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1 OBSERVATÓRIO DAS CIÊNCIAS NO 1º CICLO – UM PROJECTO DE FORMAÇÃO E DE INVESTIGAÇÃO * José Fragoso Centro de Competência Nónio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [email protected] Isabel Chagas Centro de Investigação em Educação, FCUL [email protected] 1. Resumo A presente comunicação tem como objectivo apresentar o projecto “Observatório das Ciências no 1º Ciclo”, a cargo do Centro Nónio FCUL, dando especial relevância à sua componente de formação de professores. Começa-se com uma breve análise das actividades de formação de professores no domínio das TIC realizadas em Centros de Formação e uma apresentação das propostas de formação preconizadas pelo Centro Nónio FCUL. Em seguida discutem-se alguns dos fundamentos de ordem teórica e prática que deram origem ao “Observatório”, projecto que se integra simultaneamente nos objectivos do Programa Nónio (formação de professores) e do programa Ciência Viva IV (aprendizagem da actividade experimental em Ciência). Por fim, apresentam-se algumas das actividades desenvolvidas, em particular as que envolvem a criação de parcerias entre professores e alunos com recurso às TIC e uma abordagem da actividade experimental, adequada à aprendizagem da Ciência no 1º ciclo. 2. A formação no domínio das TIC num Centro de Competência O Centro de Competência Nónio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Centro Nónio FCUL), tal como a maioria dos Centros de Competência, enfrentou algumas dificuldades na implementação das TIC nas escolas do 1º ciclo. Não tanto pela qualidade dos promotores e líderes dos projectos, mas antes pela dificuldade em promover uma dinâmica de mudança consistente com aquele tempo e espaço escolar específico. As escolas do 1º ciclo com projectos que obtiveram financiamento do Programa Nónio instalaram o equipamento e procuraram organizar as actividades tendo por base as experiências e os conhecimentos dos professores envolvidos. Estes, cedo se confrontaram com a falta de formação e de motivação para uma plena integração das TIC nas sua práticas. Face a estas dificuldades, percepcionadas pela equipa do Centro Nónio FCUL e transmitidas pelas escolas, e baseando-se nos comentários, percepções e experiências dos professores, propôs-se a criação de mecanismos que permitissem abordagens de formação e de implementação diferenciadas consoante as características dos projectos de cada escola. Assim, para além do apoio local planeado em consonância com os requisitos dos professores, centrados no equipamento, nas modalidades de aplicação dos recursos adquiridos e na consecução dos objectivos dos projectos, também se concretizaram acções de formação “a pedido”, isto é, de acordo com as necessidades específicas comunicadas pelos professores. No entanto, continuava a sentir-se a falta de algo. Verificava-se interesse e motivação da parte dos participantes para levar avante os seus projectos, mas percebia-se que o esforço de alguns professores, considerados pelo Centro Nónio FCUL como inovadores ou pioneiros, nem sempre era entendido na escola, acabando por se gerar algum mal estar que conduzia quase invariavelmente à estagnação do projecto. Em suma, apesar da apreciação, em geral positiva, relativamente aos projectos Nónio porque o equipamento e a utilização das TIC se tinha iniciado, havia agora novos problemas que até aí não tinham existido. O problema consistia em que a formação (informal ou sob a forma de “acções”) tinha de chegar à escola, por dentro, proporcionando maior visibilidade ao projecto Nónio da escola (concebido, muitas vezes, por um grupo de professores), induzindo a formação nas TIC e disseminando a sua utilização pelos colegas mais avessos àquelas tecnologias. * Fragoso, J., e Chagas, I. (2001). Observatório das ciências no 1º ciclo. Um projecto de formação e de investigação. In P. Dias e C. Freitas (Orgs.). Actas da II Conferência Internacional de Tecnologias de Informação e Comunicação na Escola (pp. 873-883). Braga: Universidade do Minho.

