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1 O PIBID E O ENSINO DE HISTÓRIA: CONSTRUÇÃO DE NOVOS SABERES AYUSSO MARTINS, Manoel 1 MARTINO, Vânia de Fátima 2 DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS 1. RESUMO Há um tempo a escola tem sido reavaliada enquanto espaço de aprendizagem no que diz respeito a o que ensinar, como e para qual finalidade. Para além do ambiente escolar normativo e legal, busca-se ressaltar a importância dos "silêncios", entrelinhas e valores que o compõem e estão presentes nas relações que o constituem. A noção de cidadania e os pressupostos que a ela se relacionam (autonomia, criticidade, democracia, justiça, igualdade, respeito, flexibilidade, etc) é um dos pilares centrais para pensar a dinâmica escolar sob essa outra ótica. O presente resumo é uma síntese do artigo, que tem como finalidade entender e esmiuçar de que(quais) forma(s) o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - criado em 2007 pelo Ministério da Educação e implementado pela CAPES/FNDE com diversos objetivos, dentre estes a formação de professores através da ponte academia - comunidade; e a aculturação e riqueza do contato professor [em fase inicial] - aluno da rede pública) se relaciona com a construção da noção de cidadania nos alunos do ensino fundamental público de SP. Para tal finalidade, serão considerados três elementos fundamentais que garantem a aplicação do conceito de cidadania no ambiente escolar - currículo do Estado de SP, metodologia e relações interpessoais; através de relatos de experiência vividos junto aos alunos das séries finais no município de Franca em parceria com os bolsistas do PIBID da FCHS - UNESP de Franca. PALAVRAS-CHAVE: espaço educacional, cidadania, PIBID, valores, formação de professores 1 Discente da graduação em História e Bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – CAPES) da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP - Campus de Franca. e-mail: [email protected] 2 Profa. Dra. da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP - Campus de Franca. e-mail: [email protected]

O PIBID E O ENSINO DE HISTÓRIA: CONSTRUÇÃO DE … · (A República no Brasil), dinâmica de discussão e aplicação de questionário investigativo e avaliativo, e avaliação

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O PIBID E O ENSINO DE HISTÓRIA: CONSTRUÇÃO DE NOVOS SABERES

AYUSSO MARTINS, Manoel1

MARTINO, Vânia de Fátima2

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1. RESUMO

Há um tempo a escola tem sido reavaliada enquanto espaço de aprendizagem no que

diz respeito a o que ensinar, como e para qual finalidade. Para além do ambiente escolar

normativo e legal, busca-se ressaltar a importância dos "silêncios", entrelinhas e valores que o

compõem e estão presentes nas relações que o constituem. A noção de cidadania e os

pressupostos que a ela se relacionam (autonomia, criticidade, democracia, justiça, igualdade,

respeito, flexibilidade, etc) é um dos pilares centrais para pensar a dinâmica escolar sob essa

outra ótica. O presente resumo é uma síntese do artigo, que tem como finalidade entender e

esmiuçar de que(quais) forma(s) o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à

Docência - criado em 2007 pelo Ministério da Educação e implementado pela CAPES/FNDE

com diversos objetivos, dentre estes a formação de professores através da ponte academia -

comunidade; e a aculturação e riqueza do contato professor [em fase inicial] - aluno da rede

pública) se relaciona com a construção da noção de cidadania nos alunos do ensino

fundamental público de SP. Para tal finalidade, serão considerados três elementos

fundamentais que garantem a aplicação do conceito de cidadania no ambiente escolar -

currículo do Estado de SP, metodologia e relações interpessoais; através de relatos de

experiência vividos junto aos alunos das séries finais no município de Franca em parceria com

os bolsistas do PIBID da FCHS - UNESP de Franca.

