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Carlos Jaca 1 O REGRESSO ÀS ORIGENS DE ATENAS A ATENAS 776 A.C. - 2004 OLIMPISMO CLÁSSICO – OLIMPISMO MODERNO Carlos Jaca Diário do Minho 14 de Julho 2004 De quatro em quatro anos adquire estatuto e ganha aspectos de ressonância, a nível mundial, o tema dos Jogos Olímpicos. Por um momento, tal como acontecia na Grécia Antiga – em que os conflitos bélicos paravam completamente quando tinham lugar as Olimpíadas -, outras notícias de maior importância, como guerras, catástrofes, grandes fomes e confrontos diplomáticos, passam a segundo plano. Todos os jornais e, em geral, os meios de comunicação de massa, fixam a sua atenção na festa desportiva por excelência, em que nascem para a fama atletas de excepcional condição física, que confirmam o lema dos Jogos Olímpicos: Citius, Altius, Fortius, o que quer dizer: mais rápido, mais alto, mais forte, ao derrotar estrondosamente anteriores marcas que muitos consideravam difíceis de ultrapassar. De quatro em quatro anos, os Jogos Olímpicos consagram o desafio dos seres humanos aos seus próprios limites físicos e atléticos. OLÍMPIA. BERÇO DOS JOGOS. A origem dos Jogos Olímpicos apresenta-se-nos de tal forma incerta que, ainda hoje, é muito discutida, sendo várias as teorias ou versões propostas por diferentes historiadores. A tradição dizia-os fundados por Hércules e honrava Pélops como o primeiro herói dessas lides. Embora tratando-se, fundamentalmente, de manifestações desportivo-culturais não deixavam de ter implicações sociais e políticas, se bem que a sua realização se deva, acima de tudo, a razões de ordem religiosa, já que é inegável a sua estreita

OLIMPISMO MODERNO Carlos Jaca

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Page 1: OLIMPISMO MODERNO Carlos Jaca

Carlos Jaca 1

O REGRESSO ÀS ORIGENS

DE ATENAS A ATENAS

776 A.C. - 2004

OLIMPISMO CLÁSSICO – OLIMPISMO MODERNO

Carlos Jaca

Diário do Minho 14 de Julho 2004

De quatro em quatro anos adquire estatuto e ganha aspectos de ressonância, a nível

mundial, o tema dos Jogos Olímpicos. Por um momento, tal como acontecia na Grécia

Antiga – em que os conflitos bélicos paravam completamente quando tinham lugar as

Olimpíadas -, outras notícias de maior importância, como guerras, catástrofes, grandes

fomes e confrontos diplomáticos, passam a segundo plano. Todos os jornais e, em geral, os

meios de comunicação de massa, fixam a sua atenção na festa desportiva por excelência, em

que nascem para a fama atletas de excepcional condição física, que confirmam o lema dos

Jogos Olímpicos: Citius, Altius, Fortius, o que quer dizer: mais rápido, mais alto, mais forte,

ao derrotar estrondosamente anteriores marcas que muitos consideravam difíceis de

ultrapassar. De quatro em quatro anos, os Jogos Olímpicos consagram o desafio dos seres

humanos aos seus próprios limites físicos e atléticos.

OLÍMPIA. BERÇO DOS JOGOS.

A origem dos Jogos Olímpicos apresenta-se-nos de tal forma incerta que, ainda hoje,

é muito discutida, sendo várias as teorias ou versões propostas por diferentes historiadores.

A tradição dizia-os fundados por Hércules

e honrava Pélops como o primeiro herói dessas

lides.

Embora tratando-se, fundamentalmente, de

manifestações desportivo-culturais não deixavam

de ter implicações sociais e políticas, se bem que a

sua realização se deva, acima de tudo, a razões de

ordem religiosa, já que é inegável a sua estreita

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ligação ao culto dos deuses, dos heróis e à vontade de celebrar os seus combates. De qualquer

modo, as Olimpíadas tornaram-se progressivamente uma festa do mundo grego e um factor

de união entre todas as cidades rivais, as quais, deste modo, tomavam consciência de

pertencer a uma mesma nação que falava uma só língua.

Os jogos decorriam em Olímpia, banhada pelo rio Alfeu, a noroeste do Peloponeso. O

Vale de Olímpia fora reconhecido um estado neutral, tendo sido considerado lugar sagrado,

que não podia estar exposto ao risco de guerras.

Realizados quadrienalmente, a partir do ano 776 a.C., os Jogos Olímpicos serviam de

calendário aos Gregos. Cada período de 4 anos era uma

Olimpíada.

Duravam uma semana. Oferecido um sacrifício ao

deus e feito juramento de lealdade pelos atletas (no primeiro

dia) seguiam-se as provas: no estádio, corridas a pé,

pugilato, pancrácio (misto de luta e pugilato), corrida com

armas (capacete e escudo); no hipódromo corridas de

cavalos e de carros de cavalos; de novo no estádio, o

pentatlo (cinco provas): salto, lançamento do disco, lançamento de dardo, corrida e luta.

Os Jogos destinavam-se, apenas, à minoria dos que fossem gregos livres, filhos de

ambos os pais gregos e que não trabalhassem; isto, pelo menos, no período histórico

considerado o de maior prestígio das competições.

O apogeu da festa era naturalmente a distribuição dos prémios, não pelo seu valor

intrínseco (os vencedores só recebiam uma coroa de louros), mas pela imperecível honraria a

que esse facto se ligava. Recebidos triunfalmente em toda a Grécia, os vencedores eram

considerados como grandes heróis e cumulados de honras na sua cidade: grandes poetas,

como Simónides e Píndaro cantavam a sua glória.

Para além de um estádio, Olímpia era também um lugar de culto: A missão do

santuário de Olímpia era de representar, sacralizar e manter o espírito de competição na

honra, sob todas as formas e todos os aspectos ... o espírito de competição espantava todos os

estrangeiros, incluindo o Rei dos Persas, Xerxes, que afrontara Leónidas em Termópilas e

que, surpreendido por ver os Jogos continuarem, apesar da invasão e da guerra, exclamou:

“Que espécie de homens são estes que não combatem pelo ouro, mas apenas pela glória?”

Os Jogos Olímpicos eram preparados para exercerem um papel unificador. Em

Olímpia, concorrentes, espectadores e preparadores reconheciam o seu traço comum, a

despeito da rivalidade e por vezes da hostilidade das suas cidades.

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Nas competições desportivas os antigos nunca tiveram outras ambições que as do

triunfo dos seus concorrentes. A noção de recorde era-lhes totalmente estranha. A

“performance”, que caracteriza o desporto moderno, não existia. Apenas era necessário ser o

melhor.

As competições em Olímpia não eram apenas atléticas. A vontade sempre presente,

no mundo grego, de estabelecer um equilíbrio entre o corpo e o espírito, justificam a

presença simultânea de concursos artísticos: concursos de canto, de música, de poesia e de

declamação, de filosofia, de teatro. A enorme multidão atraída de todos os lados pelos Jogos,

dava aos artistas, aos poetas, aos dramaturgos, uma

ocasião única de os tornar conhecidos. Também aí,

se impunha ser o melhor entre os bons.

Ultrapassado o período clássico, a evolução

dos Jogos, declínio e desaparecimento apresenta-nos

impressionantes analogias com a evolução dos

tempos modernos.

Muito sumariamente, refira-se a utilização dos Jogos para fins políticos, o

profissionalismo dos atletas, a preparação especializada, as irregularidades e os logros nas

competições, a multiplicação indefinida de géneros e tipos de prova e o gigantismo de tudo

quanto respeitasse aos Jogos. Esse gigantismo afectou particularmente os Jogos Gregos a

partir do período romano. Foi a consequência do domínio de uma superpotência.

Após o cristianismo ter sido adoptado como religião oficial de Roma, o Imperador

Teodósio I, de Milão, que combatera ardentemente todos os costumes pagãos, proibiu a

manifestação olímpica que, aliás, ia morrendo por si mesma.

Uma geração depois, o Imperador do mesmo nome ordena a demolição dos edifícios

sagrados da cidade de Olímpia; à destruição seguiu-se um tremor de terra e deslocação de

terrenos. Por fim, as repetidas inundações do rio Alfeu cobriram toda a região com uma

espessa camada de aluviões.

Só em 1824 o arqueólogo britânico Stanhope procederia às primeiras escavações, que

acabariam por devolver Olímpia à luz do sol e à admiração do homem moderno.

Os últimos Jogos Olímpicos da Antiguidade tinham-se realizado em 393 d.C.. Seria

preciso esperar milénio e meio para que fosse reacendida a chama de Olímpia.

