18
1 SUMÁRIO Primeiro passos para a Semiótica................... .......................... O legado de C. S. Peirce............................................................ Para se ler o mundo como linguagem........................................ Abrir as janelas: olhar para o mundo.......................................... Para se tecer a malha dos signos ............................................. Outras fontes e caminhos........................................................... Indicações para leitura ............................................................... PRIMEIROS PASSOS PARA A SEMIÓTICA Semi-ótica — ótica pela metade? ou Simiótica — estudo dos símios? Essas são, via de regra, as primeiras traduções, a nível de brincadeira, que sempre surgem na abordagem da Semiótica. Aí, a gente tenta ser sério e diz: — "O nome Semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos.". Contudo, pensando esclarecer, confundimos mais as coisas, pois nosso interlocutor, com olhar de surpresa, compreende que se está querendo apenas dar um novo nome para a Astrologia. Confusão instalada, tentamos desenredar, dizendo: — "Não são os signos do zodíaco, mas signo, linguagem. A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens". Mas, assim, ao invés de melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta vez com olhar de cumplicidade — segredo desvendado —, replica: — "Ah! Agora compreendi. Não se estuda só o português, mas todas as línguas". Nesse momento, nós nos damos conta desse primordial, enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confu- são entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de começar as coisas de seus começos, agarrá-las pela raiz, caso contrário, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura não nos enredamos e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la, traduzi-la. Aqui encontro a função deste pequeno volume sobre Semiótica: juntos perseguirmos as questões desde seus começos, para que, por fim, cheguemos a um patamar que torne possível ao meu leitor prosseguir, caso queira, livre no seu próprio caminho de investigação e de descoberta. Uma definição ou um convite? Alguns anos atrás, em um seminário sobre Semiótica, realizado em uma das cidades do Brasil, um aluno que perma- necia ainda muito curioso, apesar de já ter assistido a algumas palestras, subitamente me perguntou: — "Mas, afinal, o que é Semiótica?". Assim, de chofre, tomada de surpresa no corredor de passagem de uma sala a outra, devo ter respondido algo parecido com isto: — "Quando alguma coisa se apresenta em estado nascente, ela costuma ser frágil e delicada, campo aberto a muitas possibilidades ainda não inteiramente consu- madas e consumidas. Esse é justamente o caso da Semiótica: algo nascendo e em processo de crescimento. Esse algo é uma ciência, um território do saber e do conhecimento ainda não sedimentado, indagações e investigações em progresso. Um processo como tal não pode ser traduzido em uma única definição cabal, sob pena de se perder justo aquilo que nele vale a pena, isto é, o engajamento vivo, concreto e real no caminho da instigação e do conhecimento. Toda definição acabada é uma espécie de morte, porque, sendo fechada, mata justo a inquietação e curiosidade que nos impulsionam para as coisas que, vivas, palpitam e pulsam". Sei que, em vez de dar uma resposta direta e positiva (função que provavelmente me cabia na ocasião), estava ten- tando armar uma estratégia de sedução. Em lugar de saciar ã sua curiosidade, só queria aumentá-la. Contudo, o peso das certezas ó sempre mais forte que o das dúvidas. Recebi, por isso, uma segunda pergunta que, aliás, não era mais uma pergunta, mas uma crítica só levemente velada: — "Que impor- tância pode ter isso para nós? Nós que temos a resolver um problema muito mais. prioritário e urgente, o da miséria e da fome?". Acenei, então, mais uma vez com uma sugestão de resposta: — "Há duas espécies de fome: a da miséria do corpo, esta, mais fundamental e determinante, visto que interceptadora de quaisquer outras funções, necessidades e realizações humanas; mas também a carência de conhecimento, este, outro tipo de fome. Nossa luta tem de ser travada sempre simultaneamente em ambas as direções. A Semiótica está rapidamente se desenvolvendo em todas as partes do mundo. Por que haveremos nós de cruzar os braços, ficando à espera dos restos de sopa científica que os outros poderão, porventura, nos deixar de sobra?" Linguagens verbais e não-verbais Antes de tudo, cumpre alertar para uma distinção neces- sária: o século XX viu nascer e está testemunhando o cresci- mento de duas ciências da linguagem. Uma delas é a Lingüís- tica, ciência da linguagem verbal. A outra é a Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem. As principais relações funda- mentais de semelhança e oposição entre ambas são problemas que tentaremos ir focalizando oportunamente no decorrer do percurso que iremos efetuar neste livro. Como ponto de partida, porém, que tentemos desatar o nó de um equívoco de base: a diferença entre língua e lingua- gem em conexão com a diferença, quê buscaremos discriminar, entre linguagens verbais e não-verbais. Tão natural e evidente, tão profundamente integrado ao nosso próprio ser é o uso da língua que falamos, e da qual fazemos uso para escrever — língua nativa, materna ou pátria, como costuma ser chamada —, que tendemos a nos desaper- ceber de que esta não é a única e exclusiva forma de 01 03 05 07 11 15 18

O Que é Semiotica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro que fala de Semiótica

Citation preview

  • 1

    SUMRIO Primeiro passos para a Semitica................... .......................... O legado de C. S. Peirce............................................................ Para se ler o mundo como linguagem........................................ Abrir as janelas: olhar para o mundo.......................................... Para se tecer a malha dos signos ............................................. Outras fontes e caminhos........................................................... Indicaes para leitura ...............................................................

    PRIMEIROS PASSOS PARA A

    SEMITICA

    Semi-tica tica pela metade? ou Simitica estudo dos smios?

    Essas so, via de regra, as primeiras tradues, a nvel de brincadeira, que sempre surgem na abordagem da Semitica. A, a gente tenta ser srio e diz: "O nome Semitica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semitica a cincia dos signos.". Contudo, pensando esclarecer, confundimos mais as coisas, pois nosso interlocutor, com olhar de surpresa, compreende que se est querendo apenas dar um novo nome para a Astrologia.

    Confuso instalada, tentamos desenredar, dizendo: "No so os signos do zodaco, mas signo, linguagem. A Semitica a cincia geral de todas as linguagens". Mas, assim, ao invs de melhorar, as coisas s pioram, pois que, ento, o interlocutor, desta vez com olhar de cumplicidade segredo desvendado , replica: "Ah! Agora compreendi. No se estuda s o portugus, mas todas as lnguas".

    Nesse momento, ns nos damos conta desse primordial, enorme equvoco que, de sada, j ronda a Semitica: a confu-so entre lngua e linguagem. E para deslind-la, sabemos que temos de comear as coisas de seus comeos, agarr-las pela raiz, caso contrrio, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura no nos enredamos e, por no nos termos enredado, no saberemos l-la, traduzi-la.

    Aqui encontro a funo deste pequeno volume sobre Semitica: juntos perseguirmos as questes desde seus comeos, para que, por fim, cheguemos a um patamar que torne possvel ao meu leitor prosseguir, caso queira, livre no seu prprio caminho de investigao e de descoberta.

    Uma definio ou um convite?

    Alguns anos atrs, em um seminrio sobre Semitica,

    realizado em uma das cidades do Brasil, um aluno que perma-necia ainda muito curioso, apesar de j ter assistido a algumas palestras, subitamente me perguntou: "Mas, afinal, o que Semitica?".

    Assim, de chofre, tomada de surpresa no corredor de passagem de uma sala a outra, devo ter respondido algo parecido com isto: "Quando alguma coisa se apresenta em estado nascente, ela costuma ser frgil e delicada, campo aberto a muitas possibilidades ainda no inteiramente consu-madas e consumidas. Esse justamente o caso da Semitica: algo nascendo e em processo de crescimento. Esse algo uma cincia, um territrio do saber e do conhecimento ainda no sedimentado, indagaes e investigaes em progresso.

    Um processo como tal no pode ser traduzido em uma nica definio cabal, sob pena de se perder justo aquilo que nele vale a pena, isto , o engajamento vivo, concreto e real no caminho da instigao e do conhecimento. Toda definio acabada uma espcie de morte, porque, sendo fechada, mata justo a inquietao e curiosidade que nos impulsionam para as coisas que, vivas, palpitam e pulsam".

    Sei que, em vez de dar uma resposta direta e positiva (funo que provavelmente me cabia na ocasio), estava ten-tando armar uma estratgia de seduo. Em lugar de saciar sua curiosidade, s queria aument-la. Contudo, o peso das certezas sempre mais forte que o das dvidas. Recebi, por isso, uma segunda pergunta que, alis, no era mais uma pergunta, mas uma crtica s levemente velada: "Que impor-tncia pode ter isso para ns? Ns que temos a resolver um problema muito mais. prioritrio e urgente, o da misria e da fome?".

    Acenei, ento, mais uma vez com uma sugesto de resposta: "H duas espcies de fome: a da misria do corpo, esta, mais fundamental e determinante, visto que interceptadora de quaisquer outras funes, necessidades e realizaes humanas; mas h tambm a carncia de conhecimento, este, outro tipo de fome. Nossa luta tem de ser travada sempre simultaneamente em ambas as direes. A Semitica est rapidamente se desenvolvendo em todas as partes do mundo. Por que haveremos ns de cruzar os braos, ficando espera dos restos de sopa cientfica que os outros podero, porventura, nos deixar de sobra?"

    Linguagens verbais e no-verbais

    Antes de tudo, cumpre alertar para uma distino neces-

    sria: o sculo XX viu nascer e est testemunhando o cresci-mento de duas cincias da linguagem. Uma delas a Lings-tica, cincia da linguagem verbal. A outra a Semitica, cincia de toda e qualquer linguagem. As principais relaes funda-mentais de semelhana e oposio entre ambas so problemas que tentaremos ir focalizando oportunamente no decorrer do percurso que iremos efetuar neste livro.

    Como ponto de partida, porm, que tentemos desatar o n de um equvoco de base: a diferena entre lngua e lingua-gem em conexo com a diferena, qu buscaremos discriminar, entre linguagens verbais e no-verbais.

    To natural e evidente, to profundamente integrado ao nosso prprio ser o uso da lngua que falamos, e da qual fazemos uso para escrever lngua nativa, materna ou ptria, como costuma ser chamada , que tendemos a nos desaper-ceber de que esta no a nica e exclusiva forma de

    01 03 05 07 11 15 18

  • 2

    linguagem que somos capazes de produzir, criar, reproduzir, transformar e consumir, ou seja, ver-ouvir-ler para que possamos nos comunicar uns com os outros.

    tal a distrao que a aparente dominncia da lngua provoca em ns que, na maior parte das vezes, no chegamos a tomar conscincia de que o nosso estar-no-mundo, como indivduos sociais que somos, mediado por uma rede intrin-cada e plural de linguagem, isto , que nos comunicamos tambm atravs da leitura e/ou produo de formas, volumes, massas, interaes de foras, movimentos; que somos tambm leitores e/ou produtores de dimenses e direes de linhas, traos, cores... Enfim, tambm nos comunicamos e nos orientamos atravs de imagens, grficos, sinais, setas, nme-ros, luzes...Atravs de objetos, sons musicais, gestos, expres-ses, cheiro e tato, atravs do olhar, do sentir e do apalpar. Somos uma espcie animal to complexa quanto so comple-xas e plurais as linguagens que nos constituem como seres simblicos, isto , seres de linguagem.

    Cumpre notar que a ilusria exclusividade da lngua, como forma de linguagem e meio de comunicao privilegia-dos, muito intensamente devida a um condicionamento histrico que nos levou crena de que as nicas formas de conhecimento, de saber e de interpretao do mundo so aquelas veiculadas pela lngua, na sua manifestao como linguagem verbal oral ou escrita. O saber analtico, que essa linguagem permite, conduziu legitimao consensual e insti-tucional de que esse o saber de primeira ordem, em detrimento e relegando para uma segunda ordem todos os outros saberes, mais sensveis, que as outras linguagens, as no-verbais, possibilitam.

