresentaram sérios impedimentos à

sua consecução, o que foi parcialmente superado com o acordo com o Irã em 2014–2015,

mas que permanece na questão do Estado Islâmico na Síria e no Iraque (e da guerra na

Ucrânia). Em sequência, relançou-se o pivô com um foco mais econômico, ambiental e de

fortalecimento de instituições a fim de dirimir tensões na região (ROBERTO; REIS, 2015).

De encontro à PES de Obama de engajamento seletivo e multilateralismo,

mantiveram-se os programas de Bush de Global Strike e os planos de implementação do

escudo antimísseis na Europa e no Japão. Em 2016 entrou em operação o europeu, o que

gerou fortes reprimendas da Rússia (US..., 2016).5 Ainda que pregasse a aproximação com

a China e um reset nas relações com Moscou, em 2010 a Estratégia de Segurança Nacional

previa a adoção de medidas que permitissem a ação das forças armadas estadunidenses

em zonas de antiacesso6, que são o foco da modernização militar chinesa e mesmo russa

(OBAMA, 2010).7 E em 2012 adotou-se o conceito operacional da Batalha Aeronaval (Air-

Sea Battle) que visa justamente a isso, o que poderia provocar uma rápida escalada nuclear

(MACHADO; SIMIONATO, 2015). Esses elementos não estão em concordância com o

discurso de Obama não só porque ignoram as tentativas de aproximação com Pequim e

Moscou, mas também porque são opostos ao multilateralismo e multipolaridade: visam ao

domínio global.

Essa é a principal contradição do governo Obama que leva a analistas crerem que

seu governo não possui uma grande estratégia (e.g. HEREJK RIBEIRO, 2015; FERGUSON,

2011). Seu discurso apresentou uma transição radical ao promover o multilateralismo;

porém, seu governo não parece perceber ou ignora as implicações dos seus conceitos

operacionais (MACHADO; SIMIONATO, 2015). Nas palavras de Luis Machado e Guilherme

Simionato (2015, p. 16): “[...] na ausência de uma grande estratégia própria definida, Obama

desenvolve um comportamento errático, adotando conceitos operacionais completamente

incompatíveis com os valores pregados pelo presidente”. Os meios estariam determinando

os fins e não o contrário. Mesmo o caso do uso irrestrito de drones para assassinar

extremistas apresenta esse viés. Segundo Velasco e Cruz (2012, p. 156), há um “risco de

inverter a fórmula clausewitziana e fazer da política uma continuação da guerra”, tornando

absolutos os objetivos de guerra (operacionais) e perdendo-se de vista os fins políticos da

mesma, aos quais ela deveria ser subordinada. Sintomáticos desse problema são, por

exemplo, os esforços dos EUA na guerra síria. Em diversos momentos, grupos

oposicionistas sírios apoiados pelo Pentágono chocaram-se com outros apoiados pela

Agência Central de Inteligência (CIA), i.e. os EUA estão travando guerra contra si mesmo no

Oriente Médio (GIGLIO, 2016; KRISTIAN, 2016).

Destarte, a grande estratégia de Obama aponta para duas direções, a do

multilateralismo e concertação entre potências e a da busca pela dominação global e

hegemonia. Por exemplo, os acordos climáticos de Paris firmados em 2015 são tidos como 5 O governo Obama havia se comprometido a não realizar esse projeto, porém o que aconteceu de fato foram

mudanças no plano original desenhado no governo antecessor: substituiu-se a ideia de uma defesa antimísseis baseada em terra pelo emprego de sistemas baseados em navios cruzadores e destróieres; além disso, o custo do projeto passou a ser rateado entre os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (PICCOLLI, 2012).

6 Ações de antiacesso são de longo alcance e procuram evitar que uma força hostil entre no teatro de operações em caso de conflito (TANGREDI, 2013 apud MACHADO; SIMIONATO, 2015).