OBSERVATÓRIO DAS CIÊNCIAS NO 1º CICLO – UM PROJECTO ... project… · indiferentes ao projecto em curso e, consequentemente, à utilização das TIC e sua inserção no currículo

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OBSERVATÓRIO DAS CIÊNCIAS NO 1º CICLO – UM PROJECTO DE FORMAÇÃO

E DE INVESTIGAÇÃO*

José Fragoso Centro de Competência Nónio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

[email protected] Isabel Chagas

Centro de Investigação em Educação, FCUL [email protected]

1. Resumo

A presente comunicação tem como objectivo apresentar o projecto “Observatório das Ciências no 1º Ciclo”, a cargo do Centro Nónio FCUL, dando especial relevância à sua componente de formação de professores. Começa-se com uma breve análise das actividades de formação de professores no domínio das TIC realizadas em Centros de Formação e uma apresentação das propostas de formação preconizadas pelo Centro Nónio FCUL. Em seguida discutem-se alguns dos fundamentos de ordem teórica e prática que deram origem ao “Observatório”, projecto que se integra simultaneamente nos objectivos do Programa Nónio (formação de professores) e do programa Ciência Viva IV (aprendizagem da actividade experimental em Ciência). Por fim, apresentam-se algumas das actividades desenvolvidas, em particular as que envolvem a criação de parcerias entre professores e alunos com recurso às TIC e uma abordagem da actividade experimental, adequada à aprendizagem da Ciência no 1º ciclo.

2. A formação no domínio das TIC num Centro de Competência

O Centro de Competência Nónio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Centro

Nónio FCUL), tal como a maioria dos Centros de Competência, enfrentou algumas dificuldades na implementação das TIC nas escolas do 1º ciclo. Não tanto pela qualidade dos promotores e líderes dos projectos, mas antes pela dificuldade em promover uma dinâmica de mudança consistente com aquele tempo e espaço escolar específico. As escolas do 1º ciclo com projectos que obtiveram financiamento do Programa Nónio instalaram o equipamento e procuraram organizar as actividades tendo por base as experiências e os conhecimentos dos professores envolvidos. Estes, cedo se confrontaram com a falta de formação e de motivação para uma plena integração das TIC nas sua práticas.

Face a estas dificuldades, percepcionadas pela equipa do Centro Nónio FCUL e transmitidas pelas escolas, e baseando-se nos comentários, percepções e experiências dos professores, propôs-se a criação de mecanismos que permitissem abordagens de formação e de implementação diferenciadas consoante as características dos projectos de cada escola. Assim, para além do apoio local planeado em consonância com os requisitos dos professores, centrados no equipamento, nas modalidades de aplicação dos recursos adquiridos e na consecução dos objectivos dos projectos, também se concretizaram acções de formação “a pedido”, isto é, de acordo com as necessidades específicas comunicadas pelos professores.

No entanto, continuava a sentir-se a falta de algo. Verificava-se interesse e motivação da parte dos participantes para levar avante os seus projectos, mas percebia-se que o esforço de alguns professores, considerados pelo Centro Nónio FCUL como inovadores ou pioneiros, nem sempre era entendido na escola, acabando por se gerar algum mal estar que conduzia quase invariavelmente à estagnação do projecto. Em suma, apesar da apreciação, em geral positiva, relativamente aos projectos Nónio porque o equipamento e a utilização das TIC se tinha iniciado, havia agora novos problemas que até aí não tinham existido.

O problema consistia em que a formação (informal ou sob a forma de “acções”) tinha de chegar à escola, por dentro, proporcionando maior visibilidade ao projecto Nónio da escola (concebido, muitas vezes, por um grupo de professores), induzindo a formação nas TIC e disseminando a sua utilização pelos colegas mais avessos àquelas tecnologias.

* Fragoso, J., e Chagas, I. (2001). Observatório das ciências no 1º ciclo. Um projecto de formação e de investigação. In P. Dias e C. Freitas (Orgs.). Actas da II Conferência Internacional de Tecnologias de Informação e Comunicação na Escola (pp. 873-883). Braga: Universidade do Minho.