    No entanto, em todos os tempos, grupos humanos constitudos sempre recorreram a modos de expresso, de manifestao de sentido e de comunicao sociais outros e diversos da linguagem verbal, desde os desenhos nas grutas de Lascaux, os rituais de tribos "primitivas", danas, msicas, cerimoniais e jogos, at as produes de arquitetura e de objetos, alm das formas de criao de linguagem que viemos a chamar de arte: desenhos, pinturas, esculturas, potica, cenografia etc. E, quando consideramos a linguagem verbal escrita, esta tambm no conheceu apenas o modo de codificao alfabtica criado e estabelecido no Ocidente a partir dos gregos. H outras formas de codificao escrita, diferentes da linguagem alfabeticamente articulada, tais como hierglifos, pictogramas, ideogramas, formas estas que se limitam com o desenho.

    Em sntese: existe uma linguagem verbal, linguagem de sons que veiculam conceitos e que se articulam no aparelho fonador, sons estes que, no Ocidente, receberam uma traduo visual alfabtica (linguagem escrita), mas existe simulta-neamente uma enorme variedade de outras linguagens que tambm se constituem em sistemas sociais e histricos de representao do mundo.

    Portanto, quando dizemos linguagem, queremos nos re-ferir a uma gama incrivelmente intrincada de formas sociais de comunicao e de significao qu inclui a linguagem verbal articulada, mas absorve tambm, inclusive, a linguagem dos surdos-mudos, o sistema codificado da moda, da culinria e tantos outros. Enfim: todos os sistemas de produo de sentido aos quais o desenvolvimento dos meios de reproduo de linguagem propiciam hoje uma enorme difuso.

    De dois sculos para c (ps-revoluo industrial), as invenes de mquinas capazes de produzir, armazenar e difundir linguagens {a fotografia, o cinema, os meios de impres-so grfica, o rdio, a TV, as fitas magnticas etc.) povoaram nosso cotidiano com mensagens e informaes que nos espreitam e nos esperam. Para termos uma idia das transmu-taes que esto se operando no mundo da linguagem, basta lembrar que, ao simples apertar de botes, imagens, sons, palavras (a novela das 8, um jogo de futebol, um debate

    poltico...) invadem nossa casa e a ela chegam mais ou menos do mesmo modo que chegam a gua, o gs ou a luz.

    E claro que no sistema social em que vivemos estamos fadados a apenas receber linguagens que no ajudamos a produzir, que somos bombardeados por mensagens que ser-vem inculcao de valores que se prestam ao jogo de interesses dos proprietrios dos meios de produo de lingua-gem e no aos usurios. Contudo, a discusso dessas contra-dies seria assunto para um outro livro que, alis, j consta desta coleo Primeiros Passos (cf. O que Indstria Cultural).

    Assim, que passemos aqui para a observao mais cui-dadosa da extenso que um conceito lato de linguagem pode cobrir. Considerando-se que todo fenmeno de cultura s funciona culturalmente porque tambm um fenmeno de comunicao, e considerando-se que esses fenmenos s comunicam porque se estruturam como linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer atividade ou prtica social constituem-se como prticas sgnificantes, isto , prticas de produo de linguagem e de sentido.

    Iremos, contudo, mais alm; de todas as aparncias sensveis, o homem na sua inquieta indagao para a

    compreenso dos fenmenos desvela significaes. E no homem e pelo homem que se opera o processo de alterao dos sinais (qualquer estmulo emitido pelos objetos do mundo) em signos ou linguagens {produtos da conscincia). Nessa medida, o termo linguagem se estende aos sistemas aparentemente mais inumanos como as linguagens binrias de que as mquinas se utilizam para se comunicar entre si e com o homem (a linguagem do computador, por exemplo}, at tudo aquilo que, na natureza, fala ao homem e sentido como linguagem. Haver, assim, a linguagem das flores, dos ventos, dos rudos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e, at mesmo, a linguagem do silncio. Isso tudo, sem falar do sonho que, desde Freud, j sabemos que tambm se estrutura como linguagem.

    At onde vai a Semitica Aqui tocamos um ponto que nos permite retornar

    questo de onde partimos. As linguagens esto no mundo e ns estamos na linguagem, A Semitica a cincia que tem por objeto de investigao todas as linguagens possveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituio de todo e qualquer fenmeno como fenmeno de produo de significao e de sentido.

    Seu campo de indagao to vasto que chega a cobrir o que chamamos de vida, visto que, desde a descoberta da estrutura qumica do cdigo gentico, nos anos 50, aquilo que chamamos de vida no seno uma espcie de linguagem, isto , a prpria noo de vida depende da existncia de informao no sistema biolgico. Sem informao no h mensagem, no h planejamento, no h reproduo, no h processo e mecanismo de controle e comando. No caso da vida, estes so necessariamente ligados a uma linguagem, a uma ordenao obtida a partir de um compartimento armazenador da informao como a DNA (substncia universal portadora do cdigo gentico). Portanto, os dois ingredientes fundamentais da vida so: energia (que torna possveis os pro-cessos dinmicos) e informao (que comanda, controla, co-ordena, reproduz e, eventualmente, modifica e adapta o uso da energia). Sem a linguagem seria impossvel a vida, pelo menos como a conceituamos agora: algo que se reproduz, que tem um comportamento esperado e certas propenses.

    Nessa medida, no apenas a vida uma espcie de linguagem, mas tambm todos os sistemas e formas de lingua-gem tendem a se comportar como sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se transformam e se regeneram como as coisas vivas.

    Caracterizado o campo de abrangncia da Semitica, podemos repetir que ele vasto, mas no indefinido. O que se

  • 3

    busca descrever e analisar nos fenmenos sua constituio como linguagem. Neste sentido, embora a Semitica se cons-titua num campo intrincado e heterclito de estudos e indaga-es que vo desde, a culinria at a psicanlise, que se intrometem no s na meteorologia como tambm na anatomia, que do palpites tanto ao cientista poltico quanto ao msico, que imprevistamente invadem territrios que se querem bem protegidos pelas bem demarcadas fronteiras entre as cincias, isso no significa que a Semitica esteja sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar o campo do saber e da investigao especfica de outras cincias. Nos fenmenos, sejam eles quais forem uma nesga de luz ou um teorema matemtico, um lamento de dor ou uma idia abstrata da cincia , a Semitica busca divisar e deslindar seu ser de linguagem, isto , sua ao de signo. To-s e apenas. E isso j muito.

    O LEGADO DE C. S. PEIRCE A Semitica, a mais jovem cincia a despontar no hori-

    zonte das chamadas cincias humanas, teve um peculiar nas-cimento, assim como apresenta, na atual fase do seu desen-volvimento histrico, uma aparncia no menos singular. A primeira peculiaridade reside no fato de ter tido, na realidade, trs origens ou sementes lanadas quase simultaneamente no tempo, mas distintas no espao e na paternidade: uma nos EUA, outra na Unio Sovitica e a terceira na Europa Ocidental.

    Esse surgimento em lugares diferentes, mas temporalmente quase sincronizados, s vem confirmar uma hiptese de que os fatos concretos isto , a proliferao histrica crescente das linguagens e cdigos, dos meios de reproduo e difuso de informaes e mensagens, proliferao esta que se iniciou a partir da Revoluo Industrial vieram gradativamente inseminando e fazendo emergir uma "conscincia semitica"

    No foi seno essa conscincia de linguagem em sentido amplo que gerou a necessidade do aparecimento de uma cincia capaz de criar dispositivos de indagao e instrumentos metodolgicos aptos a desvendar o universo multiforme e diversificado dos fenmenos de linguagem.

    So trs, conforme j disse, as fontes nas quais a cincia Semitica encontrou seu nascimento e atravs das quais veio teoricamente se desenvolvendo. Dedicarei, no entanto, a quase totalidade deste pequeno livro a uma dessas fontes, a norte-americana, que germinou nos trabalhos do cientista-lgico-filsofo Charles Sanders Peirce. No ltimo captulo contudo, o leitor encontrar um panorama geral das outras duas fontes, de modo que possa tomar conhecimento de um quadro mais complexo dos caminhos da Semitica.

    Um Leonardo das cincias modernas C. S. Peirce (1839-1914) era, antes de tudo, um

    cientista. Seu pai (Benjamim Peirce) foi, na poca, o mais importante matemtico de Harvard, sendo sua casa uma espcie de centro de reunies para onde naturalmente convergiam os mais renomados artistas e cientistas. Portanto, desde criana, o pequeno Charles j conduzia sua existncia num ambiente de acentuada respirao intelectual. por isso que qumico ele j era, desde os seis anos de idade. Aos 11 anos escreveu uma Histria da Qumica; e em Qumica se bacharelou na Universidade de Harvard.

    Mas Peirce era tambm matemtico, fsico, astrnomo, alm de ter realizado contribuies importantes no campo da Geodsia, Metrologia e Espectroscopia. Era ainda um estudio-so dos mais srios tanto da Biologia quanto da Geologia, assim

    como fez, quando jovem, estudos intensivos de classificao zoolgica sob a direo de Agassiz.

    Em nenhum momento de sua vida, contudo, Peirce se confinou estritamente s cincias exatas e naturais. No campo das cincias culturais, ele se devotou particularmente Lings-tica, Filologia e Histria. Isso sem mencionarmos suas enormes contribuies Psicologia que fizeram dele o primeiro psiclogo experimental dos EUA.

    Como se isso no bastasse, conhecia ainda mais de uma dezena de lnguas, alm deter realizado estudos em Arquitetura e cultivado a amizade de pintores. Conhecedor profundo de Literatura (especialmente Shakespeare e Edgar Allan Poe), fez elaborados estudos de dico potica e chegou a escrever um longo conto (A Tale of Thessaly) para o qual no encontrou editor. Mais para o fim de sua vida, estava escrevendo uma pea de teatro. Praticava ainda a "arte quirogrfica", alm de ser um grande experimentador de vinhos, tendo desenvolvido essa aprendizagem numa estada de seis meses em Voisin.

    Como explicar essa quase assombrosa diversidade de campos e interesses?

    Repetimos: Peirce era, antes de tudo, um cientista. E como cientista sobreviveu, trabalhando para o governo federal a servio da "Costa e Inspeo Geodsica", durante o dia, de 1861 a 1891, e simultaneamente, por algum tempo, no Obser-vatrio de Harvard College, durante a noite; trabalhos que aparentemente o afastaram da Qumica para pesquisas em Astronomia e cincias correlatas. No entanto, ao se aposentar, aos 52 anos de idade, Peirce tentou se estabelecer como engenheiro qumico, numa atividade que hoje chamaramos de free-lancer.

    Um cientista, portanto, ele jamais deixou de ser, tendo produzido contribuies importantes e originais na Matemtica e outras cincias at poucos dias antes de sua morte, em 1914. No entanto, por trs de tudo isso, existia um fio condutor: sendo um cientista, Peirce era, acima de tudo, um lgico. Essa foi a grande e irresistvel paixo de toda a sua vida. A quase inacreditvel diversidade de campos a que se dedicou pode ser explicada, portanto, devido ao fato de que se devotar ao estudo das mais diversas cincias exatas ou naturais, fsicas ou psquicas, era para ele um modo de se dedicar Lgica. Seu interesse em Lgica era, primariamente, um interesse na Lgica das cincias. Ora, entender a Lgica das cincias era, em primeiro lugar, entender seus mtodos de raciocnio. Os mtodos diferem muito de uma cincia a outra e, de tempos em tempos, dentro de uma mesma cincia. Os pontos em comum entre esses mtodos s podem ser estabelecidos, desse modo, por um estudioso que conhea as diferenas, e que as conhea atravs da prtica das diferentes cincias.

