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O PAPEL DOS ADVOGADOS PÚBLICOS NO COMBATE À CORRUPÇÃO: LEGITIMIDADE E INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO Rafael Santos de Barros e Silva [email protected]

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O PAPEL DOS ADVOGADOS PÚBLICOS NO COMBATE À CORRUPÇÃO:

LEGITIMIDADE E INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO

Rafael Santos de Barros e Silva

[email protected]

O PAPEL DOS ADVOGADOS PÚBLICOS NO COMBATE À CORRUPÇÃO:

LEGITIMIDADE E INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO

Trabalho produzido para ser apresentado no XXXIX

Congresso Nacional dos Procuradores de Estado

Dedico aos colegas procuradores de Estado e do

Distrito Federal.

SUMÁRIO

1. RESUMO_______________________________________________________________5

2. INTRODUÇÃO__________________________________________________________6

3. DA LEGITIMIDADE DOS ADVOGADOS PÚBLICOS PARA ADOÇÃO DE

MEDIDAS NO COMBATE À CORRUPÇÃO__________________________________7

4. ALGUNS MECANISMOS DE AUXÍLIO À ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS

PÚBLICOS NA MISSÃO DE IDENTIFICAR E PUNIR OS AGENTES PÚBLICOS

INFRATORES____________________________________________________________15

5. CONCLUSÕES_________________________________________________________21

6. REFERÊNCIAS________________________________________________________22

1. RESUMO

O presente escrito tem por finalidade reafirmar a legitimidade do advogado

públicos na defesa dos direitos difusos da sociedade, demonstrando a necessidade de uma

paridade de armas entre os membros da Advocacia pública e do Ministério Público naquilo

em que haja competência comum de atuação.

Em um segundo momento, são elencados instrumentos que estão à disposição

das procuradorias públicas para viabilizar o acesso de seus membros a bancos de dados

geridos pelo governo federal, cujas informações são de grande valia para a instrução de

processos, administrativos e judiciais, promovidos na defesa do patrimônio público.

6

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem dois objetivos: (1) reafirmar a relevante atuação

que as advocacias públicas podem exercer no combate à corrupção; (2) apresentar aos

colegas procuradores públicos, principalmente os procuradores de Estado, sobre

importantes instrumentos que estão à disposição das procuradorias para facilitar a

identificação e punição de agentes públicos que tenham praticados ilícitos contra o

patrimônio público.

Dessa maneira, a primeira parte deste escrito busca informar ao leitor a

respeito das funções desempenhadas pela advocacia pública, especificamente a respeito

das competências que esta instituição desempenha na defesa dos interesses de toda a

coletividade.

Já o segundo ponto do trabalho objetiva informar aos advogados públicos

a respeito de instrumentos que podem otimizar o exercício de suas atribuições na defesa

do erário.

O material para a produção do presente estudo foi obtido da experiência

do autor como representante da Advocacia-Geral da União (em 2006) e, depois, da

ANAPE (a partir de 2009) na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem

de Dinheiro, fórum criado e gerido pelo Ministério da Justiça em 2005 e no qual os

procuradores estaduais, através de sua associação nacional, possuem assento desde

2009.

Dessa maneira, as informações aqui contidas passam longe de possuírem

um caráter acadêmico ou doutrinário, buscam, muito mais, reforçar tão relevante função

da advocacia pública, apontando a necessidade de haver igualdade de condições com

outras instituições c0-legitimadas para a defesa do Patrimônio Público.

7

3. DA LEGITIMIDADE DOS ADVOGADOS PÚBLICOS PARA ADOÇÃO DE

MEDIDAS NO COMBATE À CORRUPÇÃO

Neste primeiro momento, para assinalar sobre qual ambiente estamos

tratando, é importante registrar a base constitucional da advocacia pública que está nos

arts. 131 e 132, da CF/88:

CAPÍTULO IV DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

... Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Assim, nos termos da Carta Magna, a existência de um corpo de

advogados a serviço da União e dos Estados Federados é uma função essencial à

administração da Justiça.

A simples topografia da Advocacia Pública na CF/88 já evidencia que tal

função não se exaure na representação judicial ou na consultoria jurídica de um

8

determinado ente político, mas transcende este aspecto para servir de função essencial a

todo o Sistema de Justiça do país.