7 Segundo Erik Herejk Ribeiro (2015, p. 7), com a adoção de conceitos operacionais de antiacesso e negação de área (A2/AD) “a vitória estadunidense passou a ser incerta, embora a intenção não seja competir com o poderio dos EUA, mas criar estratégias assimétricas para sua própria defesa, capazes de inviabilizar os custos de uma invasão por parte de Washington e colocar seu sucesso em questão.”

uma vitória de âmbito securitário pelos EUA e foram alcançados mediante negociações com

a China, principalmente (OBAMA, 2015). Iniciativas desse feito apontam para uma ordem

internacional multipolar. No entanto, ações unilaterais como o uso de drones, a adoção de

conceitos operacionais que podem levar a escaladas nucleares e a instalação do escudo

antimísseis na Europa apontam para outra direção: uma ordem internacional unipolar ou no

mínimo o reforço da hegemonia estadunidense.

3 ASPECTOS NORMATIVOS DA GRANDE ESTRATÉGIA DOS EUA

Como visto na introdução, a ordem internacional baseia-se, por um lado, em

questões do que é legítimo e justo e, por outro, em questões de distribuição de poder.

Quanto às questões de justiça na ordem internacional, tanto Bush quanto Obama

demonstraram vontade de que fosse formada por uma comunidade de democracias. Isso se

baseia na crença de que países democráticos seriam pacíficos e inclinados a apoiar os EUA

(MEARSHEIMER, 2011). A perspectiva repousa na teoria da paz democrática, a qual afirma

que democracias não entram em guerra entre si e que dificilmente ameaçariam o uso da

força caso entrem em conflito (TEIXEIRA, 2010). Essa teoria diz respeito à democracia de

caráter liberal. A diferença entre os dois presidentes reside em como atingir o objetivo de

difundir a democracia liberal pelo mundo. Segundo Martel (2015), Obama prega uma visão

mais gradualista, enquanto Bush foi mais imediatista, promovendo a democracia pela força.

De fato, o uso da força é sempre uma alternativa a ser considerada, de acordo com

o pensamento neoconservador de Bush, porque não se poderia confiar no direito

internacional nem nas instituições internacionais (TEIXEIRA, 2010). Além disso, organismos

internacionais não teriam legitimidade por terem muitos membros que não são democracias

liberais. Com isso, a ONU se torna o principal alvo de críticas, e os EUA prescindiria de

aprovação da instituição para agir (TEIXEIRA, 2010). Ou seja, a ONU seria ultrapassada e

dispensável na PES estadunidense e na ordem internacional de modo geral.

Essa perspectiva imperou quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão em

2001 e o Iraque em 2003. No primeiro caso, a invasão ocorreu sem mandato do CSNU sob

pretexto de que a ação era uma medida de legítima defesa após os atentados de 11 de

setembro. Já no segundo, Washington até tentou convencer os demais membros do CSNU

a aprovarem uma resolução que permitiria uma intervenção militar no Iraque, mas, ao

receber sinais de que isso não ocorreria, logo abandonou o projeto e invadiu o país a

despeito de estar violando o direito internacional e pondo em cheque a legitimidade da

instituição.

Contudo, a construção de Estado no Iraque realizada de forma unilateral pelos EUA

mostrou-se inviável e deveras ilegítima, o que fez com que Washington procurasse obter

alguma forma de apoio da ONU. O governo Bush pressionou a organização e seu líder, o

secretário-geral Kofi Annan, para que se envolvessem na situação (AL-QAQ, 2009). Com

isso a ONU encontrou seu espaço na estratégia estadunidense: a construção de Estados e

promoção de reformas políticas e institucionais de feitio liberal e democrático. A promoção

da democracia liberal através da própria ONU propiciou altos ganhos de legitimidade para a

iniciativa estadunidense de reforma estatal no Iraque e no Afeganistão, além de permitir o

rateio de custos com os demais membros da instituição. Já a partir de 2006 reconhecia-se

na Estratégia de Segurança Nacional de Bush que a ONU era um vetor da promoção da

democracia e da “agenda da liberdade”.

De modo geral, esse tornou-se um importante aspecto da grande estratégia

estadunidense ao fazer com que a ONU lidasse com a questão de Estados falidos.8 Nas

palavras de Kenneth Anderson, os Estados Unidos: […] veem o sistema ONU como o sistema menos dispendioso para garantir uma ordem mínima no mundo sem solução dos Estados falidos e em falência — lugares os quais eles não vão, e realisticamente não podem (vide Afeganistão) policiar. […] Os EUA devem querer que o sistema seja exitoso em lugares aonde os EUA não irão — em parte por causa de seus interesses mais amplos, mas principalmente devido aos seus ideais (ANDERSON, 2009, p. 75, tradução própria).