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Quem vinha às acções de formação oferecidas pelo Centro Nónio FCUL eram todos os inovadores ou pioneiros, permanecendo a maior parte dos restantes elementos da escola relativamente indiferentes ao projecto em curso e, consequentemente, à utilização das TIC e sua inserção no currículo. Usando a analogia de uma colega da Islândia com quem partilhámos as mesmas preocupações, “o grande barco que é a Escola, mesmo com a boa vontade dos motores de mudança, não se afastava minimamente do cais” (Johannsdottir, 2000). Tornava-se necessário criar estratégias que, em vez de tirarem o professor da escola para lhe oferecer formação, a levassem à escola e a integrassem no normal funcionamento da sala de aula. Esta nova abordagem exigia o investimento de todos os actores, quer sob o ponto de vista didáctico, quer directivo, envolvendo as componentes indispensáveis para pensar a escola: a aprendizagem, o ensino e a relação pedagógica. Esta reflexão e consequente concretização do projecto de cada escola seria realizada por todos, promovendo, assim, a sua visibilidade, seria cimentada através da criação de vias de comunicação, do encorajamento ao trabalho colaborativo, e da estruturação do currículo (em particular na sua componente experimental) de forma criativa, inovadora e sustentada.

Em suma, era urgente um programa que apelasse à intervenção dos professores, que respeitasse o currículo, mas que, simultaneamente, fosse capaz de alterar as práticas e gerar reflexões acerca do uso das TIC dentro da escola e como ferramenta para a promoção de determinadas competências nos alunos, nomeadamente ligadas ao trabalho experimental. Procurava-se um programa que induzisse em vez de impor, que sugerisse em vez de exigir, mas que propiciasse mudança através da motivação do grupo de participantes autenticamente envolvidos no processo.

Essa autenticidade de envolvimento poderia ser encorajada de duas maneiras diferentes: (a) através da implementação de metodologias de trabalho projecto que já tinham sido aconselhadas durante o Programa Minerva (Ponte, 1994) e às quais o Centro Nónio procurava dar continuidade e novos formatos, adequados às condições actuais, através de acções de formação sobre este tema (Tripa e Chagas, 2000); (b) através da criação de situações significativas tanto para professores como alunos que abordassem aspectos relevantes do currículo e que integrassem a participação de diferentes intervenientes, prestando contributos particulares para o desenrolar da situação criada. Tais situações correspondem a contextos que permitem explorar, de modo aprofundado e rigoroso, os conhecimentos e os processos da Ciência, trabalhar de uma maneira diferente e tirar partido da mais-valia inerente a uma utilização adequada das TIC (Chagas e Fragoso, 2001). Pretendia-se, assim, que o grupo se envolvesse numa actividade em que cada um se sentisse suficientemente à vontade para requerer a sua formação - porque ela lhe é necessária para responder às solicitações que vão surgindo - à medida que vai ensinando, à medida que os alunos vão aprendendo.

3. A formação disponível

Observando as ofertas disponibilizadas pelos Centros de Formação existentes, conclui-se

facilmente que há uma grande procura no domínio das TIC mas, também, que essa formação é pouco eficaz. Não só pelo número de participantes que têm envolvido, mas também pela própria qualidade das acções desenvolvidas (Santos, 2001). Para além dos créditos atribuídos e do interesse particular em entrar em contacto com o computador, os formandos têm muitas dificuldades para pôr em prática os conhecimentos e competências adquiridas, continuando a utilização educativa das TIC a ser muito limitada nas escolas, mesmo quando existem computadores nas salas. Desta forma, formadores e formandos têm de procurar evidenciar os factores que contribuem para uma boa integração de práticas relacionadas com as TIC em âmbito educativo – e estudá-los. Estão ambos implicados e não há tarefas precisas. Já não cabe a cada um uma tarefa inequívoca, mas é indispensável que surja o diálogo que forje novas modalidades de aprendizagem e de formação, para além das fronteiras delimitadas pelas linhas dos decretos leis.

O esforço da administração pública no desenvolvimento de iniciativas relacionadas com as TIC, tais como o Programa Internet na Escola, agora a chegar às escolas do 1º ciclo, e o Programa Nónio, Séc. XXI, bem como a actual discussão dos currículos do ensino básico, acompanhada da evidente integração destes conhecimentos no nosso dia-a-dia, exigem uma reflexão participada para que se encontrem as melhores soluções que apoiem uma sociedade da informação actualizada mas esclarecida. A construção de tal sociedade começa e acaba na escola; com a participação dos professores, dos alunos e dos pais desses alunos.