    Essa gigantesca empresa foi o que Peirce tomou para si, durante toda a sua vida. E, pela enormidade dessa empresa, pagou o preo da solido, da misria e de uma existncia sem qualquer tipo de glria. Durante 60 anos de sua vida, lutou pela considerao da Lgica como uma cincia. Mas o dia da Lgica no havia ainda soado...

    Peirce estava perfeitamente consciente (e isso ele declarou muitas vezes) de que a deliberada diversificao de seu trabalho em mltiplas cincias impediria que ele atingisse a eminncia que ele deveria ter atingido, se tivesse concentrado seus esforos em apenas uma delas, ou mesmo em algumas cincias proximamente relacionadas. No entanto, para ele a Lgica no era uma opo, mas uma paixo da qual no podia se desviar, mesmo que quisesse.

    por isso que as poucas e temporrias vezes que penetrou, como professor convidado, os umbrais da Universidade do seu tempo, foram para ministrar palestras sobre Lgica. por isso que, ao ser nomeado membro da Academia Americana de Cincia e Artes, em 1867, ele no apresentou seno cinco estudos, todos sobre Lgica. E, em

  • 4

    1877, ao ser nomeado membro da Academia Nacional de Cincias (depois de ter sido indicado por cinco anos consecutivos), ele assim o foi, apesar de ter enviado apenas quatro estudos sobre Lgica, pelos quais queria ser julgado um homem da cincia ou no. Ao responder Academia pela honra concedida, Peirce expressou sua satisfao pelo reconhecimento implcito da Lgica como cincia,

    Mesmo assim, foi apenas na edio de 1910 em Quem quem na Amrica que compareceu, pela primeira vez, uma referncia profisso de Peirce como aquela de um lgico. Mas foi s depois de sua morte que ele passou a ser conside-rado um filsofo. E aqui comea uma outra estria.

    Um s homem dialogando com 25 sculos de

    filosofia ocidental Todo o tempo em que Peirce foi um cientista, ele foi

    tambm um filsofo. Aos 16 anos de idade, comeou a estudar Kant e, alguns anos mais tarde, sabia a Crtica da Razo Pura de cor. No h qualquer campo da especulao filosfica que lhe tenha passado despercebido: dos pr-socrticos e gregos aos empiristas ingleses, dos escolsticos a Descartes e todos os alemes...

    Desde muito cedo, quando ele comeou na Filosofia, pretendeu trazer para esta uma aproximao alternativa que tinha, at ento, poucos representantes, isto , a aproximao ao pensamento filosfico atravs das cincias. Um filsofo, portanto, que levou para a Filosofia o esprito da investigao cientfica, que assumiu que as disciplinas filosficas so ou podem se tornar tambm cincias e que, para tal, props aplicar na Filosofia, com as modificaes necessrias, os mtodos de observao, hipteses e experimentos que so praticados nas cincias.

    No difcil se perceber, a partir disso, o vnculo que se estabeleceu, no seu pensamento, entre a Lgica e a Filosofia. Para ele,' o caminho para a Filosofia tinha de se dar atravs da Lgica, mais particularmente, atravs da Lgica da cincia. Este caminho, por seu turno, se bifurcava: de um lado, atravs da prtica das diversas cincias, de outro, atravs da Histria da cincia.

    Concluso: se, at quase o final de sua vida, Peirce no conseguiu ser reconhecido como lgico, no de se estranhar que, atravs do caminho pelo qual optou pela Filosofia, tenha atravessado sua existncia inteira, sem jamais ser reconhecido como filsofo. No de se estranhar, ainda, por que nenhuma Universidade americana soube lhe dar um emprego como professor: nem como cientista, nem como lgico, nem como filsofo. Peirce chegou cedo demais para o seu prprio tempo.

    Conforme uma afirmao de Max H. Fisch (filsofo nor-te-americano, venervel figura humana que tem dedicado pra-ticamente quase 50 anos de sua existncia recuperao da obra de Peirce e a cujos artigos devo grande parte das infor-maes biogrficas que ora exponho), "Peirce era uma espcie de filsofo que era, em primeiro lugar um cientista, e uma espcie de cientista que era, em primeiro lugar, um lgico da cincia. Nenhuma Universidade, grande ou pequena, do seu tempo, soube o que fazer com tal filsofo ou com tal cientista".

    Mas aqui chegamos ao ponto de cercar uma outra ques-to: o que tem a Semitica a ver com tudo isso?

    A resposta, pelo menos em princpio, simples: desde o comeo do despertar do seu interesse pela Lgica, Peirce a concebeu como nascendo, na sua completude, dentro do campo de uma teoria geral dos signos ou Semitica. Primeiramente, ele concebeu a lgica propriamente dita (aquilo que conhecemos como Lgica) como sendo um ramo.da Semitica. Mais tarde, ele adotou uma concepo muito mais ampla da Lgica que era quase coextensiva a uma teoria geral de todos os tipos possveis de signos. Na ltima dcada de sua

    vida, estava trabalhando num livro que se chamaria Um Siste-ma de Lgica, considerada como Semitica.

    Mas o caminho de Peirce para a Semitica comeou muito, muito cedo. Diz ele:"... desde o dia em que, na idade de 12 ou 13 anos, eu peguei, no quarto de meu irmo mais velho, uma cpia da Lgica de Whateley e perguntei ao meu irmo o que era Lgica, ao receber uma resposta simples, joguei-me no assoalho e me enterrei no livro. Desde ento, nunca esteve em meus poderes estudar qualquer coisa matemtica, tica, metafsica, anatomia, termodinmica, tica, gravitao, astro-nomia, psicologia, fontica, economia, a histria da cincia, jogo de cartas, homens e mulheres, vinho, metrologia, exceto como um estudo de Semitica".

    De tudo isso, cumpre, por enquanto, ser enfatizado que foi de dentro do dilogo de um s homem com 25 sculos de tradio filosfica ocidental, assim como foi de dentro de um gigantesco corpo terico que veio gradativamente emergindo a sua teoria lgica, filosfica e cientfica da linguagem, isto , a Semitica. Aproximar-se, portanto, dessa Semitica, ignorando suas fundaes e seu carter de dilogo com a tradio, "perder 99% de seu potencial instigador e enriquecedor para a histria da Filosofia.

    Trata-se da obra de um pensador solitrio e incansvel, figura de uma rara e inimaginvel envergadura cientfica, que passou praticamente os ltimos 30 anos de sua vida estudando 16 horas por dia, e que deixou para a posteridade nada menos do que 80 000 manuscritos, alm de 12 000 pginas publicadas em vida.

    Considerando-se que, dcadas depois de sua morte, apenas perto de 5.000 pginas (fragmentos mais ou menos arbitrariamente selecionados por entre essas 80 000) foram publicadas; considerando-se que s recentemente, graas aos esforos de grupos de estudiosos norte-americanos, esses manuscritos foram catalogados; considerando-se que s agora uma edio cronolgica da produo de Peirce est sendo preparada para restaurar, seno a integralidade, pelo menos a integridade do seu pensamento, pode-se concluir que com muito vagar que sua obra est sendo posta a pblico. Com igual vagar est sendo decifrada, devido ao seu alto teor de complexibilidade e originalidade.

    Contudo, pelo que me foi dado conhecer por entre essas dezenas de milhares de pginas inclusive consultando diretamente os arquivos de Peirce, nos Estados Unidos posso afirmar que a Semitica peirceana, longe de ser uma cincia a mais, , na realidade, uma Filosofia cientfica da linguagem, sustentada em bases inovadoras que revolucionam, nos alicerces, 25 sculos de Filosofia ocidental. Afirmei isso, com alguma timidez, alguns anos atrs. Cada vez mais, no entanto, sou levada a confirm-lo com menos hesitao. Evidentemente, neste pequeno volume, no poderei seno insinuar certas pistas e aclarar alguns conceitos de sua teoria. Fao questo dessas afirmaes, no entanto, para que elas aqui compaream como uma espcie de sinal de alerta.

    Resta, entretanto, tocar uma outra questo. No h dvida de que a tarefa, que assumi levar frente neste livro, pode parecer ousada: traduzir para um nvel de compreenso bem simples a viso geral de um pensamento e uma teoria que pulsam em complexibilidades e desbordam de muito o campo mais estrito de minha prpria capacidade. No entanto, assumo os riscos de minhas possveis e provveis lacunas. Se a amplido de horizontes da Semitica de Peirce veio muito cedo para o seu prprio tempo, que, pelo menos, no venha tarde demais para o nosso prprio tempo. E isso defendo porque, tanto quanto posso ver, toda grande descoberta cientfica, assim como toda grande obra de criao, no deveria, de direito, pertencer a um grupo, uma classe ou mesmo uma nao, mas ao acervo da espcie humana.

  • 5

    PARA SE LER O MUNDO COMO LINGUAGEM

    Embora Peirce considerasse toda e qualquer produo,

    realizao e expresso humana como sendo uma questo semitica, isto no significa que a cincia semitica tenha sido por ele concebida como uma cincia onipotente, ou toda suficiente, visto que, para ele, qualquer todo suficiente neces-sariamente insuficiente.

    Nessa medida, dentro do conjunto do seu sistema filos-fico, a Semitica apenas uma parte e, como tal, s se toma explicvel e definvel em funo desse conjunto. Alm disso, o prprio sistema filosfico por ele criado localiza-se como parte de um sistema ainda maior, tal como aparece na sua gigantes-ca arquitetura classificatria das diferentes cincias e das rela-es que elas mantm entre si.

    Assim sendo, h que se considerar primeiramente trs tipos de cincia: 1) cincias da descoberta, 2) cincias da digesto (as que digerem e divulgam essas descobertas, criando a partir delas uma nova filosofia da cincia) e 3) cincias aplicadas. As cincias da descoberta so: Matemtica, Filosofia e Ideoscopia ou cincias especiais. Esta ltima divide-se em dois ramos: cincias fsicas e cincias psquicas. Entretanto, este termo "psquico" tem, na acepo peirceana, um carter to vasto que, para evitarmos maiores equvocos, melhor seria tom-lo aqui como sinnimo de cincias humanas.

    Na sua classificao, os dois ramos cientficos (fsicos e psquicos) vo se desmembrando, ento, em uma enorme quantidade de cincias, desde as cincias mais gerais s classificatrias, passando pelas descritivas at chegar s cincias aplicadas.

    Evidentemente, no vem ao caso entrarmos aqui nos meandros dessas divises. Cumpre, apenas, localizarmos o lugar do seu sistema filosfico nessa arquitetura maior e, dentro do seu sistema, o lugar ocupado pela Semitica.

    Sua construo filosfica, concebida como cincia e sob o carter das cincias da descoberta, localiza-se entre a Matemtica e a Ideoscopia. Apesar de serem essas trs as mais abstratas de todas as cincias, um nvel de generalidade tal que as torne capazes de fornecer princpios para as cincias mais particulares, tratam-se, no entanto, todas elas, inclusive a Matemtica, de cincias da observao.

    A Matemtica observativa na medida em que monta construes na imaginao de acordo com preceitos abstratos, passando, ento, a observar esses objetos imaginrios para neles encontrar relaes entre partes que no estavam especificadas no preceito da construo. No entanto, a Matemtica estuda o que e o que no logicamente possvel, sem se fazer responsvel pela existncia atual desse possvel. Nesse sentido, a cincia que fornece subsdios e encontra aplicao em todas as outras cincias, inclusive a Fenomenologia e a Lgica.