A ONU passaria a promover reformas institucionais para a incorporação de valores

liberais e democráticos na periferia do sistema internacional (AL-QAQ, 2009). Essa seria

uma forma de diminuir os custos da intervenção direta por parte dos EUA e, de fato, foi uma

iniciativa também abraçada por Obama. A ONU iria de um país a outro levando o modelo de

Estado liberal integrado à economia capitalista mundial (AL-QAQ, 2009). Operações de paz,

nesse sentido, seriam feitas para promover transformações pacíficas e ordeiras no status

quo da periferia, transmitindo a agenda internacional determinada pelos EUA (ou pela

correlação de forças no sistema).9 Então, a ONU serviria para gerenciar a ordem

internacional na periferia segundo os moldes estadunidenses.

Com efeito, outro ponto em comum entre Obama e Bush foi a agenda de promoção

da democracia pelo globo e mudança de regimes (regime change). Bush cria que era

praticamente o dever dos EUA fazê-la à força, mediante intervenções militares, como foi o

caso no Afeganistão e no Iraque. Obama, por sua vez, não teve tal predisposição belicosa

de Bush, ainda que tenha apoiado a mudança de regime na Líbia via intervenção

8 O termo “Estados falidos” ou mesmo “frágeis” se refere a uma situação em que um Estado tem pouca ou

nenhuma capacidade de controlar seu território e garantir o monopólio do uso da força (GOMES GUIMARÃES, 2012; BALIQI, 2008). Situações de “falência estatal” entraram na agenda do Ocidente após o 11 de Setembro para retratar a periferia como a principal fonte de insegurança internacional (BALIQI, 2008; BLANCO, 2009).

9 Al-Qaq (2009) nota que, apesar de hoje terem um molde liberal, os projetos de reformas institucionais e políticas levadas a cabo pela ONU podem ser alterados de acordo com tendências na governança global.

humanitária. Excluindo-se esses casos de ação armada direta, ambos os presidentes

apostaram no engajamento com a sociedade civil dos mais diversos países para tentar

causar mudanças de regime por dentro. Uma das facetas desse engajamento é a

diplomacia pública, que se tornou um fator preponderante na tentativa de atrair as

sociedades dos demais países para os valores dos EUA (KENNEDY; LUCAS, 2005). Outra

é a assistência à democracia através do apoio político, financiamento e treinamento de

entidades civis não governamentais em países que não seriam considerados democracias

liberais de mercado. Os principais agentes estatais dessa iniciativa são o próprio

Departamento de Estado, a Agência para Desenvolvimento Internacional (USAID) e a

Dotação Nacional para a Democracia (National Endowment for Democracy, NED)

(SUSSMAN; KRADER, 2008). Essa ajuda visa a evitar ou mesmo “passar por cima do

aparato estatal e cultivar forças locais como a agora ubíqua ONG de orientação liberal” (AL-

QAQ, 2009, p. 158).10

Esse apoio a grupos locais alinhados com os valores estadunidenses em seu ponto

mais extremo leva a levantes populares para a derrubada de governantes e à mudança de

regimes seguindo um modelo padrão. Esse modelo é o das Revoluções Coloridas e da

Primavera Árabe em que houve planejamento intensivo por parte dos EUA, com propagação

da mensagem “revolucionária” e treinamento e métodos de conflito não violento (SUSSMAN;

KRADER, 2008; VISENTINI et al., 2012).11 Basicamente essa seria uma estratégia de

mobilização da sociedade civil para provocar uma mudança pacífica de regimes políticos

indesejáveis aos Estados Unidos e instaurar um que seja uma democracia liberal de

mercado. É visível a continuidade desse aspecto da grande estratégia entre os governos

Bush e Obama, apesar de somente este ter enunciado mais claramente esse apoio a grupos

“pró-democracia” em sua Estratégia de Segurança Nacional, como já dito anteriormente. De

fato, Gerald Sussman e Sascha Krader (2008, p. 94–95, tradução própria) notam que

“enquanto Democratas e Republicanos oferecem a aparência de conflito na política

doméstica, suas estruturas internacionais são bastante alinhadas nos esforços de derrubar

resistências políticas à reestruturação neoliberal [...]”. Esse apoio direto a atores não

estatais em outros países na grande estratégia estadunidense é um ensejo a uma ordem

internacional em que está permitida a interferência em assuntos internos dos demais, 10 Realmente, o NED, por exemplo, financia organizações e movimentos não governamentais que defendam os

direitos humanos, o Estado de direito, economia de mercado, transparência, instituições democráticas, entre outros (NED, 2016).