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JOGOS OLÍMPICOS DA ERA MODERNA – COUBERTIN

O nome de Pierre de Frédy, mais tarde barão de Coubertin, que nasceu em Paris a 1

de Janeiro de 1863, ficará para sempre ligado ao renascimento da tradição dos Jogos

Olímpicos da Era Moderna, aos quais votou grande parte da sua vida e até a sua fortuna

pessoal.

Para compreendermos a criação dos Jogos Olímpicos Modernos, torna-se

indispensável conhecer a ideologia do seu animador e o que ele exprime dos mitos do seu e

nosso tempo.

Pierre de Coubertin, aristocrata francês, fez os seus primeiros estudos no Colégio dos

Jesuítas em Paris ingressando depois, por vontade paterna, na Academia Militar de Saint-Cir.

Porém, o jovem Pierre considerando-se já um pacifista renuncia à carreira militar a

que parecia destinado por tradição de família, acabando por vir a formar-se em Pedagogia na

Escola Politécnica.

Com efeito, a perspectiva coubertiana sobre o

desporto é essencialmente educativa, aspecto que

desenvolve em conferências, vários livros e

numerosos artigos, propondo-se demonstrar o valor

do desporto no sistema educativo francês. Apesar do

seu excepcional poder persuasivo e dos largos

conhecimentos sociais que possuía encontrou uma

enorme resistência às suas ideias.

Pierre de Coubertin era economicamente

independente, com fortuna pessoal para viver dos

rendimentos e, portanto, possuía tempo e dinheiro para entregar-se à concretização do seu

grande sonho: o restabelecimento dos Jogos Olímpicos. Só que ... o poder e o dinheiro não

eram condição suficiente para realizar uma Olimpíada, sendo indispensável actuar com

perseverança, paciência e tolerância, qualidades que sobejamente demonstrou possuir.

Restaurar os Jogos Olímpicos foi para Coubertin uma verdadeira obsessão, que lhe

trouxe muitos cansaços, trabalheiras e incompreensões, mas que lhe deu também um renome

que, doutro modo, não alcançaria.

Coubertin estava, sem dúvida, imbuído de um enorme idealismo nele convergindo um

conjunto de interesses que estiveram na origem da sua luta de muitos anos para o Movimento

Olímpico Moderno e fazer dos Jogos Olímpicos uma das maiores manifestações culturais e

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desportivas de todos os tempos: uma aguda ambição de glória que recusara a via militar, o

seu grande patriotismo pela França que ele considerava um país que carecia de renovação

espiritual e física e o desejo de contribuir para a modificação social, vieram a cristalizar-se no

conceito do Olimpismo como movimento de fraternidade e de paz que Coubertin esperava

que viesse a modificar a própria humanidade.

Trata-se de uma perspectiva utópica e romântica, que não tomava em consideração a

realidade das sociedades e as características dos indivíduos, mas que se estruturava numa

autêntica filosofia desportiva que possui ainda hoje, inegáveis valores humanistas.

Em 25 de Novembro de 1892, no festival comemorativo do 5º aniversário da União

das Sociedades Francesas de Desportos Atléticos, Pierre de Coubertin, falando num dos

anfiteatros da Sorbonne, revelava ao mundo o sonho de fazer renascer os Jogos Olímpicos.

Demonstrando um admirável exemplo de tenacidade, dois anos depois, estimulado

pela campanha no jornal “Les Temps” de Pascal Grousset, que propunha a realização dos

Jogos Olímpicos, Coubertin percorre a Inglaterra e os Estados Unidos onde estabelece

importantes contactos e realiza uma série de conferências na intenção do restabelecimento

dos Jogos.

Os esforços do Barão de Coubertin viriam a ser recompensados com a realização do

1º Congresso Olímpico Internacional, na prestigiosa Sorbonne, entre 16 e 23 de Junho.

Reunem-se 79 representantes de 14 países e de 49 sociedades; mais 21 nações enviam

mensagens de adesão. No último dia foi aprovada por unanimidade a seguinte resolução:

“Deverão efectuar-se competições desportivas de quatro em quatro anos, continuando as

directivas dos Jogos Olímpicos Gregos, e serão convidadas todas as nações para que

participem, sem distinções de país, pessoa, cor, religião ou ideias políticas.”

Elegeu-se, nessa altura, o Comité Olímpico Internacional a quem competia assegurar

a perenidade das Olimpíadas e desenvolver as manifestações desportivas e artísticas que

caracterizavam a sua celebração. O actual C.O.I. é ainda um organismo permanente,

independente das instâncias governamentais, responsável pela

perpetuação do espírito olímpico.

Ainda no mesmo ano (1894) o poeta grego Bikelas foi

nomeado o primeiro presidente do Comité Olímpico Internacional e

Pierre de Coubertin o seu primeiro secretário-geral.

O Barão de Coubertin vence a sua primeira batalha ao

conseguir que os Jogos Modernos se realizassem pela primeira vez

na pátria do Olimpismo Clássico, mas as dificuldades pareciam

omnipresentes e para pôr de pé os Jogos Olímpicos da Era Moderna

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foi o cabo dos trabalhos!

A Grécia já então se distinguia por ser das nações mais pobres da Europa e os cofres

do Estado não suportavam os gastos exigidos por tão dispendioso acontecimento. A corte

grega patrocinou, de facto a ideia... Todavia só após uma subscrição pública, que reuniu 130

mil dracmas, houve a certeza de que se efectuariam em Atenas os primeiros Jogos Olímpicos

da Era Moderna.

O dia 5 de Abril de 1896 marcou o reaparecimento dos Jogos Olímpicos. Depois de

ter cumprido 239 edições até à extinção, decretada, no ano de 393, pelo Imperador Teodósio,

o grande evento desportivo era recriado e recebia uma inovação importante: alargava as suas

fronteiras muito para além das da Grécia Antiga.

A cerimónia inaugural, a que presidiu o rei Jorge I, decorreu no Estádio Olímpico de

Atenas – reconstruído a partir do antigo Estádio Panatenaico. Oitenta mil espectadores

assistiram, em ambiente de grande festa, ao desfile de 311 atletas, entre os quais se

encontravam 230 gregos e ... nenhuma mulher e nenhum negro.

O Barão de Coubertin assistiu à cerimónia de abertura. E, ao sentir que o seu sonho de

muitos anos estava concretizado, não conteve as lágrimas. Chorou, convulsivamente, como

uma criança.

Dirigindo-se à juventude de todas as nações, Coubertin formulava o voto de que o

Olimpismo constituísse uma escola de nobreza e de energia física, destinado a tornar-se uma

das maiores manifestações pacíficas da Humanidade, uma instituição à escala planetária, sem

fronteiras. O ideal olímpico visava a fraternidade dos povos e, de quatro em quatro anos,

esquecendo mútuas acusações, os homens do mundo inteiro poderiam rivalizar lealmente e

designar os melhores.

Para Coubertin, o importante nos Jogos Olímpicos não era vencer, mas participar. O

importante na vida não seria conquistar mas lutar dignamente; a tónica dominante da sua

mensagem residia fundamentalmente na convicção de que ao desporto não devia

exigir-se-lhe apenas benefícios de ordem física, mas também intelectual, moral e social.

O Barão de Coubertin no seu apelo, lançado durante a cerimónia da inauguração dos

Jogos da I Olimpíada dos tempos modernos, argumentava o carácter internacional dos Jogos

Olímpicos da época contemporânea; o futuro emblema olímpico cujo motivo são cinco anéis

entrelaçados entre si, simbolizam a união de todos os países dos cinco continentes. Da

esquerda para a direita os anéis têm as seguintes cores: azul, da Europa; amarelo, da Ásia;

negro, de África; verde, da Oceânia; e o vermelho, da América. A divisa são três palavras em

latim, que condensam os anseios e ideais de todos os desportistas que tomam parte nestas

competições: Citius, Altius, Fortius (mais rápido, mais alto, mais forte).

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A Coubertin, apesar de excessos e erros que envolveram algumas das suas

concepções (por exemplo era frontalmente contra a participação das mulheres nos Jogos) não

pode deixar de lhe ser reconhecida a força constante e o valor genial de ter elaborado a

perspectiva humanística que manteve o Ideal Olímpico, pacífico, rico em valores culturais

num mundo conturbado e que sofreu uma grande transformação, enquanto os Jogos

Olímpicos se foram realizando somente com algumas interrupções provocadas pelas duas

Grandes Guerras.

Pierre de Coubertin veio a falecer em Genebra no ano de 1937, mas o seu corpo jaz

em Lausanne, onde o Comité Olímpico Internacional tem a sua sede. Por seu expresso

desejo, o coração foi colocado numa urna de bronze e transladado para a cidade de Olímpia,

que tanto significado tivera na vida do fundador dos Modernos Jogos Olímpicos, onde se

encontra num monumento especialmente erguido para o efeito em pleno Bosque Sagrado.