O problema de se proceder a um investimento formativo nos professores (avaliando as diferentes necessidades, do sistema e da escola) sem se procurar verificar qualquer retorno no indivíduo, não tem sido devidamente encarado pela estrutura formadora. A actuação, (ou a sua ausência), tanto do Ministério da Educação como dos Centros de Formação tem sido a de se desligarem dos projectos individuais dos formandos logo que terminam as horas previstas para a formação. As

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avaliações destas acções de formação, quer internas, quer externas, não têm as devidas repercussões, terminando o processo com o regresso do professor à sua escola e com o início de novo ciclo de formação. Observa-se, então, que a passagem à prática é feita com muito esforço ou sistematicamente adiada por parte do professor.

3.1. Os ciclos de inovação tecnológica

Estes últimos anos têm sido decisivos para a integração das TIC nos processos de aquisição de

conhecimento. O ciclo de inovação tecnológica, tal como é apresentado por Cuban (1989), tem um largo espectro de aplicação em Portugal. Efectivamente, parece que as nossas escolas oscilam entre o primeiro nível onde se verificam expectativas elevadas, o segundo, onde se privilegia a retórica sobre a necessidade de inovação, o terceiro que implica uma intervenção política dirigida, e também é possível identificar alguns exemplos de escolas que atingiram o quarto nível de integração, onde se verifica um uso, na maioria dos casos, limitado. Consequentemente, é possível encontrar escolas, lado-a-lado, apresentando diferentes níveis de integração. Utilizando outra tipologia, é possível afirmar-se que em Portugal coexistem escolas em que o principal problema é a conectividade, noutras, será a criação de condições para a computação de dados e, finalmente, há escolas que se defrontam com a criação de conteúdos actuais e adequados, face às boas condições tecnológicas atingidas.

Nas escolas do 1º ciclo a situação é um pouco diferente. Numa mesma escola podem coexistir ou, melhor, estar confundidos todos os níveis de integração possíveis, segundo os modelos atrás referidos, o que pode conduzir ao impedimento de um desenvolvimento sustentado. A formação dos professores numa mesma escola pode ser muito desigual o que é reforçado pela contínua mutação do pessoal docente. Em dados momentos progride-se e concretizam-se projectos relevantes porque, nessas alturas houve um conjunto de condições positivas que, abruptamente podem terminar, regressando-se ao ponto zero.

Esta comunicação centra-se na componente de formação de professores do “Observatório da Ciência no 1º Ciclo” por se considerar uma componente essencial para que estas situações acabem e para que o uso das TIC se generalize nas escolas do 1º ciclo, com a consequente mudança de práticas, relações inter-pessoais e modalidades de trabalho. Ponte (1998) refere que “para usar as Novas Tecnologias de Informação é preciso lidar com numerosos equipamentos, sistemas e suportes lógicos”. Daí “ser bastante difícil preparar os professores para introduzir estas tecnologias na sua prática pedagógica numa postura reflexiva e inovadora” (Duguet, 1991, cit. de Ponte, 1998).

São estes problemas que advêm da fraca, às vezes inexistente, formação inicial no uso das TIC que levam a que se reflicta sobre os processos de mudança, não só a nível organizacional que ocorrem na escola, mas também a nível de aspectos psicológicos ligados a certas teorias da aprendizagem e das questões ligadas ao profissionalismo, quando a resistência à mudança é uma forma de garantir o status quo profissional.

Estudos realizados lançam alguma luz sobre esta problemática apresentando conclusões sobre a maneira como os formandos organizam as suas aprendizagens, ou seja, da maneira como estabelecem uma relação entre a tecnologia e a cultura (Ponte, 1998). Os diferentes enquadramentos teóricos com que as TIC têm sido abordadas têm permitido o surgimento de interessantes experiências inovadoras no domínio da formação. São disso exemplo o conceito de “bricolage intelectual” de Levis Strauss, tomada como base por Neville (1991). A partir do postulado “de que a construção de teorias de arranjos e negociações sucessivas usando materiais bem conhecidos é uma actividade intelectual perfeitamente legítima [aquele autor] organizou um curso de formação inicial de professores conseguindo que muitos dos participantes começassem a manifestar preferência por um estilo de trabalho que descreve como artístico ou de mestria” (Ponte, 1998 ).