    A Filosofia, por seu turno, tambm uma cincia

    positiva, no no sentido que comumente damos a positivismo, visto que segundo Peirce os positivistas so os metafsicos modernos, mas no sentido de se descobrir o que realmente verdadeiro. Ela se limita, porm, ao tanto de verdade que pode ser inferido da experincia comum. uma cincia fundamentalmente observativa pois que visa colocar em ordem aquelas observaes que esto ao aberto para todo homem, todo dia e hora.

    A diferena dessas duas primeiras cincias (Matemtica e Filosofia) em relao s cincias especiais reside no fato de que estas ltimas requerem instrumentos e mtodos especiais para que suas observaes sejam levadas a efeito. Os mtodos de investigao de que elas se utilizam, queiram ou

    no, so sempre importados de princpios matemticos e filosficos, especialmente dos lgicos.

    O universo est em expanso Alertamos neste momento para uma questo. Peirce era

    um evolucionista de tipo muito especial, nem mecanicista tal como Spencer, nem estritamente materialista, pois, para ele, "materialismo sem idealismo cego: idealismo sem materialismo vazio". Isto no significa que professasse, por outro lado, um evolucionismo idealista. Ele prprio se autodenominou idealista objetivo.

    O que Peirce na realidade postulava, como base do seu pensamento, era a teoria do crescimento contnuo no universo e na mente humana. "O universo est em expanso", dizia ele, "onde mais poderia ele crescer seno na cabea dos homens?". Esse crescimento contnuo se alicera, contudo, em bases lgicas radicalmente dialticas, visto que o pensamento humano gera produtos concretos capazes de afetar e transformar materialmente o universo, ao mesmo tempo que so por ele afetados.

    Segundo Peirce, no sendo nem as leis da natureza absolutas, mas evolutivas, da o carter estatstico dessas leis, os princpios cientficos, por seu turno, no chegam a ser seno frmulas rigorosas, mas sempre provisrias, no sentido de estarem sujeitas a mudanas contnuas.

    No h, portanto, princpios absolutos, nem na Matemtica. Cada investigador individual, por mais sistemtico e rigoroso que possa ser seu pensamento, essencialmente falvel. Da Peirce ter batizado sua teoria de Falibilismo. Isso nos d uma idia de sua concepo da cincia e Filosofia como processos que amadurecem gradualmente, produtos da mente coletiva que obedecem a leis de desenvolvimento interno, ao mesmo tempo que respondem a eventos externos (novas idias, novas experincias, novas observaes), e que dependem, inclusive, do modo de vida, lugar e tempo nos quais o investigador vive.

    O prprio sistema peirceano assim cresceu. Todo o passado filosfico e cientfico era por ele tomado como imprescindvel material de trabalho. Sua arquitetura terica no foi, desse modo, construda a priori, mas s chegou a ser divisada depois de mais de trinta anos de infatigveis investigaes.

    Ouamos Peirce: "O desenvolvimento das minhas idias tem sido a indstria de trinta anos. Eu no sabia se um dia chegaria a public-las. Seu amadurecimento parecia to vagaroso. Mas o tempo da colheita chegou, afinal. Em meio a um contrito falibilismo, combinado com uma elevada f na realidade do conhecimento e um intenso desejo de descobrir as coisas, que toda a minha filosofia parece ter crescido".

    Isso foi pronunciado aos 58 anos de idade, momento em que Peirce se deu conta da importncia de algumas de suas descobertas para a histria da filosofia. S ento seus extensos trabalhos sobre lgica, matemtica, teoria do conhecimento, pragmatismo, doutrina dos signos, metafsica cientfica etc. apareceram a ele como constitutivos da construo de um sistema consistente e coerente. S ento passou a estruturar sua classificao das cincias na qual seu sistema se encaixa. Mas tambm, foi apenas a partir da localizao da Semitica, no conjunto do seu prprio sistema, isto , a partir da posio de dependncia que esta mantm em relao s cincias que devem necessariamente anteced-la, que Peirce passou a pr em ordem suas formulaes anteriores e a dar prosseguimento a sua doutrina formal de todos os tipos possveis de signos, ou seja, a Lgica ou Semitica.

    Uma arquitetura filosfica

  • 6

    Vejamos, primeiramente, num grfico a configurao do edifcio filosfico peirceano: I Fenomenologia II Cincias Normticas

    1 Esttica 2 tica 3 Semitica ou Lgica

    3.1 Gramtica pura 3.2 Lgica Crtica 3.3. Retrica pura

    III Metafsica

    Embora o termo fenomenologia ou phaneroscopia, con-forme Peirce preferia chamar, s tenha sido por ele empregado por volta de 1902, quando da construo arquitetnica de seu sistema, a preocupao fenomenolgica constituiu-se na base fundamental de toda sua filosofia, e j comparecia como inves-tigao primordial desde seus escritos em 1867.

    Para ele, a primeira instncia de um trabalho filosfico a fenomenolgica. A tarefa precpua de um filsofo a de criar a Doutrina das Categorias, que tem por funo realizar a mais radical anlise de todas as experincias possveis. Insatisfeito com as categorias aristotlicas, consideradas como categorias mais lingsticas do que lgicas, profundamente influenciado por Kant, mas considerando suas categorias, extradas da anlise lgica da proposio, como sendo materiais e particulares e no formais e universais, Peirce dedicou grande parte de sua existncia elaborao, aperfei-oamento e ampliao do campo de aplicao das suas cate-gorias universais, categorias estas que no brotaram nem de pressupostos lgicos, nem da lngua, mas do exame atento e perscrutante da "experincia" ela mesma.

    Com Hegel, Peirce manteve relaes contraditrias. Desprezava seu idealismo absoluto ao mesmo tempo que o considerava "o mais grandioso dentre todos os filsofos que j existiram". Via as categorias hegelianas como puramente ma-teriais e tambm particulares mas enxergava, nos trs estgios do pensamento formulados por Hegel, profundas semelhanas com suas categorias fenomenolgicas universais.

    Isso no pode nos levar a apressadamente afirmar, con-tudo, que o pensamento peirceano tenha qualquer dbito para com Hegel. Peirce quem diz: "Embora meu mtodo apresente uma similaridade muito geral com o de Hegel, seria histori-camente falso consider-lo uma modificao do mtodo hegeliano. Ele veio luz atravs do estudo das categorias kantianas e no das hegelianas".

    Foi s depois de ter elaborado sua prpria doutrina das categorias que Peirce veio a se dar conta de suas semelhan-as genticas com os estgios hegelianos, o que, para ele, s servia como mais uma comprovao de que suas categorias estavam no caminho certo.

    Delineados esses pressupostos, voltemos sua arquite-tura filosfica. A Fenomenologia, como base fundamental para qualquer cincia, meramente observa os fenmenos e, atravs da anlise, postula as formas ou propriedades universais des-ses fenmenos. Devem nascer da as categorias universais de toda e qualquer experincia e pensamento. Numa recusa cabal a qualquer julgamento avaliativo a priori, a Fenomenologia totalmente independente das cincias normativas.

    , porm, sob a base da Fenomenologia que as cincias normativas se desenvolvem obedecendo seqncia seguinte: Esttica, tica e Semitica ou Lgica. Tendo todas elas por funo "distinguir o que deve e o que no deve ser", a Esttica se define como cincia daquilo que objetivamente admirvel sem qualquer razo ulterior. a base para a tica ou cincia

    da ao ou conduta que da Esttica recebe seus primeiros princpios. Sob ambas, e delas extraindo seus princpios, estrutura-se em trs ramos a cincia Semitica, teoria dos signos e do pensamento deliberado. Por fim, como ltima cincia desse edifcio aparece a Metafsica ou cincia da realidade.

    Definindo realidade ou real como sendo precisamente aquilo que de modo independente das nossas fantasias, pois que "vivemos num mundo de foras que atuam sobre ns, sendo essas foras, e no as transformaes lgicas do nosso prprio pensamento, que determinam em que devemos, por fim, acreditar", fica claro por que a Metafsica comparece como resultante e no antecedente de toda sua filosofia.

    A Semitica ou Lgica, por outro lado, tem por funo classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possveis. Isso parece dot-la de um carter ascendente sobre todas as cincias especiais, dado que essas cincias so linguagens. No era assim, contudo, que Peirce a concebia. Para ele, as cincias tm de ser deixadas a cargo de seus praticantes, o que o conduz, como lgico, apenas elucidao dos mtodos e tipos de pensamento utilizados pelas diversas cincias.

    Como filsofo, no entanto, Peirce era muito mais ambi-cioso. Atravs de sua fenomenologia, pretendia gerar uma fundamentao conceituai para uma filosofia arquitetnica, baseada em uns poucos conceitos simples e suficientemente vastos a ponto de dar conta do "trabalho inteiro da razo humana". Esses conceitos, a partir dos 58 anos, Peirce estava certo de t-los atingido com as suas categorias.

    Nessa medida, sem uma inteligibilidade cuidadosa e acurada das categorias peirceanas, assim como de sua phaneros-copia (descrio dos Phanerons ou fenmenos), muito pouco pode toda sua teoria ser compreendida, principalmente a Semitica, que da Fenomenologia extrai todos os seus princpios.

    Aproximar-se, assim, da Semitica peirceana na ignorncia ou desprezo por essa viagem fenomenolgica (longa viagem que exige de ns a paixo paciente pela decifrao dos conceitos) redundar, sem escapatria, numa utilizao an-mica e tecnicista de suas classificaes e definies de signos. No por acaso estou aqui pondo tanta nfase nas fundaes fenomenolgicas da Semitica, nico meio de se evitar o uso leviano e mecanicista de seus conceitos. Peirce era adepto da criao de novas palavras para designar significados cientficos novos. Sua terminologia , nessa medida, estranhssima. Contudo, mais estranha, porque vazia, a apropriao mera-mente terminolgica e redutora dos seus conceitos semiticos, sem o lento escrutnio de seus meandros.

    Por outro lado, s a partir da Fenomenologia que se pode extrair a possibilidade por ns enunciada no ttulo deste captulo (Para se ler o mundo como linguagem), que no se constitui em mera frase de efeito, mas num fruto efetivo que o estudo fenomenolgico est habilitado a nos oferecer.

    Que passemos, pois, a ele. Sem qualquer pretenso, contudo, de podermos aqui explorar com detalhes um campo

    que se desenvolveu por muito mais de mil e uma pginas dos escritos de Peirce. Da que nossa opo seja, a par da transmisso de alguns conceitos certos fundamentais, tambm aquela de distribuir certos semforos no caminho dos que, no futuro, se dispuserem a percorrer com mais vagar as veredas da Fenomenologia e Semitica peirceanas.

  • 7

    ABRIR AS JANELAS: OLHAR PARA O MUNDO

    No h nada, para ns, mais aberto observao do

    que os fenmenos. Entendendo-se por fenmeno qualquer coisa que esteja

    de algum modo e em qualquer sentido presente mente, isto , qualquer coisa que aparea, seja ela externa (uma batida na porta, um raio de luz, um cheiro de jasmim), seja ela interna ou visceral (uma dor no estmago, uma lembrana ou reminiscncia, uma expectativa ou desejo), quer pertena a um sonho, ou uma idia geral e abstrata da cincia, a fenomenologia seria, segundo Peirce, a descrio e anlise das experincias que esto em aberto para todo homem, cada dia e hora, em cada canto e esquina de nosso cotidiano.

    A fenomenologia peirceana comea, pois, no aberto, sem qualquer julgamento de qualquer espcie: a partir da experincia ela mesma, livre dos pressupostos que, de antemo, dividiriam os fenmenos em falsos ou verdadeiros, reais ou ilusrios, certos ou errados. Ao contrrio, fenmeno tudo aquilo que aparece mente, corresponda a algo real ou no.