PALAVRAS-CHAVE: espaço educacional, cidadania, PIBID, valores, formação de

professores

1 Discente da graduação em História e Bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – CAPES) da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP - Campus de Franca. e-mail: [email protected] 2 Profa. Dra. da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP - Campus de Franca. e-mail: [email protected]

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2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz questionamentos acerca da atual dinâmica escolar do ensino

básico público do Estado de São Paulo. Há algum tempo a escola tem sido reavaliada

enquanto espaço de aprendizagem no que diz respeito a o que ensinar, como e,

principalmente, para qual finalidade. Entendemos que este mesmo espaço deve

obrigatoriamente acompanhar as inovações e mudanças impostas pela sociedade em que se

insere.

Como é sabido, vivemos tempos modernos. Estes se inserem nas mais diversas

instâncias da vida social, cultural, política; interferindo nas relações pessoais, em âmbito

público ou privado, ditando novas regras, estabelecendo novos padrões. Por exemplo,

tomamos conhecimento de um fato do outro lado do globo alguns instantes após ele ter se

dado, conhecemos pessoas virtualmente pelas quais realmente nos apaixonamos, entre outros.

Nesta perspectiva pode-se notar como nós, indivíduos providos de paixões,

submetidos à natureza humana e inseridos socialmente em um meio constituído de leis,

valores e tradições, podemos nos ver vislumbrados e dispersos nesse caldeirão de “coisas

novas e diferentes”. Estas são próprias de uma modernidade que traz consigo a diversidade, a

mistura, a heterogeneização e, consequentemente, uma crise de identidades e conceitos antes

sólidos, que vão se desmanchando e reinventando. Segundo o polaco Zygmunt Bauman

(2004), vivemos a modernidade líquida.

Mas como trazer a situação acima à realidade do ensino básico público do Estado de

São Paulo?

No âmbito educacional, esse cenário moderno configura-se na emergência de novas

óticas. Os alunos são o reduto mais expressivo desses novos tempos – indivíduos, oriundos de

realidades distintas, com bagagens de conhecimentos também distintas, trazendo consigo,

para a sala de aula (ambiente no qual passarão boa parte do seu dia compartilhando e

vivenciando novas experiências diariamente), todos esses questionamentos, inovações, ideias

e costumes. E é nesse espaço escolar que constituem seus próprios critérios, moldam sua

personalidade e têm contato com noções básicas e essenciais para a vida em sociedade.

Processo de construção no qual a figura do professor tem enorme influência.

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Para além do ambiente escolar normativo e legal, deve-se ressaltar a importância dos

“silêncios”, entrelinhas e valores que o compõem e estão presentes nas relações que o

constituem. A noção de cidadania e os pressupostos que a ela se relacionam (autonomia,

criticidade, democracia, justiça, igualdade, respeito, flexibilidade, etc) é uma das principais

temáticas educacionais e indispensáveis para se pensar a dinâmica escolar sob essas novas

óticas.

3. DESENVOLVIMENTO

É no contexto referido acima que atua o PIBID. O Programa Institucional de Bolsa de

Iniciação à Docência foi criado em 2007 pelo Ministério da Educação e implementado pela

CAPES/FNDE com diversos objetivos, dentre eles a formação de professores através da ponte

academia - comunidade e a vivência prática e o contato do professor e aluno da rede pública.

Desde seu início o Programa tem conseguido preencher algumas das lacunas existentes na

academia na formação dos futuros educadores, visto sua estrutura por vezes quase que

exclusivamente.

Historicamente, os sistemas de ensino se organizam a partir “de cima” e adotaram estruturas burocráticas, corporativas e disciplinares, que impediram as práticas locais, familiares e tradicionais de promover a educação. A escola substituiu estes processos “informais”, assumindo o monopólio do ensino. Os docentes se tornaram responsáveis públicos pela formação das crianças. Sabemos hoje que esse modelo escolar – espaços físicos fechados, estruturas curriculares rígidas, formas arcaicas de organização do trabalho –está irremediavelmente condenado. A escola deve se definir como um espaço público, democrático, de participação, funcionando em ligação com as redes de comunicação e de cultura, de arte e ciência. Por uma curiosa ironia do destino, seu futuro passa pela sua capacidade de recuperar práticas antigas (familiares, sociais e comunitárias),enunciando-as no contexto das modalidades de cultura e educação. (NOVOA, 2011, p. 227).