JOGOS OLÍMPICOS E JOGO DE INTERESSES.

Na perspectiva de Coubertin os Jogos Olímpicos Modernos podiam estabelecer no

mundo um clima de paz e compreensão entre os homens. E mais: fazer ressaltar as virtudes

do “fair play” promovendo o desenvolvimento integral do espírito e do corpo entre uma

juventude universalmente fraterna.

À época em que os Jogos Modernos foram restaurados, o desporto olímpico era tido

principalmente como um passatempo extrínseco; o desporto era praticado, mesmo em alta

competição, unicamente por amor ao desporto.

Actualmente a participação deixou de ser um simples passatempo, passando a

envolver uma proposta séria não só para os atletas mas também para os Estados, os negócios

e os média.

Factores vários explicam o motivo que levou uma

instituição, como as Olimpíadas, a ser dirigida por outras

orientações.

Sem dúvida, Coubertin não ficaria nada satisfeito se

pudesse observar alguns aspectos de que se revestem hoje as

Olimpíadas.

Progressivamente foi-se registando um certo

abrandamento na rigidez das normas e desrespeito pelo

regulamento olímpico, não sendo raros os casos em que o

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amadorismo cedeu lugar a um profissionalismo disfarçado – ou descarado?

Na verdade, toda a louvável ideia de juntar os maiores atletas do Mundo numa

competição à escala planetária, em que participariam pelo simples prazer de participar e em

que as medalhas não seriam um fim em si mas apenas um prémio a marcar a superioridade

momentânea, foi ficando pelo caminho todos os quatro anos. À vontade de vencer e à entrega

dos atletas foram-se juntando interesses da mais variada ordem, desde os comerciais aos

políticos.

Como consequência das consequências que os Jogos podem ter, tem a festa sido

algumas vezes manchada com histórias em que grandes figuras do Desporto, atletas e

dirigentes, protagonizam episódios que são a completa negação dos ideais com que o Barão

de Coubertin repescou da Antiguidade o maior acontecimento desportivo de sempre.

A alienação do atleta que faz batota usando substâncias que falseiam a verdade das

suas capacidades naturais, ou a entrega dos dirigentes à ambição de alguns cifrões ou outras

mordomias a troco de um voto ou de uma influência, não têm sido infelizmente casos-virgem

no mundo olímpico.

O espírito coubertiano dos Jogos, em que o mais importante não era vencer mas

participar foi-se diluindo, sendo inegável que as grandes potências, desde há muito, utilizam

as Olimpíadas em benefício da sua própria política. Com efeito, a regra n.º 7, determinando

que os Jogos são competições entre indivíduos e não entre nações é frequentemente

infringida. Deste modo, o espírito olímpico não tem sido respeitado, porquanto já não é o

atleta individual que entra realmente em competição com os outros concorrentes, mas sim a

nação à qual ele pertence que se opõe aos outros países numa luta de prestígio. Os Jogos

Olímpicos tornam-se o campo fechado no qual se enfrentam propagandas. Desta forma um

nacionalismo exacerbado substitui o patriotismo legítimo; assim patenteiam-se pretensões ao

afirmar-se, pelo palmarés dos Jogos, a superioridade de certos regimes políticos sobre outros.

Quando Pierre Coubertin restabeleceu as Olimpíadas, previu os estados-nações do seu

tempo em comparação com as cidades da Grécia Antiga e, de maneira idealística, supôs que

os estados do mundo moderno poderiam parar com as hostilidades para a paz olímpica, como

o faziam os Estados Antigos. Embora ele fosse bem realista quando procurou a protecção dos

monarcas e dos estados soberanos para o novo movimento, não foi capaz de ver o inverso, ou

seja, a utilização para finalidades nacionalistas. A sua fé no poder do movimento olímpico e

a sua confiança na benevolência dos governos para respeitar e observar os ideais olímpicos

verificaram-se serem demasiado optimistas.

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Efectivamente, a própria história do olimpismo moderno tem evidenciado ser

absolutamente utópico aceitar que os Jogos se podem manter alheados do contexto político

internacional.

Para além do aspecto puramente desportivo, a organização e todo o sistema olímpico,

oferecem às autoridades políticas uma oportunidade extraordinária no sentido da utilização

efectiva das Olimpíadas.

Contrariando os ideais do movimento olímpico, o sistema está organizado de modo a

situar-se numa posição dependente da ordem política do mundo. Repare-se que os comités

nacionais olímpicos e até o próprio Comité Olímpico Internacional movimentam-se num

quadro de semi-autonomia, devendo sempre tomar em conta a sua dependência de forças

políticas externas.

Constituindo os Jogos um instrumento nas mãos daqueles que dominam o Poder, o

nacionalismo nunca poderia ter sido uma coisa estranha nas Olimpíadas, já que os países do

mundo interpretam a participação nos Jogos como uma oportunidade de exprimir os

sentimentos nacionais e a identificação nacional.

Os ideais dos Jogos não foram rejeitados, mas foram traduzidos numa língua de

utilização prática totalmente diferente. Os Jogos foram utilizados não tanto para o “fair play”

internacional, mas mais para o interesse e o orgulho nacional.

Uma vez que os êxitos olímpicos têm uma importância especial na propaganda das

grandes potências e na luta ideológica entre elas, não será de estranhar que , não poucas

vezes, o desenvolvimento e agudização de um clima racista e chauvinista tenham provocado

separações de homens e nações.

O internacionalismo tão do agrado de Pierre de Coubertin é posto em causa pelas

exclusividades, as segregações e as ameaças de cisão de toda a espécie.

O aproveitamento político do desporto olímpico não foi a única realidade externa que

levou o movimento a desviar-se dos objectivos iniciais. A intromissão do comercialismo é

um facto.

Até aos primeiros anos da década de 50, o problema económico era acerca do

amadorismo “versus” profissionalismo; a maior controvérsia respeitava à perca de lucros e

do subsídio quotidiano para compensar o tempo perdido.

A partir de Melburne (1956), quando a tecnologia dos “mass media” moderna, com a

televisão entra nas Olimpíadas a situação modifica-se radicalmente; os Jogos passam a

oferecer uma oportunidade fascinante para serem utilizados não só para fins governamentais,

mas também para fins comerciais. E em segundo, os lucros da venda dos direitos de

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televisão, aumentando vertiginosamente, deram ao próprio movimento olímpico uma

oportunidade cheia de promessas para fazer dos Jogos um acontecimento bastante lucrativo.

Hoje em dia as mais importantes competições dos Jogos deixaram de ser desportivas,

tornaram-se financeiras, comerciais e publicitárias. Milhares de firmas de todo o género,

desde empresas de betão armado, fabricantes de cronómetros, companhias de electrónica,

cadeias de televisão, passando pelas indústrias de solas de borracha dos sapatos de desporto,

estão na mira dos lucros e da publicidade que podem fazer, graças aos Jogos que cada vez

mais se confundem com a feira comercial, de que se tornaram pretexto.

Sob o ponto de vista do movimento olímpico a situação não deixa de ser

problemática; todavia o envolvimento do desporto em operações comerciais, confere-lhe

vantagens que muito contribuem para ajudar a suportar o custo cada vez mais elevado do

espectáculo olímpico. Por conseguinte, o movimento ter-se-á visto forçado a fechar os olhos

sobre a ideologia olímpica, nomeadamente o amadorismo.

Os próprios atletas não estão isentos de responsabilidade, porquanto alguns deles, em

conivência com outros intervenientes, aceitam técnicas, métodos e produtos químicos dos

mais modernos como anabolisantes, dopantes e hormonas utilizados para “fabricar”

campeões, o que mais tarde, poderá levá-los à destruição física e mental.

Concluindo este capítulo, Jogos Olímpicos e jogo de interesses, pode dizer-se que o

movimento olímpico provou ser muito ineficaz quando tentava implantar uma ideologia dum

mundo mais pacífico num padrão internacional das condições humanas. Depois não só foi

ineficaz mas também um tanto elástico quando compromete os seus próprios ideais como o

amadorismo, a competição entre os indivíduos, direitos de participação iguais e até o “fair

play”. E ainda, além de tudo, foi forçado a satisfazer objectivos de forças externas. O papel

da política internacional ao utilizar os Jogos tem sido especialmente característico do que tem

acontecido e que comodamente e sem riscos – constituem um instrumento nas mãos daqueles

que estão no Poder.

Obviamente, apenas poderei referir alguns casos que me parecem mais significativos

como prova da má utilização das Olimpíadas.

BERLIM – 1936

Os Jogos Olímpicos de 1936 não podem ser dissociados do nazismo.

