8
O RENASCER VIANENSE O RENASCER VIANENSE ÓRGÃO DE DIVULGAÇÃO DA A CADEMIA V IANENSE DE L ETRAS A NO V Nº 13 V IANA -MA, A GOSTO DE 2006 APELOS E ALERTAS T rataremos, neste editorial, de três importantes assuntos sobre os quais pedimos a atenção do leitor. Nosso jornal, nesta edição, sem ter recebido qualquer ajuda extra (nem o comércio da cidade se sensibiliza para fazer propaganda) circulará, excepcio- nalmente, com oito páginas. Em respos- ta ao nosso protesto de lamentação so- bre o silêncio dos leitores, recebemos três correspondências e manifestações de solidariedade de algumas pessoas inte- ressadas. Continuamos acreditando na germinação de nossas idéias. O ano de 2007 será uma data me- morável para o município de Viana, que completará seus 250 anos de criação. Precisamente em 8 de julho de 1.757 foi criada a Vila de Viana, uma das mais antigas do Maranhão. Para comemorar essa importante data não se deve improvisar solenida- des e eventos, mas planejá-los com a devida antecedência, lembrando que a data não se deve concentrar no dia 8 nem no mês de julho, mas no decorrer de todo o ano de 2007. Já era tempo dos poderes públicos e das associações de classes terem cons- tituído comissões para planejamento antecipado das atividades comemorati- vas. A Academia Vianense de Letras se oferece para ajudar qualquer iniciativa nesse sentido. Professores, alunos, es- colas, agremiações, todos devem se empenhar no planejamento desse ani- versário, dessa data histórica. O terceiro tópico, é lembrar que a Igreja da Matriz continua esperando a reforma de que necessita com urgência. A comunidade católica vianense rece- beu com tibieza a conclamação para ajudar na arrecadação de fundos, tal- vez até por falta de liderança. Será que mudou a fé dos vianenses ou mudaram os carismas? Quando Monsenhor Arouche deu o brado de que precisava de ajuda para a reforma da Matriz e construção do palácio episcopal todos atenderem seu apelo. A igreja ganhou sua torre e o palácio foi construído para abrigar a residência do senhor bispo. A Senhora da Conceição do Maracu já foi tão próspera que até o luxo de uma fa- zenda de gado possuía. E agora, sem gado, sem povo, o que fazer? O que está acontecendo? Alguma coisa preci- sa ser feita. O progresso desta cidade estará alterando tanto assim a mentali- dade do cidadão vianense? Tudo indica que esperar por ajuda externa oriunda dos governos estadual ou federal será inútil. Ou nos dispomos a arregaçar as mangas e cuidar do que é nosso, ou a Matriz sucumbirá. Sem preservação da memória e dos símbolos da cidade e sem o cultivo dos nossos valores não contribuiremos para engrandecer esta terra de história tão rica e tão dignificante. CASA DE DANIEL GOMES L ocalizada na esquina mais importante do centro histó- rico de Viana, o famoso “Canto Grande”, esta casa abri- gou o comércio de tecidos e ser- viu de residência para o Sr. Dani- el Gomes e família, até o final da década de 60. Bem antes, esta mesma casa havia sediado a fili- al vianense das “Casas Pernam- bucanas”, depois que a afama- da loja mudou-se do prédio da atual Farmácia Serejo. De estilo tipicamente coloni- al, além do amplo salão da loja (com portas que se abrem para as duas ruas), a casa possui va- randa espaçosa, quartos amplos, despensa, cozinha e um impo- nente poço no quintal. Dois pe- quenos corredores, divididos por uma cancela (como era comum nas residências antigas), dão acesso ao interior da casa, pela Rua Cônego Hemetério. No início dos anos 90, deteri- orado pelo tempo, o prédio apre- sentava sinais visíveis de aban- dono, levando a crer que seria mais um imóvel, como tantos outros em Viana, condenado ao des- moronamento próximo pelo fragrante descaso de seus proprietários. Felizmente um dos herdeiros, José Ribamar Gomes (mais conhecido por Zé Embala) teve sen- sibilidade suficiente para evitar que o prédio se trans- formasse em ruínas, tornando-se o primeiro via- nense a dar tal exemplo na cidade. Sozinho, assu- miu o trabalho e as despesas de restauração desta casa que, além de guardar suas memórias particu- lares de infância, guarda igualmente um capítulo importante da memória coletiva vianense. Na época, o Comitê de Defesa do Patrimônio Histórico de Viana endereçou uma correspondên- cia especial ao Sr. José Ribamar Gomes, na qual elogiava sua feliz iniciativa e importante contri- buição para a preservação do patrimônio local. LUIZ ALEXANDRE Canto Grande nos meados dos anos 30: ponto de maior movimento comercial da cidade. À esquerda, a casa do Sr. Daniel Gomes, quando abrigava as Lojas Pernambucanas. À direita, a casa de comércio do Sr. Levi Coelho, hoje totalmente em ruínas. IGREJA MATRIZ Com o telhado e forro comprometi- dos, rachaduras nas paredes da sacristia e pisos superiores que conduzem à tor- re ameaçados de desabamento, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (foto) necessita de urgen- te restauração. PÁGINAS 4 E 5 MONSENHOR AROUCHE Na comemoração do centenário de nas- cimento do Padre Ma- noel Nunes Arouche (foto), os acadêmicos Heitor Piedade Júnior, João Mendonça Cor- deiro e Padre Eider Fur- tado da Silva dão seus depoimentos sobre a fi- gura do religioso que mudou a história do catolicismo vianense. PÁGINA 6

O RENASCER VIANENSE - avlma.com.bravlma.com.br/site/wp-content/uploads/2018/11/RENASCER-13.pdfRafael, onde nasci, me surpreendi com o significativo número de homens e mulheres que,

  • Upload
    others

  • View
    9

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSEÓRGÃO DE DIVULGAÇÃO DA ACADEMIA VIANENSE DE LETRAS ANO V Nº 13 VIANA-MA, AGOSTO DE 2006

APELOS E ALERTAS

Trataremos, neste editorial, de trêsimportantes assuntos sobre osquais pedimos a atenção do leitor.

Nosso jornal, nesta edição, sem terrecebido qualquer ajuda extra (nem ocomércio da cidade se sensibiliza parafazer propaganda) circulará, excepcio-nalmente, com oito páginas. Em respos-ta ao nosso protesto de lamentação so-bre o silêncio dos leitores, recebemos trêscorrespondências e manifestações desolidariedade de algumas pessoas inte-ressadas. Continuamos acreditando nagerminação de nossas idéias.

O ano de 2007 será uma data me-morável para o município de Viana, quecompletará seus 250 anos de criação.Precisamente em 8 de julho de 1.757foi criada a Vila de Viana, uma das maisantigas do Maranhão.

Para comemorar essa importantedata não se deve improvisar solenida-des e eventos, mas planejá-los com adevida antecedência, lembrando que adata não se deve concentrar no dia 8nem no mês de julho, mas no decorrerde todo o ano de 2007.

Já era tempo dos poderes públicos edas associações de classes terem cons-tituído comissões para planejamentoantecipado das atividades comemorati-vas. A Academia Vianense de Letras seoferece para ajudar qualquer iniciativanesse sentido. Professores, alunos, es-colas, agremiações, todos devem seempenhar no planejamento desse ani-versário, dessa data histórica.

O terceiro tópico, é lembrar que aIgreja da Matriz continua esperando areforma de que necessita com urgência.A comunidade católica vianense rece-beu com tibieza a conclamação paraajudar na arrecadação de fundos, tal-vez até por falta de liderança. Será quemudou a fé dos vianenses ou mudaramos carismas? Quando MonsenhorArouche deu o brado de que precisavade ajuda para a reforma da Matriz econstrução do palácio episcopal todosatenderem seu apelo. A igreja ganhousua torre e o palácio foi construído paraabrigar a residência do senhor bispo. ASenhora da Conceição do Maracu já foitão próspera que até o luxo de uma fa-zenda de gado possuía. E agora, semgado, sem povo, o que fazer? O queestá acontecendo? Alguma coisa preci-sa ser feita. O progresso desta cidadeestará alterando tanto assim a mentali-dade do cidadão vianense? Tudo indicaque esperar por ajuda externa oriundados governos estadual ou federal seráinútil. Ou nos dispomos a arregaçar asmangas e cuidar do que é nosso, ou aMatriz sucumbirá.

Sem preservação da memória e dossímbolos da cidade e sem o cultivo dosnossos valores não contribuiremos paraengrandecer esta terra de história tãorica e tão dignificante.

CASA DE DANIEL GOMES

Localizada na esquina maisimportante do centro histó-rico de Viana, o famoso

“Canto Grande”, esta casa abri-gou o comércio de tecidos e ser-viu de residência para o Sr. Dani-el Gomes e família, até o final dadécada de 60. Bem antes, estamesma casa havia sediado a fili-al vianense das “Casas Pernam-bucanas”, depois que a afama-da loja mudou-se do prédio daatual Farmácia Serejo.

De estilo tipicamente coloni-al, além do amplo salão da loja(com portas que se abrem paraas duas ruas), a casa possui va-randa espaçosa, quartos amplos,despensa, cozinha e um impo-nente poço no quintal. Dois pe-quenos corredores, divididos poruma cancela (como era comumnas residências antigas), dãoacesso ao interior da casa, pelaRua Cônego Hemetério.