Apresenta-se como um projeto que fornece a seus beneficiários um norte e aptidão

únicos, trazendo maior solidez a seus posicionamentos e condutas, além de proporcionar ao

graduando maior convicção com relação à profissão, o que inevitavelmente faz com que a

relação com seus educandos seja mais saudável, flexível e estável. A riqueza do contato é

tamanha que usar os termos “educador” e “educando” faz com que se crie uma distinção de

algo indissociável, uniforme e contínuo. Afinal, como nos ensina Paulo Freire, o

conhecimento não é um dado imobilizado e ambos os personagens do cenário educacional,

professores e alunos, estão sempre em processo de aprendizagem.

O presente artigo se arquiteta sob a atuação do projeto na Faculdade de Ciências

Humanas e Sociais da UNESP, câmpus de Franca, SP, através do qual pôde ser realizado uma

4 atividade com os alunos do 9º ano A (séries finais do ensino fundamental II) da Escola

Estadual Dante Guedine Filho.

A atividade descrita foi desenvolvida em quatro etapas: a abordagem do tema principal

(A República no Brasil), dinâmica de discussão e aplicação de questionário investigativo e

avaliativo, e avaliação geral das atividades e dos resultados da proposta. Todas as etapas

tratavam, extrapolando o tema central, de questões fundamentais que permeiam o ensino e a

aprendizagem da História, visando a construção de um conhecimento reflexivo e

transformador, e a idéia de que o aluno é um agente ativo da História e do conhecimento

histórico.

Nossa concepção é que ensinar história na escola significa permitir aos estudantes abordar a historicidade das suas determinações socio-culturais, fundamento de uma compreensão de si mesmos como agentes históricos e das suas identidades como construções do tempo histórico. O presente, que é o espaço/tempo dos estudantes, de onde eles olham para si mesmos e para o passado, torna-se histórico, na medida em que, passo a passo, o professor de História consegue historicizar as instituições, as políticas, os modelos culturais, os modos de ser e, sobretudo, as identidades. Trata-se de levar as novas gerações a conhecerem suas próprias determinações, a construir relações de pertencimento a um grupo, a uma história coletiva e a lutas coletivas. (PEREIRA & SEFFNER, 2008, p.07)

Neste sentido passamos a abordar noções básicas de cidadania, bem como outros

valores julgados pertinentes e necessários à construção ética nos alunos, e sua relação com a

sociedade e a política, no tempo e no espaço. É relevante esclarecer que o tema escolhido, a

Primeira República brasileira, estava previsto nos documentos e material didático para esta

série no Currículo do Estado de São Paulo (2012).

Aprender a ser cidadão e a ser cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência, aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida coletiva da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados na escola [...]. Outro aspecto importante a ser considerado nesse processo é o papel ativo dos sujeitos da aprendizagem, estudantes e docentes, que interpretam e conferem sentido aos conteúdos com que convivem na escola, a partir de seus valores previamente construídos e de seus sentimentos e emoções. Tal premissa está de acordo com a visão de que os valores e princípios éticos são construídos a partir do diálogo, na interação estabelecida entre pessoas imbuídas de razão e emoções e um mundo constituído de pessoas, objetos e relações multiformes, díspares e conflitantes. (LODI & ARAÚJO, 2007, p. 71-72)

Desta forma, consideramos três elementos fundamentais norteadores dos temas e

abordagens propostas: Currículo do Estado de São Paulo, orientações teórico-metodológicas

na área do ensino de História e as relações interpessoais dos envolvidos. O primeiro consiste

no aparato teórico por meio do qual tais noções se inserem na escola. O segundo constitui a

5 ferramenta que garante sua exeqüibilidade, e o último as relações estabelecidas entre o sujeito

do conhecimento e a realidade que o cerca.

Assim sendo, a avaliação proposta ao final da atividade e seus resultados

possibilitaram uma análise da aprendizagem dos conteúdos e conhecimentos propostos pelo

Currículo do Estado de São Paulo, de modo a esclarecer se há um alinhamento ou não entre o

que o Estado propõe aos jovens e o que, de fato, estes acabam por aprender de forma

significativa.

