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ano 2 – número 6 – novembro 2006 EDUCAÇÃO Os esforços e os obstáculos para se promover a pedagogia da juventude www.ondajovem.com.br

Onda Jovem #6

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Os esforços e os obstáculos para se promover a pedagogia da juventude www.ondajovem.com.br ano 2 – número 6 – novembro 2006 ESTÃO FORA DA ESCOLA 18 % DOS JOVENS DE 15 A 17 ANOS JOVENS ESTUDAM À NOITE Os estudantes de ensino médio são 9 milhões sonar FOTOS: HENK NIEMAN COMUNIDADE ASSEGURA VAGAS em São Paulo pág. 8 EM UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO pág. 40 Iniciativas buscam melhorar o Projeto atua em escolas públicas 3

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Page 1: Onda Jovem #6

O Instituto Votorantim apóia essa causa.

E quer ver muitos jovens fazendo sucesso na capa.

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EDUCAÇÃOOs esforços e os obstáculos para se promover a pedagogia da juventude

Porque, desde que foi criado, em 2002, para qualifi car o investimento social do Grupo Votorantim, o Instituto Votorantim abraçou a causa juvenil, apoiando tecnologias sociais nas áreas de educação e trabalho, favorecendo articulações e disseminando conhecimento para promover o desenvolvimento integral do jovem.

Nessa perspectiva, Onda Jovem é um projeto de comunicação a serviço da difusão de idéias e práticas, compartilhando as visões de educadores, jovens, gestores públicos, pesquisadores, formadores de opinião e outros segmentos que lidam com a juventude nas diferentes áreas.

A revista é quadrimestral e distribuída gratuitamente em todo o país. Os conteúdos estão disponíveis também no portal www.ondajovem.com.br, com acréscimos exclusivos como os planos de aula, que sugerem a aplicação dos textos em dinâmicas e atividades de refl exão com jovens.

www.ondajovem.com.br

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sonar

18% DOS JOVENS DE 15 A 17 ANOS

ESTÃO FORA DA ESCOLA

Os estudantes de ensino médio são 9 milhões

OS UNIVERSITÁRIOS ENTRE

18 E 25 ANOS SÃO MAIS DE 2 MILHÕES

Mais de 5 MILHÕES DE JOVENS ESTUDAM À NOITE

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Iniciativas buscam melhorar o

ESTÃO FORA DA ESCOLA

JOVENS ESTUDAM À NOITE

COMUNIDADE ASSEGURA VAGAS EM UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO pág. 40

ensino noturno pág. 56

Projeto atua em escolas públicas em São Paulo pág. 8

SOCIEDADE APÓIA ESTADO EM PROL DO ENSINO MÉDIO EM PERNAMBUCO pág. 18

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âncoras

“A preocupação é só com conteúdos, mas escola também é lugar de aprender a conviver, de autoconhecimento, de formação de identidade, de preparação para o mundo do trabalho.”

Guilherme Pereira dos Reis, de 16 anos,

está no ensino médio e faz cursinho para o vestibular em Brasília

“Há muitos sinais de que a relação entre escola e juventude tem sido bastante tensa e conflituosa.”

Ana Paula Corti

é socióloga, assessora da ONG Ação Educativa

“Se o professor não sabe, vai aprender; se estiver sem motivação, se motiva, mas é muito importante que os alunos se mobilizem para conquistar uma boa formação.”

Caio Miranda Carneiro, 24 anos,

presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

“A escola piorou. Agora, a galera não quer ficar lá nem pagando. Na minha época, também não queria ficar, mas não saía. O atrativo do ensino está cada vez mais fraco.”

Ferréz,

escritor paulistano

“O ideal da educação são professores dedicados a ensinar.”

Neemias Pinheiro de Oliveira, 18 anos,

está no 2º ano do ensino médio e faz o curso de operador têxtil

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“O grande prêmio é acompanhar o educando, que entra para as aulas cansado, carente, sem auto-estima e sai da escola valorizado, com mais conhecimentos e um novo olhar sobre si mesmo.”

Beatriz Steffan,

da Escola Estadual Cruzeiro, em Santa Rosa (RS), premiada pelo projeto de melhoria do ensino médio noturno

“Formular políticas de ensino médio sem levar em consideração a situação de escolaridade e emprego da juventude é errar o alvo.”

João Batista Araujo e Oliveira,

especialista em educação, autor do livro “A Escola Vista por Dentro”

“Procuro me esforçar ao máximo para aprender com os meus professores, que são excelentes.”

Marco Grillo Trindade, 17 anos,

está concluindo o ensino médio numa escola particular no Rio de Janeiro

“O ensino médio tem entre suas finalidades o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos, e a preparação básica para o trabalho e a cidadania”.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96)

“A educação escolar no Brasil é excludente: é de boa qualidade para os ricos e de má qualidade para os pobres.”

Leilane Mouzinho Domingos, 18 anos,

estudante do 2º colegial em Fortaleza RO

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ano 2 - número 6novembro 2006/fevereiro 2007

Um projeto de comunicação apoiado pelo Instituto Votorantim

Projeto editorial e realizaçãoFátima Falcão e Marcelo NonatoOlhar Cidadão – Estratégias para o Desenvolvimento Humano www.olharcidadao.com.br

Direção editorialJosiane Lopes

Secretaria editorialLélia Chacon

Projeto gráficoArtur Lescher e Ricardo van Steen(Tempo Design)

Colaboradorestexto: Abdalaziz Moura, Ana Paula Corti, Aydano André Motta, Cândido Alberto Gomes, Cecília Dourado, Celso Ferretti, Helder Bueno Leal, Jane Soares, João Batista Araújo e Oliveira, Karina Yamamoto, Liana Melo, Luzia Rodrigues, Marcelo Barreto, Marco Roza, Maria do Carmo Brant, Marilena Dêgelo, Yuri Vasconcelos

foto: Antônio Cabral, Arnaldo Carvalho, Arnaldo Maciel, Beatriz Assumpção, Bruno Garcia, Estevam Scuoteguazza, Deise Lane Lima, Diego Guzella Lopes, Felipe Barra, Francisco Valdean, Henk Nieman, Humberto Nicoline, José Sinésio da Silva, Márcia Zoet, Marcio Wachholz , Nonato Souza, Ratão Diniz, Risonaldo Cruz, Roberta França, Rose Peres

ilustração: Flávio Castellan; Equipe da Agência Quixote Spray Arte; Grupo Giro, do curso de Design Social do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

Capa:Henk Nieman

Apoio editorial: Vinícius Precioso(Instituto Votorantim)

Revisão: Eugênio Vinci de Moraes

Agradecimento: Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo, de São Paulo

DiagramaçãoSilvina Gattone (D'Lippi Editorial)

Tratamento de ImagemAnderson Torres (D'Lippi Editorial)

Fotolito DLippi Editorial

ImpressãoIpsis

Como entrar em contato com Onda Jovem:E-mail: [email protected]ço: R. Dr. Neto de Araújo, 320 – conj. 403,São Paulo, CEP 04111 001 Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464 – wwww.ondajovem.com.br – um portal para quem quer saber de juventude

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8 – Navegantes Rapazes e moças de diferentes regiões do país contam como estão se educando e quais são suas expectativas em relação à educação14 – MestresAs contribuições de um professor indígena, de uma professora do ensino médio público e de uma educadora popular do Recife à educação juvenil

18 – Banco de PráticasQuatro propostas para melhorar o ensino médio público, a educação de jovens e adultos, o acesso à universidade e a formação de jovens em situação de risco

22 – Caminho das PedrasComo o programa SuperAção, do Instituto Ayrton Senna, superou os obstáculos e se tornou uma política pública em São Paulo e outros estados

26 – Horizonte GlobalA educadora equatoriana Rosa María Torres explica, em entrevista exclusiva, como instituições do terceiro setor podem colaborar com a educação regular

28 – SextanteEm Busca de Esperança – O especialista em educação João Batista Araújo e Oliveira diz que o ensino médio tem de se ajustar à realidade dos jovens

30 – 90 GrausEducação e Escola – A socióloga Ana Paula Corti escreve sobre a distância real e simbólica que existe entre a escola e os jovens estudantes

34 – 180 GrausEducação e Trabalho – O professor Celso Ferretti escreve sobre as relações contraditórias entre a educação e o acesso ao mercado de trabalho

38 – 270 GrausEducação do Campo – Abdalaziz Moura escreve sobre o fator cultural que leva a sociedade brasileira a desvalorizar a permanência do jovem no campo

42 – 360 GrausEducação e Universidade – Cândido Alberto Gomes e Helder Bueno Leal escrevem sobre a supervalorização do terceiro grau na sociedade brasileira

46 – Sem BússolaA juventude enfrenta as provações – e às vezes fica de fora – de um sistema educacional com investimentos desequilibrados e uma cultura discriminatória

52 – O Sujeito da Frase“O modelo de escola não funciona” – o escritor paulistano Ferréz, autor de livros sobre a periferia, acha que a educação deve se aproximar dos jovens

56 – Luneta 1Um panorama do ensino noturno, que potencializa as mazelas da educação brasileira, mas que também desenvolve algumas experiências inovadoras

60 – Luneta 2A doutora em Serviço Social Maria do Carmo Brant de Carvalho escreve sobre o conceito e as questões que envolvem a educação integral no Brasil

64 – .Gov.comO complexo universo da EJA - Educação de Jovens e Adultos, que reúne jovens em busca da escolarização perdida, da alfabetização ao ensino médio

68 – CiênciaOs meandros psicológicos e cerebrais da motivação, essa condição imprescindível para que jovens queiram estudar e professores queiram educar

72 – Chat da RevistaQuatro estudantes debatem a educação e os pontos fracos do sistema educacional brasileiro

Sonar 02

Pistas do todo e de algumas

partes da educação juvenil

Âncoras 04

Alguns conceitos e comentários

sobre educação juvenil

Links 76

Notícias sobre juventude e

terceiro setor

Fato Positivo 78

O tema da diversidade entra nos

debates sobre educação

Cartas 80

As mensagens dos leitores

Navegando 82

O design social dos jovens do

Liceu de Artes e Ofícios da Bahia

24é o número de

projetos com jovens que você

verá nesta edição

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MARATONA ESTUDANTILPor _ Marco Roza

navegantes

O BRASILIENSE GUILHERME PEREIRA DOS REIS, DE 16 ANOS,

se prepara para o vestibular e diz que a escola tem de abrir

mais espaçø aos jovens

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Entre críticas e esperanças, os jovens

buscam na educação o desenvolvimento das novas competências exigidas pelo mundo

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Os desafios que os jovens brasileiros enfrentam in-clui uma espécie de maratona educacional com níveis simultâneos de dificuldades. Além de vivenciar as crises naturais do amadurecimento, os quase 19 milhões de jovens entre 15 e 25 anos que estudam vão descobrin-do que a maratona exige, ao mesmo tempo, a superação de precariedades históricas da educação brasileira e também a consolidação de novas competências, que passam pelo desenvolvimento da auto-estima e a capa-cidade de se expressar e exercer sua cidadania, além do preparo para a inserção no mercado de trabalho.

Os desafios são grandes porque o sistema educacio-nal é a principal referência da sociedade e do mercado de trabalho moderno para selecionar e avaliar o indi-víduo. E, no Brasil, o acesso às ofertas educacionais depende principalmente dos incentivos e investimentos familiares, da automotivação, e, às vezes, de oportuni-dades de educação complementar, oferecidas por ins-tituições não-governamentais. Apesar das dificuldades, muitos jovens avançam e se habilitam para determinar o percurso de suas próprias vidas.

É assim com a pernambucana Bruna Gonçalves da Silva, 18 anos, que cursa, à noite, o 2º ano do ensino médio em uma escola pública de Recife. Ela se define como uma “metamorfose ambulante”, depois de ter aprendido com a Trupe de Teatro da Graúna, de Olinda, a adotar um olhar crítico sobre a realidade. “Hoje, eu me sinto preparada para discutir temas de meu interesse com qualquer pessoa.” Caso também do baiano Daniel Rocha Souza, 22 anos, que participa das atividades da ONG Pangea – Centro do Estudos Socioambientais, de Salvador. “Antes, eu era agressivo no meu jeito de falar e nas minhas atitudes. Agora, sou confiante.”

Muitos jovens precisam mesmo buscar espaços extras de aprendizagem. Segundo Dagmar Zibas, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas na área de educação, a escola pública está precariamente montada, com professores que não conhecem seus

alunos e dão aulas de 45 a 50 minutos para até 800 alunos, distribuídos em várias escolas. “O que esse pessoal está aprendendo?”, pergunta. “Eu vivo com o ensino médio público e minha avaliação é que ele está mal. Os alunos saem com nível de 8ª série. Há muitos analfabetos funcionais, que lêem, mas não entendem o que lêem.”

Ela se refere aos 9 milhões de estudantes do ensino médio regular, mas a juventude brasileira se distribui pelos diferentes níveis de ensino. Re-fletindo a distorção entre idade e série

Novos parâmetrosO quadro é complicado, mas há

esperanças, acredita Lino de Macedo, professor de Psicologia da Universi-dade de São Paulo e autor da matriz teórica do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo Macedo, para um jovem enfrentar e ter oportuni-dades no mundo de hoje, ele tem de ser avaliado de uma maneira que leve em conta outras complexidades, que vão além de eventuais diplomas de segundo grau. Para o especialista, o jovem deve ser percebido como uma pessoa inserida na sociedade

escolar, há ainda cerca de 5 milhões, dos jovens acima de 15 anos, no en-sino fundamental, e quase 2 milhões tentam recuperar a formação escolar em cursos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), equivalente aos antigos supletivos. Os estudantes de nível técnico são menos de 500 mil e, no fim do circuito, mais de 2 milhões estão no terceiro grau.

da informação e sua formação – e posterior avaliação – deve habilitá-lo a ter uma visão crítica, que se apóia em cinco competências: 1. dominar a linguagem; 2. compreender fenôme-nos; 3. enfrentar situações problema; 4. construir argumentações; e 5. elaborar propostas.

“Acredito que essas cinco proposi-ções são como grandes guarda-chu-vas da problemática da cidadania. E eles já são percebidos e praticados”, afirma Macedo. “Temos movimentos

A PERNAMBUCANA BRUNA GONÇALVES DA SILVA, 18 ANOS, desenvolveu no teatro sua capacidade de comunicação

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navegantes

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CLEIA ALICE, 23 ANOS,

da etnia Wai-Wai, cursa Licenciatura Intercultural, na Universidade Federal de

Roraima e leciona em sua aldeia

GUILHERME COELHO ARAÚJO, 21 ANOS,

recém-formado no curso técnico de Metalurgia, em Juiz de Fora, ainda não

conseguiu emprego

O CARIOCA MARCO GRILLO TRINDADE, 17 ANOS,

está concluindo o ensino médio em uma escola particular

e vai prestar vestibular

DANIEL ROCHA SOUZA, 22 ANOS,

cursa o 3º ano do ensino médio em uma escola pública de Salvador e se prepara para

o mercado de trabalho

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de jovens e instituições que, mesmo que não usem e não organizem os projetos com estes nomes, conse-guem ajudar o jovem a articular a linguagem, compre-ender fenômenos e botar na roda esses problemas.”

De fato. Bruna, por exemplo, é acompanhada de perto em um projeto que visa a acelerar a capacidade de aprendizagem dos jovens e criar condições para que se tornem cidadãos. Ela faz parte da Trupe de Teatro da Graúna, dirigida pela psicóloga e educadora artística Mônica Laranjeira Jácome. “Os jovens começaram a trazer temas relacionados com a violência doméstica e sexual e a buscar respostas para direitos sexuais e reprodutivos. Foi quando criamos a Graúna”, diz ela. O grupo usa o teatro como instrumento de apreensão da realidade. Em relação aos jovens, Mônica observa que há “uma melhoria no aprendizado da escola formal e há também uma melhoria no olhar, mais crítico e pro-positivo, sobre a realidade”.

País aforaNo interior de São Paulo, Vanessa Dias Teixeira, 15 anos,

é acompanhada por um programa que acontece dentro da própria escola, em Campinas: a Academia Educar, da Fundação Educar D’Paschoal. Sua vida mudou, na sua própria percepção: “Não sou mais tímida. Se for preciso, eu falo para um auditório de 500 pessoas. Sou voluntária em creches e abrigos de idosos e sei da minha importância. Eu me sinto superpreparada para enfrentar o mundo”, diz a estudante da 1ª série do ensino médio.

A Academia Educar interage com 23 escolas públicas, onde mantém Núcleos de Cidadania Juvenil – grupos de cinco jovens e dois adultos, que desenvolvem ações para melhorar as condições de ensino e de aprendizado. “Neste processo, os jovens aprendem, por exemplo, a ler e a escrever melhor”, diz Telma Ramos, coordenadora educacional da Fundação D’Paschoal. “A gente percebe as transformações diariamente. Os jovens começam a ter

mais senso crítico e levam suas partici-pações para a comunidade.”

No extremo norte do país, a índia Cleia Alice, 23 anos, da etnia Wai-Wai também encontrou apoio para de-senvolver seu aprendizado. Ela faz o curso de Licenciatura Intercultural no Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que mantém 11 ações voltadas para jovens indígenas. A aldeia da estudante fica no município de Caroebe, no sul de Roraima, e lá, onde ela é chamada de Krêa, sua função é dar aulas para crianças de até 14 anos.

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OS JOVENS TÊM CONSCIÊNCIA DAS DIFICULDADES DO

SISTEMA DE ENSINO, MAS ACREDITAM QUE A EDUCAÇÃO

TRANSFORMA O FUTURO

No mundo do trabalhoPreocupado em se preparar para o

mercado de trabalho, Daniel, que cursa o 3º ano do ensino médio em uma escola pública de Salvador, participa de uma cooperativa de jovens artesãos formada pelos alunos de artesanato com materiais recicláveis do Pangea. O projeto integra o programa do Con-sórcio Social da Juventude de Salvador e Região Metropolitana, que é finan-ciado com recursos do Ministério do Trabalho e articula vários movimentos sociais. Segundo José Humberto Silva, professor de Estudos Epistemológicos

“Ensino língua materna (wai-wai), portu-guês, matemática, história, geografia e educação artística”, diz. Ela alterna dois meses de aula na UFRR e dois meses de vivência e ensino na aldeia. Sobre o futuro, não tem dúvida: está “todinho” comprometido com sua comunidade e com seus alunos.

da Aprendizagem na Universidade do Estado da Bahia e coordenador pe-dagógico do Consórcio, os resultados alcançados pelos participantes são medidos pelo desempenho da “ora-lidade e da escrita, e de um refluxo para a Escola Pública”. Mas destaca que o principal fator é a recuperação da auto-estima deste jovem e a busca da superação de suas condições atuais e as dificuldades que encontrará para atingir seus sonhos.

VANESSA DIAS TEIXEIRA, 15 ANOS, 1ª série do ensino médio numa escola pública de Campinas, não tem medo do futuro

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“Concluí o ensino médio e participei do programa de complementação do Cedejor – Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural. Foram 23 meses de aprendizado, principalmente sobre empreendedorismo, mas não só no sentido econômico. Estabeleci algumas metas a partir do meu projeto e plantei 200 pés de morango orgânico para experiência. Estou monitorando os resultados e pretendo plantar 6 mil pés no próximo ano. A principal lição que trouxe de volta para a propriedade rural de 9,8 hectares, em que vivo com meus pais e um irmão mais velho, foi respeitar muito as diferenças e escutar os mais velhos. Com isso, conquistei meu pai. Quando ele viu meu projeto do morango orgânico escrito, ficou tão alegre quanto eu. Ainda mais que estava no papel encadernado. Ele me apóia porque gosta da lavoura e viu que meu projeto faz sentido. Antes, eu só queria arrumar um jeito de ir embora para a cidade. Agora, sempre estou participando de tudo e falando – deixei para trás a timidez. Vou ficar aqui e estou tendo outras idéias para valorizar o lugar da gente. Quero trabalhar com turismo rural e trazer renda para a região. Descobri também que, no meio rural, tenho condições de conquistar uma renda superior aos empregos que poderia ter na cidade. Se cada jovem, um por um for saindo, como é que a área rural vai sobreviver?”

O FUTURO É AGORA

No pré-vestibularAluno da 3ª série colegial do tradi-

cional colégio particular Santo Agos-tinho, na zona sul do Rio de Janeiro, Marco Grillo Trindade, 17 anos, já decidiu a profissão que vai seguir. “Vou prestar vestibular para a área de comunicação e talvez seja repórter de esportes ou de política.” Ele sabe que é privilegiado por freqüentar uma escola com bons professores: “Seria hipócrita se dissesse o contrário”. E busca aproveitar as oportunidades que lhe são oferecidas: “Tento apren-der o máximo com meus professores, que são excelentes”. Mesmo assim,

SILVANA JUCK, 18 ANOS, de Irati, Paraná

E um dos aprendizados nessa fase é que a inserção no trabalho é sempre desafiadora, mesmo para quem está bem preparado. Quatro meses depois de concluir o curso de Metalurgia no Colégio Técnico Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, Guilherme Coelho Araújo, 21 anos, ainda estava sem emprego. Enquanto procura uma chance, ele passou no vestibular para Geografia, à noite, e trabalha na loja de um tio. Mas não desiste. “Sou otimista, vejo um bom futuro para mim. Vou continuar estudando, fazer mestrado e douto-rado, para evoluir tanto social quanto culturalmente.”

Marco não se vê inserido no futuro do país. “Ainda não tenho uma visão do que é que posso fazer para mudar socialmente as coisas.” Mas acha que o estímulo que recebeu do colégio para fazer trabalhos voluntários em um orfanato durante dois anos o ajudou a ter uma visão de mundo mais clara. “E que reforçaram minha vocação para comunicação”, diz.

Bem menos satisfeito com a escola, o brasiliense Guilherme Pereira dos Reis, de 16 anos, também se prepara para o vestibular. Aluno do 2º ano do ensino médio em uma escola pública, ele faz à noite um cur-sinho preparatório para o PAS – Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília, uma alternativa ao vestibular tradicional que é composta de provas anuais. Guilherme ainda não se decidiu entre Artes Cênicas e Arquitetura, mas não tem dúvida sobre as deficiências da educação, principalmente no nível médio. “Precisa melhorar muito. E a preocupação é só com conteúdos, mas escola também é lugar de aprender a conviver, de autoconhecimento, de formação de identidade, de preparação para o mundo do trabalho”, diz. Sob o peso da dupla jornada de estudo e a pressão da expectativa da família quanto ao êxito no vestibular, ele não se sente exatamente despreparado para encarar os desafios. “Eu me sinto é inseguro, porque esta é uma fase em que a gente dá passos muito importantes.”

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CAIO MIRANDA CARNEIRO, 24 ANOS, preside o centro acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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BRE PROJETO CEDEJOR – CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DO JOVEM RURAL

ÁREA DE ATUAÇÃO RIO GRANDE DO SUL (RIO PARDO E SANTA CRUZ DO SUL), SANTA CATARINA (LAURO MULLER) E PARANÁ (IRATI).JOVENS ATENDIDOS 240 jovens.PROPOSTA Evitar a evasão de jovens talentosos no espaço rural, promovendo sua capacitação com foco no empreendedorismo a partir de formação em três eixos: humano (cidadania), gerencial (visão estratégica, gestão) e técnico (sustentabilidade do espaço rural).APOIO INSTITUTO SOUZA CRUZ E PARCERIAS COM O INSTITUTO INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO AGRÍCOLA (IICA), SEBRAE, PREFEITURAS MUNICIPAIS, ÓRGÃOS DE EXTENSÃO RURAL.CONTATO Rodovia Luiz Moura Gonzaga, 4081 – Rio Tavares – Florianópolis (SC) – 88048-300. Tel. 48/3337-6943.

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PROJETO CONSÓRCIO DA JUVENTUDE DE SALVADORÁREA DE ATUAÇÃO REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR (BA)JOVENS ATENDIDOS 4.026 Jovens em três temporadas.PROPOSTA Qualificação pessoal e profissional de jovens com maior risco de exclusão social para inserção no mundo do trabalho, por meio de oficinas variadas de capacitação e noções de ética e cidadania.APOIO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, COM RECURSOS DO FUNDO DE AMPARO AO TRABAHADOR.CONTATO Estação da CTS (Antiga CBTU), s/n – Largo da Calçada – Calçada – Salvador (BA) – 40410-430 Telefax: 71/3312-5450.

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BRE PROJETO TRUPE DE TEATRO DA GRAÚNA – JUVENTUDE, GÊNERO, ARTE E DESENVOLVIMENTO

ÁREA DE ATUAÇÃO OLINDA (PE).JOVENS ATENDIDOS 65 fixos, mais participantes dos projetos específicos.PROPOSTA Trabalhar com jovens nas áreas da educação e da cultura, com foco na defesa dos direitos humanos, qualificação profissional e geração de renda, a partir de oficinas literárias, de arte, comunicação social e artesanato, entre outras.APOIO SAVE THE CHILDREEN, SERVIÇO ALEMÃO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA SOCIAL, MINISTÉRIO DA CULTURA E DO PROGRAMA FOME ZERO DA PETROBRÁSCONTATO Estrada Do Bom Sucesso, 183 – Olinda (PE) – 53240-480. Tel. 81/3494-2986.

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PROJETO ACADEMIA EDUCAR, DA FUNDAÇÃO EDUCAR D´PASCHOALÁREA DE ATUAÇÃO CAMPINAS (SP). JOVENS ATENDIDOS Mais de 1.500, desde 2002.PROPOSTA Oferecer aos jovens oportunidades para que possam transformar seu potencial em competências, com a construção de projetos sociais mediados por educadores adultosAPOIO FUNDAÇÃO EDUCAR D´PASCHOAL.CONTATO Avenida Anton Von Zuben, 2155 –Jd Do Lago Li – Campinas (SP) – 13051-900 – Tel. 19/3728-8208

Na linha de chegadaNem tudo se resolve para quem

passa pelo funil do vestibular. A mineira Klíntia Pereira Freitas, 17 anos, faz o 2º período de Enferma-gem numa faculdade particular em Ipatinga como bolsista do programa do governo federal Universidade para Todos, o ProUni. Klíntia optou por uma escola paga porque os custos para chegar à universidade pública mais próxima estavam fora do seu alcance. “Não teria como arcar com os gastos de viver em Belo Horizonte”, afirma. Ela diz que escolheu enfer-magem para cuidar de gente e se sente, “constantemente”, desafiada a melhorar o mundo, embora, às vezes, tenha medo de ficar restrita ao “mundinho” em que vive. “De qualquer forma, o desafio é enorme e só vai dar certo se todos fizerem a sua parte.”