    Suportada por esse modo de partir em estado de liberdade, a fenomenologia tem por tarefa, contudo, dar luz as categorias mais gerais, simples, elementares e universais de todo e qualquer fenmeno, isto , levantar os elementos ou caractersticas que pertencem a todos os fenmenos e partici-pam de todas as experincias.

    A tarefa no fcil. As coisas, quando nos aparecem, surgem numa mirade de formas, enoveladas numa multiplica-o de sensaes, alm de que tendem a se enredar s malhas das interpretaes que inevitavelmente fazemos das coisas.

    Dizia Peirce: "A fenomenologia ou doutrina das categorias tem por funo desenredar a emaranhada meada daquilo que, em qualquer sentido, aparece, ou seja, fazer a anlise de todas as experincias a primeira tarefa a que a filosofia tem de se submeter. Ela a mais difcil de suas tarefas, exigindo poderes de pensamento muito peculiares, a habilidade de agarrar nuvens, vastas e intangveis, organiz-las em disposio ordenada, recoloc-las em processo".

    Trata-se, portanto, de um estudo que, suportado pela observao direta dos fenmenos, discrimina diferenas nesses fenmenos e generaliza essas observaes a ponto de ser capaz de sinalizar algumas classes de caracteres muito vastas, as mais universais presentes em todas as coisas que a ns se apresentam.

    Nessa medida, so trs as faculdades que devemos desenvolver para essa tarefa: 1) a capacidade contemplativa, isto , abrir as janelas do esprito e ver o que est diante dos olhos; 2) saber distinguir, discriminar resolutamente diferenas nessas observaes; 3) ser capaz de generalizar as observa-es em classes ou categorias abrangentes.

    A princpio, Peirce tentou estabelecer suas categorias a partir da anlise material dos fenmenos (por exemplo : como coisas de madeira, de ao, de carne e osso etc), mas a diversidade infinita da materialidade das coisas f-lo abandonar este ngulo de sua empresa, empreendendo seu caminho pelo lado formal ou estrutural dos fenmenos.

    O que quer isso dizer? Apesar de apresentar uma atitude de retorno experincia mesma que temos do mundo, apesar de partir da observao acurada dos prprios fenmenos, Peirce chega s suas categorias atravs da anlise e do atento exame do modo como as coisas aparecem conscincia. Que razo pode haver para que um cientista, treinado em laboratrio, cuja aptido para as cincias positivas era de um raro teor, devesse comear pela anlise dos fenmenos mentais?

    Foi s atravs da observao direta dos fenmenos, nos modos como eles se apresentam mente, que as categorias universais, como elementos formais do pensamento, puderam ser divisadas. Pela acurada e microscpica observao de tudo o que aparece, Peirce extrai os caracteres elementares e gerais da experincia que tornam a experincia possvel. Desse modo, sua pequena lista de categorias consiste de concepes simples e universais. Elementares porque so constituintes de toda e qualquer experincia, universais porque so necessrias a todo e qualquer entendimento que possamos ter das coisas, reais ou fictcias.

    A 14 de maio de 1867, depois de trs anos que, muito mais tarde, Peirce confessou, em vrias cartas, terem sido os anos de maior esforo intelectual de toda sua vida, esforo mal interrompido sequer para o sono, vieram luz, num artigo intitulado "Sobre uma nova lista de categorias", suas trs categorias universais de toda experincia e todo pensamento.

    Considerando experincia tudo aquilo que se fora sobre ns, impondo-se ao nosso reconhecimento, e no confundindo pensamento com pensamento racional (deliberado e auto-controlado), pois este apenas um dentre os casos possveis de pensamento, Peirce conclui que tudo que aparece conscincia, assim o faz numa gradao de trs propriedades que correspondem aos trs elementos formais de toda e qualquer experincia.

    Em 1867, essas categorias foram denominadas: 1) Qualidade,- 2) Relao e 3) Representao. Algum

    tempo depois, o termo Relao foi substitudo por Reao e o termo Representao recebeu a denominao mais ampla de Mediao. Mas, para fins cientficos, Peirce preferiu fixar-se na terminologia de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, por serem palavras inteiramente novas, livres de falsas associa-es a quaisquer termos j existentes.

    Mais frente, demonstraremos, atravs de vrias exemplificaes, o carter e funcionamento dessas categorias na conscincia. Antes porm, que alertemos para alguns pontos que nos parecem importantes.

    O resultado a que Peirce chegou nesse estudo de 1867 no foi imediatamente visto com bons olhos nem mesmo por seu prprio autor. Parecia-lhe fantasia absurda e detestvel reduzir toda a multiplicidade e diversidade dos fenmenos ao nmero trs e, sobretudo, a uma gradao de 1, 2, 3. Apesar dos trs anos mal interrompidos para o sono que esse estudo havia lhe exigido, apesar de seu profundo conhecimento de grande parte da histria da filosofia, apesar de saber a Crtica da Razo Pura de cor, nada naquele momento parecia demo-v-lo do descrdito em que ele prprio havia colocado suas categorias.

    Categorias do pensamento e da natureza

    Dezoito anos mais tarde, Peirce escreveu um outro

    artigo, at hoje parcialmente indito, com o seguinte ttulo: "1, 2, 3, Categorias do Pensamento e da Natureza". Com isso, as categorias universais ou elementos do pensamento, dezoito anos antes descobertas pela anlise lgica do fenmeno mental, eram agora estendidas para toda a natureza. Isso significa que aquelas mesmas categorias, por ele desmerecidas muitos anos antes, voltavam agora com maior vigor. Ou Peirce permaneceu fiel sua obsesso ou sua obsesso lhe permaneceu fiel.

    Entre 1867 e 1885, repetidamente Peirce encontrou, nas cincias da natureza e do pensamento, confirmaes inde-pendentes que corroboravam suas trs idias. A trade estava continuamente aparecendo na lgica e nas cincias especiais, primeiro na psicologia, ento na fisiologia e na teoria das clulas, finalmente na evoluo biolgica e no cosmos fsico

  • 8

    como um todo. Em 1890, Peirce escreveu: "A importncia das categorias

    chegou minha casa originalmente no estudo da lgica, onde elas so responsveis por partes to considerveis que fui levado a procur-las na psicologia. Encontrando-as a, tam-bm, no pude evitar me perguntar se elas no entravam na fisiologia do sistema nervoso. Orientando-se um pouco sobre hiptese, consegui detect-las l... No tive dificuldades em seguir o conduto dentro do domnio da seleo natural; e uma vez atravessado esse ponto, fui irresistivelmente carregado para especulaes com respeito fsica".

    Em suma: a aplicao das categorias do pensamento natureza no foi uma determinao imposta pela descoberta num campo que passou a ser arbitrariamente aplicada a todos os demais, nem ocorreu gradualmente por imperceptveis mu-danas de viso. Ao contrrio, foi o resultado de uma srie de saltos relacionados de um campo ao outro, culminando num salto especulativo de carter cosmolgico. No fim de sua vida, Peirce estava se movendo na direo de uma cosmologia evolucionista que tinha na mente sua categoria explanatria principal. Chegar a essa lcida adivinhao cosmolgica foi para Peirce, no entanto, uma longa viagem.

    Sua precauo natural, reforada pelo temperamento cientfico, levou-o a trabalhar 30 anos em busca de verificao emprica para suas categorias nos mais diversos campos. Nessa medida, seu conjunto de categorias extradas da anlise lgica do pensamento no deveriam, segundo ele, ser aplicadas a todos os seres, antes que cada categoria tivesse sido empiricamente verificada. Ou, conforme ele diz: "Na minha opinio, cada categoria tem de se justificar atravs de um exame indutivo do que resultar dotar a categoria apenas de uma validade aproximativa".

    S depois de ter comprovado a universalidade de aplicao das categorias, Peirce se julgou apto a erigir seu sistema filosfico, cuja base estaria num livro infelizmente inacabado, Uma Adivinhao para o Enigma (1890), e cujo argumento se desenvolve atravs do exame das trs categorias aplicadas de um campo a outro: da lgica psicologia, desta fisiologia at o protoplasma ele mesmo, ento do domnio da seleo natural at a fsica.

    Por curiosidade, passarei a sintetizar os diferentes carac-teres ou matizes que suas categorias adquirem nos diferentes campos a que se aplicam:

    1) Na teoria do protoplasma: as propriedades do proto-plasma so como se segue: contrao, irritabilidade, automatismo, nutrio, metabolismo, respirao e reproduo. Essas propriedades, no entanto, podem ser condensadas sob trs grandes eixos: sensibilidade, movimento e crescimento. Numa anteviso monumental das atuais teorias biolgicas, sua teoria molecular do protoplasma repousa na afirmao de que a conscincia pertence a todo protoplasma e no pode ser explicada mecanicamente. Com isso, Peirce afirma que a vida se desenvolve atravs da interao dialtica entre acaso e desgnio, palavras dele que antecedem de quase um sculo o ttulo do polmico livro de Jacques Monod: Acaso e Necessi-dade.

    2) Na teoria da evoluo: h trs modos de evoluo operativos de maneira interdependente no universo: 1) o que envolve acaso e pura espontaneidade, ligado teoria darwiniana da evoluo por variaes acidentais e destruio das espcies cuja habilidade de se reproduzir torna-se frgil; 2) evoluo ligada teoria dos cataclismos, ou seja, devida a mudanas sbitas no ambiente externo e ruptura de hbitos; 3) associada com a teoria de Lamarck, evoluo atravs do efeito do hbito.

    3) Na fisiologia: mais especialmente, na fisiologia da atividade cerebral. Esta pode ser sintetizada do seguinte modo: a ao nervosa que subjaz ao processo do pensamento divide-se em trs grandes estgios: 1) excitao nervosa, seja perifrica

    ou visceral, que se espalha de gnglio a gnglio; 2) ao reflexa repetitiva ou descarga neuronal, adaptada para remover a excitao; 3) estabelecimento de passagens neuronais, ou a fixao de hbitos ou crenas. Note-se que hbitos ou crenas devem ser entendidos aqui como composies neuronais que tendem a se fixar, ou seja, entendidos num sentido fisiolgico que certamente produz efeitos psicolgicos e comportamentais. Para Peirce, uma crena se alicera e se aloja fisiologicamente, como um hbito cerebral que determinar o que faremos na fantasia assim como na ao concreta,

    Desse modo, nosso hbitos esto incorporados na fisio-logia dos nossos crebros de modo que eles estruturam nossos comportamentos de maneira a torn-los no mais espontneos ou cegos. No entanto, a espontaneidade e o acidental coexistem junto ao hbito e a sua revelia.

    4) Na fsica: 1) Acaso, 2) Lei e 3) Tendncia ou propenso a assumir hbitos; Note-se que a primeira categoria incorpora a indeterminao do acaso no mundo fsico e que, para Peirce, as leis so sempre contingentes, ou melhor, fatos de observao e, como tal, contingentes, visto que toda observao contm um trao de inexatido. Nessa medida, as leis da natureza no so vistas como absolutas e invariantes, H espao para o crescimento contnuo (3) e para acaso genuno (1).

    Como se pode ver, as categorias fundamentais, encon-tradas no pensamento e descobertas pela anlise reflexiva dos fenmenos, esto tambm presentes na natureza bsica de todas as coisas, sejam elas fsicas ou psicolgicas. Observe-se, contudo, que essas categorias so as mais universalmente presentes em todo e qualquer fenmeno. Como tal, so conceitos simples aplicveis a qualquer objeto. No excluem, portanto, a variabilidade infinita de outras tantas categorias particulares e materiais, passveis de serem encontradas nos fenmenos.