Adolfo Hitler aproveitou o facto de o mundo ter os olhos colocados em Berlim para

demonstrar a força da raça ariana.

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Pouco tempo depois de ter ascendido ao poder, o Fuhrer festejou a escolha de Berlim

como cidade-sede dos Jogos de 1936. E sobraram-lhe motivos para o fazer. Entre outras

razões, a grande manifestação desportiva mundial era a montra ideal para a Alemanha exibir

ao mundo o seu poder.

O homem-forte do nazismo não poupou esforços – e muito menos dinheiro – para

rentabilizar a passagem do mundo olímpico por Berlim. Hitler disponibilizou um orçamento

praticamente ilimitado, não apenas para acautelar os aspectos organizativos, como, também,

para fomentar a preparação dos seus atletas.

Apesar das medidas discriminatórias em relação aos judeus, o Comité Olímpico

Internacional não deixara de atribuir à Alemanha a organização dos Jogos.

No Congresso do C.O.I., o prestigioso Dr. Theodor Lewald, representante da

delegação alemã, e com o assentimento do Reich, declarou que por ocasião da XI Olimpíada

seriam observadas em Berlim todas as prescrições olímpicas e que, em princípio, os judeus

alemães não seriam excluídos da equipa alemã. Acontece que o primeiro a ser excluído foi o

próprio Dr. Lewald (Presidente do Comité Olímpico Alemão), quando alguém descobriu nele

uma vaga ascendência judaica. E mais... em Setembro de 1935, Hitler proclamou as

chamadas Leis de Nuremberga que retiraram aos judeus, a título definitivo, a cidadania

alemã.

Entre 1932 e 1933 abandonava a Conferência de Desarmamento, em Genebra, e a

Sociedade das Nações. De facto, só um distraído ou pateta poderia esperar dos Jogos

apadrinhados por Hitler, o espaço ideal para o desenvolvimento das relações cordiais entre os

homens e as nações. Demais, os alemães, cegos pela propaganda e pelo fanatismo político,

esperavam que as competições olímpicas consagrassem os métodos e a doutrina nazis... o

Fuhrer pretendia era instrumentalizar os Jogos ao serviço da sua ideologia expansionista e

racista.

A 2 de Julho foram declarados abertos os Jogos pelo próprio Hitler, rodeado pela sua

“entourage”, Goebbles, Goering, Hess, Blomberg, figuras sinistras do regime.

Do ponto de vista estritamente desportivo a Alemanha nazi conseguiu suplantar os

habituais vencedores dos Jogos: os Estados Unidos. A Itália fascista alcançou mais medalhas

que a França e o Japão superou largamente a Grã-Bretanha – quer isto dizer que o “Eixo”

triunfa no estádio.

Apesar disso, Hitler sofreu meia-derrota, pois a grande figura da competição não foi

um homem alto e louro. Nem sequer foi baixo e moreno. Foi um negro...

Jesse Owens, descendente de escravos, natural de Cleveland-Ohio, “um negro de

sorriso permanente”, que tentou, e conseguiu, um êxito na verdade extraordinário: o de haver

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conquistado quatro medalhas de ouro, no atletismo. Três delas individuais, nos 100 metros,

nos 200 e no salto em comprimento; e uma colectiva, na estafeta dos 4 x 100 metros.

O Fuhrer, não escondendo o seu ódio, abandona a tribuna e delega nos membros do

Comité Olímpico a entrega das medalhas, porquanto se recusaria a cumprimentar qualquer

negro. E, para seu desespero, das 12 provas de atletismo ganhas pelos americanos, 9 foram

vencidas por negros.

Portugal conquistou uma medalha de bronze, na prova hípica de obstáculos,

denominada Prémio das Nações.

Três anos depois, a 1 de Setembro de 1939, os exércitos alemães cruzavam a fronteira

polonesa iniciando a 2ª Guerra Mundial.

Tal como aconteceu durante a 1ª Guerra, os Jogos não se realizaram durante a

Segunda, nem em 1940 nem em 1944, voltando a efectuar-se em Londres em 1948.

MUNIQUE – 1972

Para fazer dos 17ºs Jogos Olímpicos da 20ª Olimpíada um êxito perfeito a R.F.A.

despendeu globalmente cerca de 1972 milhões de marcos.

Tratava-se então, sob este aspecto de fazer esquecer a imagem dos Jogos de Berlim

(1936) e dar à Alemanha moderna uma imagem mais favorável.

Trinta e seis anos depois, e de novo em território alemão, a lembrança destes Jogos

não deixou de ficar tristemente assinalada.

Os Jogos Olímpicos de Munique serão, de todos os do pós-guerra, aqueles que ficarão

na História devido a um acontecimento que nada teve a ver com feitos desportivos. A política

mais uma vez interveio nos Jogos pela negativa. Em causa, a situação do Médio Oriente, e

mais propriamente, as terras da Palestina.

Uma primeira “nódoa” registou-se quando o Comité Olímpico Internacional decidiu

proibir a participação dos 47 atletas da Rodésia (dos quais oito negros) numa altura em que já

haviam assistido ao tradicional hastear da bandeira de todos os países concorrentes.

Porém o incidente mais dramático de todo o historial olímpico iria ter o seu início na

madrugada do dia 5 de Setembro, quando onze israelitas instalados no pavilhão 31 da aldeia

olímpica foram sequestrados por um comando palestiniano pertencente à Organização

denominada de “Setembro Negro”. Tratava-se de um ramo da organização Al-Fatah, que

exigia a libertação de 17 prisioneiros palestinianos encarcerados em prisões de Israel.

Após diversas negociações, com a participação do próprio chanceler alemão Willy

Brandt, e que ainda hoje não se encontram perfeitamente esclarecidas, simula-se a partida

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Carlos Jaca 13

dos 19 homens (8 árabes e 11 reféns) dois deles já mortos no n.º 31 da Connolystrasse) para o

Cairo. Entretanto, preparava-se a emboscada no aeroporto militar de Furstenfeldbruck a

cargo de polícias e atiradores especiais alemães.

Na placa do aeroporto encontrava-se, efectivamente, um “Boeing 727”, que deveria

servir para a fuga. Dois dos palestinianos saíram de um dos helicópteros, para verificar o

avião e, imediatamente, começou o tiroteio.

Na tentativa de libertar os reféns, foram provocadas mais 15 mortes. As dos nove

reféns, de 5 terroristas e um agente da polícia alemã.

Suspensos por um dia, os Jogos prosseguiram, pois foi esse o desejo manifestado pela

maioria das delegações, até pela israelita, que se retirou, no entanto, da competição, por

respeito à memória dos atletas assassinados. A Noruega, a Holanda e as Filipinas também

abandonaram Munique.

Nesta edição dos Jogos Olímpicos, a presença portuguesa foi muito discreta; Carlos

Lopes e Fernando Mamede também estiveram presentes, mas ambos foram eliminados nas

séries de 10.000 e 800 metros, respectivamente.

Nos Jogos seguintes Carlos Lopes brilharia a grande altura.

MOSCOVO – 1980

Mais uma vez e não seria a última, os Jogos Olímpicos estiveram sob o signo da

politização.

Em Dezembro de 1979, numa altura em que Moscovo se preparava para receber a

maior competição desportiva internacional, as tropas soviéticas entraram no Afeganistão,

irritando um Mundo ocidental que liderado por Jimmy Carter decreta o boicote americano

aos Jogos Olímpicos de Moscovo aconselhando tácita ou explicitamente, a mesma posição

aos países considerados amigos, pretendendo desviar a atenção internacional para questões

de natureza política.

Apesar de terem sido boicotados por um número elevado de países, os Jogos

Olímpicos de 1980, realizados em Moscovo, constituíram um êxito, tanto no aspecto

organizativo como na vertente desportiva.

O Governo Português, identificando-se com a posição dos Estados Unidos, declarou

que a equipa portuguesa não deveria viajar até Moscovo. Porém, julgo que hipocritamente, o

nosso governo deixaria ao Comité Olímpico a decisão.

A opção não recaiu sobre o boicote, mas o Estado não suportou os custos inerentes à

presença em Moscovo e os atletas nacionais sofreram pressões... para ficarem em casa.

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Carlos Jaca 14

A ameaça pairou no ar: quem fosse a Moscovo ficaria sem o subsídio que na altura, já

era atribuído a atletas de alta competição; quem por cá permanecesse, poderia usufruir de

“benesses”, como por exemplo, receber dinheiro para participar em “meetings”

internacionais.

Fernando Mamede e Carlos Lopes ficaram em Lisboa. O primeiro teve medo de

represálias, enquanto o segundo foi traído por uma lesão. Tal como as duas grandes vedetas

do atletismo português, outros desportistas nacionais faltaram à chamada olímpica.