No início dos anos 90, deteri-orado pelo tempo, o prédio apre-sentava sinais visíveis de aban-dono, levando a crer que seria mais um imóvel,como tantos outros em Viana, condenado ao des-moronamento próximo pelo fragrante descaso deseus proprietários.

Felizmente um dos herdeiros, José RibamarGomes (mais conhecido por Zé Embala) teve sen-sibilidade suficiente para evitar que o prédio se trans-formasse em ruínas, tornando-se o primeiro via-nense a dar tal exemplo na cidade. Sozinho, assu-

miu o trabalho e as despesas de restauração destacasa que, além de guardar suas memórias particu-lares de infância, guarda igualmente um capítuloimportante da memória coletiva vianense.

Na época, o Comitê de Defesa do PatrimônioHistórico de Viana endereçou uma correspondên-cia especial ao Sr. José Ribamar Gomes, na qualelogiava sua feliz iniciativa e importante contri-buição para a preservação do patrimônio local.

LUIZ ALEXANDRE

Canto Grande nos meados dos anos 30: ponto de maiormovimento comercial da cidade. À esquerda, a casa do Sr. DanielGomes, quando abrigava as Lojas Pernambucanas. À direita, acasa de comércio do Sr. Levi Coelho, hoje totalmente em ruínas.

IGREJA MATRIZCom o telhado e

forro comprometi-dos, rachaduras nasparedes da sacristiae pisos superioresque conduzem à tor-re ameaçados dedesabamento, aIgreja Matriz deNossa Senhora daConceição (foto)necessita de urgen-te restauração.

PÁGINAS 4 E 5

MONSENHOR AROUCHENa comemoração

do centenário de nas-cimento do Padre Ma-noel Nunes Arouche(foto), os acadêmicosHeitor Piedade Júnior,João Mendonça Cor-deiro e Padre Eider Fur-tado da Silva dão seusdepoimentos sobre a fi-gura do religioso quemudou a história docatolicismo vianense.

PÁGINA 6

2 Viana – MA, agosto de 2006

CARTAS RECEBIDAS NOZOR SOUSA:centenário de nascimento.

Sr. Presidente da AVL,

Afastada de Viana, onde vivi grande parte da minha infância e adolescência, e da Estrada deRafael, onde nasci, me surpreendi com o significativo número de homens e mulheres que, inteligen-temente, ao longo dos anos, têm representado os valores culturais de nossa terra.

Louvo o momento de fundação da Academia Vianense de Letras, pois através de um sériotrabalho de pesquisa, esta entidade vem resgatando paulatinamente a história de Viana e de seusprincipais autores. “O Renascer Vianense” reivindica direitos e informa sobre fatos e homens quemarcaram a história dessa terra abençoada – “Viana, torrão gentil”.

Recentemente tive a oportunidade de ler o livro “Casa de Seu Gegê”, de Heitor Piedade Júnior.Pude, então, conhecer um pouco sobre Seu Gegê e ao mesmo tempo viajar pela história de nossaViana dos meados do século XX.

A Academia Vianense de Letras tem apenas quatro anos de existência, mas já mostrou para oque veio – desenvolver a cultura contemporânea através da literatura, nos seus diversos gêneros;permitir que jovens tenham acesso à língua culta e resgatar o passado dessa cidade e torná-loinstrumento de conhecimento no presente.

Só lamento que na minha época de estudante, em Viana, não me foi dada a oportunidade deaprofundar meus conhecimentos sobre sua história, mas fico feliz por saber que agora as crianças,os jovens e toda a população podem ter acesso a esse conhecimento.

É certo que, para isso, os governantes e os demais meios de comunicação de Viana precisam tero discernimento e a vontade política, para cooperar nesse trabalho importantíssimo de tornaracessível, a todos, esse conhecimento indispensável à identidade de seu povo, cuja história elemesmo (o povo) protagoniza.

Enoi Celeste Sousa Botelho (funcionária pública)São Luís, 10 de maio de 2006.

Meu Prezado Luiz Alexandre,

Em mãos um exemplar do “O Renascer Vianense”, de novembro de 2005, que me foi empres-tado por D. Margareth Aragão. Graças a ela e também ao notável João Mendonça Cordeiro tenhotido acesso a alguns livros de autores da “Rainha dos Lagos” e, eventualmente, a uns poucosexemplares do “Renascer”.

Devo dizer que residi em Viana durante uma fase da minha infância, tendo sido aluno doColégio Dr. Castro Maia, dirigido pela professora D. Santoca Gomes e de D. Dedé Travassos, queera nossa vizinha, na Praça de São Sebastião, hoje não mais existente.

Estava presente por ocasião do batismo do caminhão, do José Pinheiro, pelo Padre ManoelArouche, e da aterrissagem do primeiro avião em Viana, um “Paulistinha” pilotado pelo Comandan-te Dieguez. Ouso revelar que estou tentando escrever sobre estas lembranças.

Leio, no momento, “A Casa de Seu Gegê – Um pedaço de saudade”, emprestado pela mesmaMargareth Aragão. Confesso que o livro está mexendo com meus próprios pedaços de saudades.

O principal motivo desta é o de parabenizar a Academia Vianense de Letras pelo importantetrabalho de resgate da história de Viana. Também gostaria de saber como fazer para receber,regularmente, “O Renascer” e onde conseguir mais livros de autores vianenses.

Aldir Penha Costa Ferreira (aposentado)São Luís, 28 de fevereiro de 2006.

Ilmº . Sr. Luiz Alexandre Raposo,

Li o editorial do “Renascer Vianense”, datado de maio/2006, e senti-me no dever, comoprofessora que sou, de manifestar o meu ponto de vista em resposta ao referido editorial.

Nós, vianenses, nos orgulhamos muito do passado histórico da nossa cidade, sempre citadacomo berço de tão ilustres cidadãos que se destacaram em vários segmentos da cultura comoescritores, poetas, compositores, músicos, cantores, artistas plásticos e por aí a fora. E é por essepassado glorioso que nos sentimos esperançosos, acreditando que nossa cultura será resgatada.

O exemplo que a AVL vem dando, no incansável trabalho de seus membros em divulgar nossacidade, notadamente no aspecto cultural, cremos que o objetivo será alcançado, mesmo que issoocorra num processo lento.

Já é perceptível, mesmo que timidamente, uma participação mais efetiva da comunidadevianense nas manifestações promovidas pela Academia. Aquela solenidade de posse do EstêvãoMaya-Maya foi um evento cultural de grande magnitude, como há muito não se via em Viana. Apresença da população superou as expectativas e a Catedral de N. S. da Conceição ficou pequenapara tantas pessoas.

A explanação da pesquisadora Mundinha Araújo a respeito de seu livro “Insurreição deEscravos em Viana” foi uma aula dada com competência e profundo conhecimento de causa. Osalunos de Centro Educacional Profº Antônio Lopes declamando as poesias “O Escravo” e “OsCalhambolas”, da autoria de Celso Magalhães, foi uma prova de que nem tudo está perdido e quenossos jovens ainda são capazes de se interessar e encantar com as coisas belas, como a poesia,por exemplo.

Após seu discurso de posse, quando o Estêvão Maya-Maya cantou em latim as ladainhas queoutrora eram entoadas na nossa Igreja Matriz, todos nós presentes ficamos em êxtase, diantedaquela voz tão maravilhosa. O seu dueto final com Rogéryo du Maranhão, cantando as músicas danossa inesquecível Dilú Mello, foi aplaudido de pé, por uma platéia emocionada e embevecida portão raríssimo momento de puro deleite cultural.

Em novembro de 2005, aconteceu outro grandioso momento, quando do lançamento dareedição do livro “Minha Vida, Minha Luta”, de autoria do escritor Travassos Furtado, ocasião emque tivemos a oportunidade de desfrutar da magnífica voz do não menos ilustre cantor Fernando deCarvalho, o qual dispensa comentários.

Portanto, Sr. Presidente, tanto o jornal “O Renascer Vianense”, que traz em suas páginas ahistória de nossos antepassados e que significa nossa própria história, quanto todas as ações da AVLsignificam sim, e muito para todos nós vianenses. Apenas talvez não saibamos agradecer comodeveríamos, um pouco por timidez, como é o meu caso, que já havia pensado, há algum tempoatrás, em enviar minha mensagem exaltando esse trabalho tão nobre e louvá-los por tal iniciativa,mas não tinha tido ainda um estímulo mais forte, o qual me foi fornecido pela leitura do editorial daedição nº 12 do “Renascer”.

Desejo, sinceramente, que a cada dia o compromisso de vocês da AVL para com a nossacidade se fortaleça mais, e que nunca o desânimo, causado pelo silêncio dos filhos desta terra, osdesmotive a continuar com a árdua tarefa de resgatar e elevar sempre a nossa história, tão rica emsua cultura.

De minha parte, espero poder contribuir, dentro das minhas limitações, ainda que em salade aula, com meus alunos, na divulgação deste trabalho da AVL, de tão grande relevância paratodos nós.

Saudações,

Maria de Fátima Santos Mendonça (professora)Viana, 24 de maio de 2006.