Fazer a própria parte é a proposta de Caio Miranda Carneiro aos estu-dantes que representa na presidência do tradicional Centro Acadêmico 11

de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Aos 24 anos, ele acredita que o estímulo que o fez atingir o atual estágio veio de seus pais, de alguns bons professores, mas também dele mesmo, como aluno. “São os alunos que fazem a escola”, diz. Segundo Caio, nenhum professor resiste à pressão de uma turma interessada. “Se o professor não sabe, vai aprender; se estiver sem moti-vação, se motiva, mas é muito importante que os alunos se mobilizem para conquistar uma boa formação.” E depois de formados, diz, “os ex-alu-nos deveriam ser convidados a retornar às escolas onde se

formaram para mostrar aos demais que é possível, sim, aproveitar o aprendizado e vencer, em qualquer área”. Para o futuro advogado, porém, não há profissão mais nobre que o magistério: “Um professor sozinho pode mudar definitivamente a vida de uma centena de jovens”.

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PEREIRA FREITAS, 17 ANOS, faz Enfermagem numa faculdade

particular com bolsa do ProUni

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DESCOBERTASUNIVERSO DE A pedagogia que ajuda a desvendar o mundo em torno dos jovens une três educadores

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DESCOBERTAS

Mais de 50 livros publicados em diversas línguas indígenas no Acre. Jovens pobres que melhoram seu desempenho escolar e acham o próprio rumo nos caminhos da arte e da cultura em Recife. Redução da evasão e da repetência numa escola pública de segundo grau no Rio Grande do Sul. Esses são alguns dos resultados do empe-nho de três mestres, que desenvolveram seus esforços pedagógicos para ajudar a desvendar o mundo ao redor dos estudantes: o professor indígena Joaquim Maná, a pedagoga Maria Lúcia Gomes dos Prazeres Faria e a professora Beatriz Vitorino da Silva Steffan. As experiências são diversas, sempre de acordo com o universo em que acontecem, mas têm em comum a busca da qualidade do ensino, o diálogo como ferramenta pedagógica, o resgate cultural e da auto-estima e o objetivo de contribuir para a realização do potencial dos jovens.

Ele próprio um exemplo de que a juventude pode ser o início de uma trajetória melhor, Joaquim Maná viveu grande parte de sua infância fora das aldeias indígenas e não quer que isso aconteça a outras crianças do seu povo e principalmente aos jovens, a quem dedica atenção especial. Maná morou em diferentes seringais, onde seu pai trabalhava, muitas vezes em condições de escravidão. Era analfabeto até os 20 anos, quando aprendeu a ler e a escrever em escolas da Comissão Pró-Índio do Acre. Tornou-se um estudante, vencendo desafi o após desafi o. Terminou o ensino fundamental, continuou a estudar com o programa para o Magistério Indígena e este ano, já com 43 anos, concluiu a licenciatura plena em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Mato Grosso.

Nesse percurso, Joaquim Maná descobriu também a paixão pelo ensino e o respeito por sua cultura. Desde que se alfabetizou, em 1983, tornou-se professor e faz pes-quisas para a elaboração de material para escolas indígenas. Com outros professores, ajudou a desenvolver a Pedagogia Intercultural, que alia o conteúdo da escola regular à pesquisa, ao resgate e ao ensino da diversidade cultural. O foco principal desse trabalho atualmente é o resgate das diversas línguas de seu povo.

Além de professor na sua aldeia, Macuripe, Joaquim é coordenador e um dos fundadores da Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC). A instituição prepara jovens para serem professores e agentes fl orestais, faz pesquisa e publica textos escritos por índios. “Já existem mais de 50 livros publicados que foram escri-tos por índios. Agora, estou fi nalizando um livro com o levantamento dos desenhos e padrões geométricos usados pelo meu povo, Hunikui, em pintura corporal e tecidos”, diz, com orgulho.

O conhecimento reunido enriquece o aprendizado dos índios no ensino fundamen-tal. Mas agora os esforços estão voltados para a juventude. “O próximo passo”, diz Joaquim, “é desenvolver o ensino médio nas aldeias, de forma que os jovens estudem e encontrem formas de sobreviver e não sejam mais obrigados a ir procurar trabalho pouco qualifi cado nas cidades, onde em geral vivem marginalizados.”

Mas Joaquim Maná não defende o isolamento da juventude indígena. Ao contrário, propõe trocas. “Os jovens podem e devem ir para a cidade para adquirir outros co-nhecimentos, porém sempre dentro da perspectiva de que eles também têm a sua contribuição para dar. Não é como se não soubessem nada. Temos o nosso conheci-mento e precisamos dar continuidade a ele”, afi rma.

O ÍNDIO JOAQUIM MANÁ, DA ETNIA HUNIKUI,que alfabetizou-se aos 20 anos e virou professor no Acre: jovens indígenas têm o que trocar com os outros povos

Por _ Cecília Dourado

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Motivação pela arteÉ por meio da arte e da cultura que a pedagoga per-

nambucana Maria Lúcia Gomes dos Prazeres Faria realiza o seu trabalho de educação para a inclusão social de jovens pobres em Recife. Ela é fundadora e vice-presidente do Centro de Formação do Educador Popular Maria da Concei-ção, criado em 1982. O trabalho com jovens “começou na rua, onde nos reuníamos para conversar”, conta Lúcia. “E partiu dos jovens a sugestão de um grupo de música. No começo, o grupo ensaiava com instrumentos empresta-dos, mas depois tomou a iniciativa de ir atrás da prefeitura e acabou conseguindo os instrumentos.”

Hoje, as atividades do Centro incluem música, dança, artes plásticas e outras manifestações culturais em 12 morros da cidade. “A arte facilita a descoberta, pelo jovem, de suas potencialidades. Isso não quer dizer que ele vá se tornar artista, mas vai perceber que tem potencial e que pode conquistar o que quiser”, diz Lúcia.

A metodologia de aprendizagem pela prática cultural desenvolvida por Lúcia tem base numa pesquisa de campo para fazer o resgate cultural local, buscando pre-ferencialmente as raízes negras dessa cultura. “Fazemos visitas, chamamos as pessoas para conversar, realizamos entrevistas, assistimos a vídeos de pessoas que participam de atividades culturais. Começa toda uma discussão, que

é encaminhada para a produção de textos, o estudo de matemática e assim por diante. Quando os alunos estão sendo preparados para trabalhar como educadores populares, a discussão é mais profunda, também com algum embasamento teórico”, explica.

Da busca pelas raízes negras nasceu o projeto Cantando Histórias, atual-mente aplicado na rede municipal de Recife e Olinda. A partir do cancioneiro popular, são feitos estudos da cultura afro-brasileira. Há, por exemplo, uma música que fala de Sundjata, líder da etnia mandinga. Os alunos cantam a música, procuram no mapa o país dele, o Mali, fazem um levantamento das características do país, pesquisam em que regiões do Brasil estão os negros originários do Mali e qual a sua contribuição para a cultura brasileira. Pinturas, novos textos, peças de teatro e outras formas de expressão artística surgem a partir da música.

Além do Cantando Histórias, o Centro promove uma série de atividades com jovens, como o bloco carnavalesco Raízes de Quilombo e oficinas de estímulo na busca de uma profi ssão, onde se discutem as oportunidades e se aprende a identifi cá-las. “Tudo tem o objetivo de levar os jovens a terem uma leitura crítica da realidade. Mas não para fi carem mergulhados no foco da pobreza e sim para buscarem naquele viver os grandes potenciais, que é o que faz com que as pessoas tenham força para lutar por aquilo que querem”, diz Lúcia. “Isso é muito compensador. O que me motiva é mexer com vidas e com a minha própria vida. A cada dia, eu redescubro nesse trabalho as minhas próprias potencialidades e isso me dá muito prazer.”

MARIA LÚCIA DOS PRAZERES: educação e inclusão social de jovens de Recife por meio da prática cultural

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PROJETO CENTRO DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR POPULAR MARIA DA CONCEIÇÃOÁREA DE ATUAÇÃO RECIFE E AÇÕES PONTUAIS NA ZONA DA MATA E AGRESTE DE PERNAMBUCO.PROPOSTA Educar jovens por meio da aprendizagem pela prática cultural, para que se sintam capazes de conquistar seus objetivos.JOVENS ATENDIDOS CERCA DE 300.APOIO PREFEITURAS DE RECIFE E OLINDA, ASHOKA.CONTATO Rua 2 de Fevereiro, 26 – Casa Amarela – 52280-220 – Recife (PE) – Tel. 81/3265-7190. E-mail: mconceiçã[email protected]

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E PROGRAMA PROJETO PEDAGÓGICO DA ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA CRUZEIROÁREA DE ATUAÇÃO SANTA ROSA (RS). PROPOSTA Melhorar o aproveitamento e a qualidade de ensino por meio da valorização do educando, usando o método da Pesquisa.JOVENS ATENDIDOS CERCA DE 380.APOIO SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA, MEC.CONTATO Av. Erico Veríssimo, 248 – 98900-000 – Santa Rosa (RS) – Tel. 51/3511-1367.

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PROGRAMA ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS DO ACRE (OPIAC)ÁREA DE ATUAÇÃO ACRE.PROPOSTA Resgatar, preservar, valorizar e ensinar às crianças e aos jovens a cultura e as línguas indígenas.JOVENS ENVOLVIDOS CERCA DE 4 MIL.APOIO COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DO ACRE, RAINFOREST FOUNDATION (NORUEGA), SECRETARIA DA EDUCAÇÃODO ACRE.CONTATO Rua Pernambuco, 1025 – Bairro do Bosque – 69907-580 – Rio Branco (AC) – Tel. 68/3223-3177.

Com o saber do alunoNa Escola Estadual Cruzeiro, em San-

ta Rosa, no Rio Grande do Sul, as “falas” dos estudantes são a matéria-prima do trabalho pedagógico da professora Beatriz Vitorino da Silva Steffan e sua equipe. É conhecendo a vida dos alunos, por meio da Pesquisa Participante, que essa professora de 50 anos adapta o ensino às necessidades dos jovens que cursam o ensino médio regular e a EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Os pesquisadores são os professores, que vão conhe-cer o local onde os alunos moram e realizam com eles entrevistas e dinâmicas de grupo, encorajando-os a falar ou a escrever sobre os seus problemas e interesses. Uma série de “falas” é então selecionada e discutida com os estudantes em novas reuniões. Depois, são escolhidos os temas a serem abordados em sala de aula, como a questão da qualidade da água que surgiu numa pesquisa recente e motivou uma visita dos alunos a uma barragem que abastece parte de Santa Rosa. Após a visita, feita num fi m-de-semana, o assunto foi explorado em diversas disciplinas: o volume de líquidos, na aula de matemática; a pressão dos motores usados na captação da água, na de física; a questão ecológica e da infra-estrutura, nas aulas de geografi a.

A Pesquisa Participante é feita sempre que os professo-res acham necessário. “A gente nunca esgota a pesquisa porque estamos sempre tratando da realidade”, diz Beatriz. A metodologia se apóia no pressuposto de que o educando tem conhecimentos e que o papel do educador é o de mediar e aprofundar esse conhecimento.

A realidade que envolve o aluno não é apenas material pedagógico. A escola também leva em consideração as

difi culdades encontradas por muitos em conciliar trabalho e estudo. No caso de um imprevisto – uma mudança de turno no trabalho, por exemplo – o aluno pode fazer uma pausa no curso e depois retomá-lo no ponto onde parou. “Em outras escolas, ele perderia o ano por faltas”, diz Beatriz.

Com essa metodologia “baseada no diálogo”, em que a avaliação não é feita por notas, mas por um acompanha-mento geral do aluno pelo professor, a escola conseguiu reduzir a repetência e a evasão escolar. Foi por isso premiada, este ano, no concurso promovido pelo Ministério da Educação sobre formas de melhorar o ensino médio noturno. Para Beatriz, no entanto, o grande prêmio é “acompanhar o educando, que entra para as aulas cansado, carente, sem auto-estima e sai da escola valorizado, com mais conhecimentos e um novo olhar sobre si mesmo”.

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A GAÚCHA BEATRIZ STEFFAN: pesquisa para envolver alunos do ensino médio noturno na Escola Estadual Cruzeiro, em Santa Rosa

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banco de práticas

Por _ Aydano André Motta

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EXERCÍCIOS DE EDUCAÇÃO

Sempre será mais fácil lamentar as carências educa-cionais brasileiras, como se não houvesse solução. Mas há, provam iniciativas desenvolvidas país afora, por gente que resolveu não esperar a providência cair do céu. O caminho pode estar na especificidade do propósito, do Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC); na disse-minação de uma prática pelo país inteiro, do Crer para Ver; na parceria competente com o Estado, do Procentro; ou na rede local para enfrentar a pobreza, da Apôitchá. O ensinamento, aqui, está em fazer – e apontar – um caminho aos jovens.

Os quatro projetos contemplam questões essenciais da educação, como a formação da cidadania. O PVNC, por exemplo, é um movimento social tocado por voluntários que acreditam na causa – facilitar o acesso à universidade pública para jovens que enfrentam simultaneamente situa-ções de pobreza e discriminação. Eles reivindicam também educação de qualidade. As dificuldades são imensas, mas os alunos contam-se aos milhares em vários núcleos espa-lhados pelo Rio de Janeiro. Compensa – e muito.

A batalha por transformar uma realidade de desalento move a Apôitchá, de Lucena, cidadezinha no litoral norte da Paraíba que formou uma rede para salvar seus filhos do alcoolismo e da prostituição. Lá, o incentivo à leitura como caminho para o protagonismo juvenil pavimenta histórias comoventes, como a de um adolescente, filho de uma família destruída pela violência doméstica, que hoje é monitor de teatro.

Ações sociais de todos os tipos, tamanhos e intenções ganham força quando somam parceiros e fortalecem ini-ciativas públicas. O ensinamento está em projetos como o Procentro, que reforma escolas e revoluciona mentes em Pernambuco, unindo governo e iniciativa privada, ou no Crer para Ver, programa da empresa de cosméticos Natura, responsável por reintegrar milhares de jovens na ciranda da educação, e garantir qualidade, contando com o esforço voluntário de seus trabalhadores. A seguir, mais detalhes sobre essas iniciativas.

QUATRO PROPOSTAS PARA MELHORAR AS CONDIÇÕES EDUCACIONAIS DOS JOVENS

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Se a história do Procentro (Programa de Desenvolvi-mento dos Centros de Ensino Experimental) virasse um filme, o título poderia ser: “O caso que virou uma causa”. No começo, em 2000, era apenas a recuperação de um colégio histórico de Recife, o Ginásio Pernambucano. Um grupo de ex-alunos ofereceu ao governo do Estado uma espécie de parceria público-privada para recuperar as instalações e reabrir a escola, em 2004. Com uma gestão profissional e métodos que enfrentam todas as carências

Pernambuco

Projeto Procentro, do ensino médio

A presença quase exclusiva de brancos entre os uni-versitários brasileiros – motivo de ruidosa polêmica ao longo dos últimos anos – motivou um grupo de negros do Estado do Rio de Janeiro. Em 1993, criaram o Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), que reúne educadores inconformados com as dificuldades quase intransponíveis que brasileiros pobres têm de chegar às universidades públicas. O movimento social vai além: prega a articulação dos setores excluídos para a luta pela democratização da educação e contra a discriminação

São Paulo, SP

Crer para Ver, projeto nacional de EJA, da Natura

A pouca renda gerada pela pesca, principal atividade econômica da pequena Lucena, no litoral norte da Paraíba, a mantém a salvo de uma das mais terríveis mazelas brasileiras. Lá, não existe tráfico de drogas, por uma simples razão: faltam compradores. Um problema a menos para resolver, num lugar lotado deles. A pobre-za ameaça os 9 mil habitantes, em especial crianças e adolescentes. Para enfrentar o destino, o projeto Roda Rede, da ONG Apôitchá, incentiva o desenvolvimento juvenil e, em cinco anos, ajudou boa parte dos jovens

Lucena, PB

Projeto Roda Rede, da Apôitchá

O caminho para garantir ao maior número possível de brasileiros o direito à educação passa pela mobilização. Quanto mais gente participar, melhor. A Natura ensina e pratica a lição dentro do programa Crer para Ver, com a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nele, a empresa incentiva a participação de suas 525 mil consultoras – responsáveis pela venda porta a porta Brasil afora – como agentes do retorno de estudantes que haviam abandonado os bancos escolares. A indicação aluno a aluno, de consultora a consultora, parece algo minúsculo.

Rio de Janeiro, RJ

Pré-Vestibular para Negros e Carentes

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EXERCÍCIOS DE EDUCAÇÃO

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a seguir pelo caminho da educação qualificada. O trabalho surge da Rede Participativa, que envolve as quatro escolas públicas, as secretarias de Educação, Defesa Social e Saúde, o Conselho Tutelar e os pais dos alu-nos. Seus alicerces são oficinas de linguagens (leitura, escrita, música, teatro, artesanato, noções de jorna-

Mas os números são impressionantes: desde 2004, foram 77 mil beneficia-dos pelo programa, que vai além da mera indicação de candidatos. Com base nos dados do Instituto Nacional do Ensino Público (Inep), a Natura bus-ca vagas e garante mais qualidade ao ensino. As 1.500 escolas participantes recebem livros para criar uma bibliote-

racial. Disposto em cerca de 40 núcleos que se espalham pela região metropo-litana do Rio de Janeiro – em especial a Baixada Fluminense, um grande bolsão de pobreza –, o PVNC atende a apro-ximadamente 2 mil estudantes, todos com renda familiar de até 1,5 salário-mínimo per capita. Vários professores trabalham em cursinhos tradicionais

do setor – segundo o preceito de co-responsabilidade –, o velho ginásio foi o ponto de partida para uma revolução na educação pernambucana. Passa de 300 o número de empresas que integram a parceria, hoje coordenada pelo Instituto de Co-Responsabilidade de Educação (ICE), responsável por 13 centros de ensino médio implantados

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PROJETO PROCENTRO – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS DE ESTUDO EXPERIMENTALÁREA DE ATUAÇÃO PERNAMBUCO.PROPOSTA Garantir, por meio de um novo modelo de gestão, educação de qualidade a alunos do ensino médio da rede pública, fazendo da iniciativa privada uma parceira. As aulas são em tempo integral e incluem empreendedorismo.JOVENS ATENDIDOS 4.656 em 2006.APOIO CERCA DE 300 EMPRESAS, ENTRE ELAS PHILLIPS, ODEBRECHT, CHESF E ABN/AMRO BANK.CONTATO Tel. 81/2122-6926 – Site: www.procentro.xpg.

de Apoio ao Trabalho Cultural, Histó-rico e Ambiental –, que tem, em seus vários programas, 227 “alunos”, de 6 a 19 anos. “Enfrentamos problemas sérios, como famílias esfaceladas e o incentivo à sexualidade precoce”, diz ela. “Precisamos de uma rede com nós fortes, para nossos peixes não escaparem.”

ca. Há ainda apoio técnico na gestão do projeto e entrega de material aos alunos. As unidades são convidadas a avaliar as atividades desenvolvidas. “Despejar equipamentos somente não resolve. Os parceiros precisam participar do projeto”, diz Maria Lú-cia Guardia, gerente de Educação e Sociedade da empresa. A luta contra

e são voluntários no movimento, que, por determinação em sua carta de princípios, não tem patrocinadores. As turmas usam espaços cedidos por igrejas, escolas e associações de moradores e o trabalho é todo gratui-to, à exceção de eventuais ajudas de custo. “Damos oportunidade a quem tem mais idade e, portanto, enfrentará

ao longo da BR-232, que corta o Estado. “Seguimos a Lei de Diretrizes e Bases, mas interferimos no currículo e apos-tamos na formação dos professores”, diz Marilene Montarroyos, gerente do Procentro. A avaliação é permanente, com a participação dos estudantes e da comunidade. O Procentro cuida da instalação de bibliotecas e laboratórios,

lismo) e o exercício do protagonismo juvenil, em que os jovens decidem as ações que desenvolverão. O trabalho trata desde a questão ambiental até a prevenção sexual, passando pela violência. “A leitura é a via principal para a transformação”, diz a peda-goga Andréa Carrer, coordenadora da Apôitchá – sigla para Associação

a evasão escolar exige ainda suporte financeiro – e de novo, as consultoras da Natura entram em campo, com a venda da linha de produtos Crer para Ver, toda voltada para o programa, que recebeu R$ 20,9 milhões até 2005. “A união de esforços transforma as consul-toras em agentes da transformação”, diz Maria Lúcia.

mais cedo a dificuldade de emprego”, diz Hélio Ventura, coordenador do núcleo de Caxias, ele mesmo ex-aluno do PVNC, hoje formando em Ciências Sociais pela UERJ. “Buscamos também saber o que o aluno pretende com o diploma universitário, porque ele deverá ser mais um agente transformador da sociedade.”

enquanto os custos fixos ficam com os donos dos prédios. Os resultados: o índice de repetência está em 2,4% e a evasão é zero. “O fracasso da escola pública não é só do Estado, mas de toda a sociedade”, resume Bruno Silveira, consultor do Procentro, uma forma de convivência entre público e privado que o Brasil precisa aprender.

PROJETO RODA REDE, DA ONG APÔITCHÁÁREA DE ATUAÇÃO LUCENA (PB).PROPOSTA Desenvolver, com a participação da comunidade, o protagonismo juvenil e promover ações de educação e prevenção a doenças e à violência para jovens da rede pública de ensino, em situação de vulnerabilidade social.JOVENS ATENDIDOS 100.APOIO PREFEITURA DE LUCENA.CONTATOS Rua Américo Falcão, 930 – Centro – 58.315-000 – Lucena (PB) – Tel. 83/3293-1376 – Site: www.apoitcha.org.br.

PROJETO CRER PARA VER – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, DA NATURAÁREA DE ATUAÇÃO NACIONAL.PROPOSTA Levar jovens de volta aos bancos escolares para o término do ensino fundamental, com a participação das consultoras da Natura, incentivando a leitura e o aparelhamento dos colégios.JOVENS ATENDIDOS 77 mil, desde 2004. APOIO SECRETARIAS DE EDUCAÇÃO E GOVERNO FEDERAL.CONTATOS Tel. 0800-115566 – Site: www.natura.com.br.

PROJETO PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTESÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO (RJ).PROPOSTA Criar condições para estudantes discriminados por etnia, gênero ou situação socioeconômica, concorrerem nos vestibulares das universidades públicas em condições concretas de aprovação e inclusão no ensino superior, além de lutar pela democratização da educação.JOVENS ATENDIDOS Aproximadamente 2 mil.APOIO ESCOLAS, ASSOCIAÇÕES DE MORADORES E IGREJAS QUE CEDEM ESPAÇO. A CARTA DE PRINCÍPIOS NÃO PERMITE FINANCIAMENTOS EXTERNOS. ALUNOS PAGAM MENSALIDADES QUE NÃO ULTRAPASSAM 10% DO SALÁRIO-MÍNIMO.CONTATOS Tels. 21/9701-4386 (Alexandre) – 21/9203-4124 (Jocelene) – E-mail: [email protected].

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caminho das pedras

por _ Yuri Vasconcelos

Participantes do programa SuperAção Jovem durante a gravação de um clipe: conexão com a escola

por _ Yuri Vasconcelos

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COM UMA ESPÉCIE DE GAME QUE INVESTE NO PROTAGONISMO DOS ESTUDANTES, O PROGRAMA

Encarar o jovem como solução e não como um problema para a sociedade. Este é o foco do programa SuperAção Jovem, implantado há três anos em escolas de ensino médio paulistas. Desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna, o programa atua na educação complementar, estimulando os jovens a buscarem soluções criativas para os problemas de sua escola e da comunidade, por meio de projetos realizados em equipes e com apoio de educadores. Supe-rando os desafios de sua própria implantação, o programa acontece em escolas que participam do Programa Escola da Família, abertas à comunidade nos fins de semana. É mais um instrumento a fortalecer essa iniciativa, que vem contribuindo também para a redução de ocorrências violentas registradas na rede pública do Estado nos últi-mos anos – algo a comemorar em tempos de tantas más notícias envolvendo a educação brasileira.

O principal instrumento pedagógico e mobilizador do programa é o Game SuperAção, uma fórmula interativa e dinâmica que leva os adolescentes e jovens a transforma-rem a si mesmos e a comunidade à sua volta. No jogo, eles reúnem-se em equipes de, no mínimo, dez participantes, elegem um problema a ser enfrentado na escola ou na comunidade, elaboram um projeto e o inscrevem no Game. Projetos os mais variados podem ser inscritos – e a temática deles vai depender da criatividade, necessida-de e aspirações dos alunos. Valem ações para melhorar

ESCOLA DE CAMPEÕES

SUPERAÇÃO JOVEM, DO INSTITUTO AYRTON SENNA, GANHA ESCALA E VIRA POLÍTICA PÚBLICA

a infra-estrutura da escola, como montar uma biblioteca, campanhas para arrecadação de alimentos, apoio ao aprendizado de adultos ou alunos com dificuldades, busca de solução para problemas ambientais ou criação de um mutirão para construir um posto de saúde para a comunidade em torno da escola.

Durante a dinâmica do jogo, os jovens são estimulados a refletir sobre questões pessoais e aquelas que envolvem o convívio em grupo, as diferenças, a importância da aquisição e criação de conhecimen-tos e a preparação para entrar e per-manecer no competitivo mundo de trabalho. A partir desse posiciona-mento do jovem como protagonista de sua história, o SuperAção con-tribui para formar uma juventude solidária, autônoma e competente, que assuma o seu papel de ajudar e transformar o país.