11 Ocorreram na Geórgia em 2003 (Revolução Rosa), na Ucrânia em 2004 (Revolução Laranja), no Líbano (Revolução Cedro) e no Quirguistão (Revolução Tulipa) em 2005, no Mianmar em 2007 (Revolução do Açafrão), no Irã em 2009 (Revolução Verde), novamente na Ucrânia em 2013/2014 (Revolução de Maidan) e em Taiwan em 2014 (Revolução dos Girassóis). Nem todas foram bem-sucedidas, mas apresentaram as mesmas características (VISENTINI et al., 2012; HEREJK RIBEIRO, 2015). Esses eventos têm raízes domésticas claras em não foram orquestrados no exterior de forma simplista; porém, a interferência internacional, notadamente dos EUA, teve papel fundamental para os modelos de organização da oposição e mesmo para os resultados (SUSSMAN; KRADER, 2008; VISENTINI et al., 2012).

especialmente se estes não forem democracias liberais de mercado, indo contra os

preceitos do sistema de Westfália e a Carta da ONU. Nessas situações, a ONU tem papel

inexistente ou minimamente complementar ao também promover reformas políticas e

institucionais de cunho liberal.

Essa revisão do sistema westfaliano também se encontra na flexibilização do

princípio da não interferência para a realização de intervenções humanitárias. No início da

década de 2000, a ideia de uma responsabilidade de proteger (R2P) foi lançada para debate

na ONU. Ela prevê que a soberania dos Estados implica a responsabilidade de proteger

civis do genocídio e violações em massa de direitos humanos e que, caso um Estado seja

incapaz ou indisposto a fazê-lo, a comunidade internacional teria a responsabilidade de

intervir (pacificamente ou não). Inicialmente Bush usou as ideias da R2P secundariamente

com relação à invasão do Iraque, mas sem apoio da ONU nem da maioria de seus Estados-

membros. Em negociações na organização, os EUA grosso modo apoiava a R2P. Contudo,

procuravam evitar qualquer medida que obrigasse o país a intervir automaticamente quando

a ONU assim decidisse. Bush queria que os EUA mantivessem autonomia decisória em

PES e criticava a R2P nos moldes apresentados por violar sua soberania. A ideia era

manter o poder de intervir unilateralmente: R2P deveria ser vinculante somente para

Estados nos quais atrocidades fossem cometidas, enquanto que seria apenas um princípio-

guia de ação para a comunidade internacional, sem ser vinculante (JUNK, 2014).

A implementação da R2P ao longo do mandato de Bush e Obama seguiu essas

linhas gerais e orientou as ações estadunidenses direta e indiretamente. No caso do Sudão

(Darfur) entre 2003 e 2007 (e continuado posteriormente por Obama) e do Quênia em 2007

houve apoio à intervenção militar e diplomática, respectivamente.12 Obama comprometeu-se

muito mais com a R2P do que Bush. Sua própria equipe de conselheiros em matérias de

PES continha inúmeros proponentes do conceito. Na ONU, a intervenção na Líbia foi

fortemente justificada usando a R2P como seu motivo e a resolução que autorizou a ação

militar continha menções diretas ao princípio. Ainda assim, Obama, como Bush, defendia

que esse era apenas um caso e que não deveria comprometer os EUA a agirem sempre

segundo a R2P. De fato, isso ocorreu posteriormente na Síria, onde não se interveio por

decisão de Obama, apesar da invocação do princípio por muitos dentro do próprio governo

(JUNK, 2014). Ainda assim, Obama menciona na Estratégia de Segurança Nacional de

2015 que os EUA apoiam a R2P e estão preparados para mobilizar a comunidade

internacional para responder a casos de atrocidades em massa e que estão dispostos a

12 Além disso, crises em Mianmar e na Geórgia em 2008 mostraram os limites da R2P na PES dos EUA: o

princípio não poderia ser invocado em casos de desastres naturais nem para anexação territorial ou guerra interestatal (JUNK, 2014).

usar “todos os seus instrumentos de poder nacional” (OBAMA, 2015, p. 22, tradução

própria).