Lourival Serejo

Em fevereiro do corrente ano, comemorou-se,

em silêncio, os cem anos de nascimento deNozor Lauro Lopes de Souza, o boticário quededicou sua vida ao comércio e à cidade de

Viana. Afora essa atividade, sua paixão era a políticacomo militante do PSD, mas nunca se beneficiou delapara nada pessoal.

Quando a cidade ficava sem médico, suas recei-tas muito contribuíram para devolver a saúde aosdoentes. Em sua farmácia, a FARMÁCIA SEREJO,atendia a qualquer hora do dia e da noite, mesmoresmungando seus gemidos, mas nunca com indeli-cadeza ou grosseria.

Para homenageá-lo, como seu filho, lembrei-mede transcrever aqui uma crônica que fiz para ele, ain-da vivo, publicada no jornal Cidade de Pinheiro, em28 de maio de 1972, com o título “Nozor Sousa:perfil de um pinheirense.” Naquela época, eu era umestudante de Direito, e o vocabulário daquela páginareflete a imaturidade do escritor, mas a emoção doseu conteúdo é a mesma de hoje.

Eis a íntegra daquela crônica:

“Num dia perdido na distância dos anos passa-dos, emigrou, do Vale do Pericumã, um rapaz ousa-do que levava consigo apenas a vontade e a determi-nação férrea de vencer na vida.

No seu itinerário percorreu, palmo a palmo, osíngremes caminhos do grande sertão. Desde as ter-ras do Pará aos chapadões cearenses, das alvas prai-as maranhenses às ribanceiras do Tocantins.

Passou pelas mais variadas aventuras, enfrentouperigos e dificuldades a cada passo. Com a sereni-dade enérgica de um Lincoln, a tudo venceu, plas-mando daí a fibra imponente de um homem forte.

E foi nessa sua peregrinação incessante que umdia chegou a Viana, onde veio a se casar e fixarresidência.

O modo como chegou e veio a prosperar naquelemunicípio, foi muito bem definido em rimas satíricas,aparecidas, há muito tempo, num certo ´Ora, Pílu-las‘, de autor desconhecido. Logo, de início, lia-se:

‘Nozor da Botica,Tipo cicicaFeliz pra xuxu.Aqui aportouDe calças rasgadasComo corretorE hoje banca o doutor.‘Qualquer pessoa conhece, em Viana, aquela fi-

gura de chapéu na cabeça, ligeiramente inclinada,que passa pelas ruas, apressado, resolvendo seusproblemas, buscando qualquer coisa. É o ´Nozorda Farmácia‘. Sua casa funciona como uma hospi-taleira Embaixada Pinheirense, encravada no seioda cidade. É uma célula de Pinheiro no tecido dopovo vianense.

Aos seus conterrâneos e a todos os conhecidos,pode dizer, orgulhosamente, que venceu pela força epela coragem, tendo a honestidade como lema e in-tegridade de um caráter inquebrantável como égide.

Todo o seu êxito sobre as vicissitudes na luta pelaexistência parece que repousa naquela fórmula defirmeza sugerida pelo autor de AS FORÇAS MORAIS:Trabalha, canta ou ruge com inteireza e sem desvio:vibre em ti uma parcela da tua raça.”

Nozor Souza era casado com Isabel Serejo Souza,com quem teve nove filhos. Faleceu em 16 de setem-bro de 1984. Mesmo nascido em Pinheiro, ele tinhapor Viana um amor de filho e seu sentimento poraquela terra se eternizou pelos nove filhos que dei-xou, todos vianenses.

O RENASCER VIANENSEDiretor/Redator: Luiz Alexandre RapôsoEndereço: Rua Antônio Lopes, 459 - Viana - MA CEP: 65.215-000

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE

3Viana – MA, agosto de 2006

Posse de HelenaCastro na AVL

Contando com a parti-cipação de numerosopúblico e de autorida-des, como a Gerente

Regional de Viana, Ana LuísaMeireles Gomes, da Secretáriade Solidariedade Estadual, Ma-ria Clay Moreira Lima Lago, davice-Prefeita de São Luís, SandraTorres, do jornalista ReginaldoTeles, do Presidente da CâmaraMunicipal de Viana, José Riba-mar Amorim, e do pároco daIgreja da Barreirinha, Padre Pau-lo Polidoro, realizou-se, na noitede 27 de maio último, a cerimô-nia solene de posse da nova aca-dêmica, Maria Helena NunesCastro, que tomou assento naCadeira de nº 24 da AcademiaVianense de Letras.

A Igreja Matriz parecia pe-quena para comportar o públi-co que afluía à praça, sob osacordes dos dobrados, executa-dos pela Banda “Maestro JoséPiteira”. Às 20:30 horas iniciou-se a cerimônia dirigida pelo pre-

sidente da casa, o jornalista eescritor, Luiz Alexandre Raposo.Presentes ainda os seguintesacadêmicos: Padre Eider Furta-do Silva, José Pereira Gomes,Kalil Mohana, Maria da Concei-ção Raposo, Nozor Lauro deSousa Filho, Maia de Fátima Tra-vassos Cordeiro, Rosa Maria Pi-nheiro Gomes, Rogério CastroGomes, José Henrique Carva-lho, Maria Vitória Santos, JoséAntonio Castro e João Mendon-ça Cordeiro.

Acompanhada pelos acadê-micos Rogério Castro Gomes(Rogéryo du Maranhão) e JoséAntonio Castro, a nova imortalvianense adentrou a nave daigreja sob os aplausos do públi-co presente. Após a execuçãodo hino vianense, Helena Cas-tro foi saudada pelo Padre EiderFurtado da Silva. Em comoven-te discurso, Padre Eider deu seutestemunho pessoal de quemacompanhou, de perto, a traje-tória de vida da menina que nas-ceu e foi criada na Praça daMatriz.

Em seguida, antes de rece-ber o diploma e o capelo dasmãos do presidente da AVL, He-lena Castro proferiu seu discur-so de posse, elogiando o impor-tante trabalho desenvolvido, emViana, no âmbito social e espe-cialmente na área da saúde, desua patrona, a enfermeira Ene-dina Brenha Raposo.

Feita a leitura do termo deposse pelo secretário da AVL,João Mendonça Cordeiro, aacadêmica assinou a ata e po-sou para a foto oficial entre seusnovos pares. Finalizando a reu-nião, acompanhada pelo pia-nista Renan Ramos, a cantoraNúbia Maranhão apresentouum belo recital de músicas clás-sicas e populares. Entre compo-sições de Gounod, Carlos Go-mes, Chiquinha Gonzaga, Vi-cente de Paiva e Jayme Redon-do, a mais aplaudida foi “Viana

- Cidade Magia” de Dilú Mello.Na interpretação da nostálgicavalsinha, Núbia contou com aparticipação de Rogéryo du Ma-ranhão e de todo o público pre-sente, que acabou fazendo coroaos dois cantores.

E para encerrar com chavede ouro a noite festiva, à saídada igreja, os convidados forambrindados ainda com uma apre-sentação do “Boi Pirilampo”, vin-do especialmente de São Luíspara abrilhantar o evento.

Filha de Raimundo de SousaCastro e de Melany Nunes Cas-tro, Helena Castro fez o curso pri-mário no Grupo Escolar EstevamCarvalho. Na capital, cursou osantigos ginásio e científico noColégio de São Luís, graduando-se, anos depois, em Enfermagem,pela Fundação Universidade Ca-tólica (hoje, UFMA).

Mestre e Doutora em SaúdePública pela USP (Universidadede São Paulo), especializou-setambém em diversas áreas dasaúde, como Saúde Pública, Epi-demiologia, Educação e Saúde,Administração Hospitalar e Pla-nejamento em Saúde Pública.Engajada nos movimentos polí-ticos - sociais desde os temposde estudante de nível médio,Helena soube trazer para a vidaprofissional o mesmo dinamis-mo. Entre tantos cargos e ativi-dades assumidas, destacam-se:

secretária, vice-presidente e pre-sidente da Associação Brasilei-ra de Enfermagem (seção Ma-ranhão); membro da primeiraDiretoria do Conselho Federalde Enfermagem; membro daAssociação Brasileira de Sanita-ristas; presidente do ConselhoMaranhense de Secretarias Mu-nicipais de Saúde; diretora daprimeira Escola de Auxiliar deEnfermagem Regionalizada (Pe-dreiras-MA); membro do Movi-mento de Mulheres e do Movi-mento Negro do PDT.

Depois de passagens pelaSUDENE (quando trabalhou emprogramas desenvolvidos nosmunicípios de Pindaré, Chapéude Couro, Bom Jardim e ZéDoca), pela Fundação Hospita-lar e Maternidade de Brasília(DF), e da realização do sonhode trabalhar com a saúde pú-blica, voltada para a prevençãode doenças (quando atuou nosmunicípios da fronteira Mara-nhão/Piauí), Helena ganhou no-toriedade estadual, depois deassumir por onze anos o cargode Secretária de Saúde de SãoLuís, durante a gestão do Dr.Jackson Lago na Prefeitura deSão Luís.

Atualmente, a mais novaimortal vianense é professoraaposentada pela UniversidadeFederal do Maranhão (UFMA) evereadora de São Luís, no seusegundo mandato.