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Política pública Realizado em horários alternados à aula ou nos fi ns de

semana, o programa é um caso de iniciativa do terceiro setor que vem se transformando em política pública: está implantado em metade das cerca de 5 mil escolas estaduais de São Paulo, que tem a maior rede de ensino da América Latina, atingindo mais de 150 mil jovens. E também acontece, de forma mais pontual, em outras seis unidades da federação (Pará, Ceará, Bahia, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal). Ele vem sendo executado não apenas em escolas, mas também em centros esportivos, organizações não-governamentais e núcleos culturais voltados para a juventude. No total, 576 municípios e 253 mil jovens são atendidos pela iniciativa, o que faz do SuperAção Jovem um dos maiores programas de juventude realizados no país.

Nada, porém, aconteceu da noite para o dia. Antes do lançamento ofi cial, em 2003, o programa passou por uma fase de laboratório, que durou três anos. “No início, ele recebeu o nome de Largada 2000. Nesse período, experimentamos os princípios, os conceitos, os métodos e as práticas num contexto mais restrito. Quando acha-mos que havíamos atingido o formato ideal, ele virou o SuperAção, ganhou escala e tornou-se política pública”, diz Simone André, coordenadora de Juventude do Instituto Ayrton Senna.

CRIAR O AMBIENTE POLÍTICO NECESSÁRIO À ADOÇÃO DO PROGRAMA EM ESCALA, ENVOLVER OS DIRETORES, RESPEITAR A EXPERIÊNCIA DOS EDUCADORES E VENCER A DESCONFIANÇA DOS ESTUDANTES SÃO APRENDIZADOS ACUMULADOS PELO SUPERAÇÃO JOVEM

PROGRAMA EM ESCALA, ENVOLVER OS DIRETORES, RESPEITAR A EXPERIÊNCIA

Estudantes de vários estados participam de atividades do programa SuperAção Jovem: estímulo para atuar dentro e fora da escola

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PROGRAMA SUPERAÇÃO JOVEM, DO INSTITUTO AYRTON SENNAÁREA DE ATUAÇÃO SÃO PAULO, SANTA CATARINA, CEARÁ, PARÁ, MATO GROSSO DO SUL, DISTRITO FEDERAL E BAHIA.PROPOSTA Viabilizar oportunidades para que os jovens desenvolvam seus potenciais como pessoas, cidadãos e futuros profi ssionais pensando em soluções para os problemas de sua escola ou comunidade.JOVENS ATENDIDOS 253 mil em todo Brasil, sendo 150 mil na rede pública de São Paulo. APOIO UNESCO (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA), INSTITUTO VIVO, GRUPO LIDE/EHD (LÍDERES EMPRESARIAIS/EMPRESÁRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO) E SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO (EM SÃO PAULO).CONTATO Rua Dr. Olavo Egídio, 287/16º andar – Santana – São Paulo (SP) – Tel: 11/6974-3000 – Site www.superacaojovem.org.com.PA

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Mas os obstáculos e os desafios para sua implantação foram muitos e de diversos matizes. “Uma condição indispensável para que ele tivesse sido bem-sucedido foi criar um ambiente político favorável. Os líderes políticos do estado, como o governador, o secretário de Educação e o prefeito, bem como os dirigentes de ensino, precisavam ser envolvidos e abraçar a causa da juventude”, diz Simone.

Atingida essa condição, há muitos outros equívocos a evitar neste tipo de experiência. “No princípio, quando o projeto foi implementado em São Paulo, cometemos um erro. Não envolvemos os diretores da escola e o SuperAção enfraqueceu. Percebemos que o jo-vem não conquista um espaço real de participação na escola se o diretor não estiver envolvido”, diz ela.

Outra difi culdade enfrentada pelos gestores e educadores do programa foi o ambiente de desconfi ança mú-tua encontrado nas escolas. “Quando começamos a trabalhar, percebemos que os diretores, os professores, os funcionários e demais adultos viam os jovens como um problema. E estes, por sua vez, também tinham a mes-ma percepção da escola. Havia uma relação tensa entre eles”, diz Simone. “Esse foi o primeiro aspecto que tivemos que trabalhar. Melhorando a relação, tudo o mais fl oresceu. Quan-do o jovem tem a chance de agir como solução, em vez de problema, e tam-bém de ser um parceiro e interlocutor das ações voltadas para ele, em vez de ser mero destinatário, sua atuação solidária, autônoma e competente acaba sendo conseqüência.”

Um aspecto fundamental para o sucesso do programa é o trabalho de formação de educadores e gestores feito pela equipe de agentes técnicos.

O objetivo é prepará-los para lidar com a juventude de uma nova maneira, olhando o jovem pelos seus potenciais e criando oportunidades educativas para que ele os desen-volva e aprenda a fazer suas escolhas. Essa preparação está baseada em uma nova pedagogia do trabalho, em que o protagonismo juvenil, a educação para valores e a trabalhabilidade são caminhos educativos para transfor-mar potencial em competências.

Uma nova atitude Segundo a educadora Maria Regina dos Santos, ex-di-

retora de escola e ex-supervisora de ensino de Caragua-tatuba, cidade do litoral paulista, o impacto do programa na escola é impressionante. “Ele contribui para uma mudança de atitude dos educadores perante os jovens. E o desenvolvimento dos projetos, para além de uma ação externa, é fator de transformação interna dos alunos”, afi rma. Para ela, o sucesso do programa se deve a alguns diferenciais, que têm tudo a ver com a experiência acu-mulada pela equipe do Instituto Ayrton Senna. Um deles é o acompanhamento. “As visitas técnicas à diretoria de ensino e às escolas reforçam as capacitações, aprofundam os conteúdos trabalhados e, principalmente, contribuem para desenvolver uma gestão adequada”, diz.

O segundo diferencial é a forma de atuar: “com” a escola e não “na” escola. “É preciso haver uma relação de respeito e consideração pelo que a escola faz e pelos profi ssionais que estão desenvolvendo seus trabalhos”, diz. Por fi m, a educadora ressalta a natureza teórico-prática do programa. “O SuperAção implementa uma proposta de ação e refl exão e organiza esse processo em todos os níveis. A equipe de coordenação organiza a gestão do programa em sua diretoria de ensino e refl ete sobre o trabalho; os educadores mediam o trabalho e refl etem sobre sua prática pedagógica a partir dos resultados práticos, e os jovens implementam projetos em sua escola e refl etem sobre isso.”

Foi o que aconteceu com a jovem mineira Ivone de Oliveira, de 23 anos, cujo envolvimento com o programa foi tamanho que ela acabou se tornando coordenadora regional do SuperAção no Distrito Federal. “O programa me desafi ou a enfrentar meus medos e, mais do que isso, me deu ferramentas e me preparou para fazer escolhas”, diz ela. “Foi assim que me descobri mobili-zadora. Aprendi que ser protagonista é ter uma atitude para a vida. É ser solidária e querer compartilhar o seu saber com as outras pessoas.”

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horizonte global

a durabilidade das intervenções são a chave para que as organizações passem de alternativas a transforma-doras da realidade educacional. Para isso, é preciso superar a visão setorial da educação. “As mudanças que a educação requer não são somente intra-educacionais e intra-escolares, mas multissetoriais”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista de Torres, cuja íntegra pode ser acessada no site www.ondajovem.com.br.

A PARTE E O TODO

Ilustração _ Wolpy e Cuba

As organizações não-governamentais podem contri-buir muito com as tarefas da educação integral, princi-palmente na escola pública. O grande desafi o – tanto para as organizações quanto para o Estado – é trabalhar no micro e no local, mas com perspectiva macro e de sis-tema. A opinião é da educadora e lingüista equatoriana Rosa María Torres, ex-ministra de Educação e Culturas do Equador, com larga atuação em agências e organi-zações internacionais como Unesco, Unicef e Fundação Kellogg, e que já trabalhou em países como México, Argentina e Nicarágua, além dos Estados Unidos. Para Torres – fundadora do Instituto Fronesis, de estudos de pedagogia, comunicação e sociedade –, a qualidade e

PARA A EDUCADORA EQUATORIANA ROSA MARÍA TORRES, O DESAFIO PARA A CONTRIBUIÇÃO DAS ONGS COM A EDUCAÇÃO INTEGRAL É ATUAR NO MICRO E NO LOCAL, SEM PERDER DE VISTA O CONJUNTO

Onda Jovem: Como a idéia de educação integral se relaciona com a atuação das organizações não-governamentais?

Ilustração _ Wolpy e Cuba

Rosa María Torres: O termo educação integral se refere, em princípio, à integralidade na forma-ção das pessoas – mente, corpo e espírito –, aspecto fundamental da qualidade da educação e do direito à educação. A integralidade remete ao currículo, à relação pedagógica, ao ambiente de aprendizagem. E também à noção de tempo e de múltiplos espaços de aprendizagem: possibilitar uma formação integral requer mais tempo (e seu melhor aproveitamento) de aprendizagem, não somente na instituição escolar, mas na família, na comunidade, no trabalho, na participação social. somente na instituição escolar, mas na família, na comunidade, no trabalho, na participação social. As organizações não-governamentais podem ajudar nesta tarefa e podem fazê-lo em todos os As organizações não-governamentais podem ajudar nesta tarefa e podem fazê-lo em todos os espaços, seja dentro da instituição escolar ou como complemento da instrução escolar, reforçando espaços, seja dentro da instituição escolar ou como complemento da instrução escolar, reforçando as aprendizagens em ambientes escolares, familiares, comunitários.as aprendizagens em ambientes escolares, familiares, comunitários.

Wolpy e Cuba são artistas da Agência Quixote Spray Arte (www.agenciaquixote.epm.br), uma realização do Projeto Quixote, que aposta no grafi te como ferramenta de inclusão social, unindo geração de renda, arte e educação para o trabalho de jovens

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Quais sãos os riscos dessa relação entre ONGs e escola?

A PARTE E O TODONa prática, como esta relação vem acontecendo?

Qual é a contribuição que essas organizações podem oferecer ao sistema educacional?

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Qual é a contribuição que essas organizações podem oferecer ao sistema educacional?

As ONGs podem contribuir em pequena ou grande escala, tendo em mente a mera inovação ou a imple-mentação de mudanças. É legítimo e valioso atender a pequenos grupos de pessoas. Também é legítimo propor inovações, para introduzir pequenas melhorias naquilo que vem sendo feito com difi culdade ou proble-mas. Não obstante, considero que o verdadeiro desafi o para as ONGs e para o próprio Estado é trabalhar no micro e no local, mas com perspectiva macro e de sistema, trabalhar com a inovação não como objetivo em si mesmo – o que é muito freqüente – e sim como estratégia para uma mudança sistêmica, estrutural, de fundo. A qualidade e a durabilidade das intervenções são a chave para que possam aspirar a deixar de ser al-ternativas e converterem-se em transformadoras. Para isso, a mentalidade de projeto e de curto prazo não ajuda; tampouco ajuda a visão setorial da educação, que vê tudo o mais como “contexto” ou como assunto dos outros. As mudanças que a educação requer não são somente intra-educacionais e intra-escolar, mas multissetoriais.

Na relação ONGs-educação pública, há de tudo. O mais comum é que as primeiras operem à margem do sistema e do currículo escolar, com ofertas educativas próprias, sem co-laborar diretamente com as escolas, ainda que colaborando com os alunos e suas famílias. Outras trabalham junto com a – ou dentro da – insti-tuição escolar, ajudando a ampliar a oferta educativa, a modifi car práticas pedagógicas, a fl exibilizar o currículo etc. Outras ainda ampliam o leque e oferecem alternativas de aprendiza-gem para crianças, jovens e adultos, dentro ou fora do sistema escolar. Todas essas formas de colaboração são válidas. Mas é preciso analisar, caso a caso, como funcionam, se a colaboração é pertinente, útil e se tem impacto sobre os alunos e suas tem impacto sobre os alunos e suas famílias ou sobre a escola e as apren-famílias ou sobre a escola e as apren-famílias ou sobre a escola e as apren-dizagens escolares. O trabalho das dizagens escolares. O trabalho das dizagens escolares. O trabalho das ONGs deve ser avaliado, como o do ONGs deve ser avaliado, como o do ONGs deve ser avaliado, como o do Estado. Também é preciso ver quan-Estado. Também é preciso ver quan-to custam esses esforços e quanto to custam esses esforços e quanto desses recursos são provenientes de desses recursos são provenientes de fundos públicos.fundos públicos.

Os riscos são muitos, em primeiro lugar porque o sistema escolar e as ONGs se movem em mundos bem diferentes, que operam também com lógicas diferentes, sobretudo a escola pública. A ONG é uma entidade privada, externa ao sistema escolar e muitas vezes alheia a este, sem uma compreensão cabal da instituição e da cultura escolares. Ajudar a melhorar e a mudar a instituição escolar, de fora, requer construir uma relação e um trabalho prolongado, respeitoso, dialógico, transparente, empático, de mútua aprendizagem. Não se pode chegar de fora, como se “de fora” fosse “de cima”: com receitas pron-tas, com verdades reveladas, com expectativas de ser bem recebido e agradecido pela ajuda prestada. As organizações devem estudar As organizações devem estudar e aprender mais sobre a questão educativa e sobre a dinâmica escolar especifi camente, sobre processos de mudança social e institucional. Devem estar dispostas a dialogar mais com a instituição escolar e seu entorno, a rever as velhas distinções entre a rever as velhas distinções entre escolar/extra-escolar, curricular/ex-escolar/extra-escolar, curricular/ex-tracurricular, formal/não-formal etc. tracurricular, formal/não-formal etc. Devem superar a lógica de “projeto”, Devem superar a lógica de “projeto”, de curto prazo e resultados imediatos a que estão habituadas em sua ação, principalmente por condicionamentos de seus fi nanciadores. O risco maior é que, ao manter-se e aceitar-se a assimetria ONG-escola, a organização termine marcando a agenda da es-cola, criando realidades fi ctícias que, uma vez que ela se retire – porque se acabam os recursos ou por qualquer outra razão –, voltem a sua inércia outra razão –, voltem a sua inércia habitual.

As ONGs são entidades As ONGs são entidades geralmente pequenas, geralmente pequenas, que atuam em escala que atuam em escala reduzida, com grande reduzida, com grande dependência financeira de dependência financeira de agências internacionais e do próprio agências internacionais e do próprio governo. Acho que é preciso começar governo. Acho que é preciso começar por reconhecer essas limitações para por reconhecer essas limitações para apontar a possível contribuição. É apontar a possível contribuição. É claro que somente o Estado pode ga-claro que somente o Estado pode ga-rantir o direito à educação, universal rantir o direito à educação, universal e gratuita. As mudanças devem ser e gratuita. As mudanças devem ser sistêmicas, o que requer ação estatal, sistêmicas, o que requer ação estatal, não somente na política educacional, não somente na política educacional, como na política econômica e na como na política econômica e na política social, em conjunto. política social, em conjunto.

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SEXTANTESEXTANTE

EM BUSCA DE ESPERANÇA

Por _ João Batista Araujo e Oliveira

O título é ambicioso, o artigo, modesto. O tema foi divi-dido em três partes: perfi l da oferta e demanda; a efi cácia do ensino médio; desajustes e soluções.

Os dados a seguir ajudam a entender as políticas de en-sino médio e sua relação com a realidade da população de 15 a 25 anos, que soma cerca de 35 milhões de jovens:

1. Dezoito e meio milhões estão matriculados em cursos diversos: 9 milhões no ensino médio, 5 milhões no funda-mental (EF), 2 milhões na Educação de Jovens e Adultos (EJA), outros 2 milhões no ensino superior, e cerca de 450 mil na educação profi ssional;

2. Há cerca de 10 milhões de jovens de 15 a 17 anos: 5 milhões encontram-se no ensino fundamental; 4 milhões estão no ensino médio; 600 mil, na EJA, e 115 mil na formação profi ssional;

3. Dos 9 milhões de alunos do ensino médio, 3,6 mi-lhões estão na 1ª série, e apenas 2,4 milhões iniciam a 3ª série. Há mais vagas na 1ª série do ensino médio do que concluintes da 8ª série.

Quanto à taxa de emprego, 73%, ou seja, 32 milhões de jovens de 15 a 27 anos estão no mercado de trabalho, dos quais quase 5 milhões têm de 15 a 17 anos. Já as taxas de desemprego no ensino médio são de 22%, comparadas com 10,5% para o total da população.

Desse conjunto de dados podemos concluir que so-bram vagas no ensino médio – o que faltam são alunos qualifi cados e em idade adequada; há mais jovens de 15 anos e mais no ensino fundamental do que no médio; a maioria das vagas do ensino médio e cursos de EJA é ocupada por pessoas com mais de 17 anos; as matrículas

O PROBLEMA DO ENSINO MÉDIO NÃO É A QUANTIDADE DE VAGAS, MAS OS DESAJUSTES EM RELAÇÃO À REALIDADE DOS JOVENS, QUE EXIGEM POLÍTICAS ESPECIAIS

na Educação Profi ssional são dirigidas prioritariamente para jovens acima de 18, a maioria com mais de 25 anos.

Efi cácia do ensino médioO nível de efi cácia do ensino médio

pode ser medido pelos resultados dos alunos, pelos diferenciais de salário e pelos níveis de empregabilidade. Pelos resultados do Saeb de 2003, a média dos alunos do ensino médio em Língua Portuguesa é de 266 pontos, e a de Ma-temática, 278 pontos. Esses resultados seriam adequados para alunos de 8ª série. No Enem de 2005, a média foi de 39,41 na prova objetiva e 55,96 na redação. Isso signifi ca que se a média de aprovação fosse de 50 pontos, 80% dos alunos estariam reprovados na prova objetiva.

João Batista Araujo e Oliveira é Ph.D. e especialista em educação, autor do livro “A Escola Vista por Dentro” (editora Alfa Educativa).

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EM BUSCA DE ESPERANÇA

A conclusão do curso médio dá vantagens aos jovens no mercado de trabalho: um salário de 442 reais, comparado com um salário médio de 270 reais para quem concluiu apenas o fundamental. Mas a empregabilidade é baixa: 22% de desemprego para 10% no total da população. E os empregos – como se observa pelos salários – são de baixa qualificação, pela falta de experiência e de formação profissional.

Em síntese, a oferta de oportunidades educacionais é abundante, do ponto de vista de vagas. Mas essas vagas se mostram desajustadas em relação à demanda, tanto do ponto de vista de idade, de competências, quanto de ajuste com as demandas do mercado de trabalho.

Desajustes e soluçõesOs dados apresentados sugerem a existência de três

desajustes. Dada a limitação do espaço, saltamos direta-mente dos problemas para as propostas de solução.

Primeiro: formular políticas de ensino médio sem levar em consideração a situação de escolaridade e emprego da juventude é errar o alvo. A maior parte dos jovens de 15 a 25 anos não constitui demanda qualificada e legítima de ensino médio acadêmico, e sim de alternativas de EJA, for-mação profissional e ensino técnico. Como essa situação tende a perdurar, precisamos de políticas para a juventude, e não apenas de políticas de ensino médio.

Segundo: as políticas de ensino médio são orientadas para o vestibular. E as políticas de formação profissional, para os maiores de 25 anos. As políticas de ensino técnico são marginais. Para encontrar-se com a realidade brasileira as políticas públicas devem levar em conta as condições e necessidades das pessoas e da economia. A camisa de força do ensino médio único caminha na contramão do que se faz no resto do mundo e com as características dos mercados de trabalho. Os vestibulares competitivos, com exagerada cobrança de disciplinas e de detalhes, não se justificam nem como instrumento de seleção nem de sinalização para a melhoria do ensino médio acadêmico.

Terceiro: as políticas de formação profissional e ensino técnico são obsoletas e equivocadas. A formação profissio-nal está em extinção – embora contingentes expressivos da força de trabalho atual e futura, inclusive no setor in-formal de serviços, pudessem se beneficiar desses cursos. A educação técnica de nível médio precisa ser repensada – especialmente nas ocupações relacionadas com o setor de serviços, que emprega a maioria da população. E ambas devem se articular com políticas de inserção no mercado de trabalho – o que exige reformulações na legislação do trabalho e incentivos para os empregadores.

Tudo isso, é claro, requer um novo olhar sobre o ensino médio, além daqueles que só enxergam o vestibular como o único objetivo do ensino médio e nutrem histórico des-prezo pela idéia de que a formação profissional possa se constituir numa forma eficaz de educação. E se recusam a enxergar a realidade dos 35 milhões de jovens de 15 a 25 anos que estão em busca de uma esperança.

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EDUCAÇÃO & ESCOLA

90º

DOS PORTÕES PARA DENTRO

ENCURTAR A DISTÂNCIA REAL E SIMBÓLICA ENTRE A ESCOLA E OS JOVENS IMPLICA RECONHECER A IDENTIDADE JUVENIL COMO PONTO DE PARTIDA DO PROCESSO EDUCATIVO

Por _ Ana Paula Corti

Pensar na relação atual entre juventude e escola não é tarefa fácil. Há muitos sinais de que esta relação tem sido bastante tensa e conflituosa. Por um lado, perce-bemos as dificuldades da escola e dos professores em lidar com os jovens, seu imaginário, comportamentos, vestimentas, identidades, e, por outro, um descon-tentamento dos jovens em relação ao que é oferecido pela escola, o que se revela no baixo rendimento, em atitudes de confrontação a professores e autoridades escolares ou na simples indiferença e apatia diante do conhecimento escolar. Como podemos explicar esta distância real e simbólica entre a escola e os jovens?

Certamente não há explicações fáceis nem rápidas frente a um problema dessa magnitude.

Um dos aspectos que, dentre outros, nos ajudam a compreender essa problemática

diz respeito à forma como a escola e os professores vêem os jovens e com

eles se relacionam. Tudo leva a crer que a imagem que os professores

têm da juventude é bastante negativa. Os jovens são vistos muitas vezes como

baderneiros, preguiçosos, rebeldes e incontro-láveis, pouco enquadrados nas regras escolares

e no funcionamento da escola. Geralmente, a causa dessa situação é atribuída a uma invasão da escola pelo mundo da rua.

Ana Paula Corti é socióloga, doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo, assessora da ONG Ação Educativa e autora dos livros “Diálogos com o Mundo Juvenil: Subsídios para Educadores” e “Encontro das Culturas Juvenis com a Escola”

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DOS PORTÕES PARA DENTRO

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90º

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Reconhecer a condição juvenil não é aceitar passivamente tudo que os jovens trazem – o que seria pouco adequado para uma instituição que se propõe a educar e ampliar o universo cognitivo e cultural. Signifi ca aceitar que o processo educativo precisa considerar de fato o que as pessoas são, fazem e pensam, e não o que deveriam ser, fazer ou pensar

CAMILLA DA ROCHA CASTILHO, 17 ANOS, estudante do 3º ano do ensino médio e presidente do Grêmio Estudantil Escola Estadual Monsenhor João Batista de Carvalho, em SP

“A relação atual entre jovens e escola está mesmo difícil. A escola acha que

o jovem só vai lá para bagunçar e essa idéia acaba sendo transmitida para os próprios jovens, que fazem

disso um desafi o como que para cumprir a regra: ir à escola para bagunçar, não para estudar. Na

verdade, essa ideologia gera uma profunda rebeldia entre os jovens,

um protesto contra a falta de espaço para eles dentro da escola. Eles

sentem que o espaço é da direção, dos professores, e não deles, e muitas

vezes a escola confi rma isso. Onde eu estudo, por exemplo, os jovens

tocavam música no intervalo, cada dia um estilo. No dia do

rock, os roqueiros faziam estragos, arrumavam briga. A direção quis

enfrentar o problema simplesmente cortando o som, enquanto o grêmio estudantil propôs fazer um rodízio entre os estilos musicais no mesmo dia. Tudo melhorou, conseguimos

criar um ambiente de maior tolerância. O problema da escola é que ela não refl ete a juventude.

Valorizar mais a arte no ambiente escolar seria uma forma de

aproximação com os jovens, porque é por esse caminho que eles mais

gostam de se expressar.”

“A relação atual entre jovens e escola está mesmo difícil. A escola acha que

o jovem só vai lá para bagunçar e essa idéia acaba sendo transmitida para os próprios jovens, que fazem

disso um desafi o como que para cumprir a regra: ir à escola para bagunçar, não para estudar. Na

verdade, essa ideologia gera uma profunda rebeldia entre os jovens,

um protesto contra a falta de espaço para eles dentro da

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positivos; ao contrário, muitas vezes agravam o problema. Providências como erguer os muros, aumentar as grades, exercer maior controle da entrada e saída de estudantes, proibir a entrada de aparelhos eletrônicos, bonés, instrumentos musicais etc. apenas tentam (geralmente em vão) resgatar um modelo escolar rígido, que já não funciona.

O problema não está na invasão da escola pelos elementos externos, e sim nas difi culdades que ela tem de se organizar a partir do contexto e da realidade social e das características dos estudantes atendidos. Nesta pers-pectiva, o problema não está fora da escola, mas dentro dela, e as soluções devem passar necessariamente por uma mudança de dentro para fora.

Marcas apagadasÉ curioso notar que, se a escola

costuma resistir negativamente às marcas da vida juvenil (o boné, as roupas, a linguagem etc.), que apare-cem como elementos ameaçadores à ordem escolar, coisa muito diferente ocorre em relação às crianças.

Mesmo sendo algo recente no Brasil, as escolas de educação infantil têm avançado muito no sentido de reconhecer a infância como uma fase de vida extremamente rica e que deve ser o ponto de partida para a organização escolar. Se a atividade central da infância é brincar, é preciso que a escola incorpore este elemento e o potencialize. É isso que justifica os brinquedos e parques dentro das escolas. É com base na condição bio-psico-social das crianças que se organiza o espaço educativo, a adequação dos móveis, bebedouros, a decoração das salas com as suas produções. As escolas explicitam a

A escola estaria sendo bombardeada por problemas sociais, como a violência e a pobreza, pelos efeitos

negativos dos meios de comunicação de massa, por uma suposta crise de valores humanos, e por símbolos e comporta-

mentos juvenis incompatíveis com seu modelo de funcionamento, e que deveriam

fi car do portão para fora.Mas será que algum dia a escola conseguiu

manter-se apartada das dinâmicas sociais à sua volta? Será que isolar-se seria a solução? Prova-

velmente não. As muitas escolas que têm adotado a estratégia do isolamento não têm obtido resultados

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AO CONTRÁRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL, A ESCOLA PARA JOVENS APAGA AS MARCAS DA JUVENTUDE, QUE ÀS VEZES RETORNAM COMO TRANSGRESSÕES E SÃO VISTAS COMO UMA INVASÃO DO MUNDO DA RUA

presença da infância por todos os lados, mostrando que a condição infantil não é um obstáculo para o processo educativo, mas uma aliada e um importante ponto de partida.