Dessa maneira, a atuação dos advogados públicos não está restrita à

defesa dos interesses do ente político que represente, vai mais além, conferindo-lhe

legitimidade para promover medidas judiciais, bem como instaurar procedimentos

administrativos nos quais o primeiro beneficiado é a sociedade, a população em geral.

Assim, da mesma forma como ocorre com o Ministério Público, também

compete à Advocacia Pública promover ações em defesa do meio ambiente, do direito à

saúde, à educação, cultura, lazer e diversos outros direitos difusos.

Nada obstante, a grande mídia geralmente identifique tais atuações como

sendo exercidas pelos membros do Ministério Público, essas atribuições podem ser, e o

são, igualmente integrantes da Advocacia Pública.

Uma distinção que deve se anotada na atuação dos advogados públicos e

dos membros do Ministério Público naquilo compreendido entres suas competências

comuns, é a presença de uma legitimidade democrática muito mais acentuada na defesa

dos interesses públicos quando essa tarefa é exercida pelos procuradores da Fazenda

Pública.

Com efeito, quando uma determinada procuradoria intenta medida

judicial em defesa de um direito difuso, para a proteção do meio ambiente, por exemplo,

está ela agindo em defesa de um plano de governo que foi escolhido pela população,

através do voto direto no chefe do Poder Executivo.

Esse caráter democrático da atuação dos advogados públicos em defesa

de um plano de governo escolhido diretamente pelos cidadãos deve ser destacado na

medida em que, até mesmo em decorrência da independência funcional quase que

absoluta inerente aos membros do Ministério Público, muitas das vezes, a opinião do

parquet pode não coincidir com a vontade da população ao eleger determinado plano de

governo e neste ponto, deve-se registrar que, a opção por um ou outro plano de ação

para realizar determinado objetivo é uma atividade plenamente política.

Esse papel de defesa do patrimônio público por meio da atuação dos

advogados públicos é amplamente reconhecido no âmbito do Poder Judiciário quando,

inclusive, verifica-se o ajuizamento de ações civis públicas em conjunto com o

Ministério Público e os entes políticos:

9

CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE CALÇADÃO E

FAIXA DE PRAIA. DELIMITAÇÃO DA ÁREA E

RESTRIÇÃO DE ACESSO AO PÚBLICO. CONSTRUÇÕES

EM TOTAL DESCOMPASSO COM O PADRÃO DEFINIDO

PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL, INCLUSIVE COM

SUBSOLO E ATERRO SOBRE A FAIXA DE PRAIA.

FLAGRANTE ILEGALIDADE NA OCUPAÇÃO DO BEM

DE USO COMUM. 1. Hipótese de ação ajuizada pelo

Ministério Público Federal, pela União e pelo Município de

Fortaleza em face de permissionário de quiosque do

calçadão da beira-mar, que estaria ocupando irregularmente

parte do calçadão e da faixa de praia, promovendo, ali,

construções irregulares. 2. Alegação de nulidade da sentença,

haja vista o indeferimento de prova consistente no depoimento

dos funcionários municipais que, num primeiro momento,

teriam confirmado regularidade da obra em questão. Nulidade

não configurada, ante o reconhecimento da irrelevância da

declaração dos referidos, já que a questão de fato é técnica, qual

seja: a (in)compatibilidade do empreendimento atual com o

projeto de urbanização do calçadão de Fortaleza e a

(des)caracterização do referido bem como de uso comum do

povo. 3. Alegação de nulidade da sentença, em razão do

indeferimento de prova consistente no depoimento de

representante da SPU, que teria concedido permissão de

ocupação de um outro empreendimento semelhante. Nulidade

não configurada, ante à impertinência da prova. 4. Alegação de

nulidade da sentença, por imprestabilidade do laudo pericial,

que teria se resumido a responder afirmativa ou negativamente

às questões propostas, deixando de apresentar suas razões.

Questão preclusa, uma vez que resolvida em decisão

interlocutória da qual não se interpôs agravo. 5. Alegação de

nulidade da sentença, por imprestabilidade do laudo pericial,

10

que conteria algumas contradições. Nulidade que não se

reconhece, haja vista configurar a hipótese em suposta baixa

aptidão probatória da perícia, o que levaria a error in judicando.