Helena Castro fazendo seu discurso de posse

A nova imortal assinando o livro de ata da AVL

Padre Eider Silva saudoua nova acadêmica Helena Castro entre seus pares da Academia Vianense de Letras

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE

4 Viana – MA, agosto de 2006

Principal marco de fun-dação da antiga Vila deViana e, portanto, omais importante monu-

mento histórico da cidade, a se-cular Igreja Matriz corre risco dedesabamento futuro, caso nãosejam tomadas providências ur-gentes que visem o reforço de suaestrutura física.

Construída pelos padres jesu-ítas, na segunda metade do sé-culo XVIII, a igreja sofreu duasimportantes restaurações, ao lon-go de sua existência, com fun-dos arrecadados junto à própriacomunidade. A primeira delasocorreu, segundo informaçõesremotas, no fim da década de1920 e a segunda, já sob a ad-ministração do pároco ManoelArouche, no início dos anos 40,quando a igreja ganhou sua im-ponente torre de 25 metros dealtura. Para a execução destaobra veio de São Luís, especial-mente contratado, o construtorportuguês de nome Manoel Fer-nandes.

Nessa oportunidade, a velhaigreja teve sua primeira perda ir-reparável: atacado por cupins,o rico altar-mor, todo trabalha-do em madeira,foi arrancado esubstituído peloatual, feito dealvenaria. Os-tentando umanova arquitetu-ra, mas aindadentro do estilocolonial, a im-ponente Igrejade N. S. da Con-ceição mante-ve-se assim pormais de trinta anos.

Na década de 70, porém, soba iniciativa do então bispo da Di-ocese de Viana, D. Adalberto dePaula e Silva, o templo passou poruma terceira e brutal reforma,que lhe adulterou toda a feiçãoarquitetônica. Além da coloca-ção de azulejos de gosto duvido-so em sua fachada e de elemen-tos vazados nas janelas, a igrejaainda teve suas telhas coloniaistrocadas por telhas do tipo bra-silite. A parte interna igualmentesofreu agressões: tanto a esca-da em formato de caracol (quedava acesso ao coro), como ospisos superiores (que levam até atorre), construídos originalmentede madeira, foram substituídospor lajes de concreto.

Vinte anos depois, no final dosanos 90, o prédio começou a

IGREJA MATRIZ: MONUMENTO AMEAÇADONa véspera de seu 250º aniversário, a cidade tem seu mais importante monumento histórico ameaçado de desabamento.

Fachada original da Igreja Matriz (com cinco janelas e cinco portas), antes da reforma e construção de sua torre, realizada no início da década de 1940.(Observe-se que a base do cruzeiro ainda não ostentava o bloco de pedra de cantaria com a inscrição JHS, que somente seria encontrado nessa reforma).

apresentar graves problemascomo infiltrações e rachadurasnas paredes, telhas em péssimoestado e forro totalmente com-prometido. Os pisos superioresmostravam sinais iminentes deperigo. Durante as últimas duasdécadas, nos meses de inverno,a água da chuva penetrava pe-los elementos vazados e acumu-lava-se nas lajes, provocandoestragos e ferrugem nos ferrosque lhes davam sustentação.

Campanha pararestauração

parcial da igreja

Preocupado com a grave si-tuação, o Comitê de Defesa doPatrimônio Histórico e Artísticode Viana juntou-se a uma comis-são de paroquianos com a fina-lidade de trabalhar pela restau-ração da igreja. Na época, ori-entado por um levantamentotécnico feito apressadamente, ogrupo acreditava ser prioritáriaapenas a substituição do telha-do e do forro do prédio. Rifas fo-

ram vendidasjunto à popula-ção local, en-quanto, em SãoLuís, a colôniavianense reali-zava sarausdançantes e en-viava pedidosde contribui-ções, a particu-lares, para de-pósito em con-ta especialmen-

te aberta no Banco do Brasil, emnome da Diocese de Viana. Tudocom o objetivo de arrecadar ovalor estimado de aproximada-mente R$18.000,00 para aexecução da obra.

Em 2003, depois de conse-guir cerca de R$11.000,00 e deadquirir 13 milheiros de telhascoloniais ao preço deR$4.775,00, na Fábrica “BarroForte” de Timon, (mais o paga-mento do frete de duas carretasno valor de R$1.000,00) o co-mitê solicitou aos técnicos do Ins-tituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional (IPHAN) um le-vantamento detalhado, com vis-tas à elaboração de um projetode restauração completa do tem-plo, no futuro. Após cuidadosainspeção, o parecer dos técnicosaconselhava não mexer no telha- Fachada tradicional da Igreja Matriz, depois da construção da torre.

A população, auxiliada pelopoder municipal, poderia semotivar e empreender umaséria campanha em prol da

recuperação da igreja. As rádiose canais de TV locais poderiamajudar muito nessa campanha

de objetivo tão nobre.

RIBAMAR ALVES

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE

5Viana – MA, agosto de 2006

IGREJA MATRIZ: MONUMENTO AMEAÇADONa véspera de seu 250º aniversário, a cidade tem seu mais importante monumento histórico ameaçado de desabamento.

Fachada original da Igreja Matriz (com cinco janelas e cinco portas), antes da reforma e construção de sua torre, realizada no início da década de 1940.(Observe-se que a base do cruzeiro ainda não ostentava o bloco de pedra de cantaria com a inscrição JHS, que somente seria encontrado nessa reforma).

Se cada morador da cidadedoasse dez reais, o montantearrecadado daria para cobrir

todo o custo da obra derestauração da Matriz.

Dos R$11.000,00arrecadados nas rifas, saraus e

contribuições, R$5.4775,00 (incluindo o fretedas carretas) foram utilizados para a compra de

13 milheiros de telhas coloniais (as quais se encontramguardadas no depósito da Loja Vianense, sob a

responsabilidade do Sr. Geraldo Costa). O restante dodinheiro foi utilizado na aquisição de quatro vitrôs para

as vigílias da torre, troca de duas portas da frente,pintura completa da igreja e alguns outros

pequenos reparos mais urgentes.

Cruel descaracterização: azulejos de “banheiro” na fachada, telhado debrasilite, retirada das molduras das janelas e colocação de elementos vasados.

do, pois havia riscos de desaba-mento. Em outras palavras, ouse fazia o serviço completo a par-tir das paredes laterais para al-cançar os pisos superiores e pos-teriormente o telhado, ou melhornão mexer em nada.

Situação atual

Na impossibilidade de arcarcom maiores despesas, o co-mitê decidiu apelar a instânci-as superiores. Em junho da-quele mesmo ano, o deputadoFrancisco Gomes, em visita aoministro da Cultura, em Brasí-lia, trazia a esperança de auxí-lio do governo federal, confor-me matérias publicadas pelosjornais “O Estado” e “O Impar-cial”, ambos de 27/06/03.Relatórios e cartas de associa-ções locais foram enviadospara cadastramento da cida-de de Viana no “Projeto Monu-menta”, visando o recebimentode recursos, amparados nasleis de incentivo à cultura.

Paralelamente, intermedia-do pelo Sr. Carlos Barros, umoutro pedido de auxílio foi diri-gido ao Governo do Estado,em correspondência emitidapelo Comitê (datada de 24/06/03) e endossada pelo bis-po diocesano, D. Xavier Gilles,em carta particular tambémendereçada ao governador, Dr.José Reinaldo Tavares. Até omomento, infelizmente, ne-nhum aceno positivo de ajudaproveniente de qualquer daspartes.

Projeto derestauro

Apenas pela elaboração doprojeto de restauração da igre-ja, os técnicos e engenheiros doIPHAN cobravam o valor, nadairrisório, de R$26.000,00. Noano passado, o próprio DomXavier conseguiu que o enge-nheiro e a arquiteta, responsá-veis pela construção do Seminá-rio Maior da Diocese de Viana,em São Luís, elaborassem o pro-jeto de restauração da Matriz.Em abril de 2005, quando final-mente o projeto ficou pronto, ovalor para recuperação comple-ta da Catedral de N. S. da Con-ceição (incluindo a retirada dosazulejos, substituição do telha-do, forro, pisos superiores e re-torno da escada de madeira tipocaracol etc) foi estimado emR$455.560,00 (Quatrocentose cinqüenta e cinco mil, quinhen-tos e sessenta reais).

Na ausência de ajuda exter-na e na iminência de ver ruir seumais belo e importante monu-mento histórico, bem que a po-pulação local, auxiliada pelopoder municipal, poderia semotivar e empreender uma sé-ria campanha em prol da recu-peração da igreja. E os vianen-ses residentes em outras plagas,com certeza, estariam dispostosa colaborar.

Considerando-se o exemplode bairros da capital como Co-hafuma, Cohama, Cohajap oumesmo o Jardim América (naCidade Operária) que consegui-ram construir, ao longo de algunsanos de trabalho, igrejas monu-mentais, por que a população deViana não poderia arcar comuma simples restauração? Feitoos cálculos na ponta do lápis, secada morador da cidade doassedez reais, o montante arrecada-do daria para cobrir (com sobra)todo o custo da obra.

LUIZ ALEXANDRE

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE

6 Viana – MA, agosto de 2006

João Mendonça Cordeiro

Que poder estranho eraesse do Padre ManoelNunes Arouche de fazer

com que todos o escutassem,com agrado e embevecimento,todos haurissem, igualmente, domanancial de seus discursos?Que poder era aquele de encan-tar as pessoas, de todos os níveisintelectuais, de todas as idades?