    Tratam-se, pois, de idias to amplas que devem ser consideradas mais como tons ou finos esqueletos do pensa-mento e das coisas do que como noes estticas e terminais. Ao contrrio, so dinmicas, interdependentes e, a cada campo em que se aplicam, apresentam-se nas modalidades prprias daquele campo. O que se mantm em todos os campos o substrato lgico dos caracteres de 1, 2 e 3.

    Para se ter uma idia da amplitude e abertura mxima dessas categorias, basta lembrarmos que, em nvel mais geral, a 1 corresponde ao acaso, originalidade irresponsvel e livre, variao espontnea; a 2 corresponde ao e reao dos fatos concretos, existentes e reais, enquanto a 3. categoria diz respeito mediao ou processo, crescimento contnuo e devir sempre possvel pela aquisio de novos.hbitos. O 3o pres-supe o 2o e 1; o 2 pressupe o 1P; o 1o livre. Qualquer relao superior a trs uma complexidade de trades.

    Como exemplificao mais detalhada dessas categorias, escolhemos o campo das manifestaes psicolgicas, isto porque, neste campo, estaremos nos referindo aos elementos

    ou categorias de um fenmeno que o mais perfeitamente familiar a todas as pessoas, visto que faz parte integrante de nossa vivncia cotidiana, assim como das experincias que fazem de ns seres humanos, acordados ou sonhando.

    Com isso, qualquer leitor estar apto a julgar e conferir por si mesmo, no cotejo com suas prprias observaes, a validade dessas noes de 1, 2 e 3.

    Notemos, contudo, o fato de que essas categorias no so psicolgicas. Foram, ao contrrio, extradas da anlise mais rigorosamente lgica do que aparece no mundo. Por outro lado, no estamos tambm a lidando com metafsica, mas com lgica apenas. Ouamos Peirce: "No perguntamos o que realmente existe, apenas o que aparece a cada um de ns em todos os momentos de nossa vida. Analiso a experincia, que a resultante de nossa vida passada, e nela encontro trs elementos. Denomino-os categorias".

    So, portanto, categorias lgicas que aqui aplicaremos ao

  • 9

    campo das manifestaes psicolgicas no s porque, como tal, as categorias se nos apresentam como coisas vivas e vividas, mas tambm porque, a partir disso, tornar-se- claro por que, para ns, o mundo aparece e se traduz como linguagem, fundamento de toda a Semitica.

    Qualidade de sentimento... conflito... interpretao

    Exemplificar as categorias como manifestaes psicol-gicas significa examinar os modos mais gerais conforme os quais se d a apreenso dos fenmenos na conscincia. Para tal, esclareamos o que Peirce entende por conscincia.

    Conscincia no se confunde com razo. Conscincia como um lago sem fundo no qual as idias (partculas materiais da conscincia) esto localizadas em diferentes profundidades e em permanente mobilidade. A razo (pensamento deliberado) apenas a camada mais superficial da conscincia. Aquela que est prxima da superfcie. Sobre essa camada, porque superficial, podemos exercer autocontrole e tambm, porque superficial, a ela que nossa autoconscincia est atada. Da tendermos a confundir conscincia com razo. No entanto, se bem que a razo seja parte da conscincia, ela no compe, nem de longe, o todo da conscincia.

    Apesar de no restringir conscincia razo, isto no significa que Peirce menosprezasse a razo. Sua lgica, alis, se prope como sendo um mtodo cientfico para orientar o raciocnio. Sua lgica se estrutura, portanto, como a criao de instrumentos cientficos para auxiliar e ampliar o poder da razo. Contudo, sua noo de conscincia ampla, dinmica, em alguns aspectos prxima dos estudos da estrutura psquica em Freud e mais prxima ainda da noo de conscincia que as atuais pesquisas do crebro esto nos dando.

    Confiramos com Peirce: "Tal era o dictum da velha psicologia que identificava a conscincia com o ego, declarava sua absoluta simplicidade e mantinha que suas faculdades eram meros nomes para divises lgicas da atividade humana. Isso tudo era a mais pura fantasia. A observao dos fatos agora nos ensinou que o cego uma mera onda na conscincia, um trao pequeno e superficial; ensinou-nos ainda que a conscincia pode conter diversas personalidades e to complexa quanto o crebro ele mesmo, e que as faculdades, embora no absolutamente fixveis e definveis, so to reais quanto o so as diferentes circunvolues do crebro".

    Ao levar o rigor cientfico ao mximo de suas possibilida-des, Peirce acaba encontrando, pelas vias do Ocidente, uma concepo de conscincia que se aproxima muito mais da filosofia oriental do que de qualquer um dos sistemas filosficos que o mundo ocidental produziu. Desse modo, tomando-se conscincia como um todo, nada h nela seno estados mutveis. O que chamamos racionalidade sofre, a todo momento, a influncia de interferncias fora do nosso controle.

    As interferncias so internas, isto , as que vm das profundezas do nosso mundo interior, e externas, as que dizem respeito s foras objetivas que atuam sobre ns. Essas foras vo desde o nvel das percepes que, pelo simples fato de estarmos vivos, nos inundam a todo instante, at o nvel das relaes interpessoais, intersubjetivas, ou seja, as relaes de amizade, vizinhana, amor, dio etc, encontrando ainda as foras sociais que atuam sobre ns: as condies reais de nossa existncia social, isto , as relaes formais de classes sociais que variam de acordo com as determinaes histricas das sociedades em que se vive.

    A partir disso, podemos nos aproximar de suas categorias que so, para ele, os trs modos como os fenmenos aparecem conscincia. Contudo, que no se

    entenda essas categorias como entidades mentais, mas como modos de operao do pensamento-signo que se processam na mente. Assim sendo, conscincia no tomada como uma espcie de alma ou esprito etreo, mas como lugar onde interagem formas de pensamento. As categorias, portanto, dizem respeito s modalidades peculiares com que os pensamentos so enformados e entretecidos. Enfim: camadas interpenetrveis e, na maior parte das vezes, simultneas, se bem que qualitativamente distintas.

    Essas trs categorias iro para o que poderamos chamar trs modalidades possveis de apreenso de todo e qualquer fenmeno. Certamente h infinitas gradaes entre essas mo-dalidades. Elas se constituem, no entanto, nas modalidades mais universais e mais gerais, atravs das quais se opera a apreenso-traduo dos fenmenos. Seno vejamos:

    Primeiridade

    Se fosse possvel parar, para examinar, num determinado instante, de que consiste o todo de uma conscincia, qualquer conscincia, a minha ou a sua, isto , de que consiste esse labirntico "lago sem fundo", num instante qualquer em que o que , por que tudo ao mesmo tempo, repito, se fosse possvel parar essa conscincia no instante presente, ela no seria seno presentidade como est presente. Trata-se, pois, de uma conscincia imediata tal qual . Nenhuma outra coisa seno pura qualidade de ser e de sentir. A qualidade da cons-cincia imediata uma impresso (sentimento) in totum, indi-visvel, no analisvel, inocente e frgil.

    Tudo que est imediatamente presente conscincia de algum tudo aquilo que est na sua mente no instante presente. Nossa vida inteira est no presente. Mas, quando perguntamos sobre o que est l, nossa pergunta vem sempre muito tarde. O presente j se foi, e o que permanece dele j est grandemente transformado, visto que ento nos encontramos em outro presente, e se pararmos, outra vez, para pensar nele, ele tambm j ter voado, evanescido e se transmutado num outro presente.

    O sentimento como qualidade , portanto, aquilo que d sabor, tom, matiz nossa conscincia imediata, mas tambm paradoxalmente justo aquilo que se oculta ao nosso pensa-mento, porque para pensar precisamos nos deslocar no tempo, deslocamento que nos coloca fora do sentimento mesmo que tentamos capturar. A qualidade da conscincia, na sua imediaticidade, to tenra que no podemos sequer toc-la sem estrag-la.

    Por exemplo: a est voc, em algum lugar, provavelmente sentado, lendo este livro. Tome agora o que est em sua conscincia em qualquer um dos seus simples momentos. H primeiro uma conscincia geral da vida. Ento, h a reunio de pequenas sensaes epidrmicas de sua roupa. H, ento, o senso da qualidade geral do lugar em que voc est. H tambm a conscincia de estar s, se estiver s. Ento, h a luz, uma sensao muito vaga do cheiro e da temperatura do ambiente e do seu corpo, um certo gosto na boca... Ento, as letras impressas neste livro as quais, em qualquer um dos instantes, sero a mera apreenso de um simples trao. H, ainda, um conjunto de noes, o provvel sentimento de estar compreendendo o que estou tentando lhe transmitir. Em adi-o, h centenas de coisas no fundo de sua conscincia: lembranas vagas, desejos indiscernveis, sentimentos muito gerais de estar mais ou menos bem ou de estar mais ou menos mal. Sua vida inteira est a com voc em cada lapso de instante em que voc est existindo.

    Esse o melhor modo em que posso descrever o que est em sua conscincia num simples momento. Mas levei considervel tempo e usei muitas palavras para descrev-lo.

  • 10

    Impossvel, pois, capturar o que est em sua mente tal como est, visto que tento capturar justamente a conscincia In totum de uma presentidade. Pela natureza mesma do pensamento e da linguagem, sou obrigada a quebrar sua conscincia em pedaos para descrev-la. Isso requer reflexo e a reflexo ocupa tempo.

    A conscincia de um momento, contudo, como ela est naquele exato momento, no reflexionada nem quebrada em pedaos. Como eles esto naquele vero momento, todos os elementos de impresso esto juntos e so um nico sentimento indivisvel e sem partes. O que foi destilado pela fragmentao descritiva, como sendo partes do sentimento, no so realmente partes desse sentimento como ele est no exato momento em que est presente; elas so o que aparece como tendo estado l, quando refletimos sobre o sentimento, depois que ele passou. Como ele sentido, no momento em que l est, essas partes no so reconhecidas e, portanto, essas partes no existem no sentimento ele mesmo.

    Nessa medida, o primeiro (primeiridade) presente e imediato, de modo a no ser segundo para uma representao. Ele fresco e novo, porque, se velho, j um segundo em relao ao estado anterior. Ele iniciante, original, espontneo e livre, porque seno seria um segundo em relao a uma causa. Ele precede toda sntese e toda diferenciao; ele no tem nenhuma unidade nem partes. Ele no pode ser articuladamente pensado; afirme-o e ele j perdeu toda sua inocncia caracterstica, porque afirmaes sempre implicam a negao de uma outra coisa. Pare para pensar nele e ele j voou.

    O que o mundo para uma criana em idade tenra, antes que ela tenha estabelecido quaisquer distines, ou se tornado consciente de sua prpria existncia? Isso primeiro, presente, imediato, fresco, novo, iniciante, original, espontneo, livre, vivido e evanescente. Mas no se esquea: qualquer descrio dele deve necessariamente false-lo.

    Mas o que quer isso dizer? Que no existe para ns, adultos, seno a nostalgia de uma experincia de primeiridade? Estamos para sempre fadados perda irrecupervel desse sabor do viver? No, em termos. O fato de que essa experincia no possa ser descrita no significa, em primeiro lugar, que no possa ser indicada ou imaginativamente criada.

    Em segundo lugar, e isto o mais importante, de qualquer coisa que esteja na mente em qualquer momento, h necessa-riamente uma conscincia imediata e conseqentemente um sentimento. Qualidades de sentimento esto, a cada instante, l, mesmo que imperceptveis. Essas qualidades no so nem pensamentos articulados, nem sensaes, mas partes consti-tuintes da sensao e do pensamento, ou de qualquer coisa que esteja imediatamente presente em nossa conscincia.

    H instantes fugazes, entretanto, e nossa vida est prenhe da possibilidade desses instantes, em que a qualidade de sentir assoma como um lampejo, e como se nossa conscincia e o universo inteiro no fossem, naquele lapso de instante, seno uma pura qualidade de sentir.