Portanto, este relato de experiência tem por princípio discutir parte das diferentes faces

que permeiam o processo de formação dos professores, via possibilidades de atuação,

capacitação e experiências alternativas no campo do ensino da História na rede pública de

ensino do Estado de São Paulo, utilizando para tal as ações realizadas pelos PIBID.

3.1 ATIVIDADE

Nas três primeiras aulas todo o conteúdo programático foi exposto, de modo que os

estudantes tomassem conhecimento do contexto no qual se situa o momento histórico

estudado, sua conjuntura política, social, econômica e sua ordem cultural. Todas as

especificidades do período foram relatadas a fim de prender o máximo possível a atenção dos

estudantes, trazendo-lhes prazer e satisfação em se envolver com a atividade.

Encerrada a exposição em lousa, o questionário - composto por 8 questões sobre

revoltas populares na 1ª República brasileira (vide anexo) – foi entregue.3 As perguntas

faziam menção ao tema estudado e o relacionavam com a vida pessoal dos alunos, de modo

que estes discorreriam sobre a importância dos movimentos de resistência do primeiro

período republicano brasileiro, e a influência que os mesmos teriam neles enquanto cidadãos.

Recolhidos os questionários, os resultados foram avaliados. As respostas foram

consideradas individualmente, de modo a absorver das mesmas a riqueza cultural particular de

cada aluno. Avaliadas as respostas, finalmente, estas foram confrontadas ao Currículo do

Estado de São Paulo a fim de concluir se há equivalência e alinhamento entre os propósitos e

objetivos do Caderno, em sua constituição teórica, para os educandos, e o real funcionamento

e dinâmica da sala de aula do ensino básico público do Estado. Assim, a atividade

proporcionou um diálogo entre saberes globais e locais; possibilitando a compreensão da

visão dos educandos no que concerne a determinados valores humanos e sua importância para

3 Ao todo 11 alunos responderam ao questionário avaliativo entregue em sala de aula.

6 uma construção individual e ética, e também sociocultural. As respostas foram muito ricas e o

trabalho, frutífero, como veremos a seguir.

3.2 AVALIAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS

O questionário de avaliação da aprendizagem entregues aos alunos foi composto por

questões básicas que versavam tanto do conteúdo/tema do programa oficial, quanto dos

assuntos propostos no projeto sobre os valores, ética e cidadania. É importante esclarecer que

a proposta de avaliação, via questionário, limitou-se a uma análise do entendimento e

amplitude crítica do tema e não aplicação de notas ou conceitos para os alunos. Segue abaixo

o modelo do questionário:

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Na análise os dois pontos que pautaram com mais frequência as respostas da primeira

questão (vide questionário) foram a importância do estudo/conhecimento da conjuntura

sociopolítica da época estudada na história de nosso país (os motivos de tal importância foram

vários – influência do período na cultura brasileira, exaltação da força/resistência do povo

naquela época, e construção intelectual individual); e a necessidade de se conhecer o passado

de modo a influenciar na construção de um futuro melhor.

Na segunda questão (vide questionário), os alunos indicaram, em sua maioria, a

influência do tema na vida de todos os brasileiros no que diz respeito a indignação com a

política atual e a necessidade de respeito à Constituição; e a importância de se conhecer os

desentendimentos do passado para se aprender a respeitar o próximo e conviver melhor em

sociedade.

Ainda na segunda questão, assim como na primeira, foi ressaltada a importância do

tema para a construção intelectual individual (adquirir conhecimento para se inserir no mundo

do trabalho). Na questão 3 (vide questionário), o conjunto das respostas constituiu-se de uma

oposição entre os que julgavam o professor capaz de tratar sobre valores com eles (1), que

compõem a maioria, e os que o julgavam incapaz de fazê-lo (2).

Entre as respostas dos primeiros (1), predominou a ideia de importância da figura

docente (conceitos, ideias, conselhos, exemplos) na construção da personalidade dos alunos.