O enlevo do MonsenhorArouche sobre os fiéis não mu-dava fossem seus discursos in-flamados ou balbuciantes, reli-giosos ou profanos.

Depois de ouvi-lo inúmerasvezes, impressionado com essaatração excepcional, parece quepude, finalmente, desvendar omistério. Pasmo, verifiquei queo segredo de sua oratória uni-versal se escondia no poder quejamais encontrei em outro ora-dor: o de mesclar, com uma per-feição inexcedível, com a maes-tria que somente ele sabia exe-cutar, frases refinadas com perí-odos simples, vocábulos rarosou técnicos com palavras bemcomuns e nessa tecedura formi-dável, nessa teia intelectual ini-mitável, ia agradando a todos,sábios e ignorantes, versados ounão nas letras literárias.

Mas, Padre Manoel Arouchefoi um homem extraordinário nãoapenas como orador. Não ficoulimitado às estreitezas de seu tem-po, antevendo e executando,mesmo, diversas mudanças quesomente décadas depois seriamoperadas na Igreja Católica.

Vivendo seu apostoladonum período em que era muitocomum a luta velada ou declara-da entre católicos, protestantese espíritas, Monsenhor Aroucheentendia-se muito bem com to-dos eles. Esse seu espírito ecu-mênico ficou comprovado quan-do perguntou a um casal se nãoqueria mandar o filho estudar noSeminário Santo Antônio, emSão Luís. Os pais se espantaramcom a pergunta e lhe lembraramque eram espíritas. Ele respon-deu que não havia problema ede fato o filho do casal foi du-rante alguns anos seminarista.

Como pároco da Igreja Ma-triz, quando a cidade ainda nãohavia se transformado em dio-cese, Monsenhor Arouche de-monstrava a maior preocupaçãocom o nível educacional e cultu-ral de Viana. Antes criara um cur-so noturno, ao nível ginasial, es-pecialmente para rapazes quetrabalhavam no comércio. De-pois fundaria uma escola primá-ria, que seria mantida pela paró-quia de N. S. da Conceição.

Dono de um magnetismopessoal que atraía e ao mesmotempo amedrontava (seus olhospareciam possuir uma força hip-notizante e poucas pessoas po-diam fitá-lo, de frente, firmemen-te) Monsenhor Arouche era umapessoa de temperamento domi-nador, irascível, em muitos mo-mentos, mas sabia, igualmente,esquecer e perdoar com facili-dade. Não tinha inimigos de ver-dade, apesar da política partidá-ria em que se emaranhou. Teste-munhei, quantas vezes, o seu di-álogo franco, até brincalhão,

MONSENHOR AROUCHECENTENÁRIO DE NASCIMENTO (1906 – 2006)

Um século atrás nascia, em São Vicente de Férrer, Manoel Nunes Arouche, o futuro padre que, aos 25 anos, assumiria ocargo de Pároco da Igreja Matriz de Viana, pastoreando o rebanho católico vianense até falecer, aos 52 anos de idade.

O ORADORE O LÍDER

RELIGIOSO

como se fossem bons amigos,com pessoas que eram seus ad-versários pessoais. Com suapresença, todo o ambiente, an-tes carregado de rancores, sedesfazia, muitas vezes, apenaspor momentos.

Monsenhor Arouche foi umhomem de Deus, um verdadeirolíder religioso e um pastor ex-tremoso com suas ovelhas.Quantas pessoas mudaram orumo de suas vidas, depois quecruzaram o seu caminho? JoãoMohana (mais tarde sacerdote,escritor e também renomadoorador) não escondia a influên-cia que o pároco da Matriz deViana lhe causara... O jornalistaTravassos Furtado, em seu livrobiográfico “Minha Vida, MinhaLuta”, relata o chamado do Mon-senhor Arouche (quase uma or-dem), para que se tornasse odeputado da Baixada Maranhen-se por duas décadas... O con-

frade José Pereira Gomes, Pro-motor Público aposentado, tam-bém já testemunhou a iniciativaprovidencial de MonsenhorArouche, a fim de que ele ingres-sasse na Faculdade de Direito. Eo que dizer das heróicas históri-as de vida dos Padres Eider Fur-tado da Silva e Wilson Cordei-ro? E do nosso ilustríssimo Hei-tor Piedade Júnior (ex-padre econceituadíssimo professor deDireito, no Rio de Janeiro)?

Eu também fui tocado poraquele olhar penetrante e poraquela palavra que mexia fundono espírito. Eu mesmo trilhei ca-minhos sob a energia de suaspalavras...

E para aqueles que não tive-ram o inefável prazer de escutá-lo, resta apenas repetir, parodi-ando o velho guerreiro timbirado poema I- Juca Pirama, doimortal Gonçalves Dias:

-“Meninos, eu o ouvi!”

MINHA EXPERIÊNCIA DETRABALHO COM O MONSENHOR

Heitor Piedade Júnior

Enquanto trabalhei em Viana, como Vigário Cooperador, dormiatodas as noites na residência paroquial, que funcionava no prédio doatual Palácio Episcopal, fazendo companhia ao Monsenhor Arouche,como ele desejava. Eu dormia no segundo andar e ele no térreo, naparte dos fundos, em rede armada ao lado da rede de sua irmã, DonaLucina Arouche, que passou a morar ali também, para acompanhá-lo,desde que seu estado de saúde se agravou.

Monsenhor Arouche não gostava de dormir no escuro, por issoacendia-se um candeeiro Petromax, que ficava aceso a noite inteira,sobre uma estante ao lado de sua rede. Costumava ficar conversandocomigo sobre a Bíblia Sagrada, até mais de meia noite, principalmentesobre o Antigo Testamento, que era sua preferência. Às vezes, adormeciacom a Bíblia aberta sobre o peito.

Na última vez que o vi, com vida, foi às seis horas da manhã do dia23 de outubro de 1958, véspera de sua morte, quando tomamos o caféda manhã. Logo após, rumaria ao povoado de Preguiças, para fazer asdesobrigas paroquiais, no dia seguinte. Ele me acompanhou até aporta da rua, bem disposto, e me abençoou. Ao partir, já montado nocavalo, olhei para trás e o vi fazendo o sinal da cruz em minha direção.

O falecimento de Monsenhor Arouche

No dia seguinte, por volta das nove horas, quando já me encon-trava na capela de Preguiças, fazendo os registros dos batizados ecasamentos, avisaram-me que meu pai, Seu Gegê, estava chegandocom mais dois cavaleiros. Levei um susto e pensei mil coisas aomesmo tempo.

Papai foi logo me dizendo que o Monsenhor Arouche havia faleci-do, pela madrugada, vítima de um infarto fulminante e por esse motivoviera me buscar. Ele havia, ainda bem cedo, alugado um caminhão emViana para poder chegar a São Felipe, de onde viera a cavalo.

Naquela hora, a capela do povoado já se encontrava lotada detanta gente. Rapidamente, iniciei a celebração da Santa Missa, fiz osbatizados e os casamentos e rumamos a cavalo até São Felipe, aoencontro do caminhão, que nos levaria até Viana.

Durante o percurso, aproximadamente mais de duas horas, vipassarem alguns aviões (teco-tecos), vindos da capital. Um delestrazia Dom José Delgado, arcebispo de São Luís, e seu auxiliar, PadreSidney Castelo Branco. No caminho ainda encontrei o Padre EiderSilva que vinha de jipe de São Vicente de Férrer. Chegou também namesma hora, de Vitória do Mearim, o Monsenhor Eliud Arouche, ir-mão do falecido. Em seguida, o Padre Wilson Cordeiro de Penalva e,se não me falha a memória, também chegou o Padre Chagas Nonato,vindo de Pindaré-Mirim.

A missa de corpo presente e o sepul tamento

Quando entramos na Igreja Matriz, o corpo do Monsenhor já seencontrava na Capela Mor. A nave da igreja estava lotada de paroqui-anos e de pessoas que haviam vindo de outros municípios da paróquia.Todas as Irmandades Religiosas se fizeram presentes.

A missa de corpo presente, presidida pelo Arcebispo, foi celebradacom a participação de todos os padres presentes, enquanto estavasendo aberta a sepultura, no interior da própria igreja. O local escolhi-do obedecia ao seu expresso desejo, enquanto vivo. Era naquele lugar,próximo da porta que dá acesso ao jardim contíguo ao Palácio, que elecostumava ficar horas inteiras, na parte da tarde, ora lendo a Bíblia, orarezando o terço. Às vezes ajoelhava-se no genuflexório, outras vezessentado em sua cadeira.

Exatamente, às 18 horas, hora da Ave Maria do dia 24 de outu-bro de 1958, estava sendo fechada a urna funerária, para o sepulta-mento, enquanto a multidão cantava o hino “No céu, no céu, comminha Mãe estarei...”

Após o sepultamento, a multidão, na maior tristeza, foi deixando aigreja em silêncio...

Ainda hoje, algumas pessoas que freqüentam a Igreja Matriz costu-mam rezar sobre seu túmulo.