O cerceamento da soberania estatal também é percebida nos grandes acordos

inter-regionais propostos por Bush e negociados por Obama. A TPP e a Parceria de

Investimento e Comércio Transatlântica (TTIP) — o primeiro para a Ásia-Pacífico e o

segundo com a União Europeia — procuram homogeneizar a legislação interna dos países

em diversas áreas, incluindo a trabalhista, ambiental, propriedade intelectual e econômica

para além do simples comércio. A analista Lori Wallach (2013) afirma que ambos são

impermeáveis a alternâncias políticas e a mobilizações populares pois as disposições só

poderiam ser modificadas por unanimidade dos países signatários. O congelamento da

legislação interna dos países signatários também é notada nos mecanismo que permitem

que empresas processem Estados que venham a alterá-las de modo a prejudicar seus

investimentos (BERNSTEIN, 2016; WALLACH, 2013, 2016). Tanto na TPP quando na TTIP,

esses processos seriam julgados por um tribunal internacional acima da jurisdição de cada

um dos signatários e sem chance de recurso (BERNSTEIN, 2016; WALLACH, 2013).

Wallach (2013) chega a chamar essa situação de “governo das corporações”.13 Por receio

das possíveis multas, os signatários teriam menos incentivo a impor legislação ambiental ou

trabalhista mais rígida, por exemplo. Como diz Velasco e Cruz (2012, p. 68) esse tipo de

iniciativa nada mais é do que “acordos bilaterais ou plurilaterais para obter adesão

generalizada a normas internacionais que restringem severamente a capacidade dos países

de implementar a seu critério políticas públicas.”

A grande estratégia dos Estados Unidos apresenta, portanto, aspectos normativos

que põem em cheque o sistema westfaliano. Em busca de um sistema internacional em que

todos os países sejam democracias liberais de mercado, os EUA sob Bush e Obama agem

de forma a minar a soberania estatal dos demais, como é o caso das revoluções coloridas,

de tratados de livre comércio, da construção de Estados pela ONU e da R2P. Os princípios

defendidos que limitam a soberania, no entanto, não se aplicariam aos EUA. Washington se

manteria em uma posição única em ditar para os outros o que fazer, enquanto guardaria

para si a autonomia decisória em PES e mesmo de políticas públicas. Dessa forma, a ordem

internacional visionada pelos EUA prevê, de algum modo, a mudança de status quo. No

entanto, somente se essa mudança for interna e em direção à democracia liberal de

mercado. Esta inclusive se torna o principal fator de legitimidade e justiça da ordem

internacional desejada por Washington.

13 A busca pelo TPP e o TTIP poderia ser considerada mais uma evidência de uma ausência de uma grande

estratégia no governo Obama na medida em que os EUA se enfraqueceriam com esses acordos, no sentido que as empresas multinacionais removeriam todas as suas instalações e fábricas para países onde a mão de obra e outros fatores fossem mais baratos (WALLACH, 2016). Poderia ocorrer, nesse caso, a perda de parte da base nacional do poder estadunidense.

É notável, como nota Richard Kareem Al-Qaq (2009), que a ONU sob essa

perspectiva perde seu papel de promoção do desenvolvimento e entendimento internacional

tal qual fora exercido durante a Guerra Fria e, ao invés disso, foca-se mais nas questões

políticas internas de seus Estados-membros. Essa ênfase é percebida tanto na questão da

R2P — prevenção e ação coletiva em casos de genocídio e violações massivas de direitos

humanos — quanto na promoção do modelo da democracia liberal de mercado na periferia

do sistema internacional. Nos aspectos normativos da grande estratégia estadunidense, a

organização seria mais um instrumento para a difusão de seus valores e seu modo de

governo como solução para todos os problemas do mundo14, além de servir para ratear

custos de intervenção na periferia do sistema.