Assim, os Jogos de Moscovo registaram a participação de apenas 11 atletas lusitanos,

que competiram em seis modalidades diferentes e não alcançaram resultados de relevo.

LOS ANGELES – 1984

Como já o haviam sido em 1932, Los Angeles, na Califórnia, foram palco de mais

uma edição dos Jogos Olímpicos. Jogos que não foram os da reconciliação como seria desejo

da grande maioria dos desportistas.

Os países comunistas boicotaram a competição californiana e, assim, escreveram mais

um capítulo da Guerra Fria, que, em grande parte da segunda metade do século, dividiu o

planeta em dois.

Desta vez, questões de segurança e de natureza financeira foram as razões invocadas

pelos países do bloco socialista que ditaram o boicote à 23ª Olimpíada.

A indisponibilidade da União Soviética para competir em Los Angeles foi,

essencialmente, um acto de retaliação ao boicote decretado pelos Estados Unidos à edição

dos Jogos Olímpicos realizada, quatro anos antes, em Moscovo.

Pela terceira vez consecutiva (os africanos, recorde-se, boicotaram Montreal – 76),

um grupo de países utilizava os Jogos Olímpicos – e logo pelo lado negativo – para defender

interesses extradesportivos.

Releve-se a presença da República Socialista da Roménia que, embora fazendo parte

dos países de Leste, membro do Pacto de Varsóvia e do Comecon, enviou a Los Angeles uma

equipa de 127 atletas.

A maioria dos países africanos e asiáticos, que se tinham recusado a aceitar os

argumentos persuasivos, resistiram igualmente à pressão de Moscovo no sentido de aderirem

ao boicote. Foi a vez de os russos ficarem isolados.

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Carlos Jaca 15

Além disso, os Jogos de Los Angeles constituíram uma demonstração dos resultados

do sistema empresarial americano. Ao provar que os Jogos Olímpicos podiam gerar receitas

importantes, Los Angeles deu muita força ao Movimento Olímpico. Os países recomeçaram

a disputar o privilégio de acolher os Jogos no seu território.

Porém, essa vitória, tal como a derrota ideológica infligida pelo Ocidente ao

comunismo, encerrava em si mesma o germe de uma nova ameaça aos Jogos: o

comercialismo, a cobiça, o império do rei dólar.

Denominados de Jogos da electrónica, os direitos televisivos

foram concedidos por uma soma astronómica à cadeia comercial ABC,

que viria a manifestar descarada parcialidade e “caseirismo” nas suas

transmissões. Até os próprios trajectos da “Chama Olímpica” seriam

comercializados, contrariando as regras do

protocolo olímpico. Curiosamente, a “Chama

Olímpica” entraria no Memorial Coliseum

pela mão de Gina Menphil, neta do “tal”, Jesse Owens, que em

Berlim na Olimpíada de 1936, ao conquistar 4 medalhas de ouro,

cravara uma espinha na garganta de Adolfo Hitler.

Em Los Angeles a participação portuguesa pode

considerar-se a mais notável de sempre, três atletas iriam subir ao

pódio: Carlos Lopes (Medalha de Ouro, obtém a melhor marca

conseguida até então 2h, 09’ 25’’), Rosa Mota (Medalha de Bronze

na Maratona feminina), Rosa de...”ouro”, quatro anos depois nos Jogos de Seoul e António

Leitão (Medalha de Bronze nos 5 000 metros).

ATLANTA – 1996

Doze anos depois, os Estados Unidos voltaram a receber a família olímpica, à boa

maneira americana. Com espectáculo, chauvinismo, grandes figuras, resultados notáveis e

alegria, e ainda, um novo acontecimento que marcou pela negativa os Jogos, a deflagração de

uma bomba no coração da cidade olímpica voltando a chamar as atenções do mundo.

Realizados entre 20 de Julho (cerimónia de abertura a 19) e 4 de Agosto, os Jogos

Olímpicos de Atlanta, denominados de Jogos do Centenário, representaram em termos de

investimento económico um esforço financeiro de 400 milhões de dólares só para a

construção da cidade olímpica.

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Carlos Jaca 16

Participaram cerca de 10.000 atletas entre os quais 3.700 mulheres, representando à

volta de 200 países, 5.000 treinadores e delegados de equipa, 2.500 membros da Família

Olímpica e VIP, e ainda 15.000 representantes dos meios de comunicação acreditados.

Cerca de seis meses antes realizara-se em Lisboa a cerimónia de lançamento das

moedas comemorativas dos Jogos de Atlanta; presentes várias individualidades entre as quais

a embaixatriz dos Estados Unidos, Elisabeth Bagley e Rosa

Mota. Foram apresentados 16 exemplares de ouro, prata e

cuproníquel, constituindo esta colecção a maior série de

moedas alguma vez produzida nos E.U. A., prevendo-se a sua

circulação em mais de 40 países distribuídos pelos cinco

continentes. Estas moedas também assumiram valor de

particular relevância para o movimento olímpico português.

Com efeito, cerca de três por cento da verba pelas vendas

realizadas no nosso país, seriam transferidos para o Comité

Olímpico Português, com vista a apoiar o treino dos atletas que

iriam a Atlanta.

Bill Payne, Presidente do Comité Olímpico de Atlanta,

garantia não ter dúvidas de sucesso, prometendo os maiores e melhores jogos de sempre. A

seis meses do seu início já não havia bilhetes à venda, cadeias de televisão pagaram milhões

de dólares pelos direitos de transmissão e companhias multinacionais pagaram outras

dezenas de milhões de dólares para serem patrocinadoras dos Jogos. O que chega para fazer

torcer o nariz aos puristas dos Jogos Olímpicos, que não gostaram da ideia de ver os

hamburguers Mc Donalds serem vendidos como hamburguers oficiais das Olimpíadas.

Apesar dos defeitos, gigantismo e todas as controvérsias, os Jogos Olímpicos podem

considerar-se, indiscutivelmente, um espectáculo único no Mundo.

Só que... mais uma vez a festa foi manchada.

Embora fosse quase inimaginável que Atlanta se tornasse como Munique, as

autoridades pensavam ter feito tudo o que podiam para garantir que estes seriam os Jogos

Olímpicos mais seguros da História. Mesmo antes da explosão do voo 800 da TWA, a Casa

Branca estava bem consciente de que os Jogos constituiriam um enorme e convidativo alvo

terrorista, e o vice-presidente Al-Gore passou pessoalmente em revista todas as medidas de

segurança tomadas em Atlanta.

O certo é que na madrugada de Sábado, 27 de Julho, uma bomba de fabrico caseiro

explodiu no Parque do Centenário Olímpico de Atlanta. Resultado: Alice Hawthorne, 44

anos, residente em Albany, Georgia, morreu no atentado; Melih Uzunyol, um operador de

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Carlos Jaca 17

câmara turco de 37 anos, faleceu de ataque cardíaco quando corria para o parque a fim de

cobrir a notícia; e 111 pessoas ficaram feridas, a maioria por estilhaços que voaram até à

distância de cem metros do local da explosão.

Enfim, os terroristas conseguiram o que queriam, os Jogos voltaram a ser sangrentos.

Terrorismo interno ou conspiração internacional? Trata-se de uma questão que até

hoje não encontrou resposta.

Quanto à participação portuguesa, e numa análise feita a frio, tem de se dizer que o

saldo foi positivo. Além das sempre importantes medalhas – o ouro de Fernanda Ribeiro, nos

10 mil metros, do Atletismo, e o bronze, de Hugo Rocha – Nuno Barreto, na classe 470 da

Vela –, há que assinalar toda uma série de resultados de plano médio, que, quando olhados

com atenção, levam a concluir que Atlanta, 96 (mesmo sem igualar as três medalhas de Los

Angeles, 84) proporcionou aos portugueses o melhor somatório de sempre.

Sidney 2000

A Austrália, potência económica do

Pacífico, e Sidney, uma cidade do hemisfério

sul que quer ser o símbolo de uma ordem

mundial mais descentralizada e de qualidade

de vida urbana tinha os olhos do mundo sobre

si.

A grande invasão começou duas

semanas antes de a chama olímpica iluminar a

noite de Homebush Bay, a zona de 760

hectares nos subúrbios da cidade onde se

localiza o coração dos Jogos. Mas só nos

últimos dias se começou a perceber a

dimensão de uma vaga humana que incluía

mais de 30.000 pessoas acreditadas na

organização. Eram 11.000 atletas, 5.000

oficiais e acompanhantes, 15.000 jornalistas e

técnicos ligados à informação, sem falar nos visitantes que se deslocaram a este canto do

mundo para seguirem de perto as proezas desportivas dos melhores atletas do planeta e

viverem o ambiente único de uma cidade olímpica.