Padre Eider Silva

Quando foi pensada a cria-ção da diocese de Viana, no inícioda década de quarenta do séculopassado, por ocasião de uma visi-ta pastoral feita pelo então arce-bispo de São Luis, Dom CarlosCarmelo de Vasconcelos Mota, aárea destinada à diocese, com umaextensão de 37.000 km2 e uma po-pulação de 240.000 habitantes,tinha apenas dois padres residen-ciais, a saber: Padre Manoel Arou-che e Monsenhor José Bráulio Nu-nes. Este último, por sinal, já bas-tante idoso. Mas, apesar de haversomente dois padres, era crescidoe bem animador o número de can-didatos ao sacerdócio, na região,estando até alguns perto de se or-denarem padres. Tudo isso graçasao excelente trabalho pastoral deum extremado pastor que sabia,

O PASTOR EXTREMADOcomo ninguém, velar por seu re-banho.

Padre Arouche recebeu a in-cumbência de construir o palácioepiscopal. Dentro de pouco tempoestava o prédio edificado como seencontra até hoje, ao lado da ve-lha Igreja Matriz. Mas não se res-tringiu somente ao Palácio, sua atu-ação efetiva como construtor. Anteshavia liderado e providenciado areforma da Matriz, quando a igrejaganhou sua monumental torre. Aantiga residência dos párocos, igual-mente, passou por uma reformapara adaptar-se à escola primáriaque ele mesmo fundou e da qualfoi o primeiro diretor – o Grupo Es-colar Dom José Delgado. Em 1953,cinco anos antes de sua morte, foi avez da Igreja de São Benedito pas-sar por uma completa reforma. Afim de angariar verbas para tais em-preendimentos, ele se valia de sua

liderança política e religiosa. Ha-via sempre um livro de ouro, ondeos principais comerciantes de Via-na assinavam, dando sua contri-buição financeira.

Monsenhor Arouche é consi-derado como o criador, no Mara-nhão, dos retiros espirituais volta-dos para diferentes classes sociais,por ocasião das celebrações daQuaresma. Esses retiros eram con-siderados muito proveitosos, poisse constituíam em autênticos mo-mentos de introspecção espiritualpara os fiéis cristãos da cidade.

Monsenhor Arouche foi o gran-de apóstolo de Viana e de toda aBaixada Maranhense. Também foiconsiderado o maior orador sacrode sua época, no Maranhão. Ci-tando Dom Felipe Conduru Pache-co, narro que “por ocasião do 1ºcentenário de fundação do Semi-nário Santo Antonio o Monsenhor

Arouche proferiu um sermão de f in a arte literária, no qual reviveu afigura inconfundível de Dom Mar-cos Antonio de Sousa o fundadordo Seminário de Santo Antonio”

Sempre que me recordo da fi-gura do Monsenhor Arouche, souinvadido por um sentimento degratidão a Deus que, numa horafeliz e abençoada, confiou a dire-ção desta paróquia a um sacerdo-te zeloso e abnegado, sacerdoteque soube consagrar todas as suassoberbas energias, todas as suasatividades, todo o seu talentosogênio a serviço de seus amadosparoquianos.

A ele, devo a opção de minhavida sacerdotal. Foi por seu inter-médio que pude estudar no Semi-nário Santo Antônio, em São Luís,para um dia poder retornar a estaterra, imbuído da missão sublimede trabalhar em prol de seus filhos.

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE

7Viana – MA, agosto de 2006

UM ACADÊMICO, UM PATRONO

Luiz Alexandre Raposo

Quando a enfermeira EnedinaBrenha Raposo desembarcou nestacidade com toda a família, em ju-nho de 1949, para trabalhar no Pos-to de Saúde local, trazia também suafilha mais nova, Conceição, entãocom apenas um ano de idade.

Natural da vizinha São Bento,Maria da Conceição Brenha Rapo-so fez aqui o curso primário no tra-dicional Grupo Escolar Estevam Car-valho. No antigo 4º ano primário,“Sanção de Enedina” (como era co-nhecida naquele tempo, em Viana)teve sua primeira experiência de en-sino ao ser escolhida para tomarconta da turma do 1º ano, enquan-to durasse o período de licença ges-tante da professora titular, SocorroSerejo. No final daquele ano de1961, como era permitido por lei,prestou o exame de admissão ao gi-násio, sendo aprovada e integrandoassim a 1ª turma do recém-fundadoGinásio Professor Antônio Lopes, aolado da irmã, Têca, e das colegasJosefina Cordeiro, Ribamar Ericeira,Maria de Jesus Bezerra, entre outros.

Nessa época, chegavam a Vianaas primeiras representantes da AFIS(Auxiliares Femininas Internacionais),Guadalupe, Maria Stuart e Tereza.Depois chegariam Denise Caron eGertrudes Pax. O contato com aschamadas “missionárias” e a partici-pação ativa na JEC (Juventude Estu-dantil Católica) seria decisivo para ofuturo da adolescente. Contratadaainda em Viana para fazer parte daequipe do recém-criado MEB (Movi-mento Educacional de Base), Con-ceição teve sua carteira de trabalhoassinada aos 15 anos de idade.

Em 1964, concluía o curso e, noano seguinte, tinha sua segunda ex-periência como professora, ao minis-trar a disciplina de Ciências para a

turma da 1ª sériedo mesmo estabe-lecimento de ensi-no. A fim de con-tinuar os estudos,em 1966 mudou-se para São Luís,matriculando-se,inicialmente, nocurso normal doColégio Santa Te-reza. Devido àsviagens constan-tes a trabalho pelointerior, transferiu-se para o turnonoturno do Colé-gio Rosa Castro. Nesse meio tempo,através do MEB, a Rádio Educadorado Maranhão surgia com a propostaarrojada de tornar-se uma “escola ra-diofônica”, objetivando trabalhar pelaconscientização e integração das po-pulações rurais, alijadas do processode desenvolvimento pelas circunstân-cias políticas e distâncias da época.O trabalho educativo na rádio viriaalargar a visão político - social dajovem estudante.

Engajada desde cedo na área daeducação, participando posterior-mente da equipe técnica da Secreta-ria de Estado da Educação, Concei-ção teria ainda outras experiênciasricas e interessantes, ao longo de suatrajetória profissional. Uma delas foiparticipar do famoso “Projeto Joãode Barro”, naquele final da décadade 60. Idealizado pelo intelectualBandeira Tribuzi e colocado em prá-tica pelo então Secretário de Educa-ção, José Maria Cabral Marques, oreferido projeto visava diminuir o ín-dice de analfabetismo no Maranhão,levando o contato das primeiras le-tras aos habitantes dos mais distan-tes lugarejos da zona rural.

Assim, envolvida nesse meio,Conceição não teria dúvidas em op-

tar pelo curso dePedagogia, aoprestar o vestibu-lar da antiga Fun-dação Universi-dade do Mara-nhão, atualUFMA. Enquantoestudante universi-tária, com apenas23 anos de idade,enfrentou novodesafio como di-retora da EscolaNormal, naqueletempo ainda umareferência do en-

sino médio de qualidade, oferecidopelo Estado, na preparação das fu-turas professoras primárias.

Graduada, a jovem professoracontinuaria sua incansável buscapelo saber, ampliando seus conhe-cimentos científicos em sintonia comas novas idéias, apontadas pelasrecentes teorias da educação. Em1981, submeteu-se a concurso pú-blico para professora do Departa-mento de Pedagogia da Universida-de Federal do Maranhão. Aprova-da, passaria a lecionar as discipli-nas História da Educação, Sociolo-gia da Educação e Educação Com-parada. Em 1984, a professora uni-versitária alcançava o grau de Mes-tre em Educação pele IESAE (Fun-dação Getúlio Vargas) e sete anosdepois, o de Doutora em CiênciasHumanas pela Pontifícia Universida-de Católica do Rio de Janeiro. Para-lelamente aos títulos conquistados,o nome de Conceição Raposo ga-nhava prestígio e respeito na áreaeducacional, o que lhe conduziriaaos cargos de Pró-Reitora de Gra-duação da Universidade Federal doMaranhão (1989), Secretária de Es-tado da Educação do Maranhão(1991), Presidente do Conselho Es-

CONCEIÇÃO RAPOSOUma intelectual a serviço da Educação

NILTON AQUINOUm artista excêntrico

tadual do Maranhão e Assessora doMinistério da Educação (1992).

Merece registro especial, a idéiade Conceição, quando Secretária deEducação do Estado, de criar (emparceria inicial com a UFMA e aUEMA) o Programa de Capacitaçãode Docentes do Estado do Maranhão(PROCAD), o qual objetivava melho-rar a qualificação dos professores dasredes estadual e municipal do interiordo Estado, facilitando o acesso des-tes profissionais aos cursos universi-tários. Mesmo com sua saída prema-tura da SEEDUC e com a desistênciada UFMA, a idéia se tornou realida-de. A UEMA acreditou no programae assumiu, em parceria com a SEE-DUC, a política de tornar a universi-dade acessível àqueles professores.Hoje, são centenas de profissionaisespalhados pelo interior do Estado,inclusive em Viana, beneficiados poresta importante iniciativa, atualmentedenominada de PQD (Programa deQualificação de Docentes).