4 ASPECTOS SECURITÁRIOS E GEOPOLÍTICOS DA GRANDE ESTRATÉGIA DOS EUA

O papel da ONU em questões geopolíticas e securitárias da grande estratégia

estadunidense é pequeno. Anderson (2009) mostra que os EUA possuem todo um sistema

de segurança internacional paralelo que independe da ONU, a qual só agiria na periferia

dele. Desde que soldados do país a serviço da ONU foram mortos na Somália no início da

década de 1990, Washington limitou bastante a cessão de tropas para missões de paz e

essa tendência só se acentuou com a chegada de Bush ao poder.15 Assim sendo, mesmo a

contribuição de policiais para operações da ONU foi severamente restringida. A chegada de

Obama à presidência não mudou significativamente a situação. Aumentou-se somente o

número de oficiais militares em operações de paz com o único propósito de treinar tropas de

outros países. Contudo, isso não significa que essas missões sejam desimportantes para os

EUA, como mostrado na seção anterior. De fato, Obama reforçou a importância delas para a

grande estratégia estadunidense em suas Estratégias de Segurança Nacional e, ao final de

2015, chegou mesmo a comprometer-se a apoiar logisticamente a sua realização.16

14 Isso vem ao encontro da análise de Williams (1959, p. 13 apud VELASCO E CRUZ, 2012, p. 134) que diz que

umas das três grandes concepções da PES estadunidense é a ideia de que “outras pessoas não podem resolver seus problemas e melhorar suas vidas, a menos que procurem fazer isso da mesma maneira que os Estados Unidos.”

15 Nenhum soldado estadunidense participa de missões de paz desde o governo Bush. 16 Essa questão logística aponta para um fator determinante do poder estadunidense: o comando dos comuns

(espaço, ar e mar) (POSEN, 2003). Conforme Posen (2003), a manutenção da hegemonia dos EUA é garantida por sua superioridade militar no acesso e na negação do acesso de terceiros a áreas comuns, tais como os oceanos (e estreitos), o espaço e o ar. O comando sobre os mares permite que os EUA projete sua força para todos os continentes; o comando do espaço serve para dar consciência de situação para a atuação marítima e terrestre; já o comando do ar possibilita ataques de profundidade e precisão em territórios adversários (HEREJK RIBEIRO, 2015). Como informam Machado e Simionato (2015, p. 7), os EUA podem rapidamente deslocar tropas, suprimentos, conduzir operações de inteligência e manobras de apoio de fogo impunemente através dessas capacidades, além de poderem “negar o uso dos comuns a qualquer nação beligerante”, bloqueando o envio de tropas e armamentos, o uso de satélites para operações de inteligência e os fluxos comerciais. Isso foi o que permitiu o rápido envio de tropas para as invasões do Iraque e do Afeganistão, por exemplo.

O arquitetura de segurança internacional dos EUA paralela à da ONU é

representada principalmente pela OTAN e seus aliados mais próximos, como Japão,

Austrália e Coreia do Sul, e secundariamente pelo Tratado Interamericano de Assistência

Recíproca (TIAR), também conhecido como Pacto do Rio, que inclui a maioria dos países da

América Latina e Caribe. A lógica securitária e geopolítica das relações dos EUA com

aqueles parece seguir o raciocínio de Zbigniew Brzezinski (1997), o qual afirmou que a

chave para a hegemonia global está na Eurásia e que os EUA deveriam impedir o

surgimento de uma grande potência (ou concerto entre potências) que possa ameaçar seu

acesso à região. Sob o governo de Bush, a OTAN expandiu-se cada vez mais para o leste

europeu, incluindo países dos Bálcãs e do Báltico, às portas da Rússia. Além disso, ao

observarem-se os países onde ocorrem as revoluções coloridas e medidas de promoção da

democracia, fica claro que há uma relação entre sua ocorrência com a sua localização, que

é principalmente no antigo espaço soviético. O caso ucraniano é o mais sintomático. A

exportação de valores e promoção da democracia no país através do financiamento de

organizações e indivíduos ocorreu duas vezes num espaço de dez anos (primeiro em 2004

na Revolução Laranja e depois em 2013/2014 na Revolução de Maidan) para que ocorresse

uma mudança de regime e um governante mais pró-Moscou fosse retirado do poder

(MEARSHEIMER, 2014). As revoluções coloridas na Ucrânia também apontam para o plano

de instalação do escudo antimísseis balísticos na Europa, pois Kiev pode vir fazer parte do

sistema, gerando ainda mais tensões com a Rússia (PFEIFER CRUZ; LIMA MACHADO,

2012).