Turkle (1984), numa abordagem muito própria desta questão, encarou a forma como diversos grupos se relacionam com os computadores, concluindo que a programação é como criar um mundo próprio, com estilos muito diversos, pelo que as experiências que cada um tem com o computador não fazem mais do que evidenciar aspectos profundos da sua personalidade. Outra autora, Harris (1991), desenvolveu um curso dando particular ênfase aos momentos de reflexão sobre as experiências pessoais (diários, discussão), promovendo os desenvolvimentos de capacidades para explorar no futuro novos materiais e tecnologias. A partir do conceito educativo proposto por Pappert (1980) da produção de micromundos na aprendizagem, Hoyles, Noss e Sutherland (1991) realizaram e avaliaram um curso de formação de professores de Matemática com a duração de um ano (cit. in Ponte, 1998). O envolvimento dos professores na criação e avaliação dos micromundos, a duração do processo e a disponibilização imediata de materiais pedagógicos para iniciar de imediato as tarefas na sala de aula

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são os aspectos mais sublinhados por estes autores, conferindo uma grande importância à formação presencial e não presencial.

Outros autores podem ser referidos a propósito do processo de apropriação vivido pelos professores na sua relação com os instrumentos tecnológicos (Veloso e Ponte, 1992; Graciosa e Veloso, 1991; Newman, 1990 cit. de Ponte, 1998). Em todos eles se evidencia a grande importância do empenhamento e participação dos interessados para se gerarem mudanças visíveis nas suas práticas profissionais, através do desenvolvimento de processos em que os actores são sujeitos activos, quebrando o isolamento dos professores, dentro e fora das escolas.

4. A formação centrada no indivíduo?

A formação profissional e a formação contínua de professores configuram-se como os

instrumentos mais potentes para ultrapassar o fosso que se criou dentro da nossa sociedade entre os que possuem e os que não possuem as competências necessárias para uma utilização das TIC nas suas actividades quotidianas, tanto a nível profissional como pessoal. Esta é necessariamente uma tarefa que também cabe à Escola e aos professores.

Fosnot (1996) refere, a propósito da importância da formação, que “tal como os jovens, também os professores constróem”. A mesma autora salienta que “os professores necessitam de entrar em experiências de aprendizagem que contestem as teorias tradicionais, em experiências onde possam estudar as crianças e a sua construção de significado, bem como em trabalhos de campo onde possam fazer experiências em conjunto. Somente através de uma interrogação, reflexão e construção extensiva ocorrerá a deslocação de paradigma de educação – o construtivismo”. Paulo Freire na sua obra “Pedagogia do Oprimido” (1980) afirma que “ninguém educa ninguém”– embora acrescente que “ninguém se educa sozinho”. Portanto, para concluir esta primeira abordagem dos conceitos relacionados com a formação de professores, particularmente com a formação no domínio das TIC, a educação, tal como a aprendizagem, de que ela depende, é um processo que ocorre dentro do indivíduo, e, só pode ser gerado pela própria pessoa. Mas em que medida entram as tecnologias nesta deriva? Não é demais lembrar a brilhante síntese do Collège de France (1985) que re-centra a discussão e coloca o enfoque novamente no indivíduo – no professor – em detrimento da organização (diríamos mesmo, apesar da organização):

Para evitar as ilusões e, sobretudo, as desilusões, é preciso recordar que os instrumentos modernos de ensino só podem ser eficazes se não se lhes pedir para substituir os professores, mas antes para os assistir numa tarefa renovada pela sua utilização: eles nunca serão mais que um instrumento suplementar à disposição dos professores cuja competência, motivação e entusiasmo permanecem os factores principais do sucesso pedagógico. (Collège de France, 1985) Competência, motivação e entusiasmo, interrogação, reflexão e construção extensiva

constituem, assim, os factores para prosseguir uma formação inovadora e capaz de produzir alterações visíveis nas escolas do projecto “Observatório”. O trilho começado fazia-se maior à medida que o pensávamos.