    Embora qualidade de sentimento s possa se dar no instante mesmo de uma impresso no analisvel e incapturvel, ou seja, num simples timo, esse momento de impresso, dependendo do estado em que a conscincia se encontra, pode se prolongado.

    Levantemos, por exemplo, algumas instncias de quali-dades de sentir ao imaginarmos um estado mental caracterizado por uma simples qualidade positiva: o sabor do vinho, a qualidade de sentir amor, perfume de rosas, uma dor de cabea infinita que no nos permite pensar nada, sentir nada, a no ser a qualidade da dor. Um instante eterno, sem partes, indiscernvel de prazer intenso ou a sutil qualidade de sentir quando vamos gentilmente acordando, dceis, ao som de uma msica.

    Tratam-se de estados de disponibilidade, percepo cn-dida, conscincia esgarada, desprendida e porosa, aberta ao mundo, sem lhe opor resistncia, conscincia passiva, sem eu, liberta dos policiamentos do autocontrole e de qualquer esforo

    de comparao, interpretao ou anlise. Conscincia as-somada pela mera qualidade de um sentimento positivo, sim-ples, intraduzvel.

    Note-se, contudo, que Peirce tem a a precauo de no confundir a qualidade de sentimento de uma cor vermelha, por exemplo, de um som ou de um cheiro, com os prprios objetos percebidos como vermelhos, sonantes ou cheirosos. Cons-cincia em primeiridade qualidade de sentimento e, por isso mesmo, primeira, ou seja, a primeira apreenso das coisas, que para ns aparecem, j traduo, finssima pelcula de mediao entre ns e os fenmenos. Qualidade de sentir o modo mais imediato, mas j imperceptivelmente medializado de nosso estar no mundo. Sentimento , pois, um quase-signo do mundo: nossa primeira forma rudimentar, vaga, imprecisa e indeterminada de predicao das coisas.

    Esse estado-quase, aquilo que ainda possibilidade de ser, deslancha irremediavelmente para o que j , e no seu ir sendo, j foi. Entramos no universo do segundo.

    Secundidade

    H um mundo real, reativo, um mundo sensual, inde-pendente do pensamento e, no entanto, pensvel, que se caracteriza pela secundidade. Esta a categoria que a aspereza e o revirar da vida tornam mais familiarmente proeminente. a arena da existncia cotidiana. Estamos continuamente esbarrando em fatos que nos so externos, tropeando em obstculos, coisas reais, factivas que no cedem ao mero sabor de nossas fantasias. Enfim: "a pedra no meio do caminho" de que nos fala Carlos Drummond de Andrade.

    O simples fato de estarmos vivos, existindo, significa, a todo momento, conscincia reagindo em relao ao mundo. Existir e sentir a ao de fatos externos resistindo nossa vontade. por isso que, proverbialmente, os fatos so denominados brutos: fatos brutos e abruptos. Existir estar numa relao, tomar um lugar na infinita mirade das determinaes do universo, resistir e reagir, ocupar um tempo e espao particulares, confrontar-se com outros corpos...

    Certamente, onde quer que haja um fenmeno, h uma qualidade, isto , sua primeiridade. Mas a qualidade apenas uma parte do fenmeno, visto que, para existir, a qualidade tem de estar encarnada numa matria. A factualidade do existir (secundidade) est nessa corporificao material.

    A qualidade de sentimento no sentida como resistindo num objeto material. puro sentir, antes de ser percebido como existindo num eu. Por isso, meras qualidades no resistem. a matria que resiste. Por conseguinte, qualquer sensao j

    piv do pensamento, aquilo que move o pensar, retirando-o do crculo vicioso do amortecimento.

    Falar em pensamento, no entanto, falar em processo, mediao interpretativa entre ns e os fenmenos. sair, portanto, do segundo como aquilo que nos impulsiona para o universo do terceiro.

    Antes de penetrarmos no devir incessante do pensamento como representao interpretativa do mundo, que fique claro que nossas reaes realidade, interaes vivas e fsicas com a materialidade das coisas e do outro, j se constituem em respostas sgnicas ao mundo, marcas materiais perceptveis em maior ou menor grau que nosso existir histrico e social, circunstancial e singular vai deixando como pegadas, rastros de nossa existncia.

    Agir, reagir, interagir e fazer so modos marcantes, con-cretos e materiais de dizer o mundo, interao dialgica, ao nvel da ao, do homem com sua historicidade.

    Terceiridade Trs elementos constituem todas as experincias. Eles so

  • 11

    as categorias universais do pensamento e da natureza. Primeiridade a categoria que d experincia sua

    qualidade distintiva, seu frescor, originalidade irrepetvel e liber-dade. No a liberdade em relao a uma determinao fsica, pois que isso seria uma proposio metafsica, mas liberdade em relao a qualquer elemento segundo. O azul de um certo cu, sem o cu, a mera e simples qualidade do azul, que poderia tambm estar nos seus olhos, s o azul, aquilo que tal qual , independente de qualquer outra coisa. Mas, ao mesmo tempo, primeiridade um componente do segundo.

    Secundidade aquilo que d experincia seu carter factual, de luta e confronto. Ao e reao ainda em nvel de binariedade pura, sem o governo da camada mediadora da intencionalidade, razo ou lei.

    Finalmente, terceiridade, que aproxima um primeiro e um segundo numa sntese intelectual, corresponde camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, atravs da qual representamos e interpretamos o mundo. Por exemplo: o azul, simples e positivo azul, um primeiro. O cu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul, um segundo. A sntese intelectual, elaborao cognitiva o azul no cu, ou o azul do cu , um terceiro.

    Algumas das idias de terceiridade que, devido sua importncia na filosofia e na cincia, requerem estudo atento so: generalidade, infinitude, continuidade, difuso, crescimento e inteligncia. Mas a mais simples idia de terceiridade aquela de um signo ou representao. E esta diz respeito ao modo, o mais proeminente, com que ns, seres simblicos, estamos postos no mundo.

    Diante de qualquer fenmeno, isto , para conhecer e compreender qualquer coisa, a conscincia produz um signo, ou seja, um pensamento como mediao irrecusvel entre ns e os fenmenos. E isto, j ao nvel do que chamamos de percepo. Perceber no seno traduzir um objeto de percepo em um julgamento de percepo, ou melhor, interpor uma camada interpretativa entre a conscincia e o que percebido.

    Nessa medida, o simples ato de olhar j est carregado de interpretao, visto que sempre o resultado de uma elaborao cognitiva, fruto de uma mediao sgnica que pos-sibilita nossa orientao no espao por um reconhecimento e assentimento diante das coisas que s o signo permite.

    O homem s conhece o mundo porque, de alguma forma, o representa e s interpreta essa representao numa outra representao, que Peirce denomina interpretante da primeira. Da que o signo seja uma coisa de cujo conhecimento depende do signo, isto , aquilo que representado pelo signo. Da que, para ns, o signo seja um primeiro, o objeto um segundo e o interpretante um terceiro. Para conhecer e se conhecer o homem se faz signo e s interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos.

    Em sntese: compreender, interpretar traduzir um pen-samento em outro pensamento num movimento ininterrupto, pois s podemos pensar um pensamento em outro pensamento. porque o signo est numa relao a trs termos que sua ao pode ser bilateral: de um lado, representa o que est fora dele, seu objeto, e de outro lado, dirige-se para algum em cuja mente se processar sua remessa para um outro signo ou pensamento onde seu sentido se traduz. E esse sentido, para ser interpretado tem de ser traduzido em outro signo, e assim ad infinitum.

    O significado, portanto, aquilo que se desloca e se esquiva incessantemente. O significado de um pensamento ou signo um outro pensamento. Por exemplo: para esclarecer o significado de qualquer palavra, temos que recorrer a uma outra palavra que, em alguns traos, possa substituir a anterior. Basta folhear um dicionrio para que se veja como isto, de fato, assim.

    Eis a, num mesmo n, aquilo que funda a misria e a grandeza de nossa condio como seres simblicos. Somos no mundo, estamos no mundo, mas nosso acesso sensvel ao

    mundo sempre como que vedado por essa crosta sgnica que, embora nos fornea o meio de compreender, transformar, programar o mundo, ao mesmo tempo usurpa de ns uma existncia direta, imediata, palpvel, corpo a corpo e sensual com o sensvel.

    Contudo, repensemos o problema. Se nossa condio de tradutores de um pensamento em outro pensamento fundar natureza mesma do que chamamos conscincia interpretativa, ento as categorias de primeiridade (sentimento) e de secundidade (conflito) estariam fadadas ao evanescimento irreversvel, sempre embolsadas dentro da categoria do terceiro ou interpretao?

    Em primeiro lugar, esses trs possveis estados da mente no podem ser entendidos como dados estanques. Disse Peirce: "Nenhuma linha firme de demarcao pode ser dese-nhada entre diferentes estados integrais da mente, isto , entre estados tais como sentimento, vontade e conhecimento. claro que estamos ativamente conhecendo em todos os nossos minutos de viglia e realmente sentindo tambm. Se no estamos sempre querendo, estamos pelo menos, a todo mo-mento, com a conscincia reagindo em relao ao mundo externo". Em suma: "o que em mim sente est pensando", diria depois Fernando Pessoa.

    Em segundo lugar, a camada do pensamento interpretativo, pensamento sob autocontrole, apenas a camada mais superficial, mais tona da conscincia. Essa camada, no entanto, pode, a qualquer momento, ser quase que fendida, subvertida pela pregnncia d uma mera qualidade de sentir ou pela invaso de um conflito: instncias de um lampejo ou lapso-de-tempo que fissuram a remessa incessante de signo a Signo da racionalidade interpretadora.

    Tratam-se de instncias, portanto, em que a abstrao cognitiva quase fendida e a conscincia encontra um ponto tangencial em que corpo do mundo e no mundo, instante indiscernvel e intraduzvel de maior proximidade fsica e viva da conscincia com o fenmeno apreendido.

    Nessa medida, para ns tudo signo, qualquer coisa que II produz na conscincia tem o carter de signo. No entanto, Peirce leva a noo de signo to longe a ponto de que um signo no tenha necessariamente de ser uma representao mental, mas pode ser uma ao ou experincia, ou mesmo uma mera qualidade de impresso.

    O sentimento ou qualidade de impresso um quase-signo porque j funciona como um primeiro, vago e impreciso predicado das coisas que a ns se apresentam. A ao ou experincia tambm pode funcionar como signo porque se apresenta como resposta ou marca que deixamos no mundo, aquilo que nossa ao nele inculca. A esto enraizadas na fenomenologia as bases para a Semitica, pois justo na terceira categoria fenomenolgica que encontramos a noo de signo genuno ou tridico, assim como nas segunda e primeira categorias que emergem as formas de signos no genunos, isto , as formas quase-sgnicas da conscincia ou linguagem.

    PARA SE TECER A MALHA DOS SIGNOS

    A Semitica peirceana, concebida como Lgica, no se confunde com uma cincia aplicada. O esforo de Peirce era o de configurar conceitos sgnicos to gerais que pudessem servir de alicerce a qualquer cincia aplicada.

    Confiramos com suas palavras: "A tarefa que inauguro fazer uma filosofia como aquela de Aristteles, quer dizer, esboar uma teoria to compreensiva que, por longo tempo, todo o trabalho da razo humana na filosofia de todas as escolas e espcies, na matemtica, na psicologia, na cincia

  • 12

    fsica, na histrica, na sociologia e em qualquer outro departa-mento que possa haverdeve aparecer como preenchimento de seus detalhes. O primeiro passo para isso encontrar conceitos simples aplicveis a qualquer assunto".