O Estádio Austrália, designação oficial daquele que ficará para sempre conhecido

como estádio olímpico de Sidney, é uma obra de arte de concepção arquitectónica.

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Carlos Jaca 18

Concluído em 1996, após dois anos e cinco meses de edificação, é o maior entre

todos os seus pares que acolheram Jogos Olímpicos e custou 690 milhões de dólares

australianos (cerca de 89,7 milhões de contos).

A cerimónia de abertura já é uma instituição olímpica. De 4 em 4 anos, os

organizadores dos Jogos gastam milhões para suplantar em espectacularidade a edição

anterior.

A organização australiana, apesar da confidencialidade com que blindou os

preparativos da festa, tinha há muito deixado perceber que pretendia surpreender tudo e todos

com a abertura da sua Olimpíada.

De facto um grande espectáculo de luz e cor iria marcar a sessão de abertura dos

Jogos Olímpicos – Sidney 2000.

O cenário era de luxo, deslumbrante, de sonho.

Milhares de pessoas assistiram e participaram vendo dançar aborígenes, números a

cavalo, orquestras em actuação, fogo de artifício. Viu-se arrojo, inovação, alta tecnologia e

efeitos especiais combinados em perfeita harmonia.

A festa iria constituir também um momento televisivo de inigualável beleza, que

poderia ser visto em todo o mundo.

A menos de um mês das Olimpíadas, já existia uma certeza: estes seriam os Jogos

mais (tele) vistos da história, prevendo-se 3.700 milhões de espectadores, ou seja mais 700

milhões do que em Atlanta.

Diga-se, a propósito, que várias multinacionais, em particular, cadeias de televisão,

investiram milhões de dólares para comprarem os direitos de associação comercial ao maior

espectáculo desportivo do mundo. Os números impressionam.

Estes Jogos de Sidney também quiseram ficar na história como um símbolo que

ultrapassou difíceis barreiras políticas e sociais, internas e externas.

Pela primeira vez, a Austrália assumiu perante o mundo uma imagem de

reconciliação com a sua própria ancestralidade. Prova disso foi a escolha deliberada de

aborígenes como figuras centrais em toda a cerimónia, com destaque especial para Cathy

Freeman. A recordista mundial, campeã olímpica dos 400 metros, acabou por ter mais uma

tarde de glória ao fazer o último percurso com o facho olímpico e acender a pira na apoteose

final da cerimónia.

Nem todos estavam de acordo, devido à polémica em que Cathy se envolvera pouco

antes com o Comité Olímpico australiano, ao proclamar que daria uma volta ao estádio com a

bandeira aborígene caso ganhasse a medalha de ouro.

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Carlos Jaca 19

As regras do C.O.I. não permitem manifestações de índole política, mas o comité

australiano mudou de opinião e decidiu que a não sancionaria caso ela cumprisse mesmo a

promessa. E cumpriu. Cathy fez mais 400 metros de consagração, depois de ter tirado os

sapatos. Ficou descalça, e muita gente notou que isso não seria senão uma homenagem ao

povo aborígene, o seu povo. Correu para a bancada e recolheu duas bandeiras, a australiana e

a aborígene. Apoteótico. Cathy tornou-se símbolo da nova cultura australiana, devido às suas

raízes aborígenes e ao desejo da Austrália de ficar de bem com a sua história. A vitória de

Cathy nos 400 metros, foi a vitória desportiva mas também política e social da nova

Austrália.

Conquanto os Jogos de Sidney ficassem assinalados por duas semanas de uma

concepção festiva do desporto como em nenhum lado se viu, o “doping” não deixou de ser

uma presença incontornável nos últimos Jogos do milénio.

Nunca uns Jogos Olímpicos foram tão punitivos. Medalhas foram retiradas e atletas

foram desclassificados por acusarem substâncias proibidas.

Para garantir que Sidney fosse o palco dos melhores Jogos de sempre, a organização

deixou bem clara a sua intenção de lutar contra o “doping”. Foram desenvolvidos novos

processos para a despistagem da eritropoietina (EPO); o controlo nas alfândegas foi mais

apertado que nunca e várias foram as apreensões de substâncias proibidas. Ficaram também

famosos os raides-surpresa aos aposentos das comitivas, que também resultaram em

apreensões.

Durante os Jogos foram efectuados cerca de 3600 testes – mais do que em qualquer

outra edição – que, de acordo com os números oficiais, tiveram menos de 0,5 por cento de

resultados positivos, correspondentes a nove atletas dopados durante as provas. E será esta

uma das razões apontadas pelos responsáveis para que, por exemplo, não tenham sido

estabelecidos recordes do mundo no atletismo – algo que já não se verificava desde Londres

1948.

As medidas restritivas começaram logo a fazer baixas. Antes de os Jogos começarem,

o Comité Olímpico Chinês expulsou 27 atletas da sua comitiva, a maioria dos quais da

equipa de natação e atletismo.

A ginasta romena Andrea Raducan perdeu a sua medalha de ouro porque o teste

efectuado após a competição acusou a presença do estimulante pseudo-efedrina, um produto

incluído na composição de um medicamento que a atleta tomou para tratar uma gripe e que é

proibido pelo C.O.I.. Aqui parece ter havido alguma negligência ou irresponsabilidade do

médico que receitou o comprimido errado.

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Carlos Jaca 20

De qualquer modo Andrea foi o exemplo utilizado nos Jogos de Sidney para mostrar

que o juramento olímpico feito pelos atletas, onde se comprometem a não fazer batota, era

mesmo para cumprir.

A missão portuguesa aos Jogos de Sidney regressou com duas medalhas de bronze e

outros tantos recordes no bornal. O pecúlio é magro tendo em conta as expectativas com que

partiu.

Efectivamente, a verdade é que até ao início da competição foram escassas as críticas

e instalou-se a convicção de que tudo tinha sido feito com tal rigor, que os resultados seriam,

obrigatoriamente, melhores do que os de Atlanta. Porém, não o foram.

Fernanda Ribeiro (10 mil metros) e Nuno Delgado (judo) foram os melhores,

arrebatando a medalha de bronze. Só que estes casos não apagam as desilusões

protagonizadas por aqueles de quem mais se esperava.

De facto, a última campanha olímpica do milénio pode ter desagradado a muitos

portugueses mas, pelo menos, fez ressaltar um pormenor digno de registo: Armando Vara, o

então titular da pasta do Desporto, assumiu sem tibiezas estar disposto a avançar com uma

candidatura de Portugal aos Jogos de 2012.

Concluindo:

Podemos afirmar que a Austrália foi a grande vencedora dos Jogos Olímpicos do ano

2000. Um povo verdadeiramente extraordinário num país que ainda se sente ser futuro.

Todos os recintos estiveram cheios, foram batidos todos os recordes de venda de bilhetes

(mais de 90 por cento) e tornou-se evidente que é difícil encontrar um povo com uma cultura

desportiva assim. Entusiasmo transbordante em relação aos seus atletas e um respeito digno e

raro pelos campeões dos outros países. Simplesmente notável.

Atenas – 2004

Os Jogos Olímpicos voltam ao berço. Em termos simbólicos, significa o regresso aos

fundamentos do espírito olímpico. Mas também aos fundamentos da civilização ocidental, o

que poderá tornar a capital grega no alvo do terrorismo fundamentalista.

“O Desporto é, aliás, a contradição da guerra, o verso desse reverso humano que é a morte em batalha e, por isso, o Desporto assume desde tempos imemoriais, a sua condição de inquestionável parceiro da paz”. (Vítor Serpa – “A Bola” 20/3/2003)

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Carlos Jaca 21

Na Grécia Antiga, como já referi, paravam as guerras para que os homens,

confraternizassem nos Jogos Olímpicos, hoje, infelizmente, o Desporto não tem tal poder e é

ele que pára, para que os homens se guerreiem.

Pelo menos no nosso país, talvez por via do Euro-2004, as pessoas parecem

esquecidas dos Jogos Olímpicos de Atenas que, no momento em que faço a abordagem

possível, estão à distância de pouco mais de sessenta dias.

De 13 a 29 de Agosto a capital da Grécia recebe o maior evento desportivo mundial –

os Jogos Olímpicos representam, sem dúvida, a maior e mais variada manifestação

desportiva, é um planeta inteiro que neles está exaltado.

História e tradição são os trunfos que Atenas irá jogar na tentativa de tornar

memorável mais uma edição dos Jogos Olímpicos. Durante duas semanas a capital grega

prepara-se para ser o centro do mundo, ela que viu nascer os Jogos – em 776 a.C. – e foi

berço dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1896. Em Setembro de 1997, a

capital helénica soube que fora escolhida pelo Comité Olímpico Internacional (C.O.I.) para

albergar a 28ª edição dos Jogos.