Prova pericial, ademais, complementada pelo perito, que

esclareceu as aparentes contradições. 6. Conjunto probatório

harmônico - fotografias, relatório de vistoria da SPU, Relatório

Técnico do IBAMA e laudo pericial -, respaldando que a

demandada: a) ocupa área no entorno do quiosque original, área

esta delimitada fisicamente de modo que, a partir do calçadão,

se faz acessível em um único ponto - pórtico/entrada - e b)

transformou referida área em restaurante/casa de shows,

mediante construções diversas, destacando-se playground, aterro

sobre a faixa de praia e escritório em subsolo. 7. Conclusões

reforçadas pelo laudo do perito contratado pela demandada que

acaba por confessar que o que era pra ser um quiosque em um

calçadão virou uma barraca de praia, com uma única entrada. 8.

Apropriação privada do bem de uso comum do povo confessada

pela propaganda da própria ré na internet, donde se ver que seu

empreendimento se trata de uma casa de shows, acessível

mediante a compra de ingressos. 9. Confirmação da sentença

que determinou a demolição de todas as obras não previstas no

projeto de urbanização da av. beira mar de Fortaleza, mantendo-

se de pé unicamente o quiosque. 10. Apelação improvida.

(AC 200181000028216, Desembargador Federal Fernando

Braga, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::25/07/2013 -

Página::274.)

Essa co-legitimidade do Ministério Público e dos Entes Políticos para

propor ações civis em defesa do patrimônio decorre da própria legislação que assim

admite:

Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92): Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do

11

seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. § 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais. Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput. § 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público. Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85): Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Dessa forma, o problema enfrentado pelos advogados públicos no

exercício de tal mister constitucional não está na ausência de legitimidade, mas na

desigualdade de armas, na falta de instrumentos materiais capazes de permitir a

execução de um trabalho tão aparente e efetivo quanto o do Ministério Público.

A desigualdade existente entre os instrumentos à disposição dos

advogados públicos e aqueles utilizados pelos membros do Ministério Público, quando

ambos atuam em demandas exatamente iguais para as quais são igualmente legitimados,

é enorme.

Quando se fala dessas desigualdades, não se quer, apenas, referir-se às

questões estruturais e de pessoal dos órgãos (Ministério Público e Advocacia Pública)

ou mesmo às disponibilidades financeiras e orçamentárias, que evidenciam a existência

de um abismo entre ambos. Não é só isso. Ainda que tais pontos sejam fundamentais,

existem questões que poderiam, e podem, ser solucionadas apenas por meio de uma

determinada postura interpretativa ou de uma gestão pró-ativa por parte das advocacias

12

públicas na intenção de criar em suas estruturas unidades especializadas na defesa (pró-

ativa) do patrimônio público.

Pensando em uma construção interpretativa que, por si só, poderia

impulsionar a atuação da Advocacia Pública na defesa dos interesses da coletividade,

temos a atuação nos procedimentos administrativos de investigação por desvios de

verbas públicas. Para esses casos, o Supremo Tribunal Federal já afirmou que o

Ministério Público pode requerer diretamente às instituições financeiras informações

sobre contas bancárias, mesmo privadas, em que hajam sido depositados recursos

públicos, hipótese em que o fornecimento das informações requeridas não configura

violação ao dever de sigilo bancário1. Apesar de essa questão ter voltado a se tornar

polêmica no final do ano de 2010 quando o STF afirmou que as informações bancárias

só poderiam ser acessadas por meio de decisão judicial2, tal entendimento continua

sendo aplicável, como se pode verificar em recente precedente do Tribunal Regional

Federal da 5ª Região:

PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SIGILO BANCÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA. LIMITE TERRITORIAL DA COISA JULGADA. 1. Sentença que acolhe pretensão formulada em ação civil pública, para obrigar instituição financeira a fornecer ao Ministério Público Federal, quando requisitados, "os dados relativos a contas bancárias abertas como sendo de natureza privada, mas que tenham creditamento de recursos públicos por meio de convênio, sob pena de ser arbitrada multa diária no valor de R$ 5.000,00". 2. Apelação alegando: a) inadequação da via processual; b) formulação de pedido nocivo ao patrimônio público; c) perda de interesse processual superveniente; d) dever de sigilo com relação a contas bancárias particulares; e) descabimento da astreinte e irrazoabilidade do valor para ela arbitrado; e f) restrição da coisa julgada à Comarca de Mossoró. 3. Parecer da Procuradoria Regional Federal opinando pelo não provimento da apelação. 4. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público (Constituição Federal, art. 129, inciso III, Súmula nº 329 do STJ). 5. Como meio de desestimular o descumprimento do provimento jurisdicional eventualmente concedido, o pedido de astreinte constitui, longe de uma