    Isso no quer dizer que sua teoria tenha nascido para tirar o lugar das outras cincias. Pelo contrrio, para fornecer a elas fundaes lgicas para suas construes como linguagens que so.

    Apesar de ter insistido muito na sua definio de Lgica como Semitica formal, ou seja, Lgica como configurao de conceitos abstrato-formais, ao definir esses conceitos, tinha, na maior parte das vezes, de singulariz-los, para torn-los compreensveis s mentes empricas. Numa carta em 1908, Peirce escreveu: "Minha definio de signo foi to generalizada que, ao fim e ao cabo, desesperei-me ao tentar faz-la compre-ensvel s pessoas. Assim, para me fazer entendido, eu agora a limitei".

    Originalmente, contudo, Peirce tinha em mente o seguinte: "Devemos comear por levantar noes diagramticas dos signos, das quais ns retiramos, numa primeira instncia, qual-quer referncia mente, e depois que tivermos feito aquelas noes to distintas como o a nossa noo de nmero primitivo, ou a de uma linha oval, podemos ento considerar, se for necessrio, quais so as caractersticas peculiares de um signo mental e, de fato, podemos dar uma definio matem-tica de uma mente, no mesmo sentido que podemos dar uma definio matemtica de uma linha reta... Mas no h nada que obrigue o objeto de tal definio formal a ter o sentimento peculiar da conscincia. Esse sentimento peculiar no tem nada a ver com a logicalidade do raciocnio. bem melhor, portanto, deix-lo fora da jogada".

    Num outro trecho, Peirce escreve: "Se um lgico for falar das operaes da mente, ele deve significar por mente algo bem diferente do objeto de estudo do psiclogo. A lgica ser aqui definida como Semitica formal. Uma definio de signo ser dada, sem se referir ao pensamento humano...".

    Hoje, quase 100 anos transcorridos, essa insistncia de Peirce em generalizar a noo de signo a-ponto de no ter de referi-la mente humana no mais soa como formalismo ex-cntrico, mas soa mais como antecipao, visto que, com o advento da Ciberntica, tal necessidade se patenteou histrica e concretamente. Para falarmos dos processos de comunicao entre mquinas, no temos necessariamente de nos referir s peculiaridades da conscincia humana. Isso, para no men-cionarmos as descobertas da Biologia que estenderam a noo de signo (linguagem e informao) para o campo das configuraes celulares.

    Ainda em 1909, Peirce escreveu: "A grande necessidade a de uma teoria geral de todas as possveis espcies de signo, seus modos de significao, de denotao e de informao; e o todo de seu comportamento e propriedades, desde que estas no sejam acidentais. A tarefa de suprir essas necessidades deve ser tomada por algum grupo de investigadores. Quase tudo que at agora foi realizado nessa direo foi trabalho dos lgicos. Nenhum grupo esteve to bem preparado para tocar esta tarefa frente, ou que poderia faz-la com menos desvios de suas preocupaes originais".

    Infelizmente, no entanto, poucos lgicos seguiram Peirce na sua insistncia sobre os signos. Isto continua por mant-lo solitrio na aproximao do Simbolismo, que ele teria preferido chamar Semiosis (ao do signo), pelo lado da Lgica.

    Assim sendo, as definies e classificaes de signo formuladas por Peirce so logicamente gerais, quase matem-ticas. O nvel de abstrao exigido para compreend-las , sem dvida, elevado. Entretanto, uma vez assimilado esse campo de relaes formais, essa assimilao passa a funcionar para ns como uma espcie de visor ou lente de aumento que nos permite perceber uma multiplicidade de pontos e distinguir sutis diferenciaes nas linguagens concretas pelas quais estamos perpassados e com as quais convivemos.

    Definio de signo

    H uma enorme quantidade de definies de signo distri-budas pelos textos de Peirce, umas mais detalhadas, outras mais sintticas. Dentre elas, escolhemos uma que, para os nossos propsitos, parece exemplar:

    "Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que , portanto, num certo sentido, a causa ou determi-nante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente algo que mediatamente devido ao objeto. Essa determinao da qual a causa imediata ou deter-minante o signo, e da qual a causa mediata o objeto, pode ser chamada o Interpretante".

    Esclareamos: o signo uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele s pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo no o objeto. Ele apenas est no lugar do objeto. Portanto, ele s pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade. Por exemplo: a palavra casa, a pintura de uma casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, o esboo de uma casa, um filme de uma casa, a planta baixa de uma casa, a maquete de uma casa, ou mesmo o seu olhar para uma casa, so todos signos do objeto casa. No so a prpria casa, nem a idia geral que temos de casa. Substituem-na, apenas, cada um deles de um certo modo que depende da natureza do prprio signo. A natureza de uma fotografia no a mesma de uma planta baixa.

    Ora, o signo s pode representar seu objeto para um intrprete, e porque representa seu objeto, produz na mente desse intrprete alguma outra coisa (um signo ou quase-signo) que tambm est relacionada ao objeto no diretamente, mas pela mediao do signo.

    Cumpre reter da definio a noo de interpretante. No se refere ao intrprete do signo, mas a um processo relacionai que se cria na mente do intrprete. A partir da relao de representao que o signo mantm com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro ( o interpretante do primeiro). Portanto, o significado de um signo outro signo seja este uma imagem mental ou palpvel, uma ao ou mera reao gestual, uma palavra ou um mero sentimento de alegria, raiva... uma idia, ou seja l o que for porque esse seja l o que for, que criado na mente pelo signo, um outro signo (traduo do primeiro). Mas, para que a definio de signo fique melhor divisada, convm esclarecer que o signo tem dois objetos e trs interpretantes. Vejamos, primeiro num grfico:

    SIGNO

    O objeto imediato (dentro do signo, no prprio signo) diz respeito ao modo como o objeto dinmico (aquilo que o signo

    interpretante dinmico

    (intrprete)

    objeto dinmico

  • 13

    substitui) est representado no signo. Se se trata de um desenho figurativo, o objeto imediato a aparncia do desenho, no modo como ele intenta representar por semelhana a aparncia do objeto (uma paisagem, por exemplo). Se se trata de uma palavra, o objeto imediato a aparncia grfica ou acstica daquela palavra como suporte portador de uma lei geral, pacto coletivo ou conveno social que faz com que essa palavra, que no apresenta nenhuma semelhana real ou imaginria com o objeto, possa, no entanto, represent-lo.

    O interpretante imediato consiste naquilo que o signo est apto a produzir numa mente interpretadora qualquer. No se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente, mas daquilo que, dependendo de sua natureza, ele pode produzir. H signos que so interpretveis na forma de qualidades de sentimento; h outros que so interpretveis atravs de experincia concreta ou ao; outros so passveis de interpretao atravs de pensamentos numa srie infinita.

    Da decorre o interpretante dinmico, isto , aquilo que o signo efetivamente produz na sua, na minha mente, em cada mente singular. E isso ele produzir dependendo da sua natu-reza de signo e do seu potencial como signo. Por exemplo: h signos que s produziro sentimentos de qualidade. Ao ouvir-mos uma pea de msica, se no somos conhecedores dos diferentes cdigos de composio musical (o que nos levaria tambm a outros tipos de interpretao), a audio dessa msica no produzir em ns seno uma srie de qualidades de impresso, isto , sensaes auditivas, viscerais e possivelmente correspondncias visuais. claro que podemos traduzir essas sensaes numa pseudo-significao ou interpretante puramente emocional: alegria, tristeza, monotonia, mudan-a...Assim, aquele signo, dada a limitao do nosso repertrio, no produzira em ns seno um interpretante dinmico de primeiro nvel, isto , emocional. (Sobre os modos de se ouvir uma msica, veja-se o captulo Maneiras de Ouvir, do livro O que Msica, pois l o autor, J. Jota de Moraes, indica essas maneiras em correspondncia com as categorias peirceanas.)

    Vejamos aqui, porm, o segundo nvel do interpretante dinmico. Se voc recebe uma ordem de algum que tem autoridade sobre voc, por respeito ou temor, essa ordem produzir um interpretante dinmico energtico, isto , uma ao concreta e real de obedincia, no caso, como resposta ao signo.

    Se o signo for convencional, ou seja, signo de lei, por exemplo, uma palavra ou frase, o interpretante ser um pensa-mento que traduzir o signo anterior em um outro signo da mesma natureza, e assim ad infinitum. Este outro signo de carter lgico o que Peirce chama de interpretante em si. Este consiste no apenas no modo como sua mente reage ao signo, mas no modo como qualquer mente reagiria, dadas certas condies. Assim, a palavra casa produzir como interpretante em si outros signos da mesma espcie: habitao, moradia, lar, "lar-doce-lar" etc.

    Percebendo que o signo no uma coisa monoltica, mas um complexo de relaes, que retenhamos em nossa rotina mental essa sutis diferenciaes entre as partes do signo, para que possamos passar para as principais classificaes de signos onde essas relaes sero retomadas com vistas a uma maior elucidao.

    Classificao dos signos

    A partir dessa diviso lgica e microscpica das partes que interagem na constituio de todo e qualquer signo, Peirce estabeleceu uma rede de classificaes sempre tridcas (isto , trs a trs) dos tipos possveis de signo.

    Tomando como base as relaes que se apresentam no signo, por exemplo, de acordo com o modo de apreenso do signo em si mesmo, ou de acordo com o modo de apresentao

    do objeto imediato, ou de acordo com o modo de ser do objeto dinmico etc, foram estabelecidas 10 tricotomias, isto , 10 divises tridicas do signo, de cuja combinatria resultam 64 classes de signos e a possibilidade lgica de 59 049 tipos de signos.

    Evidentemente, Peirce no chegou a explorar todos esses tipos. Alis, em relao a isso ele assim se referiu: "No assumirei o encargo de levar minha sistemtica diviso de signos mais longe, mas deixarei isso para futuros exploradores".

    As 10 divises tridicas foram, no entanto, elaboradas. No faz sentido, porm, entrarmos aqui em tal nvel de deta-lhamento. Basta apontarmos para o fato de que um exame mais minucioso dessas classificaes pode nos habilitar para a leitura de todo e qualquer processo sgnico, desde a linguagem indeterminada das nuvens que passeiam no cu, ou as marcas multiformes e cambiantes que as ondas do mar vo deixando na areia, at uma frmula, a mais abstrata, de uma cincia exata.

    Dentre todas essas tricotomias, h trs, as mais gerais, s quais Peirce dedicou exploraes minuciosas. So as que ficaram mais conhecidas e que tm sido mais divulgadas. Tomando-se a relao do signo consigo mesmo (1), a relao do signo com seu objeto dinmico (2) e a relao do signo com seu interpretante (3), tem-se:

    signo 1 em si

    mesmo

    signo 2 com seu objeto

    signo 3 com seu interpretante

    1. quali-signo cone rema

    2. sin-signo ndice dicente

    3. legi-signo smbolo argumento

    Observe-se, antes de tudo, que a indicao dos numerais (1,

    2, 3), na vertical e na horizontal, no funciona a como simples esclarecimento didtico, mas remete diretamente s trs categorias. Desse modo, se formos leitura dos elementos do grfico, mantendo na memria aqueles caracteres lgicos de 1., 2P, 3?, j teremos percorrido metade do caminho para entendimento dos signos que ocupam cada uma dessas casas.

    Assim, na relao do signo consigo mesmo, no seu modo de ser, aspecto ou aparncia (isto , a maneira como aparece), o signo pode ser uma mera qualidade, um existente (sin-signo, singular) ou uma lei.

    Lembremos: se algo aparece como pura qualidade, este algo primeiro. claro que uma qualidade no pode aparecer e, portanto, no pode funcionar como signo sem estar encarnada em algum objeto. Contudo, o quali-signo diz respeito t