A título de exemplo, a resposta de um deles: “Claro que sim (não só pode mudar o mundo,

como a perspectiva de uma pessoa)” (Aluno: A). Considerou-se também a importância do

professor enquanto elo de ligação entre os valores do passado e os que devem ser

disseminados no presente.

Entre as respostas dos segundos (2), prevaleceu a ideia de autonomia dos alunos na

construção de sua personalidade – ressaltam que pode lhes ser apresentadas novas ideias,

porém a ética (a ser moldada segundo fatores internos e externos ao indivíduo) e a

composição que dela advém são muito particulares de cada um.

Na quarta questão (vide questionário), dois pontos receberam maior ênfase que os

demais: a consciência dos direitos enquanto cidadãos e a absorção de novos fatos (novamente

encontra-se presente nas respostas a construção intelectual individual). Chamou a atenção,

também, o educando cuja resposta exaltou seu aprendizado em relação à respeitar mais os

colegas e a trabalhar em grupo.

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A garantia de direitos e as manifestações como ferramenta de mudança social foram as

duas principais abordagens presentes na quinta questão (vide questionário). Foi enfatizada

também a ideia de que manifestações populares são caracterizadas por qualquer tipo de

protesto, não só político – qualquer coisa considerada injusta ou errada é algo pelo qual vale

lutar.

Uma resposta em particular chamou a atenção pelo seu conteúdo, que valoriza alguns

princípios, como a heterogeneidade das relações pessoais, democracia, diversidade e

flexibilidade: “Sempre existem dois lados, e eles defende sua maneira de pensar, que são

totalmente diferentes” (Aluno B).

Na questão 6 (vide questionário), o principal item, que pautou a maioria das respostas,

foi a reivindicação de nossos direitos. Unanimamente, foi afirmada a importância e

necessidade do exercício de resistência (perpetuação e continuidade do país; meio de

obtenção no dia a dia da “dignidade merecida” e escudo contra o descaso do governo; o grito

contra algo, uma vez que os manifestantes representam a “voz” da sociedade).

No parágrafo acima é possível notar – pelo conhecimento de mundo dos alunos – o

que o historiador das mentalidades Carlos Guilherme Mota afirma em seu livro A idéia de

revolução no Brasil: e outras idéias:

De tudo ficando um pouco, resta para o autor a crença de que a história do Brasil sempre foi definida, de ponta a ponta, por duas forças impressionantemente fortes e renitentes: a Conciliação praticada pelas elites [...]. E a cultura de resistência à opressão, a cultura da cidadania, quase sempre castrada, sangrada e ressangrada, como denunciou Capistrano de Abreu. (MOTA, 2008, p. 20).

Ainda sobre a sexta questão, é importante ressaltar a opinião de um educando, que vê

o exercício de resistência como um importante meio de reivindicação que ficou no passado,

“[...] e nos dias de hoje muita gente vê coisas erradas e fingem que são cegas” (Aluno C).

Quase todas as respostas da questão 7 (vide questionário) giraram em torno da

necessidade de se respeitar todos os seres humanos e suas decisões e valores (mesmo que

discordemos), e muitas ressaltaram a construção cultural individual (aprendizado sobre a

diversidade sociocultural brasileira). Falou-se sobre a heterogeneidade presente nas revoltas

(diferentes camadas sociais, com diferenças culturais e étnicas, em prol de um mesmo

objetivo).

Destacou-se o exercício de manifestação como garantia de valores humanos e

diversidade sociocultural de grupos oprimidos. A partir de um exemplo sobre um

9 desempregado e faminto, que por falta de oportunidades é visto com desprezo, um educando

lembrou que somos todos iguais enquanto cidadãos, afirmando a excelência da igualdade

social e também dos valores individuais.

Na oitava (vide questionário), e última, questão, todas as respostas, sem excessão,

foram “sim”. As justificativas, obviamente, variaram, porém a ideia de que mesmo que os

ensinamentos a serem passados sejam disseminados na escola, nem sempre serão absorvidos,

apareceu mais de uma vez. Ressaltou-se também o caráter implícito de tais ensinamentos; o

aprendizado decorrente mesmo das “pequenas coisas”.