Desde então, deitou mãos à obra, mas, passados quase sete anos, os problemas

tendem a não ter fim. Derrapagens orçamentais, obras

que parecem intermináveis e falta de camas para albergar

os visitantes levam os mais cépticos a acreditar que

Atenas não estará à altura do acontecimento.

Atenas tem, ainda, um longo caminho a percorrer

quando faltam pouco mais de dois meses para o início

dos Jogos Olímpicos. Mas, há quem acredite que esse difícil caminho conduzirá ao sucesso.

Pelo menos Gianna Angelopoulos – Daskalaki, presidente do Comité Organizador dos Jogos,

garante que os espectadores descobrirão uma nova Grécia e os Jogos Olímpicos serão uma

festa única da história antiga, da Grécia Moderna e do desporto mundial. Esta ideia é

corroborada, em parte, por Jacques Rogge, presidente do Comité Olímpico Internacional

(C.O.I.), que não deixa de avisar para a necessidade de cumprir todos os prazos estipulados.

Em Fevereiro do ano corrente, afirmava: “Atenas progrediu muito nos últimos dez meses. É

realmente impressionante constatar a forma como as obras têm evoluído. Contudo, é preciso

não esquecer que existem prazos para cumprir que, em alguns casos, são muito apertados

mas penso que não existem motivos para alarme”.

Efectivamente, para que tudo corra na perfeição, trabalha-se dia e noite a fim de que

Atenas esteja à altura do enorme desafio. Porém, ainda há muito que fazer, e as dores de

cabeça aumentam a cada dia que passa.

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Carlos Jaca 22

A tão pouco tempo do início dos Jogos, o que deveria ser uma longa maratona está

transformada num louco “sprint” de construção civil. A preocupação da comunidade

olímpica está nos limites, mas os gregos continuam a sublinhar que Atenas está pronta a

tempo e horas e que os Jogos não só serão uma realidade, mas também os melhores de

sempre.

Refira-se que entre as muitas obras ainda por concluir, a que reúne maior

preocupação é a instalação da cobertura de vidro e de aço do Estádio Olímpico de Atenas,

curiosamente idealizado pelo espanhol Santiago Calatrava, o mesmo que pensou a Gare do

Oriente, em Lisboa.

Este projecto que impressiona pela imagem, assume números que podem até justificar

a morosidade do seu processo de montagem. Os dois enormes arcos suportarão a estrutura

translúcida, de onde sairão os focos de 2500 projectores luminosos, com 5000 quilowatt,

energia suficiente para iluminar um aeroporto ou uma pequena cidade de 2000 habitantes.

A estrutura foi objecto de aturados estudos de engenharia e aerodinâmica, capaz de

suportar os efeitos de um sismo até oito pontos

na escala de Richter, ou ventos até 120 Km /

hora. A água, da chuva ou bombeada,

propositadamente sobre a cobertura,

proporcionará um efeito refrescante sobre os

espectadores. Depois de recolectada, será

bombeada junto às bases dos arcos (cada um com

o peso de 9000 toneladas), para criar efeitos de

quedas de água no exterior do estádio.

O problema será a colocação das gigantescas estruturas sobre as bancadas, tendo para

isso que ser içadas e deslizadas cerca de 70 metros, e à velocidade

de 5,70 metros por hora, antes de se ligarem no topo do estádio.

Quando iniciados os trabalhos, por mais de uma vez já adiados,

levarão duas semanas a completar.

A par dos atrasos das obras, os factos inerentes ao 11 de Setembro só complicaram

ainda o que já parecia complicado. E o 11 de Março foi a última gota. Os orçamentos

estoiraram. A segurança se já era prioridade, passou a ser uma natural obsessão e … nada há

de estranho nisso.

De facto, a menos de três meses da inauguração dos Jogos Olímpicos de Atenas, é na

Grécia que se vive a maior obsessão securitária.

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Carlos Jaca 23

Todos os comboios com destino a Atenas atravessam necessariamente a instável

região dos Balcãs, o que faz da segurança dos carris uma prioridade absoluta. Mas o lema das

autoridades gregas parece ser “não facilitar”, por isso apostam numa segurança apertada em

qualquer via de comunicação.

Desde 10 de Março, que esteve em curso um grande exercício de segurança com o

nome de código “Escudo de Hércules 2004”.

Durante duas semanas, cerca de 400 militares

norte-americanos, 1500 gregos e peritos

britânicos, alemães, israelitas e canadianos

estudam formas eficazes de anular qualquer tipo

de ameaça, desde desvio de aviões até ataques

com “bombas sujas”.

Em meados de Março, um grupo

autodenominado “Luta Revolucionária”, tornava mais do que justificado o porquê de tanta

preocupação, ao reivindicar uma tentativa de ataque à bomba contra uma filial do Citibank

nos subúrbios de Atenas. Em comunicado divulgado, o grupo legitimava a tentativa de

atentado com o envolvimento da NATO na segurança das Olimpíadas.

Na madrugada de 5 de Maio, três bombas de média potência explodiram nos

arredores de Atenas, em Kallithea, acontecendo separadamente no espaço de 45 minutos,

próximo dos hotéis que receberão os dirigentes olímpicos, em Agosto. Os engenhos

apresentavam semelhanças com outros utilizados em Setembro passado pelo grupo terrorista

grego de extrema-esquerda, o “Luta Revolucionária”, em frente de um tribunal em Atenas.

A segurança durante os Jogos é um assunto que preocupa os especialistas,

acreditando ser o evento um alvo preferencial de grupos terroristas. E o certo, porém, é que

alguns grupos contrários aos Jogos têm manifestado a sua oposição à realização das

Olimpíadas. Segundo o “site” da B.B.C., alguns grupos de esquerda são contrários aos Jogos

que classificam como festa capitalista. Fora de questão parece ser a relação com o terrorismo

islamista, mas pode ser sinal da existência de operacionais de organizações extremistas de

esquerda, colocando em causa o desmantelamento total, a 17 de Novembro, do grupo “Luta

Revolucionária Popular”.

Em Abril, os responsáveis do Estado-Maior das Forças Armadas gregas e a NATO

estiveram reunidos para discutir os detalhes da ajuda da Aliança Atlântica à Grécia durante

os Jogos Olímpicos. A reunião teve como objectivo “examinar a maneira e os detalhes da

ajuda da NATO” à Grécia, para garantir a segurança durante os Jogos.

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Carlos Jaca 24

Conforme comunicado do Estado-Maior grego, a ajuda da Aliança Atlântica vai

abranger o controlo aéreo, através da utilização de aviões de reconhecimento Awacs, e a

vigilância marítima, levada a cabo pela força permanente da NATO estacionada no

Mediterrâneo, a “STANAFORMED”. A Aliança Atlântica vai também colocar à disposição

da Grécia um batalhão multinacional para enfrentar um ataque terrorista, químico e

biológico.

A tentativa de fazer renascer a tradição antiga de um cessar de hostilidades durante os

16 dias dos Jogos Olímpicos é apadrinhada por Nelson Mandela, ex-presidente da África do

Sul e Nobel da Paz. A iniciativa grega é apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU)

e pelo Comité Olímpico Internacional (C.O.I.). O Papa João Paulo II, também ele laureado

com o Prémio Nobel, juntou-se ao apelo: “Espero que num mundo problemático e incerto o

desporto possa ser uma manifestação feliz de companheirismo e fraternidade de todas as

comunidades. Apelo a uma verdadeira trégua para que o espírito da paz estimule aquelas que

são as bases dos Jogos Olímpicos e que este se espalhe por todas as sociedades e

continentes”.

A Grécia preparou já uma campanha que vai difundir por todos os países, e nos

diferentes cartazes poderá ver-se desportistas a saltar por cima de arame farpado, ao mesmo

tempo que enviará cartas à Índia, Paquistão, Israel e Palestina pedindo que respeitem a trégua

olímpica.

O primeiro exemplo parece vir das Coreias, à semelhança do que aconteceu em

Sidney, em que os representantes do Sul e do Norte transportaram uma bandeira conjunta. Ri

Tong Ri, responsável da Coreia do Norte nos Jogos Asiáticos de Inverno, admitiu a

possibilidade de a sua equipa marchar ao lado da Coreia do Sul, em Atenas, ou até mesmo

competir com uma só equipa.

Chama Olímpica. A cerimónia pagã do acender da tocha olímpica teve lugar no

passado dia 21 de Março, nas ruínas da Olímpia Antiga, no templo de Hera, onde a grande

sacerdotisa – interpretada pela terceira vez pela actriz grega Thalia Prokopiou – invocou

Apolo para acender a chama, a qual foi, posteriormente, colocada num vaso de cerâmica e

transportada para o estádio de Olímpia. Após a dança das vestais, realizada ao som do

tambor, a tocha olímpica foi finalmente acesa pela grande sacerdotisa e entregue ao primeiro

dos onze mil estafetas que a irão transportar, o lançador de dardo grego Constantin

Gatsioudis.