1 MS 21.729, STF, Rel. p/ acórdão Min. Néri da Silveira, DJ 19/10/01

2 RE 389808/PR, STF, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, DJe-09-05-2011

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ameaça, uma garantia a mais ao patrimônio público cuja proteção se busca nesta ação. 6. O Ministério Público não precisa recorrer ao Judiciário para obter, das instituições financeiras, informações sobre contas bancárias, mesmo privadas, em que hajam sido depositados recursos públicos. Hipótese em fornecimento das informações requeridas não configura violação ao dever de sigilo bancário. Precedente do STF (MS nº 21.729, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Néri da Silveira, DJ 19/10/01, p. 33). 7. A "aplicação das astreintes deve nortear-se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade", de modo que sua expressão monetária seja suficiente para "desestimular a inércia injustificada do sujeito passivo em cumprir a determinação do juízo, mas sem se converter em fonte de enriquecimento do autor/exeqüente" (REsp nº 1.112.862/GO, STJ, Primeira Seção, Min. Humberto Martins, DJe 4/5/11, julgado representativo da controvérsia). Multa diária condizente com as peculiaridades do caso. 8. "A sentença na ação civil pública faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, com a novel redação dada pela Lei 9.494/97 (AgRg nos EREsp nº 253.589/SP, Corte Especial, Min. Luiz Fux, DJe 1º/7/08). 9. Apelação provida, em parte, para restringir os efeitos do provimento jurisdicional ao território da Subseção Judiciária de Mossoró. (AC 200684010007688, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::17/01/2013 - Página::31.) g.n.

Ora, se não há dever de sigilo oponível ao Ministério Público quando se

tratam de recursos públicos depositados em conta bancária privada, por que existira este

para a própria Fazenda Pública proprietária de tais recursos? Se o membro do Ministério

Público pode ter acesso direto aos dados de contas bancárias na investigação de desvio

de verbas públicas, igualmente o advogado público do Ente Político lesado deve ter essa

prerrogativa. Necessária uma isonomia entre funções que possuem mesma competência

para a matéria. Se a verba é pública, não deve haver sigilo para o representante do Poder

Público.

Deve-se aplicar o princípio da Paridade de Armas, tão consagrado na

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quando se busca igualar os direitos da

acusação e defesa3, também para o caso em que se está diante de co-legitimados, na

3 RMS 21884, STF, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, DJ 25-11-1994

14

medida em que, se ambos podem propor determinada medida judicial na defesa do

Patrimônio Público, devem, igualmente, poder utilizar os mesmos instrumentos.

Essa igualdade de poderes deve ser buscada por meio de uma legislação

que fortaleça as funções da Advocacia Pública, mas, também, pela inovação de posturas

por parte dos procuradores e, principalmente, com a iniciativa dos gestores em criar

ambientes organizacionais próprios para o desempenho dessas atividades.

No próximo ponto, explanar-se-á sobre alguns instrumentos que podem

ser de grande valia ao desempenho dessas funções da Advocacia Pública.

15

4. ALGUNS MECANISMOS DE AUXÍLIO À ATUAÇÃO DOS ADVOGADOS

PÚBLICOS NA MISSÃO DE IDENTIFICAR E PUNIR OS AGENTES

PÚBLICOS INFRATORES

As considerações elencadas neste capítulo decorrem da experiência e dos

conhecimentos obtidos pelo autor quando exerceu o cargo de Advogado da União no

Departamento de Defesa do Patrimônio da União – DDPU/PGU, no âmbito da

Procuradoria-Geral da União, bem como de sua atuação como representante da AGU e

depois da ANAPE na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de

Dinheiro – ENCCLA.