Coisa muito diferente ocorre quan-do focalizamos as escolas voltadas aos jovens. As marcas da juventude desa-parecem dos espaços institucionais e geralmente retornam a eles pela ação ativa e muitas vezes transgressora dos próprios jovens (grafi tes, pichações, rabiscos, recados nos banheiros, boné,

walkman na sala de aula), e são vistas como uma invasão ilegítima de

elementos externos e estra-nhos ao ambiente escolar.

Por que a escola con-segue reconhecer a

infância, mas não consegue re-

conhecer a juventude

c o m o u m a

fase de vida igualmente rica e cheia de potencialidades a serem desenvolvidas? É provável que a imagem nega-tiva sobre os jovens seja um dos fatores explicativos.

Por isso, construir um novo olhar sobre os jovens estudantes torna-se um passo necessário para que a escola alcance sucesso em seus objetivos. Um processo educativo que parte de posturas defensivas e de visões negativas sobre o outro difi cilmente pode ser bem-suce-dido. As características trazidas pelos jovens, sejam elas aprovadas ou desaprovadas pelos professores, são a matéria-prima a partir da qual se constrói a possibilidade concreta do trabalho educativo. Por isso a condição juvenil atual deve ser vista como ponto de partida, e não como um empecilho ou obstáculo para a escola.

Isso não implica a aceitação passiva de tudo que é trazido pelos jovens, o que seria pouco adequado para uma instituição que se propõe a educar e ampliar o universo cognitivo e cultural. Mas implica aceitar que o processo educativo precisa considerar efetivamente o que as pessoas são, fazem e pensam, e não o que deveriam ser, fazer ou pensar. Isto envolve uma relei-tura da condição juvenil que se afaste dos estereótipos produzidos, ou da idéia de um aluno ideal, e promova uma aproximação com os jovens concretos, suas ca-racterísticas e necessidades.

O desafi o é perguntarO desafi o é grande, pois os jovens são diversos, pos-

suem gostos, estilos, comportamentos diferentes, fazem escolhas diversas, têm trajetórias singulares, e, como

sabemos, lidar com a diferença é algo muito difícil, inclusive para a escola.

Nesse sentido, o processo educativo deve partir mais de perguntas do que de respostas.

Afi nal, quem são estes jovens? Como eles constroem seu “estar no mundo”? Quais são as chaves culturais e cognitivas por

meio das quais eles compreendem o mundo ao seu redor e seu próprio papel nesse mundo?

Como estes jovens constroem conhecimentos no mundo moderno, e, afi nal, como eles aprendem?

T a i s questio-namentos levam, por um lado, a apostar na aproximação e no diálogo com os jovens como forma im-portante de acessá-los e, por outro lado, a assumir uma postura de constante in-vestigação e pesquisa por parte do educador. É preciso se despir dos preconceitos e apostar na valorização do diálogo e na capacidade de os jo-vens adotarem uma postura ativa no processo de aprendizagem.

A tarefa torna-se ainda mais com-plexa na medida em que muitos professores acreditam que seu papel se restringe a transmitir conteúdos, porque assim foram e continuam a ser ensinados em muitas univer-sidades. Uma aproximação efetiva com os jovens implica alargar esta compreensão sobre o papel docente, apostando numa tarefa educativa mais ampla e abrangente que possa ajudar os estudantes a construírem sentidos para o conhecimento.

Como vimos, educar jovens re-veste-se de uma tarefa bastante desafiadora e complexa, que deve passar necessariamente por uma aproximação com o universo deles, visto muitas vezes pelo educadores como algo hermético, enigmático, quase um mundo à parte, e que, não raro, entra em choque com os valo-res, identidades e expectativas dos educadores.

Isso deixa claro o quanto o papel do educador é central, essencial e, ao mesmo tempo, desafi ador. Parece que ensinar os jovens pressupõe, an-tes de tudo, aprender com eles, não no sentido de situar-se no mesmo patamar, mas de com eles descobrir as chaves que podem acessar seu universo cultural e cognitivo e ajudá-los, então, a ampliar e a enriquecer este universo.

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180ºEDUCAÇÃO & TRABALHO

QUESTÃO

A ESCOLA E O EMPREGO SÃO GRANDES PREOCUPAÇÕES DOS JOVENS, MAS AS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO SÃO CONTRADITÓRIAS

Por _ Celso João Ferretti

Publicações recentes e criteriosas sobre a juventude brasileira (Novaes e Vanucchi, 2004; Abramo e Branco, 2005), abordando, entre outros, o tema do trabalho, apresentam dados e reflexões que obrigam a considerar mais de perto não apenas a situação dessa parcela da população frente ao mercado de trabalho, mas também seu olhar sobre o trabalho como fenômeno social e como valor. Dados estatísticos disponibilizados nessas publicações dão conta de que o acesso ao mercado de trabalho e a permanência nele constituem uma das principais preocupações dos jovens no plano mundial, dado que, segundo a Organização Internacional do Trabalho, em 2003, os jovens constituíam cerca de 47% dos desempregados do mundo (Branco, 2005). A situação é mais séria em países como o Brasil, em que a população da mesma faixa de idade constituía, em 2001, 25% da PEA, da qual 50% estavam desem-

DE MERCADO

pregados (Pochmann, 2004) e em proporção muito maior que os adultos, pois enquanto a taxa de desemprego jovem era da ordem de 18%, a média nacional era de 9,4%.

Não admira, portanto, que Guima-rães (2005) tenha encontrado entre os jovens investigados na pesquisa “Perfil da Juventude Brasileira” interesse intenso pelas questões relativas ao trabalho e enorme preocupação com o desemprego. As manifestações destes conferem centralidade ao trabalho, situando-o acima de referências e valores culturais e sociais como rela-cionamento amoroso, família, religião, sexualidade, Aids, drogas, violência e esporte. Todavia, esses dados não podem ser tomados homogeneamen-te, pois o sentimento de impotência diante do desemprego é sentido mais pelos jovens de baixa renda, com me-nor escolaridade, negros e com idade mais elevada (21 a 24 anos).

Celso João Ferretti é pesquisador da Fundação Carlos Chagas e professor do Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Sorocaba

Ilustração _ Nídia Linhares

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DE MERCADO

Educação mais disponível Embora a educação não tenha ocu-

pado posição tão destacada quanto o trabalho no conjunto de interesses e preocupações dos jovens pesquisa-dos, é importante ressaltar, de acordo com Guimarães (idem), que, como valor, ela se ombreia ao trabalho. É possível que isso se deva ao fato de que, apesar dos pesares, a educação está mais “disponível” que o trabalho. Com efeito, Sposito (2005), baseada na mesma pesquisa utilizada por Guimarães, chama a atenção para a ocorrência da expansão do ensino brasileiro entre 2001 e 2003, a qual seria responsável por um salto signi-ficativo na proporção de matriculados ao final do período.

No entanto, a educação ocupa uma posição ambígua nesse con-texto. De um lado, é exaltada pelas contribuições que poderia oferecer para a constituição de sociedades mais ricas, mais desenvolvidas, mais igualitárias e mais democráticas e, de outro, especialmente em países periféricos, profundamente ques-tionada, por não estar em condições de assegurar à população em geral o acesso aos bens culturais, sociais e econômicos que poderiam garantir-lhe os benefícios decorrentes de sua pertença à sociedade.

No caso brasileiro, esse questiona-mento se dá predominantemente em relação à educação pública e, portan-to, à ação do Estado. Por esse motivo, assistiu-se, no país, especialmente a partir de 1990, a adoção de medidas que, segundo o discurso corrente, oficial ou não, tinham por objetivo su-perar as deficiências historicamente constatadas, mas só recentemente admitidas e assumidas e, ao mesmo tempo, elevar o nível de qualidade da educação pública.

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180º

O PAPEL CENTRAL NO ENCAMINHAMENTO DE QUESTÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS ATRIBUÍDO À EDUCAÇÃO PODE ULTRAPASSAR SUA POSSIBILIDADE DE OFERECER RESPOSTAS

O pressuposto do Ministério da Educação e do Desporto ao produzir e implementar as reformas do ensino médio e do ensino técnico na década de 90 foi o de que a educação básica e a formação profissional continuada constituiriam os pilares para a inserção competitiva do país no mercado internacional globalizado. Nessa linha de raciocínio, as reformas nacionais que vêm sendo implemen-tadas parecem visar principalmente a adaptação do sistema educacional às demandas do setor produtivo, querendo fazer crer, ao mesmo tempo, que elas seriam da sociedade como um todo. De outro lado, argumenta-se, que a educação contri-buiria para a eqüidade social pela via da promoção da “empregabilidade” individual, em particular da-queles que não tiveram acesso à escolaridade de alto nível, nem possuem qualificações profissionais apuradas, o que justificaria não só sua exclusão do

sistema formal de empregos e mesmo de várias atividades laborais no âmbito da informalidade, mas também o pró-prio investimento social na educação, o qual, por suposto, representaria a saída individual e coletiva para a crise do emprego em que vivemos.

Esse tipo de enfoque tende a atribuir à educação um papel central no enca-minhamento de questões econômicas e sociais, o que ultrapassa de muito suas possibilidades concretas de ofe-recer respostas a tais expectativas. A resultante objetiva é frustração posto que, de um lado, o lugar ocupado pelo país no contexto da economia interna-cional tem outras determinações tão ou mais importantes que o nível edu-cacional da população. Mais que isso, o enfoque coloca sobre os ombros dos indivíduos uma carga de responsabili-dades que não lhes diz respeito, uma vez que as determinações do desem-prego situam-se no plano econômico e político e não apenas ou principal-mente no maior ou menor nível de educação e qualificação profissional dos demandantes a um espaço no mercado de trabalho.

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“Estou há quase dois anos trabalhando como aprendiz na área de técnicas bancárias. Consegui essa oportunidade por meio da Associação de Ensino Social Profissionalizante, a ESPRO. É uma oportunidade que todos os jovens deveriam ter, porque se trata de uma introdução ao primeiro emprego, uma espécie de ensaio de tudo que teremos de encarar da primeira vez no mercado de trabalho. Então, a gente já sai nessa busca com muitas vantagens. No curso de capacitação básica, de cinco meses, aprendemos habilidades como nos apresentar, nos relacionar em grupo, atender um cliente, além de termos informações gerais de cidadania e direitos e estímulo constante para continuar na escola, estudando. Depois começa o treinamento específico em uma empresa, por dois anos. A gente trabalha quatro dias por semana e continua com um dia de treinamento na ESPRO. Agora tenho chance de ser efetivada na empresa. Toda essa experiência me amadureceu muito, porque me levou a acreditar no meu potencial. Eu era tímida e hoje sinto que posso fazer tudo, sempre buscando mais capacitação. Estou no primeiro ano de Relações Internacionais na faculdade, já faço inglês e pretendo aprender outros idiomas.”

CAMILA GONÇALVES CURADO, 17 ANOS,

do Rio de Janeiro, é aprendiz da Associação de Ensino Social

Profissionalizante (www.espro.org.br).

Pouca qualidade Supondo, no entanto, que o ar-

gumento seja incorreto (o que não creio) ou esteja ultradimensionado (o que é possível), caberia perguntar que qualidade de formação tem sido oferecida aos jovens que procuram o ensino médio e o ensino técnico. Essa avaliação é hoje possível, seja com base em pesquisas qualitativas, seja em função dos repetidos resultados do Enem. Qualquer que seja a fonte, a conclusão é que a qualidade do ensino público oferecido à maior parte da população jovem, especialmente a mais empobrecida, é muito precária, em função de uma série de fatores, que vão das instalações físicas e equi-pamentos à natureza das propostas educativas em curso, passando pela formação dos professores e pelo financiamento.

É, por isso, injusto e, mais que isso, perverso, responsabilizar os jovens pelas dificuldades que encontram em inserir-se no mercado de trabalho, considerando prioritariamente sua bagagem escolar, tal como implícito e, por vezes, explícito em documentos oficiais do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Emprego, na grande mídia, e na literatura de divul-gação da área de administração.

Um exemplo flagrante disso é apre-sentado por Sposito (2005, p. 104): “(...) o desemprego afeta a todos, mas na amostra investigada atingiu em maior grau os que estavam tendo acesso ao ensino médio ou já haviam concluído essa etapa da escolaridade”. Dados como estes, os quais têm sido referen-dados por outros estudos, evidenciam que a relação entre escolaridade e trabalho é mais complexa do que su-gere o simplismo da teoria do capital humano, ancorada no pressuposto de

que, quanto maior o investimento do país e dos indivíduos em educação (especialmente a relacionada aos conheci-mentos técnicos), maiores as probabilidades, no primeiro caso, de competitividade internacional e, no segundo, de oportunidades de emprego e salários compensadores.

Finalmente, é necessário considerar a situação dos jovens que estão fora da escola ou em situação de defa-sagem idade/série. Kuenzer (s/d), analisando as políticas educacionais de educação profissional dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, mostra como elas tendem, de um lado, à privatização do atendimento, à formalização das relações entre educação profissional e educação básica, à ênfase no conhecimento tácito ao invés de no conhecimento téc-nico-científico, à pulverização de ações e à duplicação de

recursos alocados aos programas e, de outro, a resultados pouco animadores. Por isso, defende a necessidade de revisão profunda de tais políticas, proposição com a qual me alinho, salientando, no entanto, que não existem soluções fáceis para a complexa e contra-ditória relação entre educação e trabalho, especialmente quando o foco das preocupações se localiza no enorme contingente empobre-cido de jovens brasileiros.

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270ºEDUCAÇÃO DO CAMPO

É TAREFA URGENTE

REVERTER A VISÃO DA EDUCAÇÃO

COMO MEIO PARA SE LIBERTAR

DA CONDIÇÃO RURAL, QUE

É PERCEBIDA COMO POBRE,

FRÁGIL E CARENTE

HEN

K N

IEM

AN

Page 39: Onda Jovem #6

3939

Abdalaziz de Moura é formado em Filosofia e Teologia,

com especialização em Educação Popular pela Universidade

Federal da Paraíba, e foi um dos fundadores da Serta – Serviço de

Tecnologia Alternativa

Há algo que não pode deixar de ser considerado no estudo sobre a Educação do Campo e a juventude rural. É um elemento cultural que pesa fortemente na formação dos jovens, crianças e adultos do campo. Esse elemento é reproduzido, reforçado e alimentado pelas instituições. Trata-se da herança construída na vida dos brasileiros, sobretudo do Nordeste, e se mantém no nível do inconsciente coletivo, nos arquétipos, no substrato cultural e determina o comportamento das pessoas, sem que elas saibam ou tenham consciência de que estão se comportando, pensando e assumindo posturas por influência desse fator.

A avó, a mãe, a tia e a professora repetem o mesmo refrão para a criança: “Estude menino, se não você vai acabar como seu pai, no cabo da enxada”. Se a criança é interessada nos estudos, escuta de outra forma, mais agradável: “Muito bem, meu filho, estude para um dia ser gente, e poder sair dessa vida que leva seu pai, de trabalhar na lavoura”. Há muitas variantes para expressar a mesma realidade. Ora de forma mais dura, direta; ora, mais amena e consoladora.

Ditas de um jeito ou de outro, são expressões que vão direto para o inconsciente da criança e começam a se incrustar, a criar raízes e fazer parte dos sonhos das pessoas. Essa idéia é reforçada no trabalho, na convi-vência social, na mídia, no mercado, no senso comum.

Vira estigma e passa a determinar as relações entre as pessoas e as insti-tuições. Quem é filho de agricultor, que vive do trabalho da agricultura, está associado automaticamente a um trabalho pesado, que não se paga, que não compensa, que exige muita força física.

RAÍZES CULTURAIS

Por _ Abdalaziz de Moura

Page 40: Onda Jovem #6

270º

“Faz um ano que estou na Escola Família Agrícola Nossa Senhora de

Fátima, em Vitorino Freire, a 260 quilômetros de São Luiz (MA). Estou

na 7ª série do ensino fundamental. Moro a 60 quilômetros da escola,

então estudo 15 dias na escola e 15 dias em casa, que é a alternância. É muito bom e a gente aprende muito,

aprende coisas do campo, aprende a ter responsabilidade. Na escola,

estudo de manhã as disciplinas normais: português, matemática,

ciências, história, geografia, inglês, arte, educação física e ensino

religioso. À tarde, é o ensino das coisas do campo: aprendo a cuidar das criações e das hortas. Quando

volto para casa, continuo a estudar, porque tenho tarefas e também passo

o que aprendi para os meus pais, para a comunidade. O mais legal são

os planos de estudo. A gente escolhe um tema e faz questões sobre ele para serem respondidas pela comunidade.

Vê o que tem de problema, discute e pensa em soluções para mudar. O

último tema era ‘Agrotóxico, o vilão da agricultura’. Vimos os problemas

no uso do agrotóxico e como utilizá-lo corretamente. A gente fica mais

capacitada para o futuro. Eu penso em ser técnica agrícola. Pena que

na escola, por enquanto, não tem o ensino médio e vou ter de procurar

depois uma escola tradicional.”

ALINE FONTINELI PESSOA, 15 ANOS, participante do programa União Nacional da

Escolas de Famílias Agrícolas , www.unefab.org.br, em Vitorino Freire, MA

ARQ

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ESSO

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PARA UMA NOVA EDUCAÇÃO, O CAMPO NÃO PRECISA APENAS DE COMBATE À POBREZA. ELE INTERAGE

NÃO É SÓ AGRÍCOLA. EXIGE MUITO CONHECIMENTO TÉCNICO, CIENTÍFICO E GERENCIAL

COM O URBANO, TEM OUTRAS OCUPAÇÕES,

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41

É um trabalho que fica para quem não teve opor-tunidade de sair, para quem não estudou, para quem não soube enfrentar outros desafios, para quem se acomodou a um destino traçado, para quem não precisa usar tanto a cabeça, e sim as mãos. A boa oportunidade oferecida pela escola é preparar o aluno para abandonar esse destino, para procurar outra vida, aprender a ler e contar, para poder tirar os documentos e arrumar um emprego fora, em outras condições.

Qualquer outro trabalho, mesmo em pior situação, é reconhecido como melhor para os filhos: construção ci-vil, balcão de comércio, cobrador de ônibus, empregada doméstica etc. O mundo da agricultura é o da prática, da experiência; para desenvolvê-lo não precisa de escola, de conhecimento inovador, de pesquisa. Portanto, se alguém estuda, não é para investir na agricultura, pois, para essa, não precisa de estudo.

Políticas equivocadasEsse substrato cultural também determina o plane-

jamento dos gestores públicos, tecnocratas e políticos. Como é um mecanismo inconsciente, ele é oculto e disfarçado. Sob o argumento de que a população rural diminui no Brasil, uma visão estratégica e de longo prazo produz na cabeça dessas pessoas a idéia de que o campo vai desaparecer, vai diminuir, é residual, vão ficar os mais velhos, os analfabetos, enfim, pouca gente. Então, na hora de pensar investimentos, ações estratégicas, tudo se volta para as cidades e o mundo urbano. Para o campo ficam programas assistenciais, compensatórios, de assistência social, de apoio ou “combate à pobreza rural”.

A educação do campo identifica esses pressupostos como profundamente perversos, não apenas para quem fica no campo, como também para a cidadania nacional. Tornam-se preconceitos que tomam o cam-po como lugar e espaço de pobreza, de fragilidades,

de dependência, de carências. Todo diagnóstico acentua as carências.

Para a educação do campo, porém, em todos os seus documentos desse milênio – a começar pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, da Segunda Conferência Nacional de Educação do Campo, dos grupos de trabalho, dos movimentos sociais, dos Centros de Alternância, das ONGs envolvidas – a leitura é outra.

O campo é um espaço de vida, de cultura, de tradições, de produção, cheio de potencialidades, gerador de riquezas. Não vai desaparecer, apenas tomar formas diferentes, diversifica-das. Ele interage com o urbano, tem muitas outras ocupações que não

são as rurais, não se identifica só com agricultura. Exige muito conhe-cimento científico, técnico, gerencial, pesquisa, empreendedorismo. Tem todo um espaço e valor no futuro do país e do mundo. Os movimentos ambientalistas estão contribuindo para essa descoberta.

Reverter esse preconceito é uma tarefa urgente da educação do cam-po. Daí, muitas tarefas concretas passam a aparecer: rever os currí-culos; preparar material pedagógico condizente com essa nova visão do campo; articular redes de experiên-cias; formar pessoal qualificado com essa concepção filosófica; romper as resistências das instituições res-ponsáveis pelas redes de ensino; conquistar financiamento à altura das necessidades, e não perder essa oportunidade histórica de criar uma nova cultura, um novo substrato cultural.

Com a adoção de uma nova perspectiva da educação do campo, surgem tarefas concretas: rever os currículos;

preparar material pedagógico condizente; articular redes de experiências; formar pessoal qualificado; romper as

resistências das instituições responsáveis pelas redes de ensino e conquistar financiamentos

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360ºEDUCAÇÃO DE NÍVEL SUPERIOR

É PRECISO ESTUDAR SEMPRE, MAS NÃO NECESSARIAMENTE CURSAR FACULDADES E ACUMULAR CERTIFICADOS, QUE ÀS VEZES APENAS COMPENSAM A BAIXA ESCOLARIDADE NACIONAL

A INFLAÇÃO DE DIPLOMAS

Por _ Candido Alberto Gomes e Helder Bueno Leal

Por que esta corrida de jovens e adultos à educação superior no Brasil? Uma aluna, diretora de um colégio no Nordeste, acaba de nos relatar as lágrimas de candidatos em fi la de espera para um cursinho preparatório. São his-tórias tocantes de quem deseja estudar. Tocante também é a fi la de professores que desejam trabalhar com alunos tão motivados, já que outros estudantes, que tudo têm, muitas vezes estão mais interessados em outras coisas.

Afi nal, a educação superior é a chave dourada que abre as portas da fortuna, do prestígio e do poder? A resposta é sim e não. Vamos por partes. É sim quando estamos conscientes da escalada de busca pela educação. O Brasil é um país com pouca escolaridade. A população, em média, não tem o ensino fundamental completo – e que ensino fundamental ruim! Logo, quanto mais a população estuda, melhor para o país: temos mais pes-soas que sabem ler, escrever, interpretar, falar, calcular,

raciocinar, trabalhar em equipe, tomar iniciativas, resolver problemas e, se possível, antecipar os problemas que vão surgir. É o que se espera da educação geral, uma base para todos. Mas sabemos também que esta base é corroída pela má qualidade. Assim, para aprender o básico hoje, as pessoas têm de estudar cada vez mais: o ensino médio, o curso de graduação e os de pós-graduação. O resultado é que, com mais e melhor educação, o país passa a ter mais produtividade, uma sociedade mais justa e as pessoas, individualmente, passam a receber maior renda.

Page 43: Onda Jovem #6

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Candido Alberto Gomes é pedagogo, professor titular fundador da Universidade Católica de Brasília, autor de vários livros sobre educação. Helder Bueno Leal é mestrando em Educação na Universidade Católica de Brasília

É um prejuízo levar mais anos para formar pessoas com capacidades semelhantes. O desafi o é oferecer melhor educação em menos tempo

Page 44: Onda Jovem #6

GUILHERME TEIXEIRA LOPES, 20 ANOS,

trabalha e faz faculdade

BRUN

O TA

DEU

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RCIA

“Meu pai tem dois diplomas universitários, minha mãe tem curso

superior e mesmo assim temos problemas de sobrevivência. Por isso, não acredito

totalmente que a universidade seja a única saída para se vencer na vida. No

meu trabalho atual, em uma loja de roupas, por exemplo, não é necessária

essa qualificação e eu ganho melhor do que muita gente com nível superior. No

entanto, na área em que pretendo atuar, que é o jornalismo, o mercado exige a

formação em curso superior, que eu estou fazendo na Uniban, com uma bolsa do

ProUni. A formação superior sempre foi um valor na minha casa. Enquanto eu e

meu irmão não nos direcionamos para isso, havia aquela pressão: “E, aí, o que

você vai fazer da vida?”. Agora a pressão é: “Você precisa parar de trabalhar tanto

e dirigir mais atenção à faculdade”. Mas acho que para os jovens em geral

a questão fundamental não é o curso superior e, sim, a qualificação. Onde ela estiver, é isso que vale. Se houvesse mais

opções de cursos profissionalizantes, seria mais fácil a busca dessa qualificação.”

Olhemos as pesquisas. Uma, da Fundação Getúlio Vargas, gerou a seguinte manchete de jornal: “Mes-trado dobra salário”. Outra pesquisa da mesma instituição, “O retorno da Universidade”, chega a afirmar que o Brasil é o país latino-americano com maiores diferenças de salário entre quem cursou uma universidade e quem não cursou.

Isso não significa que, no dia se-guinte ao recebimento do seu diploma de mestrado, o salário vai dobrar. Ou, se você recebe o diploma de Direito e passa no exame da Ordem, no dia imediato a sua renda vai acompanhar as curvas dos dados estatísticos que mostram ser a educação superior uma grande vantagem. A partir desta perspectiva, é importante para cada um estudar mais e com qualidade.