Essa lógica securitária e geopolítica de busca pela dominação global é evidenciada

por esse escudo antimísseis, na Europa e no leste asiático. Ele foi concebido e justificado

como uma medida apenas defensiva (contra Coreia do Norte e Irã), mas seria capaz de

interceptar mísseis de quaisquer países, incluindo Rússia e China. Como todo sistema de

defesa, o escudo envolve “uma dimensão ofensiva cujo ataque depende, basicamente, de

três segmentos: 1) sensores; 2) meios de intercepção; 3) meios de ataque aos mísseis

balísticos em sua fase de ascensão atmosférica” (CEPIK; MARTINS, 2014, p. 28–29).

Quanto ao terceiro ponto, os EUA são os únicos a desenvolverem esse tipo de sistema e

este tem a capacidade de penetrar território inimigo para interceptar mísseis em ascensão à

atmosfera (CEPIK; MARTINS, 2014). O escudo antimísseis balísticos da Europa poderia,

por exemplo, derrubar mísseis russos dentro da própria Rússia ou mesmo ser convertido

como arma de ataque ao invés de defesa. Além disso, se os EUA exitosamente

desenvolverem e puserem em operação mísseis antibalísticos hipersônicos, a capacidade

de a China ou a Rússia defenderem-se de um ataque nuclear ou mesmo realizarem uma

retaliação após sua ocorrência estaria em cheque (CEPIK; MARTINS, 2014).

O programa Global Strike de Bush (e mantido por Obama) funcionaria de forma

semelhante à do escudo antimísseis ao permitir um ataque com mísseis balísticos em

qualquer lugar do globo terrestre. Como já dito anteriormente, embora ele seja apresentado

como um instrumento dissuasório, ele, na realidade, tem características ofensivas e de

guerra preventiva. Além disso, Hans Kristensen (2006) também nota que o uso de armas

nucleares é bastante ressaltado no planejamento e na estrutura de comando do Global

Strike, apesar de este ser primariamente baseado em capacidades convencionais, especiais

e informacionais avançadas. Nesse sentido, o autor nota que as armas nucleares perderiam

o fator dissuasório e tornar-se-iam mais uma ferramenta de destruição de alvos.

Essa capacidade de interceptação de mísseis balísticos e de atacar (convencional

ou nuclearmente) qualquer lugar do globo estabeleceriam um monopólio do espaço e das

armas nucleares por parte dos EUA (CEPIK; MARTINS, 2014). Isso significaria que

Washington obteria a condição de primazia nuclear: os EUA poderiam destruir

completamente o arsenal nuclear do inimigo sem que haja contra-ataque (LIEBER; PRESS,

2006 apud HEREJK RIBEIRO, 2015, p. 4). Essa capacidade de incapacitação do adversário

é amplificada pelo conceito operacional da Batalha Aeronaval. Ele pretende desenvolver

ataques integrados e em profundidade nos centros de comando e controle e dos sistemas

de lançamento, antiaéreos e de estocagem do adversário, procurando desestabilizar,

destruir e derrotar as capacidades do inimigo (MACHADO; SIMIONATO, 2015). A Batalha

Aeronaval baseia-se na utilização de tecnologias militares de ponta e de alto preço, tal como

as capacidades furtivas (stealth), hipersônicas, armas termobáricas e de energia direta para

inutilizar eletrônicos vitais da rede de defesa (MACHADO; SIMIONATO, 2015). Sendo

assim, a primazia nuclear estaria ainda mais garantida.

Considerando-se esses que a paz internacional é baseada na dissuasão, i.e. que a

retaliação a um ataque nuclear seria tão custosa que não haveria benefício imaginável em

atacar primeiro, os EUA estariam, com a obtenção da primazia nuclear, arriscando produzir

mais insegurança internacional (CEPIK; MARTINS, 2014). A Batalha Aeronaval, o Global

Strike e o escudo antimísseis balísticos erodem o equilíbrio que há no sistema internacional

e podem levar a uma nova corrida armamentista que pode, até mesmo, gerar mais

insegurança para os próprios EUA. Washington poderia estar incentivando Moscou e

Pequim a atacarem primeiro preventivamente ou mesmo forçando uma escalada nuclear

para eventuais pequenos conflitos.