A ENCCLA é um fórum idealizado e gerido pelo Ministério da Justiça e

conta com a participação de diversos órgãos e entidades da Administração Pública

Federal, bem como entidades de classe, dentre essas a ANAPE.4

A ENCCLA tem por objetivo estabelecer e executar ações que objetivem

aprimorar o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no Brasil.

A primeira questão que deve ser colocada em destaque ao se pensar

numa atuação pró-ativa na defesa do patrimônio público por parte das Procuradorias da

Fazenda é a existência de uma estrutura destacada para a realização deste trabalho.

Não parece adequado que aquele advogado responsável pelas ações que

envolvem servidores públicos, execuções fiscais, fornecimento de medicamentos e

todas as inúmeras demandas na quais a Fazenda Pública ordinariamente já se depara,

tenha, também, que atuar, concomitantemente, em ações civis públicas, ações de

improbidade e de ressarcimento ao erário nas quais o Ente Político seja autor, demandas

essas que, por vezes, exigem um trabalho extrajudicial muito intenso e que demanda

muito tempo.

Daí, o ideal é que haja a criação de unidades próprias para lotação de

advogados públicos que atuem exclusivamente nestas demandas. Assim ocorreu no ano

de 2005 no âmbito da Procuradoria-Geral da União onde foi criado o Departamento de

Defesa do Patrimônio da União – DDPU/PGU no qual o autor teve oportunidade de ser

membro integrante da primeira composição.

4 Mais informações buscar em: http://portal.mj.gov.br

16

Após a criação deste departamento central no âmbito da PGU, a

consequência foi a replicação deste modelo em quase todas as suas unidades espalhadas

no Brasil.

Importante destacar que essa estrutura pró-ativa não deve se confundir

com os núcleos especializados em execuções fiscais, uma vez que o trabalho judicial

envolvido é bastante diverso.

O segundo ponto que se pretende explanar neste capítulo refere-se a

alguns instrumentos que muitas das vezes são desconhecidos dos procuradores públicos,

principalmente dos que atuam em âmbito estadual, e que servem para otimizar a

instrução de processos, administrativos e judiciais, de defesa do patrimônio da União.

Trata-se de bancos de dados geridos por órgãos do governo federal e que

podem ser facilmente acessados pelos advogados públicos mediante celebração de

convênios com as respectivas procuradorias.

Os instrumentos abaixo listados podem ser úteis não apenas para essas

ações na quais se busca uma atuação pró-ativa da Procuradoria, mas, também, nas ações

mais comuns em que sua busca a cobrança de um crédito devido à Fazenda Pública ou

simplesmente localizar o endereço de uma parte no processo.

Na sequência, então, são listados os bancos de dados disponíveis, bem

como algumas considerações sobre cada um deles e indicação de como iniciar o

procedimento para que haja a concessão de acesso a tais informações para as

procuradorias.

a) Cadastro Nacional de Empresas - CNE

Trata-se de cadastro desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento e

Comércio Exterior – MDIC e conforme definição do próprio Ministério, o CNE5:

É um instrumento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC, criado pela Lei nº 4.726/65 e mantido pela Lei nº 8.934/94, tendo por órgão gestor o Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC. Incorpora dados dos atos arquivados de empresas registradas nas 27 Juntas Comerciais do País

5 http://cne.mdic.gov.br/

17

O DNRC, observando as suas atribuições legais, adotou como estratégia para a constituição e atualização do Cadastro Nacional de Empresas - CNE, a informatização das Juntas Comerciais, com a formação dos Cadastros Estaduais de Empresas. A confiabilidade no CNE depende da qualidade dos dados existentes nos Cadastros de Empresas existentes nas Juntas Comerciais que constituem a base de atendimento das necessidades operacionais das Juntas Comerciais, e que são originários dos documentos das empresas arquivados nas Juntas. São diretrizes para a formação do CNE: Consolidar em uma base integrada todas as informações relevantes e necessárias existentes nas bases de dados das Juntas Comerciais. Revisar a consistência das informações existentes na base de dados do CNE promovendo ações conjuntas entre a Coordenação-Geral de Modernização e Informática - CGMI, o Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC e as Juntas Comerciais para a obtenção da necessária qualidade da informação no Cadastro. Elaborar uma sistemática de acesso e de perfis de acesso mediante senhas. Atender inicialmente as necessidades operacionais do Departamento Nacional de Registro do Comércio, das Juntas Comerciais e dos órgãos públicos de fiscalização e controle.