Diplomas vaziosMas, e quando a resposta à pergun-

ta inicial é não, ou seja, a educação superior não é o abre-te sésamo? Na inflação, se você tem R$ 50,00 hoje para comprar uma roupa, daqui a um ano ou alguns meses pode não comprá-la, porque o preço já subiu. Os diplomas também se desvalori-zam. Algo parecido acontece quanto maior a abundância de diplomas e certificados. Se alguém poderia ser faxineiro de uma empresa há 20 anos, apesar de analfabeto, hoje se requer o ensino fundamental completo. Isso acontece não só porque há uma fila maior de pessoas escolarizadas em busca de emprego, como o serviço é mais complexo. É preciso saber lidar com aparelhos, com produtos químicos, tratar adequadamente as pessoas etc. Também não é raro em certos países encontrar garçons

Page 45: Onda Jovem #6

4545

4,9 milhões de inscritos, dos quais só ingressaram 1,3 milhão de candidatos. Em outras palavras, 700 mil va-gas não foram preenchidas, e o número de candidatos foi exagerado pelo fato de um candidato se inscrever em mais de uma instituição. Parte da ociosidade das vagas se deve à impossibilidade de pagar os estudos. É o que acontece, em parte, com um projeto da nossa universidade para oferecer preparação a alunos das camadas desprivilegiadas.

Hoje o funil é apertado, dependendo do curso e do estabelecimento. Em 2003, houve 10,5 candidatos por vaga nas instituições federais. É um gargalo respeitá-vel. Algumas carreiras são mais acessíveis que outras, sobretudo aquelas de menor prestígio social: a média nacional de candidatos por vaga em Pedagogia foi de 1,5; em Engenharia Civil, 2,5; em Administração de Empresas, 3,1; e em Medicina, 23,7! Assim, existem portas e caminhos largos que podem não conduzir a elevadas recompensas econômicas aos formados. E há portas estreitas e caminhos difíceis que tendem (não determinam) a proporcionar retornos mais altos. Todavia, não nos esqueçamos: carreiras mais bem remuneradas não trazem necessariamente maior sa-tisfação e maior felicidade.

Botina apertadaComo o Brasil e a sua juventude podem descalçar esta

apertada botina? Se, como educadores, disséssemos para estudar menos, seríamos desonestos. “Contente-se com o curso técnico!” Não, não se contente nunca! Há excelentes cursos técnicos – e cabe ver as oportu-nidades –, que oferecem melhores perspectivas que muitos cursos superiores. Da mesma forma, certos cursos tecnológicos e seqüenciais dão acesso a fatias importantes do mercado de trabalho.

Mas nunca pense em parar de estudar: o mundo se transforma tão rapidamente que precisamos estudar

ou motoristas de táxi que têm nível superior. Na França, existem doutores em letras que são vendedores de livrarias e lá o desemprego juvenil já incendiou não só os debates, como também prédios e veículos.

Há 30 anos, Ronald Dore escreveu um livro intitulado “A Doença do Di-ploma”. Comparando quatro países, mostrou como a corrida por diplo-mas acaba levando nações pobres a estender a educação cada vez mais, não raro perdendo em qualidade, para responder às demandas da socieda-de. Como diploma não representa necessariamente competência, os países pobres gastam muito para formar mais e mais pessoas, sem as correspondentes recompensas. Nem para a melhoria da sociedade e da economia desses países, nem para os salários das pessoas que estudam. Como diz um autor, coloca-se mais água no feijão, para aumentar a quan-tidade, diminuindo a qualidade.

E agora? Temos saída? O Brasil vai enfrentando a praga do desemprego juvenil – e cada vez mais pessoas estudam, para não ficarem para trás. Com base em dados confiáveis, de alguns anos, verificamos que o funil do ensino médio para o superior hoje é bem menor. Vejamos: em 2002 concluíram cursos presenciais 2,3 milhões de alunos. No ano seguinte os cursos de graduação presenciais ofereceram 2 milhões de vagas para

até morrer. Caso contrário, perdemos ou não conquistamos um lugar ao sol. Pessoas desatualizadas vão para a rua, sem piedade, não tanto por falta de diplomas, mas por falta de acompanhamento das mudanças, das novas tecnologias e das formas de organização do trabalho. Portanto, pensemos não só nas credenciais, na doença do diploma, mas também nas diversas oportunidades formativas que realmente nos enriqueçam como pessoas e profissionais.

Então, do ponto de vista individual, é preciso, sim, estudar bem e mais. Entretanto, os diplomas não são o único caminho, como se a sua suces-são fosse uma escadaria única. Há outras oportunidades profissionais a explorar e agarrar. Existem várias escadas e corredores interessantes entre cada lance de escadas.

E do ponto de vista do Brasil? É um prejuízo levar mais anos para formar as pessoas que se preparavam em menos tempo, com capacidades semelhantes. Colocar mais água no feijão não é o caminho. Ao contrário, o desafio é oferecer melhor educação em menos tempo. Se hoje mais da metade das crianças da 4ª. série tem sérias dificuldades com a leitura, nós, os contribuintes, estamos pagando para inglês ver: oferece-se menos em mais tempo. E se conferem mais certificados e diplomas que, como a moeda, se desvalorizam na medida da sua abundância e do seu vazio de qualificações. O nome que isto merece é farsa. Um verdadeiro país e verdadeiras carreiras profissionais se constroem com competência, não com embuste. Portanto, é preciso enfrentar a doença do diploma, com vacinas e remédios, para termos um país digno do nome.

NO BRASIL CONFEREM-SE CADA VEZ MAIS CERTIFICADOS E DIPLOMAS QUE, COMO MOEDA, SE DESVALORIZAM NA MEDIDA DA SUA ABUNDÂNCIA E DE SEU VAZIO DE QUALIFICAÇÕES

Page 46: Onda Jovem #6

sem bússola

PROVAS SEM FIM

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A África do Sul tem sérios problemas econômicos e so-ciais para encarar até 2010, quando será sede da próxima Copa do Mundo de futebol. Para citar alguns exemplos, as feridas do racismo de Estado não cicatrizaram por completo, há grandes bolsões de miséria, a Aids atinge cerca de 40% da população e o índice de analfabetismo é de 16,7%. Neste último item, segundo o Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 2005, os sul-africanos estão no mesmo grupo do mais forte candidato a receber a Copa seguinte, o Brasil, que tem 11,1% de analfabetos. Mas há uma semelhança numérica entre essas duas futuras capitais mundiais do futebol que provoca grandes diferenças na área da educação: o total de habitantes sul-africanos, cerca de 47 milhões, é equivalente ao de brasileiros matriculados na escola regular, do fundamental à universidade. Sem contar os milhões de jovens, também em idade de for-mação educacional, que estão fora da escola.

COM INVESTIMENTOS

Isso signifi ca que a educação bra-sileira tem seus próprios apartheids, apesar do investimento feito a partir dos anos 90 para diminuir a taxa de analfabetismo e matricular esses milhões de jovens na escola. A lei brasileira exige que o governo federal aplique 18% da receita líquida de im-postos na educação; para os governos estaduais e municipais, a taxa é ainda maior: 25%. Isso gera um montante anual de R$ 42 bilhões, que pode parecer vultoso à primeira vista, mas mostra outra realidade quando se leva em conta o tamanho da população. O Brasil investe anualmente R$ 875,00 por aluno (do ensino básico à universi-dade), ante R$ 4.714,00 dos Estados

Por _ Marcelo Barreto

DESEQUILIBRADOS E UMA CULTURA DISCRIMINATÓRIA, A EDUCAÇÃO DESTINADA AOS JOVENS MAIS SE

ASSEMELHA A UMA CORRIDA DE OBSTÁCULOS

Unidos, um país do Primeiro Mundo, e R$ 1.202,00 do Chile, um vizinho sul-americano. E a divisão ainda é de-sequilibrada: cada aluno brasileiro do ensino básico recebe um investimento de R$ 727,00 por ano, enquanto os alunos das universidades fi cam com mais de R$ 10.000,00 (bem acima da média geral americana).

“Os recursos destinados à edu-cação no Brasil já são bons. O que falta é aplicá-los da maneira correta, investindo, por exemplo, na capaci-tação de professores e na melhoria do material usado em sala de aula”, diz Inês Boaventura França, gerente do Instituto Social Maria Telles, o Ismart, entidade voltada à educação.

A África do Sul tem sérios problemas econômicos e so-ciais para encarar até 2010, quando será sede da próxima Copa do Mundo de futebol. Para citar alguns exemplos, as feridas do racismo de Estado não cicatrizaram por completo, há grandes bolsões de miséria, a Aids atinge cerca de 40% da população e o índice de analfabetismo é de 16,7%. Neste último item, segundo o Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 2005, os sul-africanos estão no mesmo grupo do mais forte candidato a receber a Copa seguinte, o Brasil, que tem 11,1% de analfabetos. Mas há uma semelhança numérica entre essas duas futuras capitais mundiais do futebol que provoca grandes diferenças na área da educação: o total de habitantes sul-africanos, cerca de 47 milhões, é equivalente ao de brasileiros matriculados na escola regular, do fundamental à universidade. Sem contar os milhões de jovens, também em idade de for-mação educacional, que estão fora da escola.

Page 48: Onda Jovem #6

VIDA DE REPÓRTER

“Sou jornalista esportivo de ofício, como pode ter sugerido a comparação que escolhi para abrir esta reportagem. Escrever para

Onda Jovem é uma experiência nova, que me permite olhar um pouco para fora

do mundo de vitórias, derrotas, recordes e campeonatos em que levo o dia-a-dia

da profissão. E desta vez as fronteiras se abriram de um modo especial. Na fase final do processo de apuração, assisti a

uma palestra de Paulo Servo, professor de Educação Física que abriu as portas da

própria casa para um projeto de iniciação ao atletismo que hoje reúne mais de 500

crianças numa escola pública em Curicica, no Rio de Janeiro.

Uma escola pública, como algumas sobre as quais ouvi falar nesta reportagem. São 186

mil em todo o Brasil, aprendi. Na maioria, há professores despreparados, alunos

desestimulados, evasão e repetência. Mas numa delas, em Curicica, há uma campeã. Na palestra, Paulo Servo contou a história de Bárbara, uma de suas atletas, dona do segundo melhor tempo do mundo em sua

faixa etária numa das provas que disputa. Talvez eu não precisasse desta reportagem

para saber disso, mas ao olhar de volta para o texto me dei conta de que o Brasil é o país das Bárbaras. Em vez de participarem desta reportagem apenas como uma fração

das estatísticas de evasão e repetência, as

Apoio externo“Eu não saberia o que sei hoje se

dependesse apenas da escola”, diz M.F.S., aluna do 2º ano do ensino médio atendida pelo Projeto Araçá, que oferece reforço escolar e oficinas de arte e informática a alunos da rede pública da região de São Mateus, no norte do Espírito Santo. “Na minha turma, era comum começar o ano com mais de 40 alunos e terminar com menos de 30. É um ambiente muito desestimulante.”

Nos três anos do ensino médio, o aluno que permanecer na escola pública sem qualquer outro apoio estará sujeito ainda a fatores externos, como a neces-sidade de trabalhar, e a riscos como a maternidade precoce e o poder de atra-ção da delinqüência. Uma combinação que faz com que os números negativos se acumulem: segundo o Inep, de cada 100 alunos matriculados na rede pú-blica do ensino fundamental, 8,1 não se matriculam na série adequada no ano seguinte; 10,5 simplesmente não se matriculam; e 39,6 se matriculam com dois anos ou mais acima da idade esperada para aquela série.

“A evasão e a defasagem são, na mesma medida, os pontos cruciais do ensino médio”, diz Inês Boaventura França. “Ou o aluno desiste, por falta de estímulo, ou permanece, mas termina a escola sem saber o mínimo necessário.” O resultado desse processo fica claro em duas taxas medidas pelo IBGE, a escolarização líquida (que representa o percentual de jovens de uma faixa etária matriculados na série adequada à idade) e a bruta (que faz o caminho inverso, ou seja, o número de matrículas numa de-terminada série em relação à população daquela idade). No ensino médio, a taxa líquida é de 33,3% e a bruta, de 76,6%; no fundamental, são de 94,3% e 126,7%, respectivamente. Em outras palavras, há muitos alunos por série na base e poucos no topo porque muita gente foi ficando pelo caminho, como C.G.S., aluna do 1º ano atendida pelo programa Bolsa Talento Ismart (que distribui bolsas de estudo em escolas particulares), pôde atestar na prática:

“E não dá para resolver de cima para baixo. O ensino médio só vai melhorar com investimentos no ensino fundamental.”

O alerta de Inês se baseia em dados da Fundação Lemann: apenas 54% dos alunos que iniciam o ensino fundamental têm expectativa de concluí-lo. E entre os que seguem em frente, há muitos que não atingem um nível mínimo de preparação para a nova fase. Nas provas aplicadas pelo Ministério da Educação entre alunos da rede pública, o nível médio é de assustadores 10% de compreensão em Matemática e 25% em Português.

meninas M. e C. me deram depoimentos entusiasmados sobre seus novos interesses, a oficina de comunicação do projeto Araçá e a qualidade das aulas de inglês na escola

particular financiada pela bolsa do Ismart. Em cada história, a mesma lição: o potencial

está lá; é preciso que alguém o descubra. Sempre concordei com a noção, corrente

em meu meio, de que a escola é o lugar ideal para o desenvolvimento de talentos

do esporte. Mas talvez só agora tenha me dado conta de que a razão é a mais simples

possível: a escola é o melhor lugar para desenvolver qualquer talento. E, para voltar

à abertura da reportagem, nossa reserva é imensa: maior que alguns países inteiros.”

NATH

ALIE C

INTRA

MARCELO BARRETO é jornalista e apresentador de TV

no Rio de Janeiro

Page 49: Onda Jovem #6

49

A vitimização da população jovem segue uma lógica que não valoriza a expectativa de cidadania formal deste segmento

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“A diferença no ensino da escola particular é gritante e está em tudo. A organização da instituição escolar, o ambiente, os professores, a diversida-de, os equipamentos e laboratórios... Na escola pública, muitos de meus colegas simplesmente desistiam. Outros até fi cavam, mas era comum, por exemplo, ver um aluno pular o muro depois da segunda aula e ir embora”, conta.

Os fujões acabavam se benefi cian-do, por vias tortas, do sistema de pro-gressão automática, que substituiu a repetência e ainda hoje é apontado por seus críticos como um fator de aumento da defasagem. Marieta de Moraes Ferreira, coordenadora do FGV Ensino Médio, programa da Fundação Getúlio Vargas para o segmento, discorda dessa visão: “A progressão automática causa problemas, mas a solução não é acabar com ela, e sim acompanhar melhor os alunos defasados”.

A necessidade de um processo de avaliação mais efi caz foi um dos te-mas debatidos no II Seminário Interna-cional Desafi os do Ensino Médio, coor-denado por Marieta Ferraz, em agosto, no Rio de Janeiro. Desde 1990, por força de lei, o governo federal aplica o Saeb, processo de avaliação de aprendizagem destinado a alunos em fi m de ciclo (4ª e 8ª séries, no ensino fundamental, e 3a, no ensino médio).

A vitimização da população jovem segue uma lógica que não valoriza a expectativa de cidadania formal deste segmento

repetência e ainda hoje é apontado por seus críticos como um fator de aumento da defasagem. Marieta de Moraes Ferreira, coordenadora do FGV Ensino Médio, programa da Fundação Getúlio Vargas para o segmento, discorda dessa visão: “A progressão automática causa problemas, mas a solução não é acabar com ela, e sim acompanhar melhor os alunos defasados”.

A necessidade de um processo de avaliação mais efi caz foi um dos te-A vitimização da avaliação mais efi caz foi um dos te-A vitimização da mas debatidos no II Seminário Interna-A vitimização da mas debatidos no II Seminário Interna-A vitimização da população jovem mas debatidos no II Seminário Interna-população jovem cional Desafi os do Ensino Médio, coor-população jovem cional Desafi os do Ensino Médio, coor-população jovem denado por Marieta Ferraz, em agosto, segue uma lógica denado por Marieta Ferraz, em agosto, segue uma lógica no Rio de Janeiro. Desde 1990, por que não valoriza no Rio de Janeiro. Desde 1990, por que não valoriza força de lei, o governo federal aplica que não valoriza força de lei, o governo federal aplica que não valoriza a expectativa de força de lei, o governo federal aplica a expectativa de o Saeb, processo de avaliação de a expectativa de o Saeb, processo de avaliação de a expectativa de aprendizagem destinado a alunos em cidadania formal aprendizagem destinado a alunos em cidadania formal fi m de ciclo (4ª e 8ª séries, no ensino deste segmentofi m de ciclo (4ª e 8ª séries, no ensino deste segmentofundamental, e 3deste segmentofundamental, e 3deste segmentodeste segmentoadeste segmento, no ensino médio). deste segmento, no ensino médio). deste segmento

PELAS ESTATÍSTICAS, A BASE DO SISTEMA EDUCACIONAL ESTÁ REPLETA E O TOPO, QUASE VAZIO: OS ESTUDANTES JOVENS VÃO FICANDO PELO CAMINHO

Page 50: Onda Jovem #6

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Os dados mais recentes disponíveis, da avaliação de 2003, indicam que 8,5% dos alunos avaliados chegam ao ensino médio com o conhecimen-to adequado de Língua Portuguesa, e menos ainda (5,6%) completam o ciclo no mesmo nível. Uma curva inversa, mas não menos dramática, se observa em Matemática: 2,4% dos alunos chegam e 6,6% saem no nível adequado. Duas causas de se passar tanto tempo na escola para aprender tão pouco também foram debatidas no seminário: a falta de qualifi cação dos professores e a má qualidade do material didático.

“Há hoje um afastamento entre teoria e prática. Os professores e o material didático estão muito distan-tes do que é produzido nos principais centros de pesquisa. É preciso investir na formação continuada desses pro-fissionais, que enfrentam grandes desafi os”, diz Marieta.

CENTRO CULTURAL ARAÇÁÁREA DE ATUAÇÃO SÃO MATEUS, NO ESPÍRITO SANTO.PROPOSTA Oferece um programa de reforço escolar e ofi cinas para alunos da rede pública. JOVENS ATENDIDOS 50 nas ofi cinas de reforço, de um total de 460.APOIO PARCERIAS COM GOVERNO FEDERAL, FNDE, PETI, PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO MATEUS, SECRETARIA MUNICIPAL DE AÇÃO SOCIAL E CIDADANIA, PETROBRAS, ARACRUZ CELULOSE, INSTITUTO TELEMAR, BNB, CENTRO CULTURAL BANCO DO NORDESTE E CRIANÇA ESPERANÇA, MAIS APOIOS LOCAIS.CONTATO Rua Chile s/n – Forno Velho – São Mateus (ES) – Tel.: 27/3763-5309 e 3767-4299 – Site: www.projetaraca.com.br.

PARA

SAB

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AISSO

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PROJETO BOLSA TALENTO DO INSTITUTO SOCIAL MARIA TELLES – ISMARTÁREA DE ATUAÇÃO SÃO PAULO, RIO DE JANEIRO E FORTALEZA.PROPOSTA Oferecer bolsas de estudo em escolas particulares a alunos selecionados por bom desempenho em escolas públicas. APOIO INSTITUTO HEDGING GRIFFO, BANCO SANTANDER BANESPA, CONBRÁS E DYNAMO. CONTATO Site: www.ismart.org.br

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PARA

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ALÉM DOS DESAFIOS GERAIS, A EDUCAÇÃO JUVENIL TEM DEMANDAS ESPECÍFICAS, COMO A PROFISSIONALIZAÇÃO E A REINTEGRAÇÃO DOS ENVOLVIDOS COM A LEI

ESCOLA DE PASSAGEM DO CENTRO DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – CEDEDICAÁREA DE ATUAÇÃO SANTO ÂNGELO E OUTRAS SEIS CIDADES DO RIO GRANDE DO SUL.PROPOSTA Ajuda jovens com problemas na Justiça a preparar o retorno à rede pública de ensino. JOVENS ATENDIDOS 210 no total, 20 na Escola de Passagem.APOIO GOVERNOS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAIS. A ESCOLA DE PASSAGEM É UMA PARCERIA COM A PREFEITURA DE SANTO ÂNGELO.CONTATO Av. Venâncio Aires, 1.705 – Centro – Santo Ângelo (RS) – Tel.: 55/3313-3003 – Site: www.cededica.org.br.

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FUNDAÇÃO DO ENSINO TÉCNICO DE LONDRINA – FUNTELÁREA DE ATUAÇÃO LONDRINA (PR).PROPOSTA Oferecer cursos técnicos do ensino médio a preços acessíveis, com possibilidade de colocação no mercado de trabalho. JOVENS ATENDIDOS Cerca de 250 nos cursos regulares e 26 no integrado (ensino médio + técnico).APOIO ESTÁ ASSOCIADA A PROJETOS COMO O PRIMEIRO EMPREGO, MAS A MAIOR PARTE DA RENDA VEM DAS MENSALIDADES E DO ALUGUEL DE PARTE DA SEDE. CONTATO Rua Alagoas, 2001 – Londrina (PR) – Tel.: 43/3344-3939 – Site: www.funtel.com.br.

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Para Inês Boaventura França, há ainda um outro obstáculo no caminho da melhora desse quadro: “O professor brasileiro detesta ser avaliado. Ele só quer avaliar. Todo o sistema de ensino precisa de avaliação. A escola particular já faz isso, a pública também precisa fazer”.

Desafi os específi cosNa comparação com a particular, a escola pública,

principalmente no ensino médio, tem um desafi o à parte: como se tornar atraente para jovens que já estão em idade apta ao trabalho e pressionados por um mercado pequeno e exigente? O investimento nos cursos profi ssionalizantes são apontados como uma das possíveis soluções.

“O curso técnico abre as portas para o emprego. Temos conseguido encaixar 95% dos nossos alunos no mercado de trabalho”, diz Luis Fernando Turino, professor e coordenador da Fundação do Ensino Técnico de Londrina, entidade-âncora da rede de projetos do Consórcio da Juventude na cidade. “Não somos uma escola pública, cobramos mensalidades. Mas as famílias se esforçam para pagar essas mensalidades como um investimento.”

Foi o que aconteceu com V.H.C., aluno do 1º ano do curso de eletrôni-ca. “Na escola pública, eu fazia muita bagunça e repeti dois anos. Os profes-sores não exigiam atenção e os outros alunos não ajudavam. Conversei com meus pais e decidimos investir no curso técnico”, conta. Hoje, V.H.C. faz estágio numa microempresa da cidade, mas continua pensando em chegar à universidade, uma meta ain-da difícil de atingir para os alunos das escolas públicas. Enquanto se discute a implantação do sistema de cotas para grupos específicos, algumas iniciativas tentam alargar o caminho já existente. É o caso do Projeto Social da Mangueira, que fi rmou uma parce-ria com uma universidade particular,

a UniverCidade, para destinar vagas a alunos provenientes das escolas do morro, da comunidade e das ad-jacências. Desde 2000, os cursos de Informática (hoje descontinuado) e Pedagogia recebem os jovens man-gueirenses. “As aulas são ministradas pelos mesmos professores de outras unidades. O tratamento é o mesmo que qualquer outro aluno recebe”, diz Edmilson Santana, coordenador administrativo do projeto.

Tratamento igualitário é justa-mente o que buscam outros jovens, ainda bem distantes do caminho da universidade ou da colocação no

mercado de trabalho: os que enfren-tam problemas com a lei. Para os que permanecem sob custódia, não há um programa estabelecido de educação. E os que conseguem sair enfrentam de cara um obstáculo. “A escola não está preparada para receber o jovem infrator que quer se reintegrar à so-ciedade”, diz Mari Borges, professora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cededica), no Rio Grande do Sul.

Na unidade principal do Cededica, em Santo Ângelo, funciona a Escola de Passagem, onde professores da rede pública ajudam jovens em con-fl ito com a Justiça a fazer a transição para voltar às salas de aula. O projeto vem obtendo sucesso há oito anos e costuma atender a cerca de 20 jovens, que além das aulas partcipam de uma ofi cina de informática. Todos têm um longo caminho a percorrer. E cada um signifi cará um primeiro passo na longa jornada da educação brasileira.

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o sujeito da frase

“Quem é não comenta!” A frase escrita na lousa da Escola Municipal Euclides da Cunha, em Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, retirada do livro Manual Prático do Ódio, revela a personalidade do escritor e rapper Ferréz e sua indignação com a situação da periferia onde nasceu, estudou e sempre morou. Aos 30 anos, ele está lançando o quarto livro, “Ninguém é Inocente em São Paulo”, pela Editora Objetiva, e já teve dois anteriores traduzidos para cinco idiomas (inglês, francês, espa-nhol, italiano e alemão). Sente orgulho de seu sucesso porque eleva a auto-estima dos jovens do bairro. Mas a satisfação de ver frases de seus livros nas carteiras, nos muros e nas camisetas, que os garotos usam, não esconde sua tristeza com o caos na educação. Ele não se conforma com as grades nas escolas e com a falta de preparo dos professores, que afugentam os alunos. “O ensino piorou. Precisa mudar o método”, diz.

Embora tenha descoberto na escola sua vocação para escritor aos 11 anos, quando um professor falou que suas redações eram contos, Ferréz diz que despertou para as letras em casa, lendo os versos nos panos de prato da mãe mineira, Maria Luisa Cota, e a literatura de cordel com o pai baiano, Raimundo Ferreira da Silva. Mais tarde, descobriu os gibis, que influenciaram seu jeito de escrever. Aos 14 anos, leu os primeiros livros. Depois passou a freqüentar sebos, conheceu os escritores clássicos e constatou que ninguém retratava a realidade da periferia. Então, resolveu que era isso que faria. Bati-zado Reginaldo Ferreira da Silva, Ferréz acredita na força transformadora da literatura: “O que me motiva é saber que alguém vai ler, achar legal e ter um pensamento diferente”. A seguir, trechos de sua entrevista.

ESSE MODELO DE ESCOLA

Por _ Marilena Dêgelo Fotos _ Márcia Zoet

NÃO FUNCIONA”

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Onda Jovem: Como você se tornou escritor?Ferréz: Eu queria ser desenhista até descobrir que

tinha mais talento para escrever. Aos 7 anos, fiz umas poesias e, aos 11, uns contos. Eu achava que era redação, mas o professor da 4ª. série me disse que era conto.