4.1. O Nónio e a formação

Por vezes, quando os projectos entram em velocidade de cruzeiro, há uma tendência para

esquecer as metas e as finalidades que sustentam as estruturas. No nosso caso, procurámos que isso não se passasse e que todas as tarefas em que nos envolvemos estivessem de acordo com os princípios que definiam o projecto do Centro Nónio FCUL. Dos seus objectivos, salientamos os seguintes:

Desenvolver o espírito científico, incrementando a utilização de métodos experimentais no currículo do 1º ciclo; fomentar o intercâmbio entre escolas, dando visibilidade às actividades de investigação científica; promover a utilização das tecnologias de informação e comunicação como recurso fundamental na gestão e apuramentos dos dados científicos e na sua difusão; incentivar o desenvolvimento de projectos nas escolas que dêem maior ênfase à autonomia dos alunos. (Centro Nónio FCUL, 1997)

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Como se pode depreender, estes objectivos foram desenhados em função dos alunos, pensando no desenvolvimento de conteúdos à medida que eles se fossem justificando pela manipulação e observação das experiências. Contudo, estes mesmos objectivos podem apontar-se para os professores que fazem o enquadramento da actividade. Ao fim e ao cabo, o que se pretende é que, para além de um projecto, para além dos equipamentos, se evidenciem as pessoas. Elas estão na primeira linha do que se aprende e do que se ensina. Para nós e para as escolas associadas as palavras chave no desenvolvimento de uma estratégia comum são: métodos experimentais, intercâmbio, visibilidade, tecnologias de informação e comunicação, difusão, colaboração e autonomia. A partir daqui estavam definidos os critérios. Faltava-nos só montar a operação de trabalho comum. Com os contributos de alunos e professores, da escola e da universidade

4.2. O projecto

“O Observatório das Ciências no 1º Ciclo”, iniciado durante o ano lectivo 1999/2000, envolve todas as onze escolas do 1º ciclo associadas ao Centro Nónio FCUL e pretende criar em dois anos uma rede inter-escolas para desenvolver actividades de experimentação, observação e tratamento de dados científicos. Esta rede de escolas procura desenvolver projectos de investigação entre as equipas das diferentes escolas, registando as observações e conclusões, quer na sala de aula, quer num site expressamente criado para o efeito no espaço destinado no servidor do Centro. Estes projectos científicos das escolas são facilitados pela utilização de diferentes materiais didácticos (como por exemplo, kit meteorológico, terrário e formigário) e pela entrega de meios informáticos (computador e impressora) a cada escola participante. O número de alunos que estão envolvidos é de cerca de 300, distribuídos por todas as escolas, sendo estes alunos os “webmasters” e gestores do projecto dentro da sala.

Como se depreende desta descrição, o centro da actividade reside nos alunos, funcionando os professores como parceiros do projecto, organizando as turmas para poderem responder às solicitações. Desta forma, os professores não têm a exclusiva responsabilidade de gestão dos recursos informáticos, nem de possuírem qualquer pré-formação no uso dos computadores e da Internet. Ela está a ser adquirida ao longo do tempo de desenvolvimento do projecto, quer em acções na escola, viradas para a consecução dos objectivos e envolvendo todos os interessados, alunos e professores, quer em acções de formação a decorrer nas instalações da Faculdade de Ciências que se pretende fornecerem aos professores as competências necessárias para utilizarem os computadores e a Internet e também o espaço necessário para reflectirem acerca do seu uso na Educação. Deste modo, criámos espaços diferentes onde decorre a formação dos professores e que, grosso modo, correspondem: (1) à formação no meio contextualizado pelo trabalho de parceria com os alunos e com as restantes escolas; (2) à formação especializada localizada em meio neutro, numa sala preparada para o efeito; (3) num processo de formação a distância, através do site que está a ser criado pelos participantes do projecto e onde será possível recolherem material de apoio, constituindo uma modalidade de formação específica, com possibilidade de interactividade e mesmo de sincronicidade.

5. O nascimento do “Observatório das Ciências do 1º Ciclo”

Embora inicialmente tivéssemos pensado em desenvolver este projecto só com o material e com os recursos humanos existente nas escolas e no Centro Nónio FCUL, fomos confrontados com as crónicas dificuldades financeiras das escolas para se equiparem com material que permitisse o desenvolvimento sustentado do projecto. Assim, submetemos ao concurso Ciência Viva IV um projecto em que participariam as 11 escolas. O projecto a que foi dado o título de “Observatório das Ciências no 1º Ciclo”, foi aprovado na sua generalidade, incluindo a proposta de orçamento que foi aceite quase na totalidade. Este acontecimento permitiu a aquisição dos materiais necessários e a criação de condições adequadas ao objectivo inicial de apoio à integração das TIC nas escolas do 1º ciclo associadas ao Centro Nónio FCUL.