Embora aposentada, ConceiçãoRaposo continua na ativa. Atualmen-te, além de consultora da UEMA, tra-balha como voluntária do Curso deMestrado em Educação da UFMA,onde leciona a disciplina Teorias dasCiências. Sempre escrevendo artigossobre educação para revistas e pu-blicações do gênero, Conceição éautora dos livros “Movimento daEducação de Base – discurso e prá-tica” e “Dimensão pedagógica dosmovimentos sociais no campo. ”

Casada com João Carlos Rodri-gues, mãe de três filhos (Marcelo,Eduardo e Raquel) e avó de doisnetos (Alexandre e Maria Eduarda),a ocupante da Cadeira nº 11 daAVL, que tem como patrono o es-critor e cientista Raimundo Lopes,também faz parte da Academia Sam-bentuense de Letras, onde é titularda Cadeira nº 20.

Lourival Serejo

Estava o jovem Eider Furtado da Sil-va, antes de ser padre, passando peloquintal de sua casa, em Viana, quandoviu um homem na beira do mato, pertoda casa de Cota de Leão, abaixando-see erguendo-se, com a vista fixa para oalto, sem se importar com nada à suavolta. Curioso, o jovem Eider aproxi-mou-se até identificá-lo: era Nilton Aqui-no e suas excentricidades de artista. Logotomou conhecimento de que ele estavapintando a torre da Matriz, pela pers-pectiva do fundo. Atitude como essa serepetiria novamente, quando ele se pôsa buscar os detalhes da cúpula da torre,usando um colete para ficar penduradoe assim descobrir cada detalhe daquelaparte mais alta da igreja.

Nilton Salgado de Aquino foi um ho-mem que pontificou na vida social de Vi-ana não apenas por seus dotes artísticos,mas por sua fina inteligência e rara sensi-bilidade. Nascido a 27 de outubro de1900, o pintor era filho de Amâncio deAquino (autor da letra do Hino Vianense)e Honorina Celina Salgado de Aquino.Quando jovem, o futuro artista plásticoestudou no Seminário Santo Antônio, emSão Luís, onde cursou até o penúltimoano de Teologia, adquirindo ali toda acultura humanista e religiosa indispensá-vel para formação de um padre.

Considerável parte de sua obra artís-tica consistia na reprodução de selos co-memorativos, utilizando a técnica de

crayon (a lápis). Oartista assimilava aspeculiaridades dosselos, reproduzindoas estampas da for-ma mais fiel possí-vel, inclusive com apicotagem. O esfor-ço que lhe exigiu areprodução dos se-los contribuiu paradanificar sua vista,de forma irrecupe-rável diante dascondições da oftal-mologia da época.

Os quadros deNilton Aquino dispersaram-se em mãosdesconhecidas. Na Prefeitura Municipalde Viana havia um ou dois de seus qua-dros com temas filatélicos. Na casa desua sobrinha, Iléia Aquino, em São Luís,há um quadro pintado a óleo, de 1930. Éo retrato do irmão do artista, Eider Aqui-no, em traje militar. Segundo informaçõesde João Mendonça Cordeiro, NiltonAquino era também escultor de imagensde santos (talvez por influência do perío-do que passou no seminário).

Vale registrar que apesar de seu ver-dadeiro nome de batismo ser Nilton, opintor era mais conhecido, em sua épo-ca, por Newton. As referências escritassobre sua pessoa igualmente o denomi-nam assim, como expressa o jornal Tri-buna (São Luís-MA), edição de28.8.1929, com a seguinte nota:

“ N e w t o nAquino.

Acham-se emexposição, na mos-tra da FarmáciaGarrido, dois belosquadros do esperan-çoso pintor NewtonSalgado de Aquino.

Os trabalhosexpostos, pintura esanguínea, revelam,pelo seu acabamen-to, proficiência egosto artístico, peloque felicitamos o in-teligente conterrâ-

neo.” (Apud, Luiz de Mello. Cronologiadas artes plásticas no Maranhão. SãoLuís, 2004, p.428).

Outra exposição, nesse mesmo lo-cal, foi noticiada também pelo jornal AÉpoca, de Ozimo de Carvalho, na edi-ção de 11 de maio de 1930, com a se-guinte informação:

“O nosso conterrâneo Newton Aqui-no, atualmente na Capital, expôs na vitri-ne da Farmácia Garrido um retrato a lá-pis do cel. Antonio de Bricio de Araújo,vice-presidente do Estado. Esse trabalhotem sido muito elogiado pelos compe-tentes e pela imprensa de São Luís.”

Em 1960, Nilton Aquino fez novaexposição na Farmácia Garrido, emSão Luís, com aproximadamente qua-renta quadros. De acordo com seu fi-lho Felipe, dez desses quadros foram

adquiridos pelo governo do Estado.Nilton Salgado de Aquino faleceu

aos 64 anos, em 26 de agosto de 1964,em sua residência, na Rua Dr.CastroMaia. Deixou quatro filhos: Franciscade Aquino Castro, Amâncio de Aquino,Felipe Garcez de Aquino e RaimundaAquino Lopes.

Pelos depoimentos de pessoas queprivaram de sua convivência, o artista plás-tico era um homem recolhido e fechado,dedicado ao estudo e à pintura, mas quesabia tomar atitudes firmes, quando a si-tuação assim o exigisse. O Dr. José Pe-reira Gomes relata que Nilton Aquino,ao perceber que o mapa de Viana, divul-gado pelo IBGE, não correspondia à re-alidade, saiu em campo, pessoalmente,para corrigi-lo, a partir do limite conheci-do como Picada do Nogueira. Esse mapa,devidamente corrigido, se encontra empoder do Dr. José Pereira Gomes.

Nilton Aquino morreu sem ter seutalento devidamente reconhecido pelasociedade vianense, como bem o me-recia. Na linha do nosso objetivo, a Aca-demia Vianense de Letras, neste levan-tamento biográfico, vem prestar sua ho-menagem a este grande artista, retiran-do-o do anonimato em que ficou desdesua morte. Ao conferir-lhe a condiçãode patrono de uma de suas cadeiras (Ca-deira nº 13, ocupada por Nozor LauroLopes de Souza Filho), nossa Casa dasLetras apenas fez justiça a um conterrâ-neo que merece ser eternizado pela suadedicação à arte e à pesquisa.

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE

8 Viana – MA, agosto de 2006

A HISTÓRIA DO GALO DO CANTO DO GALO

Reivindicações CulturaisNo intuito de restaurar a identidade cultural de Viana, vítima de tantas depredações,

passaremos a expor, neste jornal, nossas reivindicações, dirigidas principalmente aossenhores vereadores e ao senhor Prefeito Municipal.

Dessa forma, propomos:1. A substituição das placas nominativas das ruas por novas placas de melhor quali-

dade estética e visual;2. O retorno da largura original das calçadas das Ruas Antônio Lopes, Coronel Cam-

pelo, Cônego Hemetério e transversais, nos mesmos padrões antigos, estabelecen-do-se definitivamente o sistema de mão única para o trânsito de veículos;

3. Aprovação de lei municipal que proíba a cobertura asfáltica das pedras e paralele-pípedos das principais ruas que compõem o centro histórico da cidade, mais preci-samente a Antônio Lopes, Coronel Campelo, Cônego Hemetério e adjacências;

4. A designação de logradouros públicos com os nomes dos vianenses Astolfo Serra(padre, escritor, historiador e interventor do Maranhão), Manuel Lopes da Cunha(pai dos irmãos Antônio e Raimundo Lopes e também Governador do Estado) eRaimundo Lopes (escritor, etnógrafo, arqueólogo e historiador);

5. A edificação de um monumento na Praça da Prefeitura para, como se fosse umPantheon, homenagear os vultos ilustres de Viana;

6. A volta da exposição permanente, em local apropriado, dos sinos da Igreja Matriz,verdadeiras relíquias históricas, atualmente esquecidos no Palácio Episcopal.

especial para mim), Luciano Ma-chado, o popular Sissi Macha-do, excelente ferreiro e um ar-tista de mão cheia, prometeu-meconfeccionar um novo galo, emtroca de um aparelho de rádio.

O novo galo - Meses de-pois, Sissi me apareceu com suaobra de arte. O novo galo, todofeito de zinco, era bem mais bo-nito que o primeiro. Dei o rádioa Sissi e, todo satisfeito, colo-quei o galo na minha sala. Nes-se tempo, eu já residia próximodo Canto do Galo, mais oumenos onde hoje funciona aCâmara Municipal. Depois dealgumas semanas, ante a insis-tência do Jorrimar Pinheiro, con-cordei em colocar o galo na es-quina em substituição ao origi-nal. Em troca, ele me presenteoucom um Regulator, um antigo re-lógio de parede de sua proprie-dade, que eu já namorava hámuito tempo.

Assim, no ano de 1963, co-locamos o novo galo no velhopoleiro, para continuar ali suavigília secular, acompanhandoo crescimento da cidade e apassagem de incontáveis gera-ções de vianenses. Na décadade 80, com a venda do velhocasarão e a construção da igre-ja evangélica, a estatueta dogalo foi colocada no prédio emfrente, atual sede da BibliotecaMunicipal de Viana.

Numa cidade quase sem me-mória como Viana, com umapopulação que ainda não apren-deu a valorizar e respeitar seupassado, rogo a Deus que as no-vas gerações e os novos admi-nistradores saibam compreendero significado histórico daquelaesquina e não permitam nunca adestruição do galo ou mesmosua retirada daquele local.