O que você lia na época?Muitos gibis. Só quando eu tinha 14 anos, eu li o

primeiro livro, emprestado de um amigo. Era o romance “Madame Bovary”, do Flaubert. Depois eu ganhei de outro amigo o livro “Demian”, do Hermann Hesse.

Mas você já tinha contato com livros na escola.Na escola você pega nojo dos livros. O professor joga

um para você ler e não explica quem é o autor, nada. Você não vê sentido nos livros. Eu não gostava porque tinha de fazer resumo. Eu descobri a leitura fora da escola, por conta própria.

FERRÉZ, 30 ANOS, vive no bairro do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo: a literatura descoberta fora da escola o levou a escrever quatro livros, alguns deles traduzidos para cinco idiomas

Como isso aconteceu?Depois que li o “Demian”, eu vi que

no fim havia a indicação de outro au-tor. Eu ia procurar no sebo. Se o livro era difícil, pegava outro mais fácil e depois tentava de novo. Foi assim com Dostoiévski. Dele, eu li primeiro “Os Irmãos Karamazov”. Fui me educando. Eu leio sempre Bukowski, Hemingway e Dostoiévski. Também brasileiros, como Plínio Marcos. Dos gibis, eu gosto do Lourenço Mutarelli. Estou sempre com algum livro na mão. Quando assisto TV, me sinto idiota.

Quando você resolveu escrever o primeiro livro?

Ficou claro para mim que a lite-ratura não privilegiava a periferia, não tinha nada a ver com a vida da gente. Só havia histórias de pessoas da elite, vencedoras. Como você vai atrair os moleques para a leitura com um mundo totalmente diferente do dele? Resolvi escrever sobre o que acontece aqui.

O escritor Ferréz, que faz da periferia de São Paulo o tema de sua literatura, diz que a educação piorou e precisa mudar

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“Na escola não se aprende cultura, de modo geral. O jovem tem uma cultura própria que não é valorizada”

Você acha que a escola mudou em relação à época em que você estudou?

Acho que piorou. Não havia tantas grades e tantos portões na escola. Agora, a galera não quer ficar lá nem pagando. Na minha época, também não queria ficar, mas não saía. O atrativo do ensino está ficando cada vez mais fraco.

Por que você acha que está acontecendo isso?Existe uma desarticulação, uma falta de interesse de

todo mundo: do Estado, da diretora... Ninguém está em-penhado em fazer nada. Se o professor muda um pouco a aula, é punido. Tem de seguir à risca aquele padrão, que muitas vezes não dá certo.

O que você acha que deve ser feito para tornar a escola mais atraente? Como deve ser a escola ideal?

Eu não tenho um modelo, mas vejo que esse que existe não funciona. A escola deveria ser um lugar onde o aluno gostasse de ficar. Acho que precisa colocar alguém que entende de escola para mudar alguma coisa. Político não conhece nada de escola. Tem de ser alguém que respire educação, que seja arte-educador ou pedagogo. Para estimular a leitura, deveriam apre-sentar os autores dos livros, com suas histórias de vida, que são legais também. Mostrar de um jeito que seja mais carinhoso do que é hoje.

E como você aprendeu tão bem a ponto de escrever livros?

Eu sou um chato. Eu tinha curiosi-dade de saber tudo. Os outros alunos não estavam interessados em nada. Parecia um monte de almas apagadas na sala de aula. Estavam lá para per-der tempo. Muitas vezes, o professor só dava aula para mim. Eu bagunçava também, mas sabia a lição.

Você recebeu algum estímulo de seus pais?

Meu pai gostava de literatura de cordel. Eu lia para ele quando era pequeno porque ele lia muito mal. Minha mãe fazia panos de prato com poesia e frases. Era algo bem simples, mas já era bastante perto dos pais que só ficam assistindo novela na TV. Meu pai falava sempre: a única coisa que não podem tirar de você é o ensino. Quando eu repeti, na 1ª. série, ele me transferiu, junto com a minha irmã, para a Escola Adventista, que é particular. Fiquei lá até a 3ª. série, quando repeti novamente. O salário de motorista de meu pai não dava mais para pagar a mensalidade e voltei para o Euclides da Cunha, onde fiquei até a 8a.. Depois fui para o colégio estadual.

Você acredita que o livro é uma arma poderosa na recuperação de um jovem?

Eu tenho de acreditar nisso. Se não acreditasse, eu não estaria es-crevendo. O que me motiva é saber que alguém vai ler, achar legal e ter um pensamento diferente.

Você acha que seus livros podem ajudar jovens a deixar a criminali-dade?

Isso é utopia. Eu não tenho ilusão que o cara vai ler meu livro na cadeia e vai mudar. É todo um conjunto de problemas, de vivências. Quem está no crime precisa passar por um pro-cesso para ser resgatado. O livro é uma fase, mas não é todo o caminho. A cadeia precisa ser regenerativa e não punitiva. E depois a sociedade deve dar alternativas de vida para que ele não volte para a criminalidade. Não dá para formar um cara que é tratado

Como surgiu a oportunidade de publicar?

Em 1997, eu trabalhava numa firma, cuja proprietária gostou das minhas poesias e resolveu publicá-las no livro “Fortaleza da Desilusão”. De-pois passei a vender o livro nas ruas de Santo Amaro, até 2000. Enquanto isso, escrevi o primeiro romance, “Ca-pão Pecado”, e consegui publicá-lo pela editora Objetiva.

Você nunca pensou em fazer facul-dade?

Já pensei em cursar Letras, mas meu editor, que é aluno e professor na USP, falou para eu não fazer nada para não mudar minha linguagem. Depois, eles pesquisam meu trabalho. Hoje, o pessoal faz faculdade mais pelo status do que pelo aprendizado. De modo geral, os jovens enfrentam muitas dificuldades para estudar. A primeira é a falta de tempo. Quando terminei o colégio, eu trabalhava até dez horas por dia numa metalúrgica. Além disso, tem a exclusão mesmo. Só se consegue vaga em faculdade particular, onde a mensalidade é absurda. Não sobra nada para viver. Nem para comprar os livros.

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A PERCEPÇÃO DE QUE A LITERATURA NÃO INCLUÍA A PERIFERIA LEVOU FERRÉZ A ESCREVER SOBRE A SUA REALIDADE: “COMO VOCÊ VAI ATRAIR OS MOLEQUES PARA A LEITURA COM UM MUNDO TOTALMENTE DIFERENTE DO DELE?”. SOBRE A ESCOLA UMA IDÉIA SIMPLES: “DEVERIA SER UM LUGAR ONDE O ALUNO GOSTASSE DE FICAR”

pela polícia com violência, mora em frente a um córrego, não tem o que comer e dorme com baratas. Querem que ele vire advogado. É difícil.

Como a escola deve ser para ajudar esse aluno? A escola deve ser aberta para a comunidade. Não pode ser fecha-

da. As pessoas do bairro devem trabalhar lá dentro. A escola deve ser mais leve e tratar dos assuntos que os alunos querem saber.

Da mesma forma que seus livros?Meus livros são lidos por eles porque têm a ver com a vida

deles. Na escola, devem adaptar as matérias ao que eles estão vivendo. Ficam dando matérias criadas na França, no século 16, como se fôssemos franceses. Acho que o cara tem de aprender sobre a América do Norte, a Europa, mas antes sobre Zumbi, os índios e os jesuítas.

O que você acha da distância entre a cultura criada por jovens, como o hip hop, e a que é oferecida na escola?

Na escola não se aprende cultura, de modo geral. O jovem tem uma cultura própria que não é valorizada, é marginalizada. Acho que, um dia, uma coisa tem de encontrar a outra. Eu dou palestras em escolas e o pro-fessor diz: “Eu dou aulas há tantos anos e nunca um aluno me pediu um livro”. E, depois de uma hora de palestra, o aluno vem me perguntar sobre livro. Então, é o jeito de falar. Eles não querem ninguém dando lição de moral o tempo todo. Uma sala com 40 alunos de um lado e o professor do outro, falando ali em pé, não funciona. Os alunos ficam submissos. Ninguém tem coragem de levantar a mão para perguntar ou dar opinião.

E como você vê a condição da juven-tude brasileira?

A juventude não tem voz. Eles não dão espaço para a juventude falar, porque, se derem, vão passar ver-gonha. O adulto pondera, pensa nas coligações que tem. O jovem fala logo a real. É mais sincero.

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NO ESCUROOS DESAFIOS DO ENSINO SE MULTIPLICAM À NOITE, TURNO CADA VEZ MAIS PROCURADO POR JOVENS, TRABALHADORES OU NÃO

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A má qualidade do ensino brasileiro, detectada por todos os indicadores, parece ter um turno preferencial: o noturno. É à noite que as mazelas presentes também durante o dia – conteúdos desconexos da realidade, educadores despreparados e desmotivados – se concentram e se potencializam, como se já não fosse desafio suficiente se dispor a estudar depois de um dia de trabalho. A boa notícia: há experiências inovadoras, que estão acontecendo em estabelecimentos públicos e privados, na tentativa de melhorar a qualidade desse período e transformá-lo em uma ferramenta efetiva de cidadania e inclusão social.

Discriminar o público do ensino noturno já é tarefa complexa: trata-se de uma miscelânea. Reúne rapazes e moças, a partir dos 15 anos, mas também adultos que, no caso da Educação de Jovens e Adultos (equivalente ao antigo supletivo), podem ter até mais de 60 anos. Os freqüentadores do ensino fundamental e médio “são, na maioria, jovens de baixo poder aquisitivo, ori-ginários de famílias com curta vivência escolar e que já passaram por experiências de evasão ou repetência nos cursos diurnos”, diz Lucia Lodi, coordenadora do Ensino Médio da Secretaria de Educação Básica do Ministério de Educação.

Dados do Ministério mostram que, no fundamental, 1.709.471 alunos estudam à noite. Um número peque-no ante os 31.825.090 do diurno. Já no ensino médio, são 3.984.526 estudantes do noturno para 5.046.776 do período diurno. E os estudantes da noite são cada vez mais novos. Há alguns anos, eram minoria os que ingressavam no noturno com idades entre 15 e 16 anos. Hoje, a maior procura acontece justamente nesta faixa etária, segundo pesquisa da Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo, de São Paulo.

Por _ Jane Soares

Sinais de alerta“A pauperização das famílias obriga

rapazes e moças a procurar estra-tégias de sobrevivência, geralmente encontradas no emprego ou no subemprego”, diz Maria Ornélia da Sil-veira Marques, do Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica (Ceap), de Salvador. “Assim, o noturno é a saída para conciliar trabalho e estudo.”

Jane Paiva, professora da Facul-dade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembra que o trabalho é apenas um entre vários fatores que “empurram” o jovem para o período da noite. Entre os motivos pedagógicos, ela relaciona também a falta de habilidade da esco-la em lidar com estudantes conside-rados “difíceis” e “desinteressados” e a dissociação entre a realidade, os anseios e os desejos dessa população e o que o sistema escolar oferece.

Essa conjugação ajuda a explicar a concentração de altos índices de repetência e evasão. O Ministério da Educação não tem estatísticas específicas sobre esses problemas no noturno. Mas, pesquisa realizada em 2003 pela Unesco, com 50.740 alunos de 673 escolas públicas e pri-vadas de 13 capitais brasileiras, mos-

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tra que, em Porto Alegre, 76,4% dos alunos do ensino médio noturno tinham sido reprovados ao menos uma vez. O menor índice, de 50,6%, foi o do Rio de Janeiro. Entre os estudantes das escolas públicas, pelo menos 35,2% dos que estudam à noite abandonaram a escola pelo menos uma vez, ante 8,9% do período diurno.

Citando o educador Paulo Freire, para quem “a escola mais expulsa do que os alunos se evadem”, Jane afirma que, apesar dos problemas, os jovens voltam para os bancos escolares por verem o ensino como uma forma de crescimento pessoal e inserção social. “O ensino noturno é um ato de justiça social para quem não teve a oportunidade de estudar na época adequada”, afirma Marlene Souza Silva, coordenadora geral do tradicional Colégio Antônio Vieira, escola particular de Salvador, freqüentada durante o dia por alunos de classe média alta e, à noite, por 1.010 trabalhadores a partir dos 17 anos.

A parte do educadorEstudar à noite não é fácil. Depois de uma longa jorna-

da de trabalho, os jovens chegam cansados e famintos à escola. Conteúdos distantes de suas realidades em aulas desinteressantes contribuem para tornar a tarefa ainda mais árdua. Todos concordam: o noturno precisa passar por mudanças radicais se quiser servir como fator de inclusão social das camadas mais carentes.

E não há como melhorar a qualidade do ensino noturno sem o engajamento efetivo dos educadores. “A formação precisa ter foco no grupo de professores de uma escola real, que atende alunos reais, com suas condições de vida, expectativas, interesses e conhecimentos que não são produzidos apenas na sala de aula”, diz Valéria Lopes, pes-quisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas da Educação (CEPPPE) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Para os especialistas, a rede escolar deve definir, junto com seus profis-sionais, diretrizes e objetivos. Leôncio José Gomes Soares, professor da Faculdade de Educação da Universi-dade Federal de Minas Gerais, cita os “passos” para a formação do pessoal, segundo o que vem sendo discutido nos fóruns de educação realizados no país: mobilizar os recursos que estão dispersos, socializar o conhecimento e intervir por meio de políticas públicas. Definidos os princípios gerais, cada escola deve ter autonomia para trilhar seus próprios caminhos. “A interlocu-ção, para adesão ou rejeição de deter-minado projeto, deve ser exercida com professores e alunos”, diz Valéria.

Na prática, as escolas que vêm trabalhando pela melhoria do noturno têm algumas características comuns: investiram na qualificação de seu cor-po docente e colocaram à disposição dos alunos a mesma infra-estrutura oferecida aos do diurno – como bi-bliotecas, videotecas e laboratórios

de química e informática. Além disso, passaram a trabalhar os conteúdos a partir de temas do interesse dos estudantes, envolvendo várias áreas de aprendizagem e usando todos os recursos disponíveis – da internet e rádios livres à dramatização. Dire-ção, professores e alunos se reúnem freqüentemente para discutir, traçar e corrigir rumos do aprendizado. Ho-rários são flexibilizados e os docentes ficam nas escolas em determinados períodos para atender alunos fora das salas de aulas.

Foco no jovemEm Campo Grande (MS), a Escola

Estadual Waldemir Barros da Silva, instalada na região das Moreninhas, bairro de classe média baixa, foi uma das pioneiras na busca de novos mé-todos. “Desde 1998, trabalhamos com temas por áreas de conhecimento, sempre levando em conta questões do cotidiano dos estudantes, como a cultura afro-brasileira e a violência contra a mulher”, diz Ernângela Maria de Souza Calixto, diretora-adjunta. A escola, que tem cerca de 400 alunos à noite, foi uma das dez selecionadas pelo Ministério da Educação entre as que apresentaram os melhores projetos de melhoria do ensino noturno e que estão recebendo R$ 140 mil neste ano para desenvolvê-lo.

ENVOLVIMENTO DO EDUCADOR, CONTEÚDOS MAIS INTERESSANTES, INFRA-ESTRUTURA PARA OS ALUNOS E APOIO EXTRA-CLASSE SÃO ESSENCIAIS PARA A RENOVAÇÃO DO NOTURNO

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O envolvimento é tão grande que Luan Barbosa, 17 anos, passa praticamente todo o seu tempo livre na escola. O rapaz trabalha como aprendiz durante quatro horas, três vezes por semana, em uma empresa de varejo, e freqüenta à tarde um curso técnico relacionado ao comércio. No 3º ano do ensino médio, Luan faz parte da equipe que prepara e apresenta programas de rádio desde que passou para o curso noturno, quando terminou o fundamental. “Os alu-nos estudam mesmo, porque aqui tem uma metodologia totalmente diferente”, diz.

“A idéia é tornar o ensino mais prazeroso e envolven-te, investir na pesquisa e na troca constante de infor-mações e experiências”, diz o estagiário de pedagogia Wagner Batista de Oliveira, da coordenação de projetos da Escola Estadual Condessa Filomena Matarazzo, ins-talada em Ermelino Matarazzo, bairro de classe média baixa da Zona Leste de São Paulo, outra das seleciona-das pelo Ministério da Educação, com aproximadamente 700 alunos no noturno. Neste ano, os estudantes já discutiram temas como o papel da propaganda e as conquistas das mulheres nos esportes.

Bruno Richelle de Lima, 19 anos, aluno do 3º ano do ensino médio, foi um deles. Integrante da “turma do fundão”, nunca havia mostrado maior interesse pelos estudos e repetiu duas vezes no fundamental. Passou para o noturno quando começou a trabalhar como offi ce boy em uma agência de viagens. Chegou a consultor de vendas, mas acabou demitido por não ter as qualifi ca-ções exigidas pela empresa para seguir em frente.

“Percebi que minha alternativa é estudar”, diz. Saiu de uma escola perto de sua casa, na qual o curso noturno pouco oferecia, e bateu na porta do Condessa Filomena Matarazzo. “Descobri que a gente não pode fi car de braços cruzados. Cada um tem de fazer sua parte, batalhar para mudar e melhorar sua história de vida.” Bruno diz que a metodologia da escola torna os estudos mais interessantes e desperta o senso crítico.

As escolas estão colhendo os frutos dos esforços. Na Waldemir Barros da Silva, a evasão caiu para 20% – era de 40% há alguns anos – e a repetência foi de 4,77% no ano passado. Para Marlene Silva, do Colégio Antônio Vieira, não existe mágica. “Os resultados são conseqüência da seriedade do curso, do nível de ensi-no oferecido. Os alunos só deixam de pensar grande quando se oferece o mínimo.”

NÃO É SÓ O TRABALHO QUE LEVA O JOVEM PARA O NOTURNO. A FALTA DE HABILIDADE DA ESCOLA TAMBÉM EMPURRA PARA A NOITE OS ESTUDANTES “DIFÍCEIS”

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O Brasil ainda patina na formulação de políticas e pro-gramas sociais voltados à juventude. A educação, como prioridade para este segmento etário, fica subsumida. Este fato é claro quando se observa, ainda hoje, como o ensino médio público está desprestigiado e a drástica redução da oferta de postos de trabalho para os jovens de 16 a 24 anos só pode ser motivo de lamentação. O ensino médio ainda está longe de ser universalizado e as vagas para este nível de ensino se encontram forte-mente concentradas no período noturno.

De fato, as opções político-programáticas oferecidas aos jovens priorizam mais a sua inserção no mercado de trabalho do que a oferta de uma sólida e diversificada formação educacional. Há uma teimosia em torno da prioridade do trabalho para os jovens, sobretudo os das camadas populares, o que vem significando um desatino da política pública brasileira.

Essa teimosia mantém-se cega para o fato de que o mundo mudou e esta opção já não ganha a adesão do jovem porque a excedência cultural (expressão cunhada por Alberto Mellucci para falar sobre a sociedade com-plexa) presente na sociedade contemporânea desloca

MOSAICO Por _ Maria do Carmo Brant de Carvalho

seu olhar, demandando e aspirando outras oportunidades. Tal teimosia também não reconhece a baixa efetividade da opção pelo trabalho – de um lado pelas características do grupo juvenil (transitoriedade e tempo de experimentação) e de outro pelo próprio mercado de trabalho for-temente restrito e informal. É nesta leitura que se compreende o fracasso do programa nacional “Primeiro Em-prego”, lançado pelo governo federal em 2003 e relançado em 2004.

A educação integral para o nosso jovem ganha sentido de urgência so-cial. Para além do aumento de escola-ridade, o jovem precisa adquirir outras habilidades no plano da sociabilidade, da ampliação de seu repertório cultu-ral, da participação na vida pública, da fluência comunicativa e do domínio de outras linguagens, de forma a se

Maria do Carmo Brant de Carvalho é doutora em Serviço Social, professora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP e Coordenadora Geral do Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação. Cultura e Ação Comunitária.

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A EDUCAÇÃO INTEGRAL PROPÕE COMPLEMENTARIDADES QUE SUPERAM AS POLÍTICAS FECHADAS EM SETORES E SE INSEREM EM POLÍTICAS DA CIDADE

sentir competente para acessar as riquezas societárias e obter ganhos de pertencimento e reconhecimento de sua cidadania.

Cultura e participação na vida pública são mediações privilegiadas no desenvolvimento pessoal e social de jovens. E, no entanto, é lamentável que nestes campos poucas oportunidades sejam oferecidas aos jovens das camadas populares.

ComplexidadesNossa juventude se insere em uma sociedade mar-

cada pela complexidade. É uma sociedade ao mesmo tempo local e global; uma sociedade da escassez e da abundância, que mantém enormes desigualdades sociais. Uma sociedade de forte apelo ao consumo de massa, que sobrepõe o desejo à necessidade; uma so-ciedade do conhecimento, da informação e da contínua inovação tecnológica. Desfeito o modelo tradicional de emprego e trabalho, a sociedade conclama os cidadãos a reinventarem o trabalho – seja pela indução contínua de novas ocupações, seja por modelos de empregos autônomos, virtuais, precários.

DE OFERTASPara enfrentar este novo contexto

e desafio, a sociedade aspira a uma política social que se desenhe na sua inteireza, pelo prisma da multisseto-rialidade, com forte protagonismo do Estado, mas também da sociedade civil. Para a sociedade que nos toca viver, uma política de educação fecha-da em si mesma perdeu seu sentido transformador. Não se quer mais uma política de educação centrada ape-nas em sistemas formais de ensino (escolas). A educação tem presença e investimento em outras políticas se-toriais e só ganha efetividade quando integrada a um projeto retotalizador da política social.

É preciso alertar para o enorme desperdício de recursos públicos decorrentes da excessiva setoriali-zação da política social. São milhares os programas e espaços de aprendi-

zagem fora da escola absolutamente desarticulados da educação formal. São ainda iniciativas da sociedade civil, cunhadas pelas próprias or-ganizações da comunidade. Tais programas adentraram o Estado pela porta da assistência social, cultura ou esportiva, não sendo, portanto, reconhecidos como projeto educacional. Essas iniciativas são – fato pouco conhecido – janelas de oportunidade para os jovens que não apenas as usufruem como as pro-movem, atuando como educadores e mobilizadores sociais.

Tais programas são um bem público, constituindo-se em um capital social da maior importân-cia. No estudo sobre tais iniciativas constata-se a oferta de um mosaico de ações socioculturais, lúdicas e de convivência infanto-juvenil. Sem dúvi-

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Não se quer mais uma política de educação centrada apenas em sistemas formais de ensino, como escolas. A educação tem presença e investimento em outras políticas setoriais

da, constituem-se como serviço edu-cacional em seu sentido abrangente, compondo-se como programa que abarca cultura, educação, esporte, lazer e saúde. Neste sentido, indicam uma inovação da maior importância: são ações realizadas nos microter-ritórios da cidade, construídas com olhar multissetorial, capazes de res-ponder ao leque de aprendizagens socioeducativas que o grupo infanto-juvenil precisa e deseja.

Nessa perspectiva, tornou-se obsoleta a idéia de compor o contra-turno escolar apenas com iniciativas internas da própria política setorial de educação. Para integrar o conjunto de sujeitos e espaços de aprendizagem construídos no local e operados por organizações sociais e poder público, é fundamental concebê-los como “políticas da cidade”, articulando aí o mosaico de ofertas de aprendiza-gens disponibilizadas pelo conjunto das políticas públicas setoriais e das ações originárias nas próprias comunidades.

O que impede então uma educação integral para jovens maximizando esta rede de iniciativas já existentes?

Falta a compreensão de que não tem mais sentido a condução da política pública pela via de políticas setoriais fechadas em si mesmas. Tornou-se inadiável a primazia de políticas da cidade ou de política sociais concebidas na sua inteireza.

Nova pautaAssim se compõe a pauta de aprendizagem reivindi-

cada pelos jovens: 1. A curiosidade científica é pouco explorada pelos

educadores. No entanto, ela é crucial, pois o mundo de hoje exige o que alguns autores chamam de alfabeti-zação científica. Os conteúdos programáticos no geral não contemplam a alfabetização científica.

2. A competência reflexiva se faz com ação e na ação. O pensamento não dispensa a lucidez da ação. A realidade social resiste a ser enquadrada em esquemas

preestabelecidos. Exige forte capa-cidade analítica sobre a conjuntura política, social, econômica para que os jovens possam se inserir critica-mente na sociedade.

3. Os educadores precisam ser capazes de compreender e explorar a nova racionalidade cognitiva dos nossos jovens, uma racionalidade pautada em apropriação de conhe-cimentos e ganhos de aprendizados de forma difusa, não linear, não seqüencial e descentrada. A veloci-dade pragmática do jovem não aceita processos seqüenciais.

4. Os jovens constroem projetos de vida cunhados na incerteza e desconfiança frente às certezas; obtêm ganhos de aprendizado na experimentação e na circulação nos diversos e múltiplos espaços e ter-ritórios a que têm acesso, na e pelo apelo da sociedade da excedência cultural. Exigem uma socialização negociadora mais que disciplinar ou tutelar.

O educador precisa se valer deste modo cognitivo de aprender dos jovens. Sobretudo, compreender a importância da experimentação e

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SÃO MILHARES OS PROGRAMAS E ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM FORA DA ESCOLA DESARTICULADOS DA EDUCAÇÃO FORMAL

circulação requerida por eles. Por isso mesmo, fala-se hoje em programas-rede, capazes de facilitar o trânsito entre possibilidades variadas de buscas de aprendizado porque partem do princípio que um único programa social não dá conta de responder aos interesses e ex-pectativas de uma população alvo. São necessárias as complementaridades entre programas, fluxos de inte-ração e circulação entre os mesmos; nenhum programa isolado ou paralelo possui efetividade social.

5. É preciso imprimir valores à ação educativa, rom-pendo com o caráter meramente utilitário de muitos dos projetos educativos. É preciso responder a uma demanda silenciosa dos jovens, porém persistente, de uma educação voltada à construção e ao anúncio de sentidos para a ação na vida: busca da verdade, do bem, do belo, da ética.

Espera-se, igualmente, um cuidado dos educadores para agirem frente às consignas culturais que nos compelem à fixação no presente (nem passado, nem futuro), no imediato, nos projetos individuais, com pouca sensibilidade para os projetos coletivos. Daí, inclusive, a importância máxima de se trabalhar a participação protagônica de jovens na vida pública.