Deste modo, de forma progressiva, fomos envolvendo todos os participantes, numa perspectiva de progressiva mobilização de actores, desde os alunos e professores, passando pelos colegas e restantes professores da escola, e chegando aos colegas e professores de outras escolas, onde as experiências são divulgadas, replicadas e motivo para a troca de correspondência.

Esta actividade “científica”, desenvolvendo observações, reflectindo sobre essas observações, comunicando-as e discutindo-as com outros participantes noutras escolas, implica a utilização das TIC, o que gera só por si perplexidades indutoras de (auto)formação e de aprendizagem nos professores e

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nos alunos. Não se atingem só objectivos relacionados com o currículo das Ciências, actividades que normalmente os professores estão preparados para realizar, com mais ou menos condições, com mais ou menos visibilidade, mas propicia-se à equipa formada pelo professor e pelos alunos uma actividade que vai requerendo progressivamente a utilização de meios tecnológicos para recolher e transmitir informação e para interagir com os participantes da comunidade de aprendizagem: é o momento de formação contextualizada, onde os actores colaboram para adquirirem conhecimentos e competências necessárias ao prosseguimento do projecto que subscreveram.

Terminamos esta descrição com algumas imagens do meio utilizado para aproximar as escolas,

não só para comunicarem mas também para recolherem de forma sistematizada a informação de que necessitam para o prosseguimento do seu trabalho. Infelizmente o espaço disponível não permite incluir as observações e as conclusões que sucessivamente têm vindo a ser colocadas no Fórum de discussão, mas a sua riqueza, vai permitindo, para já, validar a forma criada de incentivar e formar os professores na utilização das TIC. Contamos desenvolver até ao fim do ano uma avaliação deste processo de formação. Esta investigação poderá contribuir igualmente para a melhoria das acções de formação no domínio das TIC em geral. Prevê-se que a continuação do projecto vai permitir que as diferentes equipas de todas as escolas vão colocando as suas observações e as possam visualizar. A próxima publicação de uma página aberta do nosso projecto vai permitir que se alargue esta actividade a muitas outras escolas, ou grupos de alunos, ou turmas, podendo aproveitar os conteúdos que irão sendo publicados e valorizando-os com novas contribuições.

Queremos um projecto em obra aberta. Consulte o trabalho realizado pelo nosso grupo, no

endereço http://groups.yahoo.com/observatorio2000. Basta inscrever-se. Teremos muito gosto na sua visita!

As mensagens entre as diferentes escolas são, neste momento, uma forma de aproximar

professores e alunos dos seus objectivos: os alunos conhecerem os colegas, trocarem informações sobre o andamento dos seus projectos e os professores irem melhorando as suas competências na utilização

das TIC.

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Nas Messages, os utilizadores podem consultar todas as mensagens trocadas pelos participantes e imprimi-las.

No espaço de acolhimento, faz-se uma breve descrição dos objectivos do grupo.

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No espaço Bookmarks, todos os participantes podem consultar os links seleccionados pela equipa de formadores e

de acompanhantes do projecto nas suas diferentes vertentes (terrário, formigário, meteorologia)

Referências

CENTRO NÓNIO FCUL (1997). Projecto do Centro de Competência Nónio - Século XXI da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa.

CHAGAS, I., e FRAGOSO, J. (2001). Criar Contextos para a Inovação. O caso do Observatório de Ciências no 1º Cixlo. Comunicação apresentada no Encontro Internet na Escola. Biblioteca Municipal D. Dinis. Odivelas.

CUBAN, L. (1989). Teachers and machines: The classroom use of technology since 1920. New York: Teachers College Press.

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JOHANNSDOTTIR, T. (2001). Explorer on the education ferry. Comunicação apresentada na workshop, The research context – what do we know? integrada no projecto WP-16 da European Schoolnet, Keele.

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