*Titular da Cadeira nº 7 da AVL. Promotor público aposentado. Foi

prefeito de Viana de 1961/ 1966.

sa ave. Nessa época, a casa jáse tornara morada do JorrimarPinheiro e de sua esposa, a pro-fessora Santoca Gomes, quemantinha também ali a “EscolaDr. Castro Maia”.

1º roubo - Em 1946,quando gozava férias em Viana,a cidade amanheceu, certo dia,misteriosamente sem seu galo.No local, ficou apenas o pedalde ferro. Depois de alguns me-ses, o conhecido Paulo Coelho,funcionário dos Correios e Te-légrafos, apareceu com o galotodo restaurado e com nova pin-tura. Todos entenderam que ti-nha sido ele o autor do “furto”,motivado por nobre intenção.Paulo Coelho era festeiro e logoorganizou uma farra com pas-seata, banda de música e muitosfoguetes, para recolocação dogalo em seu lugar de origem.

2º roubo - Em 1962,quando já era prefeito da cida-de, o galo sumiu novamente.Desta vez ninguém deu notíciasde seu paradeiro. O tempo pas-sava e nada da imagem reapa-recer. É verdade que o galo ori-ginal era feio e ficara com umaspecto pior, depois de todoemassado e repintado pelo Pau-lo Coelho.

No ano seguinte, ao me ou-vir lamentar pelo desapareci-mento do galo (que acompanha-ra toda minha trajetória de vidae, portanto, tinha um significado

José Pereira Gomes*

Q uando me entendi - eisso lá vão mais de 70anos - já encontrei o

velho galo imponentemente co-locado naquela esquina, na casaonde hoje se situa uma igrejaevangélica. Nesse tempo, ali fun-cionava o comércio do Sr. Ber-nardino Araújo, sogro do maes-tro Miguel Dias.

Origem do galo - Se-gundo o velho Bernardino, quetambém já encontrara o galoali, provavelmente a idéia teriasido obra de uns portuguesesque haviam montado um co-mércio, naquele mesmo prédio,bem antes dele. O que significadizer que o galo já se encontra-va naquele canto há mais de umséculo.

Sabia-se que os portuguesestinham uma certa “veneração”pela figura daquela ave domés-tica, pois o galo, além de repre-sentar a liderança masculina noterreiro, simbolizava igualmen-te a disposição e a energia parao trabalho. Cedo, a ave se colo-cava de pé e com seu canto agu-do despertava os camponeses,dos pequenos vilarejos, paramais um dia árduo de trabalho.Em Portugal, era comum a fabri-cação artesanal da imagem dogalo, para enfeite e adorno deresidências e casas comerciais.

A deteriorização - Du-rante todo o período de minhainfância/adolescência e mesmodepois de estudante universitá-rio, em São Luís, quando retor-nava a Viana, nas férias, lá esta-va o velho galo, já bastante de-teriorado pelo desgaste naturaldo tempo e pelo vandalismo demaus elementos. Ao retornaremde festas e serenatas, embriaga-dos, alguns rapazes costumavampraticar “tiro ao alvo” na indefe-

Na Casa do Meu Avôuma pequena barraca, deonde escutávamos o som daorquestra que animava a efe-méride. A seu convite, mais natentativa de causar impressãoàs pessoas que ali passavamdo que para fazer-lhe compa-nhia, aceitei tomar uma cer-vejinha. Lá foram um, dois, trêse não sei mais quantos copos.Tonto e balançando o corpo,rumei para casa. Entrei sorra-teiramente, armei a minha redee dormi. Imaginava que nin-guém fosse saber do aconte-cido. Enganei-me. No dia se-guinte a notícia corria de bocaem boca. Recebi as admoes-tações devidas. E, sem demo-ra, chegou um telegrama do“velho”, que tomara conheci-mento do fato, determinandomeu regresso a São Luís.

Informaram-me agora quea Igreja de São Sebastião ruiu.Assim como a própria Vianada minha meninice, que vai sedesmoronando. Aos poucos fuirelaxando e, novamente,como se desejasse repintar oquadro escondido em minhaalma, percorri insistente todaa morada, desta vez bem maisatento. Em uma das alcovas, láestava a imagem de São João,talvez esculpida em madeira,de valor inestimável, guarda-da em um santuário bem sim-ples. E, à saída, ao me retirar,olhei para a parede do meulado esquerdo. O velho reló-gio, no mesmo lugar. Aturdi-do, nem percebi se ele funcio-nava. Meu coração se apertou.Despedi-me da Teodora e domeu avô, que não me pareciajazido no cemitério, mas pre-sente naquele local.

Havíamos saído de SãoLuís, em dois automóveis, de-pois das seis horas da manhã.Olhei para o meu pulso es-querdo e o relógio já aponta-va para as nove e meia, quan-do descemos o batente daque-la casa. Deixamos que os mo-toristas avançassem com osveículos, após definirmos olocal do almoço. E, devagar,seguimos a pé, já que próximaestava a Rua Grande, na suaparte final, o que nos propor-cionava a oportunidade depercorrê-la por inteiro, cumpri-mentando os transeuntes e osque se encontravam debruça-dos nas janelas de suas resi-dências, distraindo-se.

O percurso deu-se quaseàs carreiras. Dentro do possí-vel, fui mostrando ponto porponto da cidade, traduzindosua importância, sua história etrazendo à tona personalida-des de destaque, sem esque-cer que entre elas havia algunstipos pitorescos. Reuniam-se,habitualmente, no Canto doGalo e no Canto Grande.Tudo comentavam, inclusive davida alheia, tema que, prova-velmente, ocupava o primeirolugar do repertório.

Bem, aos trancos e barran-cos cumpri a maratona a queme propusera. Estávamos naPraça da Matriz. Após visitar-mos a Igreja da Conceição,fomos almoçar no restauranteda Maria Rita, no Areal. Pre-cisaria de dois dias, no míni-mo, para fazer, com calma, oque pretendia, sem falar davontade de repetir a tarira secaassada, o bagrinho cosido e apescada frita, preparados pormãos de fada.

Atento, o meu carro para-do, abri suas portas para meusirmãos se acomodarem e dis-se ao chofer que iniciasse aviagem de retorno a São Luís.Com saudades da casa domeu avô.

Carlos Gaspar

A nsioso, dei com a casa,disse ao motorista queparasse o carro e sal-

tei. À porta aberta, logo fui en-trando, ao mesmo tempo emque batia palmas. Há quasecinqüenta anos não penetra-va naquela residência, a últi-ma em que morou o meu avô,Delfim Neves Pinheiro. Acor-reu para receber-me, um tan-to surpresa, a Teodora, queconheci ainda mocinha, pelosseus vinte e dois anos, apro-ximadamente. Teve ela dificul-dades em certificar-se de quemse tratava e eu também nãosaberia identificá-la, se pas-sássemos um pelo outro,anonimamente, em qualquerlugar. Desse modo, aquela an-tiga meia-morada serviu detraço de união entre nós dois,para nos reavivarmos mutua-mente, na alegria de um reen-contro quase inesperado.

O meu tempo era curto,posto que precisava caminharpelas ruas de Viana, no afã demostrá-las a meus irmãos,companheiros de viagem, queestavam pressurosos em co-nhecer e reconhecer a cidade.Entretanto, não me contendo,percorri a casa inteira. Assus-tei-me com o tamanho. À épo-ca em que ali ia deleitar-me,durante alguns dias de fériasescolares, parecia bem mai-or. Guardei-a assim, na me-mória da minha juventude. Fuia todos os compartimentos.Da cozinha aos quartos, cir-culando pela varanda, ondefazíamos as refeições diárias.Conservavam o mesmo piso.Até em um cubículo reserva-do para a guarda de objetosmais grosseiros permanece ochão atijolado.

A Teodora a me acompa-nhar, os meus irmãos também.Curiosos e até certo ponto es-pantados, inquiriam-na sobreuma coisa e outra. E ia eladando as explicações, em res-posta às interrogações que lheeram dirigidas. Perguntei-lhe,finalmente, como se tinha dadoa morte do meu avô, essa figu-ra ímpar que marcou a minhavida. Relatou-me tudo, deta-lhadamente, com os fatos à florde sua memória. Aos meusolhos vieram todas as pesso-as a que ela se referiu. Emoci-onei-me, contrariando a afir-mação de que o tempo a tudoconsome. É que ele não con-seguiu carcomer os meus sen-timentos de afeto, plantados naprimavera da minha existência.

Na busca de conter-me,propositadamente mudei otema da conversa e, recor-dando um período já longín-quo, aos poucos, porém li-gando um ao outro, fomosnos reportando a inúmerosepisódios por mim então ex-perimentados. Acudiu-meuma das festas de São Sebas-tião da qual participara. Eraum folguedo tão interessantecomo os que se realizavamaqui em São Luís, em home-nagem a Sto. Antonio e aNossa Sra. dos Remédios.

De uma feita, à revelia dosmais velhos, aproveitando aausência do meu avô, resolvi,pela noite, ir ao Largo da Igre-ja daquele santo. Desejava ver,em desfile, mostrando suagraça, as moças de minha ida-de, todas bonitas, enfeitadasa seu jeito. A timidez, no en-tanto, impedia que eu me apro-ximasse de alguma delas. De-sanimado, avistei um amigodo meu pai, e logo nos aco-modamos à beira da mesa de

O RENASCER VIANENSEO RENASCER VIANENSE