Pelas informações contidas no CNE já se pode verificar a enorme

utilidade que essa ferramenta on line pode proporcionar aos procuradores de Estado na

busca de endereços, informações sobre participações societárias e bens de devedores do

erário.

As Procuradorias de Estado podem realizar convênio com o MDIC para

ter acesso ao cadastro, para isso basta seguir as orientações constantes do site

www.cne.desenvolvimento.gov.br. 6

b) Sistema INFOSEG

O Sistema INFOSEG possibilita o acesso da Procuradoria a dados pessoais

sobre cidadãos em relação aos quais se esteja buscando endereços atualizados, bens

passíveis de contrição, bem como informações sobre vida pregressa.

6 Para outros esclarecimentos e para iniciar as tratativas de celebração do convênio, pode ser feito da Procuradoria interessada com o DNRC/BRASÍLIA SAUS Quadra 02 - lote 1/A Bairro: Asa Sul – Brasília - DF CEP: 70070-020 Telefone: PABX(61) 2027-8800

18

Tais informações são de grande valia para instruir ações nas quais o órgão

de representação judicial esteja executando créditos ou, ainda, nas ações de

ressarcimento, ações civis públicas ou de improbidade ajuizadas para defender o

patrimônio público estadual.

O INFOSEG é gerido pelo Ministério da Justiça e para iniciar os trâmites

para a celebração de um convênio para acesso, a Procuradoria Estadual deve

encaminhar um ofício ao Coordenador Nacional da Rede INFOSEG justificando as

razões pelas quais o acesso é necessário.7

Simultaneamente ao encaminhamento do ofício, o setor responsável da

procuradoria pode acessar o site www.infoseg.gov.br, no link formulário de acesso e já

preencher os dados do usuário – perfil de Coordenador Administrativo Titular - que será

o Administrador no âmbito da Procuradoria (indicar um servidor de cargo efetivo) e

enviar eletronicamente o formulário preenchido.

c) CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais

O CNIS possui dados individualizados sobre contribuintes/segurados da

previdência social e que podem ser muito úteis ao trabalho desenvolvido pelas

procuradorias estaduais na recuperação de créditos da Fazenda Pública. Trata-se de uma

base de dados nacional que contém informações cadastrais de trabalhadores empregados

e contribuintes individuais, empregadores, vínculos empregatícios e remunerações.

O ofício solicitando acesso ao CNIS deve ser endereçado ao Sr.

Secretário Executivo do Ministério da Previdência.8

d) Sistema Argus

O Sistema Argus foi apresentado aos órgãos componentes da ENCCLA na

reunião plenária ocorrida em novembro de 2012, na Paraíba. Trata-se de uma

7 Esplanada dos Ministérios, Ministério da Justiça, Edifício Anexo II, Térreo, INFOSEG, CEP 70.064-900. Brasília/DF. Fone: (61) 3962-

1999. 8 Esplanada dos Ministérios, Bloco F Brasília, DF - CEP: 70.059-900 Fone: (61) 2021-5885/5444 Fax: (61) 2021-5989.

19

ferramenta desenvolvida pelo Ministério Público Militar para auxiliar na prevenção e na

repressão da criminalidade organizada, tráfico de drogas e crimes de fronteira. Foi

desenvolvido pelo Centro de Apoio à Investigação (Cpadsi) do MPM, e representa uma

ferramenta de inteligência financeira e análise visual capaz de reunir, relacionar e

analisar dados de quebras de sigilos bancários autorizadas pela Justiça910.

O sistema proporciona uma modernização dos procedimentos e

instrumentos de investigações financeiras, promove a análise e o cruzamento dos dados

tornando mais claras as informações de interesse aos peritos, esclarece.

O Cpadsi constatou que os gráficos gerados pelo Argus reduzem em até

80% o tempo gasto na investigação de quebra de sigilo. A ferramenta tem capacidade de

compilar todas as informações referentes à quebra numa única consulta e realizar o

cruzamento contextualizando desses dados.