6. A cultura e a participação na vida pública aparecem como mediações privilegiadas no desenvolvimento pessoal e social de jovens. Como diz Juarez Dayrell, “Na construção dos modos de vida juvenil, o mundo cultural ocupa uma centralidade [...]. A relação música-visual-vida foi adquirindo cada vez maior visibilidade, tanto pela expansão quanto pela diversificação de estilos,

ganhando uma importância maior para a identidade juvenil”.

Como os jovens estão na sua maioria fora da educação e fora do trabalho, e a produção da cultura está fortemente condicionada ao mercado e ao consumo, também estes jovens, pode-se dizer, pro-duzem e acessam marginalmente a cultura. Embora produtores de cultura, não chegam a anunciar uma contracultura.

7. É, em princípio, consensual que políticas, programas e projetos sociais voltados à juventude no Brasil

devam possuir uma intencionalidade de atenção integral aos jovens. Mesmo priorizando determinados focos de atenção, não podem perder de vista o caráter multidimensional de suas necessidades e interesses.

Para isso, nas condições de baixíssi-ma escolaridade dos nossos jovens é preciso articular e realizar:

– investimento público em bolsas de estudo ou transferências monetárias que compensem a falta de renda dos jovens para que eles possam acessar programas educacionais ambiciosos;

– oferta de oportunidades educacionais combinadas;

– oferta de escolarização por meio do estímulo à freqüência ou à reintegração no ensino regular de forma a levar os jovens a completar os ensinos funda-mental e médio;

– desenvolvimento pessoal e social, isto é, desenvolvimento de capacidades substantivas referidas à autonomia, iniciativa, comunicação, sociabilidade, ao domínio de conhecimentos e tec-nologias ancoradas na apropriação da cidade a que pertencem e intervenção social.

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Em uma de suas primeiras experiências profissionais, o pedagogo Paulo Freire alfabetizou 300 trabalhadores rurais em apenas 45 dias. Foi na cidade de Anjinhos, no Rio Grande do Norte, em 1962 – época em que o País era eminentemente agrário. De lá para cá, o Brasil cresceu, industrializou-se e ficou mais complexo. Essa mudança de perfil econômico, porém, não foi acompanhada pela evolução dos índices de educação. Segundo o IBGE, a taxa atual de analfabetismo é de 11,1%. Ainda hoje, cerca de 65 milhões de pessoas não completaram o ensino fundamental. Desse total, 33 milhões são conside-rados analfabetos funcionais (com menos de quatro anos de estudo). O ensino médio, por sua vez, também apresenta de-fasagens. Alfabetizar e recuperar etapas perdidas – no ensino fundamental e médio – por este amplo público é o desafio da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

Por _ Liana Melo

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65Os esforços são amplos e variados. O governo federal desenvolve pelo menos dois programas destinados a este segmento da educação. Mas a contribuição da sociedade civil tem sido substancial, incluindo o reforço de ações empresariais, como o pro-grama da rede de varejo Carrefour, destinado principalmente a jovens mulheres e adultas. Mas ainda há muito o que fazer, inclusive em relação à qualidade deste ensino, afirmam os especialistas.

“Já tivemos muitos avanços, mas não o suficiente para corrigir um problema histórico de tamanha com-plexidade”, admite Timothy Ireland, diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Ireland concorda que só mesmo consideran-do a educação uma prioridade nacio-nal para reverter esse quadro.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ENFRENTA O DESAFIO DE ALFABETIZAR E RECUPERAR ETAPAS PERDIDAS POR UM PÚBLICO QUE A ESCOLA REGULAR NÃO EDUCOU

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O analfabetismo total vem decain-do, embora ainda atinja 3,16% dos jovens entre 15 e 24 anos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicadas (IPEA), mas resta o analfabetismo funcional. Em 2005, segundo o IBGE, 18% dos jovens de 15 a 17 anos estavam fora da escola. Um número expressivo daqueles que concluem o ensino fundamental o faz em idade superior à considerada adequada e nem sempre ingressa no ensino médio. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indicam que a distorção idade-série foi de 30% no ensino fundamental, em 2005. Maior ainda na área rural: 45,6%. Assim, são jovens que reali-

mentam a estatística do analfabetismo funcional, que caracteriza pessoas com dificuldades de compreensão do que lêem. São cidadãos que mesmo tendo ido à escola – muitas delas tiveram apenas uma passagem transitória – não conseguem dominar o código da leitura e da escrita no cotidiano. Têm poucas chances num mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

“Há um reconhecimento no MEC de que é necessário expandir a educação de jovens e adultos, que abrange prioritariamente o ensino fundamental”, diz Ireland. “Só que o tamanho do desafio exige muito mais.” Para ele, seria necessário um programa de educação continuada no âmbito do EJA e que as universidades preparassem professores com esse tipo de especialização. Ao mesmo tempo, é preciso investir na qualidade do ensino regular e na sua expansão – antídotos contra a repetência e a evasão escolar, que, somente no ensino fundamental, gira em torno de 7%.

Programas nacionaisNo âmbito da EJA, Brasil Alfabetizado e Fazendo

Escola são os dois principais programas de governo. Juntos, estão consumindo investimentos da ordem de R$ 761,1 milhões este ano. Em 2005, cerca de 1,1 milhão de pessoas passaram pelo programa Brasil Alfabetizado, que atua no País inteiro por intermédio de parceiros. Recentemente, um convênio entre os mi-nistérios da Educação e do Trabalho e Emprego incluiu os trabalhadores encontrados na condição de trabalho análogo a de escravos entre o público beneficiado. Populações indígenas, pessoas com necessidades es-peciais, quilombolas, pescadores artesanais e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas são alguns dos segmentos sociais atingidos pelo programa.

O Fazendo Escola, por sua vez, foi criado para en-frentar o analfabetismo e a baixa escolaridade em bolsões de pobreza, onde se concentra a maior parte da população de jovens e adultos que não completou o ensino fundamental. Este ano, a meta é atender 3,3 milhões de pessoas, distribuídas por 4.305 municípios. Para atender a população do campo, o governo criou o programa Saberes da Terra, para ampliar as iniciativas de acesso e permanência de jovens agricultores fami-liares no sistema formal de ensino.

Baixo nível“Alfabetizar só não basta”, alerta Eliane Ribeiro,

professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio). Especializada em educação de jovens e adultos, ela diz que já viu muita aberração nessa modalidade de ensino: “Numa pesquisa recente, encontramos uma moça, no interior do Rio de Janeiro, que estava na clas-se de alfabetização há seis anos”. No ensino médio, o

desempenho da EJA também é baixo. No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os alunos tiveram média 35,75%, o que significa quase nove pontos de diferença em relação às médias de quem estuda no ensino médio regular.

Esse resultado reflete não só o per-fil econômico do público, mais pobre e com poucas chances de acesso a bens culturais, como também par-ticularidades dessa modalidade de ensino. A EJA só funciona no período noturno, quando o grau de absen-teísmo dos professores é maior, as bibliotecas costumam ficar fechadas e o tempo de aula é menor. Não bastassem todos esses problemas, ainda há a questão dos conteúdos. “A educação de jovens e adultos deveria ser focada em competências da vida e no incentivo à pesquisa”, diz Eliane. “A universalização do ensino pressu-põe, além do acesso, a permanência, a progressão e a conclusão na idade adequada.” Apesar das críticas, ela considera um avanço a criação da Se-cad – reivindicação antiga dos fóruns de educação de jovens e adultos.

Ação de impactoHá uma década, a Alfabetização So-

lidária (Alfasol) vem trabalhando para reduzir os altos índices de analfabe-tismo e ampliar a oferta pública de educação de jovens e adultos. Cerca de 5 milhões de cidadãos de 2.066 municípios já foram alfabetizados pela Alfasol e 238 mil pessoas foram capacitadas para dar aulas. O Censo de 2000 reconheceu a atuação da organização no combate ao analfa-betismo: “No grupo populacional de 15 anos ou mais, registrou-se uma redução da taxa de analfabetismo de 20,1%, em 1991, para 13,6%, em 2000. Essa melhoria reflete, em parte, os esforços do Programa Alfabetiza-ção Solidária”.

Os cursos têm duração de oito meses e o objetivo é apenas o de dar um impulso inicial no processo de alfabetização. Depois, os estudantes são encaminhados à rede pública de

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ensino. A variação de idades dos alunos atendidos não é vista como problema. “Conviver com a diversidade etária é um avanço da EJA”, diz a socióloga Ednéia Gonçalves, assessora técnica da Alfasol.

Mas o analfabetismo tem também cor e sexo. Segun-do a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD), realizada em 2003, 67% dos analfabetos são negros ou pardos e 52% são mulheres. A constatação orientou a ação do grupo Carrefour – empresa do setor de varejo, que, desde 2002, vem desenvolvendo o Pro-grama Educacional Carrefour. Inicialmente, o programa se restringia a São Paulo; hoje, ele está espalhado por sete Estados e atende não somente a funcionários. No ano passado, 2.250 alunos, entre funcionários, presta-dores de serviços e clientes, foram alfabetizados.

Como a mulher é o público-alvo do Carrefour, as aulas são dadas nas próprias comunidades, já que muitas dessas alunas têm filhos pequenos. “Os executivos do grupo estão convencidos de que um dos grandes desafios empresariais é

AS ALTAS TAXAS DE REPETÊNCIA, A DISTORÇÃO DE SÉRIES E A EVASÃO DA ESCOLA REGULAR ALIMENTAM OS ÍNDICES DE

superar a visão de que qualificação profissional se restringe a treinar funcionários”, diz Neide Rocha, do Instituto de Transformação Carre-four. Estudos internacionais têm demonstrado fartamente a relação direta entre o nível educacional do trabalhador e sua capacidade de se adaptar às mudanças tecnológicas e econômicas. Além do mais, o acesso à educação fundamental está listado entre os Oito Objetivos do Milênio, compromisso mundial capitaneado pelas Nações Unidas, do qual o Car-refour é signatário.

ANALFABETISMO FUNCIONAL TAMBÉM ENTRE OS JOVENS

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ciência

Motivação é um conjunto de fatores psicológicos (cons-cientes ou inconscientes) de ordem fi siológica, intelectual ou afetiva, que agem entre si e determinam a conduta de um indivíduo. Essa é uma das defi nições da palavra, segundo o “Aurélio”. No dia-a-dia, o termo, que ganhou vestimenta empresarial depois de exaustivamente utiliza-do em palestras sobre efi ciência corporativa e gestão de recursos humanos, pode ser traduzido como o cardápio de razões que nos fazem agir como agimos. E desvendar seus segredos é desejo de todos que lidam com o ser humano, especialmente educadores que atuam com jovens, um grupo particular, que em poucos segundos pode oscilar do entusiasmo ao tédio.

O desejo que impulsiona esses alunos – que todos os educadores sonham ter – podem ter diferentes origens, como o fato de o indivíduo ter afinidade com o conteúdo. Ou esteja curioso para saber de que trata o assunto. Ou, ainda, pretender usar na prática o que foi estudado, como aprender inglês para cantar melhor as músicas de uma banda querida. Ou seja, temos interesse no que possa nos trazer algum tipo de retorno, alguma espécie de “pagamento”.

Para um pesquisador do tema, o pernambucano Edmilson José de Sá, que também é professor, esse motor chamado motivação exige uma faísca inicial, que é o pensamento. “Não é algo inerente ao ser humano”, diz. Portanto, sem deflagrar esse processo... nada feito. E, no caso da aprendizagem, a condição é ainda mais essencial. Bons estudantes são aqueles que têm uma atitude positiva em relação ao conhe-cimento. “Eles querem aprender e têm poderosas razões para fazer isso – in-cluindo, é claro, um medo de fracasso”, afi rma Edmilson.

Por_ Karina YamamotoIlustração _ Flávio Castellan

A ALEGRIA DE APRENDER

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A MOTIVAÇÃO É INDISPENSÁVEL AO APRENDIZADO E DEPENDE DOS VALORES INTERNOS, MAS TAMBÉM DOS ESTÍMULOS EXTERNOS

A ALEGRIA DE APRENDER

Recompensa à vista Uma pesquisa norte-americana, publicada em maio

deste ano, tomou o “pagamento” no sentido literal, testando como um retorno em dinheiro incentiva a lembrança do conteúdo apresentado. Na verdade, os pesquisadores estudaram como os mecanismos de memória – essenciais para o aprendizado – se compor-tam em relação aos circuitos de recompensa – o centro da motivação, quimicamente falando. Mecanismos que funcionam também com outros estímulos, signifi cativos para a pessoa, e não apenas com dinheiro, escolhido para o teste. Enfi m, observando a atividade cerebral de diversas áreas por meio de imagens de ressonância mag-nética, os cientistas concluíram que há uma preparação do cérebro para armazenar informação. “Desde que nós nos importemos ou estejamos animados com isso”, diz Alison Adcok, que conduziu a pesquisa com um grupo de colegas da Universidade de Stanford, na Califórnia.

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A MOTIVAÇÃO PRECISA SEMPRE SER DEFLAGRADA E DEPENDE DE DIFERENTES FATORES, INCLUINDO A RECIPROCIDADE: O EDUCADOR TAMBÉM DEVE ESTAR MOTIVADO

estudiosos verifi cavam se esses mesmos cartões eram reconhecidos em meio a outros. Aqueles de maior valor eram muito mais lembrados que os demais. “O que os dados apontam é que o incentivo pode potencializar o aprendizado”, diz Adcok. Mesmo que o estímulo não

seja fi nanceiro. A publicidade, ela exemplifi ca, usa essa estratégia o tempo todo, apresentando recompensas potenciais enquanto mostra o produto. “Nós poderíamos usar os mesmos

princípios na aprendizagem”, ela afi rma. Seu conselho é que os professores apresentem as

vantagens do conteúdo que estiverem ensinan-do para a vida de seus alunos.

De dentro e de foraMas algo acontece no decorrer dos anos.

Segundo especialistas da área de educa-ção, os alunos tendem a se desencantar com a escola conforme avançam as séries. Já não se vê o brilho nos olhos de um jovem, como se encontra num

pequeno da educação infantil, concluiu o trabalho da psicóloga Roseli Fernandes Lins Caldas, defendido na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em abril de 2000. Isso porque, na linguagem dos especialistas,

a motivação pode ser de duas naturezas: in-trínseca, quando o próprio conteúdo basta para gerar um interesse, e extrínseca, no caso dos elogios, notas ou prêmios. E quanto mais idade tem um aluno, mais importante fi ca a motiva-ção intrínseca para que ele siga adiante.

No entanto, esse motor intrínseco se rela-ciona com o ambiente em que o jovem vive.

A chave está no grupo. “A existência do ser humano está sempre relacionada com o outro”,

O grupo submeteu os voluntários a duas tarefas. Na primeira, eram apresentadas fi guras, como círculos e quadrados, e seus respectivos valores – que iam de 0 a 5 dólares. As pessoas escolhiam suas cartas, pressionando um botão e, logo em seguida, eram informadas de quanto haviam ganhado. Depois de algumas vezes, percebeu-se que as áreas do cérebro ligadas às emoções eram ativadas assim que as fi guras “mais caras” apareciam na tela. O segundo teste investigou como o centro da recompensa promovia a memori-zação. Símbolos com valores de 5 dólares e 10 centavos de dólar eram apresentados e, no dia seguinte, os

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diz a professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica, PUC-SP, Dulce Critelli. Ela remete às teorias da pensadora moderna Hanah Arendt e seus conceitos de singularidade e pluralidade. Só seremos indivíduos de fato (singulares) na companhia de nossos iguais (plura-lidade): “Aqueles com quem convivo serão exemplares de até onde o ser humano pode chegar”.

Se olharmos à nossa volta, que modelos de sucesso e ascensão social temos? Jogadores de futebol são os mais recorrentes. Não se trata de desmerecer o talento dos atletas brasileiros, mas é importante notar que nessa lista não há cientistas, por exemplo. “Por que somos a nação do futebol? Poderíamos ser o país da ciência se tivéssemos espaços para aprender a discipli-na na mesma proporção em que temos escolinhas de futebol”, diz Célio da Cunha, especialista em educação da Unesco no Brasil.

Também para Dulce Critelli, a mudança dos valores é essencial. “O que nossa sociedade valoriza por meio dos filmes, das novelas, dos games? O consumo, a violência, a capacidade de extermínio em vez da cultura e do estudo”, diz. Para transformar essa realidade é preciso tirar os esforços de mudança, que existem, da “clandestinidade”. Trazer para o debate público (e para a mídia) a valorização da solidariedade e do saber, como ferramentas úteis para qualidade de vida. “A malha sub-terrânea já está bem formada”, diz. Falta dar visibilidade a isso tudo no nosso sistema de valores.

Público especial Para trabalhar a motivação juvenil, portanto, torna-se

imprescindível estimular o potencial da turma e criar um ambiente favorável – ainda que restrito ao universo do local de aprendizagem. Levar à escola a alegria de estar lá – a tese defendida com veemência pelo educador francês Georges Snyders. Em seu livro “Alunos Felizes” (Paz e Terra, 1993), ele escreve: “Se, num passado recente, os alunos puderam verificar, dentro de um determinado prazo, que seu trabalho efetivamente lhes retribuía a alegria prometida, eles darão ao professor um crédito breve e satisfatório: a promessa de que, ao cabo de seus esforços, eles conhecerão a alegria de compreender, de se comover, de saber fazer”.

E essa possibilidade passa fundamentalmente pela boa qualidade da relação entre mestre e aprendiz. “O primeiro passo é respeitar o aluno, não só no sentido etimológico da palavra, que se refere ao comportamen-to sensato diante do outro, mas fazendo cumprir o seu papel de orientador, de mostrar coisas interessantes”, diz Edmilson de Sá. Perceber o envolvimento do edu-

EXATAMENTE PORQUE DEPENDE MAIS DAS MOTIVAÇÕES INTERNAS, O JOVEM NECESSITA DE ESTÍMULOS EXTERNOS ELABORADOS, QUE APONTEM A UTILIDADE DO CONHECIMENTO E EXPLOREM O POTENCIAL DO GRUPO

cador, sem dúvida, já é um estímulo positivo para o aprendiz. Mas é tam-bém necessário ouvir o que os jovens têm a dizer, entender seus interesses, tentar alcançar sua linguagem e, as-sim, estar mais próximo.

Porque a motivação, alerta o pesqui-sador pernambucano, é um processo de reciprocidade. “Se a conversa não interessar, o interlocutor não vai reagir, vai olhar para o outro lado, interromper a conversa... E isso não nos deixará motivados a continuar falando, porque a outra pessoa não está ouvindo”, exemplifica. Daí a importância de ter um educador motivado à frente dos jovens. “Se você chegar já reclamando de tudo e de todos, o aluno vai se sentir um peso na sua vida, desnecessário, improdutivo...”, conclui Edmilson.

Outra estratégia para dar um gás nos processos de aprendizagem é buscar novas maneiras de apresentar o conteúdo, possibilitar vivências, mostrar novos pontos de vista. Um exemplo entusiasmado é o da profes-sora Luzdivina Casuso, que leciona na rede pública de São Carlos, no interior de São Paulo. Aposentada há três anos, ela voltou a lecionar por gosto e defende a disciplina mais temida pelos alunos – a Matemática. “As aulas têm sempre um enfoque de experimentação e os alunos adoram”, conta. “Por exemplo, ensino triângulos medindo a sombra dos garotos e garotas.” Suas aulas demandam mais tempo de elaboração, mas o esforço compensa, segundo a professora. “Não é pior segurar uma sala que não tem interesse pelo que a gente está falando?”, questiona.

O pernambucano Edmilson de Sá concorda: “É necessário fazer valer a etimologia das palavras ‘professor’, que significa ‘aquele que ilumina’ e ‘aluno’, ‘o iluminado’ e, seguindo essa idéia, não ser apenas uma vela na imensa escuridão, mas um castiçal de velas acesas e vibrantes pra iluminar tudo ao seu redor”.

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chat de revista

O ideal da educação é a formação do cidadão, aquele capaz de formar juízos sobre a realidade em que vive, para infl uenciá-la e ser um agente de transformação. Há muitas fontes de aprendizagem, começando pela família, a natureza, a rua, a comunidade, mas é no ambiente escolar que se formaliza a transmissão do conhecimento. Como o jovem vê esse espaço de aprendizagem? O que ele oferece de bom? E o que há de ruim na escola? Para debater essas questões, Onda Jovem reuniu quatro estudantes: a universitária carioca Bianca Simãozinho Carvalho, de 19 anos, que faz faculdade de Serviço Social e é presidente da ONG Mundo Novo, fundada por ela mesma aos 16 anos “para levar uma educação transformadora” para crianças, jovens e adultos da comunidade de Mesquita, no Rio

QUATRO ESTUDANTES DEBATEM A QUALIDADE DA ESCOLAPARA A JUVENTUDEde Janeiro; o jovem Neemias Pinheiro de Oliveira, 18 anos, que está no 2º ano do ensino médio e faz o curso de operador têxtil no projeto Formare, da Coteminas, em Natal (RN); a cearense Leilane Mouzinho Domingos, 18 anos, também estudante do 2º colegial e participante do Ateliê da Juventude

de Fortaleza, que oferece oficinas de capacitação e onde Leilane faz curso de Turismo e Hotelaria; e o paulistano Narciso Ribeiro Dantas, 19 anos, recém-formado no ensino médio, estudante de curso técnico de Informática e colaborador do jornal “Resoluto”, um dos projetos da ONG Vento em Popa, que atua em São Paulo com a missão de fortalecer a base social de comunidades por meio de ações educativas, como o incentivo à leitura e à consciência ambiental. Veja a seguir os principais momentos deste bate-papo sobre educação.

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LEILANE DOMINGOS, 18 ANOS,faz 2ª série do ensino médio em Fortaleza

NARCISO DANTAS, 19 ANOS,estudante de curso técnico em São Paulo

BIANCA CARVALHO, 18 ANOS,faz faculdade de Serviço Social no Rio

NEEMIAS OLIVEIRA, 18 ANOS,cursa o 2º ano do ensino médio em Natal

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Onda Jovem: Como seria a educação ideal para a juventude?

BIANCA: Seria uma educação transforma-dora, que formasse jovens em profissionais empreendedores, algo que vai além de apren-der matemática, algo sem preconceitos e com igualdade e dignidade para todos. Acho que, nessa escola transformadora, todos os jovens deveriam ter acesso à arte, pois ela transforma o ser humano

NARCISO: Eu acho que a educação ideal para a juventude é aquela que proporciona uma di-nâmica contínua na sala de aula entre professor e estudante. O aluno não pode só fi car ouvindo, tem de exercitar o que aprende e os professores têm de estar preparados para oferecer isso. É uma situação difícil com a precariedade atual das escolas públicas.

LEILANE: A educação ideal é aquela que pre-para o jovem para a vida. Ou seja, que capacita o jovem para ingressar no mercado de trabalho e na universidade, que ajuda o jovem a ser cida-dão participante dos movimentos comunitários e sociais, fortalecendo os valores culturais e históricos.

NEEMIAS: Para mim, o ideal da educação são professores dedicados a ensinar.

Do seu ponto de vista, o que a escola ofe-rece de bom? E o que ela tem de ruim?

NARCISO: Ruim na escola são as instalações sem o menor conforto e principalmente a falta de segurança. Mas, dentro desse cenário precário, ela ainda tem algo de bom: estimula a criatividade de alguns professores e de alunos, principalmen-te da periferia, para resolver os problemas.

BIANCA: O lado bom da escola é que ela dá sabedoria, conhecimento e livra as pessoas da ociosidade. O ruim é a falta de profi ssionalismo e amor de alguns professores, que não conseguem compreender os diferentes públicos atendidos na escola, as diferentes necessidades dos alunos.

NEEMIAS: Algumas escolas têm de bom a estrutura física e, de ruim, professores que não são comprometidos com o aluno e que não se dedicam a ensinar.

LEILANE: O bom e o ruim se misturam na esco-la. Você tem ao mesmo tempo professores capa-citados, que fortalecem os jovens na convivência, e professores que não têm compromisso, que não preparam o jovem para viver em sociedade, não fortalecem seu potencial, sua auto-estima.

O que é que precisa melhorar na educação escolar?BIANCA: Tudo precisa melhorar: as oportunidades de estudo, as vagas para todos,

e ensino de qualidade, diferenciado.NARCISO: A educação brasileira não pode continuar a ter níveis de ensino bom

e ruim de acordo com a região, a cidade, o estado, o bairro. É preciso alcançar um padrão de ensino, de conteúdo, que não faça diferença entre classes sociais mais ou menos favorecidas.

LEILANE: A educação escolar no Brasil é excludente: é de boa qualidade para os ricos e de má qualidade para os pobres. É precisa incluir todos: as pessoas com defi ciência, as pessoas negras, os pobres.

NEEMIAS: Eu insisto: o que mais precisamos é de professores dedicados, com compromisso de ensinar.

O que deveria ser feito nas escolas para atrair o jovem? BIANCA: As escolas deveriam apostar em atividades lúdicas e interativas, rela-

cionadas ao cotidiano do jovem que atende.NARCISO: É preciso mais conteúdo, melhores instalações, professores mais di-

nâmicos e menos aulas vagas!LEILANE: Acho que investir mais na cultura, no lazer e na capacitação profi ssional

do jovem e do professor é a solução. E também cuidar mais da estrutura nas salas de aula, do salário dos professores, ter laboratório de ciência e informática funcionando em per-feitas condições. Para tudo isso, a participação da sociedade cobrando melhorias na educação é fundamental.

“A educação ideal é a que prepara o jovem para a vida”

LEILANE DOMINGOS

LEILANE

BIANCA

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Como os jovens podem contribuir para a evolução da educação?

NARCISO: Acho que é exatamente investin-do nos estudos para evoluir, buscando isso e seu próprio futuro sem esperar de governante algum!

BIANCA: Os jovens podem ajudar querendo aprender mais e mais, e ajudando a construir novos pólos de educação transformadora.