Marco Cepik e José Miguel Martins (2014, p. 16) notam que “dados os custos

políticos e os riscos para a ordem internacional, a obtenção da primazia nuclear deixou de

fazer parte da política declaratória do governo norte-americano após a eleição do presidente

Barack Obama [...]”. No entanto, sobre a continuidade dos programas Global Strike e os

escudos antimísseis (e mesmo a adoção da Batalha Aeronaval) durante o governo Obama,

os autores acrescentam que: a construção de armamentos (um meio) passa a presidir a própria política externa e de defesa. Então, seja por inércia burocrática, influência patrimonial, ou ambos, dá-se continuidade aos programas que já envolveram maior dispêndio. E isso não coincide, necessariamente, com o que é o mais necessário estrategicamente, ou mesmo urgente, muito menos, necessariamente, com o resultado das eleições presidenciais, a vontade do Congresso Nacional ou da opinião pública. Pior, corre-se o risco de tudo isso gerar uma retroalimentação viciosa, visto que as dinâmicas internacionais geradas pelo perfil dos programas de modernização acabam justificando a sua continuidade (CEPIK; MARTINS, 2014, p. 18).

Por conta disso, alega-se o governo Obama não possui uma grande estratégia,

como já dito anteriormente. A vontade popular apontou, ao eleger Obama, para o desejo de

concertação e multilateralismo na condução da PES do país; porém, pelos motivos acima

apresentados, os programas e doutrinas militares mantiveram-se os mesmos. Com isso, o

presidente pouco pode fazer para a grande estratégia do país em questões securitárias.

Corrobora-se, também, a percepção de que os EUA estão em busca do domínio global. As

consequências disso para a ONU e a ordem internacional em geral serão vistas a seguir.

5 CONCLUSÃO

Como visto no decorrer do trabalho, a busca de Bush pela primazia nuclear e

dominação global por parte dos EUA foi mantida no governo Obama, o qual ao menos

retoricamente opunha-se a essas iniciativas. Como bem observa Mearsheimer: O domínio global tem dois objetivos amplos: manter a primazia estadunidense, o que significa assegurar que os Estados Unidos continuem sendo o Estado mais poderoso no sistema internacional; e difundir a democracia ao redor do mundo, na verdade, refazendo o mundo à imagem dos EUA. A crença subjacente é que novas democracias liberais serão inclinadas à paz e pró-estadunidenses, então quanto mais melhor. Evidentemente, isso significa que Washington precisa se preocupar muito sobre a política de todos os países. Com o domínio global, não é feita nenhuma tentativa séria de priorizar os interesses dos EUA, porque eles são virtualmente ilimitados. [...] Essa grande estratégia é ‘imperial’ em seu núcleo; seus proponentes acreditam que os Estados Unidos têm o direito bem como a responsabilidade de interferir na política dos outros países (MEARSHEIMER, 2011, p. 19, tradução própria).

O lugar da ONU nessa grande estratégia estadunidense seria, portanto bastante

restrito. Por um lado, ela serviria para a difusão dos valores estadunidenses, i.e. a

democracia liberal de mercado. Por outro, ela também serviria para a divisão de custos com

os demais Estados-membros da instituição.

Ao visar a um sistema internacional composto mormente por democracias liberais

de mercado, os EUA acabam minando os fundamentos do sistema wesfaliano e, por

consequência, as bases da própria ordem internacional atual. Em regiões próximas aos

seus principais adversários (China e Rússia), Washington promove democracia através de

revoluções coloridas, levando o embate às portas de Moscou e Pequim. Enquanto isso, a

ONU estaria homogeneizando os regimes da periferia para que se conformem com o

modelo democrático liberal capitalista. Nesse sentido, a ordem internacional visionada pelos

EUA prevê mudança de status quo apenas em uma direção, a democracia liberal de

mercado, e todo o resto seria combatido, seja diretamente (promoção da democracia), seja

indiretamente (ONU). Essa visão de ordem internacional absolutizante parece inviável e

mesmo o povo estadunidense não parece conformado em persegui-la. As consequências

para o sistema internacional são imensas e para a segurança dos próprios EUA também.

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