Entre as onze mil pessoas que carregarão a chama no seu périplo global não estão só

atletas. Embora seja o referido grego, Gatsioudis, a ter a honra de inaugurar a passagem do

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Carlos Jaca 25

testemunho, o príncipe Alberto do Mónaco e a actriz Angelina Jolie também se associaram a

esta estafeta universal.

Na primeira fase do périplo mundial da tocha olímpica, esta viajou por toda a Grécia,

tendo chegado a 31 de Março ao estádio de mármore de Atenas – berço dos Jogos da Era

Moderna em 1896 – onde ficou depositada. Apenas a 4 de Abril partiu para a 2ª fase do

percurso, que pela primeira vez atravessará mesmo os cinco continentes. Depois de 78 mil

quilómetros percorridos, a tocha olímpica, que tem a forma de uma folha de oliveira, símbolo

da Grécia e da paz, regressa às origens, onde a 13 de Agosto estará no Estádio Olímpico, para

a cerimónia de mais uma abertura dos Jogos Olímpicos de Verão.

Nenhuma cidade portuguesa faz parte do roteiro que a chama olímpica iniciou em 25

de Março, na Grécia. Aliás, o mais próximo que esta imagem moderna de um ramo de

oliveira alumiado vai estar de Portugal, será … Barcelona, em 27 de Junho. A chama apenas

vai às cidades onde já decorreram os Jogos Olímpicos. Só num caso, ou noutro, passará por

locais que nunca realizaram olimpíadas.

A este propósito, Vicente de Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal,

afirmou não perder a esperança de ver Portugal como último anfitrião da tocha: “Organizar

os Jogos Olímpicos é um sonho antigo meu. Para quando uma candidatura portuguesa?

Deixemos passar o Euro 2004. Depois logo se vê”. Ainda bem que não passará de um sonho.

Bom, no caso de Portugal vir a organizar os Jogos Olímpicos, teria pelo menos três

medalhas garantidas (ouro, prata e cobre) na modalidade de “lançamento” de… impostos!

Adiante.

A união de culturas pretendida pelos gregos não é apenas geográfica. Por isso, à

passagem pelo Cairo (Egipto) será um camelo a transportar a tocha, em Nova Deli (Índia) um

elefante, e o périplo não acabará sem a chama viajar de avião, carro e comboio.

Aldeia Olímpica. É na Aldeia Olímpica que mais de 16.000 pessoas – entre atletas,

treinadores e restantes comitivas – vão ficar hospedadas durante os Jogos. Dividida em duas

zonas – área de residência e área de lazer – este espaço, cuja superfície total ascende a um

milhão de metros quadrados, fica situado nas imediações de Atenas e será inaugurado a 30 de

Julho. O ambicioso projecto prevê que o complexo seja espectacular: piscina olímpica, pista

de atletismo, quatro courts de ténis, cinema ao ar livre, vários cafés e uma… discoteca, são

algumas das facilidades que os atletas poderão encontrar. Tudo isto na área de lazer,

enquanto a residencial comportará, além dos indispensáveis quartos, salas de conferência,

restaurantes, uma clínica e várias igrejas.

Será no meio da Aldeia Olímpica, relativamente perto da entrada, que os atletas

portugueses vão ficar alojados durante os Jogos de Atenas, após a escolha do local ter sido

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feita com muita antecedência pelo Comité Olímpico de Portugal. Como vizinhos vamos ter a

delegação anfitriã e a comitiva dos Estados Unidos da América, o que significará, muito

provavelmente, que a segurança será redobrada. Duzentos e quarenta milhões de euros é

quanto custa a Aldeia Olímpica, o mais caro projecto dos Jogos.

Alguns números: 28 modalidades em 38 competições, 10.500 atletas e 301

cerimónias de medalhas; 202 comités olímpicos participantes, 21.500 jornalistas esperados

em Atenas e 15.000 quartos de hotel na área da capital grega; 4 mil milhões de

telespectadores e 5,5 milhões de bilhetes colocados à venda, a quatro preços diferentes;

40.000 elementos da força especial de segurança e 45.000 voluntários; orçamento global em

euros, 4.400.000.000.

Portugal, apesar de todas as carências estruturais que impedem um desenvolvimento

mais rápido do nosso desporto, estará em Atenas com uma representação que, julgo,

quantitativamente não andará muito longe daquela que esteve presente em Sidney.

O nosso país tem algumas responsabilidades nos Jogos, tem tido comportamentos

brilhantes e, até, “dourados”, motivos suficientes para que as suas representações tenham

sempre de ser acompanhadas de preparações condignas. Mas… os atletas inseridos na alta

competição estão sem receber o respectivo subsídio de apoio desde Janeiro, situação que se

mantinha, ainda, em meados de Maio. É evidente que o nível de vida dos portugueses, e

consequentemente da maioria dos desportistas, sofre de graves limitações.

Assim, àqueles que estiverem em Atenas, e estarão por mérito próprio porque

alcançaram os mínimos estabelecidos, não se pode, nem se deve exigir vitórias nem

medalhas, mas esperar que façam o melhor na altura de competir. E mais: que a sua

participação seja sempre feita com dignidade dentro e fora dos estádios, ou dos outros

recintos.

A bracarense Raquel Felgueiras alcançou no passado dia 15 de Maio os mínimos para

os Jogos de Atenas, ao nadar os 200 metros mariposa, num novo recorde pessoal de 2.13,08

minutos, nos campeonatos da Europa de natação, que decorreram em Madrid.

A atleta do Clube de Natação de Vila Verde prepara, desse modo, a sua segunda

presença nos Jogos Olímpicos (também esteve em Sidney), igualando sua antiga colega do

Sporting de Braga Ana Alegria, única nadadora presente em duas Olimpíadas.

O navio-escola Sagres será embaixador itinerante de Portugal nos Jogos Olímpicos de

Atenas, quando permanecer pela primeira vez atracado ao porto do Pireu (Atenas) de 12 a 19

de Agosto.

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O navio-escola Sagres vai fazer-se ao mar em Portimão a 28 de Julho, escalando nos

portos de Corfu e Pireu. Este navio da marinha portuguesa tem 67 anos e já navegou o

equivalente a 21 voltas ao mundo.

Bibliografia consultada

Carvalho, A. Melo de e Constantino, José Manuel – “O que é o Olimpismo?” – Livros Horizonte.

Comité Francês Pierre de Coubertin – “Manifesto para a salvaguarda do Olimpismo e dos Jogos Olímpicos””

– Ministério da Educação e Cultura. Lisboa, 1978.

Conselho da Europa – “Os Jogos Olímpicos e as suas perspectivas futuras” – Tradução de Maria Eduarda

Gusmão. Ministério da Educação e Cultura. Agosto, 1986.

Esteves, José – “Racismo e Desporto”. Básica Editora.

Fernandes, Rui – “Jogos Olímpicos”. Porto Editora.

Marreiros, João – “Jogos Olímpicos e Olimpismo”

Pereira, Maria Helena Rocha – “Hélade”, Antologia da Cultura Grega – organizada e traduzida do original.

Coimbra, 1959.

Peredo, Miguel Gusmán – “A História dos Desportos Olímpicos”. Círculo de Leitores. Junho, 1992.

Sérgio, Manuel – “Ao Redor do Olimpismo” – “Seara Nova”, N.º 1569, Julho 1976.

Sérgio, Manuel – “Heróis Olímpicos do Nosso Tempo” – Prefácio de Urbano Tavares Rodrigues.

Compendium.

Seppänen, Paavo – “As Olimpíadas, uma perspectiva sociológica” – Ministério da Educação e Cultura. Maio,

1978.

Jornais: “A Bola”, 24/1/96, 31/1/96, 20/3/2003, 13/2/2004, 23/3/2004, 12/4/2004, 6/5/2004,9/5/2004; “Diário

do Minho”, 16/5/2004; “Diário de Notícias”, 1/4/2004; “Público”, 26/3/2004, 5/5/2004, 6/5/2004;

Revista “Expresso”, 20/3/2004; Revista “Pública”, 28/12/2003.

Obviamente com exclusão da parte referente a “Atenas-2004”, o texto apresentado foi objecto de uma

conferência, “De Atenas a Sidney”, proferida no auditório da Escola Secundária de Alberto Sampaio, em 14 de

Novembro de 2000, e que teve a valiosa colaboração da minha querida amiga Dra. Teresa Vilaça, aliás, como

tem acontecido muitas outras vezes.