NEEMIAS: Na prática, em cada sala de aula, os jovens poderiam se juntar e elaborar atas em que constem suas opiniões, críticas, as soluções de cada aluno.

LEILANE: O jovem contribui com a melhora da educação acreditando mais em si, participando mais da sociedade, sendo mais responsável.

E o que o jovem pode fazer para promo-ver a transformação da sociedade, não só da educação?

BIANCA: O jovem precisa perder a pas-sividade, estudar e se informar para elaborar e apresentar projetos de seu interesse para a sociedade.

NARCISO: Eu acho que o jovem tem de se informar de seus direi-tos e deveres. Vejam, por exemplo, que a escola pública oferece um ensino péssimo para os jovens e depois se espera que ele entre nas melhores faculdades, que são as públicas. Em tese, teríamos esse direito, mas quem consegue entrar numa USP são os jovens de classe média para cima.

NEEMIAS: É que os jovens de classe alta ou média têm condição de pagar um cursinho par-ticular e assim têm mais chance de entrar nas melhores universidades.

BIANCA: Eu acho que deveriam existir somente faculdades públicas, com direitos iguais para todos, sem distinção de classes.

LEILANE: Eu não concordo que todas as escolas públicas sejam de péssima qualidade. Algumas são boas o sufi ciente para capacitar o jovem a en-trar nas melhores universidades. Mas a questão principal é que a educação só terá valor quando houver igualdade para todos.

“É preciso alcançar um padrão de ensino que não faça diferença entre classes sociais”

NARCISO DANTAS

PROJETO FORMARE – FUNDAÇÃO IOCHPEÁREA DE ATUAÇÃO NACIONAL E UMA ESCOLA NA ARGENTINA (MWM INTERNATIONAL).PROPOSTA Desenvolver as potencialidades de jovens de populações de baixa renda para integrá-los à sociedade como profi ssionais e cidadãos. A rede Formare é composta por escolas profi ssionalizantes instaladas dentro de empresas. Os cursos, ministrados por mais de 2.500 educadores voluntários, que são funcionários das empresas, têm duração de um ano e são desenvolvidos de acordo com as características da especialidade profi ssional buscada. No curso oferecido pela Coteminas, em Natal (RN), os jovens recebem formação na área têxtil. JOVENS ATENDIDOS O projeto já formou mais de 4 mil jovens. As 60 escolas em atividade atendem hoje mais 1.200 jovens. O curso têxtil oferecido pela Coteminas em Natal (RN) atende 20 jovens.CONTATO Alameda Tietê, 618, casa 1 – Cerqueira César (SP) – 01417-020 – São Paulo (SP) – Tel.: 11/3060-8388 – [email protected]; www.formare.org.br – em Natal (RN), contato com [email protected] – Tel.: 84/4006-1987.PA

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PROJETO CONSÓRCIO SOCIAL DA JUVENTUDE DO CEARÁ – ATELIÊ DA JUVENTUDEÁREA DE ATUAÇÃO FORTALEZA, REGIÃO METROPOLITANA E INTERIOR. PROPOSTA Preparar e capacitar o jovem para o primeiro emprego e promover sua inclusão social por meio de cursos de capacitação.JOVENS ATENDIDOS 2.100 no estado do Ceará.APOIO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, POR MEIO DO PROGRAMA PRIMEIRO EMPREGO, E PARCERIAS COM EMPRESAS LOCAIS DO RAMO DA HOTELARIA, AGROINDÚSTRIA E SERVIÇOS QUE PROPORCIONAM OPORTUNIDADE DE ESTÁGIO PARA OS JOVENS CAPACITADOS.CONTATO Rua Carlos Vasconcelos, 1774 – Meireles – Fortaleza CE) – 60115-70 –Tel.: 85/3466-6600 – www.juventudeetrabalho.org.br e [email protected].

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PROJETO ONG MUNDO NOVO DA CULTURA VIVAÁREA DE ATUAÇÃO CHATUBA, NA CIDADE DE MESQUITA, RIO DE JANEIRO. PROPOSTA Contribuir para a melhor educação de crianças, jovens e adultos da comunidade de Chatuba, por meio de atividades educativas em creche, pré-escola de 2 a 6 anos, reforço escolar da 1ª a 8ª séries, alfabetização de jovens e adultos e ofi cinas culturais.JOVENS ATENDIDOS 107 crianças e adolescentes e 30 adultos.APOIO TRABALHO VOLUNTÁRIO.CONTATO rua Adolfo de Albuquerque, 298 – 26 247 050 Cidade (Estado) – Tels.: 21/2696-0871 e 21/3765-4947 – www.ongmundonovo.org.br e [email protected].

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PROJETO JORNAL RESOLUTO DA ONG VENTO EM POPA ÁREA DE ATUAÇÃO PENÍNSULA DO COCAIA, DISTRITO DO GRAJAÚ, SÃO PAULO.PROPOSTA Realizar um programa de desenvolvimento local com a participação de jovens da comunidade, capacitados para gerir e operacionalizar três projetos que visam: promover uma rede de comunicação local; despertar o interesse pelo conhecimento e pela cultura; e mobilizar a participação coletiva para a recuperação e preservação dos mananciais.JOVENS ATENDIDOS 362 jovens e crianças.APOIO INSTITUTO CAMARGO CORREA; SECRETARIA DE JUVENTUDE, ESPORTE E LAZER DO ESTADO DE SÃO PAULO, POR MEIO DO PROJETO NAVEGA SÃO PAULO.CONTATO Rua 9 de setembro,88 – Jd. Gaivotas, São Paulo (SP) – [email protected]; [email protected] – Tel.: 11/5931-8188.PA

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É preciso que a educação se torne uma paixão nacional tão forte quanto é o futebol brasileiro. “No momento em que o brasileiro for tão exigente com a escola quanto é com a escalação da seleção, a educação vai melhorar. Teremos pais participando mais da vida escolar dos fi lhos, cobrando por qualidade na escola e assim tornando os dirigentes da escola mais responsáveis pela educação”, diz Milú Villela, do Instituto Itaú Social e uma das lideranças do Compromisso Todos pela Educação, lançado no último 6 de setembro, no Museu do Ipiranga, em São Paulo. A iniciativa reúne representantes do setor privado, de organizações sociais, educadores, economis-tas, comunicadores e gestores, e tem o objetivo de trabalhar por uma educação

de qualidade para crianças e jovens brasileiros. O movimento começou a se desenhar um ano antes, quando lideranças empresariais passaram a se reunir para discutir alternativas para a educação no Brasil e fazer um levantamento dos desafi os. Em abril de 2006, esses desafi os foram priorizados em um seminário e o objetivo genérico do movimento foi traduzido em cinco metas a serem atingidas até setembro de 2022:

PARA EDUCAÇÃO VIRAR PAIXÃO1

1) 98% das crianças de 4 a 17 anos estarão na escola (em 2004, 88% esta-vam na escola).

2) Toda criança de 8 anos saberá ler e escrever.

3) Pelo menos 60% dos alunos con-seguirão aprender o conteúdo apro-priado para sua idade (dados de 2003 apontam que apenas 25% alcançam o nível esperado em português e 10% em matemática).

4) 80% dos jovens completarão o ensino fundamental até os 16 anos, e 70% concluirão o ensino médio até os 19 anos (em 2004, 48% completavam o ensino fundamental aos 16 anos e 35% o ensino médio aos 19 anos).

5) 5% do PIB (Produto Interno Bruto) será aplicado todos os anos no ensino básico, até 2011, mantendo-se o in-vestimento até 2022 (hoje se aplicam 3,5% do PIB).

“As metas têm o propósito de mobi-lizar todos aqueles que já atuam com educação no país a focar ainda mais seu trabalho. Ou se juntam forças ou não se chega rapidamente a uma solução para problemas que são profundos e com-plexos”, diz Milú. Segundo a coordena-dora executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, do Instituto Faça Parte, as ações para atingir as metas estão articuladas em três frentes de trabalho: uma técnica, com a missão de monito-rar as metas em todo o país e cobrar ações, coordenada pelo Instituto Ayrton Senna; a de comunicação, encarregada de estabelecer parcerias com a mídia para ampliar o debate, coordenada pela Fundação Roberto Marinho; e a frente de legitimação da causa, responsável por articular e formar comitês regionais multissetoriais em todo o país, liderada pelo Instituto Gerdau. Os interessados em participar já podem acessar o site do Todos pela Educação e fazer sua adesão em www.todospelaeducacao.org.br/adesão.aspx.

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2 EDUCAÇÃO SUPERIOR À DISTÂNCIA

De 2000 para 2004, o número de alu-nos portadores de necessidades especiais matriculados no ensino superior público e privado cresceu 148%. Os dados, do censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-cionais (Inep), regis-tram 2.173 alunos matriculados em 2000 e 5.395 em 2004. O Inep ainda está computando as informações da educação superior de 2005, mas a as-sessora técnica da Secretaria de Educação Especial do MEC, Marlene Gotti, acredita que o crescimento do acesso desses alunos à uni-versidade pode ser ainda mais signifi cativo

por conta de programas como o Incluir, realizado pelo Ministério da Educação desde 2005. No ano passado, o programa contemplou com verbas federais cerca de 20 projetos de instituições federais de ensino superior destinados a pro-mover acessibilidade na área arquitetônica, de comunicação e de capacitação de professores com vistas à inclusão do aluno especial. “Em 2006, 39 instituições apresentaram planos de

trabalho para participar do programa Incluir. A seleção está em fase de conclusão, e os projetos selecionados serão contemplados com R$ 1,1 milhão de recursos”, informa a assessora.

No Brasil, segundo o Ministério da Educação, apenas 10% dos jovens entre 18 e 24 anos têm aces-so ao ensino superior. Isso explica a expansão universitária com a educação à distância. O sistema é oferecido pela Universidade Aberta do Brasil, criada pelo Ministério da Educação em conjunto com o Fórum da Estatais, e já atende 10 mil alunos com um curso piloto de administração, em 100 pólos instalados em municípios de 19 unidades da federação. “O estudante vai ao pólo pelo menos uma vez por semana, participa de laboratórios didáticos, dispõe de biblioteca, forma grupos de estudo, recebe assistência de monitores. A idéia é que os pólos funcionem como locais de atualização permanente para os estudantes”, diz o secretário de Educação à Distância do Ministério, Ronaldo Mota. O principal público-alvo dos cursos permanentes da UAB serão os cerca de 350 mil professores da rede pública de

ALUNOS ESPECIAIS NA

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ensino que não têm curso superior. “Três quartos dos cursos e vagas se destinam à formação de professores, porque a meta maior é melhorar a educação básica”, diz Mota. O programa permanente começará a funcionar em 2007, com a instalação de pouco mais de 300 pólos com capacidade para atender cerca de 90 mil alunos. A UAB conta com a parceria de instituições federais de educação superior. “Em 2005, quando começamos, tínhamos apenas 8 instituições credenciadas. Hoje temos 50”, diz Mota. “Indicadores mostram que a qualidade do curso à distância é a mesma do curso presencial e, em muitos casos, melhor. Estudos apontam que alunos formados em cursos à distância adquirem maior disciplina de estudo e estão mais capacitados a aprender”, diz o secretário.

UNIVERSIDADE

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E AS DISCUSSÕES SOBRE COTAS E A OBRIGATORIEDADE DOS ESTUDOS

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AFRO-BRASILEIROS DÃO VISIBILIDADE

ÀS AÇÕES CONTRA A DISCRIMINAÇÃO NO SISTEMA EDUCACIONAL

Por_ Luzia Rodrigues

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A aprovação da Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e Cultura Afro-brasileira, gerou nos meios escolares e acadêmicos algumas inquietações e muitas dúvidas. Como ensinar o que não se conhece?Segundo o professor Anderson Ribeiro Oliva, formado em História pela Universidade de Brasília e estudioso do tema, existem poucos livrosdidáticos sobre a História da África e menos ainda professores preparadospara lecionar as disciplinas. Também para Mauricio Waldman, professor deGeografia na Universidade de São Paulo, o preparo de docentes para o ensinode História Africana enfrenta muitos obstáculos. É preciso, portanto, intensificar as ações para a formação dos professores que vão transmitiresses conteúdos ao estudantes brasileiros.

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A ampliação do debate sobre as cotas para estu-dantes negros e afro-descendentes nas universidades – independente do mérito das posições favoráveis e contrárias – vem contribuindo para se discutir mais pro-fundamente o tema da exclusão do sistema educacional brasileiro e a importância de se implementar, desde os níveis mais básicos de ensino, a educação que respeita e acolhe a diversidade de culturas e etnias. Neste as-pecto, a obrigatoriedade do estudo da história africana e da cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio – determinada pela Lei nº 10.639, de 2004, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – é outra iniciativa que pode representar uma oportunidade para aumentar o conhecimento sobre as relações intercul-turais no Brasil, colaborando para o amadurecimento de uma sociedade sem os entraves de qualquer tipo de discriminação.

“A implantação da Lei nº 10.639, que torna obrigatório o ensino de história afro-brasileira nas escolas, ajuda a valorizar a contribuição dos imigrantes africanos e seus descentes à cultura e à economia brasileiras”, diz Matilde Ribeiro, secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Por outro lado, Matilde lembra também que o Programa Universidade para Todos (Prou-ni) já oferece 203 mil bolsas de estudo para que alunos provenientes de escolas públicas possam estudar em instituições privadas. Entre eles, há 63 mil negros e indí-genas, e 30 universidades públicas já adotam o sistema de reserva de vagas para negros e indígenas.

Conquista socialMas tanto a perspectiva de que as instituições pú-

blicas e privadas estabeleçam cotas para estudantes negros e afro-descendentes quanto a determinação de se estudar a contribuição da cultura africana são temas que entraram na pauta dos governos e insti-tuições de ensino por pressão de movimentos sociais. Um exemplo da ação voltada para a inclusão social por meio da educação foi a criação, há cerca de dois anos, da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares – Unipalmares, que tem cerca de 600 alunos nos cursos de Administração Geral e Administração Financeira. A maior parte das vagas é destinada a estudantes negros e afro-descendentes.

Nos três andares da instituição, situada no centro da cidade de São Paulo, além das disciplinas curriculares, discutem-se também questões relacionadas à condição do negro na sociedade brasileira, o preconceito, a margina-lização, o racismo, a auto-afirmação e a cidadania. “Muitas vezes, o próprio negro não reconhece sua identidade, seus direitos, e acaba achando que universidade não é para ele”, diz João Alcântara dos Santos, aluno do 2º ano do curso de Administração. �Num país que não consegue discutir cotas, saímos na frente. Embora 87% dos alunos sejam negros, temos alunos japoneses, bolivianos e brancos. Somos uma faculdade normal, onde a contribuição afro é valorizada”, diz o reitor, José Vicente.

Longa históriaA inclusão dos estudos africa-

nos no currículo escolar também tem uma trajetória anterior à determinação legal. Em 1976, o professor Henrique Cunha Júnior, da Universidade Federal do Ceará, já se ocupava com o tema. Militante dos movimentos negros, naquela época ele se dedicava à organização da Escola da Camisa, em São Paulo. “Resol-vemos pôr as críticas ao sistema educacional brasileiro numa realização prática, por meio de um curso de preparação para exames supletivos, realizado nas dependências da Escola de Samba Camisa Verde e Branco”, recorda. E foi num desses cursos que o professor introduziu, pela primeira vez no país, uma aula semanal de História Africana.

“Eu lecionava História do Brasil e me pus também a aprender História Africana, estudando o material disponível, que era pouco na época. A partir de 1990, retomei a questão do ensino de História Africana, agora com mais informação e reflexão, dentro de uma perspectiva de formação introdutória para educadores da rede pública, militantes dos movimentos negros e lideranças sindicais, pós-graduandos em educação e participantes de comunidades de bairros da peri-feria”, diz. Com a Lei nº 10.639, com certeza o número de alunos vai se multiplicar.

Os temas da diversidade entraram na pauta de debates por pressão dos movimentos sociais

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FAÇA CONTATOEnvie cartas ou e-mails para esta seção com nome completo, endereço e telefone. ONDA JOVEM se reserva o direito de resumir os textos. Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320, conjunto 403, CEP 04111-001, São Paulo, SP. E-mail: [email protected].

AÇÃO SOCIAL

Sou coordenadora da Asso-ciação de Cegos do Estado do Ceará (ACEC) e quero agradecer a contribuição de vocês. Trans-crevemos para o braille artigos de Onda Jovem, que são discutidos em nossas aulas e capacitações para os jovens. São de excelente qualidade e estão enriquecendo nossas discussões.

Elinalva Alves de Oliveira, CE

Sou educador social do Projeto Jovens Agentes de Cultura e acho que a revista colabora muito com o meu trabalho.

Fabiano Leal, Lauro Muller, SC Faço parte de um grupo voluntá-

rio voltado para ações direcionadas à juventude. Realizamos palestras e oficinas para o jovem e por isso gostaríamos de receber Onda Jovem.

Luciana Megale da Costa Lino, Belo Horizonte, MG

Estou atuando em um programa social com jovens e gostaria de receber a revista, para ampliar meus conheci-mentos sobre juventude.

Susana Lúcia do Nascimento, Ponte Nova, MG

Trabalhamos com jovens do Regional Leste 2, que faz parte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Atua-mos com o Instituto de Pastoral da Juventude Leste 2. É de grande importância ter a revista no nosso dia-a-dia.

Vicente Reis, Belo Horizonte, MG

Sou coordenadora de projetos do Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável do Centro Oeste (IBISS-CO). É uma organização de defesa dos direitos humanos, voltada para crianças, adolescentes e jovens socialmente vulneráveis. Gostaria de receber a revista para compartilhar com os jovens atendidos.

Jucylleyde dos Santos, Campo Grande, MS

Trabalho com a Pastoral da Juventude na Arquidiocese de Belo Horizonte. Gostaríamos de receber Onda Jovem, pois as matérias e reportagens podem ser muito úteis.

Júlio César Miranda Cunha, Belo Horizonte, MG

Somos da Associação Horizontes (www.ah.org.br) e passamos a receber esta excelente publicação.

Marcelo Rocha, São Paulo, SP

Sou arte-educadora e trabalho em projetos sociais com jovens. Onda Jovem despertou meu interesse com infor-mações sobre práticas sociais. A revista contribui muito para que eu possa ampliar meu conhecimento sobre essas iniciativas no país.

Nichele Antunes, Cocal do Sul, SC

NA INTERNETSou da Diocese de Floresta, em Pernambuco. Gostaria

de enfatizar o quanto o site Onda Jovem tem nos ajudado a preparar os nossos jovens, com informações precisas da nossa realidade.

Nascimento Segunda, Floresta, PE

Sou supervisora pedagógica de ensi-no médio. Nossa cidade é bem pequena e não dispõe de muitas oportunidades para a juventude. Procuramos desen-volver projetos de ensino voltados para a formação moral e ética dos nossos jovens. Selecionei todas as sugestões de planos de aula do site Onda Jovem para discutir com os professores as ati-vidades que, com certeza, enriquecerão nosso trabalho.

Ivone Carlos da Costa Andrade, Governador Rosado, RN

Sou professora universitária e for-madora de professores, com atividades no Núcleo de Integração Universidade e Escola da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Faculdade Porto-ale-grense. Desenvolvo pesquisa a respeito de juventudes e participação social e tenho acessado o site da revista Onda Jovem como um material de referência importante para as minhas aulas. Utilizo trechos das reportagens e falas de jo-vens, que colaboram para desconstruir o estereótipo de aluno e de jovem como uma coisa só.

Ana Filipouski, Porto Alegre, RS

Nós, do Centro Popular da Mulher, agradecemos o envio do boletim do site Onda Jovem. Apreciamos muito os planos de aula.

Rita Aparecida, Goiânia, GO

Quero agradecer a vocês do site Onda Jovem pelos planos de aula sobre saúde. Os jovens adoraram!

Rafael, por e-mail

Gostaria de acusar o recebimento e agradecer a gentileza da remessa do boletim Onda Jovem, e cumprimentá-los pela importante iniciativa.

Elza Berquó, Coordenadora da Área de População e Sociedade do

Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, São Paulo, SP

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NAS ESCOLAS Os exemplares que recebemos de Onda Jovem foram distribuídos entre as escolas municipais de ensino fundamental e certamente enriquecerão os estudos extracurriculares.

Secretaria Municipal de Educação de Ourinhos, SP

Sou professora do ensino funda-mental e médio, formada em ciências sociais e com mestrado pela Unicamp. Soube da revista Onda Jovem por meio do Instituto Ayrton Senna, que está nos dando suporte em projetos na escola. Gostaria de receber as edições.

Regina Célia Piunti, Campinas, SP

Nós, da Escola Estadual Pastor Fran-cisco Paiva de Figueiredo, gostaríamos de receber a Onda Jovem.

Guarujá, SP

Sou professor associado à Apeoesp e li no site da instituição sobre a Onda Jovem e gostaria de receber as edições da revista.

José Paulo da Silva, Itapirapuã Paulista, SP

Sou educadora em uma escola es-tadual. Onda Jovem aborda assuntos que discuto com meus alunos, contri-buindo com meu trabalho e ajudando os estudantes a se tornarem cidadãos exemplares.

Geovana Ribas Reis, Taboão da Serra, SP

Sou professora no ensino médio. Trabalho em um projeto de minha au-toria, o SEMEIA, no qual pretendo, por meio oficinas, gincanas e trabalhos de pesquisa na área de humanas, motivar os alunos. Por isso, gostaria muito de receber a revista Onda Jovem.

Diana Lyrio Ferraz, Salvador, BA

CONEXÃO JOVEMFaço parte do movimento estudantil

da Universidade de Uberaba, por meio do Diretório Central Gildo Macedo Lacer-da, que representa cerca de 15 mil alunos. Gostaríamos de receber Onda Jovem. Achamos o trabalho excelente. Com tanta mídia ruim, quando vimos a revista, ficamos impressionados.

Guilherme Peracini, Uberaba, MG

Sou da Rede de Jovens do Nordeste. Apresento o programa Mundo Jovem em uma rádio comunitária, a Conquista FM. Nosso objetivo é desenvolver a comunicação alternativa. Quero notícias e novidades de vocês.

Tatiana de Jesus Ferreira Pereira, São Luís, MA

Tenho 26 anos e atuo em uma obra social em Apareci-da de Goiânia, que atende 820 crianças e adolescentes. Tomei conhecimento da revista num fórum de assessores que trabalham com juventude. O conteúdo da revista vai me ajudar em meus trabalhos. Gostaria de ter acesso às edições anteriores.

José Leonardo Borba, Goiania, GO

Tenho 20 anos e conheci o site da revista Onda Jovem. Achei ótima a iniciativa, parabéns mesmo! Até indiquei no meu blog!

Daniele Vuoto, por e-mail

Tenho 18 anos, estudo e participo de encontros com a juventude. Procuro discutir com meus colegas a questão dos direitos juvenis. A revista me ajuda nos debates.

Jaqueline Otávia Mesnerovicz, Campo Grande, MS

Trabalho com jovens agricultores e com jovens da Pas-toral da Juventude. Desejo receber a revista Onda Jovem, que poderá auxiliar nosso trabalho.

Silvanar Soares Pereira, Araçoiaba, CE

Parabéns pela iniciativa. Fiquei feliz e entusiasmada com o conteúdo da revista e do site Onda Jovem. Para nós, educadores, faltam iniciativas como estas.

Denise Zakaib, por e-mail

Tive conhecimento da revista Onda Jovem em um en-contro sobre juventudes. Ela é tudo de bom para quem trabalha diretamente com juventudes.

Neilda Silva Oliveira, por e-mail

NAS BIBLIOTECASSou bibliotecária da Universidade

de Santa Cruz do Sul – APESC/UNISC. Gostaríamos de receber Onda Jovem. A publicação atende prontamente aos nossos pesquisadores e enriquecerá muito nosso acervo.

Jorcenita Alves Vieira, Santa Cruz do Sul, SC

HORIZONTE GLOBALParabéns pelo portal Onda Jovem.

Saudações.Juan Miguel M. Molano, Bogotá,

Colômbia

Trabalho em Angola com projetos sociais e pesquisa sobre participação e cidadania. Parabéns pelo site Onda Jo-vem. Gostei da qualidade da informação transmitida. Força e bom trabalho!

Idaci Ferreira, Angola

PESQUISA AJUDA NA EVOLUÇÃO DE ONDA JOVEMOnda Jovem realizou entre os meses de junho e julho de 2006 uma pesquisa qualitativa, sob a responsabilidade de Estimar – Instituto de Pesquisa, envolvendo organizações localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador. Foram ouvidos 28 integrantes de organizações que desenvolvem programas, projetos e políticas públicas relacionados com juventude, além de um grupo de seis jovens participantes de projetos sociais.Os resultados dessa pesquisa apontaram novas oportunidades, bem como êxitos da proposta de Onda Jovem em relação aos seus objetivos originais. Com isso, o projeto patrocinado pelo Instituto Votorantim ingressa no terceiro ano com disposição renovada de prestar bons serviços à causa jovem.Leia mais sobre a pesquisa no portal www.ondajovem.com.br.

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O Instituto Votorantim apóia essa causa.

E quer ver muitos jovens fazendo sucesso na capa.

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EDUCAÇÃOOs esforços e os obstáculos para se promover a pedagogia da juventude

Porque, desde que foi criado, em 2002, para qualifi car o investimento social do Grupo Votorantim, o Instituto Votorantim abraçou a causa juvenil, apoiando tecnologias sociais nas áreas de educação e trabalho, favorecendo articulações e disseminando conhecimento para promover o desenvolvimento integral do jovem.

Nessa perspectiva, Onda Jovem é um projeto de comunicação a serviço da difusão de idéias e práticas, compartilhando as visões de educadores, jovens, gestores públicos, pesquisadores, formadores de opinião e outros segmentos que lidam com a juventude nas diferentes áreas.

A revista é quadrimestral e distribuída gratuitamente em todo o país. Os conteúdos estão disponíveis também no portal www.ondajovem.com.br, com acréscimos exclusivos como os planos de aula, que sugerem a aplicação dos textos em dinâmicas e atividades de refl exão com jovens.

www.ondajovem.com.br