O Argus é capaz de responder, instantaneamente, por meio de gráficos

navegáveis, a questionamentos referentes a movimentação financeira tais como: Quais

investigados transferiram diretamente dinheiro para as contas uns dos outros? Qual o

montante das movimentações financeiras entre os investigados? Existe algum

intermediador (laranja) que deveríamos solicitar também a quebra de sigilo?Houve

algum período de movimentação atípica? Esses são apenas exemplos das várias

possibilidades de respostas que se pode obter com o sistema.

O MPM já assinou termos de cooperação técnica com vários Ministérios

Públicos e também com a Advocacia Geral da União, o que denota ser uma ferramenta

igualmente útil à atuação dos advogados públicos quando atuam em ações promovidas

na defesa do Patrimônio Público.

O nome Argus é originário da mitologia grega. Argus ou Argos (Άργος)

Panoptes – aquele que tudo vê – era um gigante com 100 olhos e um excelente vigia,

pois jamais dormia plenamente. Quando 50 de seus olhos se fechavam, os outros 50

permaneciam abertos.

9 Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1825:banco-nacional-de-projetos&catid=3:noticias-principal&Itemid=146 Acesso em: 29.08.2013

10 Ministério Público Militar - Procuradoria-Geral de Justiça Militar - Setor de Embaixadas Norte, lote 43, Brasília (DF), CEP 70800-400. Para informações sobre a celebração de convênio, contactar o Centro de Apoio à Investigação – CPADSI (61) 61 – 3255.7412

20

e) Sistema CENSEC - Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados

É um sistema administrado pelo Colégio Notarial do Brasil - Conselho

Federal - CNB-CF - cuja finalidade é gerenciar banco de dados com informações sobre

existência de testamentos, procurações e escrituras públicas de qualquer natureza,

inclusive separações, divórcios e inventários lavradas em todos os cartórios do Brasil11.

Em 08 de agosto de 2012 o Conselho Nacional de Justiça - CNJ firmou o

Termo de Cooperação Técnica n.º 24/2012 objetivando viabilizar a consulta de dados

sobre procurações e escrituras existentes nos bancos das centrais de informações do

CNB e suas seccionais.

As centrais de informações podem ser acessadas por órgãos públicos,

autoridades e outras pessoas ou entidades indicadas pela Corregedoria Nacional de

Justiça ou pela Presidência do CNJ12.

A celebração deste termo de cooperação entre o CNJ e o CNB teve por

objetivo, também, efetivar uma ação traçada pela ENCCLA em 2011 para permitir o

acesso dos órgãos integrantes às informações constantes dos cartórios extrajudiciais.

Desnecessário explanar sobre a importância do acesso, on line, a

testamentos, procurações e escrituras públicas de qualquer natureza registrados nos

Cartórios em todo o Brasil, para a atuação dos procuradores públicos que lidam com a

recuperação de ativos da Fazenda.

11 Disponível em: http://www.censec.org.br/home.aspx?AspxAutoDetectCookieSupport=1 Acesso em: 29.08.2013 12 Para informações sobre como obter cadastramento para acesso ao CENSEC, contactar a Corregedoria Nacional de Justiça no CNJ.

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5. CONCLUSÕES

Antes de qualquer conteúdo doutrinário, a intenção da presente

monografia consistiu em firmar uma posição em defesa da atuação dos advogados

públicos na proteção dos interesses difusos da sociedade e a necessidade de que esses

tenham as mesmas armas disponíveis para os co-legitimados no combate aos ilícitos

praticados contra a Administração Pública.

Ao explanar sobre os diversos bancos de dados que estão disponíveis

para auxiliar na atuação dos procuradores estaduais, o objetivo é simplesmente informar

aos colegas para que possam, no âmbito de suas instituições, adotar as providências

necessárias à celebração dos respectivos convênios e comecem a utilizar essas valorosas

as ferramentas que estão à nossa disposição.

Por fim, a elaboração deste trabalho representa, também, uma prestação

de contas do trabalho desenvolvido pelo autor como representante da ANAPE na

ENCCLA nos últimos quatro anos.

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6. REFERÊNCIAS

http://cne.mdic.gov.br

http://www.cnmp.mp.br

http://www.censec.org.br

http://www.infoseg.gov.br

www.stf.jus.br

www.trf5.jus.br

Constituição Federal de 1988

Lei n.º 8.429/92

Lei n.º 7.347/85