Junto a isto, tratou-se da necessidade da escola agir igualmente perante a todos os

alunos; do esforço e aplicação da escola com tal proposta, mesmo frente às dificuldades da

máquina pública; e da importância do ensino de História para mostrá-los o passado de modo a

fazê-los aprender e atuar no presente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As respostas do questionário exaltaram uma riqueza de conhecimentos tamanha, e nos

permitiu acesso ao pano de fundo – critérios, valores, convicções - que constitui a construção

ética de cada um. Os alunos envolvidos demonstraram prover-se de um senso comum

(interferência do espaço social na construção do sujeito, adquirido através das várias leituras

de mundo e conhecimentos prévios) aguçado, demonstrando ser analíticos e críticos o

suficiente para compreender o mundo à sua volta e o relacionar com o que aprende-se no

ambiente escolar (conhecimento científico).

É necessário romper com a dicotomia de cultura como um saber local e conhecimento

como um saber global, incalcançável. Os educandos envolvidos na atividade demonstraram

que essas duas instâncias de conhecimento encontram-se mais próximas e dialogáveis do que

se imagina.

Compreendem a necessidade de se conhecer o passado de nossa história em toda sua

dimensão sociocultural e política, de modo a agir atualmente como cidadãos conscientes de

nosso direitos e deveres. Valorizam a aquisição de conhecimentos e todos os outros

procedimentos necessários para se tornarem aptos ao mundo do trabalho e conscientes da

realidade que os cerca.

De forma louvável todos, ou pelo menos os principais, valores por nós abordados

estavam também presentes nas respostas dos questionários, como é possível ver no tópico

10 anterior – ATIVIDADE. Diversas noções necessárias à atuação dos estudantes enquanto

cidadãos foram ressaltadas e valorizadas – respeito, justiça, igualdade, solidariedade,

democracia etc. Compreendem também a importância do exercício de resistência para a

perpetuação e continuidade do país, para a preservação cultural de grupos oprimidos, redução

de desigualdades, entre outros motivos.

Construir identidade, agir com autonomia e em relação com o outro, bem como incorporar a diversidade, são as bases para a construção de valores de pertencimento e de responsabilidade, essenciais para a inserção cidadã nas dimensões sociais e produtivas. Preparar os indivíduos para o diálogo constante com a produção cultural, num tempo que se caracteriza não pela permanência, mas pela constante mudança – quando o inusitado, o incerto e o urgente constituem a regra –, é mais um desafio contemporâneo para a educação escolar. (CURRÍCULO, 2012, p.10)

Pode-se concluir, portanto, que a relação entre o que propõe o Currículo do Estado de

SP e a realidade dentro da sala de aula tende mais a um alinhamento que a um

desalinhamento. O PIBID dialoga com o Currículo, junto à realidade dos alunos, de modo a

complementá-lo – ajuda a suprir defasagens e carências presentes no ensino básico público de

São Paulo; e quanto à sua relação com a formação de professores, como dito anteriormente,

apresenta aos mesmos uma realidade que os edifica pessoal e profissionalmente.

5. REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

NÓVOA, A. Os professores e o “novo” espaço público da educação.IN: TARDIF,M.; LESSARD, C. O Ofício de professor: histórias, perspectivas e desafios internacionais. Trad. Lucy Magalhães, 4 ed.,Petrópolis: Vozes, 2011.

PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O QUE PODE O ENSINO DE HISTÓRIA? Sobre o uso de fontes em sala de aula. Revista Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, p. 113-128, dez.2008.

LODI, Lucia Helena.; ARAÚJO, Ulisses F. Ética, Cidadania e Educação: Escola, democracia e cidadania. IN: BRASÍLIA: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2007.

MOTA, C. G. A idéia de revolução no Brasil: e outras idéias. Rio de Janeiro: Globo, 2008.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo, São Paulo: SE/CENP, 2012.